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• Docência no Ensino Superior• Educação médica no Brasil
• Formação do professor do Ensino Superior: desafios e políticas institucionais
ISBN 978-85-249-2420-0
Esta obra traz as condições históricas em que sedesenvolveu o ensino médico no Brasil, apresentandoolhares e perspectivas que buscam dialogar com asnovas diretrizes curriculares para a graduação emMedicina e com as inovações curriculares e pedagógicasnecessárias para atender a uma formação orientada parao Sistema Único de Saúde (SUS), fundamentada nasdemandas da sociedade, na interdisciplinaridade e nainterprofissionalidade.
Educação médica no Brasil
Nildo Alves BatistaRosana Quintella Brandão Vilela
Sylvia Helena Souza da Silva Batista
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Educação médica no B
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Série: Ensino Superior• Docência no Ensino Superior
Selma Garrido Pimenta Léa das Graças Camargos Anastasiou
• Educação médica no BrasilNildo Alves Batista
Rosana Quintella Brandão VilelaSylvia Helena Souza da Silva Batista
• Formação do professor do Ensino Superior: desafios e políticas institucionais
Maria Isabel de Almeida
Série: Saberes Pedagógicos • A mistificação pedagógica: realidades sociais e
processos ideológicos na teoria da educaçãoBernard Charlot
• Da relação com o saber às práticas educativasBernard Charlot
• Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico
Isabel Cristina de Moura Carvalho• Educação em Direitos Humanos
e formação de professoresVera Maria Candau – Iliana Paulo
Marcelo Andrade – Maria da Consolação LucindaSusana Sacavino – Viviane Amorim
• Educação Escolar: políticas, estrutura e organização
José Carlos Libâneo João Ferreira de Oliveira
Mirza Seabra Toschi• Estágio e Docência
Selma Garrido Pimenta Maria Socorro Lucena Lima
• Indisciplina e disciplina escolar: fundamentos para o trabalho docente
Celso dos Santos Vasconcellos• Pedagogia e prática docente
Maria Amélia do Rosário Santoro Franco• Questões de método na construção
da pesquisa em educaçãoEvandro Ghedin
Maria Amélia Santoro Franco
Série: Educação Profissional• Educação Profissional no Brasil
Silvia Maria Manfredi
Série: Educação Infantil
• Educação Infantil: fundamentos e métodosZilma Ramos de Oliveira
• Educação Infantil do CampoAna Paula Soares da Silva
Jaqueline PasuchJuliana Bezzon da Silva
• Educação Infantil e registro de práticasAmanda Cristina Teagno Lopes
• Formação de professores na Educação InfantilMarineide de Oliveira Gomes
Série: Ensino Fundamental
• Ensino de Ciências: fundamentos e métodosDemétrio Delizoicov – José André Angotti
Marta Maria Pernambuco
• Ensino de História: fundamentos e métodosCirce Maria Fernandes Bittencourt
• Ensino Religioso no Ensino FundamentalLilian Blanck de Oliveira
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira Luiz Alberto Sousa Alves – Ernesto Jacob Keim
• Filosofia no Ensino FundamentalMarcos Antônio Lorieri
• Para ensinar e aprender GeografiaNídia Nacib Pontuschka – Tomoko Iyda Paganelli
Núria Hanglei Cacete
Série: Ensino Médio
• Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos
Martha Marandino – Sandra Escovedo SellesMarcia Serra Ferreira
• Ensino de Filosofia no Ensino MédioEvandro Ghedin
capa_educacao_medica_brasil_Layout 1 21/10/2015 09:24 Página 1
SUMÁRIO
AOS PROFESSORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1A PARTE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
DO ENSINO MÉDICO NO BRASIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Capítulo I NAS RAÍZES DA MEDICINA, AS ORIGENS
DO ENSINO MÉDICO: UMA PERSPECTIVA . . . . . . . . . . . . 35
Capítulo II ENSINO MÉDICO NO BRASIL: OS PRIMEIROS
MOVIMENTOS DE CRIAÇÃO E IMPLANTAÇÃO . . . . . . . 47
Capítulo III ENSINO MÉDICO NO BRASIL
NO SÉCULO XX E SUA EXPANSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 591. O Relatório Flexner: um marco
e uma proposta de mudança do ensino médico no século XX . . . . . . . . . . . 73
Capítulo IV DO MOVIMENTO PREVENTIVISTA
À CRIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: OS IMPACTOS NO ENSINO MÉDICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Capítulo V DA COMISSÃO INTERINSTITUCIONAL
NACIONAL DE AVALIAÇÃO DO
ENSINO MÉDICO (CINAEM) ÀS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 951. As Diretrizes Curriculares Nacionais para
o curso de Graduação de Medicina . . . . . . 104
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Capítulo VI O ENSINO MÉDICO PÓS-DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS 2001:AS CONSTRUÇÕES NO SÉCULO XXI . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
2A PARTE O COTIDIANO DO ENSINO MÉDICO . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Capítulo I APRENDER E ENSINAR MEDICINA: A FORMAÇÃO EM PROCESSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Capítulo II PLANEJAMENTO COMO INSTRUMENTO
DE ENSINO E APRENDIZAGEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1751. O enfoque normativo
no planejamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1822. O enfoque participativo
no planejamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
Capítulo III O CURRÍCULO COMO ITINERÁRIO
DE FORMAÇÃO DO MÉDICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1951. As Diretrizes Curriculares
e Inovações Curriculares no Curso Médico: tecendo aproximações . . . . . . . . . . 203
2. Processo de reestruturação curricular: por entre experiências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208
3. Em busca de um síntese, ainda que provisória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216
Capítulo IV METODOLOGIAS ATIVAS DE
ENSINO-APRENDIZAGEM (MAEA): POTÊNCIAS PARA APRENDER
E ENSINAR EM MEDICINA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217
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Capítulo V O INTERNATO NA GRADUAÇÃO MÉDICA . . . . . . . . . 2351. Internato: aspectos históricos,
conceitos e legislação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2372. Tipos e modelos
de internato médico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2423. Internato na atenção básica . . . . . . . . . . . . . 2484. Internato em Urgência
e Emergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252
Capítulo VI AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
NO ENSINO MÉDICO: POSSIBILIDADES E DESAFIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257
Capítulo VII AVALIAÇÃO EDUCATIVA: TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273
1. A experiência da Comissão de Avaliação das Escolas Médicas (Caem) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 284
2. O Teste do Progresso: da medida à avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
3A PARTE A DOCÊNCIA NA GRADUAÇÃO MÉDICA . . . . . . . . . . 321
Capítulo I O ESTUDANTE DE MEDICINA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323
Capítulo II SER PROFESSOR(A) DE MEDICINA: APRENDENDO COM NARRATIVAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337
Capítulo III DESENVOLVIMENTO DOCENTE: TECENDO REDES FORMATIVAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351
1. Tecendo redes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 366
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Capítulo IV APRENDER E FORMAR NA EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA: (RES)SIGNIFICANDO
PRÁTICAS EXTENSIONISTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3691. Indissociabilidade
ensino-pesquisa-extensão . . . . . . . . . . . . . . . . 3742. O papel da extensão
na formação do médico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3773. Enfim... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 385
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1a
Parte
Contextualização histórica do ensino médico
no Brasil
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NAS RAÍZES DA MEDICINA, AS ORIGENS DO ENSINO MÉDICO:
UMA PERSPECTIVA
Capítulo I
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Nas raízes da Medicina, asorigens do ensino médico:
uma perspectiva
Em 2015, o ensino médico no Brasil completa 207 anos!Nesses mais de dois séculos de percurso, seus condicionantes
têm sido múltiplos: as opções político-econômicas, as reformasconstitucionais, as lutas por políticas públicas de saúde eeducação, a criação e consolidação do Sistema Único deSaúde (SUS), os cenários internacionais de profundas
mudanças no reordenamento do capitalismo, os movimentosrelativos às transformações no campo da educação médica
mundial. Para além disso, aspectos relevantes da história daprópria Medicina e dos primórdios do ensino médico têm
também influência na Educação Médica no Brasil.
Nesse sentido, o ato de empreender um olhar sobrealgumas trajetórias e determinados itinerários históricosmostra-se necessário para uma maior compreensão do ensi-no médico brasileiro. O esforço por fazer tal empreendi-mento ancora-se na hipótese de que, ao percorrermos oscaminhos de constituição da Medicina, podemos identifi-car indícios e vestígios que configuram e conformam a for-mação médica.
Entendemos que o campo do ensino médico se fez vastoe desemboca em muitas vozes que se cruzam, refletindotambém a própria evolução histórica da Medicina.
37
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As relações de homens e mulheres com a Medicina tra-zem suas primeiras marcas nos encontros do conhecimen-to médico com a magia, com práticas de exorcismos e comcrenças na vontade do sobrenatural nas determinações dadoença. Ao tomarmos o exemplo da civilização babilôni-ca, na Antiguidade, identifica-se a convivência de trata-mentos e de prescrições diferentes para o mesmo paciente,para a mesma doença. Nessa civilização, o desespero, osofrimento e a dor eram objetos de trabalho tanto do médi-co quanto do exorcista, o que, no dizer de Bottéro (1985,p. 11), não dista muito da procura contemporânea por umestado permanente de saúde, bem-estar e prazer:
[...] cada civilização, cada época, tem a sua dose de racional
e de irracional. Se existe domínio em que esta é visível, é o da
luta contra o mal. Porque o mal não é apenas contrariante,
mas absurdo, e porque nem a ‘geometria de Euclides’ o con-
seguiu explicar nem a lógica conseguiu afastá-lo.
As primeiras tentativas de desvinculação da Medicinadas amarras do “irracional” encontraram em Hipócrates(460-370 a.C.) um defensor tenaz. Dessa forma, emergiu naGrécia a batalha pela edificação de uma “medicina racional,a partir de um duplo procedimento: procurar as causas dasdoenças com ajuda de múltiplas observações e depois aplicaros remédios apropriados” (Mossé, 1985, p. 40).
Segundo Scliar (2002), Hipócrates, no século V a.C.,preconiza, pela primeira vez, a diferenciação entre magia,religião e medicina empírica. Para ele, o médico deveria teruma dedicação especial ao estudo e ao trabalho, necessitan-do de um ambiente favorável ao exercício de sua prática.
Além de correlacionar, naquela época, epidemias comfatores ambientais, Hipócrates já descrevia manifestações
1A PARTE
38
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CAPÍTULO I – NAS RAÍZES DA MEDICINA, AS ORIGENS DO ENSINO MÉDICO: UMA PERSPECTIVA
clínicas de doenças como malária, tuberculose, caxumba epneumonia. A teoria dos quatro humores corporais (san-gue, fleugma, bílis amarela e bílis negra) também foi cria-da por ele. Dedicou-se, também, a relevantes estudos sobreanatomia humana, sendo considerado o “pai da medicina”.
Sua conduta ética e seu juramento sempre balizaram oensino médico no Brasil, sendo ainda hoje empregado naocasião da formatura dos médicos brasileiros:
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Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas,
cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens;
ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la,
sem remuneração nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino,
meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.
Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém.
A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda.
Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.Conservarei imaculada minha vida e minha arte.
Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes,
mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor,
com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade,
eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.
Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão,
honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça.
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A partir da batalha iniciada na Grécia, a irracionalida-de começou a ser negada, uma vez que as práticas em saúdecujas racionalidades não se coadunavam com a visão daciência como saber verdadeiro foram – e talvez, em algumamedida, ainda o sejam – consideradas danosas ao indiví-duo. Nesse sentido, um modelo vigente de racionalidadetécnico-científica como parâmetro único passou a ser con-siderado, sendo recusada a irracionalidade e, consequente-mente, estabelecendo polos de tensão cuja superação seapresentava (e ainda se apresenta) como uma promessanão cumprida.
O refinamento da prática médica também encontrouno solo árabe condições privilegiadas durante a IdadeMédia. O estudo contínuo e consistente e as detalhadasobservações dos pacientes contribuíram para elaboraçõesde manuais que marcariam o exercício da Medicinaoriental e ocidental. Esses avanços, entretanto, foramdirecionados para uma elite dominante, restando aosdoentes desprivilegiados da cidade e do campo a ação decurandeiros, charlatães e médicos medíocres.
Sobre isso, escreveu Micheau (1985, p. 77):
E não podemos nos furtar à impressão de que tanto a ciênciamédica como as outras ciências ditas racionais tendiam a ser oapanágio de uma minoria cultivada e dependiam do entusias-mo dos califas e do apoio de mecenas generosos e esclarecidos.Não era esta a medicina, como a dos gregos e romanos, umamedicina de ponta para uma elite?
É importante sublinhar que a perspectiva de privilégionão ocorreu somente no campo da saúde, mas abrangeutambém o campo da educação, com grande parte da popu-lação sem acesso ao conhecimento. Nesse âmbito, as uni-versidades europeias na Idade Média, que tiveram início
1A PARTE
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CAPÍTULO I – NAS RAÍZES DA MEDICINA, AS ORIGENS DO ENSINO MÉDICO: UMA PERSPECTIVA
entre os séculos XI e XIII com as faculdades de Artes,Medicina, Direito e Teologia, voltavam-se para a elite,permitindo, no interior de suas dependências, o livre pen-samento e ideologias, sendo todas as aulas ministradas em latim. A primeira instituição oficial de ensino emMedicina foi a Escola Médica de Salermo, datada de 1057,seguida da Universidade de Bolonha, na Itália, em 1088, ea Universidade de Paris, na França, em 1208 (Symoens,2003; Rezende, 2009).
Vale registrar que na Escola de Medicina de Salermo, ocurso já era realizado em dois ciclos, e isso contribuiu sig-nificativamente para o desenvolvimento da Medicinacomo profissão (Rezende, 2009).
Nessa época medieval, ao lado desse flagrante privilégioda classe dominante, instaurou-se com vigor a valorizaçãoda prática em Medicina a partir de observações exaustivasdos doentes, de longas e minuciosas descrições das doen-ças, imputando às classificações teóricas existentes o sím-bolo da fragilidade e da incompletude. Dessa forma, o“leito do doente” inscrevia-se como a fonte mais fiel eenriquecedora da prática por excelência (Jacquart, 1985).
A partir da primeira metade do século XV e da inau-guração do período renascentista, a Arte tomou o sen -tido do naturalismo. Artistas como Masaccio (1401-1428),Donatello (1386-1466), Pollaivolo (1429-1498), Verrocchio(1435-1488), Michelangelo (1475-1564) e Raphael (1483--1520), e artistas teóricos como Alberti (1404-1472) eDa Vinci (1452-1519) passaram a representar fenôme-nos naturais com objetividade e exatidão, tendo o corpohumano como elemento central de suas buscas e produ-ções (Kickhöfel, 2003).
Sendo, então, o homem o centro das perguntas maisimportantes do período, o Renascimento possibilitou,
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durante o século XVI, grande avanço no estudo da anato-mia, marcado principalmente pelas contribuições deAndreas Vesalius (1514-1564). Para ele, a observaçãodireta do corpo humano pelos estudantes era a fonte maisconfiável de aprendizado da anatomia, rompendo com acultura medieval do ensino médico puramente teórico, queconsistia na leitura de textos, enquanto um assistente indi-cava as estruturas descritas em um cadáver (Reveron,2007). Dessa maneira, Vesalius estabeleceu a objetividadee o empirismo no estudo da anatomia, substituindo o ensi-no literário de Galeno (129-200 d.C.) por um ensino fun-damentado na experiência.
Além de inovar o ensino médico, outra importantecontribuição dada por ele foi a introdução de ilustraçõesno ensino da anatomia, a partir da publicação das seispranchas de anatomia no livro As ilustrações dos trabalhosanatômicos de Andreas Vesalius. Essa obra foi consideradacomo o primeiro tratado moderno de anatomia, por suaclareza, beleza, rigor e inédita eficácia, por meio do qualcorrige os erros descritivos de Galeno, via dissecação deum corpo humano e não de animal (Reveron, 2007). Emseu trabalho, Vesalius alia arte e ciência em suas contri-buições ao ensino médico.
No século XVI, a Universidade de Pádua, (denomi-nada Studio, na Idade Moderna), constituiu-se em umimportante centro europeu para a formação em Medicina.Tal formação se edificou na Universidade de Artes, con-tando com um corpo de professores doutores em Arte eMedicina e um Colégio de Médicos e Filósofos, cujaprincipal função era examinar os futuros médicos doutorese fornecer licenças para o exercício e a prática médica nacidade (Rebollo, 2010).
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1A PARTE
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Nesse itinerário, observa-se, mais uma vez, a Medicinae sua formação em diálogo fundante com o campo dasArtes, ampliando e transformando suas relações com asociedade a partir, também, de importantes descobertasrealizadas na Idade Moderna, entre elas: o uso do micros-cópio pelo cientista holandês Antonie van Leeuwenhoek(1632-1723) e o sistema circulatório do sangue porWilliam Harvey (1578-1657), ambos no século XVII.
A continuidade das descobertas, os avanços da Medicinana Idade Moderna, a consolidação do hospital como lócusprivilegiado de prática, de ensino e de aprendizagem e asmudanças nas técnicas do ensino médico conferiam àMedicina o caráter de conhecimento que busca a curaou, pelo menos, a minimização do sofrimento, dentrodos cânones da racionalidade, da objetividade e da cien-tificidade. Configurava-se, assim, o modelo da ciênciamédica moderna.
Capra (1982, p. 142) comenta que a compreensão desaúde assumia, assim, um caráter limitado, estático, cir-cunscrito ao espaço do biológico, implicando uma con-cepção de doença como “entidades bem definidas queenvolvem mudanças estruturais em nível celular e têmraízes causais únicas”. As interações do homem com seucontexto social, cultural, geográfico, político e ético nãoeram privilegiadas: tratava-se de partes, de fragmentos,mas não de homens.
Canguilhem (1995, p. 209) afirma que o lidar com partese fragmentos pode derivar posturas médicas fundamentadasem uma ótica parcial e em representações significativamen-te cristalizadas em torno da chamada normalidade: “[...]normal é o termo pelo qual o século XIX irá designar oprotótipo escolar e o estado de saúde orgânico”.
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CAPÍTULO I – NAS RAÍZES DA MEDICINA, AS ORIGENS DO ENSINO MÉDICO: UMA PERSPECTIVA
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A busca por respostas universais, verdades absolutas quefossem produzidas por uma razão neutra, marca a cientifi-cidade que vinha conformando as práticas médicas. Os tra-ços da racionalidade cartesiana caracterizavam um modeloque Capra (1982, p. 116) denomina “biomédico”:
O corpo humano é considerado uma máquina que pode seranalisada em termos de suas peças; a doença é vista comoum mau funcionamento dos mecanismos biológicos, que sãoestudados do ponto de vista da biologia celular e molecular;o papel do médico é intervir, física ou quimicamente, paraconsertar o defeito no funcionamento de um específicomecanismo enguiçado.
Este modelo de ciência moderna influenciou e continuainfluenciando o ensino e prática médica na contempora-neidade. Importantes descobertas continuaram colaboran-do com o desenvolvimento desse modelo: a vacina contraa varíola, por Edward Jenner (1749-1823), em 1796; étercomo anestesia, utilizado pela primeira vez pelo dentistaWilliam Thomas Green Morton (1819-1868), em 1846; oaparelho de radiografia, criado pelo físico alemão WilhelmRöntgen (1845-1923), em 1895, que revolucionou aMedicina ao permitir que os médicos obtivessem imagensnão invasivas do corpo dos pacientes.
Todavia, a dialética dos movimentos e dos processoshumanos traziam (e continuam trazendo) à tona as con-tradições dos próprios avanços e descobertas.
Segundo Saint-Romain (1985, p. 86):
Em 1900, os soros são a panaceia, depois os pequenos aci-dentes dão o que pensar. A vacina torna-se mais importante,mas ela pode ser defeituosa; administrada sem verdadeiroconhecimento é ineficaz. Em seguida, os antibióticos maravi-lham, mas as resistências também aparecem.
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A ideia do protótipo permaneceu e o ser humano nor-mal passa, assim, a ser considerado aquele que apresentaestabilidade das funções orgânicas dentro dos parâmetrosda Medicina. Estrutura-se um olhar que unifica o diverso,que reabsorve e resolve diferenças: a marca da polêmica, dainstabilidade, da provisoriedade do estado normal torna-seopaca, surgindo um ser humano cujo perfil de normalida-de é tomado como referência única, esquecendo-se deque as definições relativas ao normal, saudável, patoló-gico e anormal estão situadas em determinada cultura(Canguilhem, 1995).
O século XX marca importantes inflexões para aMedicina em suas relações com a sociedade, tanto nadimensão dos avanços científicos e tecnológicos, quantona perspectiva de ampliação crítica das concepções sobresaúde e doença. Agrega-se, também, o reconhecimento damulticausalidade dos processos de sofrimento humano e adefesa da saúde como direito humano fundamental. Asconquistas científicas e sociais vão, dessa forma, constituiruma imbricada rede na qual se produzem práticas médicase formam-se médicos.
Rezende (2009, p. 282) afirma que a “maior contribui-ção da Medicina à saúde no século XX foi, sem dúvida, nocampo da prevenção das doenças por meio da imunizaçãoem massa e das ações desenvolvidas sobre o meio ambien-te”. E destaca, ainda, a descoberta dos antibióticos; isola-mento e determinação da estrutura química da maioria doshormônios, como exemplares a insulina e a cortisona; oaparecimento da ultrassonografia, da tomografia computa-dorizada, da ressonância nuclear magnética, da cintilogra-fia, da Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) e porraios gama (Spect); desenvolvimento de técnicas de alta
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CAPÍTULO I – NAS RAÍZES DA MEDICINA, AS ORIGENS DO ENSINO MÉDICO: UMA PERSPECTIVA
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sensibilidade nos laboratórios; engenharia genética; clona-gem de animais pela manipulação celular; avanços nacirurgia cardíaca, neurocirurgia e oftalmologia; transplan-tes de órgãos; a psicofarmacologia.
Em meio ao desenvolvimento de uma perspectiva dapromoção da saúde, articulando educação e prevenção, emdiálogo (por vezes tensos e contraditórios) com o desen-volvimento tecnológico, a Medicina recria-se em seusmétodos, processos, procedimentos e práticas no cotidianoda produção da vida humana.
Byrne e Rozental (1994, p. 55) afirmam que “las escue-las de medicina son construcciones sociales y la educaciónmédica es una práctica social”, expressando a historicida-de que preside as práticas humanas. Assim, reconhece-seque o processo de formação do médico vem sendo produzi-do em meio à constituição da Medicina como prática ecomo ciência, refletindo as opções feitas em relação aoprofissional que se deseja formar.
1A PARTE
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“As escolas deMedicina são
construções sociais e aeducação médica é uma
prática social”(tradução nossa).
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Esta obra traz as condições históricas em que sedesenvolveu o ensino médico no Brasil, apresentandoolhares e perspectivas que buscam dialogar com asnovas diretrizes curriculares para a graduação emMedicina e com as inovações curriculares e pedagógicasnecessárias para atender a uma formação orientada parao Sistema Único de Saúde (SUS), fundamentada nasdemandas da sociedade, na interdisciplinaridade e nainterprofissionalidade.
Educação médica no Brasil
Nildo Alves BatistaRosana Quintella Brandão Vilela
Sylvia Helena Souza da Silva Batista
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Educação médica no B
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Série: Ensino Superior• Docência no Ensino Superior
Selma Garrido Pimenta Léa das Graças Camargos Anastasiou
• Educação médica no BrasilNildo Alves Batista
Rosana Quintella Brandão VilelaSylvia Helena Souza da Silva Batista
• Formação do professor do Ensino Superior: desafios e políticas institucionais
Maria Isabel de Almeida
Série: Saberes Pedagógicos • A mistificação pedagógica: realidades sociais e
processos ideológicos na teoria da educaçãoBernard Charlot
• Da relação com o saber às práticas educativasBernard Charlot
• Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico
Isabel Cristina de Moura Carvalho• Educação em Direitos Humanos
e formação de professoresVera Maria Candau – Iliana Paulo
Marcelo Andrade – Maria da Consolação LucindaSusana Sacavino – Viviane Amorim
• Educação Escolar: políticas, estrutura e organização
José Carlos Libâneo João Ferreira de Oliveira
Mirza Seabra Toschi• Estágio e Docência
Selma Garrido Pimenta Maria Socorro Lucena Lima
• Indisciplina e disciplina escolar: fundamentos para o trabalho docente
Celso dos Santos Vasconcellos• Pedagogia e prática docente
Maria Amélia do Rosário Santoro Franco• Questões de método na construção
da pesquisa em educaçãoEvandro Ghedin
Maria Amélia Santoro Franco
Série: Educação Profissional• Educação Profissional no Brasil
Silvia Maria Manfredi
Série: Educação Infantil
• Educação Infantil: fundamentos e métodosZilma Ramos de Oliveira
• Educação Infantil do CampoAna Paula Soares da Silva
Jaqueline PasuchJuliana Bezzon da Silva
• Educação Infantil e registro de práticasAmanda Cristina Teagno Lopes
• Formação de professores na Educação InfantilMarineide de Oliveira Gomes
Série: Ensino Fundamental
• Ensino de Ciências: fundamentos e métodosDemétrio Delizoicov – José André Angotti
Marta Maria Pernambuco
• Ensino de História: fundamentos e métodosCirce Maria Fernandes Bittencourt
• Ensino Religioso no Ensino FundamentalLilian Blanck de Oliveira
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira Luiz Alberto Sousa Alves – Ernesto Jacob Keim
• Filosofia no Ensino FundamentalMarcos Antônio Lorieri
• Para ensinar e aprender GeografiaNídia Nacib Pontuschka – Tomoko Iyda Paganelli
Núria Hanglei Cacete
Série: Ensino Médio
• Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos
Martha Marandino – Sandra Escovedo SellesMarcia Serra Ferreira
• Ensino de Filosofia no Ensino MédioEvandro Ghedin
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