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Capítulo 1 - Bases para uso da metodologia isotópica 1.1. Isótopos estáveis - definição
Antes de começarmos o estudo sobre a aplicação dos isótopos estáveis do
carbono, nitrogênio, oxigênio e deutério em ecologia e em outras áreas correlatas é
preciso uma breve revisão sobre alguns tópicos importantes. Por exemplo, como se
definem os isótopos?
Isótopos são espécies atômicas de um mesmo elemento químico que possuem
massas diferentes pelo fato do número de nêutrons em seus núcleos ser distinto, ou
seja, possuem o mesmo número de prótons (conhecido como número atômico, Z), mas
diferentes número de nêutrons (N) no núcleo atômico. Uma vez que a massa atômica
(A) é dada pela soma do número de prótons mais o número de nêutrons, isótopos de
um mesmo elemento terão diferentes valores de A.
Os isótopos estáveis são assim chamados por não alterarem sua massa ao
longo de sua existência, ao contrário dos chamados instáveis ou radioativos que, por
sua vez, decaem (mudam suas massas) por emissão de energia ou partículas
subatômicas.
Abaixo, exemplifica-se a distribuição do número de prótons e nêutrons para o
carbono e nitrogênio, que possuem particular interesse em estudos ligados a processos
ambientais:
carbono: 12C = 6 prótons e 6 nêutrons
13C = 6 prótons e 7 nêutrons
nitrogênio 14N = 7 prótons e 7 nêutrons
15N = 7 prótons e 8 nêutrons
Normalmente os isótopos mais "leves", ou seja, com menor massa atômica, são
mais abundantes, enquanto que os isótopos que possuem massa atômica maior são
mais raros, estando presente em uma quantidade muito menor, quando comparada ao
isótopo mais leve. Além do carbono e nitrogênio, outros isótopos são importantes em
estudos ambientais, tais quais o oxigênio, o hidrogênio e o enxofre (Tabela 1).
1
Tabela 1.1. Alguns elementos e seus isótopos estáveis com suas respectivas abundâncias
médias (em átomos %).
Elemento Isótopos Abundância média
carbono
12C 98.89 13C 1.11
Nitrogênio
14N 99.34 15N 0.37
Oxigênio
16O 99.76 17O 0.037 18O 0.199
Hidrogênio
1H 98.98 D 0.02
Oxigênio
16O 99.76 17O 0.037 18O 0.199
Enxofre
32S 95.02 34S 4.21
1.2. Breve histórico Como o próprio título deste ítem mostra, apresentaremos a seguir um breve
histórico sobre a espectrometria de massas, que são definidos como equipamentos que
"....ionizam moléculas gasosas e separam os íons em um espectro de acordo com a
razão massa/carga (m/z), usando campos magnéticos e elétricos..." (Barrier & Prosser,
1996. Esse despretensioso histórico se faz necessário pelo fato que sem o
desenvolvimento dessa técnica analítica, os isótopos não poderiam ser utilizados.
A espectrometria de massas é reconhecidamente um dos métodos analíticos
mais antigos. Em 1886, Goldstein descobriu os raios positivos utilizando um tubo de
descarga elétrica à baixa pressão. Na seqüência, em 1912, Thomson utilizando néon
obteve duas linhas parabólicas em uma chapa fotográfica, mostrando que raios
positivos eram "feixes de íons" e confirmando, desta forma, a estrutura isotópica da
matéria. Os feixes descritos por Thonson correspondiam ao 2ONe e 22Ne.
A comunidade científica passou a aceitar a existência dos isótopos no campo
dos elementos estáveis a partir de 1920, após F.W. Aston apresentar seu
espectrógrado de raios positivos, que usava campos elétricos e magnéticos para
2
separar íons de diferentes massas e focá-los em relação a velocidade de cada íon. No
período entre 1927-1932, ocorreu a descoberta dos isótopos 32S, 33S, e 34S, seguidos
por outros tais quais: 13C, 18O, 17O, 15N e 2H. A cronologia da descoberta destes
isótopos reflete a abundância destes elementos na natureza, indo de 4,3% para o 34S a
0,15% para o 2H.
Com o aprimoramento do espectrômetro de massas na década de 30 por
Alfred Neir e colaboradores, os isótopos estáveis passaram a ser utilizados como
traçadores ambientais. Norman e Werkman (1943) foram pioneiros na utilização do 15N
no estudo de absorção de nitrogênio por soja. No final da década de 1940, o aumento
na precisão dos espectrômetros de massas permitiu ao grupo associado à Harold Urey,
da Universidade de Chicago, desenvolver uma série de pesquisas sobre a variabilidade
natural do hidrogênio (Irving Friedman), carbono (Harmon Craig), nitrogênio e oxigênio
(Sam Epstein). Em 1947, Urey explica e quantifica os efeitos da variação isotópica
(fracionamento) em abundâncias naturais em uma publicação que se tornou clássica
aos estudos isotópicos (*). Até 1950 o grupo da Universidade de Chicago tinha
aprimorado a precisão dos espectrômetros de massas em 10 vezes e até 1957 os
colaboradores no grupo de Urey tinha aumentado consideravelmente as possibilidades
de utilização dos isótopos estáveis em estudos naturais, assim como, estabelecido
procedimentos rigorosos de correções e padronização de dados. Em 1961, Harmon
Craig publica um artigo seminal onde são descritos os fatores de correções analíticas e
padronização dos resultados.
Nas décadas seguintes (60 e 70) viu-se um desenvolvimento considerável do
espectrômetro de massas de razão isotópica (IRMS - Isotope Ratio Mass Spectrometer)
e nos anos 80 a evolução dos equipamentos deu-se em direção à automação, com
análises em fluxo continuo de 13C, 15N, 18O e D, utilizando gás hélio como carreador e
aumentando consideravelmente a capacidade analítica. Atualmente amostras gasosas
(CO2, N2O, CH4), liquidas (H2O, bebidas, etc) ou sólidas (madeira, folhas, alimentos
entre outros) são analisados por fluxo continuo, seja com um cromatógrafo a gás, um
pré-concentrador, ou com um sistema de cromatografia líquida acoplados ao IRMS.
3
Em 50 anos, portanto, pode-se salientar que houve uma melhora significativa na
precisão das análises e no sistema de preparo e admissão das amostras. Os
espectrômetros de massas modernos são compostos essencialmente por (Fig. 1.1):
Sistema de admissão de amostra e padrão, os quais são introduzidos na
forma gasosa;
Fonte de ionizado, onde os gases são ionizados pela retirada de
elétrons;
Analisador (campo magnético), onde os feixes de íons são separados e
focalizados de acordo com a relação carga/massa;
Sistema coletor ou detector, onde os feixes iônicos são coletados e
amplificados, resultando em pulsos elétricos que são registrados;
Sistema de bombas que mantém dentro do analisador um vácuo de
aproximadamente 10-8 torr e dentro do sistema de admissão de 10-3 torr;
Computador e software específico para aquisição dos dados e controle
do equipamento.
4
Figura 1.1. Esquema geral de um espectrômetro de massas.
1.3. Conceitos importantes O uso de isótopos estáveis em estudos ambientais baseia-se no fato que a
composição isotópica varia de uma forma previsível conforme o elemento cicla na
natureza.
A composição isotópica (R) de um determinado elemento é expressa pela
relação entre o isótopo raro e o isótopo mais abundante, conforme se pode observar na
equação (1) abaixo. Geralmente a razão R é estabelecida pelo isótopo mais pesado
sobre o isótopo mais leve.
HHou
OOou
NNou
CCou
levepesado
abundanteraroR
2
16
18
14
15
12
13
== ..................................(1.1)
5
Um fenômeno que altere a razão R determina, portanto, uma mudança na
quantidade de isótopos pesados e leves presentes em um determinado elemento (ou
composto). A adição de nêutrons não altera significativamente a reatividade química
dos isótopos, mas altera sua massa. Assim sendo, podemos dizer que os isótopos
mais pesados são "mais lentos".
Considerando uma reação substrato-produto, onde Rsubstrato e Rproduto são as
razões isotópicas do substrato e do produto, respectivamente. O fato dos isótopos leves
e pesados possuírem velocidades de reação levemente distintas, no final da reação o
valor de Rsubtrato tende a ser distinto do Rproduto.
Com isto podemos definir o Fator de Fracionamento (α) como sendo:
padrão
subsratro
RR
=α ...................................................................................(1.2)
Os valores α são geralmente muito próximos à unidade, portanto, por
conveniência, definiu-se o Fator de Enriquecimento Isotópico (ε) ou a Discriminação
isotópica (Δ), que pode ser representado por:
)1( −= αε ...........................................................................................(1.3)
A interpretação da composição isotópica absoluta de uma amostra não é trivial,
com isto se propôs representá-la por seu desvio com relação à razão R de um padrão.
Desta forma definiu-se a consagrada notação δ:
1−=padrão
amostra
RR
δ ........................................................................................(1.4)
Os padrões são variáveis para cada elemento. Na Tabela 2 apresenta-se a
razão R para o carbono, nitrogênio, oxigênio, e hidrogênio.
Tabela 1.2. Abundância isotópica dos padrões utilizados para os cálculos dos
valores de δ carbono, nitrogênio, oxigênio e deutério
6
Padrão Elemento R
Pee dee Belamite (PDB) Carbon 0,0112372
Atmosfera Nitrogênio 0,0036765
V-SMOW Oxigênio 0,00200052
V-SMOW Deutério 0,00015576
Como exemplo, vamos assumir uma amostra de carbono com a seguinte
relação isotópica, Ramostra = 0.0109554. O valor δ desta amostra seria definido por:
0250774,010112372,00109554,01 −=−=−=
padrão
amostra
RR
δ ..............................(1.5)
O Fator de Fracionamento (α) e o Fator de Enriquecimento (ε) podem ser
redefinidos em termos da notação δ. A partir das equações (2) e (3), e isolando-se o
Ramostra na equação (1.4) tem-se:
)1( +⋅= δpadrãoamostra RR ................................................................(1.6)
Substituindo-se a equação (5) nas equações (2) e (3) teremos:
11
++
=produto
substrato
δδ
α .......................................................................................(1.7)
1+−
=produto
produtosubstrato
δδδ
ε ............................................................................(1.8)
7
Tanto o valor R, como os valores de δ são numericamente pequenos (da ordem
de 10-2), com isto se convencionou multiplicar o valor de δ por 1000. Desta forma o
valor δ = -0.0250774 (do exemplo acima) passa a ser expresso como δ =
-25.08 ‰ (por mil).
Da mesma forma pode-se redefinir os fatores de fracionamento e de
enriquecimento na forma "por mil" (conforme equações 1.9 e 1.10).
10001000
++
=produto
substrato
δδ
α ..............................................................................(1.9)
1000)1( ⋅−= αε ...........................................................................(1.10)
Pode-se também representar o enriquecimento isotópico na forma δ obtendo-se
a seguinte expressão:
1000+
−=
produto
produtosubstrato
δδδ
ε .......................................................................(1.11)
Utilizando-se o exemplo a seguir aplicaremos as definições dos termos
descritos. Vamos assumir que o δ13CCO2 (substrato) é igual a -7.4‰ (ou -0.0074) e que
o valor δ13Cplantas (produto) a igual a -27.6‰ (ou -0.0276). Vamos calcular o Fator de
Fracionamento (α) e o Fator de Enriquecimento (ε) determinado quando o carbono é
transferido pelo processo da fotossíntese da atmosfera para a planta.
Neste exemplo o fator de Fracionamento (α) ficaria:
0201,110276,010074,0
112 =
+−+−
=++
planta
CO
δδα ..................................................(1.12)
8
Para o Fator de Enriquecimento teremos:
0201,010276,01
2 =+−
=+
=planta
plantaCO
δ0276,00074,0 +−−δδ
ε .............................(1.13)
Neste caso o Fator de Enriquecimento pode também ser multiplicado por 1000
obtendo-se ε = 20.1‰.
Os denominadores (δplanta + 1) ou (δplanta + 1000) nas equações de Fator de
Enriquecimento pouco interferem no resultado, desta forma permite-se que, em
determinadas situações, o denominador possa ser desconsiderado. Nos exemplos
acima em vez de um fator de enriquecimento igual a 0.021 (21‰) teríamos um valor
igual a 0.0202 (20.2‰). A equação do Fator de Enriquecimento pode então ser
simplificada para:
plantaCOprodutosubstrato δδδδε −=−= 2 .....................................(1.14)
O Fator de Enriquecimento pode ser também chamado de Discriminação
isotópica, que é um termo mais comum em literatura das áreas como Ecologia,
Biologia e Agronomia.
Além da notação "δ", que normalmente denota a ocorrência natural de uma
espécie isotópica com relação ao padrão, duas outras formas de expressão das
medidas isotópicas são: "abundância" em unidades de átomos% e átomos% em
excesso (atom% excess ou APE).
A abundancia em átomos% é normalmente utilizada em experimentos com
utilização de traçadores, por exemplo a aplicacão de um fertilizante enriquecido em
nitrogênio-15 (15N). Esta determinação nos fornece o número de átomos do
determinado isótopo em 100 átomos do elemento, e pode ser descrito pela seguinte
equação:
9
NNNNexcessatom 1514
1515 )(100%
+⋅
= ...........................................................(1.15)
Por outro lado o atom% excess mede a abundancia do isótopo acima de um
determinado nível de referência. Em alguns casos o nível de referência (background) é
determinado anteriormente a aplicação do traçador. O atom% do “background” é então
subtraído das amostras enriquecidas para determinar seu atom % excess. Um exemplo
de aplicação desta técnica é a utilização de nitrogênio enriquecido em 15N para estudos
de cadeias alimentares ou em fertilização de plantas.
1.3. Fracionamento Isotópico: efeito termodinâmico e cinético
O fracionamento isotópico pode ser definido como a variação na proporção
entre os isótopos estáveis em um determinado composto ao passar por um processo
físico-químico. Este fracionamento pode estar associado a um efeito termodinâmico ou
cinético.
O efeito termodinâmico refere-se ao fracionamento que ocorre em situações de
equilíbrio químico. Em termos ambientais, a troca de CO2 atmosférico e HCO3 nos
oceanos é um bom exemplo deste fracionamento. Quando ocorre o equilíbrio entre o
CO2 e o HCO3 na interface ar-água, o bicarbonato fica enriquecido em isótopo pesado
(13C) em cerca de 10.8 a 7.4‰. Equilíbrio este que varia em função da temperatura.
A relação entre o fracionamento isotópico e a temperatura pode ser descrita em
termos de fator de enriquecimento (ε) e fator de fracionamento (α), conforme as
equações (1.16) e (1.17) abaixo:
21 −− ⋅+⋅+= TcTbaε ........................................................(1.16)
211 −− ⋅+⋅+=− TcTbaα ......................................................(1.17)
10
O efeito cinético esta geralmente ligado à reações biológicas e processos
físicos como o da difusão de um gás. O fluxo difusivo de um gás pode ser descrito pela
lei de Graham, e está associado as velocidades cinéticas das moléculas. Por outro lado,
a segunda lei de Fick define sistemas onde a transferência de massas é determinada
por diferenças no coeficiente de difusão, como por exemplo a disfusão do CO2 pelo
perfil do solo ou ao se difundir pela abertura estomática nas folhas. O processo de
fracionamento associado à atividade enzimática no processo fotossintético é outro
exemplo onde a diferença cinética das moléculas contendo 12C e 13C determina
alteração na composição isotópica entre a fonte, o CO2, e o produto, o carbohidrato
fixado.
É importante mencionar o fracionamento Rayleigh que ocorre quando uma
massa de ar é empobrecida no isótopo mais pesado por fracionamento em estado de
equilíbrio para uma fase continuamente removida. O exemplo mais clássico de
destilação, ou fracionamento, Rayleigh é a condensação de água no interior de uma
núvem (ver capítulo Hidrologia Isotópica para maiores detalhes). A equação que
descreve o fracionamento Rayleigh é a seguinte:
)1(0
α−= fRR .....................................................................................(1.18)
onde f define a fração restante no corpo parental.
1.4. Modelo de mistura de duas fontes (diluição isotópica) Quando duas fontes participam da composição de um produto qualquer, a
contribuição relativa de cada uma delas pode ser calculada pelo modelo de mistura, que
simplesmente é um balanço de massa combinado a um balanço isotópico. Assumindo-
se que as fontes A e B se unem para formar o produto P, a seqüência de equações que
regem este modelo é a seguinte:
A + B = 1...................................................................................................(1.19)
11
Multiplicando-se cada membro pelos respectivos δ teremos:
pBA BA δδδ ⋅=⋅+⋅ 1)()( ............................................................(1.20)
Substituindo-se (1.16) por (1.17) teremos:
BA
BPAδδδδ
−−
= ....................................................................................(1.21)
O modelo acima requer que:
1) Somente duas fontes estejam presentes
2) Elas devem diferir isotopicamente o suficiente para que possam ser médias,
acima do erro inerente da análise. O erro da análise deve ser determinado em
laboratório e vai ser dependente do espectrômetro e periférico utilizados nas
análises.
Como exemplo, admitem-se duas fontes de matéria orgânica para um
determinado solo. A primeira fonte (A) com valor isotópico igual a -27‰ e a segunda
fonte (B) com valor isotópico igual a -12‰. O produto (P), ou seja, o solo teve um valor
isotópico igual a -21‰. Aplicando-se o modelo de mistura isotópica descrito tem-se que
a fonte A contribuiu com cerca de 60% e a fonte B contribuiu com os 40% restantes.
6.012271221
=+−+−
=A ............................................................................(1.22)
Como veremos no decorrer dos capítulos deste livro, esse simples modelo de
mistura é amplamente utilizado em várias disciplinas. Por exemplo, a contribuição
relativa de cevada e milho na elaboração de uma cerveja pode ser determinada por
esse modelo, como será visto no capítulo 10.
12
13
Bibliografia recomendada
Farquhar GD, Ehleringer JR, Hubick KT (1989) Carbon Isotope Discrimination and
Photosynthesis. Ann. Rev. Physiol. Plant Mol. Biol. 40: 503-537.
Fritz P, Fontes JCh. (1980) Introduction. In. Handbook of Environmental Isotope
Geochemistry. Fritz, P. and J.Ch Fontes (eds.). Amsterdam, Elsevier, 1980. p.1-17.
Hoefs, J (1987) Stable Isotope Geochemistry. Berlin, Springer-Verlag.
Martinelli LA, Victoria RL, Matsui E, Forsberg B, Mozeto AA (1988) Utilização das
Variações Naturais de δ13C no Estudo de Cadeias Alimentares em Ambientes
Aquáticos: Princípios e Perspectivas. Acta Limnol. Brasil. 2: 859-882.
Oliveira AC, Salimon CI, Calheiros DF, Fernandes FA, Vieira I, Charbel LF, Pires LF,
Salomão SMB, Nogueira SF, Vieira S, Moreira MZ, Martinelli LA, Camargo PB
(2002) Isótopos estáveis e produção de bebidas: de onde vem o carbono que
consumimos? Boletim da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de
Alimentos. 22(3): 285-288.
Peterson BJ, Fry B (1987) Stable Isotopes in Ecosystem Studies. Ann. Rev. Ecol.Syst.
18: 292-320.
Capítulo 2 - Ciclos biogeoquímicos
Os ciclos biogeoquímicos dizem respeito à transferência de elementos químicos
do universo abiótico ao universo biótico e vice-versa. Ou seja, os elementos minerais
transferidos, e que passam a compor os tecidos de plantas e animais, retornam ao meio
ambiente após a sua morte e decomposição. Considerando-se os macro-elementos ou
moléculas, os principais ciclos biogeoquímicos são: do carbono, da água (H2O), do
nitrogênio e do fósforo. Neste capítulo descreve-se os ciclos do carbono e nitrogênio, e
as variações isotópicas associadas às diversas formas destes elementos dentro da
biosfera.
2.1. O Ciclo Global do Carbono 2.1.1. Introdução
O elemento carbono e, provavelmente, o principal elemento da Terra. As razões
que levam a essa afirmação são: (1) o carbono compõe de 40 a 50% da matéria
orgânica viva; (2) os ciclos de outros elementos importantes como nitrogênio e oxigênio
são altamente influenciados pelo ciclo do carbono e (3) A humanidade, pela primeira
vez na História deste planeta está interferindo significativamente em escala global no
ciclo biogeoquímico do carbono.
2.1.2. Os Reservatórios e Fluxos de Carbono O carbono na natureza está presente na forma elementar como carbono
amorfo, grafite e diamante. Por outro lado, átomos de carbono na forma não elementar
podem assumir estados de oxi-redução variando de +4 to -4. Os grandes reservatórios
de carbono apresentam este elemento mais comumente como dióxido de carbono
(CO2), com estado de oxidação de +4 (C+4O2-4) e como carbonatos. Neste último caso
dois reservatórios contém a maior parte do carbono: a litosfera, onde o carbono se
encontra principalmente na forma de carbonatos de cálcio [CaCO3(s)O], magnésio
[Mg(CO3)2] e férrico [FeCO3), e nos oceanos nas formas dissolvidas de H2CO3(aq),
HCO3 e CO3-2.
13
O carbono no estado reduzido é "criado'' pela fotossíntese (CH2O). A forma
mais reduzida de carbono é o metano (CH4) produzido durante a respiração anaeróbia,
e tem estado de oxidação -4. Portanto, o ciclo do carbono entre os diferentes
compartimentos da Terra é uma seqüência de reações de oxi-redução.
2.1.3. Atmosfera A molécula contendo carbono mais abundante na atmosfera é o dióxido de
carbono (CO2), seguindo-se em menores concentrações o metano (CH4), o monóxido
de carbono (CO), compostos orgânicos voláteis (VOC) entre outros. Em 1954 Keeling e
colegas começaram a medir a concentração de CO2 na atmosfera próximo ao vulcão
Mauna Loa e no Pólo Sul. O fato mais marcante dessa serie histórica é velocidade no
aumento na concentração de CO2 atmosférico nestes 50 anos corroborando com dados
que indicam o aumento de cerca de 100 ppmv desde o inicio da revolução industrial em
meados do século XIX, atingindo valores atuais em torno de 375 ppmv. O aumento
monitorado pela série de dados de Mauna Loa pode ser visualizado na Figura 2.1. As
duas principais causas para o aumento acentuado observado nas últimas décadas são:
(1) a queima de combustíveis fósseis e (2) a queima de biomassa, principalmente nas
regiões tropicais da Terra. Deve ser ressaltado que a emissão de combustíveis fósseis
ocorre principalmente nos países mais desenvolvidos, como esses países estão
localizados no Hemisfério Norte a concentração de CO2 atmosférico é maior nesse
hemisfério. Sabemos também que a emissão de combustíveis fósseis é muito maior
que as emissões causadas por mudanças no uso da terra. Estes dados denotam a
importância dos países desenvolvidos, como maiores consumidores de combustíveis
fósseis, as alterações na composição da atmosférica terrestre e conseqüentemente na
"saúde climática" do planeta. Concentrações elevadas de CO2 foram uma constante na
história climática deste planeta. No entanto, não há registros de alterações na
concentração de CO2 atmosférico com a velocidade e intensidade observada na história
recente do planeta.
A principal conseqüência da mudança na concentração de CO2 na atmosfera é
o aumento do chamado "efeito estufa", que é a propriedade da atmosfera terrestre reter
energia na forma de ondas longas emitidas pela superfície da Terra. Em síntese, a
14
superfície da Terra é aquecida pela incidência de raios solares como ondas curtas que
incidindo na superfície terrestre a aquece. O comprimento de ondas da energia emitida
por um corpo é proporcional a sua temperatura, com isto a superfície terrestre emite
energia a atmosfera na forma de ondas longas. Essa energia pode ser refletidas ou re-
emitidas para superfície do planeta por vapor d'água, nuvens, aerossóis e gases como
CO2, CH4 e N2O. Portanto, um aumento na concentração de CO2 atmosférico pode,
potencialmente, tornar a terra mais quente.
Anos
CO
2-at
mos
féric
o (p
pmv)
Anos
CO
2-at
mos
féric
o (p
pmv)
Figura 2.1. Aumento da concentração de CO2 atmosférico entre 1958 a 2004.
Adapatado de C.D. Keeling,T.P. Whorf, e o Carbon Dioxide Research Group. Scripps
Institution of Oceanography (SIO), University of California, La Jolla, California USA
92093-0444
Arrhenius estimou que um aumento de 50% na concentração de CO2 da
atmosférica causaria um aumento de 3 a 4°C na temperatura da superfície terrestre.
Recentemente, utilizando-se modelos matemáticos vários autores estimaram que se a
concentração de CO2 fosse dobrada o aumento na temperatura seria de 2.5 a 3.5°C.
15
Por outro lado estimativas sobre o aquecimento real da temperatura do ar apontam para
um crescimento de apenas 0.5°C na temperatura do ar. Alguns fatores podem ser
apontados como causadores dessa discrepância: (1) aumento na concentração de
sulfato na atmosfera devido emissões industriais; (2) oscilação natural do planeta que
recentemente tem favorecido o esfriamento da Terra e (3) destruição da camada de
ozônio.
Em conseqüência do aumento de temperatura, são previstas alterações no ciclo
da água, com mudanças nos regimes de precipitação global e aumento da evaporacão.
Portanto, haveria uma provável intensificação do ciclo hidrológico.
O estoque e aporte de carbono à atmosfera pode ser resumido da seguinte
forma:
Estoque:
Carbono estocado na atmosfera = 760 Pg ou x 1015g
Fluxos de carbono:
Queima de biomassa = 1,8 a 4,7 Pg de C/ano
Queima de combustível fóssil = 6,0 Pg de C/ano
2.1.4. Biosfera Terrestre A transferência de carbono entre atmosfera e biosfera terrestre ocorre
essencialmente através de dois processos: fotossíntese e respiração. Esses processos
podem ser descritos de uma maneira resumida pela equação abaixo:
CO2 + H2O ⇔ (CH2O)n + O2
No processo de fotossíntese, CO2 da atmosfera é reduzido por organismos
autotróficos em diferentes moléculas orgânicas. O carbono assimilado pela fotossíntese
e liberado como CO2 no (i) processo de respiração e (ii) decomposição. O carbono
assimilado pela fotossíntese pode também ser estocado por longos períodos, em
formas refratárias (como carvão por exemplo), no solos e sedimentos em corpos
d'água.
16
Considerando um ecossistema específico algumas definições importantes
consideram o balanço entre fotossíntese e respiração, o que em síntese podem indicar
o balanço produtivo do sistema. Os conceitos a seguir são mais comumente utilizados
para ambientes terrestres. O conceito de Produtividade Primaria Global (GPP) indica a
fotossíntese total do ecossistema e Produtividade Primaria Liquida (NPP) é determinado
subtraindo a taxa de assimilação de carbono pelo processo fotossintético da taxa de
respiração dos organismos fotossintetizadores (em nosso exemplo terrestre,
essencialmente as plantas). A Produtividade Liquida do Ecossistema é determinada
subtraindo a NPP da respiração heterotrófica (decompositores). Geralmente, à medida
que o sistema se torna mais velho, observa-se que sua NEP vai diminuindo, tendendo a
zero. Esse é o caso dos ecossistemas considerados em clímax.
A Tabela 1 mostra dados de produção de alguns dos principais ecossistemas
terrestres. As florestas contem 90% de todo o carbono na mataria orgânica viva do
sistema terrestre. Mais importante ainda, observa-se que a maior quantidade de
carbono estocado em florestas encontra-se no Brasil.
Tabela 1. Área, NPP e NPP multiplicado por área (Total NPP) em algum dos principais
ecossistemas da biosfera (Whittaker & Likens, 1973).
Ecossistema Área
(milhões de Km2)
NPP
(gC.M-2 . ano-1)
Total NPP
(109 tC . ano-1)
Total Carbon
(109 tC)
Rocha, gelo e areia 24.0 1.5 0.04 0.20
Desertos 18.0 32.0 0.60 5.40
Floresta tropical 17.0 900.0 15.30 340.0
Savana 15.0 315.0 4.30 27.0
Terras cultivadas 14.0 290.0 4.10 7.0
Florestas boreais 12.0 360.0 4.3 108.0
17
Alguns pontos da Tabela 1 devem ser salientados: (1) grande área coberta por
rochas, gelo e areia, contrapondo com reduzida quantidade de carbono estocado; (2)
maior quantidade de carbono estocado em florestas tropicais, quase 3 vezes o valor
encontrado em florestas boreais, segundo lugar em estoque; (3) a ação do Homem,
através de terras cultivadas, já estocou uma quantidade considerável de carbono.
Em um ecossistema terrestre o carbono assimilado pelo processo de
fotossíntese, ou retorna à atmosfera convertido novamente a CO2 ou é incorporado aos
tecidos vegetais que eventualmente serão depositados no solo. A Tabela 2 resume para
os mesmos ecossistemas mostrados na Tabela 1 a quantidade de carbono estocada na
serapilheira e nos solos.
Tabela 2. Área ocupada por alguns dos principais biomas terrestres e quantidade de
carbono estocada no solo e na serapilheira nesses biomas.
Ecossistema Área
(milhões de Km2)
C - solo
(109 tC)
C - serapilheira
(109 tC)
Rocha, gelo e areia 24.0 3.0 0.02
Desertos 18.0 101.0 0.20
Floresta tropical 17.0 255.0 3.60
Savana 15.0 56.0 1.50
Terras cultivadas 14.0 178.0 0.70
Florestas boreais 12.0 179.0 24
Pontos importantes a serem destacados da Tabela 2: (1) maior quantidade de
carbono estocado nos solos encontrados em florestas tropicais, (2) maior quantidade de
carbono na serapilheira em florestas boreais. Neste caso menores temperaturas levam
a decomposição menos intensa, estocando mais carbono na serapilheira.
O estoque e aporte de carbono aos ecossistemas terrestres podem ser
quantificados da seguinte forma:
18
Estoques
Carbono estocado em plantas terrestres = 756, 490, 502 Pg de C
Carbono estocado no solo + serapilheira = 1636-2070; 1395; 1511; 1576 Pg de C
Somente serapilheira = 50; 60 Pg de C
Fluxos
Fotossíntese (GPP) = 90-130 PgC/ano
Respiração de plantas = 40-60 PgC/ano
Respiração de raízes e micorrizas = 38-56 PgC/ano
NPP = 38-56, 45, 52, 60, 48, 60 Pg C/ano
Decomposição da serapilheira e matéria orgânica do solo = 50
2.1.5. Hidrosfera
As principais formas de carbono nos sistemas aquáticos são:
DIC – carbono inorgânico dissolvido
DOC – carbono orgânico dissolvido
POC – carbono orgânico particulado
BOC – carbono orgânico na biota
O principal reservatório dessas formas de carbono são os oceanos. Nesse
reservatório as trocas acontecem rapidamente, podendo o oceano "adaptar-se"
rapidamente às mudanças na concentração de CO2 na atmosfera. Por exemplo, o
tempo de residência do CO2 na superfície do oceano é em média de 6 anos. Por outro
lado, o tempo médio de residência em águas profundas é muito maior, cerca de 275
anos no Atlântico e 510 anos no Pacífico.
O menor reservatório no oceano é a biota, no entanto tem um papel
fundamental na distribuição de vários elementos no mar. A principal entrada de carbono
na biota dos oceanos é através da fotossíntese (produção primaria). Outra forma
importante de aporte de carbono aos oceanos é o transporte de carbono orgânico pelos
rios. No entanto é assumido que a quantidade de carbono orgânico que atinge o
19
oceano por essa via é balanceado pelo fluxo de CO2 que sai do oceano vindo da
decomposição do material vivo, subtraindo uma parcela do carbono orgânico que fica
depositado no sedimento. Em forma de equação teríamos:
entoseãodecomposiçrio FluxoCFluxoCFluxoC dim+= ...................................(2.1)
O ciclo geoquímico parece ainda não ter sido perturbado pela interferência
humana. Nesse ciclo, a água de chuva, que naturalmente carrega CO2 dissolvido, ao
entrar no solo se enriquece ainda mais em CO2, essencialmente de origem biogênica, e
reage com carbonatos através da seguinte equação (em forma simplificada, "M"
representa ou CáIcio ou Magnésio):
CO2+ H2O + MCO3 ⇔ M2+ + 2HCO3-..................................................................(2.2)
Os rios carream aos oceanos os cátions (Ca+2 ou Mg+2) e HCO3+2. Nos oceanos
organismos como moluscos e crustáceos sintetizam carbonatos liberando CO2+H2O em
uma reação inversa a descrita acima para os solos. Portanto, a equação descreve dois
processos, o de intemperismo da rocha com liberação de cátions e a formação de
estruturas de sustentacão, como o exemplo dos exoesqueletos (carapaças de animais
marinhos). Com a morte dos organismos o exoesqueleto é depositado no fundo dos
mares imobilizando o carbono por um longo período.
Processo semelhante ocorre com os silicatos. CO2 e água reagem com um
mineral silicatado liberando um cátion (M) mais SiO2 e HCO3. Esquematicamente
teremos:
CO2 + H2O + MSiO3 ⇔ SiO2 + M2+ + 2HCO3
-.......................................................(2.3)
Da mesma forma, ao chegar no oceano ocorre a incorporação do silicato em
estruturas de sustentação e proteção (carapaças). Com a morte desses animais, o
silicato é depositado no fundo dos oceanos. O SiO2 pode também ser seqüestrado por
algas pois é um componente importante na formação da parede celular. No sedimento
os óxidos de silício (SiO2) reagem com o carbonato sedimentado liberando CO2
20
(equação 2.3, da direita para a esquerda). Portanto, assumindo-se uma condição de
equilíbrio físicoquímico:
2)dim(3)(3 FluxoCOFluxoMCOFluxoHCO entoserio += −−.................................(2.4)
Com relação a atmosfera, o mecanismo mais importante de troca de CO2 com
os oceanos é o fluxo desses gás através da interface água ar. Este fluxo é regido pela
seguinte equação:
)( )(2)(2 oceanoatmosfera pCOpCOkF −= .................................................(2.5)
O aumento na concentração de CO2 na atmosfera pode determinar o
incremento nos fluxos da atmosfera para os oceanos, no entanto a superfície dos
oceanos tem um volume limitado (5%) quando comparado com seu volume total. A
relação superfície/profundidade nos oceanos é relativamente pequena, fazendo com
que grande parte das águas dos oceanos não tenha contato imediato com a atmosfera.
Esse é uma das causas da não absorção total do excedente de carbono que vem
sendo emitido pela queima de combustíveis fósseis e biomassa, determinando um
aumento considerável nas concentrações atmosféricas de CO2.
Nos oceanos o CO2 da superfície é levado para o fundo pelo fenômeno de
downwelling. O oceano é aquecido pela radiação solar nas camadas superficiais (75 a
200m, com temperatura média de 18°C). Como a água quente é menos densa, não há
mistura com a água fria do fundo (com temperaturas médias em torno de 3°C). O
sistema de circulação de água dos oceanos, leva, então, água quente dos trópicos para
os pólos e traz água fria dos pólos para os trópicos, transferindo assim calor dos
trópicos para os pólos. A perda de calor da água quando ela chega nos pólos, faz com
que essa parcela de água afunde (downwelling), levando água da superfície para o
fundo do oceano. Essa circulação nos pólos cria uma corrente no fundo do oceano dos
pólos para a região equatorial, ressurgindo na superfície dessas regiões (upwelling).
21
O CO2 ao entrar no oceano pela interface água-ar se dissolve na água
formando ácido carbônico (H2CO3). Conforme as condições de temperatura e pH do
meio, o ácido carbônico pode se dissociar, passando a bicarbonato (HCO3) e carbonato
(CO3) e liberando H+.
CO2(ar) ⇔ CO2(dis) + H2O ⇔ H2CO3 ⇔ H+ + HCO3 ⇔ H+ + CO3
2-......................(2.7)
Para que o equilíbrio químico se mantenha, equação (2.7) se desloca para a
esquerda ou direita. Por exemplo, caso haja adição de prótons (H+) a reação se
deslocará para a esquerda, consumindo assim esse próton e evitando que o pH do
meio mude. Esse é o denominado sistema tampão das águas.
Estoques
DIC = 37900 Pg C
DOC = 1000 Pg C
POC = 30 Pg C
BOC = 3 Pg C
Fluxos
Seqüestro pelo oceano = 92 Pg de C/ano
Liberação pelo oceano = 90.6 Pg de C/ano
2.1.6. Litosfera
Ainda que na litosfera seja o maior reservatório de carbono do planeta, o fluxo
entre esse grande reservatório e os outros é reduzido, determinando um longo tempo
de residência para o carbono nesse compartimento. Recentemente os fluxos da
litosfera e outros compartimentos têm sido catalisados pela ação do homem, pela
queima de combustíveis fósseis, ou carvão mineral. Cerca de 75% do carbono presente
na litosfera encontra-se na forma de carbonatos, sendo as formas predominantes a
calcita e a aragonita.
22
Estoque
Carbono na crosta terrestre 75.000.000 Pg de C
Fluxos
Intemperimso de rochas = 0.24-0.26 Pg C/ano
2.1.7. O Balanço Contemporâneo do Carbono
Uma das equações mais recentes para o balanço contemporâneo de carbono
proposto por House et al. (2003) sugere os seguintes números (os valores sac em Pg
C/ano):
Fontes de CO2
1. Emissão combustíveis fósseis = + 6.3 ± 0.4
2. Desmatamento = + 1.4 ± 3.0
3. Total de emissões antropogênicas (1+2) = 7.7 ± 3.4
Sumidouros de CO2
4. Aumento na atmosfera = - 3.2±0.1
5. Seqüestro pelos oceanos = - 2.0±0.8
6. Fluxo Atmosfere-Biosfera terrestre = -1.0 ± 0.8
Como a soma das fontes é maior que a soma dos sumidouros, é suposto que os
sistemas terrestres do planeta estejam absorvendo anualmente de 1.6 a 4.8 Pg C.
2.2. O Ciclo Global do Nitrogênio 2.2.1 Introdução
O nitrogênio, juntamente com o fósforo, são os maiores limitantes da produção
primária tanto aquática quanto terrestre em nosso planeta. A ribulose bi-fosfato
carboxilase/oxigenase é a enzima que catalisa a reação de fixação do CO2 na
23
fotossíntese e sua abundancia chega a 40% de toda proteína solúvel no interior das
folhas da maioria das plantas. Ou seja, a intensidade com que CO2 será reduzido pela
fotossíntese, passando para uma forma orgânica, depende muito da abundância do
nitrogênio. Portanto, a compressão do funcionamento de um ecossistema está
intimamente ligada ao conhecimento do ciclo desse nutriente.
O nitrogênio, assim como o carbono, assume diferentes estados oxidativos,
podendo passar de –3 ate +5. Descrevem-se a seguir os principais compostos
nitrogenados e as reações químicas que medeiam o ciclo desse elemento.
2.2.2 Compostos de N e principais reações químicas Listam-se a seguir os principais compostos nitrogenados e a contribuição do
Homem em sua ocorrência.
HNO3 (acido nítrico) - é um ácido forte, sendo que somente nos EUA cerca de 0.007
Pg desse ácido é sintetizado por ano. A maioria desse acido é utilizado na produção de
fertilizantes e explosivos. HNO3 também é produzido naturalmente na troposfera pela
oxidação do nitrogênio.
NO2 (nitrito) - gás a temperatura ambiente, produzido industrialmente como um produto
intermediário.
NO3 (nitrato) - gás à temperatura ambiente, produzido industrialmente como um produto
intermediário.
NO (óxido nítrico) - gás à temperatura ambiente, produzido industrialmente.
N2O (óxido nitroso) - gás à temperatura ambiente, é utilizado como anestésico. A
concentração desse gás vem subindo, e como o CO2 ele contribui para o aumento do
efeito estufa.
N2 - Também é um gás à temperatura ambiente. Constitui 78% da composição da
atmosfera e é uma molécula relativamente pouco reativa.
NH3 (amônia) - gás à temperatura ambiente. È uma base forte, solúvel em água. Cada
ano cerca de 0.012 Pg de amônia é produzida através do processo de Haber-Bosch,
principalmente para a produção de acido nítrico. Pode ser utilizado como fertilizante
pela injeção direta de gás em um liquido ou transformado em sal de amônio.
24
NH4 (amônio) - alguns sais de amônio são fabricados: NH4NO3 (0.006 Pg) e NH4SO4
(n.002 Pg) e são utilizados principalmente como fertilizantes.
As mais importantes transformações biológicas do nitrogênio são as seguintes:
Fixação do nitrogênio – é qualquer processo que leve o N2 atmosférico a ser
transformado em qualquer composto nitrogenado. Fixação biológica do
nitrogênio é a passagem de N2 para NH3, NH4 ou outro composto nitrogenado.
Assimilação da amônia ou amônio – é o processo pelo qual NH3 ou NH4+ é
absorvido por um organismo;
Nitrificação – é a oxidação do NH3 ou NH4+ para NO2
- ou NO3 por um
organismo, visando a produção de energia;
Redução assimilatória do nitrato - é a redução do nitrato, formando-se NH4+,
seguido por assimilação do nitrogênio por organismos;
Amonificação - é a quebra de compostos orgânicos de N em NH3 ou NH4+ ;
Denitrificação - é a redução do nitrato para formas gasosas de N, geralmente,
N2 ou N2O, passando intermediariamente pela formação de NH4+.
A fixação do nitrogênio é um processo de grande importância para a dinâmica
de ecossistemas naturais, pois é a única forma biológica de transferência do nitrogênio
da atmosfera para os sistemas aquáticos ou terrestres. As principais limitações ao
processo de fixação biológica são: (i) alto requerimento energético e, (ii) ausência de
oxigênio. A fixação biológica e um processo anaeróbio sendo que a presença de
oxigênio no microsítios de fixação inibe o processo.
Após a fixação do nitrogênio como NH3 ou NH4+ existem dois caminhos
principais a serem seguidos. Oxidação para NO3- ou assimilação por microrganismos.
Íons livres de amônio não existem por muito tempo em condições de aerobiose,
portanto, são rapidamente oxidados para nitrato, tanto em ambientes aquáticos, como
terrestres. Nesses sistemas o nitrato pode seguir dois caminhos: servir como aceptor de
elétrons em condições anaeróbias (denitrificação) ou pode ser reduzido e assimilado
pela biomassa.
25
Alem da fixação de N2, outra fonte para o solo e sistema aquático é a
decomposição da matéria orgânica, liberando nitrogênio. Esse processo é chamado
amonificação ou mineralização e é feito por bactérias heterotróficas, que ao decompor
tecidos mortos de plantas e animais como fonte de carbono essas bactérias geram
formas inorgânicas de nitrogênio (NH3 e NH4+). Parte dessa amônia pode ser
volatilizada e retornar à atmosfera.
2.2.3 Reservatórios e Fluxos de Nitrogênio 2.2.3.1 Atmosfera - A atmosfera é o maior reservatório de nitrogênio, principalmente na
forma de N2 (mais que 99%), o restante encontra-se na forma de óxidos de nitrogênio.
O estoque de nitrogênio na atmosfera é estimado em 3,9 x 106 Pg.
2.2.3.2 Biosfera - O ambiente terrestre estoca uma quantidade muito menor, cerca de
3,5 Pg de N, na forma de plantas e animal e cerca de 95 Pg de N como matéria
orgânica do solo. Considerando-se os valores de carbono estocados na vegetação
terrestre (610 Pg de C) e nos solos (1600 Pg de C), a relação C:N da vegetação e do
solo seria de 60 e 15, respectivamente. A maior parte do nitrogênio nos ambientes
terrestres e aquáticos encontra-se na forma orgânica, muito pouco se encontra na
forma inorgânica devido à intensidade das reações de transformações das várias
formas do nitrogênio.
Como visto, a transferência do nitrogênio da atmosfera aos sistemas biológicos
ocorre através do processo de fixacão. Existem dois tipos de fixação, a simbiótica e a
assimbiótica. A simbiótica, feita por organismos, é a mais importante. As estimativas da
quantidade fixada anualmente variam de 44 a 200 Tg de N, sendo o valor mediano
aproximadamente igual a 110 Tg N/ano. Por outro lado, a fixação não simbiótica que
utiliza essencialmente a energia de raios provocados por atividades atmosféricas, o N2
passa para NOx, e por deposição seca e/ou úmida chega na superfície da terra. Este
processo é responsável pela adição anual de 5 a 10 Tg de N.
Assumindo-se a produção primária Iíquida (NPP) do sistema terrestre igual a 60
Pg de C/ano, e que os tecidos fotossinteticamente ativos tenham uma razão C:N igual a
50, seriam necessários cerca de 1.2 Pg de N/ano, somente são fixados cerca de 110 Tg
26
de N/ano, portanto, somente 12% do necessário. O restante é fornecido pela ciclagem
interna e pela decomposição da matéria orgânica morta.
O impacto da atividade humana no ciclo do nitrogênio já é bastante intenso. Na
produção industrial de fertilizantes nitrogenados pelo processo Haber-Bosch,
anualmente são fixados de 85 Tg de N. A combustão industrial, por sua vez, lança
como N2 para atmosfera mais cerca 30 Tg de N/ano que é transformado posteriormente
para óxidos de nitrogênio que por deposição seca e úmida retornam para a superfície
terrestre. O mesmo caminho seguem cerca de 15 Tg de N/ano que são lançados pela
queima de biomassa, onde incluem florestas, áreas agrícolas (como cana de açúcar) e
pastagens. Outra fonte antropogênica importante no ciclo do carbono é o cultivo de
leguminosas que anualmente injetam cerca de 30 TgN/ano nos sistemas terrestres. O
processo de fixação de nitrogênio atmosférico pelas leguminosas é obviamente natural.
Porém, quando a floresta amazônica, que fixa cerca de 20 kgN.ha.ano, é derrubada e
substituída por uma plantação de soja que fixa cerca de dez vezes mais, demonstra
claramente um tipo de fixação que apesar de advim de um processo natural, foi
induzida pela ação do Homem.
Dentro do ciclo do nitrogênio, a ciclagem da amônia também tem lugar de
destaque. As maiores fontes de amônia para a atmosfera são os processos de
amonificação (quebra de compostos orgânicos de nitrogênio em NH3 ou NH4+) e
volatilização de excretas de animais. Um efeito indireto do Homem nesse ciclo particular
é a emissão de nitrogênio pela criação de animais para consumo e animais domésticos.
A maior parte da amônia lançada à atmosfera retorna como NH4+ na precipitação ou
como gás NH3 via deposição seca. Portanto, as mudanças recentes ocasionadas pela
ação do Homem na Terra vêm determinando o aumento no aporte atmosférico de
nitrogênio a biosfera, com várias conseqüências para os ecossistemas. Por exemplo,
algumas florestas da região da Bavaria estão morrendo por excesso de nitrogênio,
sendo que potencialmente o mesmo problema pode estar ocorrendo em Cubatão, SP.
Em rios identificam-se efeitos semelhantes, como no rio Piracicaba, em São Paulo,
onde concentrações de nitrato estão muito acima do normal alterando
significativamente a dinâmica ecológica do ambiente.
27
Historicamente assume-se um equilíbrio no ciclo do nitrogênio, e o processo de
desnitrificação é utilizado para fechar o balanço, por ser normalmente pouco
quantificado (Tab. 2.1.). No entanto algumas evidências indicam um desequilíbrio no
balanço: (i) A concentração de N2O no Hemisfério Norte é major que no Hemisfério Sul
e, (ii) a concentração de N2O esta aumentando em todo o globo a uma taxa de 0.2% ao
ano.
Tabela 2.1. Balanço de nitrogênio no sistema terrestre.
À biosfera Processo Fluxo (Tg de N/ano)
Aportes (sinks)
Fixação biológica 110
Fixação não-simbiótica 5
Queima de biomassa 12
Combustão industrial 30
Consumo fertilizantes 85
Fixação industrial 30
Cultivo de leguminosas 30
Total 357
Fontes (sources)
Denitrificação 155
Volatilização de NH3 122
River runoff 34
Total 311
Balanço 46
2.2.4 Ciclo do Nitrogènio
O sistema terrestre ganha anualmente cerca de 46 Tg de N (Tab. 2.1). A
pergunta cientifica importante neste momento é qual será o destino desse nitrogênio?
28
O nitrogênio adicional poderá ser acumulado em três reservatórios terrestres:
água subterrânea, vegetação e solos. No entanto, ainda não podemos afirmar
categoricamente para onde o excesso de nitrogênio será alocado. Essa informação é
no entanto crucial não somente para o ciclo do nitrogênio, mas também para o ciclo do
carbono, pois se sabe da interdependência entre os ciclos na natureza e a importância
ecológica dessas relações.
Bibliografia recomendada Boyer EW, Goodale CL, Jaworski NA, Howarth RW. (2002). Anthropogenic nitrogen
sources and relationships to riverine nitrogen export in the northeastern U.S.A.
Biogeochemistry 57/58: 137-169.
Butcher SS, Charlson RJ, Orians GH, Wolfe GV. (1992). Global Biogeochemical Cycles.
Academic Press, 379p.
Galloway JN, Aber JD, Erisman JW, Seitzinger SP, Howarth RW, Cowling EB, Cosby
BJ. (2003). The nitrogen cascade. Bioscience 53 (4): 341-356.
Galloway JN, Dentener FJ, Capone DG, Boyer EW, Howarth RW, Seitzinger SP, Asner
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Townsend AR, Vorosmarty CJ. (2004) Nitrogen cycles: past, present, and future
Biogeochemistry 70 (2): 153-226.
Howarth RW (2004) Human acceleration of the nitrogen cycle: drivers, consequences,
and steps toward solutions. Water Science and Technology 49 (5-6): 7-13
Sarmiento JL. (1992). Revised budget for the oceanic uptake of anthropogenic carbon
dioxide. Nature 356: 589-593.
Schlesinger WH. (1991). Biogeochemistry: An Analysis of Global Change. Academic
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Nature 365: 119-125.
29
30
Vitousek PM, Aber JD, Howarth RW, Likens GE, Matson PA, Schindler DW, Schlesinger
WH, Tilman DG (1997) Human alteration of the global nitrogen cycle: Sources and
consequences. Ecological Applications 7 (3): 737-750.
Capítulo 3 - Atmosfera 3.1. Introdução
A composição isotópica da atmosfera é em termos espaciais relativamente
constantes, variando entre -7 a -8‰.
Por quê -7 a -8‰ ?
O equilíbrio isotópico entre o CO2 atmosférico e o HCO3 dissolvido na água
ocorre através da seguinte reação:
+− +⇔+ HHCOOHCO aquosogasoso )(32)(2 .....................................................(3.1)
O δ13C do bicarbonato nos oceanos varia entre 0 a 2‰, conseqüentemente, o
valor e da reação será cerca de 6 a 8, ou seja:
7313
213 −= −HCOCO δδ ...............................................................................(3.2)
Note que o δ13C do CO2 é "mais leve" que o δ13C do HCO3, o que vale dizer que
o CO2 fica empobrecido em 13C em relação ao bicarbonato. Devido às ligações
atômicas, o bicarbonato "retém" mais 13C em relação ao CO2 atmosférico.
Devemos também ressaltar que, como vimos no Capítulo 1, o fracionamento
isotópico dessa reação de equilíbrio é uma função da temperatura. Em um trabalho
clássico, Deuser & Degens (1967) estabeleceram, em condições de laboratório, a
variação do fracionamento isotópico em função da temperatura. Observa-se que o
fracionamento é major em temperaturas menores.
Tabela 3.1. Fracionamento isotópico entre o CO2 atmosférico e bicarbonato
aquos0. Adaptado de Deuser e Degens (1968).
31
Tabela 3.1. Fracionamento isotópico entre o CO2 atmosférico e bicarbonato aquoso.
Adaptado de Deuser e Degens (1968).
Temperatura (C) Fracionamento ‰
0 9.3
0 8.8
0 9.1
0 9.6
10 8.1
10 8.1
20 7.6
20 7
30 6.6
30 7.1
3.2. Variações Locais no δ13CO2 da Atmosfera
De uma maneira geral, os valores de δ13CO2 da atmosfera sofrem poucas
variações espacialmente, como veremos mais à frente. Assim, se coletarmos amostras
de ar a uma altitude de 200m, provavelmente a composição isotópica do ar será a
mesma aqui como na China.
No entanto, próximo à superfície, a composição isotópica do CO2 atmosférico é
influenciada pela biota. A variabilidade espacial da composição isotópica e na
concentração de CO2 na atmosfera está intimamente relacionada à biota. Quanto maior
a proximidade da biosfera maior será a variabilidade destes parâmetros, ou seja se
coletarmos ar a 500m de altitude em uma mesma latitude, as variações isotópicas e de
concentração serão mínimas.
32
Dentro de um determinado ecossistema podemos aplicar o mesmo raciocínio e
concluir que quanto mais próximos se estiver das fontes emissoras maiores serão as
variações de concentração e composição isotópica do CO2. Por exemplo, em um
ecossistema florestal à medida que chegamos mais perto do solo, a concentração de
CO2 será mais elevada. A respiração do solo, da vegetação e decompositores,
associados à baixa turbulência nas camadas de ar do sub-bosque florestal, determina a
variação na concentração de CO2 e consequentemente sua composição isotópica
Analisando-se a Figura 3.1, observamos que a concentração de CO2 foi mais
elevada nos primeiros estratos de uma floresta tropical localizada na Reserva Ducke,
próxima à cidade de Manaus, devido à respiração do solo e da vegetacão. Nota-se que
a concentração de CO2 foi maior às 6 horas da manhã, diminuindo ao longo do dia
(curva das 10 às 18 horas) devido à retirada de CO2 pelo processo da fotossíntese. Por
volta das 23 horas a concentração de CO2 aumenta novamente, pois à noite cessa a
fotossíntese e prevalece a respiração das plantas e do solo.
Por outro lado, é interessante notar que as 6 horas da manhã, quando a
concentração de CO2 estava mais elevada, os valores de δ13C foram menores. Esse
fato ocorre porque o valor isotópico do CO2 respirado por um determinado organismo,
seja planta ou animal, tem o sinal isotópico do carbohidrato, ou de outro composto, que
foi oxidado no processo respiratório. De forma geral, pode-se considerar que não há
fracionamento isotópico no processo respiratório quando se define precisamente o
composto que está sendo oxidado e o organismo envolvido no processo. No solo a
respiraçao heterotrófica acontece pelo metabolismo de vários organismos associados a
diversos substratos e compostos orgânicos, que por distintas características
bioquímicas possuem valores isotópicos também diferenciados. Isso se confirma por
dados recentes em que é questionado o fato de o processo respiratório à noite,
realmente representar isotopicamente o composto sintetizado durante o dia pelo
processo fotossintético (Ekblad e Högbeg, 2001; Shweizer et al, 1999; Duranceau et al,
2001).
33
0
5
10
15
20
25
30
320 360 400 440 480
CO2 atmosférico (ppmv)
Altu
ra d
a m
edid
a ao
long
o da
cop
a (m
)
6:00
18:00
23:00
0
5
10
15
20
25
30
-14-13-12-11-10-9-8-7
δ 13C-CO2 atmosférico (o/oo)
Altu
ra d
a m
edid
a ao
long
o da
cop
a (m
)
6:0018:00
23:00
Figura 3.1. Acima – variação da concentração de CO2 atmosférico ao longo da copa.
Abaixo – variação dos valores de δ13C do CO2 atmosférico ao longo da copa. Adaptado
por Quay et al. (1990).
34
O mesmo tipo de estudo feito na Reserva Ducke em Manaus foi repetido na
Floresta Nacional do Tapajós (FLONA), próxima à cidade de Santarém. Da mesma
forma que Quay et al. (1990), Ometto et al (2002) demonstram os efeitos dos processos
de fotossíntese e respiração na concentração e no δ13C do CO2 no interior da floresta
(Figura 3.2). Durante o dia (12 horas) o processo fotossintético retira CO2 da atmosfera
reduzindo sua concentração no perfil florestal e enriquecendo-o isotopicamente. A noite
(20 horas) observa-se o efeito inverso, com uma maior concentração de CO2 em todos
os níveis do perfil e valores isotópicos mais leves, ocasionado pelo processo
respiratório.
35
0
5
10
15
20
25
30
35
320 360 400 440 480
CO2 atmosférico (ppmv)
Altu
ra d
a m
edid
a ao
long
o da
cop
a (m
)9:00
12:0016:00
0
5
10
15
20
25
30
35
-14-13-12-11-10-9-8-7
δ 13C-CO2 atmosférico (o/oo)
Altu
ra d
a m
edid
a ao
long
o da
cop
a (m
)
9:00
12:00
16:00
Figura 3.2. Acima – variação da concentração de CO2 atmosférico ao longo da copa.
Abaixo – variação dos valores de δ13C do CO2 atmosférico ao longo da copa. Adaptado
por Ometto et al. (2002).
36
Admitindo um ecossistema florestal onde o valor isotópico médio do carbono
orgânico (δ13Corg ) é em torno de -28‰, o CO2 liberado no interior da floresta pelo
processo respiratório teria um δ13C médio próximo a -28‰ o que dilui o δ13C atmosférico
(com valor isotópico em torno de -7.5‰). Em suma, o processo respiratório lança à
atmosfera um carbono mais leve, e a seguinte relação pode ser descrita:
Temos então duas fontes isotopicamente distintas compondo o ar atmosférico
no interior da floresta. Isso nos faz lembrar nosso modelo de diluição isotópica visto na
aula anterior.
florestabiogênicoatmosfera CCC =+ ..................................................................(3.3)
Multiplicando-se a equação (3.3) pelos respectivos valores de δ13C teremos:
)()()( 131313
florestaflorestabiogênicabiogênicaatmosferaatmosfera CCCCCC δδδ ⋅=⋅+⋅ ..........(3.4)
Geralmente é difícil determinar a concentração de carbono biogênico (Cbiogênico),
pois são várias fontes difusas, portanto é mais simples se isolarmos esse parâmetro na
equação (3.4):
atmosferaflorestabiogênico CCC −= ................................................................(3.5)
Podemos substituir a equação (3.5) pela equação (3.4) e teremos:
florfloratmflorbioatmatm CCCCCCC ⋅=−⋅+⋅ 131313 )( δδδ .................(3.6)
Assim, atm é a abreviação de atmosfera, bio de biogênico e flor de floresta.
Dividindo-se todos os membros da equação (3.6) por Cflor não se altera a
equação:
37
flor
florflor
flor
atmbio
flor
florbio
flor
atmatm
CCC
CCC
CCC
CCC ⋅
=⋅
−⋅
+⋅ 13131313 δδδδ
............(3.7)
Desenvolvendo-se a equação (3.7) teremos:
florbioflor
atmbio
flor
atmatm CC
CC
CCC
C 13131313 δδδδ =+⋅−⋅...............(3.8)
Rearranjando-se a equação (3.8) teremos:
flor
atmbioatmbioflor C
CCCCC ⋅−+= )( 13131313 δδδδ....................(3.9)
A equação (3.9) pode ser comparada a uma equação de reta:
XbaY ⋅+= .............................................................................(3.10)
Onde,
Y = δ13Cfloresta
a = δ13Cbiogênico
b = (δ13Catmosfera - δ13Cbiogênico). Catmosfera
X = 1/Cfloresta
O δ13C da floresta (δ13Cfloresta) é inversamente relacionado como a
concentração de CO2 na floresta (Cfloresta). Portanto, se plotarmos os valores de δ13C da
floresta contra o inverso da concentração de CO2 (1/Cfloresta) deveremos ter uma reta.
38
crescente. Pelo contrário, se plotarmos δ13Cfloresta contra a concentração de CO2
deveremos ter uma reta decrescente.
Para a floresta tropical na Reserva Ducke em Manaus encontramos a seguinte
equação de reta:
florflor C
C 166033,2713 ⋅+−=δ ................................................................(3.11)
Portanto:
δ13Cbiogênico = -27,3‰
Com os dados obtidos na Floresta Nacional do Tapajós, obtivemos uma
equação de reta semelhante à equação obtida na Reserva Ducke
florflor C
C 18,682196,2613 ⋅+−=δ
Portanto:
δ13Cbiogênico = -27,0‰
Outro exemplo pode ser dado pelo mesmo tipo de análise feita no cerrado
brasileiro por Miranda et al. (1997).
cerradocerrado C
C 150338,2113 ⋅+−=δ .......................................................(3.12)
Portanto,
δ13Cbiogênico = -21,8‰
39
Figura 3.2. Variação dos valores de δ13C do CO2 atmosférico em virtude da
concentração de CO2 atmosférico no Cerrado Brasileiro em duas épocas distintas: maio
e novembro de 1993. Adaptado por Miranda et al. (1997).
No caso do Cerrado a equação de reta foi distinta das equações encontradas
nas florestas da amazônia, o δ13Cbiogênico foi significativamente mais elevado, pois a
vegetação do Cerrado é distinta em relação à floresta tropical, com major contribuição
de plantas do tipo C4, que isotopicamente são mais pesadas que plantas do tipo C3.
Recentemente, vários estudos foram feitos visando determinar δ13Cbiogênico. A
Tabela 3.2 abaixo resume alguns valores encontrados em outras florestas tropicais e
cerrado.
40
Tabela 3.2. Valores de δ13Cbiogênico em florestas tropicais e cerrado.
δ13C Floresta Referência
-28,0 Tropical – Santarém Ometto et al. (2002) -27,8 Tropical – Manaus Ometto et al. (2002) -27,7 Tropical – Ji-Paraná Ometto et al. (2002) -27,1 Tropical – Jara Lloyd et al. (1996) -27,2 Tropical – Manaus Sternberg et al. (1997) -25,8 Tropical – Manaus Sternberg et al. (1997) -27,4 Tropical – Manaus Sternberg et al. (1997) -27,8 Tropical – Manaus Sternberg et al. (1997) -27,5 Tropical – Guiana Buchmann et al. (1997a) -27,9 Tropical – Guiana Buchmann et al. (1997a) -23,4 Cerrado – Brasília Miranda et al. (1997) -21,8 Cerrado - Brasília Miranda et al. (1997) -17,7 Pastagem – Manaus Ometto et al (2002) -17,2 Pastagem - Santarém Ometto et al (2002) -13,4 Pastagem – Ji-Paraná Ometto et al (2002)
Note que os valores encontrados em florestas tropicais não foram muito
distintos. Por outro lado, os dois valores determinados no Cerrado foram maiores,
indicando a contribuição de gramíneas que seguem o ciclo fotossintético C4, como já
mencionado acima. Estudos em pastagens na região Amazônica dominadas por
gramíneas do gênero Bracchiaria, uma gramínea do tipo C4, mostraram que os valores
de δ13Cbiogênico eram ainda mais elevados que os valores encontrados no Cerrado (Tab.
3.2.). Ometto et al. (2002) identificaram que os valores de δ13Cbiogênico em pastagens
dependem da idade da pastagem, do regime de fogo e da quatindade de arbustos C3
presentes na pastagem. Dentre as três pastagens mostradas na Tabela 3.2., a mais
antiga é a de Ji-Paraná, no Estado de Rondônia, pois justamente essa pastagem teve o
valor δ13Cbiogênico mais elevado devido à maior incorporação no solo do material vegetal
produzido pelas gramíneas.
41
3.3. Variação Secular na Concentração e Composição Isotópica do CO2 Atmosférico
Pela análise de bolhas de ar presas no gelo da Antártica, Friedli et at, 1986 e
por medidas diretas de CO2 e δ13CO2 que começaram em 1982, foi possível construir a
variação histórica desses dois parâmetros. Observou-se que a concentração de CO2 da
atmosfera vem aumentando e os seus valores de δ13C vem se tomando "mais leve":
Causas:
queima de combustíveis fósseis (δ13C = -24 a -28‰)
queima de vegetação (δ13C = -28 a -32‰)
42
Figura 3.3. Variação temporal (secular) na concentração do CO2 atmosférico (A) e dos
valores de δ13C do CO2 atmosférico. Adaptado por Joos & Bruno (1998).
3.4. Variação entre hemisférios
Cerca de 90% das emissões de combustíveis fósseis ocorrem no Hemisfério
Norte e a maioria das emissões devido à queima de vegetação ocorre no Hemisfério
Sul. Sabemos que as emissões de combustíveis fósseis são maiores que as emissões
"biogênicas", esse fato cria um gradiente de concentração de CO2 entre os dois
hemisférios e conseqüentemente um gradiente nos valores de δ13CO2. As
concentrações de CO2 no Hemisfério Norte são mais elevadas em cerca de 1 a 2 ppm e
os valores de δ13CO2 são mais leves cerca de 0.1 a 0.2‰ (Fig. 3.4).
É interessante notar que a diferença na composição isotópica do CO2
atmosférico entre hemisférios varia sazonalmente. Durante o verão no Hemisfério Norte
(julho-setembro) as plantas estão fotossinteticamente ativas. Ao fazerem fotossíntese
as plantas discriminam 13C em favor do 12C. Assim, reatará na atmosfera durante o
verão, relativamente, mais átomos de 13C, portanto, os valores de δ13C serão maiores
no versão em relação aos valores encontrados no inverno (Fig. 3.4).
43
Figura 3.4. Variação latitudinal dos valores de δ13C do CO2 atmosférico durante inverno
e verão. Adaptado por Fung et al. (1997).
44
Bibliografia recomendada
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268.
Capítulo 4: Vegetação 4.1. Definições
Antes de entrarmos no tema deste capítulo, é oportuno relembrarmos certos
parâmetros, como o chamado fator de fracionamento α:
p
a
RR
=α ..........................................................................(4.1)
onde:
Ra é a relação molar 13C/12C da fonte (atmosfera) e RP: relação molar 13C/12C do
produto (planta)
Vamos também relembrar o fator de fracionamento ε, que os fisiologistas de
plantas denominaram Δ, portanto:
)1()1( −=−=Δp
a
RR
α ....................................................(4.2)
Vale repetir que Δ = ε, que foi definido na primeira aula. Portanto, somente
houve uma mudança de letra de Δ para ε.
Devemos lembrar que Ra, é maior que RP, dessa forma o valor de α será maior
que 1, conseqüentemente o valor de Δ será positivo.
Portanto, quando utilizamos a notação δ13C, este valor é negativo para as
plantas. Por outro lado, quando utilizamos a notação Δ, este terá um valor positivo.
Qual seria a relação entre δ e Δ? Já demostramos essa relação na primeira aula,
vamos somente repetí-las, trocando-se ε por Δ:
48
1000+
−=Δ
p
pa
δδδ
..............................................................(4.3)
4.2. As plantas C3 e a fotossíntese
Os modelos sobre fracionamento isotópico durante a fotossíntese consideram
que a descriminação dos átomos de 13C ocorre em duas etapas:
(a) Durante a difusão do CO2 pelos estômatos, conhecido pelo valor a, que é
estimado em 4.4 ‰ e
(b) Durante a fixação do CO2 atmosférico em um composto orgânico (rubisco)
através da reação de carboxilização, conhecido como valor b, estimado em
cerca de 30‰.
Há um terceiro parâmetro que exerce uma influência decisiva na composição
isotópica das plantas, é a relação entre a pressão interna de CO2 na câmara estomatal
(pi) e a pressão externa da atmosfera (pa). As equações que expressam essas relações
são as seguintes:
a
i
pp
aba ⋅−+=Δ )(...................................................(4.4)
Ou utilizando-se a notação δ teremos que:
a
iCplanta p
pabaCOC ⋅−−−=− )(2
133
13 δδ ...........................................(4.5)
A Tabela 4.1 resume alguns valores de δ13C de folhas coletadas em várias
florestas tropicais brasileiras, folhas coletadas no Cerrado do planalto Central brasileiro
49
e folhas oriundas de algumas florestas temperadas. Note que os valores nas florestas
tropicais são sempre menores que os valores encontrados em outros tipos de
vegetação.
Tabela 4.1. Valores médios de δ13C (‰) de folhas coletadas em diferentes formações
vegetais.
Local Tipo de vegetação δ13C (‰) Referência Manaus – ZF2 C14 Terra-firme -32.1 Ometto et al. (no prelo) Manaus – ZF2 K34 Terra-firme -32.6 Ometto et al. (no prelo) Santarém – Km 67 Terra-firme -32.8 Ometto et al. (no prelo)
Santarém – seca floresta Terra-firme -32.1 Ometto et al. (no prelo) Rondônia – Rebio Terra-firme -31.9 Ometto et al. (no prelo)
Rondônia – Samuel Terra-firme -32.1 Martinelli et al. (1998) S.C. do Rio Negro (Vê) Terra-firme -32.1 Medina and Minchin (1980)
Amazon river Várzea -32.1 Martinelli et al. (1994) Manaus – Res. Ducke Terra-firme -31.6 Ducatti et al. (1991)
Pantanal Savana -30.9 Victoria et al. (1995) Manaus – Faz. Dimona Terra-firme -30.8 Kapos et al. (1993)
Brasília – Res. IBGE Cerrado -29.0 Miranda et al. (1997) Hokaiddo (Japão)* Floresta temperada -29.5 Hanba et al. (1997) Jülich (Alemanha)* F. sylvatica -29.0 Schleser (1992)
Utah (EUA)* P. contorta and P. tremuloides
-27.3 Buchmann et al. (1997)
Prince and Thompson Albert (Canadá)*
P. mariana, P. banksina, P. tremuloides
-26.9 Flanagan et al. (1996)
*Florestas temperadas
Note na Figura 4.1 que os valores de δ13C de folhas de árvores de florestas
tropicais brasileiras coletas em Manaus, Santarém e São Gabriel da Cachoeira e folhas
do Cerrado do plananto Central (Brasília) variaram entre -24‰ a -38‰, portanto uma
variação significativa de cerca de 14‰. Ainda que os valores mais freqüentes estejam
entre -30‰ e -32‰. Por que observamos essa grande variação nesses tipos de
vegetação?
50
Se observarmos os valores foliares de δ13C de espécies temperadas,
observararemos que são maiores que os valores encontrados em florestas tropicais.
Novamente cabe a pergunta, qual a causa dessa diferença?
Estas perguntas serão respondidas na próxima aula, quando trataremos das
causas que levam à estas grandes variações isotópicas.
δ13C (o/oo)
Núm
ero
de o
bser
vaçõ
es
Localidade: Santarém
-42-40
-38-36
-34-32
-30-28
-26-24
-22-20
050
100150200250300350400450
Localidade: Manaus
-42-40
-38-36
-34-32
-30-28
-26-24
-22-20
Loc al idade: SGCachoei ra
-42-40
-38-36
-34-32
-30-28
-26-24
-22-20
050
100150200250300350400450
Loc alidade: Bras ília
-42-40
-38-36
-34-32
-30-28
-26-24
-22-20
Figura 4.1. Distribuição de freqüência dos valores de δ13C de folhas de espécies
arbóreas coletadas em diferentes localidades. Fonte: Ometto et al. (2007).
4.3. As plantas C4 e a fotossíntese
Nas plantas do tipo C3 foram observados valores de δ13C que variaram entre
-24‰ a -38‰. Por outro lado, para as plantas C4 são observados valores entre -11‰ a
-15‰. Portanto, isso significa que há uma menor discriminação isotópica dos átomos de 13C pelas plantas do tipo C4 em relação às plantas do tipo C3.
51
A razão para esse fato reside no modo com que o CO2 é fixado nessas plantas
durante a fotossíntese. Ocorre fracionamento em três fases distintas:
a) Durante a difusão do CO2 atmosférico pelo estômato, como nas plantas C3,
portanto o valor a é o mesmo, em torno de 4‰.
b) Durante a passagem do CO2 para HCO3. No mesófilo das folhas de plantas C4
o CO2 é dissolvido e hidratado passando a HCO3. Essa etapa é denominada de eb e
como vimos anteriormente, quando tratamos do equilíbrio oceano-atmosfera no capítulo
3, o fracionamento desta reação e de aproximadamente -8‰ a temperatura de 20 °C.
c) Durante a carboxilização do HCO3. No ciclo fotossintético das plantas C4 o
HCO3 será fixado como molécula orgânica, e não o CO2. O fracionamento isotópico
durante a fixação do bicarbonato é menor que o fracionamento durante a fixação do
CO2. Como vimos, o valor b foi igual a 30‰, no caso das plantas C4, o valor calculado
(denominado b4*) será igual a 2‰.
Portanto, o fracionamento total em uma planta C4, denominado b4, será igual a:
*
44 beb b += ..................................................................(4.6)
Numericamente teremos que b4 será igual a -8+2 = -6‰.
d) Durante o "vazamento" do CO2 e HCO3. Uma certa proporção dessas duas
espécies carbonatadas pode vazar do mesófilo e seguir os mesmos caminhos
bioquímicos em relação as plantas C3. Nesse caso o fracionamento volta a ser de 30‰
(o valor b). No entanto, como é somente uma certa proporção das espécies
carbonatadas que vaza do mesófilo, esse tipo de fracionamento é comumente expresso
como uma proporção do valor b, que comumente é expressa como: φ•b, onde φ exprime a proporção de espécies carbonatadas que vaza do mesófilo. É importante
notar, que para a maioria das espécies de plantas C4, essa proporção se encontra em
torno de 34%.
Computando-se todas essas etapas a equação que exprime o fracionamento
isotópico em plantas C4 passa a ser:
52
a
i
pp
abba ⋅−⋅++=Δ )( 34 φ...................................................(4.7)
Utilizando-se a notação δ teremos:
a
iCplanta p
pabbaCOC ⋅−⋅+−−=− )( 34213
413 φδδ
.......................(4.8)
Segundo Farquhar et al.(1989), geralmente o termo (b4 + b3φ- a) é igual a zero.
Pois, como citado acima, a proporção φ se encontra ao redor de 34%. Dessa forma, a
equação 4.8 resultará em:
aCOC Cplanta −=− 213
413 δδ .......................................(4.9)
Nota-se pela equação 4.9 acima, que especificamente para as plantas que
seguem o ciclo fotossintético C4, a relação pi/pa não terá influência na composição
isotópica deste tipo de planta.
A Figura 4.2 mostra os valores de δ13C de gramíneas tropicais depositadas até
1974 no herbáreo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Nota-se que um
grupo de gramíneas segue o ciclo fotossintético C3, com valores característicos de δ13C
entre -35‰ a -23‰. Por outro lado, nota-se que um outro grupo de gramíneas segue o
ciclo fotossintético C4 tendo valores entre -15‰ a -9‰.
53
-33 -31 -29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -13 -11 -9
δ13C (o/oo )
0
10
20
30
40
50
60
70
80N
úmer
o de
obs
erva
ções
Figura 4.2. Distribuição de freqüência dos valores de δ13C de amostras de gramíneas
depositadas até 1974 no herbáreo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
Fonte dos dados: Medina et al. (1998).
4.4. As plantas crassuláceas (CAM) e a fotossíntese
As plantas CAM sintetizam oxaloacetato a partir do CO2 atmosférico, usando a
PEP carboxilaze, o oxaloacetato é então convertido e estocado como malato. À noite,
essas plantas fecham seus estômatos e fazem o processo inverso, transformando o
omalato em CO2 e fixando-o como as plantas C3 o fazem. Como todo o CO2 é fixado
não haverá fracionamento nessa fase (b = 0). O malato para ser produzido resulta em
um fracionamento semelhante às plantas C4, sem nenhum "vazamento" (φ = 0),
portanto, a equação para as CAM se reduz a:
54
a
i
ppaba ⋅−+=Δ )( 4 ...........................................(4.10)
Utilizando-se da notação δ teremos:
a
iCAMplanta p
pabaCOC ⋅−−−=− )( 421313 δδ
.................................(4.11)
A Figura 4.3 mostra a distribuição de freqüência de valores de δ13C de folhas da
família Poaceae (gramíneas) e do gênero Aloe (CAM).
55
Figura 4.3. Distribuição de valores de δ13C de 351 espécies de gramíneas (painel
superior) e de 63 espécies do gênero Aloe (CAM) . Adaptado por Vogel (1993).
56
Bibliografia recomendada Buchmann N, Kao WY, Ehleringer JT (1997) Influence of stand structure on carbon-13
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Capítulo 5 - Fatores Ambientais e a Composição Isotópica das Plantas
Em princípio, todo e qualquer fator que altere a composição isotópica do CO2
atmosférico e ou a relação pi/pa’, alterará a composição isotópica das plantas.
Examinemos alguns destes fatores:
5.1 Intensidade de luz
Quando a intensidade de luz é baixa, a planta permanece com seus estômatos
abertos tentando otimizar o processo de fotossíntese, com isso, pi tende a ser igual a
pa, portanto a relação pi/pa, tende hipoteticamente para 1.
Substituindo-se a relação pi/pa pelo valor 1 na equação 5.1 teremos que:
30213
213
313 −=−=− CObCOC Cplanta δδδ ......................................(5.1)
Por outro lado, quando a intentidade de luz é alta, a planta permanece com
seus estômatos mais fechados, diminuindo a concentração de pi, conseqüentemente, a
relação pi/pa, tende hipoteticamente a zero, e a equação 5.2 fica reduzida a:
4.4213
213
313 −=−=− COaCOC Cplanta δδδ .........................................(5.2)
Portanto, um gradiente na intensidade de luz provocará um gradiente na
composição isotópica das plantas. Locais onde a abundância de luz é menor e não há
restrição de água, as plantas tendem a ter valores menores de δ13C.
Examinando-se a Figura 5.1 notamos que para um fluxo de fótons ao redor de
25 mmol.m-2.d-1 teremos um valor de δ13C em torno de -31‰. Fixando-se
hipoteticamente o valor de δ13C do CO2 atmosférico cerca de 8‰ podemos calcular o
valor da relação pi/pa através da equação (41), resultando em um valor igual a 0,77.
Para um fluxo de fótons igual a 50 mmol.m-2.d-1, teremos um valor de δ13C
aproximadamente igual a -27‰, que resultaria em uma relação pi/pa igual a 0,61
mantendo-se o valor de δ13C do CO2 atmosférico cerca de 8‰.
59
Dessa forma fica demonstrado que com menor quantidade de luz os estômatos
estão mais abertos, fazendo com que a relação pi/pa aumente.
Figura 5.1. Variação dos valores de δ13C de espécies coletadas na floresta de Ding Hu
Shan na China em função da quantidade de luz, expressa pelo fluxo de fótons.
Adaptado de Ehleringer et al. (1986).
5.2. Variação na fonte de CO2
Existem ocasiões em que a variação na composição isotópica das plantas é
ditada por variações na fonte do CO2 atmosférico para as plantas.
60
A Figura 5.2 ilustra uma situação dessas, em que os valores de δ13C variaram
ao longo de um gradiente devido à variações na composição isotópica do CO2
atmosférico.
61
Figura 5.2. Variação rio abaixo dos valores de δ13C de (A) folhas de espécies arbóreas
e (B) folhas de gramíneas flutuantes coletadas ao longo do rios Solimões e Amazonas.
Adaptado por Martinelli et al. (1991).
Na região do Alto Solimões, portanto, rio acima, o CO2 produzido pela
respiração das plantas e matéria orgânica do solo que é produzido durante a noite,
permanece em contato com a vegetação por mais tempo durante a manhã, quando as
plantas estão fotossintetizando. Assim, as plantas têm uma maior oportunidade de
absorver este CO2 empobrecido. Conseqüentemente, os seus valores de δ13C serão
mais leves que os encontrados rio abaixo.
Assumindo-se hipoteticamente que a relação pi/pa seja constante para todas as
plantas amostradas e igual a 0,6, podemos calcular que o valor do δ13C do CO2
atmosférico através da equação (41), que com os valores aplicados se torna igual a:
8,19313
213 −= −CplantaCCO δδ .......................................(5.3)
Próximo à marca 0 km o valor de δ13C das plantas foi ao redor de -35‰,
substituindo-se esse valor na equação acima, o δ13Catm seria igual a -15,2‰. Por outro
lado, cerca de 1800km rio abaixo, o valor de δ13C das plantas foi igual a -30‰,
conseqüentemente, o valor de δ13C do CO2 atmosférico seria igual a -10,2‰. Portanto,
haveria uma diferença média em torno de 5‰ entre a composição isotópica do CO2
atmosférico coletado rio acima em relação daquele coletado rio abaixo.
5.3. Variação da fonte de luz e fonte de CO2 simultaneamente
Os exemplos mais conhecidos sobre esse tipo de variação simultânea (luz e
CO2) são as plantas que crescem ao longo do dossel de florestas tropicais. A Figura 5.3
ilustra esse tipo de variabilidade exibindo os valores de δ13C em amostras de folhas
coletadas ao longo da copa de florestas situadas na região amazônica (Ometto et al.,
2005).
62
Apesar de existirem duas causas para as variações dos valores de δ13C em
plantas do sub-bosque - luz e CO2 advindo da respiração do solo e das plantas
(biogênico) - alguns trabalhos têm demonstrado que a causa principal da variabilidade
observada ao longo da copa é a limitação de luz, que faz com que pi/pa aumente,
causando um maior fracionamento em relação ao CO2 atmosférico. Schelser e
Jayasekera (1985) estimaram que somente 5% do CO2 fixado pelas plantas adivinha do
CO2 biogênico. Por outro lado, utilizando um modelo distinto, Sterngerg et al. (1989)
estimaram que essa proporção era também baixa, ao redor de 7%.
Figura 5.3. Variação dos valores de δ13C de folhas de espécies arbóreas em função da
altura da copa em diferentes localidades da Amazônia. ZF2 – próximo à ciade de
Manaus; Flona-1 e Flona-2 – Floresta Nacional do Tapajés, próximo à cidade de
Santarém e Rebio – próximo à cidade de Ji-Paraná.
63
As equações que representam a correlação entre os valores de δ13C e altura da
copa encontram-se descritas na Tabela 1 (Ometto et al. 2005). Note que a inclinação da
reta é uma medida de quanto o valor de δ13C aumenta para um acréscimo de 1 metro.
A floresta localizada em Manaus parece ter o acréscimo mais vigoroso, ou seja 0.24‰
por metro. Nas outras florestas o acréscimo situou-se entre 0.16 a 0.19‰ por metro de
altura da copa.
Tabela 1. Equações de reta entre a altura do dossel e os valores de δ13C dos mesmos
locais descritos na Figura 5.3. H denota a altura da copa, r2 o coeficiente de correlação
da equação e N o número de amostras utilizados nas respectivas equações.
Local Equação r2 N
Manaus-ZF2 δ13C = -35.6 + 0.24*H 0.72** 137
Santarém-Flona-2 δ13C = -34.8 + 0.19*H 0.64** 165
Santarém-Flona-1 δ13C = -34.9 + 0.17*H 0.75** 153
Ji-Paraná-Rebio δ13C = -34.0 + 0.16*H 0.63** 48
Lembrando-se das equações (4.4) e (4.5), repetidas abaixo como equações
(5.4) e (5.5), notamos que se tivermos os valores de δ13C do CO2 da atmosfera
podemos calcular os valores de pi/pa (Tab.2).
a
i
pp
aba ⋅−+=Δ )(..............................................................(5.4)
a
iCplanta p
pabaCOC ⋅−−−=− )(2
133
13 δδ ...........................................(5.5)
Note que os valores de pi/pa diminuem ao longo do dossel em direção ao topo
das árvores, pois, como a incidência luminosa aumenta, os estômatos permanecem
mais tempo fechados, levando a um decréscimo na relação pi/pa.
64
Tabela 2. Concentração média do CO2 atmosférico, valores de δ13C do CO2 e das
folhas ao longo do dossel. Δ é a diferença entre o δ13C do CO2 atmosférico e da folha e
os valores ci/ca foram calculados através das (5.4) e (5.5).
Altura da
copa
(m)
CO2-atm (ppmv)
δ13CO2 (‰)
δ13C-folha (‰)
Δ (‰)
pi/pa
0.5 445.4 -11.9 -36.2 24.5 0.78
5 376.2 -8.8 -35.0 26.4 0.86
22 373.3 -8.7 -30.3 21.6 0.67
42 368.6 -8.5 -24.8 16.1 0.46
5.4. Disponibilidade de água
A resposta das plantas ao baixo teor de água no solo, ocorre pelo fechamento
dos estômatos, evitando maiores perdas de água. Ocorre também um decréscimo na
fotossíntese. Caso esse decréscimo ocorra em um nível maior que a entrada de CO2 na
câmara estomatal, haverá um conseqüente decréscimo no valor de pi. Por sua vez, a
relação pi/pa decrescerá, aumentando os valores de δ13C da planta.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado quando a umidade relativa do ar é muito
baixa. Evitando perder água, as plantas tendem a fechar seus estômatos, diminuindo a
relação pi/pa e conseqüentemente aumentando seus valores de δ13C. Para exemplificar
esses aspectos, mostramos na Figura 5.4. um histograma dos valores de δ13C de folhas
de espécies coletadas na Floresta Nacional do Tapajós (Flona), situada próxima à
cidade de Santarém, e de espécies coletadas em uma área de Cerrado, situada
próxima à cidade de Brasília. Como sabemos, a disponibilidade de água para as plantas
do Cerrado é sensivelmente menor que as plantas da Flona-Tapajós.
Conseqüentemente, os valores de δ13C das plantas do Cerrado são mais elevados que
as plantas da Flona-Tapajós (Fig. 5.4). Enquanto que a maioria dos valores de plantas
65
do Cerrado se encontram agrupados entre -29 a -27‰, a maioria do valores de plantas
da Flona-Tapajós se encontram agrupados entre -33 a -31‰ (Fig. 5.4).
δ13C (o/oo)
Núm
ero
de o
bser
vaçõ
es
-36 -35 -34 -33 -32 -31 -30 -29 -28 -27 -26 -250
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
220
240
SantarémBrasília
Figura 5.4. Distribuição dos valores de δ13C de espécies arbóreas coletas em uma área
de Cerrado próxima a Brasília e na Floresta Nacional do Tapajós, próxima à cidade de
Santarém. Fontes: Ometto et al. (no prelo) e Mercedes Bustamante, Universidade de
Brasília, dados não publicados.
66
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Capítulo 6 - A Composição Isotópica dos Solos 6.1. Introdução
Examinando-se os valores de δ13C da matéria orgânica do solo (MOS) ao longo
de uma transeção realizada no Pantanal na Fazenda Nhumirim da Embrapa (Victoria et
al., 1995), nota-se que os valores de δ13C da MOS seguiram os valores isotópicos da
vegetação presente. Na parte da transeção dominada por gramíneas (0 a 350 metros)
os valores de δ13C da MOS foram próximos aos valores isotópicos das gramíneas C4,
enquanto que na parte dominada por plantas C3 os valores se tornaram próximos à
composição isotópica dessas plantas (Fig. 6.1).
O fato mais relevante que observamos na Figura 6.1. é que: "o solo tende a ter
uma composição isotópica similar à cobertura vegetal presente".
-30
-28
-26
-24
-22
-20
-18
-16
-14
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000
Comprimento da transecção (m)
δ13
C (o
/ oo)
C4 C4/C3 C3
Figura 6.1. Valores de δ13C da matéria orgânica do solo ao longo de uma transeção
com predomínio de gramíneas C4, seguido por uma área de transição com mistura
entre plantas C3 e C4 e terminando em uma área dominada por plantas arbóreas que
68
seguem o ciclo fotossintético C3. Fazenda Nhumirim, EMBRAPA, pantanal mato-
grossense. Adaptado de Victoria et al. (1995).
Nota-se também que existe uma certa variabilidade na composição isotópica
desses solos. Provavelmente essa variabilidade seja reflexo da variabilidade existente
na composição isotópica da vegetação presente e também devido ao fracionamento
isotópico envolvido no processo de decomposição do material vegetal no solo.
Nas áreas florestais, notamos que sempre o δ13C da MOS é maior que o δ13C
da vegetação. Esse fato indica que entre a vegetação e o solo ocorre uma perda
preferencial de átomos de 12C. Estudos indicam que durante a decomposição do tecido
vegetal ocorre um enriquecimento em torno de 1 a 2‰. A Figura 6.2 mostra essa
tendência com dados de um estudo conduzido pelo nosso grupo nas várzeas da
Amazônia, onde entre a vegetação e a serapilheira houve um fracionamento isotópico
em torno de 2‰ e entre a serapilheira e o solo houve um segundo fracionamento
também de quase 2‰.
Voltando à Figura 6.1, notamos que nas áreas cobertas por gramíneas, os
valores de δ13C da MOS foram menores que os valores da vegetação. Lembre-se que
no caso das florestas ocorreu o oposto, os valores da SOM foram maiores que na
vegetação. A explicação mais provável para esse fato é que a vegetação atual,
predominantemente composta por gramíneas, coexista com arbustos do tipo C3, que
contribuem também para a formação da matéria orgânica do solo.
6.2. Variação dos valores de δ13C com a profundidade
Uma coletânea de vários trabalhos mostrou que quando a vegetação
predominante é do tipo C3 e não há indícios de mudança no tipo de vegetação em
tempos remotos, o valor de δ13C da MOS sofre um aumento em direção as camadas
mais profundas do solo (Fig. 6.3). Geralmente, o aumento nos valores de δ13C da MOS
é cerca de 3 a 4‰ entre a camada superficial e as camadas mais profundas, como é o
caso do exemplo que contempla amostras de solo coletadas na região de Paragominas,
no sul do Estado do Pará (Fig. 6.3).
69
As prováveis explicações para essa tendência são as seguintes:
1) Conforme o processo de decomposição prossegue, vai havendo um progressivo
acúmulo de material enriquecido em 13C no perfil. Segundo essa hipótese, a
idade da matéria orgânica deveria aumentar com a profundidade, fato que
freqüentemente ocorre.
2) A eluviação da matéria orgânica ao longo do perfil do solo contribuiria para o
acúmulo de material rico em 13C nas camadas mais profundas. O solo
funcionaria como uma resina trocadora.
-35-34-33-32-31-30-29-28-27-26-25
Folhas
Serapilheira
Solo
δ 13C (o/oo)
Figura 6.2. Valores de δ13C de folhas, serapilheira e matéria orgânica do solo
coletadas ao longo das áreas de várzea dos rios Solimões e Amazonas. Adaptado por
Martinelli et al. (1994).
Nos casos de perfis de solo em que o enriquecimento isotópico com a
profundidade é maior que 3 a 4‰, é provável que tenha havido uma mudança no tipo
de vegetação durante a pedogênese desses perfis. Por exemplo, a substituição de
uma floresta, predominantemente do tipo C3, por uma savana, onde as espécies de
70
gramíneas estabelecidas tenham sido predominantemente do tipo C4. Esse é o caso
dos perfis de solos coletados próximos às cidades de Piracicaba e Londrina (Fig. 6.3).
020406080
100120140160180200
-28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14
δ 13C (o/oo)
Prof
undi
dade
do
solo
(cm
)
Piracicaba ParagominasLondrina
Figura 6.3. Variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do solo sob floresta com a
profundidade do perfil em três localidades distintas. Adaptado por Martinelli et al.
(1996).
Por outro lado, em solos onde dominam campos naturais de gramíneas do tipo
C4, a variação dos valores de δ13C com a profundidade do solo é distinta em relação às
florestas e variam conforme a dinâmica da vegetação precedente. Geralmente
encontram-se dois tipos de perfis: (1) perfis onde por muito tempo a vegetação
dominante vem sendo composta por gramíneas (Fig. 6.4) e 2) perfis onde atualmente
dominam as gramíneas, mas antigamente o domínio era de uma vegetação dominada
por plantas C3, ou de uma mistura de plantas C3 e C4 (Fig. 6.5).
Na Figura 6.4, nota-se que no perfil do solo sob floresta houve um discreto
aumento nos valores de δ13C, em torno de 3 a 4‰, sugerindo que esse sítio tem tido
71
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
3.5
4.0
-30 -28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14 -12
δ13C (o/oo)
Prof
undi
dade
do
solo
(m)
Amapá
Figura 6.4. Variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do solo sob floresta
(círculo preto) e savana (círculo cinza) em relação à profundidade de perfis de solo
coletados no Amapá. Adaptado de Sanaiotti et al. (2002).
uma cobertura florestal por longo tempo. Por outro lado, no perfil de solo sob savana,
nota-se que houve uma diminuição de cerca de 6‰ entre a camada mais superficial e a
mais profunda; sugerindo que a savana predominante em tempos remotos era mais
arbustiva (plantas do tipo C3). Progressivamente, houve uma diminuição de plantas do
tipo C3, passando essa savana a ter uma dominância quase total de gramíneas do tipo
C4.
É importante notar que as duas curvas não se encontram nem nas camadas mais
profundas do solo, fato que difere do perfis de solo encontrados na Figura 6.5, onde nas
camadas mais profundas havia uma dominância de plantas C3 tanto no perfil sob
72
floresta como no perfil sob savana. Com o passar do tempo, o perfil de floresta passou
a ser composto exclusivamente por plantas C3, típicas desse tipo de vegetação e o
perfil sob savana foi progressivamente sendo enriquecido com plantas do tipo C4.
Finalmente, um outro exemplo da variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do
solo com a profundidade pode ser visto na Figura 6.6. Nesta figura mostramos a
variação em profundidade da composição isotópica de amostras de solos coletadas no
Cerrado, em uma área situada na reserva do IBGE, próxima à cidade de Brasília.
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
3.0
3.5
4.0
-30 -28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14 -12
δ13C (o/oo)
Prof
undi
dade
do
solo
(m)
Humaitá
Figura 6.5. Variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do solo sob floresta
(círculo preto) e savana (círculo cinza) em relação à profundidade de um perfil de solo
coletado próximo à cidade de Humaitá, no Estado do Amazonas. Adaptado de Sanaiotti
et al. (2002).
O Cerrado tem várias fisionomias que variam em função da proporção entre
gramíneas e arbustos, arvoretas e árvores. Áreas onde as gramíneas são quase a
totalidade, recebem o nome de campo limpo. A medida que vai aumentando o número
de espécies não graminosas, as fisionomias vão mudando de campo limpo para campo
73
sujo, cerrado stricto sensu, cerrado denso e, finalmente, cerradão, onde quase não
existem gramíneas. Na Figura 6.6 mostramos dois perfis, um com amostras de solo
coletadas em um campo sujo e outro com amostras coletadas no cerrado denso.
0100200300400500600700800900
-25 -24 -23 -22 -21 -20 -19 -18 -17
δ13C (o/oo)P
rofu
ndid
ade
do s
olo
(cm
)
Campo sujo Cerrado denso
Figura 6.6. Variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do solo sob campo sujo e
cerrado denso em relação à profundidade de um perfil de solo coletado em uma região
de Cerrado situada próxima a Brasília. Mercedes Bustamante, Universidade de Brasília,
dados não publicados.
No perfil representando o cerrado denso, houve um aumento dos valores de
δ13C da MOS com a profundidade, sugerindo que em tempos remotos havia uma
mistura maior entre plantas do tipo C3 e C4. Atualmente, como indicado pelas amostras
superficiais, há um claro predomínio de plantas do tipo C3. No campo sujo, por outro
lado, houve uma mistura entre plantas do tipo C3 e C4 e a proporção de ambos os tipos
de plantas parece não variar significativamente com a profundidade (Fig. 6.6).
Estes tipos de estudo, que utilizam a composição isotópica do carbono, para
aferir mudanças passadas no tipo de vegetação são particularmente importantes em
74
áreas que tiveram mudanças climáticas pretéritas significantes. Estudos
paleoecológicos (geomorfológicos e palinológicos) demonstraram em duas regiões do
Brasil a ocorrência de mudanças climáticas importantes no fim do Pleistoceno (10.000 a
13.000 anos) e no meio do Holoceno (5.000 a 6.000 anos). Os estudos palinológicos
foram desenvolvidos com maior intensidade na Amazônia e na região Centro-Leste do
Brasil (Minas Gerais, Salinas e Vale do Rio Doce).
6.3. Os valores de δ13C nas frações granulométricas do solo
Até agora analisamos os valores de δ13C na MOS como um todo, nesta seção
analisaremos a composição isotópica do carbono nas diferentes frações
granulométricas do solo. Primeiro observaremos que existem diferenças significativas
entre elas, e que essas diferenças podem ser utilizadas para estudarmos a dinâmica da
matéria orgânica do solo.
A tendência geral observada é que nas frações mais grosseiras do solo se
acumulam restos vegetais da cobertura vegetal atual, e na fração mais fina se acumula
a matéria orgânica mais intensamente decomposta, geralmente de origem microbiana
(Tab.1). Através de datação feita por 14C demonstrou-se que a fração silte-argila do
solo é geralmente a mais antiga. Esse padrão de comportamento causa diferenças
interessantes entre solos sob diferentes coberturas vegetais.
75
Tabela 1. Variação dos valores de δ13C em diferentes frações granulométricas do solo.
Fração Vegetação antiga Vegetação atual Referência
Floresta (-30 (‰) Cana (-12‰) Vitorello et al. (1989)
Areia grossa -28.2‰ -18.7‰
Argila fina -24.4‰ -20.9‰
Floresta (-30.5 (‰) Cana (-12‰) Vitorello et al. (1989)
Areia grossa -28.9‰ -18.0‰
Argila fina -26.5‰ -21.0‰
Savana (-12.9‰) Flor. (-28.3‰) Martin et al. (1990)
Areia grossa -12.7‰ -25.3‰
Argila fina -14.1‰ -15.0‰
Primeiramente, vamos analisar a composição isotópica das frações
granulométricas de solos cobertos originalmente por florestas (total predomínio de
plantas C3). Nas primeiras linhas da Tabela 1 temos uma floresta localizada aqui em
Piracicaba, estudada por Vitorello et al. (1989), seguindo-se um estudo feito na
Amazônia por Desjardin et al. (1994). Obviamente existem diferenças entre as duas
florestas. Contudo, a mesma tendência pode ser observada em ambas. As frações mais
grossas do solo tiveram valores mais leves de δ13C, refletindo a composição isotópica
da cobertura vegetal. Nas frações mais finas observou-se um aumento nos valores de
δ13C, provavelmente fruto da decomposição da matéria orgânica.
Analisando-se os valores de δ13C de solos cobertos originalmente por plantas
C4, estudo de Martin et al. (1990), nota-se uma tendência muito semelhante, onde a
fração grossa reflete basicamente a composição isotópica da vegetação.
Agora nos ateremos às mudanças de vegetação. No estudo de Vitorello et al.
(1989), havia originalmente uma floresta que foi retirada para a introdução de cana-de-
açúcar. Note que interessante, no solo sob cana, as frações mais grosseiras são as que
tiveram maiores valores de δ13C, mais uma vez, refletindo na composição isotópica da
cobertura vegetal atual. As frações mais finas conservam ainda parte da cobertura
vegetal original (as florestas), misturada ao material originado pela cobertura atual
76
(cana-de-açúcar). A mesma tendência pode ser vista no estudo de Desjardin et al.
(1994), onde a floresta amazônica foi substituída por uma pastagem.
O estudo de Martin et aI. (1990), ilustra uma situação oposta à anterior, uma
savana natural na Costa do Marfim, sendo invadida por plantas C3, ou seja uma
recolonização pela floresta. Note que nas frações mais grossas está refletida a
vegetação atual, a floresta que dominou toda a área. Portanto, os valores de δ13C são
menores. Nas frações mais finas ainda permanece uma grande proporção de material
oriundo das vegetação original, as gramíneas C4 da savana.
6.4. Modelo de mistura e suas aplicações em estudos de solos
Como as plantas C3 e C4 têm valores de δ13C totalmente distintos, podemos
aplicar o modelo de mistura que vimos no Capítulo 1 para determinar a contribuição
relativa de cada um dos tipos de plantas na composição da matéria orgânica dos solos.
Estudos desse tipo são interessantes em sistema onde, por exemplo, foi retirada uma
floresta e implantada culturas agrícolas com plantas C4, dentre elas: pastagens, cana-
de-açúcar e milho. Por outro lado, estes estudos são também interessantes quando se
estuda as relações savanas-florestas ou campos de florestas naturais, uma vez que
savanas e campos naturais têm uma proporção elevada de plantas C4 na sua
composição florística.
Primeiramente relembremos nosso modelo de mistura e depois o ilustraremos
com alguns exemplos:
100(%)4
134
133
1313
4 ⋅−
−=
−−
−
CplantaCplanta
Cplantasolo
CCCC
Cδδ
δδ................................(6.1)
Tendo a quantidade de carbono em cada perfil, obtida pela equação abaixo,
podemos calcular a massa de carbono proveniente de cada tipo de planta.
77
(%)CzCt ⋅⋅= ρ ....................................................(6.2)
Onde Ct é a massa de carbono, z é a espessura do perfil, p é a densidade do
solo e C(%) é a porcentagem de carbono contida no solo. Multiplicando Ct por %C4
teremos a massa de carbono no solo oriunda das plantas C4.
Tabela 2. Massa de carbono (Ct) nas respectivas profundidades, contribuição da planta
C4 (%C4) e planta C3 (%C3) e massa de carbono oriunda de plantas C4 (Ct-C4) e planta
C3 (Ct-C3) em uma pastagem instalada na Amazônia. Fonte: Desjardin et al. (1994).
Prof. (cm) Ct (t/ha) %C4 %C3 Ct-C4 (t/ha) Ct-C3 (t/ha)
0 18.2 52 48 9.5 8.7
36087 11.5 26 74 3 8.5
A Tabela 2 ilustra a quantidade de carbono oriundo de plantas C3 e C4 em uma
pastagem na Amazônia que substituiu a floresta primária de terra firme que havia na
região (Desjardin et al., 1994). Na camada mais superficial (0-10cm), a proporção entre
plantas C3 e C4 é quase a mesma na composição da matéria orgânica do solo. Por
outro lado, na camada subsuperficial (10-20cm), a matéria orgânica remanescente da
floresta ainda predomina, com quase 9 toneladas de carbono por hectare contra
somente 3 toneladas de carbono por hectare sendo originado pela vegetação
introduzida recentemente.
78
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Capítulo 7 - Nitrogênio - Solo e Plantas 7.1. Introdução
As plantas terrestres têm como única fonte de carbono o CO2 atmosférico, as
plantas aquáticas podem também se utilizar do carbono dissolvido na água. Essa fonte
única, ou quase única, facilitou muito a compreensão dos fatores que determinam as
variações na composição isotópica do carbono estável nas plantas.
Por outro lado, as fontes de nitrogênio para as plantas são inúmeras.
Provavelmente, essa multiciplicidade de fontes se deve ao fato desse elemento ser
limitante ao crescimento das plantas. Portanto, durante sua evolução as plantas criaram
diversos mecanismos para se aproveitar de várias fontes. Assim, as plantas podem
receber nitrogênio da atmosfera através do processo de fixação biológica ou pela
deposição seca e úmida desse elemento. Podem também se abastecer das várias
formas de nitrogênio que existem no solo, inclusive de nitrogênio orgânico. A
composição isotópica do nitrogênio estável dessas diferentes formas é variável em
função de inúmeros parâmetros. Dessa forma, a interpretação dos valores de δ15N
encontrados nas plantas é muito mais complexa que dos valores de δ13C.
Adicionalmente, a determinação da composição isotópica do nitrogênio estável, até
cerca de 10-15 anos, era muito mais difícil que a do carbono estável. Em decorrência
dessas duas dificuldades, somente nos últimos anos começamos a entender os fatores
que determinam as diferenças entre os valores de δ15N encontrados nas plantas.
Neste capítulo discutiremos primeiramente as causas das variações na
composição isotópica da matéria orgânica do solo (MOS). Em seguida discutiremos
essas variações nas plantas superiores terrestres e, finalmente, discutiremos as
principais causas destas variações.
7.2. Valores de δ15N da matéria orgânica do solo
Na grande maioria das vezes determinamos os valores de δ15N da matéria
orgânica do solo e não das formas inorgânicas, tais quais NH4 ou NO3, que são as
formas corriqueiramente absorvidas pelas plantas. Esse fato terá conseqüências
81
importantes que ajudarão a explicar as diferenças observadas entre a composição
isotópica dos solos e das plantas, como veremos mais adiante.
Os valores de δ15N da matéria orgânica do solo na maioria das vezes
decrescem com a profundidade. Essa variação com a profundidade é especialmente
acentuada em solos tropicais, onde são comuns diferenças de 8‰ entre os valores de
δ15N da superfície em relação às camadas mais profundas do solo (Fig. 7.1).
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
-8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12 14 16
δ15N (o/oo)
Prof
undi
dade
do
solo
(%)
1 2 3 4 5 6 7 89 10 11 12 13 14 15 16
Figura 7.1. Variação dos valores de δ15N da matéria orgânica do solo em perfis de solos
tropicais em relação à profundidade. Como os perfis tinham profundidades de
amostragem distinta, foi transformada em porcentagem em relação à camada mais
profunda para facilitar a comparação. Perfis 1,2, 6 e 7 - Piccolo et al.(1996); perfis 3 a 5
82
- Bustamante et al. (2004); 8 a 10 - G.B. Nardoto (dados não publicados); perfis 11 e 12
- Silver et al. (2000); perfis 13 a 16 - Telles et al. (2003).
As maiores variações em profundidade ocorrem nas primeiras camadas do solo,
abaixo há uma certa constância nos valores de δ15N. Outro ponto importante é que os
valores de δ15N medidos em solos tropicais foram até o momento exclusivamente
maiores que 0‰, nenhum valor negativo foi ainda observado (Fig. 7.1). Os menores
valores encontrados foram aqueles oriundos do perfil 16, que se refere a um perfil
situado em uma área de baixo de uma Floresta Ombrófila Densa, próximo a cidade de
Manaus (Telles et al., 2003).
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
-8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12 14 16
δ15N (o/oo)
Prof
undi
dade
do
solo
(%)
17 18 19 20 21 22 23 2425 26 27 28 29 30 31 32
83
Figura 7.2. Variação dos valores de δ15N da matéria orgânica do solo em perfis de solos
temperados em relação à profundidade. Como os perfis tinham profundidades de
amostragem distinta, ela foi transformada em porcentagem em relação à camada mais
profunda para facilitar a comparação. Perfis 17 a 21 - Koopmans et al. (1997); 22 -
Mariotti et al. (1980); 23 e 24 - Riga et al. (1971); 25 a 29 - Vervaet et al. (2002); 30 a 32
- Brenner et al. (2004).
Por outro lado, quando examinamos as variações em profundidade dos valores
de δ15N em perfis de solos temperados notamos que, ainda que o padrão de variação
seja o mesmo, valores menores que aqueles observados em solos tropicais (Fig. 7.2). A
diferença entre solos tropicais e temperados fica ainda mais nítida em um histograma
(Fig. 7.3). A média dos valores de δ15N para solos tropicais foi igual a 10.2‰, sendo o
menor valor 3.5‰ e o maior 21.7‰. Esse valor médio é estatisticamente maior que a
média dos valores observada em solos temperados, que é igual a 2.0‰, sendo o
menor valor -7.5‰ e o maior 8.0‰.
Essas diferenças entre solos tropicais e temperados serão discutidas
posteriormente. Aqui será discutida a principal similaridade entre os dois solos - o
enriquecimento em 15N com a profundidade. Os principais motivos para esse
enriquecimento são: (i) constante adição de matéria orgânica de plantas nas camadas
superficiais do solo. Como veremos adiante, os valores de δ15N das plantas são
geralmente menores que aqueles encontrados na MOS; (ii) as transformações de N-
orgânico para N mineral e mesmo entre moléculas inorgânicas de N levam a um
enriquecimento do substrato. Ou seja, conforme as reações de mineralização,
nitrificação, denitrificação e volatização ocorrem a matéria orgânica restante tronando-
se enriquecida em átomos de 15N. Na superfície esse efeito não é tão sentido porque a
maioria do N está na forma orgânica. No entanto, conforme a profundidade aumenta,
aumenta também a proporção de formas inorgânicas de N em relação à orgânica.
Nesse caso, o pool orgânico "sente" mais as reações de transformação e torna-se
isotopicamente mais pesado, ou seja, enriquecido em átomos de 15N.
84
Núm
ero
de o
bser
vaçõ
es
δ15N (o/oo) - Solos tropicais
-10 -5 0 5 10 15 20 250
20
40
60
80
100
δ15N (o/oo) - Solos tem perados
-10 -5 0 5 10 15 20 25
Figura 7.3. Histograma de freqüência referente aos valores de δ15N da matéria orgânica
do solo determinada em perfis localizados em regiões tropicais e regiões temperadas.
Dentre os solos tropicais, o perfil 16 foi aquele que teve um menor
enriquecimento com a profundidade. Provavelmente essa ausência de enriquecimento
seja devida ao fato que a zona de baixio, próxima a um igarapé, é freqüentemente
inundada. A alternância de períodos encharcados e secos dificulta a mineralização da
matéria orgânica e, conseqüentemente, reações subseqüentes como nitrificação e
denitrificação, que tendem a deixar o substrato enriquecido em átomos de 15N. Assim,
há pouco enriquecimento ao longo do perfil do solo.
85
7.3. Valores de δ15N de espécies de árvores nativas
Como já dito, as causas das variações na composição isotópica do nitrogênio
estável são mais complexas que a composição isotópica do carbono estável. Neste
último caso há uma diferença constante entre plantas que seguem o ciclo fotossintético
C3 e C4. Estas últimas são relativamente imunes a mudanças ambientais. Por outro
lado, a composição isotópica das plantas C3 depende da abertura e fechamento dos
estômatos, que por sua vez são dependente de variáveis ambientais, tais quais luzes e
disponibilidade de água. Esta interdependência foi elegantemente capturada em uma
equação simples desenvolvida por Farqhar, Osmond and Joe Berry em 1982 e discutida
no Capítulo 4.
Outro fator importante é que a principal fonte de carbono para as plantas
terrestres é o CO2 atmosférico e em raras ocasiões, o carbono se torna um elemento
limitante para o crescimento das plantas. Pelo contrário, o nitrogênio, juntamente com o
fósforo, são os principais elementos limitantes. Assim, as plantas desenvolveram vários
mecanismos a fim de utilizarem diferentes formas de nitrogênio, bem como de
explorarem diferentes fontes deste elemento.
Como as principais fontes de nitrogênio se encontram no solo, seria útil uma
breve revisão das formas de N e também sobre as transformações desse elemento
nesse meio. Essas transformações são na verdade uma seqüência de reações de oxi-
redução que envolvem fracionamentos isotópicos variáveis e, geralmente, elevados.
A maior parte do nitrogênio do solo se encontra na forma orgânica, ligado à
matéria orgânica. Quando da produção de NH4 através da mineralização da matéria
orgânica é aceito que não há um fracionamento isotópico significativo. Portanto, se uma
planta absorver o NH4 que foi recentemente criado, sua composição isotópica será
similar à da composição isotópica da matéria orgânica do solo. No entanto, na maioria
das vezes esse não é o caso, pois o NH4 pode ser rapidamente transformado em NH3 e
volatilizado sob condições de pH elevado, ou pode ser rapidamente transformado em
nitrato (processo de nitrificação) em condições de anaerobiose. No primeiro processo,
volatilização, Högberg (1997) atribuiu como valor médio para o fracionamento envolvido
nesse processo algo em torno de 29‰. No processo de nitrificação o fracionamento
86
isotópico também é considerado elevado, geralmente variando de 15 a 35‰ (Högberg,
1997). Vale lembrar que em ambos processos o NH4 restante se tornará enriquecido
em átomos de 15N. Portanto, sua composição isotópica não será mais similar à
composição isotópica da matéria orgânica do solo.
Como as plantas absorvem do solo principalmente as formas inorgânicas NH4 e
NO3, a composição isotópica das plantas será uma função da composição isotópica
dessas formas inorgânicas e também da disponibilidade dessas duas fontes. Portanto,
uma mesma espécie de planta pode ter composições isotópicas distintas em função da
disponibilidade das formas inorgânicas de nitrogênio e de sua composição isotópica.
Como vimos anteriormente neste capítulo, a composição isotópica do nitrogênio estável
do solo varia com a profundidade, assim sendo, plantas explorando o mesmo solo, mas
com diferentes profundidades de raízes terão também composições isotópicas distintas.
Certos tipos de plantas, principalmente membros das famílias das leguminosas,
são capazes de fixar nitrogênio atmosférico através de um processo simbiótico com
bactérias do gênero Rhizobium. Essas bactérias transformam o N2 inerte da atmosfera
em uma molécula de NH3 disponível para a planta hospedeira. Assim, estas plantas,
além do solo, tem também na atmosfera uma fonte de N alternativa.
Da mesma forma, existem plantas que estabelecem associações com
micorrizas do solo. Embora a fonte seja o solo, o nitrogênio ao ser absorvido pela
micorriza e distribuído para as plantas sofre fracionamentos elevados. Logo, o
estabelecimento de associações entre plantas e micorrizas contribuem também para
alterar a composição isotópica das plantas.. Vale lembrar que associações com
micorrizas são comuns em solos deficientes em fósforo, como é a maioria dos solos
tropicais. Conseqüentemente, em nosso país, onde abundam solos tropicais, essas
associações são freqüentes.
87
δ15N (o/oo)
Núm
ero
de o
bser
vaçõ
es
-8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 100
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
Figura 7.4. Histograma de freqüência dos valores de δ15N de folhas de árvores e
arbustos de formações florestais (barras cinza claras) e savanas (barras pretas)
brasileiras.
Para se ter uma idéia da variação existente nos valores de δ15N de folhas de
árvores de diversos tipos de vegetação brasileira, agrupamos cerca de 3.400 dados
analisados pelo nosso laboratório de espectrometria de massas. A média de todos
esses valores foi 3.6‰, sendo o menor valor observado igual a -15.1 ‰ e o maior
12.3‰. Portanto, houve uma variação de aproximadamente 27‰ entre esses dois
extremos. Para facilitar a visualização não incluímos esses valores extremos no
histrograma mostrado na Figura 4, somente incluímos aqueles valores que ocorreram
com maior freqüência. Nota-se claramente dois picos distintos no histograma, um
correspondente a valores ao redor de -2 a 0‰ e o segundo ao redor de valores entre 5
88
a 7‰. Os menores valores foram comuns em plantas das savanas brasileiras,
enquanto os maiores valores foram mais freqüentes nas florestas brasileiras. O valor
médio para as savanas foi de -0.3‰, enquanto para as florestas o valor médio foi igual
a 5.2‰. Estes valores são estatisticamente distintos e serão discutidos mais adiante.
Posteriormente nessa primeira análise reagrupamos os dados referentes às
florestas distintas formações. Assim, as florestas Amazônicas foram divididas em
florestas de terra firme, florestas de baixio, florestas de várzea e campinarana (Tab. 1).
As florestas de terra firme, como o próprio nome diz não são inundadas; as florestas de
baixio ocupam os locais mais baixos dos terrenos e são periodicamente inundarias por
igarapés; as florestas de várzea são aquelas periodicamente inundadas pelos grandes
rios de água-branca da Amazônia. Finalmente, campinarana é um tipo de vegetação
arbórea assentada sob solos arenosos e bastante inférteis. As formações florestais
situadas no Estado de São Paulo pertencem ao domínio da Mata Atlântica. As
formações florestais situadas próximas ao oceano são genericamente classificadas pelo
IBGE como Floresta Ombrófila Densa e as do interior do Estado como Floresta
Ombrófila Estacional Semidecídua.
Ainda que os valores de δ15N das formações florestais foram sempre mais
elevados que os valores das savanas, nota-se que houve uma variabilidade acentuada
entre os valores de δ15N das formações florestais (Tab. 1). Os maiores valores médios
foram observados nas florestas de terra firme da Amazônia, seguindo-se a Floresta
Ombrófila Estacional localizada no Parque Estadual do Morro do Diabo no interior de
São Paulo. As florestas de várzea e os valores da Mata Atlântica costeira (Parque
Estadual de Intervales, SP) tiveram valores médios praticamente iguais e ambos foram
quase o dobro do valor médio da campinarana, que por sua vez foi significativamente
mais elevado que a floresta de baixio, próxima a Manaus (Tab. 1). As causas dessas
diferenças serão discutidas no próximo item.
89
Tabela 1. Valores médios de δ15N de folhas de árvores acompanhados dos desvios-
padrão, valores mínimos e máximos e números de dados de diversos tipos de
vegetação do Brasil.
Vegetação Média Desvio-padrão
Mínimo Máximo Número de dados
Terra Firme 5.89 1.91 -2.04 12.33 1959 M.Atl.Estac. 3.93 1.62 -1.29 8.60 105
Várzea 3.15 1.77 -1.07 7.29 69 M.Atl.Densa 3.13 1.73 -0.63 7.57 118
Campinarana 1.43 1.76 -2.05 5.66 113 Baixio 0.36 1.23 -2.59 3.70 95
Savana -0.29 2.29 -15.1 8.40 959
7.4. Causas da variabilidade dos valores de δ15N em plantas
Diferentemente do carbono, onde uma planta que segue o ciclo fotossintético C3
ou C4 terá uma composição isotópica do carbono estável relativamente constante, a
variabilidade da composição isotópica do nitrogênio estável é muito maior e não há um
padrão a seguir. Pois, as variáveis que determinam a composição isotópica do
nitrogênio são tantas que fica difícil prevê-las de antemão.
Um exemplo pode ser visto em plantas coletadas em diferentes fisionomias do
Cerrado, na reserva do IBGE, próxima à cidade de Brasília, no Planalto Central
brasileiro (Bustamante et al., 2004). Uma mesma espécie pode ter valores de δ15N
distintos em função de seu habitat. Algumas espécies, como E. pubescens tiveram
diferenças de 4 a 5‰ em indivíduos distantes algumas centenas de metros um do outro
(Fig. 7.5).
Devido à complexidade que envolve a composição isotópica do nitrogênio
estável nas plantas terrestres, é muito difícil interpretar qual o significado ecológico
desses valores sem informações adicionais sobre o sistema que se estuda. Assim
sendo, todas informações referentes ao ciclo do nitrogênio do ecossistema em questão
90
e detalhes sobre a nutrição das plantas que vivem no local são de extrema valia
(Hogberg, 1997).
Em certos casos, existem padrões relativamente constantes entre plantas que
nos permitem fazer algumas inferências sobre a dinâmica do nitrogênio baseando-se na
composição isotópica das plantas. Ou, por outro lado, determinar a fonte de nitrogênio
vigente para um determinado tipo de planta. Este último caso é ilustrado pela diferença
entre a composição isotópica de plantas que retiram nitrogênio exclusivamente do solo
e plantas da família das Leguminosas, que em certas condições, podem retirar
nitrogênio do ar para seu sustento.
-2.5 -2.0 -1.5 -1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0
c.sujo
c.sujo
cerrado
cerrado
cerradão
cerradão
δ 15N (o/oo)
Figura 7.5. Valores de δ15N de Eriotheca pubescens que habitam diferentes fisionomias
do Cerrado localizado na Reserva do IBGE, próximo à cidade de Brasília, no Planalto
Central brasileiro. Fonte: Bustamante et al. (2004).
91
7.4.1. Fixação de nitrogênio atmosférico por plantas da família das Leguminosas
Alguns gêneros de Leguminosas têm a capacidade de formar uma simbiose
com bactérias do gênero Rhizobium, que são organismos fixadores de nitrogênio
atmosférico. Ou seja, retiram N2 inerte da atmosfera e o transforma em NH3, que se
torna disponível para a planta hospedeira.
Como a maioria dos valores de δ15N do solo são positivos e os valores de δ15N
do ar atmosférico são próximos a zero, uma vez que o ar atmosférico é o padrão, as
plantas que fixam nitrogênio da atmosfera tendem a ter valores de δ15N variando entre
zero e o valor isotópico do solo em que estão vivendo.
A presença ou não de fixação somente pode ser feita de forma comparativa, ou
seja, se comparando uma planta supostamente fixadora com outra não fixadora que
explorem o mesmo reservatório de nitrogênio e tenham formas de vida similares.
Alguns exemplos são vistos na Tabela 2. Na floresta de terra firme
localizada no plateau de uma vertente, a média das plantas não leguminosas foi de
4.2‰ e de duas Fabaceas - S.tomentifera e A.micrantha - foi de 0‰ e 0.6‰,
respectivamente. Por conseguinte, neste caso, poderíamos afirmar que S.tomentifera e
A.micrantha estariam fixando N da atmosfera. Por outro lado, B.elegans, outra
Fabaceae, por ter um valor de δ15N próximo à média das plantas não leguminosas, não
estaria fixando N da atmosfera. No Cerrado de Brasília, a mesma espécie, D.
miscolobium teve distintos valores de δ15N. Quando comparamos os valores de δ15N
dessa plantas com a média dos valores de plantas não leguminosas, nota-se que não
houve uma diferença significativa entre elas. Também é importante mencionar que o
desvio padrão do valor médio de δ15N das não-leguminosas do Cerrado foi de 2.4‰.
Portanto, a variabilidade dentro das não-leguminosas foi suficientemente elevada para
não permitir uma comparação segura entre leguminosas e não-leguminosas. Na
campinarana e na floresta de baixio a mesma dificuldade foi observada. Ou seja, o valor
médio das plantas não leguminosas é muito próximo a zero e a variabilidade também
acentuada. Assim sendo, torna-se difícil constatar a presença de fixação de N
atmosférico nestas florestas.
92
Tabela 2. Valores de δ15N de espécies de plantas pertencentes à subfamílias das
Leguminosas coletadas em diferentes formações vegetais. Espécies do cerrado –
Bustamante et al. (2004).
Família Espécie Local Vegetação δ15N (‰)
Fabaceae Swartzia tomentifera Manaus plateau 0.0
Fabaceae Andira unifoliolata Manaus plateau 0.6
Mimosaceae Balizia elegans Manaus plateau 4.1
Não-leguminosas Manaus plateau 4.2
Minosaceae Parkia pamurensis Manaus baixio -0.7
Fabaceae Platymiscium duckei Manaus baixio -1.0
Fabaceae Macherium multifoliolatum Manaus baixio -2.1
Não-leguminosas Manaus baixio 0.6
Fabaceae Hymenolobium sericeum Manaus campinarana -1.9
Fabaceae Swartzia tomentifera Manaus campinarana 0.0
Fabaceae Andira unifoliolata Manaus campinarana -0.2
Não-leguminosas Manaus campinarana 0.7
Fabaceae Dalbergia miscolobium Brasília cerrado -2.2
Fabaceae Dalbergia miscolobium Brasília cerrado -0.5
Fabaceae Dalbergia miscolobium Brasília cerrado 0.3
Não-leguminosas Brasília cerrado 0.5
7.4.2. Ciclo aberto x ciclo fechado de nitrogênio - diferenças isotópicas
Vários trabalhos têm demonstrado que ecossistemas com menores limitações
de nutrientes, especialmente de nitrogênio, tendem a ter valores mais elevados de δ15N
tanto no solo como nas plantas.
93
A razão para tal fato é que sistemas menos limitados geralmente têm uma
ciclagem mais aberta de nitrogênio. Em outras palavras, as perdas de nitrogênio são
relativamente elevadas em função dos estoques deste nutriente. Logo, processos como
mineralização, nitrificação e perdas por lixiviação e emissão de gases são maiores em
sistemas com ciclagens mais abertas. Geralmente, nesses sistemas as concentrações
foliares de N são maiores, a serapilheira é enriquecida em N e a queda de folhas é
relativamente alta. As relações C:N do solo e das plantas também costumam ser
menores nesses sistemas mais ricos em N.
Como as perdas de N são grandes, e os processos que produzem nitrogênio
disponível para estas perdas são isotopicamente fracionantes, com o substrato ficando
enriquecido em átomos de 15N, o nitrogênio que deixa o sistema é na sua maioria
empobrecido em átomos de 15N. Ao longo do tempo, átomos de 15N vão se acumulando
nestes sistemas perdedores de nitrogênio, como conseqüência, seus valores de δ15N
vão se tornando mais elevados. De maneira oposta, sistemas significativamente
limitados por N tendem a segurar este nutriente no sistema, portanto, as perdas são
menores e, conseqüentemente, o fracionamento isotópico também é menor.
Confirmando a hipótese acima, valores de δ15N de solos e plantas de florestas
tropicais (ricas em N) foram significativamente mais elevados que em florestas
temperadas (pobres em N) (Martinelli et al., 1979). Um exemplo claro dessa diferença
pode ser observada nas Figuras 7.1 e 7.2, onde se nota claramente que os valores de
δ15N da matéria orgânica do solo é mais elevada na grande maioria dos perfis de solos
oriundos de regiões tropicais, quando comparados a valores de perfis oriundos de
regiões temperadas..
Da mesma forma, os valores de δ15N de plantas que habitam sistemas ricos em
nitrogênio são mais elevados em relação a plantas que habitam sistemas limitados
(Tab. 3). Essa comparação pode ser feita dentre os diferentes tipos de vegetações
tropical e subtropical ou entre estes tipos e as vegetações temperadas.
94
Tabela 3. Valores médios de δ15N (‰) de vários tipos de vegetações tropicais,
subtropicais e temperadas.
Vegetação País Média Referência
Terrafirme Brasil 5.89 Ometto et al. (2005)
M.Atl. Estac. Brasil 3.93 Silva (2005)
Várzea Brasil 3.15 Nardoto et al. (200x)
M.Atl. Densa Brasil 3.13 Silva (2005)
Campinarana Brasil 1.43 Nardoto et al. (200x)
Baixio Brasil 0.36 Nardoto et al. (200x)
Savana Brasil -0.29 Bustamante et al. (2004)
Tundra Suécia -1.70 Michelsen et al. (1998)
Tundra Sibéria -2.63 Nadelhoffer et al. (1996)
Tundra Alasca -2.91 Nadelhoffer et al. (1996)
Temperada Alasca -3.10 Hobbie et al. (2000)
“Heath” Suécia -3.58 Michelsen et al. (1998)
Temperada Alemanha -4.00 Gebauer & Schulze (1991)
“Heath” Groelândia -5.00 Michelsen et al. (1998
No primeiro caso, nota-se que há uma diferença acentuada entre as florestas
de terra firme e as florestas parcialmente inundadas de baixio, campinarana e savanas
tropicais (Cerrado). O Cerrado é significativamente limitado por nitrogênio devido ao
período de seca prolongado e à incidência de fogo. Conseqüentemente, as taxas de
nitrificação e denitrificação são baixas, numa tentativa do sistema de perder uma
quantidade mínima de N. Da mesma forma, grande quantidade de nitrogênio é
retranslocada antes das perdas das folhas, gerando uma serapilheira extremamente
pobre em N. Conseqüentemente, não ocorrem grandes fracionamentos e, portanto, não
ocorrem perdas acentuadas de átomos de 14N.
As florestas de baixio, localizada nas áreas mais baixas do terreno, ao longo
das margens dos igarapés, são também sistemas limitados por N em relação ás
florestas de terra-firme que se encontram nas áreas mais elevadas das vertentes.
95
Nesse caso a limitação é causada pelo excesso de água, através das inundações
periódicas dos igarapés. Essa alternância de inundação reduz as taxas de
mineralização e nitrificação, levando á falta de N no sistema. Além disso, há
predominância de solos arenosos nos baixios, que facilita a lixiviação de nutrientes.
As campinaranas geralmente estão também localizadas sob solos arenosos,
não tão arenosos quanto os solos de baixios, mas suficientemente arenosos para
facilitar a lixiviação de nutrientes. Devido à esse fato são também sistemas limitados em
N, não tanto quanto os baixios, mas certamente mais que as florestas de terra-firme
localizadas nos platôs. Como conseqüência, os valores de δ15N das plantas da
campinarana são intermediários entre as florestas de baixio e as florestas situadas nos
platôs.
As florestas temperadas são consideradas ainda mais limitadas em nitrogênio
que as formações florestais tropicais. Como conseqüência, os valores de δ15N desses
tipos de florestas são significativamente menores que aqueles encontrados em florestas
tropicais. Note que há uma diferença de praticamente 10‰ entre os valores médios
encontrados na florestas de terra-firme na Amazônia e aqueles encontrados na
Groelândia, em um tipo de vegetação denominado "heath".
É interessante notar que mesmo dentre as florestas de terra-firme da Amazônia
existem diferenças nos valores de δ15N das folhas deste tipo de vegetação. Nardoto
(2005) mostrou que existe uma relação direta entre a duração da estação seca e os
valores de δ15N de folhas de florestas de terra-firme na Amazônia. Assim, quanto maior
a duração da estação seca, maior os valores de δ15N (Fig. 7.6) . A provável explicação
para essa relação seria que o excesso de água limitaria os processos de mineralização
e nitrificação, que tornam o nitrogênio disponível para as plantas. Além disso, o excesso
de chuvas facilitaria as perdas de nitrogênio por lixiviação.
96
0
1
2
3
4
5
6
7
S.G.Cachoeira Manaus Santarém
δ15N
(o / o
o)
Figura 7.6. Valores médios de δ15N (quadrados), erros-padrão das médias (retângulo) e
desvios-padrão das médias (barras) de folhas de florestas de terra-firme da Amazônia.
Período seco foi definido como meses que tiveram menos que 100 mm de precipitação.
São Gabriel da Cachoeira (2 meses de seca); Manaus (3 meses de seca) e Santarém
(5 meses de seca). Adaptado de Nardoto et al. (2005).
Outro exemplo interessante se refere ao estabelecimento de florestas
secundárias após a ocorrência da retirada da vegetação original. Michela Figueira
(dados não publicados) determinou os valores de δ15N de folhas de árvores em
florestas secundárias de diferentes idades em uma região situada no nordeste do
Estado do Pará (Fig. 7.7). Os resultados referentes as florestas secundárias foram
comparados aos resultados oriundos de uma floresta primária que foi utilizada como
97
referência para este estudo. Nota-se que conforme a idade da floresta secundária
aumenta, os valores de δ15N tornam-se mais elevado (Fig. 7.7)
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
2.5
6 anos 20 anos 40 anos madura
δ15N
(o / o
o)
Figura 7. Valores médios de δ15N em folhas de plantas das famílias oriundas de
florestas secundárias de 6, 20 e 40 anos de idade e da floresta primária. Adaptado de
Michela Figueira (dados não publicados).
A explicação para esse fato seria que nos primeiros anos de sucessão, a
vegetação presente seria mais limitada por nitrogênio, conseqüentemente, as perdas de
nitrogênio seriam menores e os valores de δ15N também menores por razões já
mencionadas. Neste começo de sucessão é bem provável que as leguminosas estariam
ativamente fixando nitrogênio do ar atmosférico para compensar a falta deste nutriente.
No entanto, como já visto anteriormente, não é possível se verificar essa informação
baseando-se nos valores de δ15N. Pois, os valores de δ15N das não-leguminosas na
floresta secundária de 6 anos foram menores que os valores isotópicos das próprias
leguminosas.
98
Com o avançar da idade as florestas secundárias vão se tornando menos
limitadas por nitrogênio, gerando maiores perdas desse nutriente e, conseqüentemente,
um enriquecimento em átomos de 15N. Corroborando com esta hipótese há o fato que
as perdas de N via denitrificação aumentam das menores para as maiores idades.
Adicionalmente, a serapilheira se torna progressivamente mais rica em nitrogênio com o
aumento das idades das florestas secundárias, assim como a concentração de
nitrogênio nas folhas.
De uma maneira geral, se concluí que qualquer evento ou processo que leve há
um aumento ou diminuição na disponibilidade de nitrogênio em um determinado
sistema, o levará a alterar a composição isotópica do nitrogênio. Os diversos
mecanismos pelo qual essa mudança acontece ainda não conhecidos em detalhe. Pois,
como dito anteriormente, nosso conhecimento sobre a composição isotópica do
nitrogênio é ainda bem menor que nosso conhecimento sobre a composição isotópica
do carbono.
99
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Capítulo 8: A Composição Isotópica do Carbono no Hidrosfera 8.1. Introdução
Na hidrosfera (oceanos, rios, lagos e água subterrânea) existem várias formas
de carbono, as principais são o carbono inorgânico dissolvido (DIC), o carbono orgânico
dissolvido (DOC), o carbono orgânico particulado (POC), sedimentos e os produtores
primários que incluem os fitoplânctons, perifiton e plantas superiores submersas.
Vamos primeiro abordar os oceanos e suas várias formas de carbono,
posteriormente rios e lagos, e finalmente a interface entre o sistema aquático e
terrestre, que são as zonas costeiras tais como estuários, mangues, banhados e etc.
8.2. Oceano 8.2.1. Carbono Inorgânico Dissolvido (DIC)
O oceano é um grande reservatório de carbono, a maior parte dele se encontra-
se em uma forma dissolvida, seja como HCO3 ou CO2. O estudo mais abrangente sobre
a composição isotópica das formas inorgânicas dissolvidas nos oceanos foi feita por
Kroopnick (1985). Foram analisadas mais de 2252 amostras de água dos cinco
oceanos. A forma analisada foi o CO2 dissolvido. Segundo Kroopnick (1985) a
composição isotópica dessa espécie é determinada pela reação de equilíbrio com
outras espécies carbonatadas dissolvidas (e.g. reação de equilíbrio entre HCO3 e CO2);
reação de equilíbrio entre CaCO3 e o CO2 e reação de equilíbrio com a matéria
orgânica presente. Além desses fatores as variações verticais e horizontais das massas
de água contribuem para homogeneização desses fenômenos, sendo que a
importância relativa de todos esses parâmetros será variável em função da localização
geográfica. No entanto, de uma maneira geral, como predominam as reações com o
carbonato de cálcio (δ13C = 0 a 2‰), geralmente o valor do δ13C-CO2 é próximo a esse
valor. Na figura abaixo podemos ver a variação nos valores de δ13C-CO2 na região
oeste do Atlântico, a qual envolve a costa leste americana e o litoral brasileiro.
102
Observa-se na figura acima que existe uma certa variabilidade nos valores de
δ13C-CO2 em função da profundidade (Fig. 8.1). A Figura 8.2 mostra um típico perfil
encontrado na região norte do Oceano Pacífico (Kroopnick, 1985).
Figura 8.1. Variação dos valores de δ13C do CO2 dissolvido no oceano em relação à
profundidade e à latitude. Adaptado por Kroopnick (1985).
A concentração mínima de oxigênio observada a grosso modo 1000 m de
profundidade é devido ao consumo desse elemento na decomposição da matéria
orgânica produzida na superfície. Nesse ponto a concentração de CO2 é máxima, uma
vez que o produto final desse processo oxidativo é o CO2. Por sua vez, seus valores de
δ13C decrescem, uma vez que está sendo oxidada uma matéria orgânica com valores
de δ13C em torno de -21‰.
103
Figura 8.2. Variação dos valores de δ13C, concentração de oxigênio dissolvido e fósforo
em relação à profundidade do oceano. Adaptado de Kroopnick (1985).
8.2.1. Fitoplâncton
As outras formas de carbono encontradas no oceano, ou seja, POC e DOC são
dependentes da composição isotópica do fitoplâncton. Portanto, seria útil se antes de
discutirmos a composição isotópica dessas outras espécies de carbono, discutíssemos
a composição isotópica desses organismos.
Como sabemos esses organismos são fotossintetizadores, portanto, fixam
carbono do meio em que vivem. Farquhar et al. (1989) propuseram o seguinte modelo
para explicar a composição isotópica encontrada em fitoplânctons.
104
a
cLLdissolvidoonfitoplanct p
pabaCC ⋅−−−= )(1313 δδ ...................................(8.1)
Onde, δ13Cdissolvido é a composição isotópica da fonte de carbono dissolvido na
água; aL representa a difusão do CO2 na água (0.7‰) e b refere-se à fixação do CO2
em uma forma orgânica. Como já vimos b é aproximadamente igual 30‰.
Portanto, substituindo-se esses valores na equação (2) teremos:
a
cdissolvidoonfitoplanct p
pCC ⋅−−= )3,29(7,01313 δδ .......................................(8.2)
Podemos novamente assumir valores extremos (zero e 1) para a relação pc/pa e
deduzir o possível valor do fitoplâncton. Quando pc/pa tender a 1, teremos que:
0,301313 −= dissolvidoonfitoplanct CC δδ ...............................................................(8.3)
Portanto, os valores do fitoplâncton serão relativamente mais negativos.
Quando igualamos pc/pa igual a zero, teremos que:
7,01313 −= dissolvidoonfitoplanct CC δδ .................................................................(8.4)
Nesse caso, os valores do fitoplâncton serão relativamente mais positivos.
Vários autores estudaram a composição isotópica de fitoplânctons marinhos, os
resultados variaram entre -18 a -24‰, com uma média em torno de -21‰. Várias
relações tais como espécie, temperatura, massa de água, foram colocadas como
responsáveis pela composição isotópica de fitoplâncton. Hoje em dia existe uma
tendência em se acreditar que a variável mais importante é a disponibilidade de CO2
105
dissolvido para as células. Fato que está perfeitamente de acordo com o modelo
proposto por Farqhuar et al. (1989).
Essa relação entre disponibilidade de CO2 e composição isotópica do
fitoplâncton foi elegantemente mostrada por Raul et al. (1989) (Fig. 8.3).
À medida que a solubilidade do CO2 aumenta os valores de δ13C do fitoplâncton
tornam-se menores. Esse fenômeno é especialmente acentuado em altas latitudes,
como nas regiões polares. Por esse motivo, os primeiros pesquisadores que
encontraram valores extremamente negativos nas regiões polares atribuíram esses
valores à temperatura. Na verdade o efeito da temperatura é indireto, uma vez que
interfere na solubilidade do CO2 dissolvido.
8.2.3. Carbono Orgânico Dissolvido (DOC) e Particulado (POC)
A origem dessas duas frações parece ser comum: produção primária e material
de origem terrestre. No entanto, sua composição química é distinta, bem como seu
tempo de residência é sensivelmente distinto. Na verdade não existem muitas medidas
sobre esses dois componentes. No caso do POC é difícil fazer uma distinção clara entre
uma coleta pura de fitoplâncton vivo e uma coleta de POC que envolve fitoplâncton
morto e vivo e debris de várias origens. Assim sendo, em mar aberto, os valores de
POC são muito parecidos isotopicamente com os valores do fitoplâncton (-18 a -24‰)
com uma média geral de -21‰. E interessante notar, entretanto, que o os valores de
δ13C do POC em regiões polares foram ao redor de -26 a -28‰, refletindo os valores do
fitoplâncton nessas regiões mais frias, que como vimos são mais negativos que em
regiões mais quentes.
106
Figura 8.2. Variação dos valores de δ13C de amostras de fitoplâncton e da concentração
de CO2 dissolvido em função da temperatura do superfície da água do mar. Adaptado
de Rau et al. (1989).
Valores de δ13C para o DOC são mais restritos ainda, Deines (1980) cita uma
variação entre -20 a -23‰, sendo que o valor mais freqüente seria -23‰. Portanto, em
média o valor de DOC seria ligeiramente mais negativo que o valor médio do
fitoplâncton. Essa diferença é geralmente atribuída a fracionamento que ocorrem na
formação desses compostos. Por outro lado, analisando-se 26 amostras do golfo do
México, mar do Caribe e Atlântico, Edie et al. (1978) encontrou um valor médio igual a -
22.3±0.9‰, sendo o menor valor igual a -24.2‰ e o maior valor igual a -19.6‰.
Portanto, ainda que esses valores sejam mais pesados que -23‰, são ainda mais
leves que -21‰, média encontrada para os fitoplânctons.
107
8.2.4. Sedimentos marinhos
O sedimento marinho, como os solos, parece refletir a composição isotópica de
sua fonte de carbono. No caso dos oceanos a principal fonte é o fitoplâncton, nas áreas
costeiras além do fitoplâncton, há a influência do material terrestre que é erodido e
chega ao oceano principalmente pelos rios. Deines (1980) fez uma compilação de
dados existentes sobre a composição isotópica do sedimento marinho. Podemos
observar por essa figura que existe uma distribuição bimodal, uma moda com valores
mais pesados entre -10 a -19‰ e outra entre -20 a -30‰, sendo que os valores mais
freqüentes nessa moda mais leve estão entre -23 a -25‰. Os valores mais pesados
foram provenientes de regiões costeiras e refletem a composição isotópica de plantas e
organismos que vivem na área. O autor discute que entre a moda mais leve, a
composição isotópica parece ser realmente uma função da fonte de carbono.
Os autores isolaram as amostras com influência terrestre mínima, em preto na
figura, e notaram que os valores mais leves tiveram procedência em amostras
coletadas em regiões mais frias, onde a composição isotópica do fitoplâncton é mais
leve. Pelo contrário, as amostras mais pesadas tiveram origem principalmente no golfo
do México, uma região mais quente, onde os valores de δ13C do fitoplâncton são mais
pesados.
108
Figura 8.4. Distribuição de freqüência de valores de δ13C de amostras de sedimentos
marinhos. Adaptado por Deines (1980).
109
8.3. Rios e lagos 8.3.1. Dissolved Inorganic Carbon (DIC)
Segundo Mckenzie (1985), a composição isotópica do DIC em um lago é
controlada por três fatores: 1) a composição isotópica das fontes de carbono; 2) trocas
de CO2 com a atmosfera e 3) fotossíntese e respiração. Segundo a mesma autora o
principal fator é o balanço entre fotossíntese e respiração.
Figura 8.5. Variação dos valores de δ13C do carbono inorgânico dissolvido em amostras
de águas coletadas no lago Washington, Seattle, Estados Unidos. Adaptado por Quay
et al. (1989).
110
Para exemplificarmos examinaremos a variação do δ13DIC no lago Washington,
localizado em Seattle, nos Estados Unidos. Nos meses de inverno não há uma variação
dos valores de δ13DIC com a profundidade. Nos meses de verão há uma mudança
radical nesse comportamento. Na região eufôtica, onde ocorre a fotossíntese, os
fitoplânctons estão fixando preferencialmente 12C, portanto, restará na água em solução
uma maior quantidade relativa de 13C, tornando os valores de δ13DIC mais pesados em
relação ao inverno. Em agosto, no verão o máximo valor de δ13DIC encontrado foi -
4.5‰. Aproximadamente a partir de 10 a 15 m os valores de δ13DIC tornam-se menores
em relação aos valores de inverno à mesma profundidade (Fig. 8.5). observado
decréscimo nos valores de δ13DIC deve-se a decomposição da matéria orgânica
produzida na zona eufôtica. Como sabemos os fitoplânctons são isotopicamente leves,
portanto, a decomposição dessa massa produzira um CO2 também mais leve que irá se
misturar com o CO2 remanescente do inverno.
Nos rios a história é mais ou menos a mesma, ou seja, ocorre uma mistura de
DIC originado da decomposição de carbonatos (δ13C = 0‰) com DIC gerado
biogenicamente. Não existem muitos dados a respeito da composição isotópica do DIC
em rios. Provavelmente a maior coleção de dados foi feita pelo projeto CAMREX. Nesse
projeto foram amostrados o rio Amazonas e seus principais tributários em várias épocas
do ano. Para efeito de comparação nós dividimos as amostras oriundas do rio
Amazonas coletadas durante a descida e a subida das águas, e as amostras dos
tributários em amostras vindas de tributários de águas brancas e águas pretas.
Tabela 1. Valores médios de δ13C do carbono inorgânico dissolvido de alguns rios da
Amazônia.
RIOS E TRIBUTÁRIOS δ13DIC (‰)
Rio Amazonas – subida das águas -13.2 Rio Amazonas – descida das águas
-15
Tributários águas brancas -17.3 Tributários águas pretas -23.4
111
Parece que a composição isotópica do DIC reflete o grau de mistura entre o
carbono biogênico e o mineral. No rio Amazonas, nascido nos Andes, portanto com um
razoável aporte de DIC mineral observamos os valores mais pesados de δ13DIC, na
subida das águas o valor médio foi igual a -13.2 ± 1.3‰ (n = 44). Por outro lado, na
descida das águas, os valores foram significativamente mais negativos (-15.0 ± 1.4‰, n
= 33), provavelmente devido à drenagem da água dos lagos de várzea que devem ter
valores de δ13DIC mais negativos. Os tributários de água-branca, que nascem nas
regiões andinas e subandinas, também carregam uma quantidade razoável de DIC de
origem mineral, no entanto, esses tributários proporcionalmente drenam uma maior
área de terras-baixas (florestas). Essa condição é refletida nos valores de δ13DIC,
nesses tributários o valor médio foi igual a -17.3 ± 2.7‰ (n = 33). A máxima influência
do material biogênico no DIC pode ser visto nos tributários de água-preta que drenam
exclusivamente terras-baixas, tendo pouco quantidade de DIC de origem mineral, sendo
a maioria de origem biogênica. Nesses rios (Jutai e Negro) a média foi igual a -23.4 ±
2.6‰ (n = 14).
Uma outra forma de visualizarmos a mistura entre carbono biogênico e carbono
mineral refletido no DIC, é observarmos a Figura 8.6, a qual ilustra a variação espacial
nos valores de δ13D1C durante a subida e a descida das águas. Note que em ambos os
períodos ns valores ria δ13DIC tornam-se mais leves rio abaixo. A explicação para esse
fato seria a constante entrada de material biogênico através dos tributários, que como
vimos apresentam valores de δ13DIC mais leves, e também de material biogênico das
várzeas. Essas contribuições parecem ser mais importantes durante a descida das
águas, quando o decréscimo rio abaixo nos valores de δ13DIC foi claramente mais
acentuado que o decréscimo observado durante a subida das águas.
112
Figura 8.6. Variação ao longo dos rios Solimões e Amazonas dos valores de δ13C do
carbono inorgânico dissolvido (DIC) em amostras coletadas durante a subida das águas
(círculo fechado) e durante a descida das águas (círculo aberto). Adaptado por
Martinelli et al. (1991).
Comparativamente, podemos citar os valores de δ13DIC em dois rios localizados
no Estado de Washington, nos Estados Unidos, onde predomina um clima temperado,
com inverno rigoroso (Quay et al., 1986). O rio Sammamish teve um valor médio
próximo ao valor encontrado no rio Amazonas durante a subida das águas, a média no
rio temperado foi igual a -13.1 ± ‰ (n = 8). O rio Cedar, por outro lado, teve um valor
sensivelmente mais pesado, em torno de -10.5 ± 0.6‰ (n = 8). Vale lembrar que esses
113
dois rios são os principais alimentadores do lago Washington, o qual nos referimos
acima.
8.3.2 Fitoplâncton
Em geral, os valores de δ13C do fitoplâncton (δ13Cfito) de água doce são mais
negativos que os valores de água salgada (Tab. 2).
Tabela 2. Valores de δ13C do fitoplâncton (δ13Cfito) de água doce são mais negativos
que os valores de água salgada (Tab.2).
Local δ13C (‰)
Média – marinho -21 Rio Piracicaba -30 Rio Jacaré-Pepira -32 Rio Amazonas -34 Rio Doce -37 Lago subalpino -41
Quais seriam as causas desse empobrecimento isotópico ???
1) Em primeiro lugar, sistemas de água doce, principalmente lagos, são ricos em
espécies dissolvidas de carbono devido à decomposição da matéria orgânica
produzida in situ, ou suprida pela bacia de drenagem. Dessa forma, se nos
lembrarmos do esquema proposto por Degens et al. (1968), esse fato permitirá
um máximo de fracionamento entre a célula e a fonte de carbono (18 a 19‰).
2) Devido à decomposição da matéria orgânica, que na maioria das vezes, tem
composição isotópica ao redor de -27‰, o DIC, fonte de carbono para os
fitoplânctons, será também menor. Como vimos anteriormente, os rios de água-
preta da Amazônia podem ter valores tão negativos quanto -24.6‰. No rio
Amazonas a média entre os períodos de subida e descida das águas foi de -14.0
114
± 1.6‰, vamos admitir que esse valor seja também representativo dos lagos da
região, como vimos na figura acima, o δ13Cfito da Amazônia foi de em média -
34‰, isso supõe um fracionamento entre o DIC e a célula em torno de -20 a -
19‰ como previsto no modelo de Degens et al. (1968).
8.3.3 Dissolved (DOC) and Particulate (POC) Organic Carbon
DOC - A origem do DOC da água doce parecem ser as substâncias húmicas do
solo, misturado a substâncias mais lábeis como carbohidratos e aminoácidos. As
medidas da composição isotópica dessa fração são bastante reduzidas, existem vários
problemas metodológicos. Os poucos valores existentes, indicam que o DOC em
termos isotópicos reflete os valores encontrados em ambientes terrestres. Assim,
algumas medidas feitas pelo nosso grupo no rio Amazonas indicam valores constantes
entre -26 a -27‰. Uma segunda medida foi feita por Matson and Brinson (1990) em rios
de estuário localizados na Carolina do Norte. Os valores encontrados por esses autores
foram semelhantes aos valores encontrados por nós na Amazônia. Para o rio Tar, o
valor médio foi igual a -25.5 ± 0.4‰, enquanto que para o rio Neuse foi igual a -25.1 ±
1.0‰.
POC - A origem do POC dos rios parece estar ligada aos solos e plantas
presentes na bacia de drenagem e a produção in situ dos rios e lagos. A maioria dos
valores existentes em rios refletem valores geralmente encontrados em solos da região,
já nos lagos parece haver uma contribuição maior do fitoplâncton.
A tabela abaixo resume os valores de δ13POC em vários rios. Um maior número
de dados vêm do rio Amazonas e seus tributários.
Tabela 3. Valores de δ13C no carbono orgânico particulado de vários rios.
RIOS δ13C-POC Alto Amazonas -27,2 Tributários águas-brancas -28,5 Tributários águas-pretas -29,1
115
Tributários águas-claras -32,0 Rio Atibaia -27,2 Rio Jaguari -26,4 Rio Piracicaba -25,8 Rio St. Lawrence (Canadá) -25,5 Rio Otsuchi (Japão) -26,0 Rio Congo (África) -26,7 Rio Sanaga (Camarões) -24,4
Note que em geral todo o sistema Amazônico apresenta valores de δ13C mais
negativo que os outros rios, provavelmente devido aos baixos valores de δ13C
encontrados em sua vegetação e em seus solos. Mesmo dentro desse sistema existem
diferenças entre os diferentes tributários. Entre esses, os tributários de água-branca são
os que apresentam valores mais pesados de δ13C, mas mesmo assim, esses valores
foram ligeiramente mais leves que o canal principal. Os tributários de águas-pretas que
drenam uma porção relativamente maior de terras-baixas, apresentaram valores mais
leves de δ13C em relação ao rio Amazonas e tributários de água-preta, provavelmente
refletindo na maior contribuição de material isotopicamente mais leve produzido nas
terras baixas. Finalmente, os tributários de águas-claras, apresentaram os valores mais
negativos de todos. É importante lembrar que a produção primária nesses rios de águas
claras é elevada, principalmente em sua foz, onde foram coletadas as amostras.
Portanto, esses valores mais negativos podem estar refletindo. No valor do δ13C dos
fitoplânctons, que como vimos anteriormente é bastante negativo. No caso da região
Amazonas, tivemos um valor médio de -34‰.
Antes de encerrarmos essa discussão sobre POC em rios, é importante
mencionar que os estudos feitos com POC no projeto Camrex levaram em conta duas
frações: a chamada fração fina <63pm e a fração grossa >63pm. Hedges et al. (1986)
demonstraram pelo uso dos valores de δ13C, C:N e produtos de oxidação da lignina,
que essas duas frações apresentam uma gênese distinta. A fração fina tem origem nos
solos da região, e é composta por material húmico, já bastante degradado. Por outro
116
lado, a fração grossa tem origem no material vegetal produzido na bacia, principalmente
folhas e madeira de plantas de ciclo C3, assim a contribuição das gramíneas que
crescem nas várzeas foi contabilizada menor que 10%.
O POC dos lagos parece refletir mais a produção primária in situ do lago. Ou
seja, nesses ambientes o POC será uma mistura de fitoplâncton vivo e morto, bactérias,
restos vegetais, zooplâncton, material fecal e etc... Em vários lagos de várzea da
Amazônia essa relação torna-se clara. Enquanto que o POC do rio Amazonas foi em
média igual a -27.0‰, o POC médio de alguns lagos de várzea da Amazônia foi igual a
-33.8‰.
Sólidos suspensos totais (mg.L-1)
δ13C
(o /oo)
Fraç
ão g
ross
a
-38-36-34-32-30-28-26
-24-22-20-18-16-14
A ma z onas
Fraç
ão fi
na
0,55,0
50,0500,0
-38-36-34-32-30-28-26
-24-22-20-18-16-14
Ji- par aná
0,55,0
50,0500,0
P iracicaba
0,55,0
50,0500,0
Mogi
0,55,0
50,0500,0
Cabras
0,55,0
50,0500,0
P iracicami rim
0,55,0
50,0500,0
Figura 8.7. Relação entre a concentração de sólidos suspensos totais e δ13C do material
orgânico particulado fino de amostras coletadas em diversos rios do Brasil. Adaptado
por Martinelli et al. (2005).
117
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Capítulo 9 - Animais e sua dieta através dos valores de δ13C
9.1. Introdução
A identificação das fontes alimentares de um animal pode ser feita,
essencialmente de duas formas: (i) observação de hábitos alimentares por um tempo
suficientemente longo, que permita ao animal alimentar-se de todos os itens que
compõe a sua dieta; (ii) análise do conteúdo estomacal.
O primeiro método é considerado por demais tedioso e, às vezes perigoso,
incorrendo em imprecisões. Este método pautou o início dos estudos de dietas e é
pouco utilizado atualmente, a não ser em identificação de dietas de aves.
O segundo método tem o agravante que o animal pode não digerir tudo que se
encontra em seu estômago. O maior exemplo são os tubarões, existem relatos que já
foram encontrados em seus estômagos, desde placas de automóvel até pneus. Além
disto, a identificação de itens em avançados estágios de decomposição no trato
digestivo é muito imprecisa. Ainda assim, esse método fornece informações que
subsidiam enormemente a interpretação de resultados advindos de estudos que
utilizam isótopos estáveis em nutrição animal.
Alguns aspectos importantes sobre o emprego da metodologia isotópica em
nutrição animal devem ser salientados antes de seu emprego. Em relação às fontes
alimentares devem ser consideradas todas as prováveis fontes. Essas informações são
obtidas principalmente através de estudos comportamentais ou de conteúdo estomacal.
Obviamente, a composição isotópica dessas fontes deve ser determinada, levando-se
em conta inclusive, possíveis variabilidades sazonais na composição isotópica das
fontes alimentares.
Quanto ao organismo considerado várias questões devem ser consideradas.
Em casos de uma única fonte alimentar devemos conhecer o fracionamento isotópico
que por ventura possa existir entre a dieta e o tecido do organismo considerado, ou no
caso de pequenos invertebrados, entre a dieta e o animal como um todo. Esse tipo de
fracionamento ocorre principalmente devido ao caminho metabólico que o alimento
percorre antes de ser incorporado em algum tecido (Fig. 9.1).
119
Os isótopos são fracionados nos tecidos animais em função de sua atividade
metabólica. Por exemplo, o fígado tem uma função metabólica totalmente distinta que
um músculo. Portanto, não podemos comparar diretamente a composição isotópica do
fígado com à do músculo, pois certamente o fracionamento isotópico entre a dieta e
esses dois tecidos será distinto. Por exemplo, o fracionamento isotópico entre a ração
fornecida a porcos mostrou que a cartilagem, o pêlo e as unha dos animais tiveram um
fracionamento isotópico menor que 1‰; enquanto tecidos metabólicos com o muscular
teve um fracionamento isotópico ao redor de 1,5‰ e o fígado e o tecido adiposos
tiveram fracionamentos maiores que 2‰ (Fig. 9.1).
-14.9
-15.7
-15.9
-16.7
-17.6
-18.2
-18.2
-2.5 -2 -1.5 -1 -0.5 0 0.5 1 1.5
Gordura
Fígado
Músculo
Unha
Ração
Pêlo
Cartilagem
Fracionamento dieta-tecido (o/oo)
Figura 9.1. Fracionamento isotópico médio entre a ração (dieta) e vários tecidos de
cinco porcos criados e abatidos pelo Departamento de Zootecnia dos Animais Não-
Ruminantes da ESALQ. Os valores próximo às barras representam os valores médios
de δ13C de cada tecido e da ração. Por exemplo, o fracionamento entre a ração e o
fígado foram obtidos por δ13Cfígado - δ13Cração, ou seja, -15,9 – (-18,2) = 2,3. Fonte dos
dados: Gabriela Nardoto (dados não publicados).
120
Estudos em que a composição isotópica da fonte alimentar de um determinado
organismo varia sazonalmente, pode existir o problema da “memória isotópica”. Ou
seja, quanto tempo leva para que o carbono ou nitrogênio fixado a partir de uma fonte
alimentar em um determino período seja substituído pela nova fonte alimentar. Por
exemplo, o tambaqui, uma espécie nobre de peixe que habita a bacia Amazônica
alimenta-se, como veremos adiante, de frutos e sementes na época em que rios e
lagos estão cheios e basicamente de fitoplânctons quando rios e lagos estão vazios.
Considerando-se que a composição isotópica de frutos e sementes seja distinta da
composição isotópica do fitoplancton, podemos utilizar a metodologia isotópica para
estudar a nutrição do tambaqui. Vamos supor que o período de cheia dure 4 meses na
Amazônia e que o período de águas baixas também dure 4 meses. Caso exemplares
de tambaqui sejam amostrados logo no início do período de cheia, provavelmente o
carbono ou nitrogênio de seus tecidos foram adquiridos durante o período de águas
baixas. Portanto, seria prudente que os exemplares fossem capturados no final do
período de cheia para garantir que a maioria do carbono adquirido neste período já
tivesse sido incorporado no tecido dos peixes.
Finalmente, vale lembrar que para a maioria dos alimentos existe mais que uma
fonte alimentar e nem todos os componentes dessa mistura de alimentos são digeridos
com a mesma eficiência.
Os primeiros estudos empregando a metodologia isotópica em nutrição animal
foram publicados em meados da década de 70. Em 1975 Minson et at. publicaram,
provavelmente, o primeiro estudo empregando a composição isotópica para identificar a
provável dieta de lotes de bovinos que se alimentavam exclusivamente de plantas C3 e
lotes que se alimentavam exclusivamente de plantas C4. No ano seguinte, Haines
(1976), publicou um estudo elucidativo sobre a dieta de uma espécie de caranguejo que
vive em manguezais (Uca pugnax). A autora mostrou que esses animais, que são
detritívoros, baseavam sua alimentação principalmente em detritos gerados por uma
planta C4 muito comum em manguezais - Spartina alterniflora. Esses trabalhos abriram
uma nova perspectiva no estudo de nutrição animal.
Após esses estudos pioneiros, DeNiro & Epstein (1978) alicerçaram o uso
dessa nova técnica, através de testes de laboratório que permitiram conhecer com
121
exatidão a composição isotópica tanto da dieta como do animal. Além desse aspecto
foram elucidados pontos importantes como a variabilidade inter e intra-específica e
sobre a composição isotópica de vários tecidos e frações bioquímica dos animais.
Esses autores, em média, encontraram que os valores de δ13C do animal como
um todo foi isotopicamente mais pesado que a respectiva dieta:
)1,18,0(1313 ±+= dietaanimal CC δδ ..............................(9.1) Sendo que a diferença δ13Canimal - δ13Cdieta é comumente denominado pela
terminologia Δanimal-dieta. Outras informações importantes advindas deste estudo foram
que: (i) duas espécies alimentando-se da mesma dieta terão Δanimal-dieta similares e (ii)
a mesma espécie alimentando-se de diferentes dietas apresentará Δanimal-dieta relativo
ao alimento consumido.
Nos próximos itens discutiremos a relação entre composição isotópica de
alimentos e consumidores em três níveis distintos. Primeiramente a relação entre dieta
e pequenos animais invertebrados feito por De Niro & Epstein (1978). Em seguida a
relação isotópica entre dieta e tecidos de animais vertebrados como ratos e, finalmente,
a relação isotópica entre dieta e frações bioquímicas, como carboidratos, proteínas e
gorduras.
9.2. Balanço de carbono entre pequenos invertebrados e suas dietas
Como vimos, pequenos animais são geralmente isotopicamente mais pesados
que suas dietas, para se manter o balanço isotópico o carbono perdido pela respiração
e excreção deve ser, portanto, mais leve que a respectiva dieta. A Tabela 1 adaptada
de DeNiro & Epstein, (1978) ilustra o balanço de massa e isotópico para Melanoplus
(gênero da Classe Insecta que engloba espécies de gafanhoto) que foram alimentados
com sementes de trigo (planta do ciclo fotossintético C3).
122
Tabela 1. Balanço isotópico em Melanoplus alimentado com semente de trigo.
Componente δ13C
Alimento -40.2
CO2 respirado -40.8
Fezes -39.5
Corpo todo -37.5
Total calculado -39.7
Podemos observar que o CO2 respirado pelo animal foi realmente mais leve que
a dieta, por outro lado, as fezes foram mais pesadas que a dieta, no entanto mais leve
que o animal. Os autores consideram que no geral o balanço isotópico parece ter sido
satisfatório para insetos pertencentes ao gênero Melanopus.
Em um outro experimento conduzido por De Niro & Epstein (1978), o balanço
isotópico não foi mantido para Helix aspersa (caramujo comum) alimentado com alface
romana e fosfato de cálcio. Segundo os autores, a ausência de balanço nesse caso foi
provavelmente devido ao fato de não ter sido coletado o ácido úrico e o muco que as
lesmas deixam aderidas a superfícies quando se locomovem.
9.3. Relação entre os valores de δ13C de tecidos e valores δ13C de suas dietas.
Um aspecto importante a ser considerado com relação à análises isotópicas de
tecidos animais é o quanto um determinado tecido integra e reflete isotopicamente a
dieta do animal.
Os músculos são comumente utilizados para estudos isotópicos associados a
dietas animais, principalmente animais de grande porte, por sua facilidade de utilização
e integração do sinal isotópico da dieta. Em inúmeros estudos foi demonstrado que o
fracionamento isotópico entre a musculatura e a dieta varia em torno de 1 a 2‰. Em
alguns estudos a musculatura teve um δ13C ligeiramente maior que a dieta e em outros
foi encontrado o inverso. De qualquer forma, devido à pequena diferença entre dieta e
musculatura, ficou provada a possibilidade e a utilidade de estudos de nutrição animal
123
empregando-se isótopos do carbono. Podemos de uma forma geral, estabelecer a
seguinte relação entre a musculatura e a dieta:
5,01313 += dietamúsculo CC δδ ....................................................(9.1)
Vale lembrar que no estudo que fizemos com porcos o fracionamento entre a
musculatura e a ração foi igual, aproximadamente, a 1,5‰.
É também importante mencionar que não foi constatada uma grande diferença
entre a composição isotópica de organismos ao longo de uma cadeia trófica. Esse tipo
de diferença é muito mais clara no caso do nitrogênio, o qual é intensamente utilizado
para esse propósito, como veremos adiante. No caso do carbono o mesmo é muito
mais utilizado na investigação do tipo de dieta de um determinado animal e não sobre
sua posição em uma determinada cadeia trófica.
9.4. Relação entre os valores de δ13C das frações bioquímicas dos animais e suas
dietas. Geralmente a relação encontrada para o δ13C de diferentes compostos
bioquímicos para dois gêneros de moscas, Calliphora e Musca, que se alimentaram de
carne de cavalo foi a seguinte:
δ13Clipídios < δ13Ctotal = δ13Cglicogênio = δ13Cproteína
No geral, esses autores concluem que, devido a diferenças encontradas, é
melhor que se evitem frações bioquímicas em estudos com isótopos, sendo mais
aconselhável que se trabalhe com tecidos, principalmente o muscular.
A mesma tendência foi encontrada por Tieszen et al. (1983) analisando a
composição isotópica de herbívoros da África que se alimentavam de trigo e milho. A
tendência mais clara foram os valores de δ13C menores (2 a 3‰) encontrados em
lipídeos, tanto nas plantas como nos animais. No nosso exemplo com porcos, também
obtivemos resultados muito semelhantes, ou seja, o fracionamento entre a ração e o
tecido adiposo foi cerca de 2,3‰.
124
9.5. O uso de δ15N em nutrição animal
O uso de outros traçadores isotópicos, principalmente o δ15N, são interessantes
na interpretação dos níves tráficos estudados, acrescentando informações adicionais
que em muitos casos permitem uma caracterização melhor do organismo, ou cadeia
trófica estudada (Michener e Schell, 1994).
É muito comum o uso do isótopo de nitrogênio em estudos de nutrição animal
interessados em definir a posição de um animal na cadeia trófica. Geralmente há uma
perda progressiva de produtos enriquecidos em átomos de 14N ao longo de ma cadeia
trófica. Portanto, ocorre um progressivo enriquecimento em átomos de 15N ao longo de
uma cadeia trófica. Estudos realizados por Minagawa & Wada (1984) mostraram a
variação do δ15N ao longo de uma cadeia alimentar, tendo os consumidores
apresentado valores isotópicos maiores que a respectiva dieta, apresentando um valor
médio para cada transferência de nível tráfico de 3,4 ± 1,1‰. Vale mencionar que no
nosso exemplo com porcos, o fracionamento isotópico médio entre a ração e o tecido
muscular de cinco indivíduos foi de 3,3‰, portanto, muito semelhante aos valores
encontrados por Minagawa e Wada.
A relação hipotética entre carbono e nitrogênio ao longo de uma cadeia trófica
aquática, pode ser demonstrada pela Figura 9.2. Essa figura demonstra a utilidade do
uso de dois traçadores simultaneamente. Como mencionado anteriormente, os isótopos
de carbono são úteis para se investigar o tipo de dieta, principalmente quando se trata
de se comparar a importância de plantas C3 e C4 e componentes terrestres vs.
componentes marinhos em uma determinada dieta. Por outro lado, como vimos no
Capítulo 7, as variações dos valores de δ15N em plantas é muito mais complexa que as
variações dos valores de δ13C. Portanto, é extremamente complexo analisar o tipo de
dieta baseando-se em isótopos de nitrogênio. Os isótopos de nitrogênio são
especialmente importantes na determinação da posição de um determinado organismo
na cadeia trófica a que pertence.
125
5
6
7
8
9
10
11
12
-36 -35 -34 -33 -32 -31 -30 -29 -28 -27 -26 -25 -24
δ 13C (o/oo)
δ15
N (o
/ oo)
carnívoros
insetívoros
detritívoros
herbívorosomnívoros
1° nível trófico
2° nível trófico
3° nível trófico
Figura 9.2. Relação hipotética entre valores de δ13C e δ15N em uma cadeia alimentar.
9.6. Estudo de casos 9.6.1. Nutrição Animal 9.6.1.1. Nutrição de animais domésticos com alternância de C3 e C4
Jones et aI. (1979) realizaram uma série de experimentos com diferentes
animais alternando a alimentação desses animais com plantas C3 e C4. Por exemplo,
forneceram primeiramente dietas puras de C3 e C4 aos animais. Como esperado, os
animais tiveram valores de δ13C das fezes próximos ao valor isotópico das respectivas
dietas (Tab. 2).
Tabela 2. Valores de δ13C de alimentos e fezes de carneiro e bovinos alimentados com
leguminosas C3 e gramínea C4. Adaptado por Jones et al. (1975).
Alimentação Alimento Fezes-carneiro Fezes-bovino
C3 -23,5 -21,2
126
C3 -26,6 -24,2
C4 -13,1 -13,5 -14,0
Apesar de próximos, os valores de δ13C não foram iguais. No caso de animais
alimentados com plantas C3, o valor das fezes foi cerca de 2,4‰ maior que a
alimentação. Enquanto que não houve diferença estatística entre os valores de δ13C das
fezes dos animais alimentados por C4 e a dieta. Os autores atribuíram essas
discrepâncias a um sinal remanescente da dieta anterior, que era exclusivamente de
plantas C4, ou seja, atribuíram essa diferença à “memória isotópica” que discutimos no
início deste capítulo.
Um segundo experimento contemplou mudanças abruptas entre dietas puras de
C3 para dietas puras de C4 e vice-versa. Observamos na Figura 9.3 que as fezes em
cerca de 6 dias, aproximadamente, estabilizaram seus valores isotópicos em torno dos
valores de δ13C da alimentação fornecida (Fig. 9.3). Em seguida, um terceiro
experimento contemplou mudanças progressivas entre uma dieta exclusivamente feita
por plantas C3 e adições crescentes de plantas leguminosas que seguem o ciclo C3.
Nota-se que, tanto para cabras como para os bovinos, houve um decréscimo nos
valores de δ13C das fezes com o aumento da porcentagem de leguminosas (C3) na
ração (Fig. 9.4). Em média, um declínio de 1‰ no valor de δ13C-fezes significou um
aumento médio de 7‰ para cabra e 7,5% para os bovinos. A mesma tendência foi
observada para carneiros e coelhos (Fig. 9.4).
127
Figura 9.3. Variação dos valores de δ13C em amostras de fezes de animais submetidos
à mudança de alimentação. Adaptado de Jones et al. (1975).
128
Figura 9.4. Variação dos valores de δ13C de amostras de fezes em animais alimentados
com plantas C4 que tiveram proporções crescentes de leguminosas (C3) adicionadas à
dieta. Adaptado por Jones et al. (1975).
A partir dos experimentos acima foi possível determinar a proporção de C3 e C4
na dieta e a digestibilidade de cada componente.
100(%)34
133
134
1313
⋅−
−=−
−−
−
CplantaCplanta
Cplantafezes
CCCC
CIndδδ
δδ.........................(9.1)
Onde, Ind-C3(%) é o percentual de plantas C3 indigerida. Por que indigerida?
Porque Jones e colaboradores analisaram as fezes dos animais. Caso tivessem
analisado, por exemplo, o tecido muscular, determinaríamos o porcentual de plantas C3
incorporado ao tecido muscular.
No entanto, o modelo acima não leva em consideração o provável
fracionamento entre as fezes e a dieta, o que causa uma sub-estimativa na proporção
de leguminosas indigerida na dieta.
A equação (9.1) pode ser reescrita na forma abaixo, e assim anula-se a
possível diferença entre δ13Cfezes e o δ13Cdieta, ou seja, o fracionamento entre esses dois
componentes.
100(%)34
133
134
1313
⋅−−
=−−−
−
CplantaCfezes
Cplantafezes
CCCC
CIndδδδδ
...........................(9.2)
Uma outra possibilidade seria determinar a proporção de C3 e C4 em uma dieta
desconhecida através do δ13Cfezes . Nesse caso temos dois caminhos a seguir:
a) Assumir a mesma digestibilidade para as fontes alimentares dos tipos C3 e
C4.
Portanto, nosso modelo seria muito simples é igual a equação (9.2)
b) Assumir que a digestibilidade das fontes C3 e C4 sejam distintas. Nesse caso
129
teríamos que recorrer à técnicas convencionais para determinar a
digestibilidade das duas e incorporá-las no nosso modelo, o qual passaria a
ter a seguinte equação:
100)1()1(
1(%)34
134
3 ⋅−−⋅−
−=−
MCDDCInd
δ ........................................(9.3)
Onde M é dado pela seguinte equação:
)]/()1[(11(%)3
313
313
fezesCplantaC CCCInd
δδ −−=− .................................(9.4)
As diferenças encontradas entre as duas equações não são acentuadas. Por
exemplo, para um digestibilidade da leguminosa (D3) igual a 60% e para uma
disgestibilidade da gramínea (D4) igual a 80%, tendo-se o valor δ13CfezesC3 igual a -17‰,
o da fonte C3 igual a -28‰ e, finalmente, o da fonte C4 igual a -13‰, a equação (9.3)
produziu um valor igual a 27% contra 29% para a equação (9.2).
9.6.1.2 Conteúdo estomacal e composição isotópica em animais africanos
Tieszen et al. (1979) comparou resultados entre análise microscópica do
material do rúmen de animais domésticos e selvagens da África com a composição
isotópica do rúmen (Tab. 3).
Tabela 3. Valores de δ13C medido e estimado em função da composição do conteúdo
estomacal de diversos animais.
Espécie C3% C4% δ13C-estimado δ13C-observado
Kongoni 1.4 98.6 -12.7 -14.4
130
Wildbeest 2.6 97.4 -12.9 -14.4 Bovino 5.8 94.2 -13.4 -14.6
Carneiro 4 96 -13.1 -15.3 Gazela-1 20.2 79.8 -16 -16.9
Cabra 36.3 63.3 -18.1 -17.7 Impala 30.2 69.8 -17.2 -19
Gazela-2 69.1 30.9 -23.2 -21.9
Com a proporção relativa de cada tipo de alimento para cada espécie, obtida
através da análise microscópica, os autores estimaram os valores de δ13C que os
rúmens teriam e comparam com os valores de δ13C medidos no material colhido desses
mesmos rúmens. Como se pode observar na tabela acima, houve uma concordância
relativamente boa entre os valores. Entretanto, os valores medidos foram geralmente
um pouco menores que os estimados. Esse fato sugere que, nesse caso, as gramíneas
não tiveram a mesma digestibilidade das plantas C3 ingeridas. Utilizando a análise do
rúmen, os autores evitaram o fracionamento observado entre as fezes e o alimento,
como o caso mencionado no exemplo anterior. Mas, por outro lado, não puderam
estimar quanto do alimento que se encontrava no rúmem foi efetivamente absorvido
pelos animais.
9.6.1.3 Nutrição de peixes da Amazônia I – Characiformes e Siluriformes Araújo-Lima et al. (1986) coletaram peixes em várias regiões da Amazônia,
determinando sua composição isotópica e de suas possíveis fontes de carbono. Pela
análise da Figura 9.5, vemos que os peixes Characiformes têm sua alimentação
baseada no carbono orgânico particulado e fitopânctons. Por outro lado, a
interpretação dos Siluriformes não é tão clara, podem derivar sua dieta de várias fontes,
por exemplo uma mistura entre fitoplânctons e gramíneas C4. Contudo, o fato desse
estudo demonstrar que os Characiformes não dependem de gramíneas C4 como fonte
alimentar foi importante, uma vez que estudos anteriores, baseados nas técnicas
clássicas, apontavam as gramíneas C4 como um grupo de plantas importante à dieta
desses peixes. Os Characiformes representam cerca de 30% do pescado na região
131
Amazônica, portanto, é uma importante fonte de proteína, e tem sua fonte principal de
carbono nos lagos de várzea da Amazônia.
Figura 9.5. Valores de δ13C de peixes capturados na região Amazônica e de
prováveis itens alimentares. Adaptado por Araújo-Lima et al. (1986).
132
Em outro estudo similar, Hamilton et al. (1992), confirmaram que os peixes na
Amazônia pouco dependem das plantas C4, bem como outros invertebrados (Fig. 9.6).
Figura 9.6. Relação entre valores de δ13C e δ15N de amostras de peixes capturados na
bacia do rio Orinoco. Na figura A encontram-se as fontes potenciais de alimentos e
peixes não carnívoros. “Algas (C3)” – denota colônias de algas crescendo sobre plantas
que seguem o ciclo fotossintético C3. “Algas (C4)” – denota colônias de algas crescendo
sobre plantas que seguem o ciclo fotossintético C4. Na figura B encontram-se os
peixes carnívoros. Adaptado por Hamilton et al. (1992).
133
9.6.1.3.1 Nutrição de peixes da Amazônia II – tambaqui
O estudo desenvolvido por Ana Cristina Oliveira (2003) em nosso laboratório
utilizou os isótopos estáveis do C e N como indicadores qualitativo e quantitativo da
dieta do tambaqui (Colossoma macropomum). Este peixe é de grande importância e
ocorrência nas várzeas da região Amazônica, que por sua vez são responsáveis por
90% de todo pescado capturado na região.
O gráfico mostrado na Figura 6, que relaciona valores de δ13C e δ15N das
principais fontes de alimento e da musculatura de tambaquis capturados no lago
Camaleão, na região central da Amazônia, demonstra novamente a pouca importância
das gramíneas C4 na alimentação do tambaqui e evidência à importância de frutos e
sementes oriundos de plantas C3 e insetos que se alimentam destas plantas e terminam
fazendo parte da dieta do tambaqui. É importante também ressaltar que no caso dos
valores de δ15N houve um fracionamento isotópico ao redor de 3 a 4‰ ao longo da
cadeia trófica, semelhante aos valores encontrados na literatura por outros autores.
9.6.1.3.2 Cadeia alimentar no Pantanal
Outro estudo desenvolvido em nosso laboratório e liderado por Débora
Calheiros (2003) estudou a cadeia trófica aquática em um baía do Pantanal mato
grossense durante um ciclo hidrológico completo com objetivo de identificar as fontes
primárias de carbono que regem o fluxo de energia. Neste trabalho a autora utilizou os
isótopos de carbono e nitrogênio conjuntamente, e sua avaliação incluiu algas
(sestônicas e epifílicas), plantas vasculares, invertebrados (epifílicos, planctônicos e
bentônicos) e peixes detritivoros adultos.
Alguns aspectos importantes apontados relacionam-se primeiramente à
composição isotópicas das algas, com valores de δ13C entre -34.5‰ e 26.9‰, mas com
a maioria dos valores posicionando-se próximos a –28‰ a -27‰. No geral, esses
valores podem ser considerados mais elevados em comparação a valores encontrados
para algas fluviais das regiões tropicais na América do Sul, também sujeitas a regimes
de inundação periódicos. Por exemplo, vale lembrar que no estudo de Araújo-Lima et al.
(1986), desenvolvido ao longo do rio Amazonas, o valor médio do fitoplacton esteve em
134
torno de -34‰ (Fig. 9.5), que por sua vez é próximo ao valor médio encontrado no lago
Camaleão por Ana Cristina Oliveira (Fig. 9.7). Da mesma forma, foram encontrados
valores entre -38‰ a -34‰ em amostras de fitoplancton coletadas ao longo do rio
Orinoco por Hamilton et al. (1992) (Fig. 9.6)
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
-38 -36 -34 -32 -30 -28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14 -12
δ13C (o/oo)
δ15N
(o / oo)
CamarãoTambaqui
Plantas (C4)
Insetos (C4)Insetos (C3)
Sedimentos
Frutas/sementes (C3)
Moluscos
Zooplancton
Fitoplancton
Figura 9.7. Relação entre valores de δ13C e δ15N de amostras de tambaqui ( capturados
no lago do Funil na ilha da Marchantaria, localizada no rio Solimões, próxima à cidade
de Manaus. “Insetos (C3)” – denota colônias de algas crescendo sobre plantas que
seguem o ciclo fotossintético C3. “Insetos (C4)” – denota colônias de algas crescendo
sobre plantas que seguem o ciclo fotossintético C4. Adaptado de Oliveria (2003).
O fato de os valores de δ13C de amostras de fitoplancton do Pantanal terem sido
mais elevados que os de outros sistemas similares pode ser explicado pela existência
de, indicaria à utilização de uma fonte de carbono dissolvido de origem mineral,
provavelmente, oriundo da decomposição de uma rocha carbonatada. Como vimos em
vários capítulos, os valores de δ13C de rochas carbonatadas encontram-se entre 0‰ a
2‰.
135
Outro ponto importante do trabalho de Calheiros (2003), que foi considerado
surpreendente, foi o fato de os valores de δ13C de alguns consumidores primários terem
sido significativamente menores que os valores das algas, como vimos, foram também
surpreendentemente elevados. O δ13C de alguns organismos chegou a valores bastante
elevados, ao redor de -43‰ e alguns chironomídeos bentônicos tiveram valores tão
negativos quanto -62‰. A hipótese lançada pela autora é que esses organismos
estariam consumindo uma fonte de carbono bastante negativa, produzido
possivelmente por bactérias metanotróficas.
Os valores de δ15N apresentados por Calheiros (2003) também indicam uma
possibilidade ecológica que é a fixação de nitrogênio atmosférico (N2) por
cianobactérias, sugerido pelos valores próximos a 0‰ para o δ15N. Outro aspecto
importante é que valores mais enriquecidos para o δ15N estariam relacionados ao
consumo de uma fonte rica em NH4+ por exemplo.
9.6.2. Estudos sobre paleodietas
Contrastando com os estudos anteriormente expostos, que demonstraram o uso
de isótopos estáveis para a abordagem da dieta de animais contemporâneos, o estudo
de paliodietas, com utilização de fósseis é uma área onde a utilização de isótopos
estáveis abriu uma perspectiva totalmente nova esse tipo de esutdo. O material
usualmente utilizado para esse tipo de estudo é o colágeno, principal proteína do tecido
ósseo e encontrado com certa facilidade em sítios arqueológicos. Vários trabalhos
atestam que esse material sofre pouca mudança após a morte do animal (DeNiro, 1985;
Nelson et al., 1986 e Turross et al., 1988). Esses estudos sugerem a escolha de ossos
que se mostrem bem preservados na sua aparência e com relação C:N próxima ao que
é originalmente encontrado em tecidos ósseos modernos, em torno de 2 e 4.
Vários estudos indicaram que há um fracionamento isotópico em torno de 5‰
entre a dieta e o colágeno. Desta forma uma dieta baseada somente em plantas C4 (-
12‰ a -13‰) produziria um δ13Ccolágeno variando entre -7‰ a -8‰, enquanto que uma
dieta baseada em plantas C3 (-26‰ a -28‰) produziria um δ13Ccolágeno variando entre -
19 a -21‰.
136
Na evolução dos estudos arqueológicos utilizando-se de isótopos estáveis, um
dos estudos clássicos foi desenvolvido por Van der Merwe & Vogel (1978), que
demonstraram a evolução da espécie humana ao passar de caçador/coletor a
agricultor, cultivando milho, uma planta C4. No continente norte-americano, em torno do
ano 200 d.C., a domesticação do milho pelo Homen foi um dos aspectos importantes,
ocasionando uma mudança comportamental dramática para a espécie. O Homem
tornou-se mais sedentário, houve um aumentando importante na população e o
desenvolvimento de sociedades maiores e mais complexas.
137
Figura 9.8. Variação secular dos valores de δ13C em amostras de colágeno de ossos
humanos e a possível contribuição de plantas C4 na alimentação humana ao longo dos
séculos nos Estados Unidos da América. Adaptado por: Van der Merwe & Vogel (1978)
Outro exemplo interessante foi mostrado por Sealy & van der Merwe (1985).
Algumas teorias propunham que nossos ancestrais "caçadores-coletores" tinham uma
alta mobilidade em busca, basicamente, de comida. Sealy & van der Merwe
questionaram esta teoria através de dados isotópicos, demonstrando que a mobilidade
se restringia a uma determinada região uma vez que amostras de colágeno vindas de
regiões de montanha conservavam valores isotópicos de ambiente terrestres (-18.9 ±
1.156, n = 4), enquanto que amostras advindas de regiões próximas ao litoral
apresentaram valores de δ13C característicos de ambiente marinho (-13.5 ± 1.4‰, n =
13).
Um outro exemplo que pode ser dado baseando-se no trabalho de van der
Merwe et.al. (1981) e se refere a uma polêmica entre os arqueologistas sobre a fonte de
alimento nas florestas tropicais. De um lado alguns pesquisadores argumentavam que
plantas C4, como milho, tiveram pouca influência na alimentação humana, e que
portanto, as populações da Amazônia eram pequenas e esparsas, apenas sustentadas
pela caça e extrativismo. Anna Roosevelt, baseando-se em dados arqueológicos
obtidos nas várzeas do rio Orinoco, afirma que, pelo contrário, o milho fez parte da
alimentação na Amazônia e que, como conseqüência, teriam desenvolvido sociedades
mais complexas que antes imaginado. A polêmica foi resolvida pelo uso de δ13C em
amostras de colágeno de ossos encontrados na região em dois períodos distintos 800
a.C. e 400 d.C.
Pelo exame da tabela abaixo, observamos que os valores de δ13Ccolágeno das
amostras de 400 d.C. claramente indicam a ingestão de plantas que seguem o ciclo
fotossintético C4. Por outro lado, as amostras de 800 a.C. apresentam valores menores,
indicando a presença de plantas C3 na dieta, oriundas certamente da floresta
Amazônica (Tab. 4).
138
Tabela 4. Valores de δ13C de colágenos de esqueletos humanos escavados na região
Amazônica (Van der Merwe et al., 1981).
Amostras δ13C (‰)
UCT259-400 DC -9.7
UCT258-400 DC -10.5
UCT286-400 DC -10.8
UCT260-800 AC -26.1
UCT287-800 AC -25.8
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Capítulo 10 - Adulteração de alimentos 10.1. Introdução
Vários alimentos são adulterados, principalmente, por razões econômicas.
Geralmente, o produto é adulterado pela utilização de um componente menos oneroso,
que pouco altere a aparência e o gosto do produto.
Os isótopos estáveis cada vez mais estão sendo utilizados para detectar esses
tipos de adulteração. Inúmeros são os exemplos: sucos de frutas, vinho, destilados,
óleos, mel e outros. Obviamente, para que a técnica isotópica seja utilizada, a
composição isotópica do produto e do adulterante devem ser diferentes.
Discutimos a seguir algumas aplicações onde a composição isotópica do
carbono e/ou nitrogênio estável, elegantemente detectou a adulteração de
determinados produtos.
10.2. Estudos de caso 10.2.1. Mel de abelha
As abelhas européias melíferas utilizam, na maioria das vezes, plantas do tipo
C3 para elaborarem o mel. Na maior parte do país, os apicultores colocam suas
colméias em pomares de laranja, plantações de flores silvestres e de eucalipto. A
adulteração é feita utilizando-se açúcares comerciais que, na sua grande maioria, são
feitos de cana. Alternativamente, o mel também pode ser adulterado utilizando-se
glicose de milho (C4). Portanto, mais uma vez temos o caso clássico de C3 x C4.
Nos Estados Unidos, a técnica isotópica é, desde 1992, considerado um dos
métodos padrão na determinação da adulteração de mel. Somente nos casos em que a
composição isotópica do mel suscite dúvidas quanto à presença de açúcares, a
amostra é testada pelos métodos clássicos.
O primeiro passo para a implementação dessa metodologia no Brasil seria
conhecer a variabilidade natural em amostras de mel. Tempos atrás, iniciamos no
nosso laboratório determinações da composição isotópica em amostras de mel de
diferentes origens botânicas. Para alcançar esse objetivo foram feitos: (1) testes
específicos para avaliar a dimensão do fracionamento isotópico na produção do mel
142
pelas abelhas; (2) testes de adulteração, onde foram adicionadas quantidades
crescentes de açúcares comerciais em amostras de mel puro para verificar a
sensibilidade da técnica isotópica e (3) análise isotópica de cerca de 61 amostras
comerciais de mel, visando conhecer as variações isotópicas dentre as diferentes
origens botânicas (eucalipto, citrus e flores silvestres) e também eventuais
adulterações.
10.2.1.1. Fracionamento isotópico na produção de mel
Para se averiguar a ocorrência de fracionamento isotópico durante a produção
do mel, foram comparados os valores de δ13C de plantas do tipo C3 com a composição
isotópica de amostras certificadas de mel, que é o produto final (Tab.1). Para fins
comparativos foram também determinados os valores isotópicos do fabricante (abelhas)
e outros produtos (cera e favo), (Tab.1).
A média dos valores de δ13C das folhas de plantas do tipo C3 foi igual a –29,4 ±
1,7‰ (n = 9) e a média das amostras certificadas de mel foi igual a –24,6 ± 0,4‰ (n =
4). Portanto, houve uma diferença média entre as plantas, fonte de néctar, e o mel
(produto) aproximadamente 5‰. No entanto, como os agentes adulterantes (açúcares)
tiveram um valor médio -11,1 ± 0,7‰, (n = 3), significativamente diferente das amostras
de mel certificadas, conclui-se que seria viável o uso da metodologia isotópica para se
verificar adulteração de amostras de mel por adição de açúcares produzidos por cana
ou milho.
As médias dos valores de δ13C das abelhas, que são os produtores do mel, foi
igual a –23,9 ± 1,3‰ (n = 8), que foi ligeiramente maior que o valor médio encontrado
para as amostras de mel certificados. Por outro lado, as médias dos valores de δ13C das
amostras de favo e cera foram ligeiramente inferiores aos valores do mel, -25,3 ± 0,9‰
(n = 3) e –25,1 ± 1,8‰ (n = 4), respectivamente.
143
Tabela 1. valores de δ13C (‰) em diferentes amostras.
Amostra δ13C
Ameixa -28.7 Coentro-C3 -30.2 Jabuticaba-C3 -28.1 Laranja-C3 -27.2 Laranja-C3 -30.2 Limão-C3 -27.8 Limão-C3 -32.8 Mostarda-C3 -29.3 Pitanga-C3 -29.8 Melaço de cana-C4 -11.8 Açúcar refinado-C4 -11.1 Glicose de milho-C4 -10.4 Apis melífera -24.2 A. melífera -24.9 A. melífera -24.9 Apis sp -24.6 Composta de 5 abelhas A. melífera -23.3 Composta de 7 abelhas A. melífera -20.9 Rainha de A. melífera -24.7 Zangão de A. melífera -23.6 Cera -23.1 Cera -27.3 Cera -24.2 Cera -25.8 Favo -26.2 Favo -25.4 Favo -24.4 Pólem -26.4 Mel certificado - floral -24.4 Mel certificado - floral -24.9 Mel certificado - eucalipto -24.8 Mel certificado - laranja -241
144
10.2.1.2. Simulação de adulteração do mel pela adição de melaço de cana
Com intuito de se testar a sensibilidade da metodologia isotópica, foram
adicionadas quantidades crescentes de melaço de cana (-11,7‰) a uma amostra de
mel certificada (-26,7‰). A Figura 10.1 mostra os valores de δ13C dos diferentes níveis
de mistura mel-melaço. Nota-se que mesmo para adições baixas de melaço (10%)
houve um aumento sensível (1,7‰) no valor de δ13C da mistura. Considerando-se que
o valor máximo entre amostras duplicatas foi de 0,3%, uma diferença ao redor de 2‰ é
facilmente mensurável.
δ13C = -0.15(C4-%) - 11.9R2 = 0.99
-28
-26
-24
-22
-20
-18
-16
-14
-12
-10
0 20 40 60 80 100
Percentual de melaço de cana (C4) na mistura
δ13C
(o / oo)
Figura 10.1. Variabilidade dos valores de δ13C em amostras de mel com proporções
crescentes de melaço de cana-de-açúcar. Adaptado por Rossi et al. (1999).
10.2.1.3. Valores de δ13C em amostras de mel comercializadas
145
As determinações dos valores de δ13C em amostras de mel comercializadas
foram feitas com o intuito de se conhecer a variabilidade entre as amostras e detectar
possíveis adulterações (Tab. 2).
Das 61 amostras analisadas, 5 amostras (8%) tiveram valores de δ13C
considerados "suspeitos", uma vez que esses valores foram significativamente maiores
em relação às outras amostras comercializadas e mesmo em relação às amostras
certificadas. As amostras 13 e 14 (mel de laranja) tiveram valores de δ13C iguais a
–21,0‰ e –19,9‰, respectivamente. As amostras 33 e 34 (mel de flores silvestres),
tiveram valores iguais a –21,9 e –12,9‰, respectivamente. Finalmente, a amostra 54
(mel de eucalipto) teve um valor igual a –17,6‰.
Excetuando-se as amostras suspeitas, a média de todas as outras amostras foi
igual a –25,3 ± 1,0‰ (n = 56). Essa média é muito próxima daquela encontrada por
White & Doner, que analisaram 84 amostras de mel produzidas nos Estados Unidos
(25,2 ± 0.9‰).
146
δ13C-mel
Núm
ero
de o
bser
vaçõ
es
-30 -28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14 -12024
68
1012
14161820
222426
Localidade: PiracicabaLocalidade: Santarém
Figura 10.2. Distribuição de valores de δ13C de amostras de mel comercializadas nas
cidades de Piracicaba e Santarém. Adaptado por Rossi et al. (1999).
Comparando-se a média dos valores de δ13C entre amostras de diferentes
origens botânicas, notou-se que a média dos valores de δ13C para o mel de laranja foi
aproximadamente 0,7% mais elevada em relação à média obtida para amostras de mel
de outras origens botânicas (Tab. 3). No entanto, essa diferença não foi
estatisticamente significativa (teste de Tukey). Essa característica do mel de laranja
(valores maiores de δ13C) foi também observada nos Estados Unidos. White &
Robinson (19xx) analisaram 15 amostras desse tipo de mel, obtendo um valor médio
igual a -23,8 ± 1,0‰, sendo o menor valor igual a -25,5‰ e o maior igual a -22,1‰.
147
Tabela 2. Valores de δ13C (‰) em amostras de mel comercializados. Valores em
negrito indicam amostras suspeitas de adulteração.
Amostra Origem botânica δ13C (‰)
1 Laranja -26.7 2 Laranja -26.6 3 Laranja -25.9 4 Laranja -25.5 5 Laranja -25.1 6 Laranja -24.5 7 Laranja -24.4 8 Laranja -24.3 9 Laranja -24.2 10 Laranja -24.1 11 Laranja -23.9 12 Laranja -22.3 13 Laranja -21.0 14 Laranja -19.9
15 Floral -26.5 16 Floral -26.3 17 Floral -26.2 18 Floral -26.0 19 Floral -26.0 20 Floral -25.9 21 Floral -25.8 22 Floral -25.7 23 Floral -25.6 24 Floral -25.5 25 Floral -25.5 26 Floral -25.5 27 Floral -25.4 28 Floral -25.4 29 Floral -25.0 30 Floral -24.9 31 Floral -24.4
148
32 Floral -23.4 33 Floral -21.9 34 Floral -12.9
Amostra Origem Botânica d13C
35 Eucalipto -26.7 36 Eucalipto -26.6 37 Eucalipto -26.5 38 Eucalipto -26.1 39 Eucalipto -26.1 40 Eucalipto -26.0 41 Eucalipto -25.9 42 Eucalipto -25.9 43 Eucalipto -25.8 44 Eucalipto 25.7 45 Eucalipto -25.7 46 Eucalipto -25.6 47 Eucalipto -25.5 48 Eucalipto -25.4 49 Eucalipto -24.8 50 Eucalipto -24.7 51 Eucalipto -24.1 52 Eucalipto -23.6 53 Eucalipto -23.5 54 Eucalipto -17.6
55 Sem origem -23.3 56 Sem origem -25.9 57 Sem origem -24.3 58 Sem origem -26.4 59 Sem origem -24.8 60 Sem origem -25.1 61 Sem origem -257
149
Tabela 3. Valores médio de δ13C (‰), desvio padrão, número de amostras e valores
mínimos e máximos de amostras de mel agrupadas de acordo com as suas origens
botânicas. “Geral” significa valor médio geral para todas as amostras e “Geral (-
laranja)” significa o valor médio de todas as amostras menos as 12 amostras de mel de
laranja (ver texto para detalhar).
Mel δ13C Desv. padrão
Número Mínimo Máximo
Laranja -24.8 1.3 12 -26.7 -22.3 Floral -25.5 0.7 18 -26.5 -23.4
Eucalipto -25.5 0.9 19 -26.7 -23.5 Sem origem -25.1 1.1 07 -26.4 -23.3
Geral -25.3 1.0 56 -26.7 -22.3 Geral (-laranja) -25.4 0.9 44 -26.7 -233
10.2.2. Conhaque e brandies
"Brandy" é definido como uma bebida destilada de vinho ou suco de uva
fermentado. Quando o brandy é feito na região da França, conhecida como Conhaque,
a bebida leva o mesmo nome. Então, todo Conhaque é um brandy, mas nem todo
brandy é um Conhaque.
Na legislação brasileira existem dois tipos de brandy: "conhaque de gengibre",
que pode ser elaborado da fermentação e destilação de qualquer planta e outro
denominado "brandy", que deve ser feito exclusivamente de variedades de uva, uma
planta C3.
O álcool mais barato produzido no Brasil é o álcool de cana, que é uma
gramínea C4. Portanto, o brandy, por razões econômicas, pode ser adulterado com
álcool de cana. É importante ressaltar que no caso de "conhaque de gengibre", o uso
de álcool de cana não é uma adulteração, uma vez que a legislação permite que se
utilize qualquer tipo de álcool. Nós determinamos a composição isotópica de 23
amostras de brandy feitas no Brasil, 11 amostras de brandy elaboradas em outros
países e 28 amostras de conhaque de gengibre (Fig 10.3).
150
-30
-25
-20
-15
-10
-5
0Brandy
internacionalBrandy nacional Conhaque-de-
gengibre
δ13C
(o / oo)
Figura 10.3. Média e desvio padrão dos valores de δ13C de amostras de brandies
elaborados em outros países (internacional) e no país (nacional) e de amostras de
conhaque de gengibre.
Nota-se claramente que existem 3 grupos distintos de amostras na Figura 3. Os
valores menores foram observados nos brandies internacionais e nas maiores amostras
de conhaque de gengibre. Esse fato indica que os conhaques de gengibre no Brasil são
feitos exclusivamente de álcool de cana. Enquanto os brandies internacionais são
feitos muito provável exclusivamente de uva. Não se pode dizer o mesmo quanto aos
brandies brasileiros. Os valores de δ13C dessas amostras foram intermediários entre os
valores de brandies internacionais e conhaque de gengibre, sugerindo uma mistura de
álcool de uva com álcool de cana. Não é preciso mencionar que essas diferenças
foram estatisticamente significativas.
Reforçando a suspeita sobre adulteração em amostras de brandies brasileiros,
existe o fato que houve uma correlação positiva entre a porcentagem de uva e o preço
do produto. Ou seja, quanto mais uva na bebida, maior foi o seu preço.
10.2.3. Vinho
151
O vinho deve ser uma bebida fermentada da uva, que como sabemos é uma
planta C3. Uma adição clássica ao vinho é de açúcares comerciais adicionado à
fermentação, quando as uvas que não contém teores naturais de açúcares
suficientemente elevados para promover uma fermentação adequada. Esse processo é
denominado "chaptalização". Como no Brasil o açúcar mais barato é o açúcar de cana,
mais uma vez temos o paradigma C3 x C4. É importante salientar que a legislação
brasileira permite que seja adicionada uma quantidade de açúcar suficiente para elevar
a graduação alcoólica do vinho para 3° GL.
No continente europeu, os países da comunidade européia mantêm um banco
de vinhos, e vários tipos de análises são feitas nessas amostras, dentre elas é também
determinada a composição isotópica. Em alguns países, como a Itália, o processo de
chaptalização é totalmente proibido. A seguir mostramos alguns resultados obtidos
desse banco de dados. As médias gerais para cada país durante 3 anos (1991 a 1993)
estão resumidas na Tabela 4.
Tabela 4. Média dos valores de δ13C de vinhos Italianos, franceses e alemães,
elaborados nos anos de 1991, 1992 e 1993. Rosmann et al. (1996).
País 1991 1992 1993
Itália -25.8±1.2 -25.8±1.2 -25.8±1.2 Alemanha -26.2±1.2 -27.7±0.9 -26.7±1.3
França -26.8±1.1 -27.8±0.8 -26.6±1.2
Nota-se uma certa variabilidade anual nos vinhos alemães e franceses. Mas, de
qualquer forma, nota-se claramente que existe um inequívoco sinal de planta C3 nos
valores de δ13C dos vinhos europeus.
No Brasil, analisamos um grande número de amostra de vinhos e produtos
relacionados. Começamos pelas análises de variedades de uvas viníferas utilizadas na
vinicultura nacional. Com essas uvas fizemos fermentações experimentais
concomitantes, adicionando-se em cada uma delas uma quantidade de açúcar
152
suficiente para elevar o teor alcoólico do vinho para cerca de 1 a 1,5 pontos
percentuais de álcool. Paralelamente determinamos os valores de δ13C no álcool
formado durante as fermentações (Fig. 10.4).
Nota-se claramente que os isótopos foram capazes de "enxergar" as adições de
açúcar de cana. Houve uma correlação bastante significativa entre a quantidade de
álcool formada e os valores de δ13C deste álcool (Fig. 10.4).
Um segundo experimento que realizamos foi seguir a marcha de duas
fermentações distintas: uma sem adição de açúcar e a outra com uma adição de açúcar
de cana suficiente para elevar o teor de álcool produzido para aproximadamente,
cerca de 3%, como permite a legislação brasileira. A cada intervalo de tempo regular
amostras de mosto de cada fermentação eram recolhidas, o álcool produzido era
destilado e seus valores de δ13C eram determinados (Fig. 10.5).
y = 1.10x - 38.6r2 = 0.96
y = 1.45x - 41.6r2 = 0.93
-30
-28
-26
-24
-22
-20
9 10 11 12 13 14 15
Teor alcóolico (%)
δ13C
-eta
nol (
o /oo)
Figura 10.4. Valores de δ13C do etanol produzido durante fermentações experimentais
com adições crescentes de açúcar de cana. Cada ponto representa a média de 3
repetições das seguintes adições de açúcar: 0g; 2,89g; 8.63g; 14.37g e 20.11g, que
153
produziram as seguintes graduações alcoólicas médias: 9.2%, 10.2%, 11.1%, 13.3%,
14.4%. As barras representam os desvios padrão das médias
Note como logo nas primeiras horas da fermentação ocorre uma abrupta
elevação dos valores de δ13C do álcool produzido, indicando que o açúcar de cana
adicionado é prontamente consumido pelas leveduras da fermentação (Fig. 10.5). Essa
fermentação experimental também nos demonstrou que o álcool produzido das
fermentações em que foram adicionadas quantidades de açúcar suficiente para
aumentar a graduação alcoólica para 3% devem ter valores de δ13C entre -23 a -21‰.
-29
-28
-27
-26
-25
-24
-23
-22
0 20 40 60 80 100Tempo (horas)
δ13C
-eta
nol (
o / oo)
Figura 10.5. Valores de δ13C do álcool produzido durante a fermentação de mosto sem
adição de açúcar de cana (círculo branco) e com adição de açúcar para elevar o teor
alcoólico do mosto para cerca de 3% (círculo cinza). As barras representam os desvios
padrão dentre 3 repetições.
154
Após esses experimentos determinamos a composição isotópica de um número
elevado de amostras de vinhos adquiridas no mercado. A Tabela 5 mostra os valores
médios de δ13C dessas amostras, que foram agrupadas de acordo com o tipo do vinho.
Tabela 5. Valores de δ13C de amostras de uva, mosto, vinho padrão eleaborado pela
Embrapa e vinhos nacionais agrupados conforme o tipo do vinho.
δ13C (‰) Média Desv.-pad. N Uva -26.7 0.6 11 Mosto -27.8 0.4 10 Vinho padrão Embrapa
-27.5 0.6 12
Tinto seco -23.4 2.0 109 Tinto demi-sec -23.7 1.1 11 Tinto suave -23.5 1.5 21 Branco seco -22.3 2.1 39 Branco demi-sec -21.3 2.9 10 Branco suave -21.5 2.3 40 Rose suave -21.2 2.9 10 Espumante Brut -20.5 1.2 18 Espumante Asti -19.4 2.9 4 Espumante Demi-sec
-18.3 1.3 8
Espumante Doce -15.1 2.1 3
É interessante notar que a uva, o mosto e o vinho elaborados pela Embrapa,
sem nenhuma adição de açúcar de cana, tiveram valores de δ13C semelhantes aos
vinhos europeus, ou seja, exibindo valores típicos de plantas C3.
Por outro lado, os valores médios de δ13C dos vinhos tintos e brancos nacionais
foram valores típicos de fermentações onde houve adição de açúcar de cana. Esses
valores encontram-se dentro da faixa de -23‰ a -21‰ que são valores aceitáveis de
adição de açúcar, ou seja, suficiente para elevar a graduação alcoólica do vinho para
3%, conforme reza a legislação.
155
Os valores médios de δ13C dos espumantes, são valores maiores que –20,5‰ a
-15‰, indicando uma adição de açúcar maior que o permitido.
Observando-se um histograma de freqüência de todos os valores de vinhos
tintos e brancos, e não se incluem vinhos espumantes, nota-se claramente que a
média dos valores indica que várias vinícolas vêm respeitando os valores estabelecidos
por lei (Fig. 10.6). No entanto, algumas adicionam uma quantidade de açúcar maior da
que é permitido. Interessante que algumas outras vinícolas produzem vinho sem
nenhuma adição de açúcar de cana, demonstrando claramente que é possível a
produção deste tipo de vinho em nosso país.
δ1 3C-etanol (o/oo)
Núm
ero
de o
bser
vaçõ
es
Tinto
-29-27
-25-23
-21-19
-17-15
-130
5
10
15
20
25
30
35
40
Branco
-29-27
-25-23
-21-19
-17-15
-13
Figura 10.6. Distribuição de valores do δ13C do etanol de amostras de vinhos nacionais
tintos e brancos.
156
10.2.4. Cerveja
A maioria das fermentações que produzem cerveja incluem não somente
cereais como a cevada ou o trigo, mas também outros cereais como o milho. Como
sabemos a cevada e o trigo são plantas que seguem o ciclo fotossintético C3, enquanto
o milho segue o ciclo fotossintético C4. Portanto, com o emprego da metodologia
isotópica é trivial distinguir na cerveja a presença de milho na sua elaboração.
Juntamente com colegas dos Estados Unidos, analisamos um grande número
de marcas de cervejas de vários países. Para detalhes ver Brooks et al., 2002.
A média dos valores de δ13C das cervejas européias foi de -25.6 ± 1.5‰,
enquanto que a média dos valores de δ13C das cervejas brasileiras foi de -19.7 ± 2.4‰.
Sabemos que a cerveja é elaborada da cevada e do lúpulo. A análise isotópica de
vários tipos de cevada resultou em um δ13C médio igual a -25.2 ± 0.7‰, enquanto o
valor médio do lúpulo foi de -24.9 ± 1.4‰. Valores típicos de plantas que seguem o
ciclo fotossintético C3. Logo, valores em torno de -19.7‰ indicam a presença de milho
na fermentação, que é um adjunto comumente utilizado na cervejaria. É importante
esclarecer, no entanto, que essa utilização é permitida pela legislação brasileira até um
máximo de 49%, os restantes 51% devem ser necessariamente álcool produzido pela
fermentação da cevada. Caso outro cereal, como o milho, seja utilizado em maior
proporção deve conter no rótulo algo como "cerveja de milho".
Através de um simples modelo de mistura pode se determinar a porcentagem
de milho presente em uma determinada cerveja . Assim teremos a seguinte fórmula:
cevadamilho
cevadacerveja
CCCC
C 1313
1313
4 (%)δδδδ
−
−= ........................................................(10.1)
Onde δ13Ccerveja é a composição isotópica da cerveja, δ13Ccevada é a composição
isotópica média da cevada (-25.2‰) e δ13Cmilho é a composição isotópica do milho
(12.5‰).
157
Utilizando o δ13C médio das cervejas brasileiras (-19.7‰) na equação acima, a
proporção média de milho presente nas cervejas brasileiras seria de aproximadamente
44%. Portanto, permitido pela legislação brasileira.
A Figura 10.7 mostra um histograma com os valores de δ13C dentre cervejas
produzidas na Europa, Canadá, Estados Unidos e Brasil. Nota-se uma distribuição
unimodal dos valores de δ13C de cervejas produzidas na Europa. Nos outros países
nota-se uma distribuição bimodal dos valores de δ13C. Com valores concentrados ao
redor de -27‰ a -25‰ e entre -19‰ a -17‰. Particularmente as cervejas brasileiras,
na sua maioria agrupam-se ao redor -21‰ a -17‰ e poucos valores entre -27 a -25‰,
indicando que a maioria das cervejas brasileiras levam alguma proporção de milho em
sua composição.
δ13C (o/oo)
Núm
ero
de o
bser
vaçõ
es
Eu ro pa
-29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -1302468
101214161820222426
Canadá
-29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -13
EUA
-29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -1302468
101214161820222426
Bras il
-29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -13
Figura 10.7. Distribuição de valores de δ13C de amostras de cervejas produzidas em
países da Europa, no Canadá, Estados Unidos e Brasil. Adaptado por Brooks et al.
(2003).
158
Utilizando-se a equação (1) e os valores de δ13C de cada cerveja foram
calculados os percentuais de milho na elaboração das amostras (Fig. 10.8). Note que
no Brasil a maioria das amostras se encontram ao redor de 40 a 60%. Como a
metodologia isotópica neste caso não é precisa a ponto de assegurar uma diferença
menor que 10% (Brooks et al., 2002), é razoável afirmar que a maioria as cervejas
brasileiras encontram-se dentro da legislação. Pelo contrário, na Europa, a maioria das
cervejas não levam adição de milho, sendo a cevada, ou em certos casos específico, o
trigo o cereal mais utilizado.
Nos Estados Unidos há várias cervejas que não utilizam milho como adjunto.
Essas cervejas, na sua maioria, são fabricadas em pequenas cervejarias, que têm
uma produção limitada. Por outro lado, as grandes cervejarias americanas também
utilizam milho como adjunto. As cervejas produzidas no Canadá seguem uma
distribuição semelhante às cervejas produzidas nos Estados Unidos. Um bom número
de cervejas sem adição de milho e várias com adições entre 30 a 40% (Fig. 10.8).
159
Percentual de m ilho com o adjunto na e laboração da cervela
Núm
ero
de o
bser
vaçõ
es
Europa
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 10002468
10121416182022242628
Canadá
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
EUA
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 10002468
10121416182022242628
Bras il
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Figura 10.8. Distribuição dos valores do percentual de milho utilizado como adjunto na
elaboração de cerveja em países da Europa e no Canadá, Estados Unidos e Brasil.
Adaptado por Brooks et al. (2002).
160
Bibliográficas recomendadas Brooks JR, Buchmann N, Phillips S, Ehleringer B, David Evans R, Lott M, Martinelli LA,
Pockman W, Sandquist D, Sparks JP, Sperry L, Williams D, Ehleringer JR (2002)
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161
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Rossmann A, Schmidt H L, Reniero F, Versini G, Moussa I, Merle MH (1996) Stable
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mel pela adição de açúcares comerciais utilizando-se a composição isotópica do
carbono. Revista Brasileira de Tecnologia de Alimentos 19: 199-204.
163
Capítulo 11 - Hidrologia Isotópica 11.1. Introdução
Os isótopos da molécula de água utilizados em estudos hidrológicos são
dois: o oxigênio e o hidrogênio. No primeiro caso, a relação utilizada é 18O/16O, e no
segundo 2H/1H, em que o 2H é conhecido como deutério. O padrão utilizado nos dois
casos é o VSMOW, uma mistura de água dos cinco oceanos na qual foi atribuído o
valor 0‰. Continuamos com a notação "delta por mil" que passa a ser expressa por
δ18O para o oxigênio e δD para o hidrogênio.
O estudo do ciclo desses isótopos na natureza se confunde com o próprio
estudo do ciclo da água. Esse ciclo é basicamente regido por dois fenômenos
físicos: a condensação e a evaporação. Na condensação a chuva é formada por
uma determinada massa de vapor d'água contida em uma nuvem. Por outro lado, a
evaporação é o processo inverso, na qual a água do estado líquido passa para o
estado vapor.
Na maioria das vezes, observamos que mudanças de fase, como as
descritas acima, levam a um fracionamento isotópico. Ou seja, uma das fases ficará
isotopicamente mais leve, enquanto a outra ficará isotopicamente mais pesada. Para
os isótopos da água não poderia ser diferente, assim existe um determinado
fracionamento isotópico entre as fases envolvidas. Comecemos pelo estudo do
fracionamento pertinente ao processo de condensação.
Como existe um fracionamento na passagem da fase gasosa para a fase
líquida, podemos expressá-lo através da seguinte equação:
chuvavapor OO 1818 δδε −= ........................................(11.1)
Ou
chuvavapor DD δδε −= .........................................(11.2)
Como vimos até agora, o fracionamento isotópico depende da temperatura.
A tabela abaixo ilustra a variação do fracionamento isotópico entre as duas fases em
função da temperatura.
164
Tabela 1. Fracionamento isotópico entre a fase gasosa e líquida em função da
temperatura onde εD é o fracionamento em relação ao deutério e ε18 é o
fracionamento em relação ao oxigênio.
t (°C) εD ε18 εD /ε18 100 29 3.3 8.8 80 37 4.5 8.2 60 46 5.8 7.9 40 60 7.4 8.1 20 79 9.1 8.7 0 106 11.1 9.5
-10 123 12.3 10 -20 146 13.5 10.7
Portanto, quanto menor a temperatura, maior será o fracionamento entre a
fase gasosa e líquida. A dependência do fator de enriquecimento em função da
temperatura para cada isótopo é descrita abaixo:
2
63 1084,241025,7661,52 −
⋅+
⋅−=
TDε ...................................(11.3) T
2
33 1053,11021,364,6 −
⋅+
⋅−=
TTOε ..............................................(11.4)
Onde T é a temperatura em graus Celsius.
A Figura 11.1, que segue o modelo de Railegh, mostra a evolução isotópica
do vapor d'água na nuvem e da chuva formada subsequentemente. Como a água da
chuva é constantemente removida, o sistema é aberto, assim sendo, a água da
chuva e o vapor d'água vão se tornando cada vez mais empobrecidos em átomos de 18O e 2H.
165
Figura 11.1. Esquema ilustrando as alterações dos valores de δ18O em relação à
fração residual de vapor, segundo a equação de Raylegh.
A condensação nas nuvens ocorre em condições de equilíbrio ???
Na maioria das vezes que se mediu a composição isotópica do vapor d'água
e da precipitação, a diferença entre os dois era próxima do valor de ε para uma
dada temperatura (Fig. 11.1). Portanto, parece que o processo de condensação
ocorre em condições de equilíbrio e pode ser razoavelmente estimado pelo modelo
de Raylegh (equação 1). Note o exemplo da Figura 11.2, ainda que o vapor d'água
tenha sido coletado diariamente de forma contínua das 9 às 15 horas, e as
amostras de chuvas de maneira mais esporádica, devido à própria característica
aleatória desses eventos, houve uma boa concordância entre os valores de ε
estimados por δ18Ovapor - δ18Ochuva e aqueles extraídos da Tabela 1.
Outro fenômeno importante no ciclo hidrológico é a evaporação, ou seja, a
passagem da água de um estado líquido para um estado gasoso. Caso esse
fenômeno ocorra em condições de equilíbrio, os mesmos valores de fracionamento
utilizados na condensação serão válidos na evaporação.
166
-18
-16
-14
-12
-10
-8
-6
-4
-2
0Ago Nov Fev Mai Ago Nov Fev Mai Out
Jan
Abr Jul
OutJa
nAbr
δ18O
(o / oo),
ε (o / oo
)
Vapor Chuva ε
Figura 11.2. Valores de δ18O em amostras de vapor d’água e chuva coletadas na
região de Belém, região Amazônica por Matsui et al. (1979). A linha preta grossa
representa os valores de ε calculados por δ18Ovapor - δ18Ochuva. A área delimitada pela
cor cinza claro representa os valores de ε para temperaturas entre 20°C a 30°C
estimados pelos dados da Tabela 1.
No entanto, sabemos que na maioria dos casos a evaporação ocorre em
condições de não-equilíbrio, principalmente devido à presença de vapor d'água na
atmosfera, que não permite a ocorrência da evaporação em condições de
equilíbrio. A tendência geral é que a fase líquida remanescente torna-se
isotopicamente mais pesada, enquanto que a fase vapor torna-se mais leve. Nesse
caso Craig and Gordon (1953) derivaram uma outra equação muita mais complexa
que a de Raylegh, em que fazem parte estimativas sobre difusão turbulenta na
atmosfera e outras complicações. Essa nova equação nos fornecerá a mudança na
composição isotópica de um corpo de água durante o processo de evaporação.
167
hhh
fLgL
−
−++−=
∂∂
1)1()(
logηεδδδ
....................................(11.5)
Obviamente essa equação é válida tanto para oxigênio como para
hidrogênio. No entanto, como já vimos, os valores de ε são distintos para cada
isótopo. Assim também o é o valor de η, que para o oxigênio vale 16‰ e para o
deutério vale 32‰. O parâmetro h é a umidade relativa do ar, L e g são prefixos que
indicam as fases líquidas e gasosas, respectivamente e f a fração de vapor
remanescente.
Claramente, é muito mais complicado trabalhar com evaporação em relação
à condensação, que segue equação (11.1).
11. 2. A reta meteórica mundial e o valor d (excesso de deutério)
Agora já conhecemos as equações que regem a composição isotópica
resultante de dois processos, o de condensação e o de evaporação. No processo de
condensação, ao passar da fase de vapor para líquido, o oxigênio e o deutério o
fazem através de um determinado fator de fracionamento que varia com a
temperatura. No entanto, a relação entre esses fatores é aproximadamente
constante e em torno de 8‰ (ver Tabela 1). Assim sendo, teremos que:
8≅O
D
εε
............................................................(11.6)
Supondo-se que um vapor d'água a 20°C tenha a seguinte composição
isotópica: δ18O = -1‰ e δD = -8‰. Caso o mesmo se condense em equilíbrio a
composição isotópica da chuva será igual a: δ18O = (-1 + 9.1) = 8.1 e δD = (-8 + 79)
= 71. Note que para a fase vapor a relação δD/δ18O é igual a 8‰. O mesmo é
verdadeiro para a chuva, ou seja, a fase líquida, a relação δD/δ18O é igual a 8.7‰.
Caso as mesmas operações sejam repetidas para diversas temperaturas, conclui-se
que a relação δD/δ18O se manterá em torno de 8‰. Assim:
168
OD 188 δδ ⋅= ............................................(11.7)
Graficamente essa equação representa uma reta de inclinação igual a 8
(reta A representada na Figura 11.3).
O que ocorre com essa reta quando um determinado corpo d'água sofre
evaporação? Em condições de não equilíbrio, a inclinação da reta é alterada,
passando a ser importante a umidade local, pois em última análise é esse parâmetro
que determina a taxa de evaporação:
OOCHV
DDCHV
hOOhhDDh
Sηεδδ
ηεδδ)1()(
)1()(1818 −++−
−++−= ...............................(11.8)
Nesses casos o valor da inclinação S passa a ser menor do que 8, pois a
evaporação afeta menos o deutério e mais o oxigênio. Assim, inclinações menores
que 8 identificam linhas de evaporação (reta LE representada na Figura 11.3).
Note que sobre a reta δD = 8*δ18O podemos imaginar um lago que esteja
perdendo água por evaporação (Fig. 11.3). O Iíquido remanescente será enriquecido
em 18O e D, no entanto esse líquido em sua nova composição não será alocado
sobre a linha δD = 8*δ18O, pelo fato de a evaporação ter ocorrido em condições de
não equilíbrio. Assim o líquido remanescente será alocado sobre a linha de
evaporação, onde a inclinação menor que 8 que é dada pela equação (11.8) (reta LE
representada na Figura 11.3). 0 vapor resultante, para manter o balanço de massa,
será mais leve que o lago e ocupará a região oposta ao líquido na chamada linha de
evaporação (Figura 11.3).
169
δD= 8*δ
18 O + 10líquidoremanescentelago
vapor d’água
chuva d = 10
LE
ε
δD= 8*δ
18 O
δD
δ18O A
B
δD= 8*δ
18 O + 10líquidoremanescentelago
vapor d’água
chuva d = 10
LE
ε
δD= 8*δ
18 O
δD
δ18O A
B
Figura 11.3 Esquema ilustrando a reta meteórica mundia (B), a reta que a deu
origem (A) e uma linha de evaporação (LE). Para detalhes ver o texto.
Suponhamos que esse vapor na atmosfera seja condensado e produza uma
nova chuva (reta B representada na Figura 11.3) Como a condensação do vapor
ocorre dentro do equilíbrio, o valor da chuva será dado por:
εδδ += vaporchuva ..............................................(11.9)
Assim, a chuva, em relação ao vapor que lhe deu origem, plotará em uma
reta de inclinação igual a 8, paralela a reta δD = 8*δ18O, e separada do vapor pelo
valor ε. Ora, se a nova reta formada estiver acima da reta δD = 8*δ18O, a sua
interseção com o eixo Y será maior que a reta anterior, portanto será maior que 0.
Esta nova reta pode ser expressa pela seguinte equação: δD = 8*δ18O + d (reta B
representada na Figura 11.3).
170
Imagine uma reta em que sua inclinação seja igual a 8 e a sua interseção
com o eixo Y seja igual a 10, logo a nova reta será:
108 18 +⋅= OD δδ .........................................(11.10)
As chuvas coletadas nos mais diferentes locais do mundo caem sobre essa
reta (Fig. 11.4).
y = 8.1x + 9.9r2 = 0.99
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
100
-40 -30 -20 -10 0 10
δ18O (o/oo)
δD (o/oo)
Figura 11.4. Relação entre valores de δ18O e δD de amostras de água de chuva
coletadas em vários locais do mundo de 1978 a 2001 pela Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA).
O fato da reta meteórica mundial ter uma intersecção próxima de 10,
significa que a evaporação nos oceanos ocorre em condições de não-equilíbrio.
Caso nenhum processo altere a composição da chuva depois de formada, a sua
composição isotópica variará em cima da reta meteórica mundial.
O valor "d", chamado de excesso de deutério é calculado através da
seguinte fórmula:
ODd 18δδ −= ...........................................(11.11)
171
O valor d pode ser interpretado como a intersecção de um ponto no
diagrama δD x δ18O que obrigatoriamente teria uma inclinação igual a 8. Valores d
maiores que 10, pelo mesmo raciocínio que fizemos para chegar à reta meteórica
mundial, seria indicativo da presença de uma água que já tenha passado por
sucessivos processos de evaporação (Fig. 11.3).
Na Figura 11.5 vemos a Região Norte do Brasil com as estações de coletas
de água de chuva. Nota-se que, sem exceção, todos os valores de excesso de
deutério (d) são maiores que 10. Esse fato se deve à imensa área coberta por água
na região Amazônica sujeita à evaporação, não somente rios, lagos e planícies
inundáveis, mas também devido à grande quantidade de água que fica retida nas
copas das árvores.
Figura 11.5. Região Norte do Brasil mostrando as estações de coleta da rede da
AIEA. Para cada estação são apresentados nos quadrados de cima para baixo o
valor da inclinação da reta δ18O x δD, o coeficiente de correlação da reta e o valor d.
Adaptado por Martinelli et al. (1996).
172
10.3. Composição isotópica das precipitações no globo terrestre
Agora que sabemos como a condensação funciona, conheceremos a
composição isotópica média da precipitação no globo. A Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA) montou um vasta rede de coleta de amostras de chuva a fim
de medir sua composição isotópica. O Cena participa dessa rede, sendo
responsável pelas coletas de amostras de água de chuva aqui no Brasil. Dados
sobre a rede podem ser obtidos em: http://isohis.iaea.org.
Figura 11.6. Valores médios de δD (‰) ponderados pela quantidade de precipitação
de amostras de chuvas coletadas no globo terrestre. Adaptado de www.
isohis.aiea.org.
A Figura 11.6 e 11.7 ilustram a média anual ponderada pela quantidade de
precipitação dos valores de δD e δ18O para o mundo, obtida pelas extrapolações dos
valores obtidos nas estações da rede da AIEA.
Podemos observar que os valores de δ18O e δD das chuvas mostram
variações em várias partes do globo. Por exemplo, os valores de δ18O vão desde
0‰ até -34‰. Nota-se que uma das tendências mais claras nesta figura é que os
valores de δ18O são maiores nos trópicos e menores em direção às regiões polares.
Esse efeito é conhecido como "efeito da latitude" e encontra-se ilustrado na Figura
11.8.
173
Figura 11.7. Valores médios de δ18O (‰) ponderados pela quantidade de
precipitação de amostras de chuvas coletadas no globo terrestre. Adaptado por
www. isohis.aiea.org.
Na Figura 11.8 são comparadas as composições isotópicas da cidade de
Manaus, situada aproximadamente a 3°S e a cidade de Vienna, na Áustria, situada
em uma latitude aproximada de 48°N. Nota-se claramente que os valores isotópicos
das amostras de chuvas de Viena são menores que a maioria dos valores
encontrados para as chuvas coletadas em Manaus (Fig. 11.8).
A principal causa para o efeito de latitude é a temperatura, como vimos
anteriormente, o fracionamento entre o vapor e a chuva depende da temperatura. O
fracionamento será maior, quanto menor for a temperatura.
Um outro fenômeno observado através da rede foi que estações de coleta
no interior dos continentes tinham valores isotópicos mais negativos que estações
localizadas em ilhas no meio do oceano.
174
-100
-80
-60
-40
-20
0
20
-15 -10 -5 0
δ18O (o/oo)
δD (o/oo)Manaus
Viena
Figura 11.8. Relação δ18O x δD de amostras de chuva coletadas na cidade de
Manaus, região Amazônica e em Viena, capital da Áustria (www.isohis.iaea.org).
A provável explicação para esse fenômeno seria o deslocamento da massa
de ar em direção ao interior do continente. Pela equação de Raylegh, a massa de
vapor e, conseqüentemente, a chuva, ficariam cada vez mais leve. Um outro motivo
seria, que a massa de água ao se mover em direção ao interior do continente
receberia vapor d'água de composição isotópica mais leve, devido aos processos de
evaporação que ocorrem nos continentes. Esse efeito é chamado "efeito de
continentalidade".
A Figura 11.9 ilustra o efeito de continentalidade comparando os valores
médios de 6180 de amostras de água de chuva coletadas em Belém e Manaus entre
os períodos de 1969 a 1987. Nota-se que a média dos valores em Manaus é quase
2‰ menor que em Belém.
175
-6.0
-5.0
-4.0
-3.0
-2.0
-1.0
0.0Manaus Belém
δ18O
(o / oo)
Figura 11.9. Média dos valores de δ18O de amostras de chuva coletadas em Manaus
em Belém entre 1969 a 1987.
Um terceiro efeito, conhecido com "efeito de quantidade" ("amount effect")
diz que as chuvas mais intensas apresentam valores menores de δ18O e δD, ou seja
ocorre um efeito inverso em relação ao volume de água precipitada. A variação
sazonal dos valores de δ18O da precipitação em Manaus é um bom exemplo desse
efeito. Nos meses mais secos, os valores tornam-se mais elevados, enquanto nos
meses mais úmidos há um decréscimo acentuado nos valores isotópicos (Fig.
11.10).
As principais causas para o efeito de quantidade seriam:
1) Com uma maior quantidade de água sendo condensada, haveria um
resfriamento mais elevado, aumentando o valor do fracionamento isotópico
entre a chuva e o vapor que lhe deu origem;
2) Na época seca há uma maior intensidade de troca isotópica com o ar
atmosférico, enriquecendo isotopicamente as partículas de chuva;
3) Na época seca, as gotas de chuvas podem ser evaporadas no seu percurso
até o chão. Esse fato causa também um enriquecimento das gotas de chuva.
176
-8
-7
-6
-5
-4
-3
-2
-1Ju
nJu
lAgo Set Out Nov
DecJa
nFev Mar Abr Mai
δ18O
(o / oo)
0
50
100
150
200
250
300
350
P (m
m)
Precip. δ18Ο
Figura 11.10. Valores médios mensais de δ18O de precipitação de amostras
coletadas na cidade de Manaus entre 1972 a 1986. Adaptado por Victoria et al.
(1991).
Um outro efeito seria o chamado "efeito de altitude". Os valores de δ18O e δD
tornam-se mais leves com o aumento da altitude, devido a uma redução na
temperatura em relação à altitude.
Esse efeito pode ser demonstrado se utilizarmos a composição isotópica de
água de rios em vez de àgua de chuva. Utilizando-se os dados publicados por Salati
et al. (1980) sobre a composição isotópica de rios da bacia Amazônica, nota-se
claramente que os rios andinos são empobrecidos em O-18 quando comparados
com os rios pertencentes às terras baixas da Amazônia (Fig. 11.11).
177
-18
-16
-14
-12
-10
-8
-6
-4
-2
4555657585
Longitude (oW)
δ18O
(o / oo)
Figura 11. 11. Variação longitudinal de valores de δ18O de amostras de água de rios
da região Amazônica. Adaptado por Salati et al. (1980).
11.4. Hidrologia isotópica na Amazônia: alguns exemplos
O atual laboratório de Isótopos Estáveis do CENA, antigamente
denominado de laboratório de Hidrologia Isotópica, teve uma atuação destacada no
estudo do ciclo da água na bacia Amazônica. Dessa atuação foram publicados uma
série de artigos, culminando com o seminal artigo publicado por Salati et al.(1979).
Nesse artigo foi elegantemente demonstrado que a floresta amazônica seria
responsável por, pelo menos, metade da precipitação gerada na região, sendo a
outra metade de origem oceânica. Esse artigo demonstrou claramente a importância
da reciclagem da água na Amazônia. As árvores funcionariam como reatores, os
quais retirariam água do solo e a retornariam para a atmosfera. Logo, esse artigo
foi um catalisador para futuros exercícios de modelagem sobre os efeitos da retirada
da vegetação sobre o clima da região Amazônica.
As previsões de Salati et aI. (1979) foram confirmadas em um estudo
posterior publicado em 1991 por Victoria et al. (1991). Esse último estudo de
baseando em uma série mais longa de dados, confirmou a importância da
178
evaporação d'água na região. Primeiramente, através de dois diagramas δ18O vs
δ13D, um contendo os dados de chuva coletados na época seca e outro contendo
dados coletados durante a época de chuva (Fig. 11.12). A equação de reta
resultante do período de seca teve um valor d de intersecção com o eixo Y
aproximadamente igual a 13‰ , enquanto o mesmo valor obtido durante o período
chuvoso foi aproximadamente igual a 10‰. O valor d>10‰ obtido no período seco
indica que durante esse período os processos de evaporação são de magnitude tal
que elevam significativamente este valor.
(A)
y = 8.2x + 13.4R2 = 0.91
-100
-80
-60
-40
-20
0
20
40
-14 -12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2
δ18O (o/oo)
D (o /oo
)
(B)
y = 7.9x + 10.2R2 = 0.97 -100
-80
-60
-40
-20
0
20
-14 -12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2
δ18O (o/oo)
D (o / oo
)
(A)
y = 8.2x + 13.4R2 = 0.91
-100
-80
-60
-40
-20
0
20
40
-14 -12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2
δ18O (o/oo)
D (o /oo
)
(B)
y = 7.9x + 10.2R2 = 0.97 -100
-80
-60
-40
-20
0
20
-14 -12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2
δ18O (o/oo)
D (o / oo
)
Figura 11.12. Relação δ18O x δD de amostras de chuva coletadas na cidade de
Manaus. (A) período seco, junho a novembro de 1972 a 1986. (B) período chuvoso,
dezembro a maio de 1972 a 1986. Adaptado por Victoria et al. (1991).
179
O efeito da sazonalidade na evaporação da água das chuvas e conseqüente
sazonalidade dos valores d pode ser observada na Figura 11.13 Nos meses mais
secos, o valor d adquire valores acima de 10‰, em torno de 13‰ a 15‰. Entre
novembro e março esses valores decrescem e variam de 8‰ a 10‰. A partir de
abril se elevam novamente para algo em torno de 11‰ a 12‰.
8
9
10
11
12
13
14
15
Jun Ju
lAgo Set Out Nov Dec
Jan
Fev Mar Abr Mai
valo
r "d"
(o / oo
)
0
50
100
150
200
250
300
350
P (m
m)
Precip. "d"
Figura 11.13. Valores médios mensais de excesso de deutério (d) e da precipitação
de amostras coletadas na cidade de Manaus entre 1972 e 1986. Adaptado por
Victoria et al. (1991).
Para que haja evaporação, obviamente, deve haver uma fonte de água a ser
evaporada. As planícies de inundação da Amazônia no período de cheia podem
atingir uma área inundada equivalente ao Estado de São Paulo, ou seja, cerca de
250.000 km2. Nessas planícies existem centenas de lagos de várzea que mesmo na
seca formam um imenso espelho d'água. Devido à importância desses lagos como
fontes de água evaporada, acompanhamos as variações isotópicas sazonais desses
lagos (Martinelli et al., 1986). De particular interesse é o lago Grande, situado
próximo à cidade de Santarém, onde tivemos a oportunidade de acompanhar a
composição isotópica desse lago durante todo um ano hidrológico (Fig. 11.14).
180
-8
-7
-6
-5
-4
-3
-2
-1
0
1
20/8
/200
1
20/1
0/20
01
20/1
2/20
01
20/2
/200
2
20/4
/200
2
20/6
/200
2
20/8
/200
2
20/1
0/20
02
20/1
2/20
02
20/2
/200
3
20/4
/200
3
20/6
/200
3
δ18O
(o / oo)
100
200
300
400
500
600
700
800
Niv
el d
o rio
Am
azon
as (c
m)
L.Salé -S.Nicolau Ig. Fazenda Óbidos nível do rio Amazonas
Figura 11.14. Variação sazonal dos valores de δ18O - lago do Salé, na localidade de
São Nicolau; no igarapé da Fazenda e no rio Amazonas amostrado próximo à cidade
de Óbidos, no Estado do Pará. A linha negra contínua representa a variação no nível
d’água do rio Amazonas na localidade de Óbidos.
Nota-se claramente um aumento acentuado dos valores de δ18O durante a
época seca, sugerindo claramente a ocorrência de um processo intenso de
evaporação (Fig.11.14). Essa possibilidade é confirmada pelo diagrama δ18O vs δD,
no qual uma clara linha de evaporação é formada durante o período de seca (Fig.
11.15).
181
-60
-50
-40
-30
-20
-10
0
10
20
-8 -6 -4 -2 0 2
δ18O (o/oo)
δD (o / o
o)
RMM Cheia 2001 Seca 2001 Cheia 2002
Fig. 11.15. Relação entre δ18O vs δD em amostras de água coletadas no lago Salé,
na localidade de São Nicolau, próximo à cidade de Santarém, em três períodos
distintos: cheias de 2001 e 2002 e no período de seca de 2002. RMM é a abreviação
para reta meteórica mundial.
Sugestões para leitura Gat J.R. & Matsui E. Atmospheric water balance in the Amazon Basin: an isotopic
evapotranspiration model. Journal of Geophysical Research 96: 13179-13188,
1991.
International Energy Atomic Agency. Atmospheric Waters. In Stable Isotope
Hydrology. Technical Reports Series, n° 210, p. 103-142, 1981.
Martinelli, L.A.; Victoria, R.L.; L.S.L. Sternberg, A. Ribeiro, M.Z. Moreira.Using stable
isotopes to determine sources of evaporated water to the atmosphere in the Amazon
Basin. Journal of Hydrology 183 (3-4): 191-204, 1996.
Martinelli L.A; Gat J.R; Camargo P.B; Lara L.L; Ometto J.P.H.B. The Piracicaba
River basin: Isotope hydrology of a tropical river basin under anthropogenic stress.
182
Isotopes in Environmental and Health Studies 40 (1): 45-56, 2004. isotope study.
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