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Capítulo 1 - Bases para uso da metodologia isotópica 1.1. Isótopos estáveis - definição Antes de começarmos o estudo sobre a aplicação dos isótopos estáveis do carbono, nitrogênio, oxigênio e deutério em ecologia e em outras áreas correlatas é preciso uma breve revisão sobre alguns tópicos importantes. Por exemplo, como se definem os isótopos? Isótopos são espécies atômicas de um mesmo elemento químico que possuem massas diferentes pelo fato do número de nêutrons em seus núcleos ser distinto, ou seja, possuem o mesmo número de prótons (conhecido como número atômico, Z), mas diferentes número de nêutrons (N) no núcleo atômico. Uma vez que a massa atômica (A) é dada pela soma do número de prótons mais o número de nêutrons, isótopos de um mesmo elemento terão diferentes valores de A. Os isótopos estáveis são assim chamados por não alterarem sua massa ao longo de sua existência, ao contrário dos chamados instáveis ou radioativos que, por sua vez, decaem (mudam suas massas) por emissão de energia ou partículas subatômicas. Abaixo, exemplifica-se a distribuição do número de prótons e nêutrons para o carbono e nitrogênio, que possuem particular interesse em estudos ligados a processos ambientais: carbono: 12 C = 6 prótons e 6 nêutrons 13 C = 6 prótons e 7 nêutrons nitrogênio 14 N = 7 prótons e 7 nêutrons 15 N = 7 prótons e 8 nêutrons Normalmente os isótopos mais "leves", ou seja, com menor massa atômica, são mais abundantes, enquanto que os isótopos que possuem massa atômica maior são mais raros, estando presente em uma quantidade muito menor, quando comparada ao isótopo mais leve. Além do carbono e nitrogênio, outros isótopos são importantes em estudos ambientais, tais quais o oxigênio, o hidrogênio e o enxofre (Tabela 1). 1

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Capítulo 1 - Bases para uso da metodologia isotópica 1.1. Isótopos estáveis - definição

Antes de começarmos o estudo sobre a aplicação dos isótopos estáveis do

carbono, nitrogênio, oxigênio e deutério em ecologia e em outras áreas correlatas é

preciso uma breve revisão sobre alguns tópicos importantes. Por exemplo, como se

definem os isótopos?

Isótopos são espécies atômicas de um mesmo elemento químico que possuem

massas diferentes pelo fato do número de nêutrons em seus núcleos ser distinto, ou

seja, possuem o mesmo número de prótons (conhecido como número atômico, Z), mas

diferentes número de nêutrons (N) no núcleo atômico. Uma vez que a massa atômica

(A) é dada pela soma do número de prótons mais o número de nêutrons, isótopos de

um mesmo elemento terão diferentes valores de A.

Os isótopos estáveis são assim chamados por não alterarem sua massa ao

longo de sua existência, ao contrário dos chamados instáveis ou radioativos que, por

sua vez, decaem (mudam suas massas) por emissão de energia ou partículas

subatômicas.

Abaixo, exemplifica-se a distribuição do número de prótons e nêutrons para o

carbono e nitrogênio, que possuem particular interesse em estudos ligados a processos

ambientais:

carbono: 12C = 6 prótons e 6 nêutrons

13C = 6 prótons e 7 nêutrons

nitrogênio 14N = 7 prótons e 7 nêutrons

15N = 7 prótons e 8 nêutrons

Normalmente os isótopos mais "leves", ou seja, com menor massa atômica, são

mais abundantes, enquanto que os isótopos que possuem massa atômica maior são

mais raros, estando presente em uma quantidade muito menor, quando comparada ao

isótopo mais leve. Além do carbono e nitrogênio, outros isótopos são importantes em

estudos ambientais, tais quais o oxigênio, o hidrogênio e o enxofre (Tabela 1).

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Tabela 1.1. Alguns elementos e seus isótopos estáveis com suas respectivas abundâncias

médias (em átomos %).

Elemento Isótopos Abundância média

carbono

12C 98.89 13C 1.11

Nitrogênio

14N 99.34 15N 0.37

Oxigênio

16O 99.76 17O 0.037 18O 0.199

Hidrogênio

1H 98.98 D 0.02

Oxigênio

16O 99.76 17O 0.037 18O 0.199

Enxofre

32S 95.02 34S 4.21

1.2. Breve histórico Como o próprio título deste ítem mostra, apresentaremos a seguir um breve

histórico sobre a espectrometria de massas, que são definidos como equipamentos que

"....ionizam moléculas gasosas e separam os íons em um espectro de acordo com a

razão massa/carga (m/z), usando campos magnéticos e elétricos..." (Barrier & Prosser,

1996. Esse despretensioso histórico se faz necessário pelo fato que sem o

desenvolvimento dessa técnica analítica, os isótopos não poderiam ser utilizados.

A espectrometria de massas é reconhecidamente um dos métodos analíticos

mais antigos. Em 1886, Goldstein descobriu os raios positivos utilizando um tubo de

descarga elétrica à baixa pressão. Na seqüência, em 1912, Thomson utilizando néon

obteve duas linhas parabólicas em uma chapa fotográfica, mostrando que raios

positivos eram "feixes de íons" e confirmando, desta forma, a estrutura isotópica da

matéria. Os feixes descritos por Thonson correspondiam ao 2ONe e 22Ne.

A comunidade científica passou a aceitar a existência dos isótopos no campo

dos elementos estáveis a partir de 1920, após F.W. Aston apresentar seu

espectrógrado de raios positivos, que usava campos elétricos e magnéticos para

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separar íons de diferentes massas e focá-los em relação a velocidade de cada íon. No

período entre 1927-1932, ocorreu a descoberta dos isótopos 32S, 33S, e 34S, seguidos

por outros tais quais: 13C, 18O, 17O, 15N e 2H. A cronologia da descoberta destes

isótopos reflete a abundância destes elementos na natureza, indo de 4,3% para o 34S a

0,15% para o 2H.

Com o aprimoramento do espectrômetro de massas na década de 30 por

Alfred Neir e colaboradores, os isótopos estáveis passaram a ser utilizados como

traçadores ambientais. Norman e Werkman (1943) foram pioneiros na utilização do 15N

no estudo de absorção de nitrogênio por soja. No final da década de 1940, o aumento

na precisão dos espectrômetros de massas permitiu ao grupo associado à Harold Urey,

da Universidade de Chicago, desenvolver uma série de pesquisas sobre a variabilidade

natural do hidrogênio (Irving Friedman), carbono (Harmon Craig), nitrogênio e oxigênio

(Sam Epstein). Em 1947, Urey explica e quantifica os efeitos da variação isotópica

(fracionamento) em abundâncias naturais em uma publicação que se tornou clássica

aos estudos isotópicos (*). Até 1950 o grupo da Universidade de Chicago tinha

aprimorado a precisão dos espectrômetros de massas em 10 vezes e até 1957 os

colaboradores no grupo de Urey tinha aumentado consideravelmente as possibilidades

de utilização dos isótopos estáveis em estudos naturais, assim como, estabelecido

procedimentos rigorosos de correções e padronização de dados. Em 1961, Harmon

Craig publica um artigo seminal onde são descritos os fatores de correções analíticas e

padronização dos resultados.

Nas décadas seguintes (60 e 70) viu-se um desenvolvimento considerável do

espectrômetro de massas de razão isotópica (IRMS - Isotope Ratio Mass Spectrometer)

e nos anos 80 a evolução dos equipamentos deu-se em direção à automação, com

análises em fluxo continuo de 13C, 15N, 18O e D, utilizando gás hélio como carreador e

aumentando consideravelmente a capacidade analítica. Atualmente amostras gasosas

(CO2, N2O, CH4), liquidas (H2O, bebidas, etc) ou sólidas (madeira, folhas, alimentos

entre outros) são analisados por fluxo continuo, seja com um cromatógrafo a gás, um

pré-concentrador, ou com um sistema de cromatografia líquida acoplados ao IRMS.

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Em 50 anos, portanto, pode-se salientar que houve uma melhora significativa na

precisão das análises e no sistema de preparo e admissão das amostras. Os

espectrômetros de massas modernos são compostos essencialmente por (Fig. 1.1):

Sistema de admissão de amostra e padrão, os quais são introduzidos na

forma gasosa;

Fonte de ionizado, onde os gases são ionizados pela retirada de

elétrons;

Analisador (campo magnético), onde os feixes de íons são separados e

focalizados de acordo com a relação carga/massa;

Sistema coletor ou detector, onde os feixes iônicos são coletados e

amplificados, resultando em pulsos elétricos que são registrados;

Sistema de bombas que mantém dentro do analisador um vácuo de

aproximadamente 10-8 torr e dentro do sistema de admissão de 10-3 torr;

Computador e software específico para aquisição dos dados e controle

do equipamento.

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Figura 1.1. Esquema geral de um espectrômetro de massas.

1.3. Conceitos importantes O uso de isótopos estáveis em estudos ambientais baseia-se no fato que a

composição isotópica varia de uma forma previsível conforme o elemento cicla na

natureza.

A composição isotópica (R) de um determinado elemento é expressa pela

relação entre o isótopo raro e o isótopo mais abundante, conforme se pode observar na

equação (1) abaixo. Geralmente a razão R é estabelecida pelo isótopo mais pesado

sobre o isótopo mais leve.

HHou

OOou

NNou

CCou

levepesado

abundanteraroR

2

16

18

14

15

12

13

== ..................................(1.1)

5

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Um fenômeno que altere a razão R determina, portanto, uma mudança na

quantidade de isótopos pesados e leves presentes em um determinado elemento (ou

composto). A adição de nêutrons não altera significativamente a reatividade química

dos isótopos, mas altera sua massa. Assim sendo, podemos dizer que os isótopos

mais pesados são "mais lentos".

Considerando uma reação substrato-produto, onde Rsubstrato e Rproduto são as

razões isotópicas do substrato e do produto, respectivamente. O fato dos isótopos leves

e pesados possuírem velocidades de reação levemente distintas, no final da reação o

valor de Rsubtrato tende a ser distinto do Rproduto.

Com isto podemos definir o Fator de Fracionamento (α) como sendo:

padrão

subsratro

RR

=α ...................................................................................(1.2)

Os valores α são geralmente muito próximos à unidade, portanto, por

conveniência, definiu-se o Fator de Enriquecimento Isotópico (ε) ou a Discriminação

isotópica (Δ), que pode ser representado por:

)1( −= αε ...........................................................................................(1.3)

A interpretação da composição isotópica absoluta de uma amostra não é trivial,

com isto se propôs representá-la por seu desvio com relação à razão R de um padrão.

Desta forma definiu-se a consagrada notação δ:

1−=padrão

amostra

RR

δ ........................................................................................(1.4)

Os padrões são variáveis para cada elemento. Na Tabela 2 apresenta-se a

razão R para o carbono, nitrogênio, oxigênio, e hidrogênio.

Tabela 1.2. Abundância isotópica dos padrões utilizados para os cálculos dos

valores de δ carbono, nitrogênio, oxigênio e deutério

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Padrão Elemento R

Pee dee Belamite (PDB) Carbon 0,0112372

Atmosfera Nitrogênio 0,0036765

V-SMOW Oxigênio 0,00200052

V-SMOW Deutério 0,00015576

Como exemplo, vamos assumir uma amostra de carbono com a seguinte

relação isotópica, Ramostra = 0.0109554. O valor δ desta amostra seria definido por:

0250774,010112372,00109554,01 −=−=−=

padrão

amostra

RR

δ ..............................(1.5)

O Fator de Fracionamento (α) e o Fator de Enriquecimento (ε) podem ser

redefinidos em termos da notação δ. A partir das equações (2) e (3), e isolando-se o

Ramostra na equação (1.4) tem-se:

)1( +⋅= δpadrãoamostra RR ................................................................(1.6)

Substituindo-se a equação (5) nas equações (2) e (3) teremos:

11

++

=produto

substrato

δδ

α .......................................................................................(1.7)

1+−

=produto

produtosubstrato

δδδ

ε ............................................................................(1.8)

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Tanto o valor R, como os valores de δ são numericamente pequenos (da ordem

de 10-2), com isto se convencionou multiplicar o valor de δ por 1000. Desta forma o

valor δ = -0.0250774 (do exemplo acima) passa a ser expresso como δ =

-25.08 ‰ (por mil).

Da mesma forma pode-se redefinir os fatores de fracionamento e de

enriquecimento na forma "por mil" (conforme equações 1.9 e 1.10).

10001000

++

=produto

substrato

δδ

α ..............................................................................(1.9)

1000)1( ⋅−= αε ...........................................................................(1.10)

Pode-se também representar o enriquecimento isotópico na forma δ obtendo-se

a seguinte expressão:

1000+

−=

produto

produtosubstrato

δδδ

ε .......................................................................(1.11)

Utilizando-se o exemplo a seguir aplicaremos as definições dos termos

descritos. Vamos assumir que o δ13CCO2 (substrato) é igual a -7.4‰ (ou -0.0074) e que

o valor δ13Cplantas (produto) a igual a -27.6‰ (ou -0.0276). Vamos calcular o Fator de

Fracionamento (α) e o Fator de Enriquecimento (ε) determinado quando o carbono é

transferido pelo processo da fotossíntese da atmosfera para a planta.

Neste exemplo o fator de Fracionamento (α) ficaria:

0201,110276,010074,0

112 =

+−+−

=++

planta

CO

δδα ..................................................(1.12)

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Para o Fator de Enriquecimento teremos:

0201,010276,01

2 =+−

=+

=planta

plantaCO

δ0276,00074,0 +−−δδ

ε .............................(1.13)

Neste caso o Fator de Enriquecimento pode também ser multiplicado por 1000

obtendo-se ε = 20.1‰.

Os denominadores (δplanta + 1) ou (δplanta + 1000) nas equações de Fator de

Enriquecimento pouco interferem no resultado, desta forma permite-se que, em

determinadas situações, o denominador possa ser desconsiderado. Nos exemplos

acima em vez de um fator de enriquecimento igual a 0.021 (21‰) teríamos um valor

igual a 0.0202 (20.2‰). A equação do Fator de Enriquecimento pode então ser

simplificada para:

plantaCOprodutosubstrato δδδδε −=−= 2 .....................................(1.14)

O Fator de Enriquecimento pode ser também chamado de Discriminação

isotópica, que é um termo mais comum em literatura das áreas como Ecologia,

Biologia e Agronomia.

Além da notação "δ", que normalmente denota a ocorrência natural de uma

espécie isotópica com relação ao padrão, duas outras formas de expressão das

medidas isotópicas são: "abundância" em unidades de átomos% e átomos% em

excesso (atom% excess ou APE).

A abundancia em átomos% é normalmente utilizada em experimentos com

utilização de traçadores, por exemplo a aplicacão de um fertilizante enriquecido em

nitrogênio-15 (15N). Esta determinação nos fornece o número de átomos do

determinado isótopo em 100 átomos do elemento, e pode ser descrito pela seguinte

equação:

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NNNNexcessatom 1514

1515 )(100%

+⋅

= ...........................................................(1.15)

Por outro lado o atom% excess mede a abundancia do isótopo acima de um

determinado nível de referência. Em alguns casos o nível de referência (background) é

determinado anteriormente a aplicação do traçador. O atom% do “background” é então

subtraído das amostras enriquecidas para determinar seu atom % excess. Um exemplo

de aplicação desta técnica é a utilização de nitrogênio enriquecido em 15N para estudos

de cadeias alimentares ou em fertilização de plantas.

1.3. Fracionamento Isotópico: efeito termodinâmico e cinético

O fracionamento isotópico pode ser definido como a variação na proporção

entre os isótopos estáveis em um determinado composto ao passar por um processo

físico-químico. Este fracionamento pode estar associado a um efeito termodinâmico ou

cinético.

O efeito termodinâmico refere-se ao fracionamento que ocorre em situações de

equilíbrio químico. Em termos ambientais, a troca de CO2 atmosférico e HCO3 nos

oceanos é um bom exemplo deste fracionamento. Quando ocorre o equilíbrio entre o

CO2 e o HCO3 na interface ar-água, o bicarbonato fica enriquecido em isótopo pesado

(13C) em cerca de 10.8 a 7.4‰. Equilíbrio este que varia em função da temperatura.

A relação entre o fracionamento isotópico e a temperatura pode ser descrita em

termos de fator de enriquecimento (ε) e fator de fracionamento (α), conforme as

equações (1.16) e (1.17) abaixo:

21 −− ⋅+⋅+= TcTbaε ........................................................(1.16)

211 −− ⋅+⋅+=− TcTbaα ......................................................(1.17)

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O efeito cinético esta geralmente ligado à reações biológicas e processos

físicos como o da difusão de um gás. O fluxo difusivo de um gás pode ser descrito pela

lei de Graham, e está associado as velocidades cinéticas das moléculas. Por outro lado,

a segunda lei de Fick define sistemas onde a transferência de massas é determinada

por diferenças no coeficiente de difusão, como por exemplo a disfusão do CO2 pelo

perfil do solo ou ao se difundir pela abertura estomática nas folhas. O processo de

fracionamento associado à atividade enzimática no processo fotossintético é outro

exemplo onde a diferença cinética das moléculas contendo 12C e 13C determina

alteração na composição isotópica entre a fonte, o CO2, e o produto, o carbohidrato

fixado.

É importante mencionar o fracionamento Rayleigh que ocorre quando uma

massa de ar é empobrecida no isótopo mais pesado por fracionamento em estado de

equilíbrio para uma fase continuamente removida. O exemplo mais clássico de

destilação, ou fracionamento, Rayleigh é a condensação de água no interior de uma

núvem (ver capítulo Hidrologia Isotópica para maiores detalhes). A equação que

descreve o fracionamento Rayleigh é a seguinte:

)1(0

α−= fRR .....................................................................................(1.18)

onde f define a fração restante no corpo parental.

1.4. Modelo de mistura de duas fontes (diluição isotópica) Quando duas fontes participam da composição de um produto qualquer, a

contribuição relativa de cada uma delas pode ser calculada pelo modelo de mistura, que

simplesmente é um balanço de massa combinado a um balanço isotópico. Assumindo-

se que as fontes A e B se unem para formar o produto P, a seqüência de equações que

regem este modelo é a seguinte:

A + B = 1...................................................................................................(1.19)

11

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Multiplicando-se cada membro pelos respectivos δ teremos:

pBA BA δδδ ⋅=⋅+⋅ 1)()( ............................................................(1.20)

Substituindo-se (1.16) por (1.17) teremos:

BA

BPAδδδδ

−−

= ....................................................................................(1.21)

O modelo acima requer que:

1) Somente duas fontes estejam presentes

2) Elas devem diferir isotopicamente o suficiente para que possam ser médias,

acima do erro inerente da análise. O erro da análise deve ser determinado em

laboratório e vai ser dependente do espectrômetro e periférico utilizados nas

análises.

Como exemplo, admitem-se duas fontes de matéria orgânica para um

determinado solo. A primeira fonte (A) com valor isotópico igual a -27‰ e a segunda

fonte (B) com valor isotópico igual a -12‰. O produto (P), ou seja, o solo teve um valor

isotópico igual a -21‰. Aplicando-se o modelo de mistura isotópica descrito tem-se que

a fonte A contribuiu com cerca de 60% e a fonte B contribuiu com os 40% restantes.

6.012271221

=+−+−

=A ............................................................................(1.22)

Como veremos no decorrer dos capítulos deste livro, esse simples modelo de

mistura é amplamente utilizado em várias disciplinas. Por exemplo, a contribuição

relativa de cevada e milho na elaboração de uma cerveja pode ser determinada por

esse modelo, como será visto no capítulo 10.

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Bibliografia recomendada

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Photosynthesis. Ann. Rev. Physiol. Plant Mol. Biol. 40: 503-537.

Fritz P, Fontes JCh. (1980) Introduction. In. Handbook of Environmental Isotope

Geochemistry. Fritz, P. and J.Ch Fontes (eds.). Amsterdam, Elsevier, 1980. p.1-17.

Hoefs, J (1987) Stable Isotope Geochemistry. Berlin, Springer-Verlag.

Martinelli LA, Victoria RL, Matsui E, Forsberg B, Mozeto AA (1988) Utilização das

Variações Naturais de δ13C no Estudo de Cadeias Alimentares em Ambientes

Aquáticos: Princípios e Perspectivas. Acta Limnol. Brasil. 2: 859-882.

Oliveira AC, Salimon CI, Calheiros DF, Fernandes FA, Vieira I, Charbel LF, Pires LF,

Salomão SMB, Nogueira SF, Vieira S, Moreira MZ, Martinelli LA, Camargo PB

(2002) Isótopos estáveis e produção de bebidas: de onde vem o carbono que

consumimos? Boletim da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de

Alimentos. 22(3): 285-288.

Peterson BJ, Fry B (1987) Stable Isotopes in Ecosystem Studies. Ann. Rev. Ecol.Syst.

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Capítulo 2 - Ciclos biogeoquímicos

Os ciclos biogeoquímicos dizem respeito à transferência de elementos químicos

do universo abiótico ao universo biótico e vice-versa. Ou seja, os elementos minerais

transferidos, e que passam a compor os tecidos de plantas e animais, retornam ao meio

ambiente após a sua morte e decomposição. Considerando-se os macro-elementos ou

moléculas, os principais ciclos biogeoquímicos são: do carbono, da água (H2O), do

nitrogênio e do fósforo. Neste capítulo descreve-se os ciclos do carbono e nitrogênio, e

as variações isotópicas associadas às diversas formas destes elementos dentro da

biosfera.

2.1. O Ciclo Global do Carbono 2.1.1. Introdução

O elemento carbono e, provavelmente, o principal elemento da Terra. As razões

que levam a essa afirmação são: (1) o carbono compõe de 40 a 50% da matéria

orgânica viva; (2) os ciclos de outros elementos importantes como nitrogênio e oxigênio

são altamente influenciados pelo ciclo do carbono e (3) A humanidade, pela primeira

vez na História deste planeta está interferindo significativamente em escala global no

ciclo biogeoquímico do carbono.

2.1.2. Os Reservatórios e Fluxos de Carbono O carbono na natureza está presente na forma elementar como carbono

amorfo, grafite e diamante. Por outro lado, átomos de carbono na forma não elementar

podem assumir estados de oxi-redução variando de +4 to -4. Os grandes reservatórios

de carbono apresentam este elemento mais comumente como dióxido de carbono

(CO2), com estado de oxidação de +4 (C+4O2-4) e como carbonatos. Neste último caso

dois reservatórios contém a maior parte do carbono: a litosfera, onde o carbono se

encontra principalmente na forma de carbonatos de cálcio [CaCO3(s)O], magnésio

[Mg(CO3)2] e férrico [FeCO3), e nos oceanos nas formas dissolvidas de H2CO3(aq),

HCO3 e CO3-2.

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O carbono no estado reduzido é "criado'' pela fotossíntese (CH2O). A forma

mais reduzida de carbono é o metano (CH4) produzido durante a respiração anaeróbia,

e tem estado de oxidação -4. Portanto, o ciclo do carbono entre os diferentes

compartimentos da Terra é uma seqüência de reações de oxi-redução.

2.1.3. Atmosfera A molécula contendo carbono mais abundante na atmosfera é o dióxido de

carbono (CO2), seguindo-se em menores concentrações o metano (CH4), o monóxido

de carbono (CO), compostos orgânicos voláteis (VOC) entre outros. Em 1954 Keeling e

colegas começaram a medir a concentração de CO2 na atmosfera próximo ao vulcão

Mauna Loa e no Pólo Sul. O fato mais marcante dessa serie histórica é velocidade no

aumento na concentração de CO2 atmosférico nestes 50 anos corroborando com dados

que indicam o aumento de cerca de 100 ppmv desde o inicio da revolução industrial em

meados do século XIX, atingindo valores atuais em torno de 375 ppmv. O aumento

monitorado pela série de dados de Mauna Loa pode ser visualizado na Figura 2.1. As

duas principais causas para o aumento acentuado observado nas últimas décadas são:

(1) a queima de combustíveis fósseis e (2) a queima de biomassa, principalmente nas

regiões tropicais da Terra. Deve ser ressaltado que a emissão de combustíveis fósseis

ocorre principalmente nos países mais desenvolvidos, como esses países estão

localizados no Hemisfério Norte a concentração de CO2 atmosférico é maior nesse

hemisfério. Sabemos também que a emissão de combustíveis fósseis é muito maior

que as emissões causadas por mudanças no uso da terra. Estes dados denotam a

importância dos países desenvolvidos, como maiores consumidores de combustíveis

fósseis, as alterações na composição da atmosférica terrestre e conseqüentemente na

"saúde climática" do planeta. Concentrações elevadas de CO2 foram uma constante na

história climática deste planeta. No entanto, não há registros de alterações na

concentração de CO2 atmosférico com a velocidade e intensidade observada na história

recente do planeta.

A principal conseqüência da mudança na concentração de CO2 na atmosfera é

o aumento do chamado "efeito estufa", que é a propriedade da atmosfera terrestre reter

energia na forma de ondas longas emitidas pela superfície da Terra. Em síntese, a

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superfície da Terra é aquecida pela incidência de raios solares como ondas curtas que

incidindo na superfície terrestre a aquece. O comprimento de ondas da energia emitida

por um corpo é proporcional a sua temperatura, com isto a superfície terrestre emite

energia a atmosfera na forma de ondas longas. Essa energia pode ser refletidas ou re-

emitidas para superfície do planeta por vapor d'água, nuvens, aerossóis e gases como

CO2, CH4 e N2O. Portanto, um aumento na concentração de CO2 atmosférico pode,

potencialmente, tornar a terra mais quente.

Anos

CO

2-at

mos

féric

o (p

pmv)

Anos

CO

2-at

mos

féric

o (p

pmv)

Figura 2.1. Aumento da concentração de CO2 atmosférico entre 1958 a 2004.

Adapatado de C.D. Keeling,T.P. Whorf, e o Carbon Dioxide Research Group. Scripps

Institution of Oceanography (SIO), University of California, La Jolla, California USA

92093-0444

Arrhenius estimou que um aumento de 50% na concentração de CO2 da

atmosférica causaria um aumento de 3 a 4°C na temperatura da superfície terrestre.

Recentemente, utilizando-se modelos matemáticos vários autores estimaram que se a

concentração de CO2 fosse dobrada o aumento na temperatura seria de 2.5 a 3.5°C.

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Por outro lado estimativas sobre o aquecimento real da temperatura do ar apontam para

um crescimento de apenas 0.5°C na temperatura do ar. Alguns fatores podem ser

apontados como causadores dessa discrepância: (1) aumento na concentração de

sulfato na atmosfera devido emissões industriais; (2) oscilação natural do planeta que

recentemente tem favorecido o esfriamento da Terra e (3) destruição da camada de

ozônio.

Em conseqüência do aumento de temperatura, são previstas alterações no ciclo

da água, com mudanças nos regimes de precipitação global e aumento da evaporacão.

Portanto, haveria uma provável intensificação do ciclo hidrológico.

O estoque e aporte de carbono à atmosfera pode ser resumido da seguinte

forma:

Estoque:

Carbono estocado na atmosfera = 760 Pg ou x 1015g

Fluxos de carbono:

Queima de biomassa = 1,8 a 4,7 Pg de C/ano

Queima de combustível fóssil = 6,0 Pg de C/ano

2.1.4. Biosfera Terrestre A transferência de carbono entre atmosfera e biosfera terrestre ocorre

essencialmente através de dois processos: fotossíntese e respiração. Esses processos

podem ser descritos de uma maneira resumida pela equação abaixo:

CO2 + H2O ⇔ (CH2O)n + O2

No processo de fotossíntese, CO2 da atmosfera é reduzido por organismos

autotróficos em diferentes moléculas orgânicas. O carbono assimilado pela fotossíntese

e liberado como CO2 no (i) processo de respiração e (ii) decomposição. O carbono

assimilado pela fotossíntese pode também ser estocado por longos períodos, em

formas refratárias (como carvão por exemplo), no solos e sedimentos em corpos

d'água.

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Considerando um ecossistema específico algumas definições importantes

consideram o balanço entre fotossíntese e respiração, o que em síntese podem indicar

o balanço produtivo do sistema. Os conceitos a seguir são mais comumente utilizados

para ambientes terrestres. O conceito de Produtividade Primaria Global (GPP) indica a

fotossíntese total do ecossistema e Produtividade Primaria Liquida (NPP) é determinado

subtraindo a taxa de assimilação de carbono pelo processo fotossintético da taxa de

respiração dos organismos fotossintetizadores (em nosso exemplo terrestre,

essencialmente as plantas). A Produtividade Liquida do Ecossistema é determinada

subtraindo a NPP da respiração heterotrófica (decompositores). Geralmente, à medida

que o sistema se torna mais velho, observa-se que sua NEP vai diminuindo, tendendo a

zero. Esse é o caso dos ecossistemas considerados em clímax.

A Tabela 1 mostra dados de produção de alguns dos principais ecossistemas

terrestres. As florestas contem 90% de todo o carbono na mataria orgânica viva do

sistema terrestre. Mais importante ainda, observa-se que a maior quantidade de

carbono estocado em florestas encontra-se no Brasil.

Tabela 1. Área, NPP e NPP multiplicado por área (Total NPP) em algum dos principais

ecossistemas da biosfera (Whittaker & Likens, 1973).

Ecossistema Área

(milhões de Km2)

NPP

(gC.M-2 . ano-1)

Total NPP

(109 tC . ano-1)

Total Carbon

(109 tC)

Rocha, gelo e areia 24.0 1.5 0.04 0.20

Desertos 18.0 32.0 0.60 5.40

Floresta tropical 17.0 900.0 15.30 340.0

Savana 15.0 315.0 4.30 27.0

Terras cultivadas 14.0 290.0 4.10 7.0

Florestas boreais 12.0 360.0 4.3 108.0

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Alguns pontos da Tabela 1 devem ser salientados: (1) grande área coberta por

rochas, gelo e areia, contrapondo com reduzida quantidade de carbono estocado; (2)

maior quantidade de carbono estocado em florestas tropicais, quase 3 vezes o valor

encontrado em florestas boreais, segundo lugar em estoque; (3) a ação do Homem,

através de terras cultivadas, já estocou uma quantidade considerável de carbono.

Em um ecossistema terrestre o carbono assimilado pelo processo de

fotossíntese, ou retorna à atmosfera convertido novamente a CO2 ou é incorporado aos

tecidos vegetais que eventualmente serão depositados no solo. A Tabela 2 resume para

os mesmos ecossistemas mostrados na Tabela 1 a quantidade de carbono estocada na

serapilheira e nos solos.

Tabela 2. Área ocupada por alguns dos principais biomas terrestres e quantidade de

carbono estocada no solo e na serapilheira nesses biomas.

Ecossistema Área

(milhões de Km2)

C - solo

(109 tC)

C - serapilheira

(109 tC)

Rocha, gelo e areia 24.0 3.0 0.02

Desertos 18.0 101.0 0.20

Floresta tropical 17.0 255.0 3.60

Savana 15.0 56.0 1.50

Terras cultivadas 14.0 178.0 0.70

Florestas boreais 12.0 179.0 24

Pontos importantes a serem destacados da Tabela 2: (1) maior quantidade de

carbono estocado nos solos encontrados em florestas tropicais, (2) maior quantidade de

carbono na serapilheira em florestas boreais. Neste caso menores temperaturas levam

a decomposição menos intensa, estocando mais carbono na serapilheira.

O estoque e aporte de carbono aos ecossistemas terrestres podem ser

quantificados da seguinte forma:

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Estoques

Carbono estocado em plantas terrestres = 756, 490, 502 Pg de C

Carbono estocado no solo + serapilheira = 1636-2070; 1395; 1511; 1576 Pg de C

Somente serapilheira = 50; 60 Pg de C

Fluxos

Fotossíntese (GPP) = 90-130 PgC/ano

Respiração de plantas = 40-60 PgC/ano

Respiração de raízes e micorrizas = 38-56 PgC/ano

NPP = 38-56, 45, 52, 60, 48, 60 Pg C/ano

Decomposição da serapilheira e matéria orgânica do solo = 50

2.1.5. Hidrosfera

As principais formas de carbono nos sistemas aquáticos são:

DIC – carbono inorgânico dissolvido

DOC – carbono orgânico dissolvido

POC – carbono orgânico particulado

BOC – carbono orgânico na biota

O principal reservatório dessas formas de carbono são os oceanos. Nesse

reservatório as trocas acontecem rapidamente, podendo o oceano "adaptar-se"

rapidamente às mudanças na concentração de CO2 na atmosfera. Por exemplo, o

tempo de residência do CO2 na superfície do oceano é em média de 6 anos. Por outro

lado, o tempo médio de residência em águas profundas é muito maior, cerca de 275

anos no Atlântico e 510 anos no Pacífico.

O menor reservatório no oceano é a biota, no entanto tem um papel

fundamental na distribuição de vários elementos no mar. A principal entrada de carbono

na biota dos oceanos é através da fotossíntese (produção primaria). Outra forma

importante de aporte de carbono aos oceanos é o transporte de carbono orgânico pelos

rios. No entanto é assumido que a quantidade de carbono orgânico que atinge o

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oceano por essa via é balanceado pelo fluxo de CO2 que sai do oceano vindo da

decomposição do material vivo, subtraindo uma parcela do carbono orgânico que fica

depositado no sedimento. Em forma de equação teríamos:

entoseãodecomposiçrio FluxoCFluxoCFluxoC dim+= ...................................(2.1)

O ciclo geoquímico parece ainda não ter sido perturbado pela interferência

humana. Nesse ciclo, a água de chuva, que naturalmente carrega CO2 dissolvido, ao

entrar no solo se enriquece ainda mais em CO2, essencialmente de origem biogênica, e

reage com carbonatos através da seguinte equação (em forma simplificada, "M"

representa ou CáIcio ou Magnésio):

CO2+ H2O + MCO3 ⇔ M2+ + 2HCO3-..................................................................(2.2)

Os rios carream aos oceanos os cátions (Ca+2 ou Mg+2) e HCO3+2. Nos oceanos

organismos como moluscos e crustáceos sintetizam carbonatos liberando CO2+H2O em

uma reação inversa a descrita acima para os solos. Portanto, a equação descreve dois

processos, o de intemperismo da rocha com liberação de cátions e a formação de

estruturas de sustentacão, como o exemplo dos exoesqueletos (carapaças de animais

marinhos). Com a morte dos organismos o exoesqueleto é depositado no fundo dos

mares imobilizando o carbono por um longo período.

Processo semelhante ocorre com os silicatos. CO2 e água reagem com um

mineral silicatado liberando um cátion (M) mais SiO2 e HCO3. Esquematicamente

teremos:

CO2 + H2O + MSiO3 ⇔ SiO2 + M2+ + 2HCO3

-.......................................................(2.3)

Da mesma forma, ao chegar no oceano ocorre a incorporação do silicato em

estruturas de sustentação e proteção (carapaças). Com a morte desses animais, o

silicato é depositado no fundo dos oceanos. O SiO2 pode também ser seqüestrado por

algas pois é um componente importante na formação da parede celular. No sedimento

os óxidos de silício (SiO2) reagem com o carbonato sedimentado liberando CO2

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(equação 2.3, da direita para a esquerda). Portanto, assumindo-se uma condição de

equilíbrio físicoquímico:

2)dim(3)(3 FluxoCOFluxoMCOFluxoHCO entoserio += −−.................................(2.4)

Com relação a atmosfera, o mecanismo mais importante de troca de CO2 com

os oceanos é o fluxo desses gás através da interface água ar. Este fluxo é regido pela

seguinte equação:

)( )(2)(2 oceanoatmosfera pCOpCOkF −= .................................................(2.5)

O aumento na concentração de CO2 na atmosfera pode determinar o

incremento nos fluxos da atmosfera para os oceanos, no entanto a superfície dos

oceanos tem um volume limitado (5%) quando comparado com seu volume total. A

relação superfície/profundidade nos oceanos é relativamente pequena, fazendo com

que grande parte das águas dos oceanos não tenha contato imediato com a atmosfera.

Esse é uma das causas da não absorção total do excedente de carbono que vem

sendo emitido pela queima de combustíveis fósseis e biomassa, determinando um

aumento considerável nas concentrações atmosféricas de CO2.

Nos oceanos o CO2 da superfície é levado para o fundo pelo fenômeno de

downwelling. O oceano é aquecido pela radiação solar nas camadas superficiais (75 a

200m, com temperatura média de 18°C). Como a água quente é menos densa, não há

mistura com a água fria do fundo (com temperaturas médias em torno de 3°C). O

sistema de circulação de água dos oceanos, leva, então, água quente dos trópicos para

os pólos e traz água fria dos pólos para os trópicos, transferindo assim calor dos

trópicos para os pólos. A perda de calor da água quando ela chega nos pólos, faz com

que essa parcela de água afunde (downwelling), levando água da superfície para o

fundo do oceano. Essa circulação nos pólos cria uma corrente no fundo do oceano dos

pólos para a região equatorial, ressurgindo na superfície dessas regiões (upwelling).

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O CO2 ao entrar no oceano pela interface água-ar se dissolve na água

formando ácido carbônico (H2CO3). Conforme as condições de temperatura e pH do

meio, o ácido carbônico pode se dissociar, passando a bicarbonato (HCO3) e carbonato

(CO3) e liberando H+.

CO2(ar) ⇔ CO2(dis) + H2O ⇔ H2CO3 ⇔ H+ + HCO3 ⇔ H+ + CO3

2-......................(2.7)

Para que o equilíbrio químico se mantenha, equação (2.7) se desloca para a

esquerda ou direita. Por exemplo, caso haja adição de prótons (H+) a reação se

deslocará para a esquerda, consumindo assim esse próton e evitando que o pH do

meio mude. Esse é o denominado sistema tampão das águas.

Estoques

DIC = 37900 Pg C

DOC = 1000 Pg C

POC = 30 Pg C

BOC = 3 Pg C

Fluxos

Seqüestro pelo oceano = 92 Pg de C/ano

Liberação pelo oceano = 90.6 Pg de C/ano

2.1.6. Litosfera

Ainda que na litosfera seja o maior reservatório de carbono do planeta, o fluxo

entre esse grande reservatório e os outros é reduzido, determinando um longo tempo

de residência para o carbono nesse compartimento. Recentemente os fluxos da

litosfera e outros compartimentos têm sido catalisados pela ação do homem, pela

queima de combustíveis fósseis, ou carvão mineral. Cerca de 75% do carbono presente

na litosfera encontra-se na forma de carbonatos, sendo as formas predominantes a

calcita e a aragonita.

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Estoque

Carbono na crosta terrestre 75.000.000 Pg de C

Fluxos

Intemperimso de rochas = 0.24-0.26 Pg C/ano

2.1.7. O Balanço Contemporâneo do Carbono

Uma das equações mais recentes para o balanço contemporâneo de carbono

proposto por House et al. (2003) sugere os seguintes números (os valores sac em Pg

C/ano):

Fontes de CO2

1. Emissão combustíveis fósseis = + 6.3 ± 0.4

2. Desmatamento = + 1.4 ± 3.0

3. Total de emissões antropogênicas (1+2) = 7.7 ± 3.4

Sumidouros de CO2

4. Aumento na atmosfera = - 3.2±0.1

5. Seqüestro pelos oceanos = - 2.0±0.8

6. Fluxo Atmosfere-Biosfera terrestre = -1.0 ± 0.8

Como a soma das fontes é maior que a soma dos sumidouros, é suposto que os

sistemas terrestres do planeta estejam absorvendo anualmente de 1.6 a 4.8 Pg C.

2.2. O Ciclo Global do Nitrogênio 2.2.1 Introdução

O nitrogênio, juntamente com o fósforo, são os maiores limitantes da produção

primária tanto aquática quanto terrestre em nosso planeta. A ribulose bi-fosfato

carboxilase/oxigenase é a enzima que catalisa a reação de fixação do CO2 na

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fotossíntese e sua abundancia chega a 40% de toda proteína solúvel no interior das

folhas da maioria das plantas. Ou seja, a intensidade com que CO2 será reduzido pela

fotossíntese, passando para uma forma orgânica, depende muito da abundância do

nitrogênio. Portanto, a compressão do funcionamento de um ecossistema está

intimamente ligada ao conhecimento do ciclo desse nutriente.

O nitrogênio, assim como o carbono, assume diferentes estados oxidativos,

podendo passar de –3 ate +5. Descrevem-se a seguir os principais compostos

nitrogenados e as reações químicas que medeiam o ciclo desse elemento.

2.2.2 Compostos de N e principais reações químicas Listam-se a seguir os principais compostos nitrogenados e a contribuição do

Homem em sua ocorrência.

HNO3 (acido nítrico) - é um ácido forte, sendo que somente nos EUA cerca de 0.007

Pg desse ácido é sintetizado por ano. A maioria desse acido é utilizado na produção de

fertilizantes e explosivos. HNO3 também é produzido naturalmente na troposfera pela

oxidação do nitrogênio.

NO2 (nitrito) - gás a temperatura ambiente, produzido industrialmente como um produto

intermediário.

NO3 (nitrato) - gás à temperatura ambiente, produzido industrialmente como um produto

intermediário.

NO (óxido nítrico) - gás à temperatura ambiente, produzido industrialmente.

N2O (óxido nitroso) - gás à temperatura ambiente, é utilizado como anestésico. A

concentração desse gás vem subindo, e como o CO2 ele contribui para o aumento do

efeito estufa.

N2 - Também é um gás à temperatura ambiente. Constitui 78% da composição da

atmosfera e é uma molécula relativamente pouco reativa.

NH3 (amônia) - gás à temperatura ambiente. È uma base forte, solúvel em água. Cada

ano cerca de 0.012 Pg de amônia é produzida através do processo de Haber-Bosch,

principalmente para a produção de acido nítrico. Pode ser utilizado como fertilizante

pela injeção direta de gás em um liquido ou transformado em sal de amônio.

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NH4 (amônio) - alguns sais de amônio são fabricados: NH4NO3 (0.006 Pg) e NH4SO4

(n.002 Pg) e são utilizados principalmente como fertilizantes.

As mais importantes transformações biológicas do nitrogênio são as seguintes:

Fixação do nitrogênio – é qualquer processo que leve o N2 atmosférico a ser

transformado em qualquer composto nitrogenado. Fixação biológica do

nitrogênio é a passagem de N2 para NH3, NH4 ou outro composto nitrogenado.

Assimilação da amônia ou amônio – é o processo pelo qual NH3 ou NH4+ é

absorvido por um organismo;

Nitrificação – é a oxidação do NH3 ou NH4+ para NO2

- ou NO3 por um

organismo, visando a produção de energia;

Redução assimilatória do nitrato - é a redução do nitrato, formando-se NH4+,

seguido por assimilação do nitrogênio por organismos;

Amonificação - é a quebra de compostos orgânicos de N em NH3 ou NH4+ ;

Denitrificação - é a redução do nitrato para formas gasosas de N, geralmente,

N2 ou N2O, passando intermediariamente pela formação de NH4+.

A fixação do nitrogênio é um processo de grande importância para a dinâmica

de ecossistemas naturais, pois é a única forma biológica de transferência do nitrogênio

da atmosfera para os sistemas aquáticos ou terrestres. As principais limitações ao

processo de fixação biológica são: (i) alto requerimento energético e, (ii) ausência de

oxigênio. A fixação biológica e um processo anaeróbio sendo que a presença de

oxigênio no microsítios de fixação inibe o processo.

Após a fixação do nitrogênio como NH3 ou NH4+ existem dois caminhos

principais a serem seguidos. Oxidação para NO3- ou assimilação por microrganismos.

Íons livres de amônio não existem por muito tempo em condições de aerobiose,

portanto, são rapidamente oxidados para nitrato, tanto em ambientes aquáticos, como

terrestres. Nesses sistemas o nitrato pode seguir dois caminhos: servir como aceptor de

elétrons em condições anaeróbias (denitrificação) ou pode ser reduzido e assimilado

pela biomassa.

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Alem da fixação de N2, outra fonte para o solo e sistema aquático é a

decomposição da matéria orgânica, liberando nitrogênio. Esse processo é chamado

amonificação ou mineralização e é feito por bactérias heterotróficas, que ao decompor

tecidos mortos de plantas e animais como fonte de carbono essas bactérias geram

formas inorgânicas de nitrogênio (NH3 e NH4+). Parte dessa amônia pode ser

volatilizada e retornar à atmosfera.

2.2.3 Reservatórios e Fluxos de Nitrogênio 2.2.3.1 Atmosfera - A atmosfera é o maior reservatório de nitrogênio, principalmente na

forma de N2 (mais que 99%), o restante encontra-se na forma de óxidos de nitrogênio.

O estoque de nitrogênio na atmosfera é estimado em 3,9 x 106 Pg.

2.2.3.2 Biosfera - O ambiente terrestre estoca uma quantidade muito menor, cerca de

3,5 Pg de N, na forma de plantas e animal e cerca de 95 Pg de N como matéria

orgânica do solo. Considerando-se os valores de carbono estocados na vegetação

terrestre (610 Pg de C) e nos solos (1600 Pg de C), a relação C:N da vegetação e do

solo seria de 60 e 15, respectivamente. A maior parte do nitrogênio nos ambientes

terrestres e aquáticos encontra-se na forma orgânica, muito pouco se encontra na

forma inorgânica devido à intensidade das reações de transformações das várias

formas do nitrogênio.

Como visto, a transferência do nitrogênio da atmosfera aos sistemas biológicos

ocorre através do processo de fixacão. Existem dois tipos de fixação, a simbiótica e a

assimbiótica. A simbiótica, feita por organismos, é a mais importante. As estimativas da

quantidade fixada anualmente variam de 44 a 200 Tg de N, sendo o valor mediano

aproximadamente igual a 110 Tg N/ano. Por outro lado, a fixação não simbiótica que

utiliza essencialmente a energia de raios provocados por atividades atmosféricas, o N2

passa para NOx, e por deposição seca e/ou úmida chega na superfície da terra. Este

processo é responsável pela adição anual de 5 a 10 Tg de N.

Assumindo-se a produção primária Iíquida (NPP) do sistema terrestre igual a 60

Pg de C/ano, e que os tecidos fotossinteticamente ativos tenham uma razão C:N igual a

50, seriam necessários cerca de 1.2 Pg de N/ano, somente são fixados cerca de 110 Tg

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de N/ano, portanto, somente 12% do necessário. O restante é fornecido pela ciclagem

interna e pela decomposição da matéria orgânica morta.

O impacto da atividade humana no ciclo do nitrogênio já é bastante intenso. Na

produção industrial de fertilizantes nitrogenados pelo processo Haber-Bosch,

anualmente são fixados de 85 Tg de N. A combustão industrial, por sua vez, lança

como N2 para atmosfera mais cerca 30 Tg de N/ano que é transformado posteriormente

para óxidos de nitrogênio que por deposição seca e úmida retornam para a superfície

terrestre. O mesmo caminho seguem cerca de 15 Tg de N/ano que são lançados pela

queima de biomassa, onde incluem florestas, áreas agrícolas (como cana de açúcar) e

pastagens. Outra fonte antropogênica importante no ciclo do carbono é o cultivo de

leguminosas que anualmente injetam cerca de 30 TgN/ano nos sistemas terrestres. O

processo de fixação de nitrogênio atmosférico pelas leguminosas é obviamente natural.

Porém, quando a floresta amazônica, que fixa cerca de 20 kgN.ha.ano, é derrubada e

substituída por uma plantação de soja que fixa cerca de dez vezes mais, demonstra

claramente um tipo de fixação que apesar de advim de um processo natural, foi

induzida pela ação do Homem.

Dentro do ciclo do nitrogênio, a ciclagem da amônia também tem lugar de

destaque. As maiores fontes de amônia para a atmosfera são os processos de

amonificação (quebra de compostos orgânicos de nitrogênio em NH3 ou NH4+) e

volatilização de excretas de animais. Um efeito indireto do Homem nesse ciclo particular

é a emissão de nitrogênio pela criação de animais para consumo e animais domésticos.

A maior parte da amônia lançada à atmosfera retorna como NH4+ na precipitação ou

como gás NH3 via deposição seca. Portanto, as mudanças recentes ocasionadas pela

ação do Homem na Terra vêm determinando o aumento no aporte atmosférico de

nitrogênio a biosfera, com várias conseqüências para os ecossistemas. Por exemplo,

algumas florestas da região da Bavaria estão morrendo por excesso de nitrogênio,

sendo que potencialmente o mesmo problema pode estar ocorrendo em Cubatão, SP.

Em rios identificam-se efeitos semelhantes, como no rio Piracicaba, em São Paulo,

onde concentrações de nitrato estão muito acima do normal alterando

significativamente a dinâmica ecológica do ambiente.

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Historicamente assume-se um equilíbrio no ciclo do nitrogênio, e o processo de

desnitrificação é utilizado para fechar o balanço, por ser normalmente pouco

quantificado (Tab. 2.1.). No entanto algumas evidências indicam um desequilíbrio no

balanço: (i) A concentração de N2O no Hemisfério Norte é major que no Hemisfério Sul

e, (ii) a concentração de N2O esta aumentando em todo o globo a uma taxa de 0.2% ao

ano.

Tabela 2.1. Balanço de nitrogênio no sistema terrestre.

À biosfera Processo Fluxo (Tg de N/ano)

Aportes (sinks)

Fixação biológica 110

Fixação não-simbiótica 5

Queima de biomassa 12

Combustão industrial 30

Consumo fertilizantes 85

Fixação industrial 30

Cultivo de leguminosas 30

Total 357

Fontes (sources)

Denitrificação 155

Volatilização de NH3 122

River runoff 34

Total 311

Balanço 46

2.2.4 Ciclo do Nitrogènio

O sistema terrestre ganha anualmente cerca de 46 Tg de N (Tab. 2.1). A

pergunta cientifica importante neste momento é qual será o destino desse nitrogênio?

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O nitrogênio adicional poderá ser acumulado em três reservatórios terrestres:

água subterrânea, vegetação e solos. No entanto, ainda não podemos afirmar

categoricamente para onde o excesso de nitrogênio será alocado. Essa informação é

no entanto crucial não somente para o ciclo do nitrogênio, mas também para o ciclo do

carbono, pois se sabe da interdependência entre os ciclos na natureza e a importância

ecológica dessas relações.

Bibliografia recomendada Boyer EW, Goodale CL, Jaworski NA, Howarth RW. (2002). Anthropogenic nitrogen

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Capítulo 3 - Atmosfera 3.1. Introdução

A composição isotópica da atmosfera é em termos espaciais relativamente

constantes, variando entre -7 a -8‰.

Por quê -7 a -8‰ ?

O equilíbrio isotópico entre o CO2 atmosférico e o HCO3 dissolvido na água

ocorre através da seguinte reação:

+− +⇔+ HHCOOHCO aquosogasoso )(32)(2 .....................................................(3.1)

O δ13C do bicarbonato nos oceanos varia entre 0 a 2‰, conseqüentemente, o

valor e da reação será cerca de 6 a 8, ou seja:

7313

213 −= −HCOCO δδ ...............................................................................(3.2)

Note que o δ13C do CO2 é "mais leve" que o δ13C do HCO3, o que vale dizer que

o CO2 fica empobrecido em 13C em relação ao bicarbonato. Devido às ligações

atômicas, o bicarbonato "retém" mais 13C em relação ao CO2 atmosférico.

Devemos também ressaltar que, como vimos no Capítulo 1, o fracionamento

isotópico dessa reação de equilíbrio é uma função da temperatura. Em um trabalho

clássico, Deuser & Degens (1967) estabeleceram, em condições de laboratório, a

variação do fracionamento isotópico em função da temperatura. Observa-se que o

fracionamento é major em temperaturas menores.

Tabela 3.1. Fracionamento isotópico entre o CO2 atmosférico e bicarbonato

aquos0. Adaptado de Deuser e Degens (1968).

31

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Tabela 3.1. Fracionamento isotópico entre o CO2 atmosférico e bicarbonato aquoso.

Adaptado de Deuser e Degens (1968).

Temperatura (C) Fracionamento ‰

0 9.3

0 8.8

0 9.1

0 9.6

10 8.1

10 8.1

20 7.6

20 7

30 6.6

30 7.1

3.2. Variações Locais no δ13CO2 da Atmosfera

De uma maneira geral, os valores de δ13CO2 da atmosfera sofrem poucas

variações espacialmente, como veremos mais à frente. Assim, se coletarmos amostras

de ar a uma altitude de 200m, provavelmente a composição isotópica do ar será a

mesma aqui como na China.

No entanto, próximo à superfície, a composição isotópica do CO2 atmosférico é

influenciada pela biota. A variabilidade espacial da composição isotópica e na

concentração de CO2 na atmosfera está intimamente relacionada à biota. Quanto maior

a proximidade da biosfera maior será a variabilidade destes parâmetros, ou seja se

coletarmos ar a 500m de altitude em uma mesma latitude, as variações isotópicas e de

concentração serão mínimas.

32

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Dentro de um determinado ecossistema podemos aplicar o mesmo raciocínio e

concluir que quanto mais próximos se estiver das fontes emissoras maiores serão as

variações de concentração e composição isotópica do CO2. Por exemplo, em um

ecossistema florestal à medida que chegamos mais perto do solo, a concentração de

CO2 será mais elevada. A respiração do solo, da vegetação e decompositores,

associados à baixa turbulência nas camadas de ar do sub-bosque florestal, determina a

variação na concentração de CO2 e consequentemente sua composição isotópica

Analisando-se a Figura 3.1, observamos que a concentração de CO2 foi mais

elevada nos primeiros estratos de uma floresta tropical localizada na Reserva Ducke,

próxima à cidade de Manaus, devido à respiração do solo e da vegetacão. Nota-se que

a concentração de CO2 foi maior às 6 horas da manhã, diminuindo ao longo do dia

(curva das 10 às 18 horas) devido à retirada de CO2 pelo processo da fotossíntese. Por

volta das 23 horas a concentração de CO2 aumenta novamente, pois à noite cessa a

fotossíntese e prevalece a respiração das plantas e do solo.

Por outro lado, é interessante notar que as 6 horas da manhã, quando a

concentração de CO2 estava mais elevada, os valores de δ13C foram menores. Esse

fato ocorre porque o valor isotópico do CO2 respirado por um determinado organismo,

seja planta ou animal, tem o sinal isotópico do carbohidrato, ou de outro composto, que

foi oxidado no processo respiratório. De forma geral, pode-se considerar que não há

fracionamento isotópico no processo respiratório quando se define precisamente o

composto que está sendo oxidado e o organismo envolvido no processo. No solo a

respiraçao heterotrófica acontece pelo metabolismo de vários organismos associados a

diversos substratos e compostos orgânicos, que por distintas características

bioquímicas possuem valores isotópicos também diferenciados. Isso se confirma por

dados recentes em que é questionado o fato de o processo respiratório à noite,

realmente representar isotopicamente o composto sintetizado durante o dia pelo

processo fotossintético (Ekblad e Högbeg, 2001; Shweizer et al, 1999; Duranceau et al,

2001).

33

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0

5

10

15

20

25

30

320 360 400 440 480

CO2 atmosférico (ppmv)

Altu

ra d

a m

edid

a ao

long

o da

cop

a (m

)

6:00

18:00

23:00

0

5

10

15

20

25

30

-14-13-12-11-10-9-8-7

δ 13C-CO2 atmosférico (o/oo)

Altu

ra d

a m

edid

a ao

long

o da

cop

a (m

)

6:0018:00

23:00

Figura 3.1. Acima – variação da concentração de CO2 atmosférico ao longo da copa.

Abaixo – variação dos valores de δ13C do CO2 atmosférico ao longo da copa. Adaptado

por Quay et al. (1990).

34

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O mesmo tipo de estudo feito na Reserva Ducke em Manaus foi repetido na

Floresta Nacional do Tapajós (FLONA), próxima à cidade de Santarém. Da mesma

forma que Quay et al. (1990), Ometto et al (2002) demonstram os efeitos dos processos

de fotossíntese e respiração na concentração e no δ13C do CO2 no interior da floresta

(Figura 3.2). Durante o dia (12 horas) o processo fotossintético retira CO2 da atmosfera

reduzindo sua concentração no perfil florestal e enriquecendo-o isotopicamente. A noite

(20 horas) observa-se o efeito inverso, com uma maior concentração de CO2 em todos

os níveis do perfil e valores isotópicos mais leves, ocasionado pelo processo

respiratório.

35

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0

5

10

15

20

25

30

35

320 360 400 440 480

CO2 atmosférico (ppmv)

Altu

ra d

a m

edid

a ao

long

o da

cop

a (m

)9:00

12:0016:00

0

5

10

15

20

25

30

35

-14-13-12-11-10-9-8-7

δ 13C-CO2 atmosférico (o/oo)

Altu

ra d

a m

edid

a ao

long

o da

cop

a (m

)

9:00

12:00

16:00

Figura 3.2. Acima – variação da concentração de CO2 atmosférico ao longo da copa.

Abaixo – variação dos valores de δ13C do CO2 atmosférico ao longo da copa. Adaptado

por Ometto et al. (2002).

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Admitindo um ecossistema florestal onde o valor isotópico médio do carbono

orgânico (δ13Corg ) é em torno de -28‰, o CO2 liberado no interior da floresta pelo

processo respiratório teria um δ13C médio próximo a -28‰ o que dilui o δ13C atmosférico

(com valor isotópico em torno de -7.5‰). Em suma, o processo respiratório lança à

atmosfera um carbono mais leve, e a seguinte relação pode ser descrita:

Temos então duas fontes isotopicamente distintas compondo o ar atmosférico

no interior da floresta. Isso nos faz lembrar nosso modelo de diluição isotópica visto na

aula anterior.

florestabiogênicoatmosfera CCC =+ ..................................................................(3.3)

Multiplicando-se a equação (3.3) pelos respectivos valores de δ13C teremos:

)()()( 131313

florestaflorestabiogênicabiogênicaatmosferaatmosfera CCCCCC δδδ ⋅=⋅+⋅ ..........(3.4)

Geralmente é difícil determinar a concentração de carbono biogênico (Cbiogênico),

pois são várias fontes difusas, portanto é mais simples se isolarmos esse parâmetro na

equação (3.4):

atmosferaflorestabiogênico CCC −= ................................................................(3.5)

Podemos substituir a equação (3.5) pela equação (3.4) e teremos:

florfloratmflorbioatmatm CCCCCCC ⋅=−⋅+⋅ 131313 )( δδδ .................(3.6)

Assim, atm é a abreviação de atmosfera, bio de biogênico e flor de floresta.

Dividindo-se todos os membros da equação (3.6) por Cflor não se altera a

equação:

37

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flor

florflor

flor

atmbio

flor

florbio

flor

atmatm

CCC

CCC

CCC

CCC ⋅

=⋅

−⋅

+⋅ 13131313 δδδδ

............(3.7)

Desenvolvendo-se a equação (3.7) teremos:

florbioflor

atmbio

flor

atmatm CC

CC

CCC

C 13131313 δδδδ =+⋅−⋅...............(3.8)

Rearranjando-se a equação (3.8) teremos:

flor

atmbioatmbioflor C

CCCCC ⋅−+= )( 13131313 δδδδ....................(3.9)

A equação (3.9) pode ser comparada a uma equação de reta:

XbaY ⋅+= .............................................................................(3.10)

Onde,

Y = δ13Cfloresta

a = δ13Cbiogênico

b = (δ13Catmosfera - δ13Cbiogênico). Catmosfera

X = 1/Cfloresta

O δ13C da floresta (δ13Cfloresta) é inversamente relacionado como a

concentração de CO2 na floresta (Cfloresta). Portanto, se plotarmos os valores de δ13C da

floresta contra o inverso da concentração de CO2 (1/Cfloresta) deveremos ter uma reta.

38

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crescente. Pelo contrário, se plotarmos δ13Cfloresta contra a concentração de CO2

deveremos ter uma reta decrescente.

Para a floresta tropical na Reserva Ducke em Manaus encontramos a seguinte

equação de reta:

florflor C

C 166033,2713 ⋅+−=δ ................................................................(3.11)

Portanto:

δ13Cbiogênico = -27,3‰

Com os dados obtidos na Floresta Nacional do Tapajós, obtivemos uma

equação de reta semelhante à equação obtida na Reserva Ducke

florflor C

C 18,682196,2613 ⋅+−=δ

Portanto:

δ13Cbiogênico = -27,0‰

Outro exemplo pode ser dado pelo mesmo tipo de análise feita no cerrado

brasileiro por Miranda et al. (1997).

cerradocerrado C

C 150338,2113 ⋅+−=δ .......................................................(3.12)

Portanto,

δ13Cbiogênico = -21,8‰

39

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Figura 3.2. Variação dos valores de δ13C do CO2 atmosférico em virtude da

concentração de CO2 atmosférico no Cerrado Brasileiro em duas épocas distintas: maio

e novembro de 1993. Adaptado por Miranda et al. (1997).

No caso do Cerrado a equação de reta foi distinta das equações encontradas

nas florestas da amazônia, o δ13Cbiogênico foi significativamente mais elevado, pois a

vegetação do Cerrado é distinta em relação à floresta tropical, com major contribuição

de plantas do tipo C4, que isotopicamente são mais pesadas que plantas do tipo C3.

Recentemente, vários estudos foram feitos visando determinar δ13Cbiogênico. A

Tabela 3.2 abaixo resume alguns valores encontrados em outras florestas tropicais e

cerrado.

40

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Tabela 3.2. Valores de δ13Cbiogênico em florestas tropicais e cerrado.

δ13C Floresta Referência

-28,0 Tropical – Santarém Ometto et al. (2002) -27,8 Tropical – Manaus Ometto et al. (2002) -27,7 Tropical – Ji-Paraná Ometto et al. (2002) -27,1 Tropical – Jara Lloyd et al. (1996) -27,2 Tropical – Manaus Sternberg et al. (1997) -25,8 Tropical – Manaus Sternberg et al. (1997) -27,4 Tropical – Manaus Sternberg et al. (1997) -27,8 Tropical – Manaus Sternberg et al. (1997) -27,5 Tropical – Guiana Buchmann et al. (1997a) -27,9 Tropical – Guiana Buchmann et al. (1997a) -23,4 Cerrado – Brasília Miranda et al. (1997) -21,8 Cerrado - Brasília Miranda et al. (1997) -17,7 Pastagem – Manaus Ometto et al (2002) -17,2 Pastagem - Santarém Ometto et al (2002) -13,4 Pastagem – Ji-Paraná Ometto et al (2002)

Note que os valores encontrados em florestas tropicais não foram muito

distintos. Por outro lado, os dois valores determinados no Cerrado foram maiores,

indicando a contribuição de gramíneas que seguem o ciclo fotossintético C4, como já

mencionado acima. Estudos em pastagens na região Amazônica dominadas por

gramíneas do gênero Bracchiaria, uma gramínea do tipo C4, mostraram que os valores

de δ13Cbiogênico eram ainda mais elevados que os valores encontrados no Cerrado (Tab.

3.2.). Ometto et al. (2002) identificaram que os valores de δ13Cbiogênico em pastagens

dependem da idade da pastagem, do regime de fogo e da quatindade de arbustos C3

presentes na pastagem. Dentre as três pastagens mostradas na Tabela 3.2., a mais

antiga é a de Ji-Paraná, no Estado de Rondônia, pois justamente essa pastagem teve o

valor δ13Cbiogênico mais elevado devido à maior incorporação no solo do material vegetal

produzido pelas gramíneas.

41

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3.3. Variação Secular na Concentração e Composição Isotópica do CO2 Atmosférico

Pela análise de bolhas de ar presas no gelo da Antártica, Friedli et at, 1986 e

por medidas diretas de CO2 e δ13CO2 que começaram em 1982, foi possível construir a

variação histórica desses dois parâmetros. Observou-se que a concentração de CO2 da

atmosfera vem aumentando e os seus valores de δ13C vem se tomando "mais leve":

Causas:

queima de combustíveis fósseis (δ13C = -24 a -28‰)

queima de vegetação (δ13C = -28 a -32‰)

42

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Figura 3.3. Variação temporal (secular) na concentração do CO2 atmosférico (A) e dos

valores de δ13C do CO2 atmosférico. Adaptado por Joos & Bruno (1998).

3.4. Variação entre hemisférios

Cerca de 90% das emissões de combustíveis fósseis ocorrem no Hemisfério

Norte e a maioria das emissões devido à queima de vegetação ocorre no Hemisfério

Sul. Sabemos que as emissões de combustíveis fósseis são maiores que as emissões

"biogênicas", esse fato cria um gradiente de concentração de CO2 entre os dois

hemisférios e conseqüentemente um gradiente nos valores de δ13CO2. As

concentrações de CO2 no Hemisfério Norte são mais elevadas em cerca de 1 a 2 ppm e

os valores de δ13CO2 são mais leves cerca de 0.1 a 0.2‰ (Fig. 3.4).

É interessante notar que a diferença na composição isotópica do CO2

atmosférico entre hemisférios varia sazonalmente. Durante o verão no Hemisfério Norte

(julho-setembro) as plantas estão fotossinteticamente ativas. Ao fazerem fotossíntese

as plantas discriminam 13C em favor do 12C. Assim, reatará na atmosfera durante o

verão, relativamente, mais átomos de 13C, portanto, os valores de δ13C serão maiores

no versão em relação aos valores encontrados no inverno (Fig. 3.4).

43

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Figura 3.4. Variação latitudinal dos valores de δ13C do CO2 atmosférico durante inverno

e verão. Adaptado por Fung et al. (1997).

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Capítulo 4: Vegetação 4.1. Definições

Antes de entrarmos no tema deste capítulo, é oportuno relembrarmos certos

parâmetros, como o chamado fator de fracionamento α:

p

a

RR

=α ..........................................................................(4.1)

onde:

Ra é a relação molar 13C/12C da fonte (atmosfera) e RP: relação molar 13C/12C do

produto (planta)

Vamos também relembrar o fator de fracionamento ε, que os fisiologistas de

plantas denominaram Δ, portanto:

)1()1( −=−=Δp

a

RR

α ....................................................(4.2)

Vale repetir que Δ = ε, que foi definido na primeira aula. Portanto, somente

houve uma mudança de letra de Δ para ε.

Devemos lembrar que Ra, é maior que RP, dessa forma o valor de α será maior

que 1, conseqüentemente o valor de Δ será positivo.

Portanto, quando utilizamos a notação δ13C, este valor é negativo para as

plantas. Por outro lado, quando utilizamos a notação Δ, este terá um valor positivo.

Qual seria a relação entre δ e Δ? Já demostramos essa relação na primeira aula,

vamos somente repetí-las, trocando-se ε por Δ:

48

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1000+

−=Δ

p

pa

δδδ

..............................................................(4.3)

4.2. As plantas C3 e a fotossíntese

Os modelos sobre fracionamento isotópico durante a fotossíntese consideram

que a descriminação dos átomos de 13C ocorre em duas etapas:

(a) Durante a difusão do CO2 pelos estômatos, conhecido pelo valor a, que é

estimado em 4.4 ‰ e

(b) Durante a fixação do CO2 atmosférico em um composto orgânico (rubisco)

através da reação de carboxilização, conhecido como valor b, estimado em

cerca de 30‰.

Há um terceiro parâmetro que exerce uma influência decisiva na composição

isotópica das plantas, é a relação entre a pressão interna de CO2 na câmara estomatal

(pi) e a pressão externa da atmosfera (pa). As equações que expressam essas relações

são as seguintes:

a

i

pp

aba ⋅−+=Δ )(...................................................(4.4)

Ou utilizando-se a notação δ teremos que:

a

iCplanta p

pabaCOC ⋅−−−=− )(2

133

13 δδ ...........................................(4.5)

A Tabela 4.1 resume alguns valores de δ13C de folhas coletadas em várias

florestas tropicais brasileiras, folhas coletadas no Cerrado do planalto Central brasileiro

49

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e folhas oriundas de algumas florestas temperadas. Note que os valores nas florestas

tropicais são sempre menores que os valores encontrados em outros tipos de

vegetação.

Tabela 4.1. Valores médios de δ13C (‰) de folhas coletadas em diferentes formações

vegetais.

Local Tipo de vegetação δ13C (‰) Referência Manaus – ZF2 C14 Terra-firme -32.1 Ometto et al. (no prelo) Manaus – ZF2 K34 Terra-firme -32.6 Ometto et al. (no prelo) Santarém – Km 67 Terra-firme -32.8 Ometto et al. (no prelo)

Santarém – seca floresta Terra-firme -32.1 Ometto et al. (no prelo) Rondônia – Rebio Terra-firme -31.9 Ometto et al. (no prelo)

Rondônia – Samuel Terra-firme -32.1 Martinelli et al. (1998) S.C. do Rio Negro (Vê) Terra-firme -32.1 Medina and Minchin (1980)

Amazon river Várzea -32.1 Martinelli et al. (1994) Manaus – Res. Ducke Terra-firme -31.6 Ducatti et al. (1991)

Pantanal Savana -30.9 Victoria et al. (1995) Manaus – Faz. Dimona Terra-firme -30.8 Kapos et al. (1993)

Brasília – Res. IBGE Cerrado -29.0 Miranda et al. (1997) Hokaiddo (Japão)* Floresta temperada -29.5 Hanba et al. (1997) Jülich (Alemanha)* F. sylvatica -29.0 Schleser (1992)

Utah (EUA)* P. contorta and P. tremuloides

-27.3 Buchmann et al. (1997)

Prince and Thompson Albert (Canadá)*

P. mariana, P. banksina, P. tremuloides

-26.9 Flanagan et al. (1996)

*Florestas temperadas

Note na Figura 4.1 que os valores de δ13C de folhas de árvores de florestas

tropicais brasileiras coletas em Manaus, Santarém e São Gabriel da Cachoeira e folhas

do Cerrado do plananto Central (Brasília) variaram entre -24‰ a -38‰, portanto uma

variação significativa de cerca de 14‰. Ainda que os valores mais freqüentes estejam

entre -30‰ e -32‰. Por que observamos essa grande variação nesses tipos de

vegetação?

50

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Se observarmos os valores foliares de δ13C de espécies temperadas,

observararemos que são maiores que os valores encontrados em florestas tropicais.

Novamente cabe a pergunta, qual a causa dessa diferença?

Estas perguntas serão respondidas na próxima aula, quando trataremos das

causas que levam à estas grandes variações isotópicas.

δ13C (o/oo)

Núm

ero

de o

bser

vaçõ

es

Localidade: Santarém

-42-40

-38-36

-34-32

-30-28

-26-24

-22-20

050

100150200250300350400450

Localidade: Manaus

-42-40

-38-36

-34-32

-30-28

-26-24

-22-20

Loc al idade: SGCachoei ra

-42-40

-38-36

-34-32

-30-28

-26-24

-22-20

050

100150200250300350400450

Loc alidade: Bras ília

-42-40

-38-36

-34-32

-30-28

-26-24

-22-20

Figura 4.1. Distribuição de freqüência dos valores de δ13C de folhas de espécies

arbóreas coletadas em diferentes localidades. Fonte: Ometto et al. (2007).

4.3. As plantas C4 e a fotossíntese

Nas plantas do tipo C3 foram observados valores de δ13C que variaram entre

-24‰ a -38‰. Por outro lado, para as plantas C4 são observados valores entre -11‰ a

-15‰. Portanto, isso significa que há uma menor discriminação isotópica dos átomos de 13C pelas plantas do tipo C4 em relação às plantas do tipo C3.

51

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A razão para esse fato reside no modo com que o CO2 é fixado nessas plantas

durante a fotossíntese. Ocorre fracionamento em três fases distintas:

a) Durante a difusão do CO2 atmosférico pelo estômato, como nas plantas C3,

portanto o valor a é o mesmo, em torno de 4‰.

b) Durante a passagem do CO2 para HCO3. No mesófilo das folhas de plantas C4

o CO2 é dissolvido e hidratado passando a HCO3. Essa etapa é denominada de eb e

como vimos anteriormente, quando tratamos do equilíbrio oceano-atmosfera no capítulo

3, o fracionamento desta reação e de aproximadamente -8‰ a temperatura de 20 °C.

c) Durante a carboxilização do HCO3. No ciclo fotossintético das plantas C4 o

HCO3 será fixado como molécula orgânica, e não o CO2. O fracionamento isotópico

durante a fixação do bicarbonato é menor que o fracionamento durante a fixação do

CO2. Como vimos, o valor b foi igual a 30‰, no caso das plantas C4, o valor calculado

(denominado b4*) será igual a 2‰.

Portanto, o fracionamento total em uma planta C4, denominado b4, será igual a:

*

44 beb b += ..................................................................(4.6)

Numericamente teremos que b4 será igual a -8+2 = -6‰.

d) Durante o "vazamento" do CO2 e HCO3. Uma certa proporção dessas duas

espécies carbonatadas pode vazar do mesófilo e seguir os mesmos caminhos

bioquímicos em relação as plantas C3. Nesse caso o fracionamento volta a ser de 30‰

(o valor b). No entanto, como é somente uma certa proporção das espécies

carbonatadas que vaza do mesófilo, esse tipo de fracionamento é comumente expresso

como uma proporção do valor b, que comumente é expressa como: φ•b, onde φ exprime a proporção de espécies carbonatadas que vaza do mesófilo. É importante

notar, que para a maioria das espécies de plantas C4, essa proporção se encontra em

torno de 34%.

Computando-se todas essas etapas a equação que exprime o fracionamento

isotópico em plantas C4 passa a ser:

52

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a

i

pp

abba ⋅−⋅++=Δ )( 34 φ...................................................(4.7)

Utilizando-se a notação δ teremos:

a

iCplanta p

pabbaCOC ⋅−⋅+−−=− )( 34213

413 φδδ

.......................(4.8)

Segundo Farquhar et al.(1989), geralmente o termo (b4 + b3φ- a) é igual a zero.

Pois, como citado acima, a proporção φ se encontra ao redor de 34%. Dessa forma, a

equação 4.8 resultará em:

aCOC Cplanta −=− 213

413 δδ .......................................(4.9)

Nota-se pela equação 4.9 acima, que especificamente para as plantas que

seguem o ciclo fotossintético C4, a relação pi/pa não terá influência na composição

isotópica deste tipo de planta.

A Figura 4.2 mostra os valores de δ13C de gramíneas tropicais depositadas até

1974 no herbáreo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Nota-se que um

grupo de gramíneas segue o ciclo fotossintético C3, com valores característicos de δ13C

entre -35‰ a -23‰. Por outro lado, nota-se que um outro grupo de gramíneas segue o

ciclo fotossintético C4 tendo valores entre -15‰ a -9‰.

53

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-33 -31 -29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -13 -11 -9

δ13C (o/oo )

0

10

20

30

40

50

60

70

80N

úmer

o de

obs

erva

ções

Figura 4.2. Distribuição de freqüência dos valores de δ13C de amostras de gramíneas

depositadas até 1974 no herbáreo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

Fonte dos dados: Medina et al. (1998).

4.4. As plantas crassuláceas (CAM) e a fotossíntese

As plantas CAM sintetizam oxaloacetato a partir do CO2 atmosférico, usando a

PEP carboxilaze, o oxaloacetato é então convertido e estocado como malato. À noite,

essas plantas fecham seus estômatos e fazem o processo inverso, transformando o

omalato em CO2 e fixando-o como as plantas C3 o fazem. Como todo o CO2 é fixado

não haverá fracionamento nessa fase (b = 0). O malato para ser produzido resulta em

um fracionamento semelhante às plantas C4, sem nenhum "vazamento" (φ = 0),

portanto, a equação para as CAM se reduz a:

54

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a

i

ppaba ⋅−+=Δ )( 4 ...........................................(4.10)

Utilizando-se da notação δ teremos:

a

iCAMplanta p

pabaCOC ⋅−−−=− )( 421313 δδ

.................................(4.11)

A Figura 4.3 mostra a distribuição de freqüência de valores de δ13C de folhas da

família Poaceae (gramíneas) e do gênero Aloe (CAM).

55

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Figura 4.3. Distribuição de valores de δ13C de 351 espécies de gramíneas (painel

superior) e de 63 espécies do gênero Aloe (CAM) . Adaptado por Vogel (1993).

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Capítulo 5 - Fatores Ambientais e a Composição Isotópica das Plantas

Em princípio, todo e qualquer fator que altere a composição isotópica do CO2

atmosférico e ou a relação pi/pa’, alterará a composição isotópica das plantas.

Examinemos alguns destes fatores:

5.1 Intensidade de luz

Quando a intensidade de luz é baixa, a planta permanece com seus estômatos

abertos tentando otimizar o processo de fotossíntese, com isso, pi tende a ser igual a

pa, portanto a relação pi/pa, tende hipoteticamente para 1.

Substituindo-se a relação pi/pa pelo valor 1 na equação 5.1 teremos que:

30213

213

313 −=−=− CObCOC Cplanta δδδ ......................................(5.1)

Por outro lado, quando a intentidade de luz é alta, a planta permanece com

seus estômatos mais fechados, diminuindo a concentração de pi, conseqüentemente, a

relação pi/pa, tende hipoteticamente a zero, e a equação 5.2 fica reduzida a:

4.4213

213

313 −=−=− COaCOC Cplanta δδδ .........................................(5.2)

Portanto, um gradiente na intensidade de luz provocará um gradiente na

composição isotópica das plantas. Locais onde a abundância de luz é menor e não há

restrição de água, as plantas tendem a ter valores menores de δ13C.

Examinando-se a Figura 5.1 notamos que para um fluxo de fótons ao redor de

25 mmol.m-2.d-1 teremos um valor de δ13C em torno de -31‰. Fixando-se

hipoteticamente o valor de δ13C do CO2 atmosférico cerca de 8‰ podemos calcular o

valor da relação pi/pa através da equação (41), resultando em um valor igual a 0,77.

Para um fluxo de fótons igual a 50 mmol.m-2.d-1, teremos um valor de δ13C

aproximadamente igual a -27‰, que resultaria em uma relação pi/pa igual a 0,61

mantendo-se o valor de δ13C do CO2 atmosférico cerca de 8‰.

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Dessa forma fica demonstrado que com menor quantidade de luz os estômatos

estão mais abertos, fazendo com que a relação pi/pa aumente.

Figura 5.1. Variação dos valores de δ13C de espécies coletadas na floresta de Ding Hu

Shan na China em função da quantidade de luz, expressa pelo fluxo de fótons.

Adaptado de Ehleringer et al. (1986).

5.2. Variação na fonte de CO2

Existem ocasiões em que a variação na composição isotópica das plantas é

ditada por variações na fonte do CO2 atmosférico para as plantas.

60

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A Figura 5.2 ilustra uma situação dessas, em que os valores de δ13C variaram

ao longo de um gradiente devido à variações na composição isotópica do CO2

atmosférico.

61

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Figura 5.2. Variação rio abaixo dos valores de δ13C de (A) folhas de espécies arbóreas

e (B) folhas de gramíneas flutuantes coletadas ao longo do rios Solimões e Amazonas.

Adaptado por Martinelli et al. (1991).

Na região do Alto Solimões, portanto, rio acima, o CO2 produzido pela

respiração das plantas e matéria orgânica do solo que é produzido durante a noite,

permanece em contato com a vegetação por mais tempo durante a manhã, quando as

plantas estão fotossintetizando. Assim, as plantas têm uma maior oportunidade de

absorver este CO2 empobrecido. Conseqüentemente, os seus valores de δ13C serão

mais leves que os encontrados rio abaixo.

Assumindo-se hipoteticamente que a relação pi/pa seja constante para todas as

plantas amostradas e igual a 0,6, podemos calcular que o valor do δ13C do CO2

atmosférico através da equação (41), que com os valores aplicados se torna igual a:

8,19313

213 −= −CplantaCCO δδ .......................................(5.3)

Próximo à marca 0 km o valor de δ13C das plantas foi ao redor de -35‰,

substituindo-se esse valor na equação acima, o δ13Catm seria igual a -15,2‰. Por outro

lado, cerca de 1800km rio abaixo, o valor de δ13C das plantas foi igual a -30‰,

conseqüentemente, o valor de δ13C do CO2 atmosférico seria igual a -10,2‰. Portanto,

haveria uma diferença média em torno de 5‰ entre a composição isotópica do CO2

atmosférico coletado rio acima em relação daquele coletado rio abaixo.

5.3. Variação da fonte de luz e fonte de CO2 simultaneamente

Os exemplos mais conhecidos sobre esse tipo de variação simultânea (luz e

CO2) são as plantas que crescem ao longo do dossel de florestas tropicais. A Figura 5.3

ilustra esse tipo de variabilidade exibindo os valores de δ13C em amostras de folhas

coletadas ao longo da copa de florestas situadas na região amazônica (Ometto et al.,

2005).

62

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Apesar de existirem duas causas para as variações dos valores de δ13C em

plantas do sub-bosque - luz e CO2 advindo da respiração do solo e das plantas

(biogênico) - alguns trabalhos têm demonstrado que a causa principal da variabilidade

observada ao longo da copa é a limitação de luz, que faz com que pi/pa aumente,

causando um maior fracionamento em relação ao CO2 atmosférico. Schelser e

Jayasekera (1985) estimaram que somente 5% do CO2 fixado pelas plantas adivinha do

CO2 biogênico. Por outro lado, utilizando um modelo distinto, Sterngerg et al. (1989)

estimaram que essa proporção era também baixa, ao redor de 7%.

Figura 5.3. Variação dos valores de δ13C de folhas de espécies arbóreas em função da

altura da copa em diferentes localidades da Amazônia. ZF2 – próximo à ciade de

Manaus; Flona-1 e Flona-2 – Floresta Nacional do Tapajés, próximo à cidade de

Santarém e Rebio – próximo à cidade de Ji-Paraná.

63

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As equações que representam a correlação entre os valores de δ13C e altura da

copa encontram-se descritas na Tabela 1 (Ometto et al. 2005). Note que a inclinação da

reta é uma medida de quanto o valor de δ13C aumenta para um acréscimo de 1 metro.

A floresta localizada em Manaus parece ter o acréscimo mais vigoroso, ou seja 0.24‰

por metro. Nas outras florestas o acréscimo situou-se entre 0.16 a 0.19‰ por metro de

altura da copa.

Tabela 1. Equações de reta entre a altura do dossel e os valores de δ13C dos mesmos

locais descritos na Figura 5.3. H denota a altura da copa, r2 o coeficiente de correlação

da equação e N o número de amostras utilizados nas respectivas equações.

Local Equação r2 N

Manaus-ZF2 δ13C = -35.6 + 0.24*H 0.72** 137

Santarém-Flona-2 δ13C = -34.8 + 0.19*H 0.64** 165

Santarém-Flona-1 δ13C = -34.9 + 0.17*H 0.75** 153

Ji-Paraná-Rebio δ13C = -34.0 + 0.16*H 0.63** 48

Lembrando-se das equações (4.4) e (4.5), repetidas abaixo como equações

(5.4) e (5.5), notamos que se tivermos os valores de δ13C do CO2 da atmosfera

podemos calcular os valores de pi/pa (Tab.2).

a

i

pp

aba ⋅−+=Δ )(..............................................................(5.4)

a

iCplanta p

pabaCOC ⋅−−−=− )(2

133

13 δδ ...........................................(5.5)

Note que os valores de pi/pa diminuem ao longo do dossel em direção ao topo

das árvores, pois, como a incidência luminosa aumenta, os estômatos permanecem

mais tempo fechados, levando a um decréscimo na relação pi/pa.

64

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Tabela 2. Concentração média do CO2 atmosférico, valores de δ13C do CO2 e das

folhas ao longo do dossel. Δ é a diferença entre o δ13C do CO2 atmosférico e da folha e

os valores ci/ca foram calculados através das (5.4) e (5.5).

Altura da

copa

(m)

CO2-atm (ppmv)

δ13CO2 (‰)

δ13C-folha (‰)

Δ (‰)

pi/pa

0.5 445.4 -11.9 -36.2 24.5 0.78

5 376.2 -8.8 -35.0 26.4 0.86

22 373.3 -8.7 -30.3 21.6 0.67

42 368.6 -8.5 -24.8 16.1 0.46

5.4. Disponibilidade de água

A resposta das plantas ao baixo teor de água no solo, ocorre pelo fechamento

dos estômatos, evitando maiores perdas de água. Ocorre também um decréscimo na

fotossíntese. Caso esse decréscimo ocorra em um nível maior que a entrada de CO2 na

câmara estomatal, haverá um conseqüente decréscimo no valor de pi. Por sua vez, a

relação pi/pa decrescerá, aumentando os valores de δ13C da planta.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado quando a umidade relativa do ar é muito

baixa. Evitando perder água, as plantas tendem a fechar seus estômatos, diminuindo a

relação pi/pa e conseqüentemente aumentando seus valores de δ13C. Para exemplificar

esses aspectos, mostramos na Figura 5.4. um histograma dos valores de δ13C de folhas

de espécies coletadas na Floresta Nacional do Tapajós (Flona), situada próxima à

cidade de Santarém, e de espécies coletadas em uma área de Cerrado, situada

próxima à cidade de Brasília. Como sabemos, a disponibilidade de água para as plantas

do Cerrado é sensivelmente menor que as plantas da Flona-Tapajós.

Conseqüentemente, os valores de δ13C das plantas do Cerrado são mais elevados que

as plantas da Flona-Tapajós (Fig. 5.4). Enquanto que a maioria dos valores de plantas

65

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do Cerrado se encontram agrupados entre -29 a -27‰, a maioria do valores de plantas

da Flona-Tapajós se encontram agrupados entre -33 a -31‰ (Fig. 5.4).

δ13C (o/oo)

Núm

ero

de o

bser

vaçõ

es

-36 -35 -34 -33 -32 -31 -30 -29 -28 -27 -26 -250

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

220

240

SantarémBrasília

Figura 5.4. Distribuição dos valores de δ13C de espécies arbóreas coletas em uma área

de Cerrado próxima a Brasília e na Floresta Nacional do Tapajós, próxima à cidade de

Santarém. Fontes: Ometto et al. (no prelo) e Mercedes Bustamante, Universidade de

Brasília, dados não publicados.

66

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Capítulo 6 - A Composição Isotópica dos Solos 6.1. Introdução

Examinando-se os valores de δ13C da matéria orgânica do solo (MOS) ao longo

de uma transeção realizada no Pantanal na Fazenda Nhumirim da Embrapa (Victoria et

al., 1995), nota-se que os valores de δ13C da MOS seguiram os valores isotópicos da

vegetação presente. Na parte da transeção dominada por gramíneas (0 a 350 metros)

os valores de δ13C da MOS foram próximos aos valores isotópicos das gramíneas C4,

enquanto que na parte dominada por plantas C3 os valores se tornaram próximos à

composição isotópica dessas plantas (Fig. 6.1).

O fato mais relevante que observamos na Figura 6.1. é que: "o solo tende a ter

uma composição isotópica similar à cobertura vegetal presente".

-30

-28

-26

-24

-22

-20

-18

-16

-14

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000

Comprimento da transecção (m)

δ13

C (o

/ oo)

C4 C4/C3 C3

Figura 6.1. Valores de δ13C da matéria orgânica do solo ao longo de uma transeção

com predomínio de gramíneas C4, seguido por uma área de transição com mistura

entre plantas C3 e C4 e terminando em uma área dominada por plantas arbóreas que

68

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seguem o ciclo fotossintético C3. Fazenda Nhumirim, EMBRAPA, pantanal mato-

grossense. Adaptado de Victoria et al. (1995).

Nota-se também que existe uma certa variabilidade na composição isotópica

desses solos. Provavelmente essa variabilidade seja reflexo da variabilidade existente

na composição isotópica da vegetação presente e também devido ao fracionamento

isotópico envolvido no processo de decomposição do material vegetal no solo.

Nas áreas florestais, notamos que sempre o δ13C da MOS é maior que o δ13C

da vegetação. Esse fato indica que entre a vegetação e o solo ocorre uma perda

preferencial de átomos de 12C. Estudos indicam que durante a decomposição do tecido

vegetal ocorre um enriquecimento em torno de 1 a 2‰. A Figura 6.2 mostra essa

tendência com dados de um estudo conduzido pelo nosso grupo nas várzeas da

Amazônia, onde entre a vegetação e a serapilheira houve um fracionamento isotópico

em torno de 2‰ e entre a serapilheira e o solo houve um segundo fracionamento

também de quase 2‰.

Voltando à Figura 6.1, notamos que nas áreas cobertas por gramíneas, os

valores de δ13C da MOS foram menores que os valores da vegetação. Lembre-se que

no caso das florestas ocorreu o oposto, os valores da SOM foram maiores que na

vegetação. A explicação mais provável para esse fato é que a vegetação atual,

predominantemente composta por gramíneas, coexista com arbustos do tipo C3, que

contribuem também para a formação da matéria orgânica do solo.

6.2. Variação dos valores de δ13C com a profundidade

Uma coletânea de vários trabalhos mostrou que quando a vegetação

predominante é do tipo C3 e não há indícios de mudança no tipo de vegetação em

tempos remotos, o valor de δ13C da MOS sofre um aumento em direção as camadas

mais profundas do solo (Fig. 6.3). Geralmente, o aumento nos valores de δ13C da MOS

é cerca de 3 a 4‰ entre a camada superficial e as camadas mais profundas, como é o

caso do exemplo que contempla amostras de solo coletadas na região de Paragominas,

no sul do Estado do Pará (Fig. 6.3).

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As prováveis explicações para essa tendência são as seguintes:

1) Conforme o processo de decomposição prossegue, vai havendo um progressivo

acúmulo de material enriquecido em 13C no perfil. Segundo essa hipótese, a

idade da matéria orgânica deveria aumentar com a profundidade, fato que

freqüentemente ocorre.

2) A eluviação da matéria orgânica ao longo do perfil do solo contribuiria para o

acúmulo de material rico em 13C nas camadas mais profundas. O solo

funcionaria como uma resina trocadora.

-35-34-33-32-31-30-29-28-27-26-25

Folhas

Serapilheira

Solo

δ 13C (o/oo)

Figura 6.2. Valores de δ13C de folhas, serapilheira e matéria orgânica do solo

coletadas ao longo das áreas de várzea dos rios Solimões e Amazonas. Adaptado por

Martinelli et al. (1994).

Nos casos de perfis de solo em que o enriquecimento isotópico com a

profundidade é maior que 3 a 4‰, é provável que tenha havido uma mudança no tipo

de vegetação durante a pedogênese desses perfis. Por exemplo, a substituição de

uma floresta, predominantemente do tipo C3, por uma savana, onde as espécies de

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gramíneas estabelecidas tenham sido predominantemente do tipo C4. Esse é o caso

dos perfis de solos coletados próximos às cidades de Piracicaba e Londrina (Fig. 6.3).

020406080

100120140160180200

-28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14

δ 13C (o/oo)

Prof

undi

dade

do

solo

(cm

)

Piracicaba ParagominasLondrina

Figura 6.3. Variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do solo sob floresta com a

profundidade do perfil em três localidades distintas. Adaptado por Martinelli et al.

(1996).

Por outro lado, em solos onde dominam campos naturais de gramíneas do tipo

C4, a variação dos valores de δ13C com a profundidade do solo é distinta em relação às

florestas e variam conforme a dinâmica da vegetação precedente. Geralmente

encontram-se dois tipos de perfis: (1) perfis onde por muito tempo a vegetação

dominante vem sendo composta por gramíneas (Fig. 6.4) e 2) perfis onde atualmente

dominam as gramíneas, mas antigamente o domínio era de uma vegetação dominada

por plantas C3, ou de uma mistura de plantas C3 e C4 (Fig. 6.5).

Na Figura 6.4, nota-se que no perfil do solo sob floresta houve um discreto

aumento nos valores de δ13C, em torno de 3 a 4‰, sugerindo que esse sítio tem tido

71

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0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

3.5

4.0

-30 -28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14 -12

δ13C (o/oo)

Prof

undi

dade

do

solo

(m)

Amapá

Figura 6.4. Variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do solo sob floresta

(círculo preto) e savana (círculo cinza) em relação à profundidade de perfis de solo

coletados no Amapá. Adaptado de Sanaiotti et al. (2002).

uma cobertura florestal por longo tempo. Por outro lado, no perfil de solo sob savana,

nota-se que houve uma diminuição de cerca de 6‰ entre a camada mais superficial e a

mais profunda; sugerindo que a savana predominante em tempos remotos era mais

arbustiva (plantas do tipo C3). Progressivamente, houve uma diminuição de plantas do

tipo C3, passando essa savana a ter uma dominância quase total de gramíneas do tipo

C4.

É importante notar que as duas curvas não se encontram nem nas camadas mais

profundas do solo, fato que difere do perfis de solo encontrados na Figura 6.5, onde nas

camadas mais profundas havia uma dominância de plantas C3 tanto no perfil sob

72

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floresta como no perfil sob savana. Com o passar do tempo, o perfil de floresta passou

a ser composto exclusivamente por plantas C3, típicas desse tipo de vegetação e o

perfil sob savana foi progressivamente sendo enriquecido com plantas do tipo C4.

Finalmente, um outro exemplo da variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do

solo com a profundidade pode ser visto na Figura 6.6. Nesta figura mostramos a

variação em profundidade da composição isotópica de amostras de solos coletadas no

Cerrado, em uma área situada na reserva do IBGE, próxima à cidade de Brasília.

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

3.5

4.0

-30 -28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14 -12

δ13C (o/oo)

Prof

undi

dade

do

solo

(m)

Humaitá

Figura 6.5. Variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do solo sob floresta

(círculo preto) e savana (círculo cinza) em relação à profundidade de um perfil de solo

coletado próximo à cidade de Humaitá, no Estado do Amazonas. Adaptado de Sanaiotti

et al. (2002).

O Cerrado tem várias fisionomias que variam em função da proporção entre

gramíneas e arbustos, arvoretas e árvores. Áreas onde as gramíneas são quase a

totalidade, recebem o nome de campo limpo. A medida que vai aumentando o número

de espécies não graminosas, as fisionomias vão mudando de campo limpo para campo

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sujo, cerrado stricto sensu, cerrado denso e, finalmente, cerradão, onde quase não

existem gramíneas. Na Figura 6.6 mostramos dois perfis, um com amostras de solo

coletadas em um campo sujo e outro com amostras coletadas no cerrado denso.

0100200300400500600700800900

-25 -24 -23 -22 -21 -20 -19 -18 -17

δ13C (o/oo)P

rofu

ndid

ade

do s

olo

(cm

)

Campo sujo Cerrado denso

Figura 6.6. Variação dos valores de δ13C da matéria orgânica do solo sob campo sujo e

cerrado denso em relação à profundidade de um perfil de solo coletado em uma região

de Cerrado situada próxima a Brasília. Mercedes Bustamante, Universidade de Brasília,

dados não publicados.

No perfil representando o cerrado denso, houve um aumento dos valores de

δ13C da MOS com a profundidade, sugerindo que em tempos remotos havia uma

mistura maior entre plantas do tipo C3 e C4. Atualmente, como indicado pelas amostras

superficiais, há um claro predomínio de plantas do tipo C3. No campo sujo, por outro

lado, houve uma mistura entre plantas do tipo C3 e C4 e a proporção de ambos os tipos

de plantas parece não variar significativamente com a profundidade (Fig. 6.6).

Estes tipos de estudo, que utilizam a composição isotópica do carbono, para

aferir mudanças passadas no tipo de vegetação são particularmente importantes em

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áreas que tiveram mudanças climáticas pretéritas significantes. Estudos

paleoecológicos (geomorfológicos e palinológicos) demonstraram em duas regiões do

Brasil a ocorrência de mudanças climáticas importantes no fim do Pleistoceno (10.000 a

13.000 anos) e no meio do Holoceno (5.000 a 6.000 anos). Os estudos palinológicos

foram desenvolvidos com maior intensidade na Amazônia e na região Centro-Leste do

Brasil (Minas Gerais, Salinas e Vale do Rio Doce).

6.3. Os valores de δ13C nas frações granulométricas do solo

Até agora analisamos os valores de δ13C na MOS como um todo, nesta seção

analisaremos a composição isotópica do carbono nas diferentes frações

granulométricas do solo. Primeiro observaremos que existem diferenças significativas

entre elas, e que essas diferenças podem ser utilizadas para estudarmos a dinâmica da

matéria orgânica do solo.

A tendência geral observada é que nas frações mais grosseiras do solo se

acumulam restos vegetais da cobertura vegetal atual, e na fração mais fina se acumula

a matéria orgânica mais intensamente decomposta, geralmente de origem microbiana

(Tab.1). Através de datação feita por 14C demonstrou-se que a fração silte-argila do

solo é geralmente a mais antiga. Esse padrão de comportamento causa diferenças

interessantes entre solos sob diferentes coberturas vegetais.

75

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Tabela 1. Variação dos valores de δ13C em diferentes frações granulométricas do solo.

Fração Vegetação antiga Vegetação atual Referência

Floresta (-30 (‰) Cana (-12‰) Vitorello et al. (1989)

Areia grossa -28.2‰ -18.7‰

Argila fina -24.4‰ -20.9‰

Floresta (-30.5 (‰) Cana (-12‰) Vitorello et al. (1989)

Areia grossa -28.9‰ -18.0‰

Argila fina -26.5‰ -21.0‰

Savana (-12.9‰) Flor. (-28.3‰) Martin et al. (1990)

Areia grossa -12.7‰ -25.3‰

Argila fina -14.1‰ -15.0‰

Primeiramente, vamos analisar a composição isotópica das frações

granulométricas de solos cobertos originalmente por florestas (total predomínio de

plantas C3). Nas primeiras linhas da Tabela 1 temos uma floresta localizada aqui em

Piracicaba, estudada por Vitorello et al. (1989), seguindo-se um estudo feito na

Amazônia por Desjardin et al. (1994). Obviamente existem diferenças entre as duas

florestas. Contudo, a mesma tendência pode ser observada em ambas. As frações mais

grossas do solo tiveram valores mais leves de δ13C, refletindo a composição isotópica

da cobertura vegetal. Nas frações mais finas observou-se um aumento nos valores de

δ13C, provavelmente fruto da decomposição da matéria orgânica.

Analisando-se os valores de δ13C de solos cobertos originalmente por plantas

C4, estudo de Martin et al. (1990), nota-se uma tendência muito semelhante, onde a

fração grossa reflete basicamente a composição isotópica da vegetação.

Agora nos ateremos às mudanças de vegetação. No estudo de Vitorello et al.

(1989), havia originalmente uma floresta que foi retirada para a introdução de cana-de-

açúcar. Note que interessante, no solo sob cana, as frações mais grosseiras são as que

tiveram maiores valores de δ13C, mais uma vez, refletindo na composição isotópica da

cobertura vegetal atual. As frações mais finas conservam ainda parte da cobertura

vegetal original (as florestas), misturada ao material originado pela cobertura atual

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(cana-de-açúcar). A mesma tendência pode ser vista no estudo de Desjardin et al.

(1994), onde a floresta amazônica foi substituída por uma pastagem.

O estudo de Martin et aI. (1990), ilustra uma situação oposta à anterior, uma

savana natural na Costa do Marfim, sendo invadida por plantas C3, ou seja uma

recolonização pela floresta. Note que nas frações mais grossas está refletida a

vegetação atual, a floresta que dominou toda a área. Portanto, os valores de δ13C são

menores. Nas frações mais finas ainda permanece uma grande proporção de material

oriundo das vegetação original, as gramíneas C4 da savana.

6.4. Modelo de mistura e suas aplicações em estudos de solos

Como as plantas C3 e C4 têm valores de δ13C totalmente distintos, podemos

aplicar o modelo de mistura que vimos no Capítulo 1 para determinar a contribuição

relativa de cada um dos tipos de plantas na composição da matéria orgânica dos solos.

Estudos desse tipo são interessantes em sistema onde, por exemplo, foi retirada uma

floresta e implantada culturas agrícolas com plantas C4, dentre elas: pastagens, cana-

de-açúcar e milho. Por outro lado, estes estudos são também interessantes quando se

estuda as relações savanas-florestas ou campos de florestas naturais, uma vez que

savanas e campos naturais têm uma proporção elevada de plantas C4 na sua

composição florística.

Primeiramente relembremos nosso modelo de mistura e depois o ilustraremos

com alguns exemplos:

100(%)4

134

133

1313

4 ⋅−

−=

−−

CplantaCplanta

Cplantasolo

CCCC

Cδδ

δδ................................(6.1)

Tendo a quantidade de carbono em cada perfil, obtida pela equação abaixo,

podemos calcular a massa de carbono proveniente de cada tipo de planta.

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(%)CzCt ⋅⋅= ρ ....................................................(6.2)

Onde Ct é a massa de carbono, z é a espessura do perfil, p é a densidade do

solo e C(%) é a porcentagem de carbono contida no solo. Multiplicando Ct por %C4

teremos a massa de carbono no solo oriunda das plantas C4.

Tabela 2. Massa de carbono (Ct) nas respectivas profundidades, contribuição da planta

C4 (%C4) e planta C3 (%C3) e massa de carbono oriunda de plantas C4 (Ct-C4) e planta

C3 (Ct-C3) em uma pastagem instalada na Amazônia. Fonte: Desjardin et al. (1994).

Prof. (cm) Ct (t/ha) %C4 %C3 Ct-C4 (t/ha) Ct-C3 (t/ha)

0 18.2 52 48 9.5 8.7

36087 11.5 26 74 3 8.5

A Tabela 2 ilustra a quantidade de carbono oriundo de plantas C3 e C4 em uma

pastagem na Amazônia que substituiu a floresta primária de terra firme que havia na

região (Desjardin et al., 1994). Na camada mais superficial (0-10cm), a proporção entre

plantas C3 e C4 é quase a mesma na composição da matéria orgânica do solo. Por

outro lado, na camada subsuperficial (10-20cm), a matéria orgânica remanescente da

floresta ainda predomina, com quase 9 toneladas de carbono por hectare contra

somente 3 toneladas de carbono por hectare sendo originado pela vegetação

introduzida recentemente.

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Capítulo 7 - Nitrogênio - Solo e Plantas 7.1. Introdução

As plantas terrestres têm como única fonte de carbono o CO2 atmosférico, as

plantas aquáticas podem também se utilizar do carbono dissolvido na água. Essa fonte

única, ou quase única, facilitou muito a compreensão dos fatores que determinam as

variações na composição isotópica do carbono estável nas plantas.

Por outro lado, as fontes de nitrogênio para as plantas são inúmeras.

Provavelmente, essa multiciplicidade de fontes se deve ao fato desse elemento ser

limitante ao crescimento das plantas. Portanto, durante sua evolução as plantas criaram

diversos mecanismos para se aproveitar de várias fontes. Assim, as plantas podem

receber nitrogênio da atmosfera através do processo de fixação biológica ou pela

deposição seca e úmida desse elemento. Podem também se abastecer das várias

formas de nitrogênio que existem no solo, inclusive de nitrogênio orgânico. A

composição isotópica do nitrogênio estável dessas diferentes formas é variável em

função de inúmeros parâmetros. Dessa forma, a interpretação dos valores de δ15N

encontrados nas plantas é muito mais complexa que dos valores de δ13C.

Adicionalmente, a determinação da composição isotópica do nitrogênio estável, até

cerca de 10-15 anos, era muito mais difícil que a do carbono estável. Em decorrência

dessas duas dificuldades, somente nos últimos anos começamos a entender os fatores

que determinam as diferenças entre os valores de δ15N encontrados nas plantas.

Neste capítulo discutiremos primeiramente as causas das variações na

composição isotópica da matéria orgânica do solo (MOS). Em seguida discutiremos

essas variações nas plantas superiores terrestres e, finalmente, discutiremos as

principais causas destas variações.

7.2. Valores de δ15N da matéria orgânica do solo

Na grande maioria das vezes determinamos os valores de δ15N da matéria

orgânica do solo e não das formas inorgânicas, tais quais NH4 ou NO3, que são as

formas corriqueiramente absorvidas pelas plantas. Esse fato terá conseqüências

81

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importantes que ajudarão a explicar as diferenças observadas entre a composição

isotópica dos solos e das plantas, como veremos mais adiante.

Os valores de δ15N da matéria orgânica do solo na maioria das vezes

decrescem com a profundidade. Essa variação com a profundidade é especialmente

acentuada em solos tropicais, onde são comuns diferenças de 8‰ entre os valores de

δ15N da superfície em relação às camadas mais profundas do solo (Fig. 7.1).

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

-8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12 14 16

δ15N (o/oo)

Prof

undi

dade

do

solo

(%)

1 2 3 4 5 6 7 89 10 11 12 13 14 15 16

Figura 7.1. Variação dos valores de δ15N da matéria orgânica do solo em perfis de solos

tropicais em relação à profundidade. Como os perfis tinham profundidades de

amostragem distinta, foi transformada em porcentagem em relação à camada mais

profunda para facilitar a comparação. Perfis 1,2, 6 e 7 - Piccolo et al.(1996); perfis 3 a 5

82

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- Bustamante et al. (2004); 8 a 10 - G.B. Nardoto (dados não publicados); perfis 11 e 12

- Silver et al. (2000); perfis 13 a 16 - Telles et al. (2003).

As maiores variações em profundidade ocorrem nas primeiras camadas do solo,

abaixo há uma certa constância nos valores de δ15N. Outro ponto importante é que os

valores de δ15N medidos em solos tropicais foram até o momento exclusivamente

maiores que 0‰, nenhum valor negativo foi ainda observado (Fig. 7.1). Os menores

valores encontrados foram aqueles oriundos do perfil 16, que se refere a um perfil

situado em uma área de baixo de uma Floresta Ombrófila Densa, próximo a cidade de

Manaus (Telles et al., 2003).

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

-8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12 14 16

δ15N (o/oo)

Prof

undi

dade

do

solo

(%)

17 18 19 20 21 22 23 2425 26 27 28 29 30 31 32

83

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Figura 7.2. Variação dos valores de δ15N da matéria orgânica do solo em perfis de solos

temperados em relação à profundidade. Como os perfis tinham profundidades de

amostragem distinta, ela foi transformada em porcentagem em relação à camada mais

profunda para facilitar a comparação. Perfis 17 a 21 - Koopmans et al. (1997); 22 -

Mariotti et al. (1980); 23 e 24 - Riga et al. (1971); 25 a 29 - Vervaet et al. (2002); 30 a 32

- Brenner et al. (2004).

Por outro lado, quando examinamos as variações em profundidade dos valores

de δ15N em perfis de solos temperados notamos que, ainda que o padrão de variação

seja o mesmo, valores menores que aqueles observados em solos tropicais (Fig. 7.2). A

diferença entre solos tropicais e temperados fica ainda mais nítida em um histograma

(Fig. 7.3). A média dos valores de δ15N para solos tropicais foi igual a 10.2‰, sendo o

menor valor 3.5‰ e o maior 21.7‰. Esse valor médio é estatisticamente maior que a

média dos valores observada em solos temperados, que é igual a 2.0‰, sendo o

menor valor -7.5‰ e o maior 8.0‰.

Essas diferenças entre solos tropicais e temperados serão discutidas

posteriormente. Aqui será discutida a principal similaridade entre os dois solos - o

enriquecimento em 15N com a profundidade. Os principais motivos para esse

enriquecimento são: (i) constante adição de matéria orgânica de plantas nas camadas

superficiais do solo. Como veremos adiante, os valores de δ15N das plantas são

geralmente menores que aqueles encontrados na MOS; (ii) as transformações de N-

orgânico para N mineral e mesmo entre moléculas inorgânicas de N levam a um

enriquecimento do substrato. Ou seja, conforme as reações de mineralização,

nitrificação, denitrificação e volatização ocorrem a matéria orgânica restante tronando-

se enriquecida em átomos de 15N. Na superfície esse efeito não é tão sentido porque a

maioria do N está na forma orgânica. No entanto, conforme a profundidade aumenta,

aumenta também a proporção de formas inorgânicas de N em relação à orgânica.

Nesse caso, o pool orgânico "sente" mais as reações de transformação e torna-se

isotopicamente mais pesado, ou seja, enriquecido em átomos de 15N.

84

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Núm

ero

de o

bser

vaçõ

es

δ15N (o/oo) - Solos tropicais

-10 -5 0 5 10 15 20 250

20

40

60

80

100

δ15N (o/oo) - Solos tem perados

-10 -5 0 5 10 15 20 25

Figura 7.3. Histograma de freqüência referente aos valores de δ15N da matéria orgânica

do solo determinada em perfis localizados em regiões tropicais e regiões temperadas.

Dentre os solos tropicais, o perfil 16 foi aquele que teve um menor

enriquecimento com a profundidade. Provavelmente essa ausência de enriquecimento

seja devida ao fato que a zona de baixio, próxima a um igarapé, é freqüentemente

inundada. A alternância de períodos encharcados e secos dificulta a mineralização da

matéria orgânica e, conseqüentemente, reações subseqüentes como nitrificação e

denitrificação, que tendem a deixar o substrato enriquecido em átomos de 15N. Assim,

há pouco enriquecimento ao longo do perfil do solo.

85

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7.3. Valores de δ15N de espécies de árvores nativas

Como já dito, as causas das variações na composição isotópica do nitrogênio

estável são mais complexas que a composição isotópica do carbono estável. Neste

último caso há uma diferença constante entre plantas que seguem o ciclo fotossintético

C3 e C4. Estas últimas são relativamente imunes a mudanças ambientais. Por outro

lado, a composição isotópica das plantas C3 depende da abertura e fechamento dos

estômatos, que por sua vez são dependente de variáveis ambientais, tais quais luzes e

disponibilidade de água. Esta interdependência foi elegantemente capturada em uma

equação simples desenvolvida por Farqhar, Osmond and Joe Berry em 1982 e discutida

no Capítulo 4.

Outro fator importante é que a principal fonte de carbono para as plantas

terrestres é o CO2 atmosférico e em raras ocasiões, o carbono se torna um elemento

limitante para o crescimento das plantas. Pelo contrário, o nitrogênio, juntamente com o

fósforo, são os principais elementos limitantes. Assim, as plantas desenvolveram vários

mecanismos a fim de utilizarem diferentes formas de nitrogênio, bem como de

explorarem diferentes fontes deste elemento.

Como as principais fontes de nitrogênio se encontram no solo, seria útil uma

breve revisão das formas de N e também sobre as transformações desse elemento

nesse meio. Essas transformações são na verdade uma seqüência de reações de oxi-

redução que envolvem fracionamentos isotópicos variáveis e, geralmente, elevados.

A maior parte do nitrogênio do solo se encontra na forma orgânica, ligado à

matéria orgânica. Quando da produção de NH4 através da mineralização da matéria

orgânica é aceito que não há um fracionamento isotópico significativo. Portanto, se uma

planta absorver o NH4 que foi recentemente criado, sua composição isotópica será

similar à da composição isotópica da matéria orgânica do solo. No entanto, na maioria

das vezes esse não é o caso, pois o NH4 pode ser rapidamente transformado em NH3 e

volatilizado sob condições de pH elevado, ou pode ser rapidamente transformado em

nitrato (processo de nitrificação) em condições de anaerobiose. No primeiro processo,

volatilização, Högberg (1997) atribuiu como valor médio para o fracionamento envolvido

nesse processo algo em torno de 29‰. No processo de nitrificação o fracionamento

86

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isotópico também é considerado elevado, geralmente variando de 15 a 35‰ (Högberg,

1997). Vale lembrar que em ambos processos o NH4 restante se tornará enriquecido

em átomos de 15N. Portanto, sua composição isotópica não será mais similar à

composição isotópica da matéria orgânica do solo.

Como as plantas absorvem do solo principalmente as formas inorgânicas NH4 e

NO3, a composição isotópica das plantas será uma função da composição isotópica

dessas formas inorgânicas e também da disponibilidade dessas duas fontes. Portanto,

uma mesma espécie de planta pode ter composições isotópicas distintas em função da

disponibilidade das formas inorgânicas de nitrogênio e de sua composição isotópica.

Como vimos anteriormente neste capítulo, a composição isotópica do nitrogênio estável

do solo varia com a profundidade, assim sendo, plantas explorando o mesmo solo, mas

com diferentes profundidades de raízes terão também composições isotópicas distintas.

Certos tipos de plantas, principalmente membros das famílias das leguminosas,

são capazes de fixar nitrogênio atmosférico através de um processo simbiótico com

bactérias do gênero Rhizobium. Essas bactérias transformam o N2 inerte da atmosfera

em uma molécula de NH3 disponível para a planta hospedeira. Assim, estas plantas,

além do solo, tem também na atmosfera uma fonte de N alternativa.

Da mesma forma, existem plantas que estabelecem associações com

micorrizas do solo. Embora a fonte seja o solo, o nitrogênio ao ser absorvido pela

micorriza e distribuído para as plantas sofre fracionamentos elevados. Logo, o

estabelecimento de associações entre plantas e micorrizas contribuem também para

alterar a composição isotópica das plantas.. Vale lembrar que associações com

micorrizas são comuns em solos deficientes em fósforo, como é a maioria dos solos

tropicais. Conseqüentemente, em nosso país, onde abundam solos tropicais, essas

associações são freqüentes.

87

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δ15N (o/oo)

Núm

ero

de o

bser

vaçõ

es

-8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 100

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

Figura 7.4. Histograma de freqüência dos valores de δ15N de folhas de árvores e

arbustos de formações florestais (barras cinza claras) e savanas (barras pretas)

brasileiras.

Para se ter uma idéia da variação existente nos valores de δ15N de folhas de

árvores de diversos tipos de vegetação brasileira, agrupamos cerca de 3.400 dados

analisados pelo nosso laboratório de espectrometria de massas. A média de todos

esses valores foi 3.6‰, sendo o menor valor observado igual a -15.1 ‰ e o maior

12.3‰. Portanto, houve uma variação de aproximadamente 27‰ entre esses dois

extremos. Para facilitar a visualização não incluímos esses valores extremos no

histrograma mostrado na Figura 4, somente incluímos aqueles valores que ocorreram

com maior freqüência. Nota-se claramente dois picos distintos no histograma, um

correspondente a valores ao redor de -2 a 0‰ e o segundo ao redor de valores entre 5

88

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a 7‰. Os menores valores foram comuns em plantas das savanas brasileiras,

enquanto os maiores valores foram mais freqüentes nas florestas brasileiras. O valor

médio para as savanas foi de -0.3‰, enquanto para as florestas o valor médio foi igual

a 5.2‰. Estes valores são estatisticamente distintos e serão discutidos mais adiante.

Posteriormente nessa primeira análise reagrupamos os dados referentes às

florestas distintas formações. Assim, as florestas Amazônicas foram divididas em

florestas de terra firme, florestas de baixio, florestas de várzea e campinarana (Tab. 1).

As florestas de terra firme, como o próprio nome diz não são inundadas; as florestas de

baixio ocupam os locais mais baixos dos terrenos e são periodicamente inundarias por

igarapés; as florestas de várzea são aquelas periodicamente inundadas pelos grandes

rios de água-branca da Amazônia. Finalmente, campinarana é um tipo de vegetação

arbórea assentada sob solos arenosos e bastante inférteis. As formações florestais

situadas no Estado de São Paulo pertencem ao domínio da Mata Atlântica. As

formações florestais situadas próximas ao oceano são genericamente classificadas pelo

IBGE como Floresta Ombrófila Densa e as do interior do Estado como Floresta

Ombrófila Estacional Semidecídua.

Ainda que os valores de δ15N das formações florestais foram sempre mais

elevados que os valores das savanas, nota-se que houve uma variabilidade acentuada

entre os valores de δ15N das formações florestais (Tab. 1). Os maiores valores médios

foram observados nas florestas de terra firme da Amazônia, seguindo-se a Floresta

Ombrófila Estacional localizada no Parque Estadual do Morro do Diabo no interior de

São Paulo. As florestas de várzea e os valores da Mata Atlântica costeira (Parque

Estadual de Intervales, SP) tiveram valores médios praticamente iguais e ambos foram

quase o dobro do valor médio da campinarana, que por sua vez foi significativamente

mais elevado que a floresta de baixio, próxima a Manaus (Tab. 1). As causas dessas

diferenças serão discutidas no próximo item.

89

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Tabela 1. Valores médios de δ15N de folhas de árvores acompanhados dos desvios-

padrão, valores mínimos e máximos e números de dados de diversos tipos de

vegetação do Brasil.

Vegetação Média Desvio-padrão

Mínimo Máximo Número de dados

Terra Firme 5.89 1.91 -2.04 12.33 1959 M.Atl.Estac. 3.93 1.62 -1.29 8.60 105

Várzea 3.15 1.77 -1.07 7.29 69 M.Atl.Densa 3.13 1.73 -0.63 7.57 118

Campinarana 1.43 1.76 -2.05 5.66 113 Baixio 0.36 1.23 -2.59 3.70 95

Savana -0.29 2.29 -15.1 8.40 959

7.4. Causas da variabilidade dos valores de δ15N em plantas

Diferentemente do carbono, onde uma planta que segue o ciclo fotossintético C3

ou C4 terá uma composição isotópica do carbono estável relativamente constante, a

variabilidade da composição isotópica do nitrogênio estável é muito maior e não há um

padrão a seguir. Pois, as variáveis que determinam a composição isotópica do

nitrogênio são tantas que fica difícil prevê-las de antemão.

Um exemplo pode ser visto em plantas coletadas em diferentes fisionomias do

Cerrado, na reserva do IBGE, próxima à cidade de Brasília, no Planalto Central

brasileiro (Bustamante et al., 2004). Uma mesma espécie pode ter valores de δ15N

distintos em função de seu habitat. Algumas espécies, como E. pubescens tiveram

diferenças de 4 a 5‰ em indivíduos distantes algumas centenas de metros um do outro

(Fig. 7.5).

Devido à complexidade que envolve a composição isotópica do nitrogênio

estável nas plantas terrestres, é muito difícil interpretar qual o significado ecológico

desses valores sem informações adicionais sobre o sistema que se estuda. Assim

sendo, todas informações referentes ao ciclo do nitrogênio do ecossistema em questão

90

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e detalhes sobre a nutrição das plantas que vivem no local são de extrema valia

(Hogberg, 1997).

Em certos casos, existem padrões relativamente constantes entre plantas que

nos permitem fazer algumas inferências sobre a dinâmica do nitrogênio baseando-se na

composição isotópica das plantas. Ou, por outro lado, determinar a fonte de nitrogênio

vigente para um determinado tipo de planta. Este último caso é ilustrado pela diferença

entre a composição isotópica de plantas que retiram nitrogênio exclusivamente do solo

e plantas da família das Leguminosas, que em certas condições, podem retirar

nitrogênio do ar para seu sustento.

-2.5 -2.0 -1.5 -1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0

c.sujo

c.sujo

cerrado

cerrado

cerradão

cerradão

δ 15N (o/oo)

Figura 7.5. Valores de δ15N de Eriotheca pubescens que habitam diferentes fisionomias

do Cerrado localizado na Reserva do IBGE, próximo à cidade de Brasília, no Planalto

Central brasileiro. Fonte: Bustamante et al. (2004).

91

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7.4.1. Fixação de nitrogênio atmosférico por plantas da família das Leguminosas

Alguns gêneros de Leguminosas têm a capacidade de formar uma simbiose

com bactérias do gênero Rhizobium, que são organismos fixadores de nitrogênio

atmosférico. Ou seja, retiram N2 inerte da atmosfera e o transforma em NH3, que se

torna disponível para a planta hospedeira.

Como a maioria dos valores de δ15N do solo são positivos e os valores de δ15N

do ar atmosférico são próximos a zero, uma vez que o ar atmosférico é o padrão, as

plantas que fixam nitrogênio da atmosfera tendem a ter valores de δ15N variando entre

zero e o valor isotópico do solo em que estão vivendo.

A presença ou não de fixação somente pode ser feita de forma comparativa, ou

seja, se comparando uma planta supostamente fixadora com outra não fixadora que

explorem o mesmo reservatório de nitrogênio e tenham formas de vida similares.

Alguns exemplos são vistos na Tabela 2. Na floresta de terra firme

localizada no plateau de uma vertente, a média das plantas não leguminosas foi de

4.2‰ e de duas Fabaceas - S.tomentifera e A.micrantha - foi de 0‰ e 0.6‰,

respectivamente. Por conseguinte, neste caso, poderíamos afirmar que S.tomentifera e

A.micrantha estariam fixando N da atmosfera. Por outro lado, B.elegans, outra

Fabaceae, por ter um valor de δ15N próximo à média das plantas não leguminosas, não

estaria fixando N da atmosfera. No Cerrado de Brasília, a mesma espécie, D.

miscolobium teve distintos valores de δ15N. Quando comparamos os valores de δ15N

dessa plantas com a média dos valores de plantas não leguminosas, nota-se que não

houve uma diferença significativa entre elas. Também é importante mencionar que o

desvio padrão do valor médio de δ15N das não-leguminosas do Cerrado foi de 2.4‰.

Portanto, a variabilidade dentro das não-leguminosas foi suficientemente elevada para

não permitir uma comparação segura entre leguminosas e não-leguminosas. Na

campinarana e na floresta de baixio a mesma dificuldade foi observada. Ou seja, o valor

médio das plantas não leguminosas é muito próximo a zero e a variabilidade também

acentuada. Assim sendo, torna-se difícil constatar a presença de fixação de N

atmosférico nestas florestas.

92

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Tabela 2. Valores de δ15N de espécies de plantas pertencentes à subfamílias das

Leguminosas coletadas em diferentes formações vegetais. Espécies do cerrado –

Bustamante et al. (2004).

Família Espécie Local Vegetação δ15N (‰)

Fabaceae Swartzia tomentifera Manaus plateau 0.0

Fabaceae Andira unifoliolata Manaus plateau 0.6

Mimosaceae Balizia elegans Manaus plateau 4.1

Não-leguminosas Manaus plateau 4.2

Minosaceae Parkia pamurensis Manaus baixio -0.7

Fabaceae Platymiscium duckei Manaus baixio -1.0

Fabaceae Macherium multifoliolatum Manaus baixio -2.1

Não-leguminosas Manaus baixio 0.6

Fabaceae Hymenolobium sericeum Manaus campinarana -1.9

Fabaceae Swartzia tomentifera Manaus campinarana 0.0

Fabaceae Andira unifoliolata Manaus campinarana -0.2

Não-leguminosas Manaus campinarana 0.7

Fabaceae Dalbergia miscolobium Brasília cerrado -2.2

Fabaceae Dalbergia miscolobium Brasília cerrado -0.5

Fabaceae Dalbergia miscolobium Brasília cerrado 0.3

Não-leguminosas Brasília cerrado 0.5

7.4.2. Ciclo aberto x ciclo fechado de nitrogênio - diferenças isotópicas

Vários trabalhos têm demonstrado que ecossistemas com menores limitações

de nutrientes, especialmente de nitrogênio, tendem a ter valores mais elevados de δ15N

tanto no solo como nas plantas.

93

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A razão para tal fato é que sistemas menos limitados geralmente têm uma

ciclagem mais aberta de nitrogênio. Em outras palavras, as perdas de nitrogênio são

relativamente elevadas em função dos estoques deste nutriente. Logo, processos como

mineralização, nitrificação e perdas por lixiviação e emissão de gases são maiores em

sistemas com ciclagens mais abertas. Geralmente, nesses sistemas as concentrações

foliares de N são maiores, a serapilheira é enriquecida em N e a queda de folhas é

relativamente alta. As relações C:N do solo e das plantas também costumam ser

menores nesses sistemas mais ricos em N.

Como as perdas de N são grandes, e os processos que produzem nitrogênio

disponível para estas perdas são isotopicamente fracionantes, com o substrato ficando

enriquecido em átomos de 15N, o nitrogênio que deixa o sistema é na sua maioria

empobrecido em átomos de 15N. Ao longo do tempo, átomos de 15N vão se acumulando

nestes sistemas perdedores de nitrogênio, como conseqüência, seus valores de δ15N

vão se tornando mais elevados. De maneira oposta, sistemas significativamente

limitados por N tendem a segurar este nutriente no sistema, portanto, as perdas são

menores e, conseqüentemente, o fracionamento isotópico também é menor.

Confirmando a hipótese acima, valores de δ15N de solos e plantas de florestas

tropicais (ricas em N) foram significativamente mais elevados que em florestas

temperadas (pobres em N) (Martinelli et al., 1979). Um exemplo claro dessa diferença

pode ser observada nas Figuras 7.1 e 7.2, onde se nota claramente que os valores de

δ15N da matéria orgânica do solo é mais elevada na grande maioria dos perfis de solos

oriundos de regiões tropicais, quando comparados a valores de perfis oriundos de

regiões temperadas..

Da mesma forma, os valores de δ15N de plantas que habitam sistemas ricos em

nitrogênio são mais elevados em relação a plantas que habitam sistemas limitados

(Tab. 3). Essa comparação pode ser feita dentre os diferentes tipos de vegetações

tropical e subtropical ou entre estes tipos e as vegetações temperadas.

94

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Tabela 3. Valores médios de δ15N (‰) de vários tipos de vegetações tropicais,

subtropicais e temperadas.

Vegetação País Média Referência

Terrafirme Brasil 5.89 Ometto et al. (2005)

M.Atl. Estac. Brasil 3.93 Silva (2005)

Várzea Brasil 3.15 Nardoto et al. (200x)

M.Atl. Densa Brasil 3.13 Silva (2005)

Campinarana Brasil 1.43 Nardoto et al. (200x)

Baixio Brasil 0.36 Nardoto et al. (200x)

Savana Brasil -0.29 Bustamante et al. (2004)

Tundra Suécia -1.70 Michelsen et al. (1998)

Tundra Sibéria -2.63 Nadelhoffer et al. (1996)

Tundra Alasca -2.91 Nadelhoffer et al. (1996)

Temperada Alasca -3.10 Hobbie et al. (2000)

“Heath” Suécia -3.58 Michelsen et al. (1998)

Temperada Alemanha -4.00 Gebauer & Schulze (1991)

“Heath” Groelândia -5.00 Michelsen et al. (1998

No primeiro caso, nota-se que há uma diferença acentuada entre as florestas

de terra firme e as florestas parcialmente inundadas de baixio, campinarana e savanas

tropicais (Cerrado). O Cerrado é significativamente limitado por nitrogênio devido ao

período de seca prolongado e à incidência de fogo. Conseqüentemente, as taxas de

nitrificação e denitrificação são baixas, numa tentativa do sistema de perder uma

quantidade mínima de N. Da mesma forma, grande quantidade de nitrogênio é

retranslocada antes das perdas das folhas, gerando uma serapilheira extremamente

pobre em N. Conseqüentemente, não ocorrem grandes fracionamentos e, portanto, não

ocorrem perdas acentuadas de átomos de 14N.

As florestas de baixio, localizada nas áreas mais baixas do terreno, ao longo

das margens dos igarapés, são também sistemas limitados por N em relação ás

florestas de terra-firme que se encontram nas áreas mais elevadas das vertentes.

95

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Nesse caso a limitação é causada pelo excesso de água, através das inundações

periódicas dos igarapés. Essa alternância de inundação reduz as taxas de

mineralização e nitrificação, levando á falta de N no sistema. Além disso, há

predominância de solos arenosos nos baixios, que facilita a lixiviação de nutrientes.

As campinaranas geralmente estão também localizadas sob solos arenosos,

não tão arenosos quanto os solos de baixios, mas suficientemente arenosos para

facilitar a lixiviação de nutrientes. Devido à esse fato são também sistemas limitados em

N, não tanto quanto os baixios, mas certamente mais que as florestas de terra-firme

localizadas nos platôs. Como conseqüência, os valores de δ15N das plantas da

campinarana são intermediários entre as florestas de baixio e as florestas situadas nos

platôs.

As florestas temperadas são consideradas ainda mais limitadas em nitrogênio

que as formações florestais tropicais. Como conseqüência, os valores de δ15N desses

tipos de florestas são significativamente menores que aqueles encontrados em florestas

tropicais. Note que há uma diferença de praticamente 10‰ entre os valores médios

encontrados na florestas de terra-firme na Amazônia e aqueles encontrados na

Groelândia, em um tipo de vegetação denominado "heath".

É interessante notar que mesmo dentre as florestas de terra-firme da Amazônia

existem diferenças nos valores de δ15N das folhas deste tipo de vegetação. Nardoto

(2005) mostrou que existe uma relação direta entre a duração da estação seca e os

valores de δ15N de folhas de florestas de terra-firme na Amazônia. Assim, quanto maior

a duração da estação seca, maior os valores de δ15N (Fig. 7.6) . A provável explicação

para essa relação seria que o excesso de água limitaria os processos de mineralização

e nitrificação, que tornam o nitrogênio disponível para as plantas. Além disso, o excesso

de chuvas facilitaria as perdas de nitrogênio por lixiviação.

96

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0

1

2

3

4

5

6

7

S.G.Cachoeira Manaus Santarém

δ15N

(o / o

o)

Figura 7.6. Valores médios de δ15N (quadrados), erros-padrão das médias (retângulo) e

desvios-padrão das médias (barras) de folhas de florestas de terra-firme da Amazônia.

Período seco foi definido como meses que tiveram menos que 100 mm de precipitação.

São Gabriel da Cachoeira (2 meses de seca); Manaus (3 meses de seca) e Santarém

(5 meses de seca). Adaptado de Nardoto et al. (2005).

Outro exemplo interessante se refere ao estabelecimento de florestas

secundárias após a ocorrência da retirada da vegetação original. Michela Figueira

(dados não publicados) determinou os valores de δ15N de folhas de árvores em

florestas secundárias de diferentes idades em uma região situada no nordeste do

Estado do Pará (Fig. 7.7). Os resultados referentes as florestas secundárias foram

comparados aos resultados oriundos de uma floresta primária que foi utilizada como

97

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referência para este estudo. Nota-se que conforme a idade da floresta secundária

aumenta, os valores de δ15N tornam-se mais elevado (Fig. 7.7)

-0.5

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

6 anos 20 anos 40 anos madura

δ15N

(o / o

o)

Figura 7. Valores médios de δ15N em folhas de plantas das famílias oriundas de

florestas secundárias de 6, 20 e 40 anos de idade e da floresta primária. Adaptado de

Michela Figueira (dados não publicados).

A explicação para esse fato seria que nos primeiros anos de sucessão, a

vegetação presente seria mais limitada por nitrogênio, conseqüentemente, as perdas de

nitrogênio seriam menores e os valores de δ15N também menores por razões já

mencionadas. Neste começo de sucessão é bem provável que as leguminosas estariam

ativamente fixando nitrogênio do ar atmosférico para compensar a falta deste nutriente.

No entanto, como já visto anteriormente, não é possível se verificar essa informação

baseando-se nos valores de δ15N. Pois, os valores de δ15N das não-leguminosas na

floresta secundária de 6 anos foram menores que os valores isotópicos das próprias

leguminosas.

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Com o avançar da idade as florestas secundárias vão se tornando menos

limitadas por nitrogênio, gerando maiores perdas desse nutriente e, conseqüentemente,

um enriquecimento em átomos de 15N. Corroborando com esta hipótese há o fato que

as perdas de N via denitrificação aumentam das menores para as maiores idades.

Adicionalmente, a serapilheira se torna progressivamente mais rica em nitrogênio com o

aumento das idades das florestas secundárias, assim como a concentração de

nitrogênio nas folhas.

De uma maneira geral, se concluí que qualquer evento ou processo que leve há

um aumento ou diminuição na disponibilidade de nitrogênio em um determinado

sistema, o levará a alterar a composição isotópica do nitrogênio. Os diversos

mecanismos pelo qual essa mudança acontece ainda não conhecidos em detalhe. Pois,

como dito anteriormente, nosso conhecimento sobre a composição isotópica do

nitrogênio é ainda bem menor que nosso conhecimento sobre a composição isotópica

do carbono.

99

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100

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Capítulo 8: A Composição Isotópica do Carbono no Hidrosfera 8.1. Introdução

Na hidrosfera (oceanos, rios, lagos e água subterrânea) existem várias formas

de carbono, as principais são o carbono inorgânico dissolvido (DIC), o carbono orgânico

dissolvido (DOC), o carbono orgânico particulado (POC), sedimentos e os produtores

primários que incluem os fitoplânctons, perifiton e plantas superiores submersas.

Vamos primeiro abordar os oceanos e suas várias formas de carbono,

posteriormente rios e lagos, e finalmente a interface entre o sistema aquático e

terrestre, que são as zonas costeiras tais como estuários, mangues, banhados e etc.

8.2. Oceano 8.2.1. Carbono Inorgânico Dissolvido (DIC)

O oceano é um grande reservatório de carbono, a maior parte dele se encontra-

se em uma forma dissolvida, seja como HCO3 ou CO2. O estudo mais abrangente sobre

a composição isotópica das formas inorgânicas dissolvidas nos oceanos foi feita por

Kroopnick (1985). Foram analisadas mais de 2252 amostras de água dos cinco

oceanos. A forma analisada foi o CO2 dissolvido. Segundo Kroopnick (1985) a

composição isotópica dessa espécie é determinada pela reação de equilíbrio com

outras espécies carbonatadas dissolvidas (e.g. reação de equilíbrio entre HCO3 e CO2);

reação de equilíbrio entre CaCO3 e o CO2 e reação de equilíbrio com a matéria

orgânica presente. Além desses fatores as variações verticais e horizontais das massas

de água contribuem para homogeneização desses fenômenos, sendo que a

importância relativa de todos esses parâmetros será variável em função da localização

geográfica. No entanto, de uma maneira geral, como predominam as reações com o

carbonato de cálcio (δ13C = 0 a 2‰), geralmente o valor do δ13C-CO2 é próximo a esse

valor. Na figura abaixo podemos ver a variação nos valores de δ13C-CO2 na região

oeste do Atlântico, a qual envolve a costa leste americana e o litoral brasileiro.

102

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Observa-se na figura acima que existe uma certa variabilidade nos valores de

δ13C-CO2 em função da profundidade (Fig. 8.1). A Figura 8.2 mostra um típico perfil

encontrado na região norte do Oceano Pacífico (Kroopnick, 1985).

Figura 8.1. Variação dos valores de δ13C do CO2 dissolvido no oceano em relação à

profundidade e à latitude. Adaptado por Kroopnick (1985).

A concentração mínima de oxigênio observada a grosso modo 1000 m de

profundidade é devido ao consumo desse elemento na decomposição da matéria

orgânica produzida na superfície. Nesse ponto a concentração de CO2 é máxima, uma

vez que o produto final desse processo oxidativo é o CO2. Por sua vez, seus valores de

δ13C decrescem, uma vez que está sendo oxidada uma matéria orgânica com valores

de δ13C em torno de -21‰.

103

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Figura 8.2. Variação dos valores de δ13C, concentração de oxigênio dissolvido e fósforo

em relação à profundidade do oceano. Adaptado de Kroopnick (1985).

8.2.1. Fitoplâncton

As outras formas de carbono encontradas no oceano, ou seja, POC e DOC são

dependentes da composição isotópica do fitoplâncton. Portanto, seria útil se antes de

discutirmos a composição isotópica dessas outras espécies de carbono, discutíssemos

a composição isotópica desses organismos.

Como sabemos esses organismos são fotossintetizadores, portanto, fixam

carbono do meio em que vivem. Farquhar et al. (1989) propuseram o seguinte modelo

para explicar a composição isotópica encontrada em fitoplânctons.

104

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a

cLLdissolvidoonfitoplanct p

pabaCC ⋅−−−= )(1313 δδ ...................................(8.1)

Onde, δ13Cdissolvido é a composição isotópica da fonte de carbono dissolvido na

água; aL representa a difusão do CO2 na água (0.7‰) e b refere-se à fixação do CO2

em uma forma orgânica. Como já vimos b é aproximadamente igual 30‰.

Portanto, substituindo-se esses valores na equação (2) teremos:

a

cdissolvidoonfitoplanct p

pCC ⋅−−= )3,29(7,01313 δδ .......................................(8.2)

Podemos novamente assumir valores extremos (zero e 1) para a relação pc/pa e

deduzir o possível valor do fitoplâncton. Quando pc/pa tender a 1, teremos que:

0,301313 −= dissolvidoonfitoplanct CC δδ ...............................................................(8.3)

Portanto, os valores do fitoplâncton serão relativamente mais negativos.

Quando igualamos pc/pa igual a zero, teremos que:

7,01313 −= dissolvidoonfitoplanct CC δδ .................................................................(8.4)

Nesse caso, os valores do fitoplâncton serão relativamente mais positivos.

Vários autores estudaram a composição isotópica de fitoplânctons marinhos, os

resultados variaram entre -18 a -24‰, com uma média em torno de -21‰. Várias

relações tais como espécie, temperatura, massa de água, foram colocadas como

responsáveis pela composição isotópica de fitoplâncton. Hoje em dia existe uma

tendência em se acreditar que a variável mais importante é a disponibilidade de CO2

105

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dissolvido para as células. Fato que está perfeitamente de acordo com o modelo

proposto por Farqhuar et al. (1989).

Essa relação entre disponibilidade de CO2 e composição isotópica do

fitoplâncton foi elegantemente mostrada por Raul et al. (1989) (Fig. 8.3).

À medida que a solubilidade do CO2 aumenta os valores de δ13C do fitoplâncton

tornam-se menores. Esse fenômeno é especialmente acentuado em altas latitudes,

como nas regiões polares. Por esse motivo, os primeiros pesquisadores que

encontraram valores extremamente negativos nas regiões polares atribuíram esses

valores à temperatura. Na verdade o efeito da temperatura é indireto, uma vez que

interfere na solubilidade do CO2 dissolvido.

8.2.3. Carbono Orgânico Dissolvido (DOC) e Particulado (POC)

A origem dessas duas frações parece ser comum: produção primária e material

de origem terrestre. No entanto, sua composição química é distinta, bem como seu

tempo de residência é sensivelmente distinto. Na verdade não existem muitas medidas

sobre esses dois componentes. No caso do POC é difícil fazer uma distinção clara entre

uma coleta pura de fitoplâncton vivo e uma coleta de POC que envolve fitoplâncton

morto e vivo e debris de várias origens. Assim sendo, em mar aberto, os valores de

POC são muito parecidos isotopicamente com os valores do fitoplâncton (-18 a -24‰)

com uma média geral de -21‰. E interessante notar, entretanto, que o os valores de

δ13C do POC em regiões polares foram ao redor de -26 a -28‰, refletindo os valores do

fitoplâncton nessas regiões mais frias, que como vimos são mais negativos que em

regiões mais quentes.

106

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Figura 8.2. Variação dos valores de δ13C de amostras de fitoplâncton e da concentração

de CO2 dissolvido em função da temperatura do superfície da água do mar. Adaptado

de Rau et al. (1989).

Valores de δ13C para o DOC são mais restritos ainda, Deines (1980) cita uma

variação entre -20 a -23‰, sendo que o valor mais freqüente seria -23‰. Portanto, em

média o valor de DOC seria ligeiramente mais negativo que o valor médio do

fitoplâncton. Essa diferença é geralmente atribuída a fracionamento que ocorrem na

formação desses compostos. Por outro lado, analisando-se 26 amostras do golfo do

México, mar do Caribe e Atlântico, Edie et al. (1978) encontrou um valor médio igual a -

22.3±0.9‰, sendo o menor valor igual a -24.2‰ e o maior valor igual a -19.6‰.

Portanto, ainda que esses valores sejam mais pesados que -23‰, são ainda mais

leves que -21‰, média encontrada para os fitoplânctons.

107

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8.2.4. Sedimentos marinhos

O sedimento marinho, como os solos, parece refletir a composição isotópica de

sua fonte de carbono. No caso dos oceanos a principal fonte é o fitoplâncton, nas áreas

costeiras além do fitoplâncton, há a influência do material terrestre que é erodido e

chega ao oceano principalmente pelos rios. Deines (1980) fez uma compilação de

dados existentes sobre a composição isotópica do sedimento marinho. Podemos

observar por essa figura que existe uma distribuição bimodal, uma moda com valores

mais pesados entre -10 a -19‰ e outra entre -20 a -30‰, sendo que os valores mais

freqüentes nessa moda mais leve estão entre -23 a -25‰. Os valores mais pesados

foram provenientes de regiões costeiras e refletem a composição isotópica de plantas e

organismos que vivem na área. O autor discute que entre a moda mais leve, a

composição isotópica parece ser realmente uma função da fonte de carbono.

Os autores isolaram as amostras com influência terrestre mínima, em preto na

figura, e notaram que os valores mais leves tiveram procedência em amostras

coletadas em regiões mais frias, onde a composição isotópica do fitoplâncton é mais

leve. Pelo contrário, as amostras mais pesadas tiveram origem principalmente no golfo

do México, uma região mais quente, onde os valores de δ13C do fitoplâncton são mais

pesados.

108

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Figura 8.4. Distribuição de freqüência de valores de δ13C de amostras de sedimentos

marinhos. Adaptado por Deines (1980).

109

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8.3. Rios e lagos 8.3.1. Dissolved Inorganic Carbon (DIC)

Segundo Mckenzie (1985), a composição isotópica do DIC em um lago é

controlada por três fatores: 1) a composição isotópica das fontes de carbono; 2) trocas

de CO2 com a atmosfera e 3) fotossíntese e respiração. Segundo a mesma autora o

principal fator é o balanço entre fotossíntese e respiração.

Figura 8.5. Variação dos valores de δ13C do carbono inorgânico dissolvido em amostras

de águas coletadas no lago Washington, Seattle, Estados Unidos. Adaptado por Quay

et al. (1989).

110

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Para exemplificarmos examinaremos a variação do δ13DIC no lago Washington,

localizado em Seattle, nos Estados Unidos. Nos meses de inverno não há uma variação

dos valores de δ13DIC com a profundidade. Nos meses de verão há uma mudança

radical nesse comportamento. Na região eufôtica, onde ocorre a fotossíntese, os

fitoplânctons estão fixando preferencialmente 12C, portanto, restará na água em solução

uma maior quantidade relativa de 13C, tornando os valores de δ13DIC mais pesados em

relação ao inverno. Em agosto, no verão o máximo valor de δ13DIC encontrado foi -

4.5‰. Aproximadamente a partir de 10 a 15 m os valores de δ13DIC tornam-se menores

em relação aos valores de inverno à mesma profundidade (Fig. 8.5). observado

decréscimo nos valores de δ13DIC deve-se a decomposição da matéria orgânica

produzida na zona eufôtica. Como sabemos os fitoplânctons são isotopicamente leves,

portanto, a decomposição dessa massa produzira um CO2 também mais leve que irá se

misturar com o CO2 remanescente do inverno.

Nos rios a história é mais ou menos a mesma, ou seja, ocorre uma mistura de

DIC originado da decomposição de carbonatos (δ13C = 0‰) com DIC gerado

biogenicamente. Não existem muitos dados a respeito da composição isotópica do DIC

em rios. Provavelmente a maior coleção de dados foi feita pelo projeto CAMREX. Nesse

projeto foram amostrados o rio Amazonas e seus principais tributários em várias épocas

do ano. Para efeito de comparação nós dividimos as amostras oriundas do rio

Amazonas coletadas durante a descida e a subida das águas, e as amostras dos

tributários em amostras vindas de tributários de águas brancas e águas pretas.

Tabela 1. Valores médios de δ13C do carbono inorgânico dissolvido de alguns rios da

Amazônia.

RIOS E TRIBUTÁRIOS δ13DIC (‰)

Rio Amazonas – subida das águas -13.2 Rio Amazonas – descida das águas

-15

Tributários águas brancas -17.3 Tributários águas pretas -23.4

111

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Parece que a composição isotópica do DIC reflete o grau de mistura entre o

carbono biogênico e o mineral. No rio Amazonas, nascido nos Andes, portanto com um

razoável aporte de DIC mineral observamos os valores mais pesados de δ13DIC, na

subida das águas o valor médio foi igual a -13.2 ± 1.3‰ (n = 44). Por outro lado, na

descida das águas, os valores foram significativamente mais negativos (-15.0 ± 1.4‰, n

= 33), provavelmente devido à drenagem da água dos lagos de várzea que devem ter

valores de δ13DIC mais negativos. Os tributários de água-branca, que nascem nas

regiões andinas e subandinas, também carregam uma quantidade razoável de DIC de

origem mineral, no entanto, esses tributários proporcionalmente drenam uma maior

área de terras-baixas (florestas). Essa condição é refletida nos valores de δ13DIC,

nesses tributários o valor médio foi igual a -17.3 ± 2.7‰ (n = 33). A máxima influência

do material biogênico no DIC pode ser visto nos tributários de água-preta que drenam

exclusivamente terras-baixas, tendo pouco quantidade de DIC de origem mineral, sendo

a maioria de origem biogênica. Nesses rios (Jutai e Negro) a média foi igual a -23.4 ±

2.6‰ (n = 14).

Uma outra forma de visualizarmos a mistura entre carbono biogênico e carbono

mineral refletido no DIC, é observarmos a Figura 8.6, a qual ilustra a variação espacial

nos valores de δ13D1C durante a subida e a descida das águas. Note que em ambos os

períodos ns valores ria δ13DIC tornam-se mais leves rio abaixo. A explicação para esse

fato seria a constante entrada de material biogênico através dos tributários, que como

vimos apresentam valores de δ13DIC mais leves, e também de material biogênico das

várzeas. Essas contribuições parecem ser mais importantes durante a descida das

águas, quando o decréscimo rio abaixo nos valores de δ13DIC foi claramente mais

acentuado que o decréscimo observado durante a subida das águas.

112

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Figura 8.6. Variação ao longo dos rios Solimões e Amazonas dos valores de δ13C do

carbono inorgânico dissolvido (DIC) em amostras coletadas durante a subida das águas

(círculo fechado) e durante a descida das águas (círculo aberto). Adaptado por

Martinelli et al. (1991).

Comparativamente, podemos citar os valores de δ13DIC em dois rios localizados

no Estado de Washington, nos Estados Unidos, onde predomina um clima temperado,

com inverno rigoroso (Quay et al., 1986). O rio Sammamish teve um valor médio

próximo ao valor encontrado no rio Amazonas durante a subida das águas, a média no

rio temperado foi igual a -13.1 ± ‰ (n = 8). O rio Cedar, por outro lado, teve um valor

sensivelmente mais pesado, em torno de -10.5 ± 0.6‰ (n = 8). Vale lembrar que esses

113

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dois rios são os principais alimentadores do lago Washington, o qual nos referimos

acima.

8.3.2 Fitoplâncton

Em geral, os valores de δ13C do fitoplâncton (δ13Cfito) de água doce são mais

negativos que os valores de água salgada (Tab. 2).

Tabela 2. Valores de δ13C do fitoplâncton (δ13Cfito) de água doce são mais negativos

que os valores de água salgada (Tab.2).

Local δ13C (‰)

Média – marinho -21 Rio Piracicaba -30 Rio Jacaré-Pepira -32 Rio Amazonas -34 Rio Doce -37 Lago subalpino -41

Quais seriam as causas desse empobrecimento isotópico ???

1) Em primeiro lugar, sistemas de água doce, principalmente lagos, são ricos em

espécies dissolvidas de carbono devido à decomposição da matéria orgânica

produzida in situ, ou suprida pela bacia de drenagem. Dessa forma, se nos

lembrarmos do esquema proposto por Degens et al. (1968), esse fato permitirá

um máximo de fracionamento entre a célula e a fonte de carbono (18 a 19‰).

2) Devido à decomposição da matéria orgânica, que na maioria das vezes, tem

composição isotópica ao redor de -27‰, o DIC, fonte de carbono para os

fitoplânctons, será também menor. Como vimos anteriormente, os rios de água-

preta da Amazônia podem ter valores tão negativos quanto -24.6‰. No rio

Amazonas a média entre os períodos de subida e descida das águas foi de -14.0

114

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± 1.6‰, vamos admitir que esse valor seja também representativo dos lagos da

região, como vimos na figura acima, o δ13Cfito da Amazônia foi de em média -

34‰, isso supõe um fracionamento entre o DIC e a célula em torno de -20 a -

19‰ como previsto no modelo de Degens et al. (1968).

8.3.3 Dissolved (DOC) and Particulate (POC) Organic Carbon

DOC - A origem do DOC da água doce parecem ser as substâncias húmicas do

solo, misturado a substâncias mais lábeis como carbohidratos e aminoácidos. As

medidas da composição isotópica dessa fração são bastante reduzidas, existem vários

problemas metodológicos. Os poucos valores existentes, indicam que o DOC em

termos isotópicos reflete os valores encontrados em ambientes terrestres. Assim,

algumas medidas feitas pelo nosso grupo no rio Amazonas indicam valores constantes

entre -26 a -27‰. Uma segunda medida foi feita por Matson and Brinson (1990) em rios

de estuário localizados na Carolina do Norte. Os valores encontrados por esses autores

foram semelhantes aos valores encontrados por nós na Amazônia. Para o rio Tar, o

valor médio foi igual a -25.5 ± 0.4‰, enquanto que para o rio Neuse foi igual a -25.1 ±

1.0‰.

POC - A origem do POC dos rios parece estar ligada aos solos e plantas

presentes na bacia de drenagem e a produção in situ dos rios e lagos. A maioria dos

valores existentes em rios refletem valores geralmente encontrados em solos da região,

já nos lagos parece haver uma contribuição maior do fitoplâncton.

A tabela abaixo resume os valores de δ13POC em vários rios. Um maior número

de dados vêm do rio Amazonas e seus tributários.

Tabela 3. Valores de δ13C no carbono orgânico particulado de vários rios.

RIOS δ13C-POC Alto Amazonas -27,2 Tributários águas-brancas -28,5 Tributários águas-pretas -29,1

115

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Tributários águas-claras -32,0 Rio Atibaia -27,2 Rio Jaguari -26,4 Rio Piracicaba -25,8 Rio St. Lawrence (Canadá) -25,5 Rio Otsuchi (Japão) -26,0 Rio Congo (África) -26,7 Rio Sanaga (Camarões) -24,4

Note que em geral todo o sistema Amazônico apresenta valores de δ13C mais

negativo que os outros rios, provavelmente devido aos baixos valores de δ13C

encontrados em sua vegetação e em seus solos. Mesmo dentro desse sistema existem

diferenças entre os diferentes tributários. Entre esses, os tributários de água-branca são

os que apresentam valores mais pesados de δ13C, mas mesmo assim, esses valores

foram ligeiramente mais leves que o canal principal. Os tributários de águas-pretas que

drenam uma porção relativamente maior de terras-baixas, apresentaram valores mais

leves de δ13C em relação ao rio Amazonas e tributários de água-preta, provavelmente

refletindo na maior contribuição de material isotopicamente mais leve produzido nas

terras baixas. Finalmente, os tributários de águas-claras, apresentaram os valores mais

negativos de todos. É importante lembrar que a produção primária nesses rios de águas

claras é elevada, principalmente em sua foz, onde foram coletadas as amostras.

Portanto, esses valores mais negativos podem estar refletindo. No valor do δ13C dos

fitoplânctons, que como vimos anteriormente é bastante negativo. No caso da região

Amazonas, tivemos um valor médio de -34‰.

Antes de encerrarmos essa discussão sobre POC em rios, é importante

mencionar que os estudos feitos com POC no projeto Camrex levaram em conta duas

frações: a chamada fração fina <63pm e a fração grossa >63pm. Hedges et al. (1986)

demonstraram pelo uso dos valores de δ13C, C:N e produtos de oxidação da lignina,

que essas duas frações apresentam uma gênese distinta. A fração fina tem origem nos

solos da região, e é composta por material húmico, já bastante degradado. Por outro

116

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lado, a fração grossa tem origem no material vegetal produzido na bacia, principalmente

folhas e madeira de plantas de ciclo C3, assim a contribuição das gramíneas que

crescem nas várzeas foi contabilizada menor que 10%.

O POC dos lagos parece refletir mais a produção primária in situ do lago. Ou

seja, nesses ambientes o POC será uma mistura de fitoplâncton vivo e morto, bactérias,

restos vegetais, zooplâncton, material fecal e etc... Em vários lagos de várzea da

Amazônia essa relação torna-se clara. Enquanto que o POC do rio Amazonas foi em

média igual a -27.0‰, o POC médio de alguns lagos de várzea da Amazônia foi igual a

-33.8‰.

Sólidos suspensos totais (mg.L-1)

δ13C

(o /oo)

Fraç

ão g

ross

a

-38-36-34-32-30-28-26

-24-22-20-18-16-14

A ma z onas

Fraç

ão fi

na

0,55,0

50,0500,0

-38-36-34-32-30-28-26

-24-22-20-18-16-14

Ji- par aná

0,55,0

50,0500,0

P iracicaba

0,55,0

50,0500,0

Mogi

0,55,0

50,0500,0

Cabras

0,55,0

50,0500,0

P iracicami rim

0,55,0

50,0500,0

Figura 8.7. Relação entre a concentração de sólidos suspensos totais e δ13C do material

orgânico particulado fino de amostras coletadas em diversos rios do Brasil. Adaptado

por Martinelli et al. (2005).

117

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118

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Capítulo 9 - Animais e sua dieta através dos valores de δ13C

9.1. Introdução

A identificação das fontes alimentares de um animal pode ser feita,

essencialmente de duas formas: (i) observação de hábitos alimentares por um tempo

suficientemente longo, que permita ao animal alimentar-se de todos os itens que

compõe a sua dieta; (ii) análise do conteúdo estomacal.

O primeiro método é considerado por demais tedioso e, às vezes perigoso,

incorrendo em imprecisões. Este método pautou o início dos estudos de dietas e é

pouco utilizado atualmente, a não ser em identificação de dietas de aves.

O segundo método tem o agravante que o animal pode não digerir tudo que se

encontra em seu estômago. O maior exemplo são os tubarões, existem relatos que já

foram encontrados em seus estômagos, desde placas de automóvel até pneus. Além

disto, a identificação de itens em avançados estágios de decomposição no trato

digestivo é muito imprecisa. Ainda assim, esse método fornece informações que

subsidiam enormemente a interpretação de resultados advindos de estudos que

utilizam isótopos estáveis em nutrição animal.

Alguns aspectos importantes sobre o emprego da metodologia isotópica em

nutrição animal devem ser salientados antes de seu emprego. Em relação às fontes

alimentares devem ser consideradas todas as prováveis fontes. Essas informações são

obtidas principalmente através de estudos comportamentais ou de conteúdo estomacal.

Obviamente, a composição isotópica dessas fontes deve ser determinada, levando-se

em conta inclusive, possíveis variabilidades sazonais na composição isotópica das

fontes alimentares.

Quanto ao organismo considerado várias questões devem ser consideradas.

Em casos de uma única fonte alimentar devemos conhecer o fracionamento isotópico

que por ventura possa existir entre a dieta e o tecido do organismo considerado, ou no

caso de pequenos invertebrados, entre a dieta e o animal como um todo. Esse tipo de

fracionamento ocorre principalmente devido ao caminho metabólico que o alimento

percorre antes de ser incorporado em algum tecido (Fig. 9.1).

119

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Os isótopos são fracionados nos tecidos animais em função de sua atividade

metabólica. Por exemplo, o fígado tem uma função metabólica totalmente distinta que

um músculo. Portanto, não podemos comparar diretamente a composição isotópica do

fígado com à do músculo, pois certamente o fracionamento isotópico entre a dieta e

esses dois tecidos será distinto. Por exemplo, o fracionamento isotópico entre a ração

fornecida a porcos mostrou que a cartilagem, o pêlo e as unha dos animais tiveram um

fracionamento isotópico menor que 1‰; enquanto tecidos metabólicos com o muscular

teve um fracionamento isotópico ao redor de 1,5‰ e o fígado e o tecido adiposos

tiveram fracionamentos maiores que 2‰ (Fig. 9.1).

-14.9

-15.7

-15.9

-16.7

-17.6

-18.2

-18.2

-2.5 -2 -1.5 -1 -0.5 0 0.5 1 1.5

Gordura

Fígado

Músculo

Unha

Ração

Pêlo

Cartilagem

Fracionamento dieta-tecido (o/oo)

Figura 9.1. Fracionamento isotópico médio entre a ração (dieta) e vários tecidos de

cinco porcos criados e abatidos pelo Departamento de Zootecnia dos Animais Não-

Ruminantes da ESALQ. Os valores próximo às barras representam os valores médios

de δ13C de cada tecido e da ração. Por exemplo, o fracionamento entre a ração e o

fígado foram obtidos por δ13Cfígado - δ13Cração, ou seja, -15,9 – (-18,2) = 2,3. Fonte dos

dados: Gabriela Nardoto (dados não publicados).

120

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Estudos em que a composição isotópica da fonte alimentar de um determinado

organismo varia sazonalmente, pode existir o problema da “memória isotópica”. Ou

seja, quanto tempo leva para que o carbono ou nitrogênio fixado a partir de uma fonte

alimentar em um determino período seja substituído pela nova fonte alimentar. Por

exemplo, o tambaqui, uma espécie nobre de peixe que habita a bacia Amazônica

alimenta-se, como veremos adiante, de frutos e sementes na época em que rios e

lagos estão cheios e basicamente de fitoplânctons quando rios e lagos estão vazios.

Considerando-se que a composição isotópica de frutos e sementes seja distinta da

composição isotópica do fitoplancton, podemos utilizar a metodologia isotópica para

estudar a nutrição do tambaqui. Vamos supor que o período de cheia dure 4 meses na

Amazônia e que o período de águas baixas também dure 4 meses. Caso exemplares

de tambaqui sejam amostrados logo no início do período de cheia, provavelmente o

carbono ou nitrogênio de seus tecidos foram adquiridos durante o período de águas

baixas. Portanto, seria prudente que os exemplares fossem capturados no final do

período de cheia para garantir que a maioria do carbono adquirido neste período já

tivesse sido incorporado no tecido dos peixes.

Finalmente, vale lembrar que para a maioria dos alimentos existe mais que uma

fonte alimentar e nem todos os componentes dessa mistura de alimentos são digeridos

com a mesma eficiência.

Os primeiros estudos empregando a metodologia isotópica em nutrição animal

foram publicados em meados da década de 70. Em 1975 Minson et at. publicaram,

provavelmente, o primeiro estudo empregando a composição isotópica para identificar a

provável dieta de lotes de bovinos que se alimentavam exclusivamente de plantas C3 e

lotes que se alimentavam exclusivamente de plantas C4. No ano seguinte, Haines

(1976), publicou um estudo elucidativo sobre a dieta de uma espécie de caranguejo que

vive em manguezais (Uca pugnax). A autora mostrou que esses animais, que são

detritívoros, baseavam sua alimentação principalmente em detritos gerados por uma

planta C4 muito comum em manguezais - Spartina alterniflora. Esses trabalhos abriram

uma nova perspectiva no estudo de nutrição animal.

Após esses estudos pioneiros, DeNiro & Epstein (1978) alicerçaram o uso

dessa nova técnica, através de testes de laboratório que permitiram conhecer com

121

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exatidão a composição isotópica tanto da dieta como do animal. Além desse aspecto

foram elucidados pontos importantes como a variabilidade inter e intra-específica e

sobre a composição isotópica de vários tecidos e frações bioquímica dos animais.

Esses autores, em média, encontraram que os valores de δ13C do animal como

um todo foi isotopicamente mais pesado que a respectiva dieta:

)1,18,0(1313 ±+= dietaanimal CC δδ ..............................(9.1) Sendo que a diferença δ13Canimal - δ13Cdieta é comumente denominado pela

terminologia Δanimal-dieta. Outras informações importantes advindas deste estudo foram

que: (i) duas espécies alimentando-se da mesma dieta terão Δanimal-dieta similares e (ii)

a mesma espécie alimentando-se de diferentes dietas apresentará Δanimal-dieta relativo

ao alimento consumido.

Nos próximos itens discutiremos a relação entre composição isotópica de

alimentos e consumidores em três níveis distintos. Primeiramente a relação entre dieta

e pequenos animais invertebrados feito por De Niro & Epstein (1978). Em seguida a

relação isotópica entre dieta e tecidos de animais vertebrados como ratos e, finalmente,

a relação isotópica entre dieta e frações bioquímicas, como carboidratos, proteínas e

gorduras.

9.2. Balanço de carbono entre pequenos invertebrados e suas dietas

Como vimos, pequenos animais são geralmente isotopicamente mais pesados

que suas dietas, para se manter o balanço isotópico o carbono perdido pela respiração

e excreção deve ser, portanto, mais leve que a respectiva dieta. A Tabela 1 adaptada

de DeNiro & Epstein, (1978) ilustra o balanço de massa e isotópico para Melanoplus

(gênero da Classe Insecta que engloba espécies de gafanhoto) que foram alimentados

com sementes de trigo (planta do ciclo fotossintético C3).

122

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Tabela 1. Balanço isotópico em Melanoplus alimentado com semente de trigo.

Componente δ13C

Alimento -40.2

CO2 respirado -40.8

Fezes -39.5

Corpo todo -37.5

Total calculado -39.7

Podemos observar que o CO2 respirado pelo animal foi realmente mais leve que

a dieta, por outro lado, as fezes foram mais pesadas que a dieta, no entanto mais leve

que o animal. Os autores consideram que no geral o balanço isotópico parece ter sido

satisfatório para insetos pertencentes ao gênero Melanopus.

Em um outro experimento conduzido por De Niro & Epstein (1978), o balanço

isotópico não foi mantido para Helix aspersa (caramujo comum) alimentado com alface

romana e fosfato de cálcio. Segundo os autores, a ausência de balanço nesse caso foi

provavelmente devido ao fato de não ter sido coletado o ácido úrico e o muco que as

lesmas deixam aderidas a superfícies quando se locomovem.

9.3. Relação entre os valores de δ13C de tecidos e valores δ13C de suas dietas.

Um aspecto importante a ser considerado com relação à análises isotópicas de

tecidos animais é o quanto um determinado tecido integra e reflete isotopicamente a

dieta do animal.

Os músculos são comumente utilizados para estudos isotópicos associados a

dietas animais, principalmente animais de grande porte, por sua facilidade de utilização

e integração do sinal isotópico da dieta. Em inúmeros estudos foi demonstrado que o

fracionamento isotópico entre a musculatura e a dieta varia em torno de 1 a 2‰. Em

alguns estudos a musculatura teve um δ13C ligeiramente maior que a dieta e em outros

foi encontrado o inverso. De qualquer forma, devido à pequena diferença entre dieta e

musculatura, ficou provada a possibilidade e a utilidade de estudos de nutrição animal

123

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empregando-se isótopos do carbono. Podemos de uma forma geral, estabelecer a

seguinte relação entre a musculatura e a dieta:

5,01313 += dietamúsculo CC δδ ....................................................(9.1)

Vale lembrar que no estudo que fizemos com porcos o fracionamento entre a

musculatura e a ração foi igual, aproximadamente, a 1,5‰.

É também importante mencionar que não foi constatada uma grande diferença

entre a composição isotópica de organismos ao longo de uma cadeia trófica. Esse tipo

de diferença é muito mais clara no caso do nitrogênio, o qual é intensamente utilizado

para esse propósito, como veremos adiante. No caso do carbono o mesmo é muito

mais utilizado na investigação do tipo de dieta de um determinado animal e não sobre

sua posição em uma determinada cadeia trófica.

9.4. Relação entre os valores de δ13C das frações bioquímicas dos animais e suas

dietas. Geralmente a relação encontrada para o δ13C de diferentes compostos

bioquímicos para dois gêneros de moscas, Calliphora e Musca, que se alimentaram de

carne de cavalo foi a seguinte:

δ13Clipídios < δ13Ctotal = δ13Cglicogênio = δ13Cproteína

No geral, esses autores concluem que, devido a diferenças encontradas, é

melhor que se evitem frações bioquímicas em estudos com isótopos, sendo mais

aconselhável que se trabalhe com tecidos, principalmente o muscular.

A mesma tendência foi encontrada por Tieszen et al. (1983) analisando a

composição isotópica de herbívoros da África que se alimentavam de trigo e milho. A

tendência mais clara foram os valores de δ13C menores (2 a 3‰) encontrados em

lipídeos, tanto nas plantas como nos animais. No nosso exemplo com porcos, também

obtivemos resultados muito semelhantes, ou seja, o fracionamento entre a ração e o

tecido adiposo foi cerca de 2,3‰.

124

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9.5. O uso de δ15N em nutrição animal

O uso de outros traçadores isotópicos, principalmente o δ15N, são interessantes

na interpretação dos níves tráficos estudados, acrescentando informações adicionais

que em muitos casos permitem uma caracterização melhor do organismo, ou cadeia

trófica estudada (Michener e Schell, 1994).

É muito comum o uso do isótopo de nitrogênio em estudos de nutrição animal

interessados em definir a posição de um animal na cadeia trófica. Geralmente há uma

perda progressiva de produtos enriquecidos em átomos de 14N ao longo de ma cadeia

trófica. Portanto, ocorre um progressivo enriquecimento em átomos de 15N ao longo de

uma cadeia trófica. Estudos realizados por Minagawa & Wada (1984) mostraram a

variação do δ15N ao longo de uma cadeia alimentar, tendo os consumidores

apresentado valores isotópicos maiores que a respectiva dieta, apresentando um valor

médio para cada transferência de nível tráfico de 3,4 ± 1,1‰. Vale mencionar que no

nosso exemplo com porcos, o fracionamento isotópico médio entre a ração e o tecido

muscular de cinco indivíduos foi de 3,3‰, portanto, muito semelhante aos valores

encontrados por Minagawa e Wada.

A relação hipotética entre carbono e nitrogênio ao longo de uma cadeia trófica

aquática, pode ser demonstrada pela Figura 9.2. Essa figura demonstra a utilidade do

uso de dois traçadores simultaneamente. Como mencionado anteriormente, os isótopos

de carbono são úteis para se investigar o tipo de dieta, principalmente quando se trata

de se comparar a importância de plantas C3 e C4 e componentes terrestres vs.

componentes marinhos em uma determinada dieta. Por outro lado, como vimos no

Capítulo 7, as variações dos valores de δ15N em plantas é muito mais complexa que as

variações dos valores de δ13C. Portanto, é extremamente complexo analisar o tipo de

dieta baseando-se em isótopos de nitrogênio. Os isótopos de nitrogênio são

especialmente importantes na determinação da posição de um determinado organismo

na cadeia trófica a que pertence.

125

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5

6

7

8

9

10

11

12

-36 -35 -34 -33 -32 -31 -30 -29 -28 -27 -26 -25 -24

δ 13C (o/oo)

δ15

N (o

/ oo)

carnívoros

insetívoros

detritívoros

herbívorosomnívoros

1° nível trófico

2° nível trófico

3° nível trófico

Figura 9.2. Relação hipotética entre valores de δ13C e δ15N em uma cadeia alimentar.

9.6. Estudo de casos 9.6.1. Nutrição Animal 9.6.1.1. Nutrição de animais domésticos com alternância de C3 e C4

Jones et aI. (1979) realizaram uma série de experimentos com diferentes

animais alternando a alimentação desses animais com plantas C3 e C4. Por exemplo,

forneceram primeiramente dietas puras de C3 e C4 aos animais. Como esperado, os

animais tiveram valores de δ13C das fezes próximos ao valor isotópico das respectivas

dietas (Tab. 2).

Tabela 2. Valores de δ13C de alimentos e fezes de carneiro e bovinos alimentados com

leguminosas C3 e gramínea C4. Adaptado por Jones et al. (1975).

Alimentação Alimento Fezes-carneiro Fezes-bovino

C3 -23,5 -21,2

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C3 -26,6 -24,2

C4 -13,1 -13,5 -14,0

Apesar de próximos, os valores de δ13C não foram iguais. No caso de animais

alimentados com plantas C3, o valor das fezes foi cerca de 2,4‰ maior que a

alimentação. Enquanto que não houve diferença estatística entre os valores de δ13C das

fezes dos animais alimentados por C4 e a dieta. Os autores atribuíram essas

discrepâncias a um sinal remanescente da dieta anterior, que era exclusivamente de

plantas C4, ou seja, atribuíram essa diferença à “memória isotópica” que discutimos no

início deste capítulo.

Um segundo experimento contemplou mudanças abruptas entre dietas puras de

C3 para dietas puras de C4 e vice-versa. Observamos na Figura 9.3 que as fezes em

cerca de 6 dias, aproximadamente, estabilizaram seus valores isotópicos em torno dos

valores de δ13C da alimentação fornecida (Fig. 9.3). Em seguida, um terceiro

experimento contemplou mudanças progressivas entre uma dieta exclusivamente feita

por plantas C3 e adições crescentes de plantas leguminosas que seguem o ciclo C3.

Nota-se que, tanto para cabras como para os bovinos, houve um decréscimo nos

valores de δ13C das fezes com o aumento da porcentagem de leguminosas (C3) na

ração (Fig. 9.4). Em média, um declínio de 1‰ no valor de δ13C-fezes significou um

aumento médio de 7‰ para cabra e 7,5% para os bovinos. A mesma tendência foi

observada para carneiros e coelhos (Fig. 9.4).

127

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Figura 9.3. Variação dos valores de δ13C em amostras de fezes de animais submetidos

à mudança de alimentação. Adaptado de Jones et al. (1975).

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Figura 9.4. Variação dos valores de δ13C de amostras de fezes em animais alimentados

com plantas C4 que tiveram proporções crescentes de leguminosas (C3) adicionadas à

dieta. Adaptado por Jones et al. (1975).

A partir dos experimentos acima foi possível determinar a proporção de C3 e C4

na dieta e a digestibilidade de cada componente.

100(%)34

133

134

1313

⋅−

−=−

−−

CplantaCplanta

Cplantafezes

CCCC

CIndδδ

δδ.........................(9.1)

Onde, Ind-C3(%) é o percentual de plantas C3 indigerida. Por que indigerida?

Porque Jones e colaboradores analisaram as fezes dos animais. Caso tivessem

analisado, por exemplo, o tecido muscular, determinaríamos o porcentual de plantas C3

incorporado ao tecido muscular.

No entanto, o modelo acima não leva em consideração o provável

fracionamento entre as fezes e a dieta, o que causa uma sub-estimativa na proporção

de leguminosas indigerida na dieta.

A equação (9.1) pode ser reescrita na forma abaixo, e assim anula-se a

possível diferença entre δ13Cfezes e o δ13Cdieta, ou seja, o fracionamento entre esses dois

componentes.

100(%)34

133

134

1313

⋅−−

=−−−

CplantaCfezes

Cplantafezes

CCCC

CIndδδδδ

...........................(9.2)

Uma outra possibilidade seria determinar a proporção de C3 e C4 em uma dieta

desconhecida através do δ13Cfezes . Nesse caso temos dois caminhos a seguir:

a) Assumir a mesma digestibilidade para as fontes alimentares dos tipos C3 e

C4.

Portanto, nosso modelo seria muito simples é igual a equação (9.2)

b) Assumir que a digestibilidade das fontes C3 e C4 sejam distintas. Nesse caso

129

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teríamos que recorrer à técnicas convencionais para determinar a

digestibilidade das duas e incorporá-las no nosso modelo, o qual passaria a

ter a seguinte equação:

100)1()1(

1(%)34

134

3 ⋅−−⋅−

−=−

MCDDCInd

δ ........................................(9.3)

Onde M é dado pela seguinte equação:

)]/()1[(11(%)3

313

313

fezesCplantaC CCCInd

δδ −−=− .................................(9.4)

As diferenças encontradas entre as duas equações não são acentuadas. Por

exemplo, para um digestibilidade da leguminosa (D3) igual a 60% e para uma

disgestibilidade da gramínea (D4) igual a 80%, tendo-se o valor δ13CfezesC3 igual a -17‰,

o da fonte C3 igual a -28‰ e, finalmente, o da fonte C4 igual a -13‰, a equação (9.3)

produziu um valor igual a 27% contra 29% para a equação (9.2).

9.6.1.2 Conteúdo estomacal e composição isotópica em animais africanos

Tieszen et al. (1979) comparou resultados entre análise microscópica do

material do rúmen de animais domésticos e selvagens da África com a composição

isotópica do rúmen (Tab. 3).

Tabela 3. Valores de δ13C medido e estimado em função da composição do conteúdo

estomacal de diversos animais.

Espécie C3% C4% δ13C-estimado δ13C-observado

Kongoni 1.4 98.6 -12.7 -14.4

130

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Wildbeest 2.6 97.4 -12.9 -14.4 Bovino 5.8 94.2 -13.4 -14.6

Carneiro 4 96 -13.1 -15.3 Gazela-1 20.2 79.8 -16 -16.9

Cabra 36.3 63.3 -18.1 -17.7 Impala 30.2 69.8 -17.2 -19

Gazela-2 69.1 30.9 -23.2 -21.9

Com a proporção relativa de cada tipo de alimento para cada espécie, obtida

através da análise microscópica, os autores estimaram os valores de δ13C que os

rúmens teriam e comparam com os valores de δ13C medidos no material colhido desses

mesmos rúmens. Como se pode observar na tabela acima, houve uma concordância

relativamente boa entre os valores. Entretanto, os valores medidos foram geralmente

um pouco menores que os estimados. Esse fato sugere que, nesse caso, as gramíneas

não tiveram a mesma digestibilidade das plantas C3 ingeridas. Utilizando a análise do

rúmen, os autores evitaram o fracionamento observado entre as fezes e o alimento,

como o caso mencionado no exemplo anterior. Mas, por outro lado, não puderam

estimar quanto do alimento que se encontrava no rúmem foi efetivamente absorvido

pelos animais.

9.6.1.3 Nutrição de peixes da Amazônia I – Characiformes e Siluriformes Araújo-Lima et al. (1986) coletaram peixes em várias regiões da Amazônia,

determinando sua composição isotópica e de suas possíveis fontes de carbono. Pela

análise da Figura 9.5, vemos que os peixes Characiformes têm sua alimentação

baseada no carbono orgânico particulado e fitopânctons. Por outro lado, a

interpretação dos Siluriformes não é tão clara, podem derivar sua dieta de várias fontes,

por exemplo uma mistura entre fitoplânctons e gramíneas C4. Contudo, o fato desse

estudo demonstrar que os Characiformes não dependem de gramíneas C4 como fonte

alimentar foi importante, uma vez que estudos anteriores, baseados nas técnicas

clássicas, apontavam as gramíneas C4 como um grupo de plantas importante à dieta

desses peixes. Os Characiformes representam cerca de 30% do pescado na região

131

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Amazônica, portanto, é uma importante fonte de proteína, e tem sua fonte principal de

carbono nos lagos de várzea da Amazônia.

Figura 9.5. Valores de δ13C de peixes capturados na região Amazônica e de

prováveis itens alimentares. Adaptado por Araújo-Lima et al. (1986).

132

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Em outro estudo similar, Hamilton et al. (1992), confirmaram que os peixes na

Amazônia pouco dependem das plantas C4, bem como outros invertebrados (Fig. 9.6).

Figura 9.6. Relação entre valores de δ13C e δ15N de amostras de peixes capturados na

bacia do rio Orinoco. Na figura A encontram-se as fontes potenciais de alimentos e

peixes não carnívoros. “Algas (C3)” – denota colônias de algas crescendo sobre plantas

que seguem o ciclo fotossintético C3. “Algas (C4)” – denota colônias de algas crescendo

sobre plantas que seguem o ciclo fotossintético C4. Na figura B encontram-se os

peixes carnívoros. Adaptado por Hamilton et al. (1992).

133

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9.6.1.3.1 Nutrição de peixes da Amazônia II – tambaqui

O estudo desenvolvido por Ana Cristina Oliveira (2003) em nosso laboratório

utilizou os isótopos estáveis do C e N como indicadores qualitativo e quantitativo da

dieta do tambaqui (Colossoma macropomum). Este peixe é de grande importância e

ocorrência nas várzeas da região Amazônica, que por sua vez são responsáveis por

90% de todo pescado capturado na região.

O gráfico mostrado na Figura 6, que relaciona valores de δ13C e δ15N das

principais fontes de alimento e da musculatura de tambaquis capturados no lago

Camaleão, na região central da Amazônia, demonstra novamente a pouca importância

das gramíneas C4 na alimentação do tambaqui e evidência à importância de frutos e

sementes oriundos de plantas C3 e insetos que se alimentam destas plantas e terminam

fazendo parte da dieta do tambaqui. É importante também ressaltar que no caso dos

valores de δ15N houve um fracionamento isotópico ao redor de 3 a 4‰ ao longo da

cadeia trófica, semelhante aos valores encontrados na literatura por outros autores.

9.6.1.3.2 Cadeia alimentar no Pantanal

Outro estudo desenvolvido em nosso laboratório e liderado por Débora

Calheiros (2003) estudou a cadeia trófica aquática em um baía do Pantanal mato

grossense durante um ciclo hidrológico completo com objetivo de identificar as fontes

primárias de carbono que regem o fluxo de energia. Neste trabalho a autora utilizou os

isótopos de carbono e nitrogênio conjuntamente, e sua avaliação incluiu algas

(sestônicas e epifílicas), plantas vasculares, invertebrados (epifílicos, planctônicos e

bentônicos) e peixes detritivoros adultos.

Alguns aspectos importantes apontados relacionam-se primeiramente à

composição isotópicas das algas, com valores de δ13C entre -34.5‰ e 26.9‰, mas com

a maioria dos valores posicionando-se próximos a –28‰ a -27‰. No geral, esses

valores podem ser considerados mais elevados em comparação a valores encontrados

para algas fluviais das regiões tropicais na América do Sul, também sujeitas a regimes

de inundação periódicos. Por exemplo, vale lembrar que no estudo de Araújo-Lima et al.

(1986), desenvolvido ao longo do rio Amazonas, o valor médio do fitoplacton esteve em

134

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torno de -34‰ (Fig. 9.5), que por sua vez é próximo ao valor médio encontrado no lago

Camaleão por Ana Cristina Oliveira (Fig. 9.7). Da mesma forma, foram encontrados

valores entre -38‰ a -34‰ em amostras de fitoplancton coletadas ao longo do rio

Orinoco por Hamilton et al. (1992) (Fig. 9.6)

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

-38 -36 -34 -32 -30 -28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14 -12

δ13C (o/oo)

δ15N

(o / oo)

CamarãoTambaqui

Plantas (C4)

Insetos (C4)Insetos (C3)

Sedimentos

Frutas/sementes (C3)

Moluscos

Zooplancton

Fitoplancton

Figura 9.7. Relação entre valores de δ13C e δ15N de amostras de tambaqui ( capturados

no lago do Funil na ilha da Marchantaria, localizada no rio Solimões, próxima à cidade

de Manaus. “Insetos (C3)” – denota colônias de algas crescendo sobre plantas que

seguem o ciclo fotossintético C3. “Insetos (C4)” – denota colônias de algas crescendo

sobre plantas que seguem o ciclo fotossintético C4. Adaptado de Oliveria (2003).

O fato de os valores de δ13C de amostras de fitoplancton do Pantanal terem sido

mais elevados que os de outros sistemas similares pode ser explicado pela existência

de, indicaria à utilização de uma fonte de carbono dissolvido de origem mineral,

provavelmente, oriundo da decomposição de uma rocha carbonatada. Como vimos em

vários capítulos, os valores de δ13C de rochas carbonatadas encontram-se entre 0‰ a

2‰.

135

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Outro ponto importante do trabalho de Calheiros (2003), que foi considerado

surpreendente, foi o fato de os valores de δ13C de alguns consumidores primários terem

sido significativamente menores que os valores das algas, como vimos, foram também

surpreendentemente elevados. O δ13C de alguns organismos chegou a valores bastante

elevados, ao redor de -43‰ e alguns chironomídeos bentônicos tiveram valores tão

negativos quanto -62‰. A hipótese lançada pela autora é que esses organismos

estariam consumindo uma fonte de carbono bastante negativa, produzido

possivelmente por bactérias metanotróficas.

Os valores de δ15N apresentados por Calheiros (2003) também indicam uma

possibilidade ecológica que é a fixação de nitrogênio atmosférico (N2) por

cianobactérias, sugerido pelos valores próximos a 0‰ para o δ15N. Outro aspecto

importante é que valores mais enriquecidos para o δ15N estariam relacionados ao

consumo de uma fonte rica em NH4+ por exemplo.

9.6.2. Estudos sobre paleodietas

Contrastando com os estudos anteriormente expostos, que demonstraram o uso

de isótopos estáveis para a abordagem da dieta de animais contemporâneos, o estudo

de paliodietas, com utilização de fósseis é uma área onde a utilização de isótopos

estáveis abriu uma perspectiva totalmente nova esse tipo de esutdo. O material

usualmente utilizado para esse tipo de estudo é o colágeno, principal proteína do tecido

ósseo e encontrado com certa facilidade em sítios arqueológicos. Vários trabalhos

atestam que esse material sofre pouca mudança após a morte do animal (DeNiro, 1985;

Nelson et al., 1986 e Turross et al., 1988). Esses estudos sugerem a escolha de ossos

que se mostrem bem preservados na sua aparência e com relação C:N próxima ao que

é originalmente encontrado em tecidos ósseos modernos, em torno de 2 e 4.

Vários estudos indicaram que há um fracionamento isotópico em torno de 5‰

entre a dieta e o colágeno. Desta forma uma dieta baseada somente em plantas C4 (-

12‰ a -13‰) produziria um δ13Ccolágeno variando entre -7‰ a -8‰, enquanto que uma

dieta baseada em plantas C3 (-26‰ a -28‰) produziria um δ13Ccolágeno variando entre -

19 a -21‰.

136

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Na evolução dos estudos arqueológicos utilizando-se de isótopos estáveis, um

dos estudos clássicos foi desenvolvido por Van der Merwe & Vogel (1978), que

demonstraram a evolução da espécie humana ao passar de caçador/coletor a

agricultor, cultivando milho, uma planta C4. No continente norte-americano, em torno do

ano 200 d.C., a domesticação do milho pelo Homen foi um dos aspectos importantes,

ocasionando uma mudança comportamental dramática para a espécie. O Homem

tornou-se mais sedentário, houve um aumentando importante na população e o

desenvolvimento de sociedades maiores e mais complexas.

137

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Figura 9.8. Variação secular dos valores de δ13C em amostras de colágeno de ossos

humanos e a possível contribuição de plantas C4 na alimentação humana ao longo dos

séculos nos Estados Unidos da América. Adaptado por: Van der Merwe & Vogel (1978)

Outro exemplo interessante foi mostrado por Sealy & van der Merwe (1985).

Algumas teorias propunham que nossos ancestrais "caçadores-coletores" tinham uma

alta mobilidade em busca, basicamente, de comida. Sealy & van der Merwe

questionaram esta teoria através de dados isotópicos, demonstrando que a mobilidade

se restringia a uma determinada região uma vez que amostras de colágeno vindas de

regiões de montanha conservavam valores isotópicos de ambiente terrestres (-18.9 ±

1.156, n = 4), enquanto que amostras advindas de regiões próximas ao litoral

apresentaram valores de δ13C característicos de ambiente marinho (-13.5 ± 1.4‰, n =

13).

Um outro exemplo que pode ser dado baseando-se no trabalho de van der

Merwe et.al. (1981) e se refere a uma polêmica entre os arqueologistas sobre a fonte de

alimento nas florestas tropicais. De um lado alguns pesquisadores argumentavam que

plantas C4, como milho, tiveram pouca influência na alimentação humana, e que

portanto, as populações da Amazônia eram pequenas e esparsas, apenas sustentadas

pela caça e extrativismo. Anna Roosevelt, baseando-se em dados arqueológicos

obtidos nas várzeas do rio Orinoco, afirma que, pelo contrário, o milho fez parte da

alimentação na Amazônia e que, como conseqüência, teriam desenvolvido sociedades

mais complexas que antes imaginado. A polêmica foi resolvida pelo uso de δ13C em

amostras de colágeno de ossos encontrados na região em dois períodos distintos 800

a.C. e 400 d.C.

Pelo exame da tabela abaixo, observamos que os valores de δ13Ccolágeno das

amostras de 400 d.C. claramente indicam a ingestão de plantas que seguem o ciclo

fotossintético C4. Por outro lado, as amostras de 800 a.C. apresentam valores menores,

indicando a presença de plantas C3 na dieta, oriundas certamente da floresta

Amazônica (Tab. 4).

138

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Tabela 4. Valores de δ13C de colágenos de esqueletos humanos escavados na região

Amazônica (Van der Merwe et al., 1981).

Amostras δ13C (‰)

UCT259-400 DC -9.7

UCT258-400 DC -10.5

UCT286-400 DC -10.8

UCT260-800 AC -26.1

UCT287-800 AC -25.8

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Capítulo 10 - Adulteração de alimentos 10.1. Introdução

Vários alimentos são adulterados, principalmente, por razões econômicas.

Geralmente, o produto é adulterado pela utilização de um componente menos oneroso,

que pouco altere a aparência e o gosto do produto.

Os isótopos estáveis cada vez mais estão sendo utilizados para detectar esses

tipos de adulteração. Inúmeros são os exemplos: sucos de frutas, vinho, destilados,

óleos, mel e outros. Obviamente, para que a técnica isotópica seja utilizada, a

composição isotópica do produto e do adulterante devem ser diferentes.

Discutimos a seguir algumas aplicações onde a composição isotópica do

carbono e/ou nitrogênio estável, elegantemente detectou a adulteração de

determinados produtos.

10.2. Estudos de caso 10.2.1. Mel de abelha

As abelhas européias melíferas utilizam, na maioria das vezes, plantas do tipo

C3 para elaborarem o mel. Na maior parte do país, os apicultores colocam suas

colméias em pomares de laranja, plantações de flores silvestres e de eucalipto. A

adulteração é feita utilizando-se açúcares comerciais que, na sua grande maioria, são

feitos de cana. Alternativamente, o mel também pode ser adulterado utilizando-se

glicose de milho (C4). Portanto, mais uma vez temos o caso clássico de C3 x C4.

Nos Estados Unidos, a técnica isotópica é, desde 1992, considerado um dos

métodos padrão na determinação da adulteração de mel. Somente nos casos em que a

composição isotópica do mel suscite dúvidas quanto à presença de açúcares, a

amostra é testada pelos métodos clássicos.

O primeiro passo para a implementação dessa metodologia no Brasil seria

conhecer a variabilidade natural em amostras de mel. Tempos atrás, iniciamos no

nosso laboratório determinações da composição isotópica em amostras de mel de

diferentes origens botânicas. Para alcançar esse objetivo foram feitos: (1) testes

específicos para avaliar a dimensão do fracionamento isotópico na produção do mel

142

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pelas abelhas; (2) testes de adulteração, onde foram adicionadas quantidades

crescentes de açúcares comerciais em amostras de mel puro para verificar a

sensibilidade da técnica isotópica e (3) análise isotópica de cerca de 61 amostras

comerciais de mel, visando conhecer as variações isotópicas dentre as diferentes

origens botânicas (eucalipto, citrus e flores silvestres) e também eventuais

adulterações.

10.2.1.1. Fracionamento isotópico na produção de mel

Para se averiguar a ocorrência de fracionamento isotópico durante a produção

do mel, foram comparados os valores de δ13C de plantas do tipo C3 com a composição

isotópica de amostras certificadas de mel, que é o produto final (Tab.1). Para fins

comparativos foram também determinados os valores isotópicos do fabricante (abelhas)

e outros produtos (cera e favo), (Tab.1).

A média dos valores de δ13C das folhas de plantas do tipo C3 foi igual a –29,4 ±

1,7‰ (n = 9) e a média das amostras certificadas de mel foi igual a –24,6 ± 0,4‰ (n =

4). Portanto, houve uma diferença média entre as plantas, fonte de néctar, e o mel

(produto) aproximadamente 5‰. No entanto, como os agentes adulterantes (açúcares)

tiveram um valor médio -11,1 ± 0,7‰, (n = 3), significativamente diferente das amostras

de mel certificadas, conclui-se que seria viável o uso da metodologia isotópica para se

verificar adulteração de amostras de mel por adição de açúcares produzidos por cana

ou milho.

As médias dos valores de δ13C das abelhas, que são os produtores do mel, foi

igual a –23,9 ± 1,3‰ (n = 8), que foi ligeiramente maior que o valor médio encontrado

para as amostras de mel certificados. Por outro lado, as médias dos valores de δ13C das

amostras de favo e cera foram ligeiramente inferiores aos valores do mel, -25,3 ± 0,9‰

(n = 3) e –25,1 ± 1,8‰ (n = 4), respectivamente.

143

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Tabela 1. valores de δ13C (‰) em diferentes amostras.

Amostra δ13C

Ameixa -28.7 Coentro-C3 -30.2 Jabuticaba-C3 -28.1 Laranja-C3 -27.2 Laranja-C3 -30.2 Limão-C3 -27.8 Limão-C3 -32.8 Mostarda-C3 -29.3 Pitanga-C3 -29.8 Melaço de cana-C4 -11.8 Açúcar refinado-C4 -11.1 Glicose de milho-C4 -10.4 Apis melífera -24.2 A. melífera -24.9 A. melífera -24.9 Apis sp -24.6 Composta de 5 abelhas A. melífera -23.3 Composta de 7 abelhas A. melífera -20.9 Rainha de A. melífera -24.7 Zangão de A. melífera -23.6 Cera -23.1 Cera -27.3 Cera -24.2 Cera -25.8 Favo -26.2 Favo -25.4 Favo -24.4 Pólem -26.4 Mel certificado - floral -24.4 Mel certificado - floral -24.9 Mel certificado - eucalipto -24.8 Mel certificado - laranja -241

144

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10.2.1.2. Simulação de adulteração do mel pela adição de melaço de cana

Com intuito de se testar a sensibilidade da metodologia isotópica, foram

adicionadas quantidades crescentes de melaço de cana (-11,7‰) a uma amostra de

mel certificada (-26,7‰). A Figura 10.1 mostra os valores de δ13C dos diferentes níveis

de mistura mel-melaço. Nota-se que mesmo para adições baixas de melaço (10%)

houve um aumento sensível (1,7‰) no valor de δ13C da mistura. Considerando-se que

o valor máximo entre amostras duplicatas foi de 0,3%, uma diferença ao redor de 2‰ é

facilmente mensurável.

δ13C = -0.15(C4-%) - 11.9R2 = 0.99

-28

-26

-24

-22

-20

-18

-16

-14

-12

-10

0 20 40 60 80 100

Percentual de melaço de cana (C4) na mistura

δ13C

(o / oo)

Figura 10.1. Variabilidade dos valores de δ13C em amostras de mel com proporções

crescentes de melaço de cana-de-açúcar. Adaptado por Rossi et al. (1999).

10.2.1.3. Valores de δ13C em amostras de mel comercializadas

145

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As determinações dos valores de δ13C em amostras de mel comercializadas

foram feitas com o intuito de se conhecer a variabilidade entre as amostras e detectar

possíveis adulterações (Tab. 2).

Das 61 amostras analisadas, 5 amostras (8%) tiveram valores de δ13C

considerados "suspeitos", uma vez que esses valores foram significativamente maiores

em relação às outras amostras comercializadas e mesmo em relação às amostras

certificadas. As amostras 13 e 14 (mel de laranja) tiveram valores de δ13C iguais a

–21,0‰ e –19,9‰, respectivamente. As amostras 33 e 34 (mel de flores silvestres),

tiveram valores iguais a –21,9 e –12,9‰, respectivamente. Finalmente, a amostra 54

(mel de eucalipto) teve um valor igual a –17,6‰.

Excetuando-se as amostras suspeitas, a média de todas as outras amostras foi

igual a –25,3 ± 1,0‰ (n = 56). Essa média é muito próxima daquela encontrada por

White & Doner, que analisaram 84 amostras de mel produzidas nos Estados Unidos

(25,2 ± 0.9‰).

146

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δ13C-mel

Núm

ero

de o

bser

vaçõ

es

-30 -28 -26 -24 -22 -20 -18 -16 -14 -12024

68

1012

14161820

222426

Localidade: PiracicabaLocalidade: Santarém

Figura 10.2. Distribuição de valores de δ13C de amostras de mel comercializadas nas

cidades de Piracicaba e Santarém. Adaptado por Rossi et al. (1999).

Comparando-se a média dos valores de δ13C entre amostras de diferentes

origens botânicas, notou-se que a média dos valores de δ13C para o mel de laranja foi

aproximadamente 0,7% mais elevada em relação à média obtida para amostras de mel

de outras origens botânicas (Tab. 3). No entanto, essa diferença não foi

estatisticamente significativa (teste de Tukey). Essa característica do mel de laranja

(valores maiores de δ13C) foi também observada nos Estados Unidos. White &

Robinson (19xx) analisaram 15 amostras desse tipo de mel, obtendo um valor médio

igual a -23,8 ± 1,0‰, sendo o menor valor igual a -25,5‰ e o maior igual a -22,1‰.

147

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Tabela 2. Valores de δ13C (‰) em amostras de mel comercializados. Valores em

negrito indicam amostras suspeitas de adulteração.

Amostra Origem botânica δ13C (‰)

1 Laranja -26.7 2 Laranja -26.6 3 Laranja -25.9 4 Laranja -25.5 5 Laranja -25.1 6 Laranja -24.5 7 Laranja -24.4 8 Laranja -24.3 9 Laranja -24.2 10 Laranja -24.1 11 Laranja -23.9 12 Laranja -22.3 13 Laranja -21.0 14 Laranja -19.9

15 Floral -26.5 16 Floral -26.3 17 Floral -26.2 18 Floral -26.0 19 Floral -26.0 20 Floral -25.9 21 Floral -25.8 22 Floral -25.7 23 Floral -25.6 24 Floral -25.5 25 Floral -25.5 26 Floral -25.5 27 Floral -25.4 28 Floral -25.4 29 Floral -25.0 30 Floral -24.9 31 Floral -24.4

148

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32 Floral -23.4 33 Floral -21.9 34 Floral -12.9

Amostra Origem Botânica d13C

35 Eucalipto -26.7 36 Eucalipto -26.6 37 Eucalipto -26.5 38 Eucalipto -26.1 39 Eucalipto -26.1 40 Eucalipto -26.0 41 Eucalipto -25.9 42 Eucalipto -25.9 43 Eucalipto -25.8 44 Eucalipto 25.7 45 Eucalipto -25.7 46 Eucalipto -25.6 47 Eucalipto -25.5 48 Eucalipto -25.4 49 Eucalipto -24.8 50 Eucalipto -24.7 51 Eucalipto -24.1 52 Eucalipto -23.6 53 Eucalipto -23.5 54 Eucalipto -17.6

55 Sem origem -23.3 56 Sem origem -25.9 57 Sem origem -24.3 58 Sem origem -26.4 59 Sem origem -24.8 60 Sem origem -25.1 61 Sem origem -257

149

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Tabela 3. Valores médio de δ13C (‰), desvio padrão, número de amostras e valores

mínimos e máximos de amostras de mel agrupadas de acordo com as suas origens

botânicas. “Geral” significa valor médio geral para todas as amostras e “Geral (-

laranja)” significa o valor médio de todas as amostras menos as 12 amostras de mel de

laranja (ver texto para detalhar).

Mel δ13C Desv. padrão

Número Mínimo Máximo

Laranja -24.8 1.3 12 -26.7 -22.3 Floral -25.5 0.7 18 -26.5 -23.4

Eucalipto -25.5 0.9 19 -26.7 -23.5 Sem origem -25.1 1.1 07 -26.4 -23.3

Geral -25.3 1.0 56 -26.7 -22.3 Geral (-laranja) -25.4 0.9 44 -26.7 -233

10.2.2. Conhaque e brandies

"Brandy" é definido como uma bebida destilada de vinho ou suco de uva

fermentado. Quando o brandy é feito na região da França, conhecida como Conhaque,

a bebida leva o mesmo nome. Então, todo Conhaque é um brandy, mas nem todo

brandy é um Conhaque.

Na legislação brasileira existem dois tipos de brandy: "conhaque de gengibre",

que pode ser elaborado da fermentação e destilação de qualquer planta e outro

denominado "brandy", que deve ser feito exclusivamente de variedades de uva, uma

planta C3.

O álcool mais barato produzido no Brasil é o álcool de cana, que é uma

gramínea C4. Portanto, o brandy, por razões econômicas, pode ser adulterado com

álcool de cana. É importante ressaltar que no caso de "conhaque de gengibre", o uso

de álcool de cana não é uma adulteração, uma vez que a legislação permite que se

utilize qualquer tipo de álcool. Nós determinamos a composição isotópica de 23

amostras de brandy feitas no Brasil, 11 amostras de brandy elaboradas em outros

países e 28 amostras de conhaque de gengibre (Fig 10.3).

150

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-30

-25

-20

-15

-10

-5

0Brandy

internacionalBrandy nacional Conhaque-de-

gengibre

δ13C

(o / oo)

Figura 10.3. Média e desvio padrão dos valores de δ13C de amostras de brandies

elaborados em outros países (internacional) e no país (nacional) e de amostras de

conhaque de gengibre.

Nota-se claramente que existem 3 grupos distintos de amostras na Figura 3. Os

valores menores foram observados nos brandies internacionais e nas maiores amostras

de conhaque de gengibre. Esse fato indica que os conhaques de gengibre no Brasil são

feitos exclusivamente de álcool de cana. Enquanto os brandies internacionais são

feitos muito provável exclusivamente de uva. Não se pode dizer o mesmo quanto aos

brandies brasileiros. Os valores de δ13C dessas amostras foram intermediários entre os

valores de brandies internacionais e conhaque de gengibre, sugerindo uma mistura de

álcool de uva com álcool de cana. Não é preciso mencionar que essas diferenças

foram estatisticamente significativas.

Reforçando a suspeita sobre adulteração em amostras de brandies brasileiros,

existe o fato que houve uma correlação positiva entre a porcentagem de uva e o preço

do produto. Ou seja, quanto mais uva na bebida, maior foi o seu preço.

10.2.3. Vinho

151

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O vinho deve ser uma bebida fermentada da uva, que como sabemos é uma

planta C3. Uma adição clássica ao vinho é de açúcares comerciais adicionado à

fermentação, quando as uvas que não contém teores naturais de açúcares

suficientemente elevados para promover uma fermentação adequada. Esse processo é

denominado "chaptalização". Como no Brasil o açúcar mais barato é o açúcar de cana,

mais uma vez temos o paradigma C3 x C4. É importante salientar que a legislação

brasileira permite que seja adicionada uma quantidade de açúcar suficiente para elevar

a graduação alcoólica do vinho para 3° GL.

No continente europeu, os países da comunidade européia mantêm um banco

de vinhos, e vários tipos de análises são feitas nessas amostras, dentre elas é também

determinada a composição isotópica. Em alguns países, como a Itália, o processo de

chaptalização é totalmente proibido. A seguir mostramos alguns resultados obtidos

desse banco de dados. As médias gerais para cada país durante 3 anos (1991 a 1993)

estão resumidas na Tabela 4.

Tabela 4. Média dos valores de δ13C de vinhos Italianos, franceses e alemães,

elaborados nos anos de 1991, 1992 e 1993. Rosmann et al. (1996).

País 1991 1992 1993

Itália -25.8±1.2 -25.8±1.2 -25.8±1.2 Alemanha -26.2±1.2 -27.7±0.9 -26.7±1.3

França -26.8±1.1 -27.8±0.8 -26.6±1.2

Nota-se uma certa variabilidade anual nos vinhos alemães e franceses. Mas, de

qualquer forma, nota-se claramente que existe um inequívoco sinal de planta C3 nos

valores de δ13C dos vinhos europeus.

No Brasil, analisamos um grande número de amostra de vinhos e produtos

relacionados. Começamos pelas análises de variedades de uvas viníferas utilizadas na

vinicultura nacional. Com essas uvas fizemos fermentações experimentais

concomitantes, adicionando-se em cada uma delas uma quantidade de açúcar

152

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suficiente para elevar o teor alcoólico do vinho para cerca de 1 a 1,5 pontos

percentuais de álcool. Paralelamente determinamos os valores de δ13C no álcool

formado durante as fermentações (Fig. 10.4).

Nota-se claramente que os isótopos foram capazes de "enxergar" as adições de

açúcar de cana. Houve uma correlação bastante significativa entre a quantidade de

álcool formada e os valores de δ13C deste álcool (Fig. 10.4).

Um segundo experimento que realizamos foi seguir a marcha de duas

fermentações distintas: uma sem adição de açúcar e a outra com uma adição de açúcar

de cana suficiente para elevar o teor de álcool produzido para aproximadamente,

cerca de 3%, como permite a legislação brasileira. A cada intervalo de tempo regular

amostras de mosto de cada fermentação eram recolhidas, o álcool produzido era

destilado e seus valores de δ13C eram determinados (Fig. 10.5).

y = 1.10x - 38.6r2 = 0.96

y = 1.45x - 41.6r2 = 0.93

-30

-28

-26

-24

-22

-20

9 10 11 12 13 14 15

Teor alcóolico (%)

δ13C

-eta

nol (

o /oo)

Figura 10.4. Valores de δ13C do etanol produzido durante fermentações experimentais

com adições crescentes de açúcar de cana. Cada ponto representa a média de 3

repetições das seguintes adições de açúcar: 0g; 2,89g; 8.63g; 14.37g e 20.11g, que

153

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produziram as seguintes graduações alcoólicas médias: 9.2%, 10.2%, 11.1%, 13.3%,

14.4%. As barras representam os desvios padrão das médias

Note como logo nas primeiras horas da fermentação ocorre uma abrupta

elevação dos valores de δ13C do álcool produzido, indicando que o açúcar de cana

adicionado é prontamente consumido pelas leveduras da fermentação (Fig. 10.5). Essa

fermentação experimental também nos demonstrou que o álcool produzido das

fermentações em que foram adicionadas quantidades de açúcar suficiente para

aumentar a graduação alcoólica para 3% devem ter valores de δ13C entre -23 a -21‰.

-29

-28

-27

-26

-25

-24

-23

-22

0 20 40 60 80 100Tempo (horas)

δ13C

-eta

nol (

o / oo)

Figura 10.5. Valores de δ13C do álcool produzido durante a fermentação de mosto sem

adição de açúcar de cana (círculo branco) e com adição de açúcar para elevar o teor

alcoólico do mosto para cerca de 3% (círculo cinza). As barras representam os desvios

padrão dentre 3 repetições.

154

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Após esses experimentos determinamos a composição isotópica de um número

elevado de amostras de vinhos adquiridas no mercado. A Tabela 5 mostra os valores

médios de δ13C dessas amostras, que foram agrupadas de acordo com o tipo do vinho.

Tabela 5. Valores de δ13C de amostras de uva, mosto, vinho padrão eleaborado pela

Embrapa e vinhos nacionais agrupados conforme o tipo do vinho.

δ13C (‰) Média Desv.-pad. N Uva -26.7 0.6 11 Mosto -27.8 0.4 10 Vinho padrão Embrapa

-27.5 0.6 12

Tinto seco -23.4 2.0 109 Tinto demi-sec -23.7 1.1 11 Tinto suave -23.5 1.5 21 Branco seco -22.3 2.1 39 Branco demi-sec -21.3 2.9 10 Branco suave -21.5 2.3 40 Rose suave -21.2 2.9 10 Espumante Brut -20.5 1.2 18 Espumante Asti -19.4 2.9 4 Espumante Demi-sec

-18.3 1.3 8

Espumante Doce -15.1 2.1 3

É interessante notar que a uva, o mosto e o vinho elaborados pela Embrapa,

sem nenhuma adição de açúcar de cana, tiveram valores de δ13C semelhantes aos

vinhos europeus, ou seja, exibindo valores típicos de plantas C3.

Por outro lado, os valores médios de δ13C dos vinhos tintos e brancos nacionais

foram valores típicos de fermentações onde houve adição de açúcar de cana. Esses

valores encontram-se dentro da faixa de -23‰ a -21‰ que são valores aceitáveis de

adição de açúcar, ou seja, suficiente para elevar a graduação alcoólica do vinho para

3%, conforme reza a legislação.

155

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Os valores médios de δ13C dos espumantes, são valores maiores que –20,5‰ a

-15‰, indicando uma adição de açúcar maior que o permitido.

Observando-se um histograma de freqüência de todos os valores de vinhos

tintos e brancos, e não se incluem vinhos espumantes, nota-se claramente que a

média dos valores indica que várias vinícolas vêm respeitando os valores estabelecidos

por lei (Fig. 10.6). No entanto, algumas adicionam uma quantidade de açúcar maior da

que é permitido. Interessante que algumas outras vinícolas produzem vinho sem

nenhuma adição de açúcar de cana, demonstrando claramente que é possível a

produção deste tipo de vinho em nosso país.

δ1 3C-etanol (o/oo)

Núm

ero

de o

bser

vaçõ

es

Tinto

-29-27

-25-23

-21-19

-17-15

-130

5

10

15

20

25

30

35

40

Branco

-29-27

-25-23

-21-19

-17-15

-13

Figura 10.6. Distribuição de valores do δ13C do etanol de amostras de vinhos nacionais

tintos e brancos.

156

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10.2.4. Cerveja

A maioria das fermentações que produzem cerveja incluem não somente

cereais como a cevada ou o trigo, mas também outros cereais como o milho. Como

sabemos a cevada e o trigo são plantas que seguem o ciclo fotossintético C3, enquanto

o milho segue o ciclo fotossintético C4. Portanto, com o emprego da metodologia

isotópica é trivial distinguir na cerveja a presença de milho na sua elaboração.

Juntamente com colegas dos Estados Unidos, analisamos um grande número

de marcas de cervejas de vários países. Para detalhes ver Brooks et al., 2002.

A média dos valores de δ13C das cervejas européias foi de -25.6 ± 1.5‰,

enquanto que a média dos valores de δ13C das cervejas brasileiras foi de -19.7 ± 2.4‰.

Sabemos que a cerveja é elaborada da cevada e do lúpulo. A análise isotópica de

vários tipos de cevada resultou em um δ13C médio igual a -25.2 ± 0.7‰, enquanto o

valor médio do lúpulo foi de -24.9 ± 1.4‰. Valores típicos de plantas que seguem o

ciclo fotossintético C3. Logo, valores em torno de -19.7‰ indicam a presença de milho

na fermentação, que é um adjunto comumente utilizado na cervejaria. É importante

esclarecer, no entanto, que essa utilização é permitida pela legislação brasileira até um

máximo de 49%, os restantes 51% devem ser necessariamente álcool produzido pela

fermentação da cevada. Caso outro cereal, como o milho, seja utilizado em maior

proporção deve conter no rótulo algo como "cerveja de milho".

Através de um simples modelo de mistura pode se determinar a porcentagem

de milho presente em uma determinada cerveja . Assim teremos a seguinte fórmula:

cevadamilho

cevadacerveja

CCCC

C 1313

1313

4 (%)δδδδ

−= ........................................................(10.1)

Onde δ13Ccerveja é a composição isotópica da cerveja, δ13Ccevada é a composição

isotópica média da cevada (-25.2‰) e δ13Cmilho é a composição isotópica do milho

(12.5‰).

157

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Utilizando o δ13C médio das cervejas brasileiras (-19.7‰) na equação acima, a

proporção média de milho presente nas cervejas brasileiras seria de aproximadamente

44%. Portanto, permitido pela legislação brasileira.

A Figura 10.7 mostra um histograma com os valores de δ13C dentre cervejas

produzidas na Europa, Canadá, Estados Unidos e Brasil. Nota-se uma distribuição

unimodal dos valores de δ13C de cervejas produzidas na Europa. Nos outros países

nota-se uma distribuição bimodal dos valores de δ13C. Com valores concentrados ao

redor de -27‰ a -25‰ e entre -19‰ a -17‰. Particularmente as cervejas brasileiras,

na sua maioria agrupam-se ao redor -21‰ a -17‰ e poucos valores entre -27 a -25‰,

indicando que a maioria das cervejas brasileiras levam alguma proporção de milho em

sua composição.

δ13C (o/oo)

Núm

ero

de o

bser

vaçõ

es

Eu ro pa

-29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -1302468

101214161820222426

Canadá

-29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -13

EUA

-29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -1302468

101214161820222426

Bras il

-29 -27 -25 -23 -21 -19 -17 -15 -13

Figura 10.7. Distribuição de valores de δ13C de amostras de cervejas produzidas em

países da Europa, no Canadá, Estados Unidos e Brasil. Adaptado por Brooks et al.

(2003).

158

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Utilizando-se a equação (1) e os valores de δ13C de cada cerveja foram

calculados os percentuais de milho na elaboração das amostras (Fig. 10.8). Note que

no Brasil a maioria das amostras se encontram ao redor de 40 a 60%. Como a

metodologia isotópica neste caso não é precisa a ponto de assegurar uma diferença

menor que 10% (Brooks et al., 2002), é razoável afirmar que a maioria as cervejas

brasileiras encontram-se dentro da legislação. Pelo contrário, na Europa, a maioria das

cervejas não levam adição de milho, sendo a cevada, ou em certos casos específico, o

trigo o cereal mais utilizado.

Nos Estados Unidos há várias cervejas que não utilizam milho como adjunto.

Essas cervejas, na sua maioria, são fabricadas em pequenas cervejarias, que têm

uma produção limitada. Por outro lado, as grandes cervejarias americanas também

utilizam milho como adjunto. As cervejas produzidas no Canadá seguem uma

distribuição semelhante às cervejas produzidas nos Estados Unidos. Um bom número

de cervejas sem adição de milho e várias com adições entre 30 a 40% (Fig. 10.8).

159

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Percentual de m ilho com o adjunto na e laboração da cervela

Núm

ero

de o

bser

vaçõ

es

Europa

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 10002468

10121416182022242628

Canadá

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

EUA

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 10002468

10121416182022242628

Bras il

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Figura 10.8. Distribuição dos valores do percentual de milho utilizado como adjunto na

elaboração de cerveja em países da Europa e no Canadá, Estados Unidos e Brasil.

Adaptado por Brooks et al. (2002).

160

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163

Capítulo 11 - Hidrologia Isotópica 11.1. Introdução

Os isótopos da molécula de água utilizados em estudos hidrológicos são

dois: o oxigênio e o hidrogênio. No primeiro caso, a relação utilizada é 18O/16O, e no

segundo 2H/1H, em que o 2H é conhecido como deutério. O padrão utilizado nos dois

casos é o VSMOW, uma mistura de água dos cinco oceanos na qual foi atribuído o

valor 0‰. Continuamos com a notação "delta por mil" que passa a ser expressa por

δ18O para o oxigênio e δD para o hidrogênio.

O estudo do ciclo desses isótopos na natureza se confunde com o próprio

estudo do ciclo da água. Esse ciclo é basicamente regido por dois fenômenos

físicos: a condensação e a evaporação. Na condensação a chuva é formada por

uma determinada massa de vapor d'água contida em uma nuvem. Por outro lado, a

evaporação é o processo inverso, na qual a água do estado líquido passa para o

estado vapor.

Na maioria das vezes, observamos que mudanças de fase, como as

descritas acima, levam a um fracionamento isotópico. Ou seja, uma das fases ficará

isotopicamente mais leve, enquanto a outra ficará isotopicamente mais pesada. Para

os isótopos da água não poderia ser diferente, assim existe um determinado

fracionamento isotópico entre as fases envolvidas. Comecemos pelo estudo do

fracionamento pertinente ao processo de condensação.

Como existe um fracionamento na passagem da fase gasosa para a fase

líquida, podemos expressá-lo através da seguinte equação:

chuvavapor OO 1818 δδε −= ........................................(11.1)

Ou

chuvavapor DD δδε −= .........................................(11.2)

Como vimos até agora, o fracionamento isotópico depende da temperatura.

A tabela abaixo ilustra a variação do fracionamento isotópico entre as duas fases em

função da temperatura.

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Tabela 1. Fracionamento isotópico entre a fase gasosa e líquida em função da

temperatura onde εD é o fracionamento em relação ao deutério e ε18 é o

fracionamento em relação ao oxigênio.

t (°C) εD ε18 εD /ε18 100 29 3.3 8.8 80 37 4.5 8.2 60 46 5.8 7.9 40 60 7.4 8.1 20 79 9.1 8.7 0 106 11.1 9.5

-10 123 12.3 10 -20 146 13.5 10.7

Portanto, quanto menor a temperatura, maior será o fracionamento entre a

fase gasosa e líquida. A dependência do fator de enriquecimento em função da

temperatura para cada isótopo é descrita abaixo:

2

63 1084,241025,7661,52 −

⋅+

⋅−=

TDε ...................................(11.3) T

2

33 1053,11021,364,6 −

⋅+

⋅−=

TTOε ..............................................(11.4)

Onde T é a temperatura em graus Celsius.

A Figura 11.1, que segue o modelo de Railegh, mostra a evolução isotópica

do vapor d'água na nuvem e da chuva formada subsequentemente. Como a água da

chuva é constantemente removida, o sistema é aberto, assim sendo, a água da

chuva e o vapor d'água vão se tornando cada vez mais empobrecidos em átomos de 18O e 2H.

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165

Figura 11.1. Esquema ilustrando as alterações dos valores de δ18O em relação à

fração residual de vapor, segundo a equação de Raylegh.

A condensação nas nuvens ocorre em condições de equilíbrio ???

Na maioria das vezes que se mediu a composição isotópica do vapor d'água

e da precipitação, a diferença entre os dois era próxima do valor de ε para uma

dada temperatura (Fig. 11.1). Portanto, parece que o processo de condensação

ocorre em condições de equilíbrio e pode ser razoavelmente estimado pelo modelo

de Raylegh (equação 1). Note o exemplo da Figura 11.2, ainda que o vapor d'água

tenha sido coletado diariamente de forma contínua das 9 às 15 horas, e as

amostras de chuvas de maneira mais esporádica, devido à própria característica

aleatória desses eventos, houve uma boa concordância entre os valores de ε

estimados por δ18Ovapor - δ18Ochuva e aqueles extraídos da Tabela 1.

Outro fenômeno importante no ciclo hidrológico é a evaporação, ou seja, a

passagem da água de um estado líquido para um estado gasoso. Caso esse

fenômeno ocorra em condições de equilíbrio, os mesmos valores de fracionamento

utilizados na condensação serão válidos na evaporação.

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166

-18

-16

-14

-12

-10

-8

-6

-4

-2

0Ago Nov Fev Mai Ago Nov Fev Mai Out

Jan

Abr Jul

OutJa

nAbr

δ18O

(o / oo),

ε (o / oo

)

Vapor Chuva ε

Figura 11.2. Valores de δ18O em amostras de vapor d’água e chuva coletadas na

região de Belém, região Amazônica por Matsui et al. (1979). A linha preta grossa

representa os valores de ε calculados por δ18Ovapor - δ18Ochuva. A área delimitada pela

cor cinza claro representa os valores de ε para temperaturas entre 20°C a 30°C

estimados pelos dados da Tabela 1.

No entanto, sabemos que na maioria dos casos a evaporação ocorre em

condições de não-equilíbrio, principalmente devido à presença de vapor d'água na

atmosfera, que não permite a ocorrência da evaporação em condições de

equilíbrio. A tendência geral é que a fase líquida remanescente torna-se

isotopicamente mais pesada, enquanto que a fase vapor torna-se mais leve. Nesse

caso Craig and Gordon (1953) derivaram uma outra equação muita mais complexa

que a de Raylegh, em que fazem parte estimativas sobre difusão turbulenta na

atmosfera e outras complicações. Essa nova equação nos fornecerá a mudança na

composição isotópica de um corpo de água durante o processo de evaporação.

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167

hhh

fLgL

−++−=

∂∂

1)1()(

logηεδδδ

....................................(11.5)

Obviamente essa equação é válida tanto para oxigênio como para

hidrogênio. No entanto, como já vimos, os valores de ε são distintos para cada

isótopo. Assim também o é o valor de η, que para o oxigênio vale 16‰ e para o

deutério vale 32‰. O parâmetro h é a umidade relativa do ar, L e g são prefixos que

indicam as fases líquidas e gasosas, respectivamente e f a fração de vapor

remanescente.

Claramente, é muito mais complicado trabalhar com evaporação em relação

à condensação, que segue equação (11.1).

11. 2. A reta meteórica mundial e o valor d (excesso de deutério)

Agora já conhecemos as equações que regem a composição isotópica

resultante de dois processos, o de condensação e o de evaporação. No processo de

condensação, ao passar da fase de vapor para líquido, o oxigênio e o deutério o

fazem através de um determinado fator de fracionamento que varia com a

temperatura. No entanto, a relação entre esses fatores é aproximadamente

constante e em torno de 8‰ (ver Tabela 1). Assim sendo, teremos que:

8≅O

D

εε

............................................................(11.6)

Supondo-se que um vapor d'água a 20°C tenha a seguinte composição

isotópica: δ18O = -1‰ e δD = -8‰. Caso o mesmo se condense em equilíbrio a

composição isotópica da chuva será igual a: δ18O = (-1 + 9.1) = 8.1 e δD = (-8 + 79)

= 71. Note que para a fase vapor a relação δD/δ18O é igual a 8‰. O mesmo é

verdadeiro para a chuva, ou seja, a fase líquida, a relação δD/δ18O é igual a 8.7‰.

Caso as mesmas operações sejam repetidas para diversas temperaturas, conclui-se

que a relação δD/δ18O se manterá em torno de 8‰. Assim:

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168

OD 188 δδ ⋅= ............................................(11.7)

Graficamente essa equação representa uma reta de inclinação igual a 8

(reta A representada na Figura 11.3).

O que ocorre com essa reta quando um determinado corpo d'água sofre

evaporação? Em condições de não equilíbrio, a inclinação da reta é alterada,

passando a ser importante a umidade local, pois em última análise é esse parâmetro

que determina a taxa de evaporação:

OOCHV

DDCHV

hOOhhDDh

Sηεδδ

ηεδδ)1()(

)1()(1818 −++−

−++−= ...............................(11.8)

Nesses casos o valor da inclinação S passa a ser menor do que 8, pois a

evaporação afeta menos o deutério e mais o oxigênio. Assim, inclinações menores

que 8 identificam linhas de evaporação (reta LE representada na Figura 11.3).

Note que sobre a reta δD = 8*δ18O podemos imaginar um lago que esteja

perdendo água por evaporação (Fig. 11.3). O Iíquido remanescente será enriquecido

em 18O e D, no entanto esse líquido em sua nova composição não será alocado

sobre a linha δD = 8*δ18O, pelo fato de a evaporação ter ocorrido em condições de

não equilíbrio. Assim o líquido remanescente será alocado sobre a linha de

evaporação, onde a inclinação menor que 8 que é dada pela equação (11.8) (reta LE

representada na Figura 11.3). 0 vapor resultante, para manter o balanço de massa,

será mais leve que o lago e ocupará a região oposta ao líquido na chamada linha de

evaporação (Figura 11.3).

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δD= 8*δ

18 O + 10líquidoremanescentelago

vapor d’água

chuva d = 10

LE

ε

δD= 8*δ

18 O

δD

δ18O A

B

δD= 8*δ

18 O + 10líquidoremanescentelago

vapor d’água

chuva d = 10

LE

ε

δD= 8*δ

18 O

δD

δ18O A

B

Figura 11.3 Esquema ilustrando a reta meteórica mundia (B), a reta que a deu

origem (A) e uma linha de evaporação (LE). Para detalhes ver o texto.

Suponhamos que esse vapor na atmosfera seja condensado e produza uma

nova chuva (reta B representada na Figura 11.3) Como a condensação do vapor

ocorre dentro do equilíbrio, o valor da chuva será dado por:

εδδ += vaporchuva ..............................................(11.9)

Assim, a chuva, em relação ao vapor que lhe deu origem, plotará em uma

reta de inclinação igual a 8, paralela a reta δD = 8*δ18O, e separada do vapor pelo

valor ε. Ora, se a nova reta formada estiver acima da reta δD = 8*δ18O, a sua

interseção com o eixo Y será maior que a reta anterior, portanto será maior que 0.

Esta nova reta pode ser expressa pela seguinte equação: δD = 8*δ18O + d (reta B

representada na Figura 11.3).

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Imagine uma reta em que sua inclinação seja igual a 8 e a sua interseção

com o eixo Y seja igual a 10, logo a nova reta será:

108 18 +⋅= OD δδ .........................................(11.10)

As chuvas coletadas nos mais diferentes locais do mundo caem sobre essa

reta (Fig. 11.4).

y = 8.1x + 9.9r2 = 0.99

-300

-250

-200

-150

-100

-50

0

50

100

-40 -30 -20 -10 0 10

δ18O (o/oo)

δD (o/oo)

Figura 11.4. Relação entre valores de δ18O e δD de amostras de água de chuva

coletadas em vários locais do mundo de 1978 a 2001 pela Agência Internacional de

Energia Atômica (AIEA).

O fato da reta meteórica mundial ter uma intersecção próxima de 10,

significa que a evaporação nos oceanos ocorre em condições de não-equilíbrio.

Caso nenhum processo altere a composição da chuva depois de formada, a sua

composição isotópica variará em cima da reta meteórica mundial.

O valor "d", chamado de excesso de deutério é calculado através da

seguinte fórmula:

ODd 18δδ −= ...........................................(11.11)

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171

O valor d pode ser interpretado como a intersecção de um ponto no

diagrama δD x δ18O que obrigatoriamente teria uma inclinação igual a 8. Valores d

maiores que 10, pelo mesmo raciocínio que fizemos para chegar à reta meteórica

mundial, seria indicativo da presença de uma água que já tenha passado por

sucessivos processos de evaporação (Fig. 11.3).

Na Figura 11.5 vemos a Região Norte do Brasil com as estações de coletas

de água de chuva. Nota-se que, sem exceção, todos os valores de excesso de

deutério (d) são maiores que 10. Esse fato se deve à imensa área coberta por água

na região Amazônica sujeita à evaporação, não somente rios, lagos e planícies

inundáveis, mas também devido à grande quantidade de água que fica retida nas

copas das árvores.

Figura 11.5. Região Norte do Brasil mostrando as estações de coleta da rede da

AIEA. Para cada estação são apresentados nos quadrados de cima para baixo o

valor da inclinação da reta δ18O x δD, o coeficiente de correlação da reta e o valor d.

Adaptado por Martinelli et al. (1996).

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172

10.3. Composição isotópica das precipitações no globo terrestre

Agora que sabemos como a condensação funciona, conheceremos a

composição isotópica média da precipitação no globo. A Agência Internacional de

Energia Atômica (AIEA) montou um vasta rede de coleta de amostras de chuva a fim

de medir sua composição isotópica. O Cena participa dessa rede, sendo

responsável pelas coletas de amostras de água de chuva aqui no Brasil. Dados

sobre a rede podem ser obtidos em: http://isohis.iaea.org.

Figura 11.6. Valores médios de δD (‰) ponderados pela quantidade de precipitação

de amostras de chuvas coletadas no globo terrestre. Adaptado de www.

isohis.aiea.org.

A Figura 11.6 e 11.7 ilustram a média anual ponderada pela quantidade de

precipitação dos valores de δD e δ18O para o mundo, obtida pelas extrapolações dos

valores obtidos nas estações da rede da AIEA.

Podemos observar que os valores de δ18O e δD das chuvas mostram

variações em várias partes do globo. Por exemplo, os valores de δ18O vão desde

0‰ até -34‰. Nota-se que uma das tendências mais claras nesta figura é que os

valores de δ18O são maiores nos trópicos e menores em direção às regiões polares.

Esse efeito é conhecido como "efeito da latitude" e encontra-se ilustrado na Figura

11.8.

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173

Figura 11.7. Valores médios de δ18O (‰) ponderados pela quantidade de

precipitação de amostras de chuvas coletadas no globo terrestre. Adaptado por

www. isohis.aiea.org.

Na Figura 11.8 são comparadas as composições isotópicas da cidade de

Manaus, situada aproximadamente a 3°S e a cidade de Vienna, na Áustria, situada

em uma latitude aproximada de 48°N. Nota-se claramente que os valores isotópicos

das amostras de chuvas de Viena são menores que a maioria dos valores

encontrados para as chuvas coletadas em Manaus (Fig. 11.8).

A principal causa para o efeito de latitude é a temperatura, como vimos

anteriormente, o fracionamento entre o vapor e a chuva depende da temperatura. O

fracionamento será maior, quanto menor for a temperatura.

Um outro fenômeno observado através da rede foi que estações de coleta

no interior dos continentes tinham valores isotópicos mais negativos que estações

localizadas em ilhas no meio do oceano.

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-100

-80

-60

-40

-20

0

20

-15 -10 -5 0

δ18O (o/oo)

δD (o/oo)Manaus

Viena

Figura 11.8. Relação δ18O x δD de amostras de chuva coletadas na cidade de

Manaus, região Amazônica e em Viena, capital da Áustria (www.isohis.iaea.org).

A provável explicação para esse fenômeno seria o deslocamento da massa

de ar em direção ao interior do continente. Pela equação de Raylegh, a massa de

vapor e, conseqüentemente, a chuva, ficariam cada vez mais leve. Um outro motivo

seria, que a massa de água ao se mover em direção ao interior do continente

receberia vapor d'água de composição isotópica mais leve, devido aos processos de

evaporação que ocorrem nos continentes. Esse efeito é chamado "efeito de

continentalidade".

A Figura 11.9 ilustra o efeito de continentalidade comparando os valores

médios de 6180 de amostras de água de chuva coletadas em Belém e Manaus entre

os períodos de 1969 a 1987. Nota-se que a média dos valores em Manaus é quase

2‰ menor que em Belém.

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175

-6.0

-5.0

-4.0

-3.0

-2.0

-1.0

0.0Manaus Belém

δ18O

(o / oo)

Figura 11.9. Média dos valores de δ18O de amostras de chuva coletadas em Manaus

em Belém entre 1969 a 1987.

Um terceiro efeito, conhecido com "efeito de quantidade" ("amount effect")

diz que as chuvas mais intensas apresentam valores menores de δ18O e δD, ou seja

ocorre um efeito inverso em relação ao volume de água precipitada. A variação

sazonal dos valores de δ18O da precipitação em Manaus é um bom exemplo desse

efeito. Nos meses mais secos, os valores tornam-se mais elevados, enquanto nos

meses mais úmidos há um decréscimo acentuado nos valores isotópicos (Fig.

11.10).

As principais causas para o efeito de quantidade seriam:

1) Com uma maior quantidade de água sendo condensada, haveria um

resfriamento mais elevado, aumentando o valor do fracionamento isotópico

entre a chuva e o vapor que lhe deu origem;

2) Na época seca há uma maior intensidade de troca isotópica com o ar

atmosférico, enriquecendo isotopicamente as partículas de chuva;

3) Na época seca, as gotas de chuvas podem ser evaporadas no seu percurso

até o chão. Esse fato causa também um enriquecimento das gotas de chuva.

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176

-8

-7

-6

-5

-4

-3

-2

-1Ju

nJu

lAgo Set Out Nov

DecJa

nFev Mar Abr Mai

δ18O

(o / oo)

0

50

100

150

200

250

300

350

P (m

m)

Precip. δ18Ο

Figura 11.10. Valores médios mensais de δ18O de precipitação de amostras

coletadas na cidade de Manaus entre 1972 a 1986. Adaptado por Victoria et al.

(1991).

Um outro efeito seria o chamado "efeito de altitude". Os valores de δ18O e δD

tornam-se mais leves com o aumento da altitude, devido a uma redução na

temperatura em relação à altitude.

Esse efeito pode ser demonstrado se utilizarmos a composição isotópica de

água de rios em vez de àgua de chuva. Utilizando-se os dados publicados por Salati

et al. (1980) sobre a composição isotópica de rios da bacia Amazônica, nota-se

claramente que os rios andinos são empobrecidos em O-18 quando comparados

com os rios pertencentes às terras baixas da Amazônia (Fig. 11.11).

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177

-18

-16

-14

-12

-10

-8

-6

-4

-2

4555657585

Longitude (oW)

δ18O

(o / oo)

Figura 11. 11. Variação longitudinal de valores de δ18O de amostras de água de rios

da região Amazônica. Adaptado por Salati et al. (1980).

11.4. Hidrologia isotópica na Amazônia: alguns exemplos

O atual laboratório de Isótopos Estáveis do CENA, antigamente

denominado de laboratório de Hidrologia Isotópica, teve uma atuação destacada no

estudo do ciclo da água na bacia Amazônica. Dessa atuação foram publicados uma

série de artigos, culminando com o seminal artigo publicado por Salati et al.(1979).

Nesse artigo foi elegantemente demonstrado que a floresta amazônica seria

responsável por, pelo menos, metade da precipitação gerada na região, sendo a

outra metade de origem oceânica. Esse artigo demonstrou claramente a importância

da reciclagem da água na Amazônia. As árvores funcionariam como reatores, os

quais retirariam água do solo e a retornariam para a atmosfera. Logo, esse artigo

foi um catalisador para futuros exercícios de modelagem sobre os efeitos da retirada

da vegetação sobre o clima da região Amazônica.

As previsões de Salati et aI. (1979) foram confirmadas em um estudo

posterior publicado em 1991 por Victoria et al. (1991). Esse último estudo de

baseando em uma série mais longa de dados, confirmou a importância da

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evaporação d'água na região. Primeiramente, através de dois diagramas δ18O vs

δ13D, um contendo os dados de chuva coletados na época seca e outro contendo

dados coletados durante a época de chuva (Fig. 11.12). A equação de reta

resultante do período de seca teve um valor d de intersecção com o eixo Y

aproximadamente igual a 13‰ , enquanto o mesmo valor obtido durante o período

chuvoso foi aproximadamente igual a 10‰. O valor d>10‰ obtido no período seco

indica que durante esse período os processos de evaporação são de magnitude tal

que elevam significativamente este valor.

(A)

y = 8.2x + 13.4R2 = 0.91

-100

-80

-60

-40

-20

0

20

40

-14 -12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2

δ18O (o/oo)

D (o /oo

)

(B)

y = 7.9x + 10.2R2 = 0.97 -100

-80

-60

-40

-20

0

20

-14 -12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2

δ18O (o/oo)

D (o / oo

)

(A)

y = 8.2x + 13.4R2 = 0.91

-100

-80

-60

-40

-20

0

20

40

-14 -12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2

δ18O (o/oo)

D (o /oo

)

(B)

y = 7.9x + 10.2R2 = 0.97 -100

-80

-60

-40

-20

0

20

-14 -12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2

δ18O (o/oo)

D (o / oo

)

Figura 11.12. Relação δ18O x δD de amostras de chuva coletadas na cidade de

Manaus. (A) período seco, junho a novembro de 1972 a 1986. (B) período chuvoso,

dezembro a maio de 1972 a 1986. Adaptado por Victoria et al. (1991).

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O efeito da sazonalidade na evaporação da água das chuvas e conseqüente

sazonalidade dos valores d pode ser observada na Figura 11.13 Nos meses mais

secos, o valor d adquire valores acima de 10‰, em torno de 13‰ a 15‰. Entre

novembro e março esses valores decrescem e variam de 8‰ a 10‰. A partir de

abril se elevam novamente para algo em torno de 11‰ a 12‰.

8

9

10

11

12

13

14

15

Jun Ju

lAgo Set Out Nov Dec

Jan

Fev Mar Abr Mai

valo

r "d"

(o / oo

)

0

50

100

150

200

250

300

350

P (m

m)

Precip. "d"

Figura 11.13. Valores médios mensais de excesso de deutério (d) e da precipitação

de amostras coletadas na cidade de Manaus entre 1972 e 1986. Adaptado por

Victoria et al. (1991).

Para que haja evaporação, obviamente, deve haver uma fonte de água a ser

evaporada. As planícies de inundação da Amazônia no período de cheia podem

atingir uma área inundada equivalente ao Estado de São Paulo, ou seja, cerca de

250.000 km2. Nessas planícies existem centenas de lagos de várzea que mesmo na

seca formam um imenso espelho d'água. Devido à importância desses lagos como

fontes de água evaporada, acompanhamos as variações isotópicas sazonais desses

lagos (Martinelli et al., 1986). De particular interesse é o lago Grande, situado

próximo à cidade de Santarém, onde tivemos a oportunidade de acompanhar a

composição isotópica desse lago durante todo um ano hidrológico (Fig. 11.14).

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-8

-7

-6

-5

-4

-3

-2

-1

0

1

20/8

/200

1

20/1

0/20

01

20/1

2/20

01

20/2

/200

2

20/4

/200

2

20/6

/200

2

20/8

/200

2

20/1

0/20

02

20/1

2/20

02

20/2

/200

3

20/4

/200

3

20/6

/200

3

δ18O

(o / oo)

100

200

300

400

500

600

700

800

Niv

el d

o rio

Am

azon

as (c

m)

L.Salé -S.Nicolau Ig. Fazenda Óbidos nível do rio Amazonas

Figura 11.14. Variação sazonal dos valores de δ18O - lago do Salé, na localidade de

São Nicolau; no igarapé da Fazenda e no rio Amazonas amostrado próximo à cidade

de Óbidos, no Estado do Pará. A linha negra contínua representa a variação no nível

d’água do rio Amazonas na localidade de Óbidos.

Nota-se claramente um aumento acentuado dos valores de δ18O durante a

época seca, sugerindo claramente a ocorrência de um processo intenso de

evaporação (Fig.11.14). Essa possibilidade é confirmada pelo diagrama δ18O vs δD,

no qual uma clara linha de evaporação é formada durante o período de seca (Fig.

11.15).

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-60

-50

-40

-30

-20

-10

0

10

20

-8 -6 -4 -2 0 2

δ18O (o/oo)

δD (o / o

o)

RMM Cheia 2001 Seca 2001 Cheia 2002

Fig. 11.15. Relação entre δ18O vs δD em amostras de água coletadas no lago Salé,

na localidade de São Nicolau, próximo à cidade de Santarém, em três períodos

distintos: cheias de 2001 e 2002 e no período de seca de 2002. RMM é a abreviação

para reta meteórica mundial.

Sugestões para leitura Gat J.R. & Matsui E. Atmospheric water balance in the Amazon Basin: an isotopic

evapotranspiration model. Journal of Geophysical Research 96: 13179-13188,

1991.

International Energy Atomic Agency. Atmospheric Waters. In Stable Isotope

Hydrology. Technical Reports Series, n° 210, p. 103-142, 1981.

Martinelli, L.A.; Victoria, R.L.; L.S.L. Sternberg, A. Ribeiro, M.Z. Moreira.Using stable

isotopes to determine sources of evaporated water to the atmosphere in the Amazon

Basin. Journal of Hydrology 183 (3-4): 191-204, 1996.

Martinelli L.A; Gat J.R; Camargo P.B; Lara L.L; Ometto J.P.H.B. The Piracicaba

River basin: Isotope hydrology of a tropical river basin under anthropogenic stress.

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Isotopes in Environmental and Health Studies 40 (1): 45-56, 2004. isotope study.

Water Research Resources 15: 1250-1258.

Victoria, R.L; L.A. Martinelli; J. Mortatti and J. Richey. Mechanisms of water recycling

in the Amazon Basin: Isotopic Insigths. Ambio 20: 384-387, 1991.