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ARTIGO ARTICLE 3065 1 Coordenação Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. SAF Sul, trecho 02, lotes 05 e 06, bloco F, torre I, Edifício Premium, térreo, sala 14. 70070-600 Brasília DF. [email protected] 2 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. 3 Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. 4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 5 Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009 Bullying in Brazilian schools: results from the National School-based Health Survey (PeNSE), 2009 Resumo O objetivo deste estudo é identificar e descrever a ocorrência do bullying, episódios de humilhação ou provocação perpetrados pelos co- legas da escola, entre estudantes do 9 o ano do ensi- no fundamental de escolas públicas e privadas das 26 capitais dos estados brasileiros e do Distrito Fe- deral. Trata-se de estudo transversal feito com 60.973 escolares de 1.453 escolas públicas e priva- das. A análise dos dados aponta que 5,4% (IC95%: 5,1%-5,7%) dos estudantes relataram ter sofrido bullying quase sempre ou sempre nos últimos 30 dias; 25,4% (IC95%: 24,8%-26,0%) foram rara- mente ou às vezes vítimas de bullying e 69,2% (IC95%: 68,5%-69,8%) não sentiram nenhuma humilhação ou provocação (bullying). A capital com maior frequência de bullying foi Belo Hori- zonte-MG (6,9%; IC95%: 5,9%-7,9) e a menor foi Palmas-TO (3,5%; IC95%: 2,6%-4,5%). Meninos relatam mais bullying (6,0%; IC95%: 5,5%-6,5%) do que meninas (4,8%; IC95%: 4,4%-5,3%). Não houve diferença entre escolas públicas (5,5%; IC95%: 5,1%-5,8%) e privadas (5,2%; IC95%: 4,6%-5,8%), exceto em Aracaju-SE, onde foi re- gistrada maior ocorrência de bullying em escolas privadas. Os dados mostram urgente necessidade de ações intersetoriais a partir de políticas e práti- cas educativas que efetivem redução e prevenção da ocorrência do bullying nas escolas. Palavras-chave Bullying, Violência, Adolescen- te, Instituições acadêmicas, Epidemiologia descri- tiva Abstract The aim of this study is to identify and describe the occurrence of bullying among students in the 9th year (8th grade) from public and pri- vate schools from 26 Brazilian state capitals and the Federal District. It is a cross-sectional study involving 60,973 students and 1,453 public and private schools. Data analysis indicates that 5.4% (IC95%: 5.1%-5.7%) of students reported having suffered bullying almost always or always in the last 30 days, 25.4% (IC95%: 24.8%-26.0%) were rarely or sometimes the victim of bullying and 69.2% (IC95%: 68.5%-69.8%) of students felt no humiliation or provocation at school. The capital with higher frequency of bullying was Belo Hori- zonte (6.9%; IC95%: 5,9%-7,9%), Minas Gerais, and the lowest was Palmas (3.5%; IC95%: 2.6%- 4.5%), Tocantins. Boys reported more bullying (6,0%; IC95%: 5.5%-6.5%) compared with girls (4,8%; IC95%: 4.4%-5.3%). There was no differ- ence between public schools 5.5% (IC95%: 5.1%- 5.8%) and private (5.2%) (IC95%: 4.6%-5.8%), except in Aracaju, Sergipe, that show more bully- ing in private schools. The findings indicate an urgent need for intersectoral action from educa- tional policies and practices that enforce the re- duction and prevention of the occurrence of bul- lying in schools in Brazil. Key words Bullying, Violence, Adolescent, School, Epidemiology descriptive Deborah Carvalho Malta 1 Marta Angélica Iossi Silva 2 Flavia Carvalho Malta de Mello 2 Rosane Aparecida Monteiro 3 Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha 1 Claudio Crespo 4 Mércia Gomes Oliveira de Carvalho 1 Marta Maria Alves da Silva 1 Denise Lopes Porto 5

Bullying Nas Escolas Brasileiras - Dados

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1 Coordenação Geral deDoenças e Agravos NãoTransmissíveis, Secretariade Vigilância em Saúde,Ministério da Saúde. SAFSul, trecho 02, lotes 05 e 06,bloco F, torre I, EdifícioPremium, térreo, sala 14.70070-600 Brasília [email protected] Escola de Enfermagem deRibeirão Preto,Universidade de São Paulo.3 Faculdade de Medicina deRibeirão Preto,Universidade de São Paulo.4 Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística.5 Departamento de Análisede Situação de Saúde,Secretaria de Vigilância emSaúde, Ministério da Saúde.

Bullying nas escolas brasileiras:resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009

Bullying in Brazilian schools:results from the National School-based Health Survey (PeNSE), 2009

Resumo O objetivo deste estudo é identificar edescrever a ocorrência do bullying, episódios dehumilhação ou provocação perpetrados pelos co-legas da escola, entre estudantes do 9o ano do ensi-no fundamental de escolas públicas e privadas das26 capitais dos estados brasileiros e do Distrito Fe-deral. Trata-se de estudo transversal feito com60.973 escolares de 1.453 escolas públicas e priva-das. A análise dos dados aponta que 5,4% (IC95%:5,1%-5,7%) dos estudantes relataram ter sofridobullying quase sempre ou sempre nos últimos 30dias; 25,4% (IC95%: 24,8%-26,0%) foram rara-mente ou às vezes vítimas de bullying e 69,2%(IC95%: 68,5%-69,8%) não sentiram nenhumahumilhação ou provocação (bullying). A capitalcom maior frequência de bullying foi Belo Hori-zonte-MG (6,9%; IC95%: 5,9%-7,9) e a menor foiPalmas-TO (3,5%; IC95%: 2,6%-4,5%). Meninosrelatam mais bullying (6,0%; IC95%: 5,5%-6,5%)do que meninas (4,8%; IC95%: 4,4%-5,3%). Nãohouve diferença entre escolas públicas (5,5%;IC95%: 5,1%-5,8%) e privadas (5,2%; IC95%:4,6%-5,8%), exceto em Aracaju-SE, onde foi re-gistrada maior ocorrência de bullying em escolasprivadas. Os dados mostram urgente necessidadede ações intersetoriais a partir de políticas e práti-cas educativas que efetivem redução e prevençãoda ocorrência do bullying nas escolas.Palavras-chave Bullying, Violência, Adolescen-te, Instituições acadêmicas, Epidemiologia descri-tiva

Abstract The aim of this study is to identify anddescribe the occurrence of bullying among studentsin the 9th year (8th grade) from public and pri-vate schools from 26 Brazilian state capitals andthe Federal District. It is a cross-sectional studyinvolving 60,973 students and 1,453 public andprivate schools. Data analysis indicates that 5.4%(IC95%: 5.1%-5.7%) of students reported havingsuffered bullying almost always or always in thelast 30 days, 25.4% (IC95%: 24.8%-26.0%) wererarely or sometimes the victim of bullying and69.2% (IC95%: 68.5%-69.8%) of students felt nohumiliation or provocation at school. The capitalwith higher frequency of bullying was Belo Hori-zonte (6.9%; IC95%: 5,9%-7,9%), Minas Gerais,and the lowest was Palmas (3.5%; IC95%: 2.6%-4.5%), Tocantins. Boys reported more bullying(6,0%; IC95%: 5.5%-6.5%) compared with girls(4,8%; IC95%: 4.4%-5.3%). There was no differ-ence between public schools 5.5% (IC95%: 5.1%-5.8%) and private (5.2%) (IC95%: 4.6%-5.8%),except in Aracaju, Sergipe, that show more bully-ing in private schools. The findings indicate anurgent need for intersectoral action from educa-tional policies and practices that enforce the re-duction and prevention of the occurrence of bul-lying in schools in Brazil.Key words Bullying, Violence, Adolescent, School,Epidemiology descriptive

Deborah Carvalho Malta 1

Marta Angélica Iossi Silva 2

Flavia Carvalho Malta de Mello 2

Rosane Aparecida Monteiro 3

Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha 1

Claudio Crespo 4

Mércia Gomes Oliveira de Carvalho 1

Marta Maria Alves da Silva 1

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Introdução

As diferentes manifestações de violência urbanatêm importância crescente na sociedade brasilei-ra. Por se caracterizarem como um fato socialque abrange a sociedade como um todo, acabampor atingir também o espaço escolar e se expres-sando no seu cotidiano por meio de preconcei-tos, intolerâncias e outras expressões. A violênciaatinge os territórios do entorno da escola e, porextensão, também se estende para dentro da es-cola em proporções crescentes1.

Na realidade brasileira, as relações estabele-cidas na comunidade escolar no desenvolvimen-to das atividades pedagógicas estão permeadas,de modo contundente ou sutil, por variadas for-mas de violência, reproduzindo a vida social ex-tramuro escolar. A violência escolar tem suscita-do investigações não apenas em razão da contra-dição que ela representa em relação à missão edu-cativa da escola, mas também pelas consequên-cias a longo prazo que dela podem decorrer1.

Explicar as causas da violência na escola rela-cionando-a apenas à desigualdade social e à frus-tração de expectativas de ascensão e consumo éinsuficiente, considerando que a violência tam-bém tem crescido em instituições privadas deensino1.

No contexto escolar, considera-se que existetanto a violência na escola como a da escola. Aprimeira se refere às violências produzidas forada escola e que atravessam seus muros. A segun-da se refere às práticas efetivadas pelos própriosatores escolares, engendrada nas especificidadesdas relações escolares2 como agressões morais,psicológicas e físicas; discriminações racial, de gê-nero, política e de opção sexual; incentivo e refor-ço a estereótipos; institucionalização de avaliaçõespredominantemente ou apenas quantitativas ecom estímulo à mera competição; depredaçõesdo prédio e dos equipamentos escolares2,3.

O bullying (do inglês bully = valentão, bri-gão; termo sem tradução adequada em portu-guês) compreende comportamentos com diver-sos níveis de violência que vão desde chateaçõesinoportunas ou hostis até fatos francamenteagressivos, em forma verbal ou não, intencio-nais e repetidos, sem motivação aparente, pro-vocados por um ou mais estudantes em relaçãoa outros, causando dor, angústia, exclusão, hu-milhação e discriminação, por exemplo4. Trata-se de situações em que se constatam relações depoder assimétricas entre agente(s) e vítima(s),esta(s) apresentando dificuldade de sedefender(em). Na literatura especializada, ado-

ta-se também o termo de vitimização. Este tipode atitude deve ser identificado como violênciapela comunidade escolar e ser trabalhado para aconstrução de um ambiente saudável5.

No Brasil, diversas palavras e expressões temsentido equivalentes ao bullying, como zoar, inti-midar, humilhar, ameaçar, excluir, difamar e tan-tas outras6. Tal comportamento se manifestatambém por atos repetidos de opressão, discri-minação, intimidação, xingamentos, chacotas,tirania, agressão a pessoas ou grupos. Nesse sen-tido, dada a sua relevância social, o número depesquisas sobre o tema vem crescendo em todoo mundo nos últimos vinte anos7,8.

Compreender as formas como a violência seapresenta no âmbito escolar é um grande desafioa ser enfrentado pelos gestores, pais e educado-res. Essas informações podem ajudar no enfren-tamento desse grave problema e na busca de umagir educativo9. Portanto, torna-se importanterealizar pesquisas e monitoramentos que permi-tam definir sua incidência, as situações violentasmais frequentemente vividas pelos estudantes,suas prováveis causas e as intervenções realiza-das, desde o nível macro, das políticas públicas,até o âmbito escolar1.

No Brasil, os estudos são recentes, motivopelo qual a maioria dos brasileiros desconhece otema, sua gravidade e abrangência10,11.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) re-alizou inquéritos transversais com a populaçãoescolar, como o Health Behaviour in School-agedChildren (HBSC)12, em mais de quarenta países,pesquisando situações sobre a saúde dos adoles-centes e incluindo temas como a violência. Entreadolescentes de 13 anos, 14% referiram já ter so-frido bullying nos últimos dois meses.

A necessidade de se conhecer e estudar essefenômeno dentro da escola se reforça na medidaem que a contínua exposição ao bullying, nosseus mais variados tipos, pode acarretar às víti-mas problemas comportamentais e emocionais,destacando-se o estresse, a diminuição ou perdada autoestima, a ansiedade e depressão, o baixorendimento escolar e até mesmo, em casos maisseveros, o suicídio13-15.

Nesse sentido, a Pesquisa Nacional de Saúdedo Escolar (PeNSE), realizada em 200916, vemcontribuir para aclarar esse cenário na medidaem que tomou situações de violência vividas epercebidas por estudantes adolescentes comotema de investigação. Seus resultados podemcontribuir para melhor compreensão desse fe-nômeno e apoiar as tomadas de decisão visandoa sua prevenção.

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O objetivo do presente estudo é identificar edescrever a ocorrência do bullying entre estudan-tes do 9o ano do ensino fundamental de escolaspúblicas e privadas das 26 capitais dos estadosbrasileiros e do Distrito Federal.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal descritivo, comdados derivados de um inquérito epidemiológi-co, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE) em parceria com o Minis-tério da Saúde. A PeNSE envolveu escolares do 9o

ano do ensino fundamental de escolas públicas eprivadas das capitais dos estados brasileiros e doDistrito Federal, entre março e junho de 2009.

A escolha do 9o ano do ensino fundamentalteve como justificativa o mínimo de escolariza-ção necessária para responder a questionárioautoaplicável e também a proximidade da idadede referência preconizada pela OMS12, que é de13 a 15 anos.

A amostra por conglomerados em dois está-gios utilizou os dados do cadastro do Censo Es-colar de 200716. No primeiro estágio, foi feita aseleção das escolas e, no segundo, a seleção dasturmas, entrevistando todos os estudantes den-tre as selecionadas16. A amostra foi calculada parafornecer estimativas de proporções (ou preva-lências) de algumas características de interesse,em cada um dos estratos geográficos (as 26 capi-tais dos estados e o Distrito Federal), com umerro máximo de 3% e nível de confiança de 95%16.

A coleta dos dados foi feita com todos os es-tudantes das turmas selecionadas por meio deum questionário autoaplicável que versava sobremódulos temáticos acerca de diversos fatores derisco e proteção como: alimentação saudável, ati-vidade física, uso de tabaco, álcool e outras dro-gas, acidentes de trânsito, violência, dentre ou-tros. Para isto utilizou-se um computador de usomanual (Personal Digital Assistant – PDA).

O instrumento foi criado a partir de inquéri-tos internacionais da OMS12, e foram realizadospré-testes em oito escolas (públicas e privadas)para adaptação à realidade nacional16. Os resul-tados dos pré-testes mostraram boa aceitação,compreensão das perguntas, habilidade no usodo equipamento e aceitação do escolar sobre apesquisa e a utilização do PDA16.

Neste artigo foram analisadas situações debullying envolvendo adolescentes a partir da se-guinte pergunta do questionário: “Nos últimostrinta dias, com que frequência algum dos seus

colegas de escola te esculacharam, zoaram, man-garam, intimidaram ou caçoaram tanto que vocêficou magoado/incomodado/aborrecido?”

A variável “ter sofrido bullying em nenhummomento, raramente ou às vezes; quase sempreou sempre” foi descrita segundo idade, sexo, cor/raça, escolaridade materna, com quem reside,local (capitais) e dependência administrativa daescola (pública ou privada). São apresentadas asprevalências (proporções) e seus respectivos in-tervalos de 95% de confiança (IC95%).

A variável bullying foi apresentada segundotrês opções de resposta no questionário: não so-frer nenhum episódio de bullying (ou não sofrerbullying); sofrer bullying raramente ou às vezes(ou raramente); sofrer bullying quase sempre ousempre (ou sempre). Observa-se que todos sãoreferentes aos últimos trinta dias e que a últimaopção é a que melhor caracteriza ter-se sofridoepisódios de bullying, em razão da maior frequên-cia de relato do evento.

As variáveis idade, sexo, escolaridade mater-na, com quem reside e raça/cor foram informa-das pelos estudantes. Adotou-se a mesma classifi-cação de cor/raça utilizada nas pesquisas domici-liares do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE), nas quais o informante escolhe umaentre cinco opções: branca, preta, parda, amarelaou indígena16. Segundo os critérios do IBGE, oquesito é denominado de “cor ou raça” e não ape-nas de “cor” ou apenas de “raça”, porque as cate-gorias que englobam podem ser entendidas peloentrevistado de forma bastante diversa, tornan-do a questão complexa. Ou seja, envolve elemen-tos de atribuição de “identidade” e de “percepção”.

Para análise dos dados, foi utilizado o Soft-ware Statistical Package for the Social Sciences(SPSS)17.

O estudo foi aprovado pelo Conselho de Éti-ca em Pesquisas do Ministério da Saúde, sob aemenda nº 005/2009 referente ao Registro nº11.537 do Conep/MS, em 10/06/2009. A sua reali-zação foi precedida do contato com as SecretariasEstadual e Municipal de Educação e com a dire-ção das escolas selecionadas em cada município.

Resultados

Foram incluídos na amostra estudantes de 1.453escolas (2.175 turmas de 9o ano do ensino funda-mental), nas quais havia 72.872 estudantes ma-triculados e 68.735 estudantes frequentavam aescola. Destes, 63.411 (92,3%) estavam presentesno dia da coleta de dados, totalizando 7,7% de

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perdas nesse estágio. Foram ainda excluídos daamostra outros 501 estudantes por recusa e 1.937estudantes por não preencherem a variável sexo.Finalmente, foram analisados dados referentes a60.973 (88,7%) escolares, correspondendo a umataxa de não resposta geral de 11,3%.

Na amostra de escolares estudada, 89% ti-nham idade entre 13 e 15 anos, 47,5% eram dosexo masculino e 52,5% do sexo feminino, sendo20,8% estudantes de escolas privadas e 79,2% deescolas públicas (dados não apresentados)16.

A Tabela 1 descreve a amostra de estudantesconforme as variáveis independentes sexo, idade,faixa etária, cor/raça e escolaridade materna.

Quando se analisa a idade, não sofrer bullyingé mais frequente entre adolescentes mais velhos: 15anos (73,8%; IC95%: 72,4%-75,2%); 16 anos oumais (74,8%; IC95%: 72,9%-76,5%), comparadoscom estudantes de 13 anos (65,3%; IC95%: 63,8%-66,7%). Nas demais opções, raramente e sempresofrer bullying, não há diferença estatisticamentesignificativa em relação à idade (Tabela 1).

Em relação à variável sexo, não sofrer bullyingé mais frequente entre as meninas (70,9%; IC95%:70,0%-71,7%) que entre os meninos (67,4%;IC95%: 66,4%-68,3%). Sempre sofrer bullying émais frequente entre meninos (6,0%; IC95%:5,5%-6,5%) do que entre meninas (4,8%; IC95%:4,4%-5,3%).

Tabela 1. Frequência de bullying (% e IC95%)* entre escolares do 9º ano do ensino fundamental segundo idade, sexo, cor/raça, escolaridade materna, com quem reside. Capitais brasileiras e Distrito Federal, 2009.

Idade (anos)<1313141516 ou mais

SexoMasculinoFeminino

Cor/ raçaBrancaPardaPretaAmarelaIndígena

Escolaridade maternaNenhuma ou ensino fundamental incompletoEnsino fundamental completo ou médio incompletoEnsino médio completo ou superior incompletoEnsino superior completo

Com quem resideReside com pai e mãeSomente mãeSomente paiNem pai nem mãe

%

67,565,368,273,874,8

67,470,9

67,870,870,964,666,5

71,768,967,865,0

69,868,268,368,7

LI

61,963,867,272,472,9

66,470,0

66,769,869,161,163,4

70,567,166,563,4

68,967,065,266,0

Não sofreu

LS

72,666,769,275,276,5

68,371,7

68,971,872,668,169,4

73,070,669,166,6

70,769,471,371,4

IC 95%*

%

24,229,526,221,419,4

26,624,3

26,524,323,329,628,3

22,925,927,229,0

25,225,826,625,0

LI

20,028,125,320,117,9

25,723,5

25,423,421,726,325,5

21,724,326,027,5

24,424,723,822,6

Raramente

LS

28,930,927,222,721,1

27,525,2

27,525,224,933,131,2

24,127,628,530,6

26,026,929,627,6

(IC95%)*

%

8,35,35,64,85,8

6,04,8

5,74,95,95,85,3

5,45,25,05,9

5,06,05,16,3

LI

5,24,65,14,24,9

5,54,4

5,24,55,04,44,1

4,84,54,45,1

4,65,43,95,0

Sempre

LS

13,16,06,15,57,0

6,55,3

6,35,46,87,66,7

6,16,15,66,8

5,46,76,67,8

(IC95%)*

Sofreram ou não bullying na escola**

* Percentual ponderado para representar a população de escolares matriculados e frequentando o 9º ano do ensino fundamental em 2009.IC95%: Intervalo de confiança de 95%; LI: limite inferior do intervalo de confiança de 95%; LS: limite superior do intervalo de confiança de 95%.** Foram analisadas as opções de resposta da pergunta: Nos últimos 30 dias, com que frequência algum(ns) dos seus colegas de escola teesculacharam, zoaram, mangaram, intimidaram ou caçoaram tanto que você ficou magoado/incomodado/aborrecido? Não sofrer bullying: refere-se àopção de resposta “nenhuma vez”; Raramente: refere-se à opção de resposta “Raramente ou às vezes”. Sempre: refere-se à opção de resposta “quasesempre ou sempre”.

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Para a variável cor/raça, não sofrer bullying émais frequente na cor/raça parda (70,8%; IC95%:69,8%-71,8%) e preta (70,9%; IC95%: 69,1%-72,6%) que entre brancos (67,8%; IC95%: 66,7%-68,9%), amarelos (64,6%; IC95%: 61,1%-68,1%)e indígenas (66,5%; IC95%: 63,4%-69,4%). Nãohá diferença significativa quanto à cor/raça emrelação ao relato de sempre sofrer bullying (Tabe-la 1).

Para a variável escolaridade da mãe, não so-frer bullying é mais frequente entre adolescentescom mães com nenhuma escolaridade ou ensinofundamental incompleto (71,7%; IC95%: 70,5%-73,0%), seguindo-se os filhos com mães com en-sino fundamental completo ou médio incomple-to (68,9%; IC95%: 67,1%-70,6%), ensino médiocompleto e superior incompleto (67,8%; IC95%:66,5%-69,1%); e por último, superior completo(65%; IC95%: 63,4%-66,6%). Para a ocorrênciasempre sofrer bullying na escola, não houve dife-rença estatisticamente significativa (Tabela 1).

Os resultados nas capitais brasileiras revela-ram que 69,2% dos estudantes não sofrerambullying (IC95%: 68,5%-69,8%); 25,4% raramen-te sofreram (IC95%; 24,8%-26,0%) e 5,4% so-freram sempre bullying (IC 95%: 5,1%-5,7%)(Tabela 2).

Houve variação regional. Não sofrer bullyingna escola foi mais frequente em Palmas-TO(73,8%; IC95%: 71,4%-76,2%), Belém-PA (73,3%;IC95%: 71,1%-75,4%) e Natal-RN (73,3%;IC95%: 71,5%-75,2%). Sofrer raramente foi maisfrequente em Curitiba-PR (29,5%; IC95%:27,5%-31,4%). A capital com maior frequênciade bullying foi Belo Horizonte-MG (6,9%;IC95%: 5,9%-7,9%) e a menor foi Palmas-TO(3,5%; IC95%: 2,6%-4,5%).

Frequências maiores que a média das capi-tais de sempre sofrer bullying foram encontra-das no sexo masculino no Distrito Federal (9,2%;IC95%: 7,5%-11%) e no sexo feminino em BeloHorizonte (6,6%; IC95%: 5,4%-7,9%). Menoresfrequências foram observadas entre meninas nascidades de Palmas (2,4%; IC95%: 1,3%-3,4%),Cuiabá-MT (2,7%; IC95%: 1,6%-3,7%), Natal ePorto Velho-RO (ambas com 3,1%; IC95%:2,0%-4,1%) (Gráfico 1).

O Gráfico 2 mostra a frequência de sempresofrer-se bullying nas escolas públicas e privadasdas capitais. Não houve diferença entre as esco-las públicas (5,5%; IC95%: 5,1%-5,8%) e priva-das (5,2%; IC95%: 4,6%-5,8%), exceto em Ara-caju, onde foi registrada maior ocorrência debullying nas escolas privadas (6,9%; IC95%:5,0%-8,8%) do que nas públicas (3,5%; IC95%:

2,5%-4,5%). Frequências maiores do que a mé-dia das capitais de “sempre sofrer bullying” fo-ram encontradas em escolas públicas em BeloHorizonte (7,1%; IC95%: 6,0%-8,2%); e freqüên-cias menores foram encontradas em Natal (3,1%;IC95%: 2,2%-4,1%), Aracaju (3,5%; IC95%:2,5%-4,5%), Palmas (3,5%; IC95%: 2,5%-4,6%),Belém (3,8%; IC95%: 2,8%-4,7%) e Salvador-BA(4,1%; IC95%: 3,1%-5,1%). Nas escolas priva-das, não foram identificadas variações em rela-ção à média das capitais.

Discussão

Este é o primeiro estudo sobre bullying com da-dos de todas as capitais do país. O relato de tersofrido bullying quase sempre ou sempre nos doisúltimos meses foi feito por 5,4% dos estudantesdo 9o ano do ensino fundamental que participa-ram do PeNSE. A maior frequência foi registradanos meninos em comparação com as meninas;não houve diferença entre as escolas públicas eprivadas, nem em relação à cor/raça, ou escolari-dade materna. A cidade com maior frequência foiBelo Horizonte e a menor foi Palmas.

Os estudos sobre violência no âmbito escolarsão recentes, e os primeiros datam da década de1980. Entretanto, a preocupação sobre o tematem aumentado nos últimos anos, despertandoa atenção dos educadores, da sociedade e das fa-mílias. A violência presente nas escolas refere-sea um fenômeno complexo e tem afetado a vidacotidiana, como uma ameaça diária à integrida-de física, psíquica e da dignidade humana. Alémdisso, as diferentes manifestações das violênciasno âmbito escolar vêm comprometendo aindamais a qualidade da educação no contexto daescola pública brasileira18.

Segundo dados do Inquérito Viva – Vigilân-cia de Violências e Acidentes – realizado peloMinistério da Saúde nos anos de 2006 e 2007, aviolência entre jovens é a maior causa de morbi-mortalidade nesta faixa, e os locais mais frequen-tes de ocorrência apontados no ano de 2007 fo-ram a via pública, a residência e a escola19.

Sposito20, em revisão da pesquisa brasileirasobre o tema da violência escolar, identificou di-ficuldades na aferição da magnitude do fenôme-no, em razão de poucas iniciativas na coleta deinformações, faltando consistência no monito-ramento e registro das ocorrências. Diversos es-tudos têm identificado um crescimento na vio-lência escolar nas últimas décadas, destacando-se ocorrências como depredação de patrimônio,

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furtos, roubos, agressões físicas e verbais entreestudantes, assim como agressões destes últimoscontra professores1,2,20,21.

A partir da década de 1990, tem sido descritoo aumento da violência interpessoal entre estu-dantes, expressa, principalmente, em agressõesverbais e ameaças, persistindo a depredação depatrimônio como uma transgressão frequente1.

A violência nas escolas é um fenômeno com-plexo e múltiplo que necessita melhor compre-ensão de suas origens. O entorno e o ambiente

nas proximidades da escola sendo violentos au-mentam os riscos de violência na escola.

A escola é um espaço que reflete as violênciaspresentes na sociedade em geral e na comunidadeonde se situa, mas a escola também favorece o apa-recimento de violências2. No espaço escolar podemocorrer diversas manifestações, como a violênciafísica; a simbólica ou institucional e as microvio-lências, caracterizadas por atos de incivilidade, hu-milhações, falta de respeito. Estes fenômenos com-binam-se e se reforçam mutuamente22.

Tabela 2. Frequência de bullying (% e IC95%)* entre escolares do 9º ano do ensino fundamental, segundocapitais de estados e Distrito Federal, 2009.

Capital

Porto VelhoRio BrancoManausBoa VistaBelémMacapáPalmasSão LuísTeresinaFortalezaNatalJoão PessoaRecifeMaceióAracajuSalvadorBelo HorizonteVitóriaRio de JaneiroSão PauloCuritibaFlorianópolisPorto AlegreCampo GrandeCuiabáGoiâniaDistrito FederalTotal

%

71,469,370,970,373,372,773,872,069,272,373,367,869,972,672,472,864,766,769,468,464,871,167,468,771,868,764,469,2

LI

69,266,968,468,071,170,871,470,167,170,271,565,667,970,170,470,862,764,567,666,562,769,164,966,569,566,962,568,5

Não sofreu

LS

73,571,673,472,675,474,776,273,871,374,475,270,071,875,174,574,966,768,971,370,366,973,269,870,874,070,666,469,8

IC 95%*

%

24,525,024,323,222,522,822,723,226,022,922,526,724,422,122,923,028,427,725,026,029,524,427,926,023,925,629,125,4

LI

22,522,922,021,120,621,020,521,524,121,020,724,622,619,921,121,126,525,723,324,227,522,525,624,021,824,027,324,8

Raramente

LS

26,527,126,625,224,524,624,924,927,924,724,228,726,324,424,824,930,329,826,727,831,426,230,328,025,927,330,926,0

(IC95%)*

%

4,15,84,86,54,24,53,54,84,84,84,25,55,75,34,64,26,95,65,65,65,74,54,75,44,45,66,55,4

LI

3,24,63,75,33,33,62,63,93,93,83,34,54,74,03,73,25,94,54,74,74,73,63,64,33,44,75,55,1

Sempre

LS

5,06,96,07,75,15,44,55,65,75,95,16,66,76,55,65,17,96,66,56,66,75,45,86,45,36,57,45,7

(IC95%)*

Sofreram ou não bullying na escola**

* Percentual ponderado para representar a população de escolares matriculados e freqüentando o 9º ano do ensino fundamentalem 2009.IC95%: Intervalo de Confiança de 95%, LI: limite inferior do intervalo de confiança de 95%¨; LS: limite superior do intervalo deconfiança de 95%.Percentual de não informados = 2,2%** Foram analisadas as opções de resposta da pergunta: Nos últimos 30 dias, com que frequência algum(ns) dos seus colegas deescola te esculacharam, zoaram, mangaram, intimidaram ou caçoaram tanto que você ficou magoado/incomodado/aborrecido?Não sofrer Bullying: refere-se à opção de resposta “nenhuma vez”; Raramente: refere-se à opção de resposta “Raramente ou àsvezes”; Sempre: refere-se à opção de resposta “quase sempre ou sempre”.

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Prevalência LI LS

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Sexo masculino

Gráfico 1. Frequência de bullying (% e IC95%)* entre escolares do 9o ano do ensino fundamental segundo sexonas capitais de estados e Distrito Federal, 2009.

*: LI: limite inferior; LS: limite superior (intervalo de confiança de 95%);Obs.: Linha média das capitais do Brasil.

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Prevalência LI LS

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Rio

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São

Lu

ís

São

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lo

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Sexo feminino

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Gráfico 2. Frequência de bullying (% e IC95%)* entre escolares do 9o ano do ensino fundamental segundoescola pública ou privada, nas capitais de estados e Distrito Federal, 2009.

* LI: limite inferior; LS: limite superior (intervalo de confiança de 95%);Obs.: Linha média das capitais do Brasil.

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Prevalência LI LS

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Escola privada

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o F

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Prevalência LI LS

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12Escola pública

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Em relação à pesquisa HBSC, a OMS identi-ficou em média 14% bullying em adolescentes de13 anos, embora existam grandes variações en-tre países, sendo a maior frequência na Lituânia(29%) e a menor na Suécia (4,5%)12.

Fischer et al.23 realizaram estudo no Brasil comamostra de 5.168 estudantes de 5a a 8a séries deescolas públicas e privadas nas cinco regiões dopaís, revelando que 12,5% dos estudantes haviamsido vítimas de bullying, definido como ações demaus-tratos entre colegas ocorridas com frequ-ência superior a três vezes naquele ano. Portanto,os dados nem sempre são comparáveis à pesqui-sa atual, seja pelas diferenças metodológicas, sejapelas perguntas diferentes nos questionários, tem-po de recordação, amostras distintas, faixas etá-rias, dentre outros aspectos. No caso da pesquisade Fischer et al.23, trabalhou-se com relatos detrês episódios ou mais no último ano; a pesquisada OMS12 utiliza os últimos dois meses e quanti-fica o numero de eventos, contando a partir dedois ou mais eventos nos últimos dois meses. Parao questionário da PeNSE16, utilizou-se o últimomês, visando reduzir o viés de recordatório e asopções de resposta como nenhuma vez, raramen-te e quase sempre ou sempre. Entretanto, mesmocom estas diferenças conclui-se que as ocorrênci-as ocasionais (raramente os às vezes) são relati-vamente frequentes (24,5%), e a humilhação queocorre quase sempre ou sempre, e descreve comoevento constante, é relatada em menor propor-ção (5,4%). Esses achados são compatíveis comos achados nacionais e internacionais.

A maior frequência de relato de bullying (qua-se sempre ou sempre) foi registrada entre estu-dantes do sexo masculino. Este mesmo resulta-do é descrito por outros estudos12,24-27 e compa-tível com os resultados da PeNSE16. Essa associa-ção provavelmente se deve às diferenças que ca-racterizam o sexo masculino e o feminino, so-bretudo refletindo as questões de gênero que per-meiam os papéis sexuais esperados e legitimadospelo processo de socialização. Fundamenta-se emum modelo social machista, que é reproduzidono contexto escolar, no qual em sua maioria osexo masculino está significativamente associa-do à vivência e expressão da agressividade28. Ou-tro ponto a ser considerado é o fato de que aidentificação do bullying entre as meninas podeestar relacionada ao uso de formas mais sutis dehumilhação, agressividade, ou intimidação29.

Inquérito realizado entre adolescentes na Es-panha26 revelou que a frequência de bullying nosúltimos dois meses foi maior entre estudantesmais novos, 29% entre 11 e 12 anos, 30% entre 13

e 14 anos, caindo para 27% entre 15 e 16 anos.No estudo da OMS, foi descrito como menosfrequente entre adolescentes com 15 anos (10%),sobe para (14%) aos 13 anos e é mais frequenteentre pré-adolescentes de 11 anos (15%)16. Ou-tro estudo encontrou frequências de bullying en-tre adolescentes na faixa de 11 a 15 anos de idadee alocados na 6a série do ensino fundamental23. Oatual estudo não conseguiu identificar ests ten-dência de aumento entre adolescentes mais no-vos, provavelmente por terem sido pesquisadosestudantes da mesma série (9o ano do ensino fun-damental), com idade mais homogênea, entre 13e 15 anos. Os estudantes menores de 13 anos naamostra da PeNSE são um número muito pe-queno, apresentando grande variabilidade nosintervalos de confiança, não mostrando diferen-ças estatisticamente significativas.

O estudo de Fischer et al.23 não encontroudiferença de escolaridade entre os pais dos meni-nos que sofreram bullying; o mesmo ocorreu nopresente estudo. Este dado configura o fato deque o bullying permeia diferentes classes sociais eníveis culturais, não se restringindo ao estereóti-po de que se trata de um fenômeno de classessociais desfavorecidas.

A ocorrência do bullying tem sido demons-trada com maior frequência em minorias étnicasou em populações etnicamente heterogêneas, aexemplo da composição das turmas escolares30.No presente estudo, não foi identificada distin-ção entre cor/raça em relação a sofrer bullyingfrequentemente; entretanto, pretos e pardos re-latam não sofrer bullying no ultimo mês emmaior proporção.

Fischer et al.23 destacam o Sul e o Sudeste comas maiores frequências. No presente estudo, tam-bém foram identificadas diferenças regionais,destacando-se a maior frequência, em ambos ossexos, em Belo Horizonte (6,9%), e a menor fre-quência em Palmas (3,5%). Entre meninos desta-ca-se a maior frequência no Distrito Federal(9,2%), e entre meninas em Belo Horizonte(6,6%). A pesquisa atual não possibilita uma ex-plicação para esse fenômeno, o que deverá seraprofundado em outros estudos qualitativos.

A percepção de violência nos atos de bullyingnem sempre está clara para os estudantes, sendoque muitas vezes eles não conseguem diferenciaros limites entre brincadeiras, agressões verbaisrelativamente inócuas e maus-tratos violentos23.

Dentre os limites do estudo, a PeNSE foi rea-lizada em capitais, portanto a realidade de expo-sição aos episódios de bullying pode não corres-ponder ao encontrado em todo o país, em espe-

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cial nas cidades do interior; além disto, refere-sea escolares de 9o ano, podendo haver outras dife-renças em relação aos adolescentes em outrasfaixas etárias que não foram detectadas no atualestudo. Outras lacunas não foram abordadas napesquisa, como por exemplo as motivações dobullying. Alguns estudos apontam que os agres-sores buscam a obtenção de popularidade entreos colegas, a necessidade de serem aceitos pelogrupo de referência ou de sentirem-se poderososem relação aos demais. Deverá ser objeto de fu-turos estudos qualitativos a exploração dessasquestões23. O cyberbullying não foi abordado noquestionário do estudante, apenas no questio-nário realizado com os diretores da escola namesma pesquisa, e será objeto de análise futura.Esse formato de violência tem se tornado fre-quente e com grande possibilidade de dissemi-nação pela Internet ou celulares, devendo serobjeto de outras investigações31. Recomenda-sea manutenção desse tema nas próximas ediçõesda PeNSE, visando ao monitoramento desseseventos, bem como a avaliação da implantaçãode ações objetivando o seu controle.

Como consequência dessas ocorrências demaus-tratos entre colegas de escola, os estudio-sos ressaltam os prejuízos sobre o processo deaprendizagem dos alunos e a insegurança na es-cola. É importante ressaltar que tanto vítimasquanto agressores perdem o interesse pelo ensi-no, não se sentem motivados a frequentar asaulas e não se sentem seguros na escola diante daocorrência do bullying23. Isto pode explicar emparte outro achado da PeNSE, que mostrou que5,5% dos estudantes deixaram de ir à escola nosúltimos trinta dias porque não se sentiam segu-ros na escola (dados não mostrados)16. Esse fatopode estar relacionado a uma limitação do pre-sente estudo, uma vez que a ausência de estudan-tes na escola no dia da pesquisa pode estar asso-ciada à ocorrência do bullying, o que possivel-mente resulta na subestimação das medidas defrequência apresentadas.

Os dados do presente estudo corroboramachados de que a escola deixou de ser um espaçoprotegido e tornou-se um espaço de reproduçãodas violências da sociedade. Além da violência de“fora para dentro”, que diz respeito ao contextosocial e às desigualdades, a violência é resultantede relações estabelecidas no interior dela própriacomo ação de seus agentes: professores, gesto-res, funcionários, estudantes. Enfim, “a escolapode ser vítima, mas também autora de proces-sos violentos”2,3,21.

Conclusão

O estudo possibilitou dimensionar a ocorrênciado bullying entre adolescentes nas escolas dascapitais brasileiras, revelando que o contexto es-colar brasileiro também tem se constituído emum espaço de reprodução da violência.

Este tema é de extrema relevância no contex-to atual das escolas, sendo urgente que medidassejam efetivadas via políticas e práticas educati-vas que efetivem sua redução e sua prevenção. Asescolas devem procurar identificar a ocorrênciade bullying e outras formas de violência nas rela-ções interpessoais, visando a sua eliminação.Devem ser incorporadas ações de prevenção econtrole da violência. Nessa tarefa a escola ne-cessita do apoio da comunidade, pais, sociedadecivil, Secretarias de Educação, Saúde, dentre ou-tras instituições.

Por se tratar de um fenômeno de numerosasinterfaces e relevante importância para a saúdeescolar e a saúde pública, áreas como a saúde e aeducação, como práticas sociais, devem estabe-lecer no seu processo de trabalho – em conjuntocom outras áreas e instituições – ações que po-tencializem a perspectiva interdisciplinar e inter-setorial para o enfrentamento dessa problemáti-ca e para a consequente promoção da qualidadede vida individual e coletiva.

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Colaboradores

DC Malta trabalhou na concepção e no delinea-mento do estudo, na análise e interpretação dosdados, redigiu a primeira versão do artigo, tra-balhou na sua revisão crítica e aprovou a versãoa ser publicada. MAI Silva, FCM Melo, RA Mon-teiro, DL Porto, MMA Silva e MGO Carvalhotrabalharam na análise dos dados, na sua revi-são crítica e aprovaram a versão a ser publicada.LMV Sardinha e C Crespo trabalharam na con-cepção e no delineamento do estudo, na sua revi-são crítica e aprovaram a versão a ser publicada.

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Artigo apresentado em 30/05/2010Aprovado em 08/07/2010Versão final apresentada em 12/07/2010

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