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i BRUNA GRASIELA DA SILVA RONDINELLI MARTINS PENA, O COMEDIÓGRAFO DO TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA: UMA LEITURA DE O JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA, OS IRMÃOS DAS ALMAS E O NOVIÇO CAMPINAS, 2012

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BRUNA GRASIELA DA SILVA RONDINELLI

MARTINS PENA, O COMEDIÓGRAFO DO TEATRO DE

SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA: UMA LEITURA DE O JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA, OS IRMÃOS DAS

ALMAS E O NOVIÇO

CAMPINAS, 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

BRUNA GRASIELA DA SILVA RONDINELLI

MARTINS PENA, O COMEDIÓGRAFO DO TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA: UMA LEITURA DE O JUDAS EM

SÁBADO DE ALELUIA, OS IRMÃOS DAS ALMAS E O NOVIÇO

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Orna Messer Levin

Dissertação de mestrado apresentada ao instituto de estudos da linguagem da universidade estadual de campinas para obtenção do título de mestra em teoria e história literária, na área de história e historiografia literária.

CAMPINAS, 2012

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR CRISLLENE QUEIROZ CUSTODIO – CRB8/8624 - BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE

ESTUDOS DA LINGUAGEM - UNICAMP

R668m

Rondinelli, Bruna Grasiela da Silva, 1985-

Martins Pena, o comediógrafo do Teatro de São Pedro de Alcântara: uma leitura de O judas em sábado de aleluia, Os irmãos das almas e O noviço / Bruna Grasiela da Silva Rondinelli. -- Campinas, SP : [s.n.], 2012.

Orientador: Orna Messer Levin. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de

Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. 1. Pena, Martins, 1815-1848 - Crítica e interpretação.

2. Teatro João Caetano (Rio de Janeiro, RJ). 3. Teatro brasileiro (Comédia). 4. Cultura - História. 5. Imprensa. I. Levin, Orna Messer, 1960-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital Título em inglês: Martins Pena, the comediograph of the São Pedro de Alcântara Theater: a reading of O judas em sábado de aleluia, Os irmãos das almas and O noviço. Palavras-chave em inglês: Pena, Martins, 1815-1848 - Criticism and interpretation João Caetano Theater (Rio de Janeiro, RJ) Brazilian drama (Comedy) Culture - History Press Área de concentração: História e Historiografia Literária. Titulação: Mestra em Teoria e História Literária. Banca examinadora: Orna Messer Levin [Orientador] Elizabeth Ferreira Cardoso Ribeiro Azevedo André Luís Gomes Data da defesa: 04-12-2012. Programa de Pós-Graduação: Teoria e História Literária.

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Para Neusa e Duilio,

por acreditarem em meus sonhos.

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AGRADECIMENTOS

Concluído este trabalho, resta-me agora agradecer a todos que o tornaram

possível e contribuíram para o seu melhor desenvolvimento.

Primeiramente, agradeço à Prof.ª Dr.ª Orna Messer Levin pela excelente

orientação, por acreditar nesta pesquisa, pelas leituras atentas de meus escritos e por

contribuir para transformar o Mestrado em um passo importante em minha caminhada

profissional e pessoal.

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

pela concessão da Bolsa Regular de Mestrado, que me permitiu dedicar tempo integral à

pesquisa, e da Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE), que financiou a minha

estadia na França, entre abril e junho de 2012, possibilitando-me consultar obras e

documentos nas bibliotecas e arquivos de Paris, e obter o texto do melodrama Fabio le

Novice (1841), de Charles Lafont e Noël Parfait.

Ao Prof. Dr. Jean-Claude Yon, do Centre d'Histoire Culturelle des Sociétés

Contemporaines (CHCSC), da Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines (UVSQ),

por ter orientado o meu projeto de estágio de pesquisa, "Martins Pena e o Melodrama

Romântico Francês" (BEPE/FAPESP), durante a minha estadia na França. Sou

imensamente grata pela extensa bibliografia que o Prof. Yon me forneceu sobre o teatro

francês do século XIX.

Ao Prof. Dr. Jean-Yves Mollier (CHCSC/UVSQ) por ter se prontificado a

esclarecer as minhas dúvidas sobre o dramaturgo Noël Parfait. À Prof.ª Dr.ª Anaïs Fléchet

(CHCSC/UVSQ), pelas dicas de sobrevivência em Paris.

À Claude Chauvineau, diretora da Bibliothèque des Études Théâtrales – Gaston

Baty (Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3), que atendeu à minha solicitação de

reprodução do melodrama Fabio le Novice.

Ao Prof. Dr. Jefferson Cano (IEL/UNICAMP), pelo debate enriquecedor

durante a banca de qualificação desta dissertação.

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Aos professores titulares da banca, Prof.ª Dr.ª Elizabeth Ferreira Cardoso

Ribeiro Azevedo (ECA/USP) e Prof. Dr. André Luís Gomes (UnB), por lerem e debaterem

o meu trabalho. E às professoras suplentes, Prof.ª Dr.ª Vilma Sant'Anna Arêas

(IEL/UNICAMP) e Prof.ª Dr.ª Larissa de Oliveira Neves Catalão (IA/UNICAMP).

Aos membros do projeto temático "A Circulação Transatlântica dos Impressos:

a globalização da cultura no século XIX" (FAPESP), em especial à Prof.ª Dr.ª Márcia

Azevedo de Abreu, que conhece a minha trajetória acadêmica de perto e sempre contribuiu

com valiosas sugestões.

Aos funcionários do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL/IFCH/UNICAMP),

sempre solícitos e atenciosos no atendimento aos pesquisadores.

Não poderia deixar de mencionar a grande amiga Danielle Crepaldi Carvalho, a

quem sou eternamente grata por, há seis anos, ter acreditado em meu potencial de realizar

pesquisas nos periódicos oitocentistas. Foi aí que tudo começou...

Por fim, agradeço ao apoio de meus familiares, sempre orgulhosos de meu

trabalho. Especialmente ao Duilio, por compreender as extensas horas dedicadas à

pesquisa, por ouvir e debater, com paciência, as minhas ideias sobre o teatro, e,

simplesmente, por estar ao meu lado, sempre.

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"Le théâtre est un point d'optique. Tout ce qui

existe dans le monde, dans l'histoire, dans la vie,

dans l'homme, tout doit et peut s'y réfléchir, mais

sous la baguette magique de l'art".

Victor Hugo, Prefácio de Cromwell, 1827.

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RESUMO

Este estudo reconstitui as condições em que foram representadas as peças de

Martins Pena (1815-1848) no Teatro de São Pedro de Alcântara, entre os anos de 1838 e

1855, a partir de informações recolhidas nos anúncios de espetáculos, crônicas teatrais e

cartas de espectadores publicadas pela imprensa fluminense oitocentista. A

contextualização dos espetáculos – levantamento de dados acerca da mise en scène, do

repertório, dos programas e artistas atuantes – iluminou assuntos e propôs respostas

possíveis a questionamentos sobre a produção dramática de Martins Pena, tais como as

motivações para a composição de suas comédias e as condições em que estas foram

recebidas pela crítica e público. Martins Pena escreveu um total de 22 peças cômicas;

destas, 18 estrearam entre outubro de 1838 e dezembro de 1846 no São Pedro de Alcântara,

em sua grande maioria nos programas de espetáculos beneficentes em favor de atores,

dentre os quais Estela Sezefreda (1810-1874), esposa de João Caetano (1808-1863), e os

portugueses Manoel Soares (?-1859) e Ludovina Soares (1802-1868). O Judas em Sábado

de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço foram as suas comédias mais encenadas

durante as décadas de 1840 e 1850. Essas peças, tecidas por recursos farsescos, dialogam

com a estética do melodrama francês, adaptam discussões trazidas pelos periódicos do Rio

de Janeiro e satirizam as ordens religiosas, a polícia, as leis civis e criminais do Império. A

reconstrução do contexto de criação das obras de Martins Pena nos permite concluir que o

comediógrafo foi influente na constituição dos benefícios teatrais oferecidos pelos artistas

do São Pedro de Alcântara, espectador dos programas desse teatro, leitor e censor de seu

repertório, e um autor que, além da busca de divertimento, tinha uma mensagem social para

transmitir à plateia.

Palavras-chave: Martins Pena; Teatro de São Pedro de Alcântara; Comédia; História

Cultural; Imprensa.

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ABSTRACT

This study reconstitute the conditions in which Martins Pena (1815-1848) plays

were represented at the São Pedro de Alcântara Theater, during the years 1838 to 1855,

using information gathered from spectacles' announcements, theatrical chronicles and

letters from spectators published in the fluminense press of the eighteenth century. The

contextualization of the exhibitions – data acquisition about the mise en scène, the

repertory, the programs and the acting artists – illuminated issues and proposed possible

answers to questions about the Martins Pena's dramatic production, such as the motivations

to compose his comedies and how was the public and critic reception. Martins Pena wrote

22 comic plays; 18 of these were first time staged between October of 1838 and December

of 1846 at the São Pedro de Alcântara Theater, mostly during the programs of the

spectacles in benefit of actors, as Estela Sezefreda (1810-1874), wife of João Caetano

(1808-1863) and the portuguese Manoel Soares (?-1859) and Ludovina Soares (1802-

1868). O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas and O Noviço were his most

staged comedies during the decades of 1840 and 1850. These plays, woven with farcical

means, dialogue with the french melodramas' esthetic, adapt discussions present in the Rio

de Janeiro daily journals and satirize the religious orders, the police, the civil and criminal

laws of the Empire. The reconstruction of the Martins Pena's creation context allowed us to

conclude that the comediograph had influence on the organization of theatrical programs in

benefit of actors at São Pedro de Alcântara Theater, were spectator of these programs,

reader and censor of their repertory, and an author who searched not only to give

entertainment to the audience, but also to transmit a social message.

Keywords: Martins Pena; São Pedro de Alcântara Theater; Comedy; Cultural History;

Press.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO - UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES TEATRAIS DAS

COMÉDIAS DE MARTINS PENA ................................................................................ 01

CAPÍTULO 1 - MARTINS PENA, O TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA

E A IMPRENSA: CAMINHOS QUE SE CRUZAM .................................................... 11

1 A Trajetória do Teatro de São Pedro de Alcântara ...................................................... 11

1.1 De Real Teatro de São João a Teatro de São Pedro de Alcântara: história,

repertório e companhias teatrais ................................................................................. 12

1.2 O Ator João Caetano e os Diletantes .................................................................... 19

1.3 Os Espetáculos do Teatro de São Pedro de Alcântara: a plateia, os bilhetes e os

cambistas ..................................................................................................................... 23

2 Um Comediógrafo Brasileiro no Teatro de São Pedro de Alcântara ........................... 29

2.1 O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça: o início .......................... 30

2.2 O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas: uma fase de transição ... 42

2.3 O Auge das Estreias de Martins Pena (1845-1846) .............................................. 45

2.4 Na Trilha do Melodrama: enredo histórico, cenários europeus e personagens

nobres .......................................................................................................................... 61

2.5 Martins Pena se Despede do Teatro de São Pedro de Alcântara ........................... 63

2.6 Para Além do Palco: as comédias de Martins Pena na tipografia de Paula Brito . 66

3 As Reprises das Comédias de Martins Pena e o Novo Panorama Teatral na Corte

(1850-1855) ..................................................................................................................... 69

CAPÍTULO 2 - A FESTA RELIGIOSA, A POLÍCIA E AS LEIS CIVIS EM O

JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA .............................................................................. 81

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens ......................................................................... 81

2 O Teatro de São Pedro de Alcântara e a Quaresma ..................................................... 89

2.1 As Comédias de Martins Pena e as Festas Religiosas ........................................... 94

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3 A Autoridade Policial e os Direitos Civis .................................................................... 95

3.1 O Autoritarismo Policial: a corrupção e o abuso de poder ................................... 96

3.2 O Direito de Liberdade .......................................................................................... 98

CAPÍTULO 3 - AS IRMANDADES RELIGIOSAS E A MAÇONARIA EM OS

IRMÃOS DAS ALMAS: UMA BUSCA DOS DIREITOS DOS HOMENS ............... 103

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens ....................................................................... 103

2 O Dia de Finados: religiosidade e festividade ........................................................... 108

3 As Irmandades Religiosas, a Maçonaria e os Direitos dos Homens .......................... 111

CAPÍTULO 4 - O IMPACTO DO MELODRAMA EM O NOVIÇO: PARÓDIA E

SÁTIRA ........................................................................................................................... 121

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens ....................................................................... 121

2 Martins Pena e o Melodrama Romântico Francês ..................................................... 126

2.1 Fabio le Novice: a peça, a mise en scène e a recepção em Paris ......................... 128

2.2 O Noviço e Fabio le Novice: uma leitura ............................................................ 132

3 A Sátira em O Noviço: o convento, o patronato e as leis criminais ........................... 137

CONSIDERAÇÕES FINAIS - MARTINS PENA E SUAS COMÉDIAS: UMA

MENSAGEM À PLATEIA ........................................................................................... 143

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 147

ANEXOS ......................................................................................................................... 159

Um Episódio de 1831 .................................................................................................... 161

Contos e Crônicas de Martins Pena no Correio das Modas ......................................... 167

Representações de Martins Pena em Números ............................................................. 189

Preços dos Bilhetes dos Espetáculos Teatrais no Rio de Janeiro (1840-1855) ............. 191

A Festa e A Família da Roça (Comédia original) ......................................................... 193

As Estreias de Martins Pena em Espetáculos Beneficentes .......................................... 199

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Anúncios das Encenações de Uma Mulher Feia .......................................................... 201

Sequenciamento de Cenas de O Judas em Sábado de Aleluia ...................................... 205

Sequenciamento de Cenas de Os Irmãos das Almas .................................................... 209

Sequenciamento de Cenas de O Noviço ........................................................................ 213

Anúncio da Estreia de Fabio o Noviço ou A Independência de Milão ......................... 219

Fabio le Novice ............................................................................................................. 221

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INTRODUÇÃO

UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES TEATRAIS DAS COMÉDIAS DE

MARTINS PENA

Hoje podemos dizer com segurança que as comédias e farsas estão longe da simplicidade.1

Luís Carlos Martins Pena nasceu no Rio de Janeiro a 05 de novembro de 1815.

Além dos estudos na Escola de Comércio, teve aulas de línguas estrangeiras com

professores particulares e cursou literatura, pintura, música e canto na Academia Imperial

de Belas Artes. Após os estudos, atuou, simultaneamente, como funcionário público,

dramaturgo e cronista teatral.

Em setembro de 1838, Martins Pena foi nomeado amanuense da Mesa do

Consulado da Corte; em abril de 1843, tornou-se amanuense da Secretaria de Estado dos

Negócios Estrangeiros; e, em outubro de 1847, adido de primeira classe à Legação

Brasileira em Londres. A nomeação foi divulgada pela Gazeta Oficial do Império e

reproduzida pelo Diário do Rio de Janeiro: "Lê-se na Gazeta Oficial: 'O Sr. Luís Carlos

Martins Pena, amanuense da secretaria de estado dos negócios estrangeiros, foi nomeado

adido de 1ª classe da legação imperial em Londres'".2 No mesmo mês, o autor embarcou

para Londres, deixando a filha, Julieta Pena, nascida de sua relação com uma atriz, aos

cuidados de familiares. Em 1848, tentou retornar ao país, devido à tuberculose pulmonar

que contraíra. Com a saúde já debilitada, faleceu em Lisboa, a caminho do Brasil, em 07 de

dezembro de 1848.3

1 ARÊAS, Vilma. "Relendo Martins Pena". In: PENA, Martins. Martins Pena: comédias (1833-1844); (1844-1845); (1845-1847). Edições preparadas por Vilma Arêas. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. X. 2 Diário do Rio de Janeiro, 04 de outubro de 1847. 3 As informações biográficas foram consultadas nas biografias: VEIGA, Luís Francisco. "Luís Carlos Martins Pena: o criador da comédia nacional". In: Dionysos, Rio de Janeiro, MEC, Serviço Nacional de Teatro, n. 01, ano I, p. 57-68, Out./1949 (publicada, inicialmente, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

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No jornalismo literário, Martins Pena publicou no periódico Gabinete de

Leitura, em 08 de abril de 1838, o conto histórico "Um Episódio de 1831".4 Entre os meses

de janeiro e abril de 1839, redigiu para o Correio das Modas – um jornal de modas e

literatura, de inspiração francesa e direcionado a um público feminino –, os contos de temas

amorosos "A Sorte Grande" e "O Poder da Música", e as crônicas cômicas "Minhas

Aventuras numa Viagem nos Ônibus" e "Uma Viagem na Barca de Vapor".5 Nestas, o

narrador relata, em primeira pessoa, as experiências engraçadas vividas como usuário dos

meios de transporte público da cidade do Rio de Janeiro. Em suas primeiras narrativas

publicadas pela imprensa, Martins Pena já adotava um estilo literário particular que dava

voz à fala popular e, de modo bem humorado, satirizava a vida cotidiana na Corte em suas

relações sociais mais diversas; procedimento que, anos mais tarde, garantiria o sucesso de

suas comédias nos palcos fluminenses.

Martins Pena foi também crítico teatral. Entre setembro de 1846 e outubro de

1847, publicou seus folhetins semanais no Jornal do Commercio. Estes tratavam dos

espetáculos da Corte, principalmente dos líricos, com análises da mise en scène, da atuação

dos artistas, do repertório e das políticas teatrais. Os folhetins são de grande valia para a

compreensão da dramaturgia do autor, pois revelam "alguém profundamente conhecedor do

palco, crítico competente e com uma postura artística e política bastante clara, em certos

aspectos avançada para a época".6

Para o teatro, Martins Pena compôs um total de 27 peças, sendo 18 comédias de

um ato e quatro de três, somadas a cinco dramas históricos. Do conjunto de sua obra

dramática, 19 peças – 18 comédias e o drama Vitiza ou O Nero de Espanha – estrearam

entre outubro de 1838 e dezembro de 1846 no Teatro de São Pedro de Alcântara,7 a

vol. XL, segunda parte, 1877, p. 375-407); MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Martins Pena e Sua Época. 2. ed. São Paulo: LISA, 1972; HELIODORA, Bárbara. Martins Pena: uma introdução. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2000. 4 Ver o anexo "Um Episódio de 1831", que traz o texto integral publicado no Gabinete de Leitura. 5 Ver o anexo "Contos e Crônicas de Martins Pena no Correio das Modas", que apresenta os textos que o autor publicou nesse periódico. 6 ARÊAS, Vilma Sant'Anna. Na Tapera de Santa Cruz: uma leitura de Martins Pena. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 01. 7 O Teatro de São Pedro de Alcântara manteve essa denominação até 1923, quando foi renomeado Teatro João Caetano. A edificação datada do século XIX foi demolida em 1928 e, em seu lugar, construída uma nova sala de espetáculos, existente até hoje ao lado da Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, com o mesmo nome.

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principal casa de espetáculos do Rio de Janeiro na época. Sua produção cômica divide-se

em três fases de estreias: a primeira, entre 1838 e 1840, quando foram representadas as

comédias roceiras O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça; o período de

início da abordagem do ambiente urbano, em 1844, quando subiram ao palco O Judas em

Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas; e a fase mais prolífica de encenações, ao longo

de 1845 e 1846, quando foram criadas 14 comédias, dentre elas O Noviço.

Os textos cômicos de Martins Pena possuem uma fortuna crítica consolidada,

que culminou na canonização do autor, na história literária, como o precursor da comédia

nacional de costumes. Desde o final do século XIX e início do XX, Sílvio Romero e José

Veríssimo reconheceram o valor documental das comédias e o sucesso que estas obtiveram

diante de um público que se via reconhecido nos palcos.8 Os estudos críticos subsequentes

destacaram Martins Pena como o primeiro comediógrafo brasileiro que, com maestria,

soube observar tipos sociais (escravos domésticos, comerciantes, irmandades religiosas,

funcionários públicos de baixo escalão), costumes (festas religiosas, danças populares) e

aspectos político-econômicos (tráfico de escravos, contrabandos, circulação de dinheiro

falso) referentes à vida cotidiana na capital do Império.9 Nesse sentido, as comédias

revelam "um pendor quase jornalístico pelos fatos do dia, assinalando em chave cômica o

que ia sucedendo de novo na atividade brasileira cotidiana, com destaque especial para a

cidade do Rio de Janeiro".10

Em seu estudo pioneiro da produção dramática de Martins Pena, Vilma Arêas

defende que o comediógrafo articula no jogo cênico os recursos, temas e personagens da

tradição cômica clássica, do entremez português, da comédia francesa, da ópera lírica e do

8 ROMERO, Sílvio. "Martins Pena". In: BARRETO, Luiz Antonio (Org.). Autores Brasileiros. Rio de Janeiro; Aracajú, SE: Imago, 2002, p. 339-414; VERÍSSIMO, José. "Martins Pena e o teatro brasileiro". In: Estudos de Literatura Brasileira: 1ª série. São Paulo: Edusp, 1976, p. 115-126. 9 Foram consultadas as histórias literárias: AMORA, Antonio Soares. "Martins Pena". In: A Literatura Brasileira: o Romantismo. Vol. II. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 309-330; CANDIDO, Antonio. "Martins Pena". In: Presença da Literatura Brasileira: das origens ao Romantismo. Vol. I. 7. ed. São Paulo: DIFEL, 1976, p. 220-221; CARVALHO, Ronald. "O teatro". In: Pequena História da Literatura Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1922, p. 285. E os estudos de história teatral: FARIA, João Roberto. Ideias Teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2001, p. 82-83; MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Global, 2001, p. 42; SOUSA, João Galante de. O Teatro no Brasil. Vol. I. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1960, p. 171-175. 10 PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Edusp, 1999, p. 57.

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melodrama – que constituem as ações cômicas e produzem o riso –, completando-o "com a

série sociológica, com a construção de modelos penetrantes da realidade nacional"11 – que

contextualizam os enredos das peças. Essa série sociológica não se resumiria em um retrato

da sociedade imperial, com seus costumes e vícios, como propuseram Sílvio Romero e José

Veríssimo. Significa "uma tomada de consciência de um momento da história de nosso

país, que recém adquiria uma limitada independência, e uma tentativa de pensar

criticamente nossa cultura, com as restrições que o contexto impunha ao trabalho

intelectual".12

Se a historiografia literária e teatral sempre privilegiou o estudo descritivo dos

temas sociológicos presentes nas peças de Martins Pena, tal perspectiva deixou lacunas

quanto à recepção crítica e às condições de representações desses textos teatrais nos palcos

oitocentistas; contexto que, obviamente, interferiu em seus processos de criação.

A partir da abordagem da história cultural dos espetáculos, pretendemos

iluminar assuntos e propor respostas possíveis a questionamentos sobre a produção cômica

de Martins Pena, tais como as motivações para a composição das peças, as condições em

que estas foram representadas e recebidas pela crítica e público, e qual o papel

desempenhado pelo comediógrafo na atividade teatral da capital do Império. Para tanto,

torna-se necessária a contextualização do repertório, das políticas administrativas e

estéticas concernentes ao universo dos espetáculos no Rio de Janeiro, durante as primeiras

décadas do século XIX.

Adotamos o pressuposto de que o teatro, uma atividade do campo

socioeconômico e cultural, é o resultado de um trabalho conjunto, que inclui, além do

escritor e seu texto literário, os praticantes de teatro (diretor e ator, por exemplo) e os

espectadores, constituindo o campo da representação teatral:

Escrever para o teatro não é escrever para a prática econômica da livraria, é escrever para uma prática socioeconômica que é a da cena, e que supõe um lugar cênico, atores, público, despesas no início, estruturas materiais cujas exigências se revertem para a escritura.13

11 ARÊAS, 1987, p. 133. 12 Ibid., p. 264. 13 UBERSFELD, Anne. Para Ler o Teatro. Tradução José Simões. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 67.

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Martins Pena foi um homem de teatro (dramaturgo, crítico, censor e

espectador), não apenas conhecedor do jogo cênico e da tradição dramática, mas também

uma figura atuante na atividade teatral fluminense, em sua política administrativa e na

constituição dos espetáculos. O comediógrafo abordou temas garimpados no repertório

exibido pelo São Pedro de Alcântara, casa de espetáculos onde as suas peças estrearam e

foram frequentemente reprisadas. Do mesmo modo, foi observador e crítico dos

divertimentos populares, introduzindo, em suas comédias, celebrações religiosas

tradicionais na capital do Império. Tendo em vista tais considerações, propomos uma

leitura da obra cômica de Martins Pena advinda dessa relação estreita que o autor manteve

com a cultura de divertimentos teatrais, mais especificamente com os artistas, os programas

e o repertório do São Pedro de Alcântara.

A imprensa oitocentista foi um importante guia no acompanhamento da

trajetória da atividade teatral e dos divertimentos populares oferecidos pela capital do

Império. No século XIX, os jornais divulgavam anúncios de espetáculos, crônicas e artigos

críticos dos programas exibidos, comentários espontâneos de espectadores e comunicados

de atores. Além dos periódicos Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822), Diário do Rio de

Janeiro (1827-1855) e Jornal do Commercio (1838-1855), também foram consultados

diversos jornais literários e teatrais – alguns efêmeros –, que ilustram o ambiente cultural

da Corte, apresentando crônicas que narram os espetáculos oferecidos pelos teatros,

notícias sobre atores, músicos e bailarinos, matérias sobre literatura, música e festas

religiosas. Foram lidos os seguintes periódicos: A Aurora (1851), A Caricatura (1851), A

Rabequinha (1851), Coruja Teatral (1840-1841), O Álbum Semanal (1851-1853), O Artista

(1849), O Beija-Flor (1850), O Bodoque Mágico (1851), O Clarim dos Theatros (1851), O

Corsário (1851), O Corsário Vermelho (1851), O Estandarte (1851), O Gosto (1843), O

Guasca na Corte (1851), O Jornal das Senhoras (1852-1855), O Martinho (1851), O

Montanista (1851) e O Orsatista (1851).

O contato com a imprensa fluminense da primeira metade do século XIX, além

de oferecer elementos que nos ajudaram na caracterização do repertório, dos programas e

das políticas do São Pedro de Alcântara, nos fez pensar em Martins Pena não somente

como um homem de teatro. O comediógrafo parece ter sido um atento leitor de jornais

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cotidianos, a exemplo do Jornal do Commercio e do Diário do Rio de Janeiro. Antenado

com as discussões políticas, econômicas e culturais do dia-a-dia na cidade do Rio de

Janeiro, levou para as suas comédias, em forma de denúncia social, discussões de interesse

público que ocupavam as páginas dos periódicos, com temas que trilhavam pelo sucesso

das récitas de óperas italianas, o métier da medicina, a produção e circulação de dinheiro

falso, e a maçonaria.

Somamos ao homem de teatro e leitor assíduo de jornais, a faceta de um leitor-

revisor de textos teatrais. Diante dessa hipótese, lançamos um novo olhar sobre o trabalho

que Martins Pena desenvolveu, entre 1843 e 1846, como segundo secretário e censor do

Conservatório Dramático Brasileiro, que lhe permitiu entrar em contato com o texto de

peças de diferentes gêneros – melodramas, comédias e vaudevilles –, integrantes do

repertório dos teatros da Corte. Essa leitura contínua pode tê-lo auxiliado em seu estudo da

arte dramática e no desenvolvimento da composição e do jogo cênico de suas comédias.

Assim, vislumbramos uma nova perspectiva acerca da atuação de Martins Pena no

Conservatório Dramático: não a de um "censor censurado", como o quis seu biógrafo

Magalhães Júnior,14 mas a de um leitor de textos teatrais de diferentes gêneros e diversos

autores estrangeiros.

Esta dissertação, organizada em quatro capítulos, pretende reconstituir as

condições das representações teatrais (estreias e reprises) das peças de Martins Pena na

primeira metade do século XIX, e propor uma leitura das comédias que foram mais

encenadas no período.

O primeiro capítulo, "Martins Pena, o Teatro de São Pedro de Alcântara e a

Imprensa: caminhos que se cruzam", sustenta a hipótese de que o autor manteve contato

direto com esse teatro e sua companhia dramática; relação que se refletiu no processo

criativo e nas representações de suas peças. A fim de verificar os elementos motivadores da

composição de sua obra dramática e a recepção ante a crítica e a plateia, restabelecemos

historicamente o contexto teatral em que as peças foram representadas no palco do São

14 MAGALHÃES JÚNIOR, 1972, p. 100-112.

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Pedro de Alcântara, entre 1838 e 1855.15 A reconstituição dos espetáculos levou em

consideração a configuração dos programas, o repertório, os acompanhamentos musicais,

os dançados, os artistas atuantes e a composição social do público que frequentava o São

Pedro de Alcântara. As informações foram obtidas em anúncios de espetáculos, crônicas

teatrais e comunicados de espectadores e atores, publicados pelos periódicos cotidianos e

literários. Essa investida na imprensa oitocentista nos permitiu configurar o espaço que a

obra de Martins Pena ocupou no Rio de Janeiro, por meio do olhar de suas próprias

testemunhas, isto é, o público, os artistas e os cronistas de teatro. A proposta de pesquisa da

obra do autor, considerando-se o contexto histórico-cultural em que esta foi produzida e

recebida, contribui não apenas para a compreensão da realização pessoal de Martins Pena

como comediógrafo, mas também para o desvelamento de uma fase da arte teatral na Corte

brasileira, com seus pressupostos literários, artísticos e político-econômicos.

A reconstituição das estreias e a verificação da recepção crítica e de público

respaldaram a nossa leitura da obra dramática de Martins Pena, conjuntamente aos estudos

dos textos (composição formal e cômica)16 e das referências a elementos sociais da capital

do Império. Elegemos as comédias O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e

O Noviço para serem analisadas, já que estas estão entre as produções de Martins Pena mais

encenadas nos principais teatros da Corte.17 O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das

Almas iniciam uma fase de transição da escrita dramática do autor, marcando o momento

em que este passa a ambientar as suas peças no cenário urbano. O auge foi em 1845,

quando Martins Pena redigiu e encenou a maior parte de sua obra, incluindo O Noviço, sua

peça mais exibida nos teatros fluminenses do período.

15 A periodização adotada para este estudo leva em consideração, como início, o ano de estreia da primeira composição de Martins Pena, O Juiz de Paz da Roça, em 1838, e como término, o ano de criação do Teatro Ginásio Dramático, em 1855, quando a comédia realista começou a ser representada na cena teatral fluminense. 16 Para o estudo dos recursos de construção da comicidade, nos baseamos nos elementos cômicos conceituados por Vladímir Propp. (PROPP, Vladímir. Comicidade e Riso. Tradução Aurora Fornoni Bernardini & Homero Freitas de Andrade. São Paulo: Ática, 1992). Consultamos também a obra O Riso, de Henri Bergson. (BERGSON, Henri. O Riso: ensaio sobre a significação da comicidade. Tradução Ivone Castilho Benedetti. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007). 17 Ver o anexo "Representações de Martins Pena em Números", que apresenta uma tabela com a quantidade estimada de exibições das peças de Martins Pena, nos principais teatros da Corte, entre 1838 e 1860.

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O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço apresentam,

em comum, temáticas religiosas, evidenciadas pelos seus títulos: a Festa do Sábado de

Aleluia e o ritual de malhação do Judas; as procissões de irmandades religiosas que

arrecadavam esmolas a favor de santos; e as doutrinas vivenciadas pelos noviços nos

conventos. Como veremos nas análises dessas comédias, o tema religioso relaciona-se ao

objetivo principal de Martins Pena de transmitir uma mensagem de conteúdo político e

social à plateia. Mensagem que construiu por meio da adaptação de debates presentes na

imprensa fluminense da época, pela sátira religiosa e política, e pela recriação de temas e

personagens do repertório francês encenado no palco do São Pedro de Alcântara.

O segundo capítulo, "A Festa Religiosa, a Polícia e as Leis Civis em O Judas

em Sábado de Aleluia", estuda, primeiramente, os elementos textuais e cômicos da peça.

Em seguida, discute a presença da festa do Sábado de Aleluia como pano de fundo do

enredo. Por fim, se dedica à análise do conteúdo social de O Judas em Sábado de Aleluia,

que, por meio da sátira política, denuncia a ação corrupta e o abuso de autoridade

cometidos por membros da Guarda Nacional, e o desrespeito das leis civis do Império,

instituídas pelo Artigo 179 da Constituição de 1824.

O terceiro capítulo, "As Irmandades Religiosas e a Maçonaria em Os Irmãos

das Almas: uma busca dos direitos dos homens", examina a composição formal da peça,

a presença dos recursos cômicos e sua temática de conteúdo social, que satiriza as

irmandades religiosas e a maçonaria na capital do Império. Contemporaneamente à

comédia Os Irmãos das Almas, os preceitos da maçonaria eram debatidos pelos cronistas da

imprensa diária e pela peça Os Dois Francos-Maçons, tradução da obra francesa Les Deux

Francs-Maçons (1808), de Pelletier-Volméranges, representada no palco do São Pedro de

Alcântara. Assim, defendemos que, utilizando o registro farsesco, Martins Pena reinterpreta

o tema da maçonaria, conhecido por sua plateia, e lhe confere novos significados,

recriando-o no contexto do Rio de Janeiro.

O quarto capítulo, "O Impacto do Melodrama em O Noviço: paródia e

sátira", analisa os elementos dramáticos, os recursos cômicos e a temática social da peça,

que satiriza a autoridade desempenhada pela Igreja, instituição tradicional no Rio de

Janeiro, e o patronato, sustentado pelo Estado Imperial. O capítulo discute também o

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impacto do melodrama francês, amplamente encenado no palco do São Pedro de Alcântara,

na composição de O Noviço, que parodia elementos do melodrama romântico Fabio le

Novice (1841), de Charles Lafont e Noël Parfait.

Em Na Tapera de Santa Cruz, Vilma Arêas destacou que a pintura de "um

quadro geral do teatro no Brasil sob a perspectiva do espetáculo, condições de encenações,

tipos de público, espetáculos populares, etc.", por meio de "um levantamento sistemático do

material enterrado nos jornais, revistas ou ficção"18 do século XIX, possibilitaria

apreciações adequadamente enquadradas da obra de um dramaturgo oitocentista. É essa

abordagem que norteou este estudo da produção cômica de Martins Pena, o São Pedro de

Alcântara, seu repertório, artistas e ideias teatrais. Isso nos permitiu lançar novos olhares

sobre aquele que é considerado, pela historiografia literária, o criador da comédia nacional

de costumes, partindo de uma proposta que o coloca em diálogo direto com a atividade

teatral praticada no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, "em uma época em

que o povo pede teatro, e é todo teatro".19

18 ARÊAS, 1987, p. 263. 19 A Reforma, 10 de janeiro de 1852.

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CAPÍTULO 1

MARTINS PENA, O TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA E A

IMPRENSA: CAMINHOS QUE SE CRUZAM

ANINHA: – Mas então o que é que há lá tão bonito? JOSÉ: – Eu te digo. Há três teatros, e um deles maior que o engenho do capitão-mor. ANINHA: – Oh, como é grande!1

1 A Trajetória do Teatro de São Pedro de Alcântara

Quando Martins Pena surgiu na cena teatral da capital do Império, em 1838, o

Teatro de São Pedro de Alcântara figurava entre os principais centros de entretenimento

dos habitantes fluminenses, juntamente com os pequenos e médios teatros particulares, e

com as igrejas, que abrigavam festas religiosas populares em seus contornos.

Ao longo da primeira metade do século XIX, o São Pedro de Alcântara, cuja

história é marcada por frequentes incêndios, reconstruções e alterações em sua

denominação, ocupou espaço de destaque na Corte brasileira. Criado por ordem do Estado,

foi em seu palco que, a partir da década de 1830, o ator João Caetano dos Santos (1808-

1863) representou os grandes sucessos do repertório neoclássico e romântico europeu; sua

plateia assistiu às peças dos primeiros dramaturgos brasileiros – as tragédias de Gonçalves

de Magalhães e as comédias de Martins Pena –; companhias dramáticas francesas,

espanholas, inglesas e italianas ali aportaram para longas temporadas de sucessos.

Desde a sua criação, o São Pedro de Alcântara manteve um caráter oficial e

monarquista, visível em suas denominações, nos programas de seus espetáculos – que

incluíam o hino nacional e os elogios dramáticos em homenagem à Família Imperial –, e

1 PENA, Martins. "O Juiz de Paz da Roça". In: Teatro de Martins Pena: comédias. Vol. I. Edição crítica por Darcy Damasceno. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1956, p. 30.

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em seu repertório, repleto de dramas históricos e melodramas alusivos às realezas

europeias. Muito mais que um espaço privilegiado de entretenimento e reunião social,2 o

teatro desempenhava também um importante papel político de legitimação do Estado

Monárquico brasileiro.

Antes de tratarmos do período áureo do São Pedro de Alcântara, quando

Martins Pena estreou as suas comédias, entre a Regência e os primeiros anos do reinado de

D. Pedro II, voltemos ao início, ao momento de sua criação na Corte de D. João VI.

1.1 De Real Teatro de São João a Teatro de São Pedro de Alcântara: história,

repertório e companhias teatrais

Em 1808, D. João VI aportou no Rio de Janeiro, trazendo consigo a Corte

portuguesa, que acrescentava 20 mil novos habitantes na cidade que, até então, contava

com 60 mil.3 Aos poucos, a Família Real e sua Corte investiram em infraestruturas que

buscaram organizar e moldar, na cidade tropical, uma capital de Império à europeia. Entre

os assuntos em pauta na agenda modernizadora do Estado, estava uma revisão na política

cultural, principalmente no que se referia ao divertimento público oferecido pelos teatros.4

Na época, havia uma casa de espetáculos no Rio de Janeiro: o teatro de Manuel Luís. No

entanto, devido ao pequeno porte e aos parcos recursos de que dispunha, esse teatro não

atendia à demanda de uma cidade que se tornara a sede do Império português. Por isso, em

decreto de 28 de maio de 1810, D. João VI reconheceu a necessidade da construção de um

teatro de grandes dimensões, que oferecesse entretenimento à Corte portuguesa que ali se

instalara, de modo semelhante aos espetáculos teatrais oferecidos pelo Real Teatro de São

Carlos, em Lisboa:

2 Segundo Ubiratan Machado, o público frequentava o São Pedro de Alcântara por razões variadas: pelo entretenimento e evasão, pelo puro diletantismo e moda, ou, ainda, pela afirmação de sua classe social. (Cf. MACHADO, Ubiratan. A Vida Literária no Brasil Durante o Romantismo. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001, p. 283). 3 Cf. SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 35-36. 4 Cf. CAFEZEIRO, Edwaldo & GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 112-113.

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DECRETO de 28 de maio de 1810 Permite que se erija um teatro nesta Capital. Fazendo-se absolutamente necessário nesta capital que se erija um teatro decente, e proporcionado à população, e ao maior grau de elevação e grandeza em que hoje se acha pela minha residência nela, e pela concorrência de estrangeiros e de outras pessoas que vêm das extensas províncias de todos os meus Estados, fui servido encarregar o Doutor Paulo Fernandes Viana, do meu Conselho e Intendente Geral da Polícia, do cuidado e diligência de promover todos os meios para ele se erigir.5

Um terreno em frente à Igreja da Lampadosa foi escolhido como o local que

acolheria o teatro protegido pelo Rei português, e denominado, em sua homenagem, Real

Teatro de São João. O financiamento não foi exclusivamente estatal; uma parte dos custos

foi assumida pelo empresário Fernando José de Almeida, que cedeu o terreno e, por isso,

tornou-se o proprietário do teatro até 1829, ano de sua morte.6

Em 1811, objetivando arrecadar fundos para a finalização da obra, o Estado

autorizou uma loteria,7 dentre as que estavam previstas no decreto de 1810.8 Esta seria a

primeira das inúmeras loterias que, a partir de então, tornar-se-iam a principal subvenção

estatal ao teatro, destinando-lhe 12% dos prêmios pagos pelos jogos.9 Inicialmente, o teatro

estava autorizado a ofertar loterias mensais. Contudo, durante o Segundo Reinado, as

subvenções diminuíram: o governo passou a conceder ao São Pedro de Alcântara apenas

quatro loterias anuais, totalizando uma renda de três contos e 600 mil réis mensais.10

Em 1813, com o teatro edificado, só faltavam artistas para nele representar. A

companhia dramática portuguesa de Mariana Torres foi contratada para se apresentar,

exclusivamente, no teatro recém-construído.11 O espetáculo de inauguração do Real Teatro

5 "Decreto de 28 de maio de 1810". In: Coleção das Leis do Brasil de 1810. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 112. 6 Cf. SOUSA, 1960, vol. I, p. 139. 7 "Participamos ao público que, para continuação do Real Teatro de S. João, que se está edificando nesta cidade e Corte do Rio de Janeiro, foi o Príncipe Regente nosso Senhor servido, a representação do Intendente Geral da Polícia, conceder uma loteria". (Gazeta do Rio de Janeiro, 09 de março de 1811). 8 "(...) depois que entrar a trabalhar, para seu maior aceio, e mais perfeita conservação, se lhe permitirão seis loterias, segundo o plano que eu houver de aprovar, a benefício do mesmo teatro". ("Decreto de 28 de maio de 1810". In: Coleção das Leis do Brasil de 1810, 1891, p. 112). 9 A informação sobre o porcentual de lucro obtido pelo teatro, a partir das loterias que concedia, foi localizada em artigo publicado pela Gazeta do Rio de Janeiro a 11 de maio de 1816. 10 Informação veiculada pelo Jornal do Commercio, em 12 de setembro de 1850. 11 Os seguintes artistas integravam essa companhia dramática: Maria Amália da Silva, Estela Joaquina de Morais Paiva, Maria Cândida de Souza, Victor Porfírio de Borja, Antônio José Pedro, José Evangelista da Costa e Domingos Botelho. (Cf. CAFEZEIRO & GADELHA, 1996, p. 115).

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de São João, que contou com a presença do Imperador D. João VI e de sua família, ocorreu

a 12 de outubro de 1813, com muita pompa. O programa, composto especialmente para a

noite de gala, apresentou o drama lírico O Juramento dos Numes, do português Gastão

Fausto da Câmara Coutinho (1772-1852), como nos narra uma crônica publicada pela

Gazeta do Rio de Janeiro:

Terça-Feira 12 do corrente, dia felicíssimo por ser o natalício do sereníssimo senhor D. Pedro de Alcântara, Príncipe da Beira, se fez a primeira representação no Real Teatro de S. João, a qual S. A. R. foi servido honrar com a sua real presença e a sua augusta família. Este teatro, situado em um dos lados da bela praça desta Corte, traçado com muito gosto e construído com a magnificência ostentava naquela noite uma pomposa perspectiva, não só pela presença já mencionada de S. A. R., e pelo imenso e luzido concurso de nobreza, e das outras classes mais distintas, mas também pelo aparato de formosas decorações, e pela pompa do cenário. Começou o espetáculo por um drama lírico, que tem por título O Juramento dos Numes composto por D. Gastão Fausto da Câmara Coutinho, e alusivo à comédia, que se devia seguir. Este drama era adornado com muitas peças de música de composição de Bernardo José de Souza e Queirós, mestre e compositor do mesmo teatro, e com danças engraçadas nos seus intervalos. Seguiu-se a aparatosa peça intitulada Combate do Vimeiro. A iluminação exterior do teatro, ordenada com esquisito gosto, realçava o esplendor do espetáculo. Ela representava as letras J. P. R. alusivas ao augusto nome do Príncipe Regente nosso senhor, cuja mão liberal protege as artes como fontes perenes da riqueza e da civilização das nações.12

D. João VI e sua família compareciam com frequência ao teatro, especialmente

em dias festivos, como no espetáculo em comemoração ao casamento de D. Pedro de

Alcântara com Carolina Josefa Leopoldina, Arquiduquesa austríaca, em agosto de 1817. A

presença do governante supremo em récitas no teatro perdurou ao longo do século XIX,

incluindo o reinado de D. Pedro I e, principalmente, o de D. Pedro II. A partir do Segundo

Reinado, as datas comemoradas em espetáculos de gala no teatro foram ampliadas: além

dos nascimentos, casamentos e aniversários de membros da Família Imperial, dias

religiosos e históricos, como o do Ano-Bom (01 de janeiro) e o da Independência, passaram

a integrar a agenda. Os programas desses espetáculos especiais recebiam grande atenção da

direção do teatro, que privilegiava o repertório lírico. Durante a semana comemorativa à

coroação de D. Pedro II, foi oferecido, a 19 de julho de 1841, um espetáculo repleto de

12 Gazeta do Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1813.

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pompa, descrito por um privilegiado espectador, em correspondência enviada ao Diário do

Rio de Janeiro:13

O teatro de S. Pedro de Alcântara, na noite de 19 do corrente, oferecia à vista a mais encantadora, a pompa e a magnificência com que estava preparado, o brilho que lhe dava as inumeráveis famílias ricamente adornadas que estavam nos camarotes, tudo contribuiu para o tornar digno de receber a augusta personagem que o honrou! Foi com o 1º ato da ópera A Italiana em Argel, e com o novo baile O Amigo Fiel, que a direção festejou o majestoso ato da sagração e coroação de S. M. I. Não cabe à nossa mesquinha pena descrever a alegria e entusiasmo que se divisava no grande número de espectadores que aí concorreram e que esperavam com ansiedade o momento de verem o seu anjo salvador, o guarda de suas leis, o defensor de seus direitos! Apenas as músicas marciais anunciaram a chegada de S. M. I. e de suas augustas irmãs, divisou-se no semblante de todos o prazer e o desejo de verem e saudarem o monarca americano! Logo que S. M. I. e suas augustas irmãs apareceram na Imperial tribuna, romperam os vivas de todos os lados, seguindo-se diversas poesias, que foram recitadas de diferentes camarotes, todas em louvor e glória ao chefe do Império de Santa Cruz!14

De sua inauguração até o final da década de 1820, o repertório do Real Teatro

era composto por peças portuguesas, trazidas pela companhia de Mariana Torres, e por

óperas clássicas italianas, como A Vestal (La Vestale, 1810) e A Caçada de Henrique IV

(La Caccia di Enrico IV, 1809), de Vincenzo Pucitta (1778-1861), e La Cenerentola

(1817), de Gioachino Rossini (1792-1868).15 Os programas se constituíam por uma peça

principal, que poderia ser uma comédia – no repertório constava Dever e Natureza, do

comediógrafo português Antônio Xavier Ferreira de Azevedo (1784-1814) –, ou uma

tragédia neoclássica – Nova Castro (1788), de João Batista Gomes Júnior (?-1803), foi

muito encenada –, ou uma ópera lírica. Entre os atos da peça principal era apresentado um

13 Os espectadores cariocas enviavam cartas aos redatores dos periódicos, nas quais emitiam opiniões espontâneas sobre diversas questões envolvendo a atividade teatral, como a administração das casas de espetáculos, o preço dos bilhetes, a atuação dos artistas e o repertório exibido pelos programas. As cartas não eram assinadas com o nome verdadeiro dos remetentes. Estes preferiam o anonimato, anotando apenas as iniciais do nome ou criando pseudônimos, tais como "Um verdadeiro fluminense", "O respeitador do mérito" e "O diletante". 14 Diário do Rio de Janeiro, 28 de julho de 1841. 15 As traduções de tais óperas eram comercializadas pela loja da Gazeta, que vendia por 800 réis cada exemplar, como nos indica o anúncio publicado pela Gazeta do Rio de Janeiro a 11 de outubro de 1820: "A Vestal, tragédia que está em cena no Real Teatro de S. João, se acha impressa em português, e se vende na loja da Gazeta por 800 réis".

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16

entremez,16 um dançado ou uma pantomima, desempenhados pela companhia de baile

dirigida por Lourenço Lacombe, que tinha Auguste Toussaint como primeiro dançarino. Os

bailados eram musicados por Marcos Portugal (1762-1830), o músico-compositor do teatro.

Em 25 de março de 1824, o teatro sofreu o primeiro incêndio devastador, o que

levou o Estado Imperial a interferir ainda mais em sua administração e na organização dos

espetáculos. D. João VI, em alvará de 10 de maio de 1808, havia criado a Intendência Geral

de Polícia, que tinha como atribuição, dentre outras, a de fiscalizar os espetáculos teatrais.

Após o incêndio, Francisco Alberto Teixeira de Aragão – Intendente Geral de Polícia da

Corte entre 1824 e 1827 – regulamentou a inspeção do teatro no edital interventivo de 29 de

novembro de 1824, que traçava deveres institucionais e normas de conduta a serem

adotados, obrigatoriamente, pelo diretor do teatro e espectadores. O conjunto de 19 normas

elencadas no documento demonstrava a necessidade de medidas de segurança e da presença

de autoridade policial durante os espetáculos:

Faço saber que sendo conveniente ao bem público estabelecer e regular as medidas de segurança e polícia que devem observar-se em todos os teatros que nesta capital se instituírem, para evitar deste modo as desordens e irregularidades que privam os povos da utilidade que este divertimento deve produzir-lhes quando é bem ordenado; e imitando nesta parte as providências que as nações mais civilizadas da Europa tem adotado, ordeno que no teatro se executem os seguintes artigos (...).17

Os artigos exigiam que o Real Teatro, e todos os que futuramente fossem

construídos na capital do Império, se munissem dos equipamentos necessários ao combate

de incêndio e que iniciassem os espetáculos, pontualmente, no horário anunciado ao

público. Aos espectadores, era proibida a entrada na plateia portando armas, bengalas e

chapéus de chuva, assim como, proibia-se qualquer barulho que atrapalhasse a

16 De origem ibérica, o entremez (do espanhol entremés) trata-se de uma peça teatral breve, com personagens populares, tom gracioso e, por vezes, musicada, encenada entre os atos de uma peça maior. Sobre a entrada dos entremezes nos palcos brasileiros, consultamos LEVIN, Orna Messer. "A rota dos entremezes: entre Portugal e Brasil". In: ArtCultura (UFU), vol. 7, p. 09-20, 2006; LEVIN, Orna Messer. "O entremez nos palcos e folhetos". In: ABREU, Márcia & SCHAPOCHNIK, Nelson (Orgs.). Cultura Letrada no Brasil: objetos e práticas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2005, p. 413-420. 17 Diário do Rio de Janeiro, 01 de dezembro de 1824.

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representação das peças. Ademais, os espetáculos seriam vigiados por um oficial de polícia,

que deveria ser obedecido por todos:

Haverá na plateia um Oficial da Intendência Geral da Polícia, que se fará conhecer, quando for necessário, por uma medalha com a inscrição POLÍCIA DO TEATRO. Toda pessoa, sem exceção, deve obedecer provisoriamente ao Oficial de Polícia; e por isso, quando este intimar a alguém que saia da plateia, o deve imediatamente fazer, apresentando-se ao Ministro Inspetor a expor-lhe as circunstâncias e razões do acontecimento sobre o que o dito Ministro dará providências.18

Algumas medidas do edital, que vigorou por longo período nos teatros da Corte,

foram regulamentadas pelas leis do Império. O Capítulo I da lei nº 261 de 03 de dezembro

de 1841, que reformava o Código do Processo Criminal, reorganizou as atividades

incumbidas à polícia da Corte. Dentre as competências da instituição policial, estava a

inspeção dos teatros:

Art. 4º. Aos Chefes de Polícia em toda a Província e na Corte, e aos seus Delegados nos respectivos Distritos, compete: (...) § 6º Inspecionar os teatros e espetáculos públicos, fiscalizando a execução de seus respectivos Regimentos, e podendo delegar esta inspeção, no caso de impossibilidade de a exercerem por si mesmos, na forma dos respectivos Regulamentos, às Autoridades Judiciárias, ou Administrativas dos lugares.19

A autoridade policial vistoriava os teatros para impedir desordens e

agrupamentos políticos contrários à ordem monárquica. Martins Pena via com maus olhos a

presença da polícia no teatro; acreditava que tal procedimento eliminava a elegância e a

civilidade pretendida pelos espetáculos teatrais, provocando situações constrangedoras aos

espectadores. O autor comentou o assunto, por diversas vezes, em seus folhetins no Jornal

do Commercio, nos quais criticava, com frequência, o comportamento inapropriado dos

pedestres – representantes do baixo escalão da polícia civil –, responsáveis por impedir

agitações nos teatros, além de policiar ruas e capturar escravos fugidos:

18 Diário do Rio de Janeiro, 01 de dezembro de 1824. 19 "Lei nº 261 de 03 de dezembro de 1841 - Reformando o Código do Processo Criminal". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1841. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1842, p. 101-102.

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18

Os pedestres e todos os perdigueiros policiais escolhem o caminho mais curto, e como não é sempre este o que tomam os criminosos, segue-se que desta vez ainda se desencontram; mas como os agentes policiais hão de por força agarrar, porque é seu ofício, os ditos pedestres engalfinharam-se a um pobre e inocente homem que tranquilo descia do seu camarote, e o levaram à presença do juiz que, conhecendo o engano, o mandou soltar.20

Após a reconstrução do edifício, destruído pelas chamas do incêndio de 1824, o

teatro foi reinaugurado a 04 de abril de 1826, como Imperial Teatro de São Pedro de

Alcântara, em homenagem a D. Pedro I. O teatro se manteve fechado em abril de 1831,

devido às agitações políticas decorrentes do retorno do Imperador a Portugal. Reabriu em

03 de maio do mesmo ano, rebatizado como Teatro Constitucional Fluminense. Nessa fase,

apresentava-se em seu palco uma companhia dramática lisboeta que aportara no Rio de

Janeiro em julho de 1829, trazendo artistas como a trágica e primeira dama Ludovina

Soares da Costa,21 seu irmão, o ator cômico Manoel Soares (?-1859), e ainda, José Joaquim

de Barros (?-1844) e Gertrudes Angélica da Cunha.22 Integravam o repertório dessa

companhia os elogios dramáticos, que vangloriavam o regime monárquico e a situação

política brasileira, como O Memorável Dia Sete de Abril no Campo da Honra ou A Nova

Regeneração do Brasil, e os entremezes portugueses, a exemplo de A Parteira Anatômica,

de Antônio Xavier, e O Chapéu Pardo. Além da companhia dramática e do corpo de baile,

uma companhia lírica italiana representava óperas clássicas no palco do Constitucional.

A partir de 1834, uma nova fase se iniciou no Constitucional. João Caetano

assumiu o comando da companhia dramática do teatro – composta por artistas portugueses

e brasileiros –, e passou a introduzir o repertório romântico europeu, constituído,

principalmente, por dramas históricos e melodramas franceses, portugueses e espanhóis,

tais como Catarina Howard (Catherine Howard, 1834), de Alexandre Dumas Pai (1802-

1870), Os Sete Infantes de Lara (Les Sept Infants de Lara, 1836), de Félicien Mallefille

20 PENA apud SOUZA, Silvia Cristina Martins. As Noites do Ginásio: teatro e tensões culturais na Corte (1832-1868). Campinas, SP: Editora da UNICAMP: CECULT, 2002, p. 164-165. 21 Ludovina Soares da Costa (1802-1868) acumulou grandes glórias no teatro brasileiro da primeira metade do século XIX. No palco do São Pedro de Alcântara, onde permaneceu por vários anos, encantou a plateia carioca e construiu sólida carreira como protagonista de tragédias e dramas históricos, sempre ao lado de João Caetano. 22 Gertrudes Angélica da Cunha (1794-1850), além de atriz, foi também autora de peças: compôs a tragédia Norma e as farsas A Mudança de Sexo ou Quanto Podem As Boas Maneiras, O Noivo do Algarve ou Astúcias de Dois Ladinos e A Atriz, todas encenadas no São Pedro de Alcântara. (Cf. SOUSA, vol. II, 1960, p. 202).

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19

(1813-1868), Um Auto de Gil Vicente (1838), de Almeida Garrett (1799-1854), e A

Conjuração de Veneza (La Conjuración de Venecia, 1830), de Francisco Martínez de la

Rosa (1789-1862).23 Esse repertório marca não somente a trajetória artística de João

Caetano nos palcos do Rio de Janeiro, mas também uma etapa de representações no

principal teatro da Corte que, em julho de 1837, foi nomeado, definitivamente, Teatro de

São Pedro de Alcântara.

1.2 O Ator João Caetano e os Diletantes

O período áureo dos espetáculos no São Pedro de Alcântara teve início com a

chegada de João Caetano na supervisão da companhia dramática do teatro, em 1834. A boa

fase adentrou a década de 1840, quando Luiz Manuel Álvares de Azevedo e José Antônio

Tomás Romeiro foram os diretores da casa de espetáculos.24 Em 1851, João Caetano

retornou como administrador e primeiro ator da companhia dramática, mantendo-se no São

Pedro de Alcântara até a sua morte, em 1863. Ao longo desses 12 anos, o ator-empresário

revigorou os espetáculos e os programas, representando peças europeias inéditas, como Os

Nossos Íntimos (Nos Intimes, 1861), do francês Victorien Sardou (1831-1908), e obras de

autores brasileiros, a exemplo de O Fantasma Branco (1851), Cobé (1859) e Amor e Pátria

(1859), de Joaquim Manuel de Macedo, e de outros dramaturgos, atualmente desconhecidos

e não canonizados.

A trajetória de João Caetano, desde os primeiros anos do decênio de 1830 até

1863, se confunde com a própria história do teatro no Rio de Janeiro. Em 02 de dezembro

de 1832, ele estreou profissionalmente no Teatro Niteroiense25 com uma companhia

23 Sobre o repertório romântico encenado por João Caetano no Constitucional Fluminense, futuro São Pedro de Alcântara, e em outros teatros cariocas, consultamos a biografia do ator, redigida por Décio de Almeida Prado. (PRADO, Décio de Almeida. João Caetano: o ator, o empresário, o repertório. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1972, p. 35-52). 24 Na época, o diretor de teatro exercia múltiplas tarefas: ele era o responsável pela seleção do repertório a ser encenado, submetia as peças à censura do Conservatório Dramático Brasileiro, fiscalizava as receitas dos espetáculos e os preços dos bilhetes. 25 O Teatro Niteroiense, edificado em Niterói no ano de 1827, foi reformado na década de 1840 por iniciativa de João Caetano que, como recompensa, obteve o direito de usufruí-lo por 12 anos. A reinauguração ocorreu

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dramática composta integralmente por artistas brasileiros. Fato considerado primordial para

a consolidação do teatro nacional, pelo menos em relação aos artistas, já que, até então,

duas companhias dramáticas inteiras haviam sido importadas de Portugal.

O público carioca honrava os trabalhos artísticos de João Caetano, devido à sua

iniciativa pioneira que contribuíra para o desenvolvimento do teatro brasileiro:

Era justamente nesse tempo em que a populosa cidade do Rio de Janeiro, para ter espetáculos dramáticos, mandava engajar artistas, que (salvos as honrosas exceções) eram pessoas inábeis e grande parte daqueles que no teatro de Lisboa não passavam de puxadores de vistas, iluminadores etc. (...) Sim, hoje, 02 de dezembro de 1852, fazem 20 anos que nasceu a nossa companhia dramática nacional, festejando nesse dia o 7º aniversário natalício de S. M. o Imperador, o Sr. D. Pedro II, em um pequeno teatro na Vila Real da Praia Grande (hoje cidade de Niterói) no mesmo local em que está edificado o Teatro de Santa Tereza. Um jovem brasileiro sem literatura, sem vastos conhecimentos, entendeu que o querer era poder, pondo-se à testa da revolução dramática do seu país como agente principal na sua realização começou a obra da reforma, e nós sabemos quanto de então para cá tem havido de saliente, de harmônico e de progressivo, estendendo este jovem os benefícios dessa revolução até às nossas províncias, por onde hoje se acham disseminados imensos de seus discípulos.26

Dois anos após a estreia profissional, João Caetano se instalou no São Pedro de

Alcântara e organizou uma nova companhia dramática, incluindo os artistas brasileiros que

já o acompanhavam e alguns portugueses que ali permaneceram e não se transferiram para

o Teatro da Praia de D. Manuel, futuro Teatro de São Januário.27 A Companhia Nacional,

como foi chamada, encenava um repertório neoclássico e romântico, de origem ibérica e

francesa. Além do repertório estrangeiro, João Caetano abriu espaço para as peças de

dramaturgos brasileiros: foi sob a sua direção que estrearam as tragédias Antônio José ou O

a 02 de dezembro de 1842 e o teatro passou a ser denominado Teatro de Santa Tereza, em homenagem à noiva de D. Pedro II, a princesa Tereza Cristina Maria de Bourbon. (Cf. HESSEL, Lothar & RAEDERS, Georges. O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II. Porto Alegre: Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1979, p. 285-286). 26 Diário do Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1852. 27 Em 1833, a companhia dramática de Ludovina Soares erigiu, com apoio governamental, o Teatro da Praia de D. Manuel. No ano seguinte, muitos artistas portugueses, que se apresentavam no Constitucional Fluminense, se transferiram para o novo teatro. Quatro anos depois, a casa de espetáculos se transformou no Teatro de São Januário, em homenagem à princesa Januária Maria, filha de D. Pedro I. Na década de 1840, o teatro esteve sob a direção de João Caetano que, além de diretor, também atuava na companhia dramática. (Cf. HESSEL & RAEDERS, op. cit., p. 279).

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Poeta e A Inquisição (1838) e Olgiato (1839), de Gonçalves de Magalhães, e as comédias

O Juiz de Paz da Roça (1838) e A Família e A Festa da Roça (1840), de Martins Pena.

Segundo Décio de Almeida Prado, a técnica de representação de João Caetano

era embasada na escola do melodrama, caracterizada pela intensa comunicação com o

público e por efeitos emocionais:

A escola do melodrama teve grande importância na formação de João Caetano, explicando as suas qualidades, a fácil e intensa comunicação com o público, e também os seus defeitos, a tendência para o exagero, a busca do patético a qualquer custo. Era uma representação extrovertida, solta, explicitada, de intenções marcadas, de gestos largos, de efusões emocionais, de arroubos oratórios, sem preocupação com a elegância ou com a pureza estilística, romântica na medida em que a espontaneidade e a autenticidade do sentimento contavam mais do que os requintes da técnica.28

Com sua técnica de atuação, que lhe permitiu eternizar no palco os

protagonistas de melodramas e dramas românticos, João Caetano acumulou glórias e

encantou os diletantes, que enviavam inúmeras correspondências à imprensa, declarando

grande admiração pelo ator. Em 1852, um diletante publicou no periódico Diário do Rio de

Janeiro um poema dedicado a João Caetano:

Soneto improvisado no Teatro de São Januário, no dia 20 do corrente, e dedicado ao Sr. João Caetano dos Santos. Se um nome não tivesses conquistado Que não teme o poder do tempo insano, Este dia bastara (eu não me engano) Para dar-te valor, tornar-te amado. No Kean tu fizeste admirado; Em Otelo sondaste divo arcano; Mas hoje com poder além de humano Te mostras um artista consumado. Ah! Não temas, não temas zoilo infame Que busca marear teu brilhantismo, Embora, qual possesso, irado clame.

28 PRADO, 1972, p. 116. Sobre as técnicas interpretativas adotadas por João Caetano, consultamos também a obra João Caetano e A Arte do Ator, de Décio de Almeida Prado. (PRADO, Décio de Almeida. João Caetano e A Arte do Ator. São Paulo: Ática, 1984).

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22

Despreza as pretensões do pedantismo; Um nobre, um santo orgulho hoje te inflame, Que és rei da cena, e causas fanatismo. Por J. A. C.29

João Caetano também era apreciado pelos críticos teatrais que escreviam

folhetins veiculados pela imprensa. Ao destacar os méritos do ator, os cronistas não

deixavam de desaprovar a sua postura cênica, tida como exagerada:

Eis o nosso predileto ator! É o melhor que temos tido e, talvez, tão cedo não tenhamos outro igual. Tudo que nele admiramos é natureza! Sua figura é esbelta, seu pisar, elegante, seus acionados, tão magníficos como o som de sua voz cadente e forte; veste-se sempre bem e à caráter; em certos papéis interessa-se tanto, que toca a meta do sublime; entretanto, exagera algumas vezes o caráter das personagens que tem a imitar, cometendo assim um grave erro.30

As manifestações públicas de espectadores e críticos não se limitavam aos

temas acerca da atuação de João Caetano nos palcos; fora deles, o ator protagonizou

diversas intrigas, polêmicas e competições teatrais, que dividiram, na imprensa, seus

simpatizantes e oponentes. A sua demissão do São Pedro de Alcântara, em janeiro de 1841,

motivada devido aos desentendimentos com Luiz Manuel Álvares de Azevedo, o diretor do

teatro, foi o estopim para uma longa contenda nas páginas dos periódicos da Corte: vários

artigos de cronistas e correspondências de espectadores trataram da questão.31 A crônica

"Trovoada Teatral" narra o tumulto provocado pelos simpatizantes de João Caetano,

durante o espetáculo ocorrido a 24 de janeiro de 1841, no São Pedro de Alcântara. Na

ocasião, o ator Germano Francisco de Oliveira havia sido escalado para desempenhar o

papel principal – que sempre fora de João Caetano – no drama romântico Os Dois

Renegados (1839), do português José da Silva Mendes Leal (1820-1886):

(...) rebentou a estrepitosa trovoada – Fora o ator Germano! Venha o ator João Caetano que está em casa pronto para representar! Foram os altos gritos ouvidos por espaço de meia hora no meio da mais violenta pateada. (...) a pateada

29 Diário do Rio de Janeiro, 22 de junho de 1852. 30 O Bodoque Mágico, 10 de maio de 1851. 31 A imprensa não era apenas um meio de divulgação e crítica teatral, mas também um espaço privilegiado de contendas. Os espectadores e, até mesmo os próprios artistas, emitiam suas opiniões e travavam extensas discussões, em cartas publicadas pelos periódicos.

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continua cada vez mais viva, os foras se reproduzem e as moedas de 40 rs. chovem em abundância sobre o tablado onde se acharam mudos e quedos os infelizes e inculpados atores. (...) o alarido continuou, a desordem progrediu. Ordenaram então as autoridades que descesse o pano e se desse por findo o espetáculo (...). Frustrados assim os seus mais caros desejos, que eram de fazer vir à cena o Talma do Rocio, os admiradores deste gênio entenderam dever vingar-se por qualquer modo: pagou então o pobre lustre as custas, quebrando-lhe uns poucos vidros; as cadeiras sofreram também estrago; os candeeiros dos corredores igualmente mereceram a pública atenção (...).32

Após a "trovoada" no teatro, os simpatizantes de João Caetano organizaram um

abaixo-assinado pedindo a sua readmissão pelo São Pedro de Alcântara. Mas de nada

adiantou. Juntamente com alguns artistas que o seguiram, o "Talma do Rocio" formou uma

nova companhia dramática que passou a se apresentar no Teatro de São Francisco.33 Na

segunda metade do decênio de 1840, o ator acumulou a direção do Teatro de São Januário e

do Teatro de Santa Tereza. Retornaria ao São Pedro de Alcântara somente em 1851.

1.3 Os Espetáculos do Teatro de São Pedro de Alcântara: a plateia, os bilhetes e os

cambistas

Os espetáculos no São Pedro de Alcântara se iniciavam em torno das 19h30 ou

20h00, estendendo-se até a meia-noite. As sextas, sábados e domingos eram os dias típicos

de espetáculos, mas também havia representações ao longo da semana, em dias alternados.

O teatro oferecia, aproximadamente, 10 programas mensais. Essa quantidade quase

duplicava quando uma companhia lírica italiana era contratada. Esta revezava as

encenações, igualmente, com a companhia dramática permanente do São Pedro de

Alcântara.

32 Diário do Rio de Janeiro, 03 de fevereiro de 1841. 33 O francês Jean Victor Chabry inaugurou, em 1832, o Teatro de São Francisco, localizado na Rua São Francisco de Paula. Na década de 1840, João Caetano reformou o teatro e o revitalizou na cena teatral da Corte, oferecendo espetáculos semanais. Em 1851, o ator Florindo Joaquim da Silva ali organizou uma nova companhia dramática, com atores demitidos do São Pedro de Alcântara. Sua companhia se apresentou até outubro de 1852. Depois, em 1855, o teatro transformou-se no Ginásio Dramático e permaneceu, até 1861, sob a direção de Joaquim Heliodoro Gomes dos Santos. (Cf. HESSEL & RAEDERS, 1979, p. 279).

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O teatro almejava ser o centro do bom entretenimento na Corte. Por isso, em

outubro de 1838, os administradores fecharam as suas portas para reformas de ampliação e

decoração. A quantidade de camarotes foi aumentada, e uma seção com cadeiras, instalada.

Após as melhorias, o São Pedro de Alcântara passou a oferecer 23 camarotes de primeira

ordem, 22 de segunda, 26 de terceira, 30 de quarta, 235 cadeiras e 130 lugares na plateia.34

A reabertura ocorreu a 07 de setembro de 1839, quando o teatro já estava em mãos de

particulares, dividido em inúmeras ações vendidas a acionistas cariocas, dentre eles o

próprio João Caetano, que investia cada vez mais em sua carreira empresarial. No dia

anterior à reinauguração, um cronista publicou suas impressões da sala, cuja decoração era

digna das grandes casas de espetáculos europeias:

O teto é admirável de composição, de formas e colorido. As musas em torno do lustre, entregando-se à todos as suas graças e atrativos, formam um variado círculo, à cuja organização e composição presidiu apurado talento. Em torno delas, os bustos dos principais poetas dramáticos e dos mais insignes músicos (...). O pano da base do teatro, assemelhando-se ao dos principais teatros de Paris, é belo e próprio.35

Os espectadores do São Pedro de Alcântara representavam a diversidade da

sociedade fluminense do período. O público era constituído por trabalhadores livres

(profissionais liberais, assalariados do comércio, funcionários públicos de baixo escalão),

pela aristocracia refinada (literatos, diletantes, políticos, famílias com títulos de nobreza e

do convívio próximo de D. Pedro II) e, até mesmo, pela própria Família Imperial. O preço

variado dos bilhetes, devido aos diferentes tipos de acomodações, possibilitava que os

diversos grupos sociais assistissem às récitas, constituindo, assim, uma plateia de

composição social heterogênea.

Em 1840, estes eram os valores dos bilhetes para um espetáculo no São Pedro

de Alcântara: um assento na plateia custava 640 réis; cadeira, um mil réis; camarote de

primeira ou terceira ordem, 2.400 réis; e camarote de segunda ordem, 3.200 réis.36 Os

preços não permaneceram congelados. Em março de 1845, o diretor Luiz Manuel Álvares

34 Informação obtida em correspondência de um espectador publicada pelo Jornal do Commercio, em 12 de setembro de 1850. 35 Diário do Rio de Janeiro, 06 de setembro de 1839. 36 Valores informados em anúncio teatral veiculado pelo Diário do Rio de Janeiro a 05 de outubro de 1840.

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de Azevedo aumentou os valores dos bilhetes, usando como justificativa os gastos

expressivos com a companhia lírica italiana de Augusta Candiani, que começara a se

apresentar no teatro em janeiro de 1844. O reajuste se destinou aos bilhetes de todos os

espetáculos oferecidos pelo teatro, tanto os líricos quanto os dramáticos. As vendas de

assinaturas, que incluíam 50 espetáculos, recebiam um desconto que variava entre 10% e

20% do valor total, dependendo do tipo de camarote comprado.37 Os preços se mantiveram

inalterados até o início de 1851, quando João Caetano assumiu a administração do São

Pedro de Alcântara. Nessa época, os valores das cadeiras e da plateia continuaram os

mesmos, porém os dos camarotes tiveram um pequeno aumento.38

Comparando as tarifas do São Pedro de Alcântara com as que eram praticadas

pelos outros teatros da Corte, percebemos uma diferença apenas nos preços dos camarotes.

No Teatro de São Francisco e no Teatro de São Januário, duas importantes salas de

espetáculos do Rio de Janeiro, os valores das cadeiras e da plateia geral eram os mesmos

cobrados pelo São Pedro de Alcântara: dois mil e um mil réis, respectivamente. Uma

pequena variação se dava nos preços dos camarotes, ligeiramente mais baratos no São

Francisco e no São Januário. O mesmo pode ser verificado com os valores praticados pelo

Teatro Ginásio Dramático, quando este surgiu em abril de 1855: os bilhetes das cadeiras e

da plateia custavam dois mil e um mil réis, e os preços dos camarotes também eram

inferiores aos do São Pedro de Alcântara.39 No Teatro Provisório, que posteriormente foi

renomeado Teatro Lírico Fluminense, onde as companhias italianas passaram a se

apresentar a partir de 1852, os bilhetes das cadeiras e da plateia geral custavam,

respectivamente, os mesmos dois mil e um mil réis.40 Os valores dos camarotes eram iguais

aos do São Pedro de Alcântara, com algumas variações, dependendo da importância do

37 Informação presente no comunicado de Luiz Manuel Álvares de Azevedo, publicado pelo Diário do Rio de Janeiro a 14 de março de 1845. 38 Informação obtida na cláusula sétima do contrato firmado entre João Caetano e o Estado, divulgado na íntegra pelo Jornal do Commercio a 20 de janeiro de 1851. 39 Valores presentes em anúncio teatral veiculado pelo Jornal do Commercio a 08 de abril de 1855. 40 Os bilhetes dos espetáculos circenses também custavam um e dois mil réis, valores praticados, por exemplo, pelo Circo Americano, localizado na Rua da Ajuda.

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espetáculo: em récitas de gala ou em que estrearia uma nova ópera, os preços eram mais

elevados.41

Temos uma dimensão dos valores mencionados, quando os comparamos, por

exemplo, com os preços de produtos alimentícios. A arroba42 da carne seca custava 2.800

réis; a de toucinho, 3.200; a do açúcar refinado, quatro mil; a do café, 3.700; a saca43 de

arroz, seis mil réis.44 Assim, um bilhete de plateia equivalia a 10 Kg de arroz ou a 5 Kg de

carne seca. Dois bilhetes de cadeira valiam o mesmo que, aproximadamente, 15 kg de

açúcar refinado. Um bilhete do camarote de quarta ordem do São Pedro de Alcântara, que

custava quatro mil réis em 1851, ultrapassava em 300 réis o valor de, quase, 15 Kg de café.

Os bilhetes da plateia e das cadeiras, com preços mais baixos que os dos

camarotes, poderiam ser adquiridos pelos assalariados do comércio, trabalhadores livres e

pequenos funcionários públicos. Conscientes de que precisavam dessa parcela do público,

os teatros não alteravam os valores dos bilhetes mais populares. Tal medida garantia que as

famílias de baixa renda os frequentassem, pelo menos uma vez por mês, possibilitando as

"enchentes" (termo utilizado na época para traduzir "casa cheia") nos espetáculos

oferecidos.

Porém, nem todos eram bem-vindos ao São Pedro de Alcântara. Os

espectadores monarquistas e tradicionalistas se irritavam com a presença dos criados de D.

Pedro II, que se sentavam ao lado do Imperador na tribuna. A irritação com os criados

chegou a tal ponto que motivou uma advertência publicada pelo Diário do Rio de Janeiro:

Aos Criados de S. M. I. Roga-se aos criados de S. M. I. que tem de ir hoje ao Teatro de São Pedro de Alcântara, acompanhar seu Augusto Amo, tenham a bondade de se não sentarem na tribuna, como costumam fazer, por ser tal procedimento contrário à etiqueta e ao bom senso. Os criados não se sentam em presença dos amos. No tempo do Sr. D. Pedro I nenhum dos criados ousava preterir estas regras de decência e de respeito.45

41 Ver o anexo "Preços dos Bilhetes dos Espetáculos Teatrais no Rio de Janeiro (1840-1855)", que traz uma tabela com os valores dos bilhetes praticados pelos principais teatros da Corte. 42 Uma arroba equivale a 14,69 Kg. 43 A saca equivale a 60 Kg. 44 Valores consultados na seção "Parte Comercial - Pauta Semanal", veiculada pelo Diário do Rio de Janeiro a 18 de novembro de 1850. 45 Diário do Rio de Janeiro, 07 de setembro de 1840.

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A presença de escravos ou libertos também incomodava alguns espectadores, os

quais acreditavam que o teatro não era o lugar de servos. O folhetinista de O Guasca na

Corte narra, inconformado, um episódio no São Pedro de Alcântara, em que um espectador

negro foi hostilizado por membros da plateia:

Existia em um camarote da 4ª ordem um indivíduo de cor preta, com outras pessoas de outras cores, etc., eis que da plateia surdiram gritos de fora, etc., para o dito camarote, que obrigaram o tal indivíduo a retirar-se. Inda repetimos, achamos mui reprovado semelhante proceder dos ditos espectadores... Pois em um país constitucional como o nosso, onde todos são iguais perante a lei, e por consequência com os mesmos direitos, não poderão ir ao teatro os homens de cor preta?46

Esses trechos, recolhidos na imprensa, são indicativos da separação das ordens

sociais no interior do São Pedro de Alcântara, o que pode ser comprovado também pelos

valores variados dos bilhetes, entre um e 12 mil réis. Na plateia geral e nas cadeiras, se

acomodavam os indivíduos de baixa renda, e nos camarotes, as famílias mais abastadas e

refinadas. A cada um competia ter a consciência de seu devido lugar. É o que constatamos

em uma carta publicada pelo Diário do Rio de Janeiro, na qual seu autor, um frequentador

do camarote do São Pedro de Alcântara, roga a João Caetano que suprima os assentos da

plateia próximos aos camarotes, para que o público da "parte de baixo" não encarasse as

famílias reunidas nos camarotes de primeira ordem:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Com toda a generosidade confirmaremos os elogios que fez o Sr. Progressista na sua publicação do Diário de 07 do corrente, tanto ao Sr. João Caetano, como ao Sr. Sobral; só falta que este rogue àquele para que mande tirar os assentos da plateia que estão próximos aos camarotes, para que se possa por aí transitar livremente; então jactaremos dos melhoramentos para o cômodo público, substituindo aos ditos assentos com aumento de cadeiras, não prejudicará a casa, e evitará que os imprudentes trepados encarem as famílias que se acharem na primeira ordem. O Justo.47

No romance A Moreninha (1844), de Macedo, quando Augusto lê a divertida

carta do jovem estudante Fabrício, em que este narra ao amigo sua ida ao São Pedro de

Alcântara para "entabular um namoro romântico", ilustra-se perfeitamente o ar aristocrático

46 O Guasca na Corte, 26 de junho de 1851. 47 Diário do Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1852.

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dos camarotes.48 Como lhe interessava uma bela moça pertencente a uma família de

condição social elevada, que frequentasse o teatro "quatro vezes no mês", Fabrício nem

cogita acomodar-se na plateia; ele se dirige à parte superior, isto é, aos camarotes, para ali

encontrar sua parceira romântica ideal:

Mas, enfim, maldita curiosidade de rapaz!... Eu quis experimentar o amor platônico, e dirigindo-me certa noite ao teatro São Pedro de Alcântara, disse entre mim: esta noite hei de entabular um namoro romântico (...). Nessa noite fui para a superior; eu ia entabular um namoro romântico; não podia ser de outro modo. Para ser tudo à romântica consegui entrar antes de todos; fui o primeiro a sentar-me quando ainda o lustre monstro não estava aceso; (...) vi se irem enchendo os camarotes; finalmente eu, que tinha estado no vácuo, achei-me no mundo; o teatro estava cheio. (...) concluí que para portar-me romanticamente, deveria namorar alguma moça que estivesse na quarta ordem.49

Os bilhetes para todos os tipos de assentos (plateia, cadeiras e camarotes) eram

vendidos na bilheteria do São Pedro de Alcântara. Os espectadores que não se antecipavam

à compra, ficavam à mercê dos cambistas que, na época, agiam na Praça Tiradentes, e

esgotavam rapidamente os bilhetes, revendendo-os a preços abusivos. O Estado e a polícia

da Corte não conseguiam impedir tal atividade e nem se esforçavam para adotar medidas

eficientes de combate. Na imprensa, os críticos teatrais condenavam a ação dos cambistas, a

exemplo do cronista de O Bodoque Mágico:

Judas são esses malditos cambistas teatrais que ferram de unha o pobre povo, e atravessam um dos mais inocentes divertimentos públicos, privando a certas classes da sociedade desta honesta e útil distração; por isso, que nem todos podem dar cinco e dez mil réis por um bilhete de cadeira, e três e quatro por um de geral; não falando dos camarotes, cujas comissões sobem até às nuvens.50

Em correspondência veiculada pelo O Montanista, o espectador "O admirador

dos teatros" narra um episódio em que os cambistas esgotaram, em poucas horas, os

bilhetes de um programa especial em comemoração ao aniversário da Imperatriz:

48 Andrea Marzano usa a mesma carta do romance para demonstrar que o teatro era um espaço elegante de "flerte aristocrático". (MARZANO, Andrea. Cidade em Cena: o ator Vasques, o teatro e o Rio de Janeiro (1839-1892). Rio de Janeiro: Folha Seca: FAPERJ, 2008, p. 45-46). 49 MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, 1995, p. 21-22, (grifos meus). 50 O Bodoque Mágico, 19 de abril de 1851.

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Senhores que entendem das obrigações de administrações teatrais! Porque será, que no dia do espetáculo pelo aniversário natalício de nossa Imperatriz, se achavam tantas pessoas queixosas por não haverem à venda no teatro às dez horas da manhã desse dia, bilhetes de camarotes, e para poderem outras pessoas, em grande número, obterem plateias, precisavam empurrarem e atropelarem-se uns aos outros; sendo o resultado dessa logração ao respeitável público, os cambistas do teatro serem bem aquinhoados na partilha, e rirem-se dos que não tiveram bilhetes... Por que será? – As administrações dos teatros devem muito ao respeitável público, que de boa fé esperam a observância das leis teatrais, para evitar-se o – porque será que os cambistas não deixam o saguão do teatro? O Admirador dos Teatros.51

Em uma versão manuscrita da comédia O Judas em Sábado de Aleluia,

Faustino afirma que não pudera comparecer a um espetáculo no teatro por causa da ação

dos cambistas, que esgotaram os bilhetes colocados à venda. Martins Pena mostra

preocupação com os problemas que envolviam a atividade teatral de sua época e não hesita

em colocá-los em cena, sem abandonar o seu costumeiro humor:

FAUSTINO: – E finalmente, se não fui ao teatro no dia em que lá estiveste, foi por não achar um só bilhete. Os cambistas tinham comprado todos. Mas tranquiliza-te, que também já lhes declarei guerra. Ontem comprei dois meirinhos e ao sair daqui comprarei um cento para darem com toda essa súcia na cadeia, com suas mulheres, seus filhos e seus escravos.52

2 Um Comediógrafo Brasileiro no Teatro de São Pedro de Alcântara

Martins Pena iniciou sua carreira dramática quando o São Pedro de Alcântara

ocupava posição de destaque na cena teatral da Corte, constituindo-se como o centro do

entretenimento, onde os habitantes do Rio de Janeiro assistiam ao repertório neoclássico e

romântico europeu, às peças de autores nacionais, aos artistas portugueses, italianos e

brasileiros. É em meio a esse panorama que o autor construiu sua trajetória no palco do São

Pedro de Alcântara, estreando 19 peças entre 1838 e 1846, as quais, seja pelas temáticas,

seja pelas cenas ou personagens, dialogam com o contexto cultural do teatro.

51 O Montanista, 19 de março de 1851. 52 PENA, vol. I, 1956, p. 156-157.

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Entre os oito anos em que contribuiu como dramaturgo dessa casa de

espetáculos, destacamos três fases de representações de suas obras: o début, de 1838 a

1840, caracterizado pelas criações das comédias roceiras; a fase de transição às inúmeras

estreias, em 1844, com as peças O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas; e o

momento mais prolífico, entre 1845 e 1846, quando estreou a maior parte de suas peças

cômicas em um ato, a primeira comédia em três atos, O Noviço, e o primeiro e único drama

encenado, Vitiza ou O Nero de Espanha.

2.1 O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça: o início

A primeira comédia de Martins Pena, O Juiz de Paz da Roça, estreou a 04 de

outubro de 1838, como parte do programa teatral em benefício da atriz Estela Sezefreda,53

integrante da companhia dramática do São Pedro de Alcântara, dirigida por seu esposo, o

ator João Caetano. O anúncio referente à estreia traz informações detalhadas sobre a

programação do espetáculo, que exibiu como peça principal o drama espanhol A

Conjuração de Veneza:

Teatro S. Pedro de Alcântara. Estela Sezefreda faz benefício quinta-feira, 04 de outubro do corrente ano, com o novo drama romântico, em 3 atos, denominado Conjuração de Veneza. Esta composição, de um gênero novo, não deixará de agradar, e o título dá uma ideia do quanto deve ser interessante, porque ele se acha gravado nas páginas da história italiana. Respectivamente a cenário e vestuário, será segundo a época. A nova farsa O Juiz da Roça, que termina por uma tocata e dança própria do lugar, porá fim ao espetáculo. A beneficiada tendo de se retirar da cena, no dia 15 de outubro do corrente, em consequência do teatro ter de fechar-se, espera que um público tão ilustrado, quanto generoso, a proteja pela última vez. Os bilhetes acham-se na casa da sua residência, Rua dos Ciganos n. 42.54

53 Estela Sezefreda (1810-1874), artista brasileira, começou sua carreira teatral, em meados da década de 1820, como bailarina do corpo de dança de Auguste Toussaint, no Real Teatro de São João. Nos anos de 1833 a 1855, atuou nas companhias dramáticas dirigidas por João Caetano, protagonizando dramas e comédias. Assim a descreve um artigo dedicado aos artistas dos teatros da Corte, publicado pelo periódico literário e teatral O Bodoque Mágico a 10 de maio de 1851: "pisa bem e veste-se com gosto; o som de sua voz é melodioso, e seria perfeitíssimo se não tivesse o defeito de assobiar muito nos ss (talvez por donaire antes que por hábito), é boa atriz e tem desempenhado certos papéis em que se lhe não pode dar rivais". 54 Jornal do Commercio, 02 de outubro de 1838.

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A comédia foi divulgada anonimamente pela imprensa; prática comum nos

anúncios de peças cômicas em um ato, as quais, quase sempre, não tinham sua autoria

indicada. Estas, a exemplo de O Juiz de Paz da Roça, ocupavam um espaço raramente

modificável dentro do programa teatral, encerrando os espetáculos após a exibição da peça

principal, cujos atos eram entremeados com apresentações musicais e dançados.

O anúncio de estreia faz referência à última cena da comédia de Martins Pena,

em que há a exibição de uma "tocata e dança própria do lugar",55 denominada no enredo o

"Fado da Tirana":

TOCADOR (Cantando) Ganinha, minha senhora, Da maior veneração; Passarinho foi-se embora Me deixou penas na mão. TODOS Se me dás que comê, Se me dás que bebê, Se me pagas as casas, Vou morar com você. (Dançam) TOCADOR (Cantando) Em cima daquele morro Há um pé de ananás; Não há homem neste mundo Como o nosso juiz de paz.56

A comédia foi novamente representada no dia 10 de outubro de 1838,

finalizando o espetáculo em benefício da atriz Isabel Ricciolini57 e de sua filha, a bailarina

Clara Ricciolini, que teve como peça principal a tragédia Ackmet e Rakima.58 Cinco dias

depois, João Caetano ofereceu um benefício em que foi encenado o melodrama Os Dois

55 Jornal do Commercio, 02 de outubro de 1838. 56 PENA, 1956, vol. I, p. 44-45. 57 Isabel Rubio Ricciolini (1790-1850), artista portuguesa, veio ao Rio de Janeiro em 1817, juntamente com seu esposo, o barítono italiano Gaetano Ricciolini (1778-1850), para integrar a companhia lírica do Real Teatro de São João. Ambos os artistas pertenceram à companhia dramática do São Pedro de Alcântara e atuaram em inúmeros espetáculos entre as décadas de 1830 e 1840. 58 Adaptação portuguesa de Antônio Xavier da peça espanhola Acmet, el Magnánimo, cuja autoria é desconhecida. (Cf. HESSEL & RAEDERS, 1979, p. 37).

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Francos-Maçons (Les Deux Francs-Maçons ou Les Coups du Hasard, 1808), de Benoît

Pelletier-Volméranges, seguido de O Juiz de Paz da Roça, tida nos anúncios como "a bem

aceita farsa".59 Este foi o último espetáculo do ano promovido pelo São Pedro de Alcântara,

que fecharia para reformas. Dias após o benefício, João Caetano publicou um comunicado

na imprensa, agradecendo ao público que comparecera ao espetáculo:

João Caetano dos Santos desejoso de dar um testemunho público de sua gratidão às pessoas que o honraram, muito além do seu merecimento, vem por intermédio de sua folha agradecer os obséquios que recebeu no dia 15 do corrente, por ocasião do seu benefício. (...) 'Não tenho expressões para testemunhar a minha gratidão ao respeitável público desta capital, que tanto me tem animado com seus aplausos e proteção: é esta uma dívida que nunca poderei pagar, mas cuja lembrança ficará sempre gravada na minha ideia.'60

A seguinte representação da comédia roceira ocorreu a 25 de novembro de

1838, no Teatro Niteroiense, desempenhada pela companhia dramática de João Caetano,

que estava se apresentando em Niterói devido ao fechamento temporário do São Pedro de

Alcântara.61 O repertório do espetáculo foi integralmente constituído por peças de autores

brasileiros: além da comédia de Martins Pena, foi encenada a tragédia Antônio José ou O

Poeta e A Inquisição, de Gonçalves de Magalhães.

O aparecimento de dramaturgos brasileiros não passou despercebido pelo

público. Se o Estado e os literatos buscavam impulsionar a produção de peças nacionais,

como forma de tornar o campo teatral uma expressão legitimadora da cultura da recente

nação, tal iniciativa era abraçada pela plateia que frequentava os espetáculos e acolhia bem

as peças escritas por brasileiros. Na seção Revista Dramática do Jornal do Commercio, o

crítico, assinado por "A.", atribui à sociedade da Corte um papel fundamental no

desenvolvimento da arte dramática. "A." afirma que a proteção do público às obras

literárias de autores fluminenses contribuiria para o aparecimento de novos dramaturgos e

atores:

59 Jornal do Commercio, 13 e 15 de outubro de 1838 e Diário do Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1838. 60 Jornal do Commercio, 22 de outubro de 1838. 61 O Juiz de Paz da Roça voltou ao São Pedro de Alcântara a 06 de agosto de 1840, em espetáculo que exibiu, como peça principal, o melodrama Catarina Howard, de Alexandre Dumas.

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A nova importância que o público deu ao teatro, fez aparecer algumas peças de composição nacional. Se é verdade que a arte dramática civiliza as nações, é preciso também reconhecer que as disposições prévias do público influem muito para a aparição de bons autores e atores. (...) O gosto geral, o espírito de crítica literária, o movimento intelectual da sociedade favorecem muito as direções e o esforço do talento.62

O Juiz de Paz da Roça pode ter inspirado composições de outros autores

brasileiros contemporâneos a Martins Pena, como as comédias O Juiz de Paz Abdicando,

de Joaquim José Teixeira,63 encenada no São Pedro de Alcântara a 13 de outubro de 1840, e

O Novo Juiz de Paz na Roça (1853), de autoria desconhecida.

Em sua comédia, Martins Pena delineia um painel da vida de uma família

roceira dos arredores da Corte e satiriza a Justiça Imperial, apresentando um Juiz de Paz

corrupto e descomprometido com suas atividades, que se resumem a casos corriqueiros

envolvendo brigas entre vizinhos e familiares. O comportamento do Juiz é satirizado em

cenas e diálogos que o expõem ao ridículo:

JUIZ: – Vamo-nos preparando para dar audiência. (Arranja os papéis) O escrivão já tarda; sem dúvida está na venda do Manuel do Coqueiro... O último recruta que se fez já vai me fazendo peso. Nada, não gosto de presos em casa. Podem fugir, e depois dizem que o Juiz recebeu algum presente. (Batem à porta) Quem é? Pode entrar. (Entra um preto com um cacho de bananas e uma carta, que entrega ao Juiz. Juiz lendo a carta) 'Ilmo. Sr. – Muito me alegro de dizer a V. Sa. que a minha ao fazer desta é boa, e que a mesma desejo para V. Sa. pelos circunlóquios com que lhe venero.' (Deixando de ler) Circunlóquios... Que nome em breve! O que quererá ele dizer? Continuemos. (Lendo) 'Tomo a liberdade de mandar a V. Sa. um cacho de bananas-maçãs para V. Sa. comer com a sua boca e dar também a comer à Sra. Juíza e aos Srs. Juizinhos. V. Sa. há de reparar na insignificância do presente; porém, Ilmo. Sr., as reformas da Constituição permitem a cada um fazer o que quiser, e mesmo fazer presentes; era, mandando assim as ditas

62 Jornal do Commercio, 30 de outubro de 1838. 63 Joaquim José Teixeira (1811-1885) foi deputado, advogado, poeta, romancista, dramaturgo e tradutor. (Cf. SOUSA, 1960, vol. II, p. 539-540). Apesar de o anúncio teatral lhe conferir a autoria da peça, Teixeira publicou um comunicado na imprensa informando que o texto encenado modificara, profundamente, a sua composição: "Rogo ao Sr. Victor Porfírio de Borja que não continue a apresentar-me como autor de obras alheias, pois que não gosto de cobrir-me senão com vestes minhas. É certo que eu me lembro de haver escrito para S. S. a seu pedido uma farsa com o título Um Juiz de Paz Abdicando; mas também me cumpre confessar que não reconheci minha obra em aquela que com o mesmo título foi representada em noite de 13 do corrente. Algumas cenas desta em verdade parecem-se com aquelas que saíram da minha pena, porém nego que seu todo fosse escrito por mim, pois nele achei faltas de cenas, figuras estranhas, entradas e saídas incompetentes, ditos estúpidos e, sobretudo, um final que eu me envergonharia uma vez de compor. E aproveito esta ocasião para declarar mui formalmente que nunca mais hei de escrever para os nossos teatros públicos, por isso que alguns dos Srs. atores são verdadeiros dramático-coveiros. Joaquim José Teixeira". (Diário do Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1840).

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bananas, que diz minha Teresa Ova serem muito boas. No mais, receba as ordens de quem é seu venerador e tem a honra de ser – Manuel André de Sapiruruca.' – Bom, tenho bananas para a sobremesa. Ó pai, leva estas bananas para dentro e entrega à senhora. Toma lá um vintém para teu tabaco. (Sai o negro) O certo é que é bem bom ser Juiz de Paz cá pela roça. De vez em quando temos nossos presentes de galinhas, bananas, ovos, etc., etc.64

O modo, nada cortês, com o qual o comediógrafo deu vida ao Juiz de Paz,

desnudando suas corrupções e vícios, não agradou ao censor André Pereira Lima, do

Conservatório Dramático Brasileiro.65 Em maio de 1844, o censor reprovou a representação

da comédia no São Pedro de Alcântara, por acreditar que a peça feria a credibilidade das

instituições brasileiras:

O Juiz de Paz da Roça é uma farsa escrita em baixo cômico, destituída de tudo quanto se pode desejar quer para o entretenimento do espírito quer para o melhoramento dos costumes. Ofende infinitamente as instituições do país, choca a dignidade delas e por isso a considero em circunstância de não ser representada. Rio de Janeiro, 19 de maio de 1844. André Pereira Lima.66

Dois dias após a reprovação, Joaquim Norberto de Sousa e Silva (1820-1891), o

segundo censor da comédia, aprovou-a para ser representada. O impasse foi resolvido pelo

presidente do Conservatório Dramático, o português Diogo Soares da Silva de Bivar (1785-

1865), que, em 22 de maio de 1844, autorizou a peça para subir ao palco do São Pedro de

Alcântara.

64 PENA, 1956, vol. I, p. 34-35. 65 Em maio de 1843 foi criado o Conservatório Dramático Brasileiro, uma instituição governamental que objetivava promover os estudos dramáticos, impulsionar a produção dos dramaturgos brasileiros e garantir a qualidade da cena teatral, por meio da análise prévia das obras que seriam encenadas nos teatros da Corte. Essas análises buscavam zelar pela moralidade nos palcos, proibindo a presença de quaisquer "assuntos e expressões menos conformes com o decoro, os costumes e as atenções que em todas as ocasiões se devem guardar, maiormente naquelas em que a Imperial Família honrar com a sua presença o espetáculo". (Aviso de 10 de novembro de 1843). Contudo, o órgão atuava como um instrumento oficial que controlava os divertimentos públicos e censurava aqueles considerados inconvenientes, isto é, que ferissem a ordem monárquica e os bons costumes. Nas avaliações realizadas pelos censores, as peças poderiam ser totalmente aprovadas, reprovadas ou advertidas com indicações de modificações no texto. Segundo dados da própria instituição, em 1850 foram submetidas 169 peças para julgamento, sendo 97 licenciadas, 15 reprovadas e 43 encaminhadas para modificações. (Dados divulgados pelo Conservatório no Diário do Rio de Janeiro, em 09 de julho de 1851). Isso demonstra a interferência do Conservatório no trabalho criativo dos dramaturgos. 66 "Martins Pena e a censura: extratos de pareceres de censura: notas várias", Biblioteca Nacional, Coleção Darcy Damasceno, I - 26, 02, 75.

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Tal fato foi comentado pelo cronista do folhetim Revista Teatral, que mostrou-

se indignado com os critérios de censura adotados pelo Conservatório Dramático. O crítico

revela a implicância da instituição censora com as comédias O Juiz de Paz da Roça e

Bertrand e Raton (Bertrand et Raton ou L'Art de Conspirer, 1833), de Eugène Scribe

(1791-1861):

Porém, meu Deus, que faz aí o Conservatório Dramático: sua sábia comissão, ou quem quer que lá figure, que tanto cortou na comédia Bertrand e Raton por ofensiva à monarquia e à moral, que proibiu O Juiz de Paz da Roça, por ofensiva às nossas autoridades territoriais; mas que licenciou A Festa da Roça que é bem moral, que não ofende nosso culto etc. etc., que faz, dizemos nós, que não interpõe sua sabença, sua profunda erudição na correção desses dramas que lá lhe levam para levar o selo? Talvez não seja de sua alçada. Sendo assim esperamos que um dia haja quem nos governe e que esmerilhe bem esse negócio de traduções para rejeitar as que forem ruins e buscar assim quem saiba o que é traduzir bem e com gosto.67

Após O Juiz de Paz da Roça, Martins Pena estreou uma nova comédia roceira:

A Família e A Festa da Roça. A segunda comédia do autor se passa na casa de um pequeno

fazendeiro rústico que se dedica aos trabalhos em sua lavoura. Duas temáticas principais

são abordadas pelo enredo da peça: o tema amoroso, envolvendo dois jovens enamorados,

Quitéria e Juca, e a contraposição entre a vida tradicional no campo e a organização social

na capital do Império, o centro dos divertimentos públicos, da moda e do bem viver. A

comédia estreou a 01 de setembro de 1840, em espetáculo beneficente a Estela Sezefreda.

Novamente, João Caetano e sua esposa, a atriz beneficiada, incluíram uma peça inédita de

Martins Pena em um programa teatral. Tal informação nos faz crer que os dois artistas

mantinham contato com o novato comediógrafo.

O anúncio da estreia de A Família e A Festa da Roça menciona que o autor

desta comédia é o mesmo de O Juiz de Paz da Roça, recuperando, assim, a boa recepção

pelos espectadores e convidando-os para uma noite de entretenimento que lhes agradaria:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. O benefício de Estela Sezefreda, anunciado para o dia 29 do corrente, fica por justos motivos transferido para terça-feira 1º de setembro. Subirá à cena o drama em 4 atos, Joana de Flandres, nova tradução cingida ao original francês, composição dos Srs. Fontan e Herbin. (...) A Família

67 Diário do Rio de Janeiro, 16 de julho de 1844.

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e A Festa da Roça, comédia em um ato, composta ultimamente pelo mesmo autor do Juiz de Paz da Roça, finalizará o espetáculo. Estela Sezefreda será grata às pessoas que se dignarem obsequiá-la. Os bilhetes acham-se à venda na Praça da Constituição n. 89.68

O espetáculo foi comentado em uma crônica publicada pelo Jornal do

Commercio em 05 de setembro de 1840, na qual o crítico, anônimo, avalia a trama da peça,

seu autor e a mise en scène.69 O enredo da comédia é considerado inverossímil,

principalmente devido à suposta falha na caracterização dos tipos roceiros e do escravo. A

verossimilhança de uma peça teatral é entendida pelo cronista como adequação ao espaço-

real referenciado. Nesse caso, Martins Pena não teria representado veridicamente o modo

de vida socioeconômica de uma família roceira dos arredores da Corte. Preocupado com a

verossimilhança, o cronista se esquece que um dos recursos da farsa é, exatamente, compor

caricaturas, que produzem o humor por meio do exagero e da não realidade.

O enredo da comédia é fraco, com alguma dose de inverossimilhança. Domingos João, ou coisa que o valha, tem uma filha um pouco simplória, mas muito garrida para uma roceira (...). Não apareceu ele [Antônio do Pau-d'Alho] de pés no chão e botas penduradas em um pau? Não fazia gestos despropositados? Não contava a seu modo o que vira na Corte? Não há dúvida, mas não basta trazer os pés descalços e as botas penduradas para caracterizar o roceiro, e um roceiro de serra acima. Esse tal senhor, cujo nome nos não lembra [Antônio do Pau-d'Alho], possuía um sítio e quarenta escravos, e desafiamos a que nos mostrem um roceiro de serra acima gozando de tal abastança, que venha à cidade fazer destacamentos, e caminhe, pé descalço, até o seu sítio. (...) Demais, o nosso fazendeiro é mais um senhor feudal que um roceiro ordinário, e Domingos João não pode, nem pelas suas maneiras, nem pela rapidez com que revoga sua palavra, mudando de genro com tanta facilidade, ser colocado naquela classe. (...) Se foi jocosa a entrada do moleque, posto mal caracterizado por vir de calças, não deixou de ser estranhável a corrida que lhe deram, e o não aparecimento de imensa negraria, quando Quitéria teve seus faniquitos. Na cidade, sim, corre-se com as crias para não escutarem o que se diz; mas na roça! Não é possível. O moleque é um ente

68 Diário do Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1840. 69 Embora ainda não produzissem uma crítica teatral sistemática, os folhetinistas divulgavam suas impressões e opiniões sobre as peças encenadas nos teatros da capital do Império, em crônicas veiculadas pelos periódicos diários e literários. Os cronistas apresentavam o programa do espetáculo; resumiam o enredo da peça principal e, esporadicamente, o da farsa, avaliando as obras a partir de alguns critérios, tais como a verossimilhança, o desenvolvimento da trama, a constituição das personagens e cenas, e se agradou ou não a plateia; em seguida, analisavam a tradução – quando a peça era originalmente em língua estrangeira –; e por fim, discorriam sobre a mise en scène, destacando o desempenho dos atores, a qualidade artística dos cenários e a adequação dos figurinos. Sobre os atores, de modo geral, os críticos verificavam a conformidade das atuações com os sentimentos das personagens.

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necessário, indispensável, que se acha em casa do fazendeiro em todos os cantos; é como o ar que se encontra em toda a parte, como o sol que tudo vê e observa.70

O cronista detecta certos equívocos na representação cênica de A Família e A

Festa da Roça, principalmente na atuação de Manoel Soares, ator que desempenhou o

papel do lavrador Domingos João. Para o crítico, a adequação e a conformidade com os

indivíduos sociais reais, aos quais a peça fazia referência, garantiriam a performance

natural dos artistas que representavam tais personagens no palco:

Os nossos roceiros de serra acima, que cumpre não confundir com os de serra abaixo, tem outro modo de falar; seu dialeto é antes espevitado, como o falar à mineira, do que descansado e com tantos hiatos. Suas maneiras, se pecam, é, por algum tanto acanhadas e contrafeitas, que não por abrutalhadas. O Sr. Manoel Soares representou mais como um campônio de Portugal do que como um roceiro do Brasil.71

Apesar dos erros na caracterização dos tipos roceiros, o folhetinista afirma que

o comediógrafo mostrou originalidade e certa fidelidade aos costumes típicos da roça, o que

garantiu que a peça fosse bem recebida e agradasse ao público, tanto que "excitou longa

hilaridade e obteve repetidos aplausos".72 Considerando que o principal objetivo do autor

ao compor a comédia teria sido esboçar certos costumes do povo da roça, o cronista

acredita que tal atitude era positiva, pois, segundo ele, os dramaturgos brasileiros da época

ignoravam elementos da história e da sociedade nacional. Nesse sentido, em um discurso

nacionalista que entrevê no escritor a função, por meio do teatro, de legitimar a nação e a

cultura brasileira, o cronista deposita grandes esperanças na carreira teatral de Martins Pena

– ainda no anonimato –, o qual, sendo integrante de uma nova geração de escritores que

despontava no campo literário, poderia ser um dos responsáveis por resgatar aspectos

históricos e socioculturais, revelando ao público os tesouros da recém-criada nação "que

parecem bradar por quem os roube ao esquecimento em que jazem sepultados".73

70 Jornal do Commercio, 05 de setembro de 1840. O anexo "A Festa e A Família da Roça (Comédia original)" traz o texto integral da crônica. 71 Idem. 72 Idem. 73 Idem.

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A Família e A Festa da Roça encerrou outros espetáculos no ano de 1840.

Foram três exibições no São Pedro de Alcântara: a 08 de setembro, após a apresentação do

melodrama Joana de Flandres (Jeanne de Flandre, 1835), de Victor Herbin e Louis-Marie

Fontan; a 19 de setembro – espetáculo que contou com a presença, na tribuna, da Família

Imperial –, depois da exibição da comédia em dois atos A Lua de Mel ou A Correção

Singular, em que estreou a atriz Maria Amália da Silva, recém-chegada de Lisboa; e no

programa de 06 de outubro, em benefício da atriz Maria Cândida de Souza, que teve como

peça principal a comédia Casanova no Forte de Santo André (Casanova au Fort Saint-

André, 1836), de Charles Varin (1798-1869), Étienne Arago (1802-1892) e Desvergers,

seguida da apresentação de uma ária, cantada por Margarida Lemos, e de uma fantasia do

compositor português Antônio Luis Miró (1815-1853), mestre do Real Teatro de São

Carlos, em Lisboa. Nos anúncios desses espetáculos, a comédia de Martins Pena é

considerada a "bem aceita"74 e "muito aplaudida farsa".75

Em julho de 1844, a peça finalizou um espetáculo em benefício da atriz

Ludovina Soares, em que estreou, como título principal do programa, a comédia A Filha de

Fígaro. Esta havia sido submetida por Martins Pena, em 20 de maio, à avaliação censória

do Conservatório Dramático.76 Nos anúncios que antecederam ao benefício, Abel ou O

Retrato Respeitado era a peça anunciada para o encerramento do espetáculo. Porém, um dia

antes da apresentação, para agradar a alguns espectadores e diletantes de sua amizade,

Ludovina Soares optou por A Família e A Festa da Roça. A mudança na escolha da obra

que finalizaria o programa nos revela que a comédia de Martins Pena fazia parte do gosto

do público e que o autor mantinha contato direto com a companhia dramática do São Pedro

de Alcântara, cujos atores escolhiam suas farsas para o encerramento de espetáculos

beneficentes.77

74 Jornal do Commercio, 06 de outubro de 1840. 75 Diário do Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1840. 76 Informação obtida no documento: "Encaminhamento do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro de pedido para exame censório da peça A Filha de Fígaro, para ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 01, 53. 77 A Família e A Festa da Roça retornou ao palco do São Pedro de Alcântara a 20 de maio de 1845, em espetáculo beneficente ao ator português Antônio José Pedro, que teve como peça principal a comédia A Mulher Vingativa.

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Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 09 de julho de 1844, benefício da primeira atriz Ludovina Soares da Costa. Subirá à cena em primeira representação a interessante comédia em 5 atos: A Filha de Fígaro ou A República Francesa. Terminará o espetáculo com a muito jocosa farsa: A Família e A Festa da Roça. N. B. – A beneficiada, querendo satisfazer os desejos de algumas pessoas de sua amizade, preferiu a Festa da Roça ao drama de um ato já anunciado. O mais divertimento será anunciado pelos cartazes. Os Srs. que se quiserem prevenir de bilhetes, hajam de dirigir-se à casa da beneficiada, Rua do Cano n. 72, 1º andar.78

***

As primeiras composições dramáticas de Martins Pena – O Juiz de Paz da Roça

e A Família e A Festa da Roça – estrearam, e foram frequentemente encenadas, no

encerramento de espetáculos beneficentes a atores do São Pedro de Alcântara, em

programas teatrais que apresentaram, como peça principal, dramas românticos, melodramas

e comédias de autores portugueses, espanhóis e franceses.

Com as peças cômicas roceiras, Martins Pena representou e satirizou cenários,

personagens e costumes da sociedade de sua época, temas inexistentes, até então, no palco

do São Pedro de Alcântara. Nestas obras, destaca-se o diálogo que o comediógrafo

estabeleceu com o seu momento cultural, objetivando representar a vida rústica na roça,

concebida como o lugar mantenedor de tradições, em contraposição ao progresso da Corte,

o espaço dos grandes divertimentos públicos, a exemplo dos espetáculos no teatro.

Entre as décadas de 1830 e 1840, a capital do Império passava por um processo

de modernização, motivada pela política do Estado que pretendia conferir uma imagem de

progresso à recém-criada nação. A cidade se transformara em um centro irradiador de

decisões políticas, regras de etiqueta, modas literárias, hábitos no vestuário, no gestual e na

linguagem.79 As medidas visando à civilidade social se refletiam nas manifestações

culturais, incluindo os espetáculos oferecidos pelo São Pedro de Alcântara.

Nas duas primeiras peças de Martins Pena, a cidade é idealizada pelos roceiros

e associada às imagens de civilidade, liberdade e alegria. O tema do rústico que conhece a

78 Diário do Rio de Janeiro, 08 de julho de 1844. 79 Cf. SCHWARCZ, 2010, p. 155.

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capital e fica admirado com o progresso, um dos mais antigos do teatro,80 é empregado pelo

autor em ambas as comédias. Estas apresentam uma personagem caipira – José da Fonseca

em O Juiz de Paz da Roça e Antônio do Pau-d'Alho em A Família e A Festa da Roça – que

passa um tempo na Corte e se maravilha com o que lá vivencia.

José da Fonseca descreve a Aninha, sua amada, os cosmoramas que invadiam

as ruas, as performances equestres nas arenas, os espetáculos dramáticos e as apresentações

mágicas no São Pedro de Alcântara, teatro "maior que o engenho do capitão-mor". A

moçoila, que não conhece a capital, se encanta com os divertimentos e a grandeza da

cidade:

JOSÉ: – Eu te digo. Há três teatros, e um deles maior que o engenho do capitão-mor. ANINHA: – Oh, como é grande! JOSÉ: – Representa-se todas as noites. Pois uma mágica... Oh, isto é coisa grande! (...) Uma árvore se vira em uma barraca; paus viram-se em cobras, e um homem vira-se em macaco. (...) Pois o curro dos cavalinhos! Isto é que é coisa grande! Há uns cavalos tão bem ensinados, que dançam, fazem mesuras, saltam, falam, etc. Porém o que mais me espantou foi ver um homem andar em pé em cima do cavalo. (...) Além disto há outros muitos divertimentos. Na Rua do Ouvidor há um cosmorama, na Rua de São Francisco de Paula outro, e no Largo uma casa onde se veem muitos bichos cheios, muitas conchas, cabritos com duas cabeças, porcos com cinco pernas, etc. (...) ANINHA (só): – Como é bonita a Corte! Lá é que a gente se pode divertir, e não aqui, onde não se ouve senão os sapos e as intanhas cantarem. Teatros, mágicos, cavalos que dançam, cabeças com dois cabritos, macaco major... Quanta coisa! Quero ir para a Corte!81

Em A Família e A Festa da Roça, Antônio do Pau-d'Alho, após quatro meses de

trabalho na Guarda Nacional, retorna à roça repleto de novidades extraordinárias acerca do

que vira em sua estadia na Corte. A personagem se encanta com o progresso da cidade,

visualizado, principalmente, em seus divertimentos públicos nos teatros, como os

espetáculos de mágica, que maravilham os olhos do ingênuo sertanejo:

ANTÔNIO DO PAU-D'ALHO: – (...) a cidade está muito adiantada. Eu estive quatro meses destacado e posso dizer alguma coisa, porque quando não estava de guarda, passeava. Vá vendo quantas coisas boas. (...) Veja. Há um teatro aonde

80 Cf. ARÊAS, 1987, p. 116. 81 PENA, 1956, vol. I, p. 30-31.

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vai este homem, que é muito bonito, porque tem umas mesas bordadas de prata, luzes amarelas, vermelhas e de todas as cores. Chega ele, como ia dizendo, a este teatro, chama um homem, este vai para onde ele está, e trepando em cima de uma mesa, fica assim. (Ajoelha-se) E depois, o mata-gente, levantando a espada, corta-lhe a cabeça e o homem cai assim. (Deita-se de bruços) Faça agora de conta que eu não tenho cabeça, e que ela anda na mão do sujeitinho para ser mostrada a quem quer ver.82

Martins Pena aborda a cultura de divertimentos de sua época, para representar,

de forma satírica e com humor, o progresso e a civilidade da Corte. O comediógrafo leva ao

palco do São Pedro de Alcântara os espetáculos que estavam em cartaz nos teatros e nas

ruas da cidade, que convidavam os espectadores para longas horas de entretenimento. Os

divertimentos públicos, mencionados pelo autor nas duas comédias roceiras, como os

cosmoramas e os espetáculos de mágica, eram anunciados diariamente nas páginas dos

periódicos cariocas:

Cosmorama e teatrinho Rua da Vala. Sete magníficas vistas no Cosmorama, e três superiores danças no teatrinho, formam o divertimento deste espetáculo, e no fim das danças se verá fazer o equilíbrio da roda de sege sobre a testa, feita por um sertanejo, vestido e armado ao uso do sertão; sairá de entre os bastidores dançando, fazendo o equilíbrio e executando dificultosas atitudes que farão admirar, sem perder sua grande firmeza.83 FRANCÊS Domingo, 04 do corrente, Mr. Leroux, físico-mor prestidigitador de S. M. o Rei dos franceses, dará lugar à sua vigésima quinta representação, se o tempo o permitir. Primeira Parte – Física experimental. À pedido geral será repetida a linda recreação da máquina aeroestática. Segunda Parte – Prestidigitação. O relógio e o pão – a lira do gênio de Aladim – o maravilhoso nascimento instantâneo das flores. Terceira Parte – A cena da decapitação. Quarta Parte – Jogos hidráulicos, ornados de fogos de cores. Quinta Parte – Fogos diamantinos, tudo será novo. Os bilhetes acham-se à venda no Teatro Francês, lado de São Francisco de Paula, e na Rua do Ouvidor n. 60.84

O diálogo que o comediógrafo estabelece com o universo de divertimentos, os

quais ocupavam os teatros, as ruas e os arredores das igrejas, não se configura apenas como

uma fotografia descritiva e inerte do Brasil de sua época. Por meio das duas peças roceiras,

e de outras em que o autor representa as festividades religiosas populares da Corte, como

82 PENA, 1956, vol. I, p. 79-80. 83 Diário do Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1837. 84 Diário do Rio de Janeiro, 03 de agosto de 1839.

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em O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas, ou os espetáculos líricos no São

Pedro de Alcântara, em O Diletante, "tomamos conhecimento dos espetáculos que

divertiam seus habitantes (a ópera, o teatro de bonecos das praças, os ofícios religiosos), e

assistimos a uma reposição das relações sociais que os governam".85

2.2 O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas: uma fase de transição

Martins Pena não estreou nenhuma peça entre 1841 e 1843, afastando-se,

momentaneamente, do teatro. Em 1844, retornou aos palcos com duas comédias, O Judas

em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas, que dialogam com a cultura popular e

religiosa da Corte: a primeira representa as festividades do Sábado de Aleluia, e a segunda,

as irmandades religiosas, o Dia de Finados e a Festa dos Ossos. Assim como as suas

primeiras composições, essas peças estrearam no encerramento de espetáculos dedicados ao

benefício de atores do São Pedro de Alcântara. Apesar do anonimato, comum aos autores

de pequenas peças cômicas, as obras de Martins Pena eram anunciadas na imprensa

juntamente com a referência às outras comédias que o autor já havia escrito, recuperando,

assim, a boa aceitação pelo público e convidando-o para prestigiar as novas composições.

A peça O Judas em Sábado de Aleluia foi encenada, pela primeira vez, a 17 de

setembro de 1844, no espetáculo em benefício do ator Manoel Soares, que teve como obra

principal a comédia Os Casados em Segredo. Cinco dias depois, foi representada em um

programa que exibiu a tragédia Nova Castro, do português João Batista Gomes Júnior. As

outras representações ocorreram a 09 de abril de 1845, no benefício da dançarina Irene

York, em que foi encenado o drama O Amor de um Padre ou A Inquisição em Roma, de

Louis Antoine Burgain,86 seguido de um dueto da ópera A Colomella e de um bailado; a 25

de julho de 1845, após o drama Fernando Teles; a 03 de agosto do mesmo ano,

85 ARÊAS, 1987, p. 223. 86 Louis Antoine Burgain (1812-1877), também conhecido como Luís Antônio, nasceu na França e veio ainda jovem ao Brasil. Foi poeta, dramaturgo e membro do Conservatório Dramático Brasileiro. Compôs inúmeras peças, dentre as quais se destacam os dramas Glória e Infortúnio ou A Morte de Camões, A Última Assembleia dos Condes Livres e Pedro Sem, Que Já Teve e Agora Não Tem. (Cf. SOUSA, 1960, vol. II, p. 139-140).

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arrematando o programa que exibiu O Homem da Máscara Negra (1840), drama de

Mendes Leal, cujos atos foram entremeados com as apresentações de um dueto lírico e da

dança A Caxuxa; a 29 de janeiro de 1846, no espetáculo em benefício do ator Francisco de

Paula Dias, em que foi encenado o melodrama O Marinheiro de São Tropez (La Dame de

Saint-Tropez, 1844), de Auguste Anicet-Bourgeois (1806-1870) e Adolphe Dennery (1811-

1899), seguido do dançado A Polca;87 e a 27 de janeiro de 1847, em benefício do ator José

Candido da Silva.

Os Irmãos das Almas estreou a 19 de novembro de 1844, no encerramento do

espetáculo beneficente ao ator José Candido da Silva. O programa exibiu o drama O Amor

de um Padre ou A Inquisição em Roma, de Burgain, seguido de um número musical

desempenhado pelo compositor e rabequista português Fernando de Sá Noronha88 e da

comédia O Judas em Sábado de Aleluia:89

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 19 de novembro de 1844, benefício do ator José Candido da Silva. Depois que a orquestra houver executado A Batalha de Almoster, representar-se-á o aparatoso drama em 4 atos, intitulado O Amor de um Padre ou A Inquisição em Roma. (...) No fim da peça o Sr. Noronha, por obséquio ao beneficiado, executará na sua rabeca umas lindas variações de sua composição. Seguir-se-á a muito aplaudida comédia em 1 ato: O Judas em Sábado de Aleluia. Terminará o espetáculo com a linda e nova comédia em 1 ato, intitulada Os Irmãos das Almas, composição do autor do – Juiz de Paz da Roça, Festa da Roça e Judas – peças que todas gozam do favor público. A cena passa-se no Rio de Janeiro, no ano de 1844, em Dia de Finados. Tal é o divertimento que o beneficiado oferece ao respeitável público, com a bem fundada esperança de obter ainda uma vez a sua valiosa proteção. Os bilhetes de camarotes e plateias acham-se à venda em casa do beneficiado, no Largo da Carioca n. 5.90

A peça Os Irmãos das Almas foi representada, novamente, em 15 de dezembro

de 1844, encerrando o espetáculo que exibiu a comédia A Filha de Fígaro. Em 1845,

87 O mesmo programa foi reprisado em 08 de fevereiro de 1846. 88 Fernando de Sá Noronha veio ao Rio de Janeiro, em meados da década de 1840, para trabalhar como compositor e músico do São Pedro de Alcântara. Em 1848, partiu em viagem para se apresentar na Europa e Estados Unidos. Retornou ao São Pedro de Alcântara em junho de 1851, como regente de orquestra. (Informações presentes em uma pequena biografia, publicada pelo periódico A Aurora em 22 de junho de 1851). São de sua composição inúmeras valsas, cançonetas, modinhas e lundus, como o Romance Sem Palavras, Lundu das Moças, Souvenir, Schottische e Romance, cujas partituras foram publicadas pelo Jornal das Senhoras, entre 1852 e 1855. 89 O mesmo programa foi reapresentado em 24 de novembro de 1844, porém sem a peça Os Irmãos das Almas. 90 Diário do Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1844.

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obteve as seguintes representações: a 06 de abril, após a comédia A Mão de Ferro ou As

Educandas de S. Ciro (Les Demoiselles de Saint-Cyr, 1843), de Alexandre Dumas Pai, que

foi entremeada com um terceto e o dançado Os Boleiros; a 27 de abril, em um programa

que apresentou a farsa O Novo Criado de Dois Amos, o baile trágico Mahomed ou O Falso

Profeta e Os Dois ou O Inglês Maquinista; a 27 de julho, após o drama Fernando Teles; e a

01 de novembro, em um programa que exibiu o drama Edite ou A Viúva de Southampton e

os coros da ópera La Prigioni di Edimburgo (1838), de Federico Ricci (1809-1877). Em

1846, foi encenada a 17 de fevereiro, em benefício da viúva e dos filhos do finado ator

português José Joaquim de Barros, em um programa que apresentou o drama Fernando

Teles e uma ária da ópera Nabucodonosor (1842), de Giuseppe Verdi (1813-1901). No ano

seguinte, finalizou o benefício do ator João José do Amaral a 12 de novembro, após a

exibição do drama D. Afonso III (1840), do português Henrique Guilherme de Sousa. Em

1848, encerrou dois programas: a 17 de setembro, após o drama O Marinheiro de São

Tropez, seguido de exibições musicais e de dançados; e a 14 de dezembro, em benefício das

obras de construção da Igreja Nossa Senhora da Lampadosa, espetáculo que exibiu o

melodrama O Sineiro de São Paulo (Le Sonneur de Saint-Paul, 1838), de Joseph

Bouchardy (1810-1870).

Os nomes dos atores da companhia dramática do São Pedro de Alcântara

citados na primeira edição de Os Irmãos das Almas, publicada na década de 1840 por

Francisco de Paula Brito (1809-1861), devem ser, muito provavelmente, os artistas que

atuaram nas representações que mencionamos anteriormente. Assim, nessas encenações, as

personagens foram desempenhadas pelos seguintes atores: Mariana – Gertrudes Angélica

da Cunha; Eufrásia – Maria Amália da Silva; Luísa – Gabriela da Cunha de Vecchy; Jorge

– Luis Antônio Monteiro; Tibúrcio – Manoel Soares; Sousa – José Joaquim Pimentel; e

Felisberto – Pedro Joaquim da Silva.91

91 Os nomes dos atores e as personagens que representaram foram consultados em PENA, Martins. Os Irmãos das Almas. Série Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Imparcial de F. de Paula Brito, [184?].

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2.3 O Auge das Estreias de Martins Pena (1845-1846)

Ao longo de 1845 e 1846, Martins Pena estreou 14 comédias no São Pedro de

Alcântara, sendo 11 em um ato – Os Dois ou O Inglês Maquinista, O Diletante, O

Namorador ou A Noite de São João, Os Três Médicos, O Cigano, O Caixeiro da Taverna,

Quem Casa, Quer Casa, Os Ciúmes de um Pedestre, Os Meirinhos, As Desgraças de uma

Criança e O Segredo de Estado –,92 e três maiores – O Noviço, As Casadas Solteiras e A

Barriga de Meu Tio.93

Após Os Irmãos das Almas, foi encenada, pela primeira vez, em 28 de janeiro

de 1845, Os Dois ou O Inglês Maquinista, peça na qual o autor expõe o tráfico ilegal de

escravos africanos. O anúncio de estreia contextualiza o enredo da comédia, que tem como

referente real a cidade do Rio de Janeiro durante a Noite de Reis do ano de 1844. A menção

a essa festividade do Império é extremamente significativa, já que a peça estreou em

janeiro, mesmo mês em que se homenageiam os Reis Magos e, tendo em vista que a plateia

do teatro se constituía por indivíduos de uma sociedade, majoritariamente, católica e de

raízes culturais portuguesas, Os Dois ou O Inglês Maquinista era um convite ao público,

que veria no palco a representação de uma ordem sociocultural da qual integrava e de

elementos simbólicos que compartilhava.

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 28 de janeiro de 1845, em benefício do ator Francisco de Paula Dias. Subirá à cena o aparatoso drama em 5 atos intitulado A Última Assembleia dos Condes Livres. Findo o drama terá lugar a muito aplaudida cena mímica O Parricida. Rematará o espetáculo a primeira representação da graciosa comédia em um ato, intitulada Os Dois, composição do acreditado autor do Juiz de Paz da Roça, Festa da Roça, Judas e Irmão das Almas. A cena é passada no Rio de Janeiro, em 1844, em Noite de Reis. Os bilhetes vendem-se na Rua da Alfândega n. 207, casa do beneficiado, e no teatro.94

92 Das comédias em um ato escritas pelo autor, Um Sertanejo na Corte, O Jogo de Prendas e a Comédia sem Título são as únicas que não foram representadas. 93 Martins Pena compôs quatro comédias em três atos. Destas, apenas O Usurário, cujo protagonista é um avarento clássico da farsa, não foi representada. 94 Jornal do Commercio, 27 de janeiro de 1845.

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Ainda em 1845, a comédia foi reapresentada em inúmeros espetáculos: a 22 de

abril, finalizando o benefício da atriz Gertrudes Angélica da Cunha, após a encenação da

comédia O Médico Raimundo ou A Família de Villar Henriques;95 a 27 de abril, em um

programa que apresentou a farsa O Novo Criado de Dois Amos, o baile trágico Mahomed

ou O Falso Profeta e Os Irmãos das Almas; a 22 de maio, encerrando um espetáculo

variado, no qual houve a exibição da comédia O Braço Misterioso, seguida pelas

apresentações de um dueto da ópera Lucrezia Borgia (1833), de Gaetano Donizetti (1797-

1848), da tonadilha espanhola96 O Poeta e O Músico (El Músico y El Poeta), do espanhol

Ramón Carnicer (1789-1855), e do baile Mahomed ou O Falso Profeta; a 01 de junho, em

um programa variado que incluiu as farsas Os Irmãos das Almas e O Capitão Sem o Ser,97

um dueto da ópera lírica A Colomella e a dança Os Boleiros; a 15 de junho, após a exibição

do drama O Homem da Máscara Negra; a 19 de junho, rematando um espetáculo lírico em

que foi exibida, pela companhia italiana, a ópera Clara de Rossemberg (Chiara di

Rosembergh, 1834), de Luigi Ricci (1805-1859); a 20 de julho, em um espetáculo variado

que apresentou o vaudeville Uma Rapaziada98 e a comédia em um ato O Aventureiro das

Espanhas, seguida de exibições do dueto da ópera A Colomella e da tonadilha O Poeta e O

95 Em 07 de abril de 1845, Martins Pena incumbiu-se da tarefa de avaliar e emitir um parecer censório da comédia O Médico Raimundo ou A Família de Villar Henriques. A peça foi por ele aprovada para a encenação no São Pedro de Alcântara. (Consultamos o documento "Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao mesmo, para examinar a peça O Médico Raymundo, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 02, 76). 96 A tonadilha é um gênero de comédia musical satírica, de curta duração, que foi muito popular na Espanha do século XVIII. "En nuestro teatro del siglo XVIII, la jácara, el entremés y el sainete, concluían frecuentemente con un número cantado que no era ciertamente – como nos indica Subirá –, el único en estas obras. Esta pieza final fue gradualmente aumentando, a la vez que se desentendía del asunto principal, terminando por desligarse del sainete. Por lo tanto, de apéndice de un intermedio teatral, parcialmente cantado y hablado, se transforma en independiente composición literario-musical, aceptando la música en su totalidad, al menos durante la segunda etapa – de juventud [entre 1758-1770] – de su desarrollo histórico". (VARELA DE VEGA, Juan Bautista. "Origen y desarrollo histórico de la tonadilla escénica". In: Revista de Folklore, Valladolid, Caja España, Fundación Joaquín Díaz, n. 13, tomo 02a, p. 26, 1982). 97 No Conservatório Dramático, Martins Pena foi o responsável por designar, em 02 de maio de 1845, um censor para avaliar a peça O Capitão Sem o Ser. (Consultamos a "Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao censor Ernesto Pires Camargo, para examinar a peça O Capitão Sem o Ser, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 02, 80). 98 O vaudeville foi enviado a Martins Pena em 18 de abril de 1845, para este emitir seu parecer censório. A peça foi por ele aprovada para representação no São Pedro de Alcântara. (Informação obtida no documento "Designação para Martins Penna examinar o vaudeville Uma Rapaziada, a ser representada no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 22, 80).

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Músico; a 31 de julho, na abertura do benefício da dançarina Francisca Farina, que teve em

seu programa os dançados A Polca e A Caxuxa, a representação de Os Irmãos das Almas e

números musicais que incluíram uma ária da ópera O Barbeiro de Sevilha (Il Barbieri di

Siviglia, 1816), de Rossini, e duetos das óperas O Pirata (Il Pirata, 1827) e Os Puritanos (I

Puritani, 1835), ambas de Vincenzo Bellini (1801-1835).

Segundo Vilma Arêas, Martins Pena nutria especial encantamento pelo

Barbeiro de Sevilha, tanto que o teria motivado a inserir elementos dessa ópera-bufa em O

Judas em Sábado de Aleluia e n'As Desgraças de uma Criança.99 Seu gosto pelo Barbeiro

de Sevilha pode ser também justificado pela inclusão de árias dessa composição lírica, e de

outras óperas cômicas de Rossini, em programas teatrais que exibiam as suas peças. Nesse

caso, podemos admitir que Martins Pena exercia certa influência na composição dos

programas em que suas comédias eram representadas.

O Diletante, peça na qual satiriza os muitos diletantes da Corte que travavam

incansáveis contendas na imprensa em defesa das divas líricas italianas, foi a sua seguinte

estreia. A comédia, que traz referências às encenações da ópera Norma (1831), de Bellini,

no São Pedro de Alcântara, recebeu duas representações nesse teatro: a 25 de fevereiro e a

02 de março de 1845. A estreia foi em benefício da atriz Gabriela da Cunha de Vecchy,100

espetáculo que teve como peça principal o drama trágico Norma, uma adaptação, em

versos, feita pela atriz Gertrudes Angélica da Cunha, mãe da beneficiada, do libreto da

ópera homônima de Bellini. A releitura incluía personagens e adornava o enredo com novos

coros compostos por João Victor Ribas, músico-regente da orquestra do teatro.

Um dia antes do espetáculo, o Jornal do Commercio publicou uma nota,

assinada por "O Artista", que comenta o programa escolhido pela atriz. Sobre a estreia da

comédia de Martins Pena, destaca a dedicação do autor em compor comédias populares que

99 Cf. ARÊAS, 1987, p. 242. 100 A atriz portuguesa Gabriela da Cunha de Vecchy (1821-1882) integrou a companhia dramática do São Pedro de Alcântara até 1855, quando se transferiu para a companhia de Joaquim Heliodoro, no Teatro Ginásio Dramático. Gabriela de Vecchy se destacava por sua beleza nos palcos, como aponta o artigo publicado em O Bodoque Mágico a 10 de maio de 1851: "É delicada e também bonita; compreende os papéis de que se incumbe, traja bem e à caráter, pisa com bastante graça, a sua voz é na verdade fraca, o que é pena, pois que se não fora isso seria muito melhor atriz; esforça-se sobremaneira para agradar ao público, merecendo por isso todos os elogios e contemplações".

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levavam ao palco os "vícios" da sociedade brasileira, o que agradava à plateia do São Pedro

de Alcântara:

Uma nova comédia O Diletante subirá também à cena nessa noite. O Diletante depois da Norma! Magnífica lembrança. O público tem reconhecido com aplauso todas as composições do autor do Juiz de Paz da Roça; e faz justiça aos esforços por ele empregados para introduzir nos nossos teatros a comédia popular brasileira. Este gênero de composição agrada sempre ao povo, que vê distintamente no tablado os vícios e ridículos da sociedade, no meio da qual vive, e que passam para ele desapercebidos no lidar de sua vida agitada; mas o poeta cômico apodera-se desses vícios e ridículos e, impiedoso, os expõe à hilaridade pública, e assim os estigmatiza. Avante! O campo é largo, e a colheita imensa. Ridendo castigat mores. Damos os parabéns à Sra. D. Gabriela pela escolha do espetáculo. O Artista.101

A comédia, divulgada no anúncio de estreia como "tragi-farsa"102 –

provavelmente, devido à morte da personagem José Antônio na última cena –, foi

encomendada pela beneficiada, que organizou um programa em homenagem à Norma, a

ópera mais representada no São Pedro de Alcântara, em 1845, pela companhia lírica

italiana da soprano Augusta Candiani. Esta desempenhava o papel de Norma, ao passo que

a mezzo-soprano Margarida Deperini, o de Adalgisa.103 As duas divas arrancavam suspiros

e elogios dos diletantes cariocas que, extasiados com suas vozes, estendiam até a imprensa

suas contendas em defesa das intérpretes.104

Em O Diletante, José Antônio, amante de óperas, revela a presença marcante de

Norma no cotidiano do Rio de Janeiro. A ópera, que estreara no São Pedro de Alcântara a

17 de janeiro de 1844 e, desde então, integrava as récitas semanais, era também o assunto

nas rodas de conversa e cantada por todos nas ruas da cidade:

JOSÉ ANTÔNIO: – Hoje havemos de cantar alguns pedaços da Norma. (Lendo uma música) Qual cor tradiste... Há de ser este dueto. Que música? (Põe à parte)

101 Jornal do Commercio, 24 de fevereiro de 1845. 102 Jornal do Commercio, 08 de fevereiro de 1845. 103 A companhia lírica italiana, contratada em janeiro de 1844, era constituída, além da soprano Augusta Candiani e da mezzo-soprano Margarida Deperini, pelos baixos Archangelo Fiorito e Francisco Massiani, os tenores Angelo Graziani e Giuseppe Deperini, e o bufo cômico Giuseppe Galetti. Em 1845, Clara Delmastro foi agregada à companhia. 104 Luís Antônio Giron reconstitui a disputa em torno das cantoras líricas, travada na imprensa pelos diletantes e críticos teatrais, ao longo das décadas de 1840 e 1850. (GIRON, Luís Antônio. Minoridade Crítica: a ópera e o teatro nos folhetins da Corte (1826-1861). São Paulo: Edusp; Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 119-206).

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O pior é não termos um tenor... Arremediarei. (Lendo outra música) Nel cor più non mi sento... Xi, que isto é velho que é o diabo! (Joga para o lado e procura de novo) Não acho a cavatina. Josefina? Ó Josefina, vem cá. (...) Que fizeste da Casta Diva? JOSEFINA: – Está sobre o piano. (...) Se é para eu cantar, não procuro. Já não posso aturá-la. É maçada! JOSÉ ANTÔNIO: – Que dizes, bárbara? A Casta Diva maçada? Esta sublime produção do sublimíssimo gênio? JOSEFINA: – Será sublimíssima, mas como há algum tempo para cá que eu a tenho ouvido todos os dias cantada, guinchada, miada, assobiada e estropiada por essas ruas e casas, já não a posso suportar. Todos cantam a Casta Diva – é epidemia! JOSÉ ANTÔNIO: – E o mais é que tens razão! Ouve-se daqui: (canta a Casta Diva com voz fanhosa). Ouve-se dali: (canta com voz muito fina). Mais adiante um moleque: (assobia-a). Estragam-na! Assassinam-na! Mas tu cantas bem. (...) JOSÉ ANTÔNIO (só): – É uma louquinha; mas tem bom coração. Por isso quero que encontre um marido que a faça feliz como merece. O amigo Marcelo é homem rico, honesto e bom, ainda que rústico. Coitado, nunca saiu de S. Paulo! É a primeira vez que vem à Corte; anda espantadiço. Só uma coisa desgosta-me nele: o não gostar da música. Levei-o ontem ao teatro para ouvir Norma e dormiu a sono solto durante toda a representação. Dormir, quando se canta a Norma! Isto só faz um paulista dos sertões! Dormir, quando se pode ouvir esse canto incomparável do Cisne da Itália! Infeliz mancebo! Bellini inimitável, rei das almas sensíveis, portento de harmonia, morreste, e tão pouco nos deixaste! Morreste... A terra te seja... Melodiosa!105

Em março de 1845, durante o período da quaresma, Martins Pena estreou O

Namorador ou A Noite de São João, comédia cujas ações se desenvolvem durante uma

festividade popular de raiz católica, a Festa de São João Batista. A peça fora anunciada para

o encerramento do espetáculo beneficente em favor do ator Germano Francisco de Oliveira,

a ocorrer no dia 04 de março de 1845;106 no entanto, com o cancelamento da apresentação,

devido ao adoecimento da atriz Ludovina Soares,107 a estreia deu-se a 13 de março, em um

programa que exibiu, como peça principal, a tragédia Fayel (1770), do francês François- 105 PENA, 1956, vol. I, p. 215-216. 106 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 04 de março de 1845. Em benefício do artista dramático Germano Francisco de Oliveira, representar-se-á a muito acreditada tragédia em 5 atos: Fayel. Terminando o espetáculo com a nova comédia em um ato, escrita pelo hábil autor do Juiz de Paz da Roça, Judas em Sábado de Aleluia, Irmãos das Almas, Os Dois e O Diletante, que tem por título: A Noite de S. João. A cena passa-se no Rio de Janeiro em uma chácara; e além de sua distribuição, finaliza com um pequeno mas lindo fogo de artifício. O beneficiado espera merecer a proteção do público, a quem se confessa agradecido. Os bilhetes acham-se à venda em casa do beneficiado, Rua do Núncio n. 12, loja". (Jornal do Commercio, 01 de março de 1845). 107 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Em consequência de se achar incomodada a primeira atriz Ludovina Soares da Costa, não pode ter lugar hoje, 04 de março, o benefício do ator Germano Francisco de Oliveira, que se acha anunciado, o qual fica transferido para quinta-feira, 13 do corrente". (Diário do Rio de Janeiro, 04 de março de 1845).

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Thomas-Marie de Baculard d'Arnaud (1718-1805). Martins Pena, um mês antes, em 02 de

fevereiro de 1845, como segundo secretário do Conservatório Dramático, designara a si

próprio para a avaliação censória de Fayel, aprovando a peça para representação no São

Pedro de Alcântara.108 O Namorador ou A Noite de São João teve apenas mais uma

exibição, a 18 de janeiro de 1846, finalizando o programa em que foi encenado o drama

Luis de Camões, de Burgain.

Os Três Médicos foi a seguinte estreia do comediógrafo. A peça, que satiriza a

medicina dos alopatas, hidropatas e homeopatas, estreou a 03 de junho de 1845, no

espetáculo em benefício da atriz Ludovina Soares, após a exibição do drama português O

Homem da Máscara Negra. A temática em torno da homeopatia havia sido encenada no

palco do São Pedro de Alcântara em espetáculo de 18 de maio de 1843, quando estreou o

vaudeville A Homeopatia (L'Homéopathie, 1836), de Narcisse Fournier (1809-1880) e

Edmond de Biéville (1814-1880). Martins Pena reconstruiu o tema, conhecido por sua

plateia, a partir da sátira das teorias medicinais e das propagandas de serviços médicos e de

remédios veiculadas pelas páginas do Jornal do Commercio. A personagem Cautério, um

médico adepto da medicina tradicional, comenta sobre as matérias trazidas pelo periódico

fluminense, que divulgavam, por exemplo, as técnicas medicinais extravagantes dos

homeopatas, os quais seriam, a seu ver, "charlatães":

CAUTÉRIO (levantando-se): – E essa súcia de inovadores, magnetizadores, hidropatas e homeopatas com que lutamos todos os dias? (Tira um Jornal do Comércio da algibeira) Aqui estão nestas colunas as mais nojentas diatribes, os mais asquerosos insultos que esses charlatães cospem em nossa face. LINO: – Nunca gostei destas descomposturas...109

Em Os Dois ou O Inglês Maquinista, Felício, um jovem funcionário público

que lia, assiduamente, o Jornal do Commercio, se sente incomodado com os inconvenientes

classificados de remédios milagrosos, que tanto invadiam as páginas do periódico:

108 Informação obtida no documento "Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao próprio, para examinar a peça Fauyel, a ser encenada no Teatro de São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 02, 66. 109 PENA, 1956, vol. I, p. 248.

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FELÍCIO (largando o Jornal sobre a mesa com impaciência): – Irra, já aborrece! CLEMÊNCIA: – O que é? FELÍCIO: – Todas as vezes que pego neste jornal, a primeira coisa que vejo é: "Chapas medicinais e Unguento Durand." Que embirração! NEGREIRO: – Oh, oh, oh! CLEMÊNCIA: – Tens razão, eu mesmo já fiz este reparo. NEGREIRO: – As pílulas vegetais não ficam atrás, oh, oh, oh!110

Após Os Três Médicos, a comédia O Cigano, que expõe o enriquecimento

ilícito de Simão, vendedor de produtos contrabandeados, estreou a 15 de julho de 1845, em

benefício do ator Florindo Joaquim da Silva.111 O programa apresentou o drama Ângelo,

Tirano de Pádua, entremeado por um terceto lírico cantado por York, Farina e Henriqueta

Pessina. O reprise da peça ocorreu dois dias depois, a 17 de julho, com o mesmo programa.

O Noviço, primeira comédia de Martins Pena em três atos, estreou a 10 de

agosto de 1845, como parte principal do programa teatral:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Companhia Dramática. Domingo, 10 de agosto de 1845. 47ª Récita da assinatura. 1ª Representação da comédia original em 3 atos O Noviço pelo autor do Juiz de Paz da Roça, Os Dois, Os Irmãos das Almas e de outros. A cena passa-se no Rio de Janeiro, em 1845. No fim da comédia a cantora Candiani executará, acompanhada de coros, a brilhante ária da ópera Nabucodonosor. Terminará o espetáculo com o novo drama em 1 ato, traduzido do original francês, e entremeado de música, intitulado O Complacente ou O Vestuário de Palhaço, em qual cantarão os atores Manoel Soares, Monteiro, José Candido e Caqueirada, e as atrizes Gertrudes, Maria Amália e Clotilde. Os bilhetes vendem-se no escritório do teatro. Principiará às 7 horas e meia.112

A comédia voltou a ser encenada em três espetáculos no ano de 1845: a 17 de

agosto, em um programa finalizado pela estreia da pequena peça cômica A Mania de

Representar; a 25 de setembro, em benefício do ator João José do Amaral, espetáculo que

incluiu, nos entreatos de O Noviço, duetos das óperas La Cenerentola e L'Italiana in Algeri

(1813), de Rossini, cantados por Augusta Candiani, José Candido, Francisco Massiani e

110 PENA, 1956, vol. I, p. 97-98. 111 O ator brasileiro Florindo Joaquim da Silva (1814-1893) trabalhou na companhia dramática do São Pedro de Alcântara até o final da década de 1840. Em 1851, organizou, no Teatro de São Francisco, uma pequena empresa teatral. Sobre sua atuação, assim nos informa O Bodoque Mágico de 10 de maio de 1851: "É um dos nossos melhores atores. Tem muita queda para papéis trágicos e abnegação para os ternos e amorosos; tem conhecimento da cena; sua voz é mui forte e sonora, sua figura é comportável; verdade é que tem alguns defeitos mímicos nos transportes, porém, a prática e seus bem conhecidos esforços hão de emendá-los". 112 Jornal do Commercio, 09 de agosto de 1845.

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Eckerlin, e no encerramento, a farsa O Recrutamento na Aldeia; a 09 de novembro, em um

programa que recheou seus entreatos com a exibição de uma ária de Roberto Devereux

(1837) e um dueto de O Elixir de Amor (L'Elisir d'Amore, 1832), óperas de Donizetti, e

concluído pela farsa dançada As Três Polcas.

Em 1846, a peça O Noviço foi representada a 03 de junho, em caridade à

Imperial Sociedade Amante da Instrução, instituição que acolhia e educava crianças órfãs.

No programa, os intervalos da comédia foram recheados com árias e duetos de óperas

italianas.113 No ano seguinte, foi reprisada a 07 de agosto, em benefício da Irmandade de

Nossa Senhora do Socorro da Capela de São Cristóvão, em um programa repleto de

números musicais – cantados por membros da companhia lírica italiana –, e encerrado pela

comédia Quem Casa, Quer Casa.

O ator Manoel Soares organizou um benefício a 18 de novembro de 1845,

incluindo em seu programa duas comédias inéditas de Martins Pena: Bolingbroch e Comp.

ou As Casadas Solteiras114 e O Caixeiro da Taverna.

113 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Quarta-Feira, 03 de junho de 1846. Terá lugar o benefício concedido à comissão de caridade da Imperial Sociedade Amante da Instrução, em favor dos alunos órfãos e pobres socorridos e educados pela mesma Imperial Sociedade e ilustrado povo fluminense. A companhia dramática, depois da orquestra executar a ouverture da Batalha de Almoster, representará o belo drama, em 3 atos, intitulado O Noviço, composição do Sr. Pena, e que tem sempre merecido os aplausos do público. Nos intervalos, a Sra. D. Augusta Candiani cantará a ária do Barbeiro de Sevilha; os Srs. Massiani e Eckerlin cantarão o dueto das Pistolas; e o Sr. Carlos Wynen tocará lindas variações na rabeca; a Sra. Candiani e este Sr. prestam-se por sua reconhecida bondade e obséquio. Terminará o espetáculo com a jocosa e sempre aplaudida farsa O Recrutamento na Aldeia. A comissão de caridade da Imperial Sociedade Amante da Instrução, sempre reconhecida à bondade e filantropia do público, espera ter mais esta ocasião para renovar os seus protestos de estima e de agradecimento. O resto dos bilhetes acham-se à venda no escritório do teatro". (Diário do Rio de Janeiro, 03 de junho de 1846). 114 As Casadas Solteiras é uma imitação de Martins Pena, com adaptações dos cenários e modificações no enredo, da peça francesa Les Trois Dimanches (1838), dos irmãos Cogniard e de Jules Cordier. (Cf. ARÊAS, 1987, p. 203). Na atividade teatral fluminense da época, eram comuns as imitações de peças francesas. Uma imitação não era uma pura tradução; muito era acrescentado, suprimido ou modificado do enredo original, a exemplo das adaptações pelas quais passou o melodrama francês A Graça de Deus (La Grâce de Dieu ou La Nouvelle Fanchon, 1841), de Adolphe Dennery, em montagem realizada pelo Teatro de São Francisco, em fevereiro de 1845. Seus versos foram trocados por uma tradução em "vulgar" e as canções, substituídas por composições de Noronha: "A Graça de Deus é por ventura um dos dramas do repertório francês que muito tem agradado, sempre que se representa em qualquer teatro, com muita concorrência e aplausos (...). O Sr. João Caetano dos Santos, querendo descansar das tragédias, fez-lo traduzir em vulgar, e a entregou ao Sr. Noronha para a ornar de música, pois que, além daquela com que se representa no Teatro Francês, quis mais, e aquela a achou mesquinha para as situações. (...) O Sr. Noronha nada conservou da música antiga; e, ou porque assim o quisesse o tradutor, ou este de combinação com o compósito, o certo é que ela tem muito mais música, e toda em situações admiravelmente adequada". (Jornal do Commercio, 11 de fevereiro de 1845).

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Teatro de S. Pedro de Alcântara. Récita a benefício do ator Manoel Soares. Terça-Feira, 18 de novembro de 1845. Primeira representação da comédia em 3 atos Bolingbroch e Comp. ou As Casadas Solteiras. Imitação por L. C. M. Pena. O 1º ato passa-se em Paquetá – A festa de S. Roque. O 2º ato, na Bahia – A fugida. O 3º ato, na corte – Vingança e reparação. Depois da comédia, a Sra. D. Gabriela da Cunha de Vecchy e o Sr. José Candido da Silva, em obséquio ao beneficiado, cantarão uma engraçada Tirana Espanhola. Os mais intervalos serão anunciados pelos cartazes. Dará fim ao espetáculo a comédia em um ato O Caixeiro da Taverna, pelo mesmo autor. O beneficiado, escolhendo um espetáculo todo de composição de um autor nacional, que tantos aplausos tem merecido do ilustrado público desta capital em suas diversas produções, julgou granjear a aprovação do mesmo público, e de seus amigos, de quem espera proteção. N. B. Os bilhetes acham-se à disposição do público na casa do beneficiado, Rua do Piolho n. 85.115

As duas peças foram novamente exibidas a 23 de novembro, cinco dias depois

da estreia. Nos intervalos de As Casadas Solteiras, os cantores líricos Angelo Graziani,

Augusta Candiani e Francisco Massiani interpretaram duetos das óperas O Barbeiro de

Sevilha e A Colomella. O Caixeiro da Taverna retornou ao palco do São Pedro de

Alcântara em mais três exibições, que ocorreram a 30 de novembro de 1845, em um

espetáculo que apresentou o drama A Justiça de Deus; a 25 de janeiro de 1846, após o

drama Luis de Camões, de Burgain; e a 06 de dezembro de 1846, finalizando o programa

que teve como peça principal a comédia As Memórias do Diabo.

Em O Caixeiro da Taverna, Martins Pena coloca em foco os caixeiros,

funcionários de estabelecimentos comerciais, responsáveis pelos pagamentos e cobranças.

Na peça, o caixeiro Manoel administra com mãos de ferro a taverna da viúva Angélica,

cobrando os clientes devedores, até mesmo, em anúncios publicados no Jornal do

Commercio. Novamente, o comediógrafo leva a imprensa ao palco teatral, expondo à

plateia as várias funções que os periódicos desempenhavam na vida urbana: além de

instrumentos que se destinavam à informação político-econômica dos fluminenses, também

eram facilitadores de práticas comerciais, fontes de entretenimento e divulgadores de

manifestações culturais. Martins Pena era, sem sombras de dúvida, um leitor assíduo do

Jornal do Commercio. Sabiamente, retirava de suas páginas, nos anúncios e artigos,

questões para serem representadas e satirizadas nas comédias, que abordavam no palco do

115 Jornal do Commercio, 12 de novembro de 1845.

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São Pedro de Alcântara uma galeria de personagens, costumes e comportamentos

reconhecíveis pelos espectadores.

A primeira edição de O Caixeiro da Taverna, publicada na década de 1840, traz

os nomes dos atores da companhia dramática do São Pedro de Alcântara que

desempenharam os papéis dessa comédia. Assim, os seguintes artistas podem ter atuado nas

representações que mencionamos anteriormente: Manoel, caixeiro – Manoel Soares;

Angélica – Gertrudes Angélica da Cunha; Deolinda – Maria Amália da Silva Monteiro;

Francisco – Luis Antônio Monteiro; Quintino – Pedro Joaquim da Silva; Antonio –

Joaquim Monteiro Ramos.116 Como a comédia foi encomendada por Manoel Soares, o

artista beneficiado, Martins Pena pode ter feito uma brincadeira ou homenagem ao nomear

os protagonistas da peça com os nomes próprios dos atores que os desempenharam: Manoel

e Angélica.

A comédia-provérbio Quem Casa, Quer Casa, que trata com muito humor dos

conflitos de convivência entre os membros de uma família, estreou a 05 de dezembro de

1845, no encerramento do espetáculo beneficente ao ator José Candido da Silva, que teve

como peça principal o drama francês A Chave Falsa ou O Filho Ladrão, seguido da

exibição de um dueto da burleta O Sapateiro e do dançado A Polca. A comédia foi

reapresentada em 07 e 14 de dezembro de 1845 e em 01 de janeiro de 1846 – espetáculo de

gala em comemoração ao Ano-Bom –, com o mesmo programa da estreia, variando apenas

o repertório musical. Posteriormente, teve uma exibição a 21 de maio de 1846, após o

drama francês O Ambicioso Político; a 07 de agosto de 1847, em benefício da Irmandade de

Nossa Senhora do Socorro, finalizando a encenação de O Noviço; e a 26 de outubro de

1848, em benefício do ator João José do Amaral, em um programa que apresentou o drama

Inês ou A Queda de um Ministro, seguido de apresentações líricas.

Em Quem Casa, Quer Casa, Martins Pena dialoga novamente com os

espetáculos do São Pedro de Alcântara. Depois de levar ao palco do teatro cenas cômicas e

personagens que faziam referências aos espetáculos mágicos, em O Juiz de Paz da Roça e

A Família e A Festa da Roça, e às óperas românticas italianas, em O Diletante, agora, o 116 Os nomes dos atores e as personagens que representaram foram consultados em PENA, Martins. O Caixeiro da Taverna. Série Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Imparcial de F. de Paula Brito, [184?].

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comediógrafo se volta aos rabequistas, os quais, desde 1844, se apresentavam no São Pedro

de Alcântara, como o português Fernando de Sá Noronha. Em sua comédia, o autor dá vida

a Eduardo, um rabequista amador que se espelha nos músicos que se exibiam no teatro e

sonha em se tornar um célebre compositor, aplaudido por toda a Europa. Porém, Eduardo

não logra sucessos, nada consegue compor de original em sua rabeca, apenas desafinados

acordes e um modo inusitado de tocá-la:

EDUARDO: – Ah, desde a noite em que pela primeira vez ouvi no Teatro de S. Pedro de Alcântara os seus harmoniosos, fantásticos, salpicados e repinicados sons, senti-me outro. Conheci que tinha vindo ao mundo para artista rabequista. Comprei uma rabeca – esta que aqui vês. Disse-me o belchior que a vendeu, que foi de Paganini. Estudei, estudei... Estudo, estudo... (...) Até agora esses aprendizes de rabeca desde Saëns até Paganini, coitados, têm inventado somente modificações do modo primitivo: arco para aqui ou para ali... Eu, não, inventei um modo novo, estupendo e desusado: eles tocam rabeca com o arco, e eu toco a rabeca no arco – eis a minha descoberta! (Toma o arco na mão esquerda, pondo-o na posição da rabeca; pega nesta com a direita e a corre sobre o arco) É esta a invenção que há de cobrir-me de glória e nomeada e levar meu nome à imortalidade... Ditoso Eduardo! Grande homem! Insigne artista!117

A seguinte composição de Martins Pena, Os Ciúmes de um Pedestre, foi

impedida de estrear no São Pedro de Alcântara, em espetáculo a 29 de janeiro de 1846,

devido à censura do Conservatório Dramático.118 O anúncio do programa comunicou aos

espectadores, dois dias antes da exibição, a escolha de O Judas em Sábado de Aleluia para

ser representada em seu lugar:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Quinta-Feira, 29 de janeiro de 1846. Em benefício do ator Francisco de Paula Dias, terá lugar o seguinte espetáculo: depois de uma escolhida sinfonia, abrir-se-á a cena para a primeira representação do excelente drama em 5 atos: O Marinheiro de Saint-Tropez ou O Envenenamento. Denominação dos atos: 1º – O credor e o consórcio; 2º – A estalagem e o encontro; 3º – A intriga; 4º – O envenenamento; 5º – O crime em flagrante. Logo que termine a representação do drama, os atores José Candido da Silva, Gabriela da Cunha Vecchy, Germano Francisco de Oliveira e Maria

117 PENA, 1956, vol. I, p. 478-479. 118 A partir da Resolução Imperial de 28 de agosto de 1845, o Conservatório Dramático passou a desempenhar uma censura ainda mais ferrenha. O impedimento de representação tornava-se obrigatório "quando as obras censuradas pecarem contra a veneração à nossa Santa Religião, contra o respeito devido aos Poderes Políticos da Nação e às Autoridades constituídas, e contra a guarda da moral e da decência pública". Essa resolução vinha transcrita no formulário entregue aos censores do Conservatório Dramático, para estes emitirem seus pareceres sobre as obras dramáticas avaliadas.

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Amália Monteiro, por especial obséquio, dançarão a engraçada e aplaudida Polca. Seguindo-se, para terminar o espetáculo, a representação da comédia em 1 ato: O Judas em Sábado de Aleluia. Não podendo dar-se a outra que foi anunciada, em consequência de ter sido proibida pela autoridade policial do teatro. Os bilhetes vendem-se em casa do beneficiado, Rua da Alfândega n. 207.119

Os dois censores do Conservatório que analisaram Os Ciúmes de um Pedestre,

Luiz Honório Vieira Souto e André Pereira Lima, acreditavam que a peça parodiava a

tragédia Otelo, colocando João Caetano, o grande intérprete dessa personagem nos palcos,

em situação embaraçosa diante de seu público. Os censores justificaram a reprovação,

afirmando também que a comédia de Martins Pena fazia alusões diretas a eventos reais

ocorridos na Corte e noticiados pela imprensa, como a deportação de um português que

fora pego no telhado de uma casa tentando invadi-la para capturar uma moça de família, e o

caso judicial de um proprietário de escravos que jogara ao mar, enrolado em um saco, um

escravo de sua posse que morrera.120 Pelo excesso de verossimilhança, imoralidades e por

ridicularizar a atuação cênica de João Caetano em Otelo, a peça foi reprovada por duas

vezes.

Martins Pena, em carta ao amigo e primeiro secretário do Conservatório

Dramático, José Rufino Rodrigues de Vasconcelos, lamenta a censura da comédia, e com o

humor costumeiro em suas peças, critica a insustentável justificativa dada pelos censores:

Amo. Rufino Seruí, 05 de janeiro de 1846. Muito boas festas, e a toda a tua família. Aí te reenvio a comédia o Pedestre, com as emendas pedidas pela censura. Deus me dê paciência com a censura! Muito custa a ganhar a vida honradamente... Melhor é roubar os cofres da Nação, para isso não há censura. À vista temos que conversar sobre a destanhatória censura desta coitada! Julgo que está com catarata na inteligência, pois viu um ataque a João Caetano, onde não havia senão uma simples paródia do Otelo; paródia que se permitem em toda a parte do mundo... É verdade que estas partes de mundo estão mais civilizadas, ou a literatura não está enleiada... Tinha muito que dizer mas não estou para isso... Logo que o Bivar tiver licenciado a comédia peço-te encarecidamente que a remetas pelo correio a Paulo Dias [ator Francisco de Paula Dias, da companhia

119 Diário do Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1846. 120 Cf. SOUZA, 2002, p. 161-163.

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dramática do São Pedro de Alcântara], que deve estar aflitíssimo... Sem paciência com esta encomenda.121

Após modificações no texto, sugeridas pelo Conservatório, a comédia,

renomeada O Terrível Capitão do Mato, foi submetida por Martins Pena, pela terceira vez,

ao órgão censor. Com a aprovação, em 30 de março de 1846, a peça estreou a 05 de julho

do mesmo ano, em um espetáculo que exibiu como peça principal o drama O Roubo do

Diamante ou A Filha do Proscrito. A segunda exibição ocorreu 14 dias depois, a 19 de

julho, finalizando o programa que representou o drama Dinheiro, Glória e Mulheres.

Nessas apresentações, o ator Luis Antônio Monteiro desempenhou o papel do Capitão do

Mato.

A comédia Os Meirinhos estreou no encerramento do espetáculo beneficente

em favor da atriz Grata Nicolini,122 que exibiu a comédia O Amigo Grandet, árias de óperas

e um dançado. O espetáculo, que deveria ocorrer a 10 de fevereiro de 1846,123 foi adiado

para o dia 14 do mesmo mês. Com certa frequência, os espetáculos teatrais eram

cancelados, por causa do mau tempo, do adoecimento de artistas, ou devido ao atraso no

preparo das peças (ensaios dos atores, confecção dos cenários e figurinos). A comédia foi

reapresentada no dia seguinte, a 15 de fevereiro, finalizando o programa que teve como

peça principal o drama O Marinheiro de São Tropez.

As Desgraças de uma Criança124 foi somente encenada em sua estreia, a 10 de

maio de 1846. O programa apresentou como título principal o drama A Carteira ou As

Duas Famílias. O protagonista da comédia de Martins Pena foi confiado ao ator Victor

121 "Carta a José Rufino Rodrigues de Vasconcelos sobre a censura de Os Ciúmes de um Pedestre", Biblioteca Nacional, Coleção Martins Pena, I - 06, 27, 14, nº 01. 122 A atriz portuguesa Grata Nicolini, que se apresentara em teatros do Porto e de Lisboa, debutou no São Pedro de Alcântara a 10 de março de 1844. (Informação obtida em anúncio publicado pelo Diário do Rio de Janeiro a 09 de março de 1844). 123 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Terça-Feira, 10 de fevereiro de 1846. Benefício da atriz Grata Nicolini. Depois de executada a ouverture da ópera Guilherme Tell, terá lugar a primeira representação da comédia em 3 atos O Amigo Grandet ou Guerra às Namoradeiras. Seguir-se-á pelo Sr. Massiani, a interessante ária com coros, da ópera As Prisões D'Edimburgo. Depois da qual, os Srs. José Candido da Silva, Luis Antônio Monteiro e as Sras. Gabriela Augusta da Cunha e Clotilde Benedita dançarão a sempre aplaudida Polca. Rematará o espetáculo com a primeira representação da comédia em 1 ato, pelo Sr. L. C. M. Pena, intitulada Os Meirinhos. N. B. – Os bilhetes podem ser procurados em casa da beneficiada, Rua do Piolho n. 18, 2º andar". (Diário do Rio de Janeiro, 09 de fevereiro de 1846). 124 A comédia foi anunciada pelo Jornal do Commercio, em 09 de maio de 1846, como As Desgraças de uma Criancinha.

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Porfírio de Borja, que retornava à companhia dramática do São Pedro de Alcântara, depois

de se ausentar por um curto período, quando integrou a companhia de outro teatro

fluminense.

Martins Pena redigiu a comédia O Segredo de Estado, imitação de uma peça

estrangeira, para ser representada em benefício da atriz Ludovina Soares, a 29 de julho de

1846. A obra cômica é atualmente desconhecida, pois nunca foi publicada e nem seu

manuscrito encontrado. Ludovina Soares se esforçara para promover um programa que

agradasse ao público; para tanto, incluiu um melodrama inédito, Maria Joana ou A Mulher

do Povo (Marie-Jeanne ou La Femme du Peuple, 1845), de Adolphe Dennery e Mallian.125

A seguinte e última exibição de O Segredo de Estado foi a 02 de agosto de 1846, com o

mesmo programa teatral.

***

As peças de Martins Pena estrearam, e foram frequentemente reprisadas, em

espetáculos dedicados ao benefício de atores da companhia dramática do São Pedro de

Alcântara, tais como Ludovina Soares, Manoel Soares, José Candido da Silva e Francisco

de Paula Dias.126 Isso demonstra a estreita relação que o autor mantinha com os artistas do

teatro, que lhe encomendavam peças cômicas para compor os programas beneficentes.

Então, concluímos que suas comédias agradavam a plateia, socialmente heterogênea, do

São Pedro de Alcântara, pois, em espetáculos beneficentes, os atores procuravam encenar

obras que fossem apreciadas pelos espectadores, para assim atraí-los ao teatro e garantir

uma boa receita com a venda dos bilhetes.

125 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Quarta-Feira, 29 de julho de 1846. Benefício da primeira atriz Ludovina Soares da Costa. Haverá o espetáculo seguinte: uma escolhida sinfonia servirá de prelúdio à primeira representação do drama em 5 atos e 6 quadros Maria Joana ou A Mulher do Povo, original francês, por M. M. Dennery e Mallian. Denominação dos atos: 1º – Os dois casamentos; 2º – O roubo; 3º – Ela está louca; 4º – A doida com juízo; 5º – O médico desmascarado. Os entreatos serão preenchidos com agradáveis overturas e terminará o espetáculo a 1ª representação do drama em 1 ato O Segredo de Estado. Imitação pelo Sr. L. C. M. Pena. A beneficiada sempre cuidadosa em merecer a atenção do público desta corte jamais deixará de empenhar todas as suas forças para bem agradar-lhe. Os bilhetes acham-se à venda em casa da beneficiada, Rua do Cano, n. 72". (Diário do Rio de Janeiro, 29 de julho de 1846). 126 O anexo "As Estreias de Martins Pena em Espetáculos Beneficentes" traz uma tabela que identifica os espetáculos beneficentes em que estrearam as comédias de Martins Pena.

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Além dos benefícios, suas comédias foram representadas em espetáculos

comuns e em programas de gala, a exemplo de Quem Casa, Quer Casa, encenada a 01 de

janeiro de 1846 em comemoração ao Ano-Bom – festividade oficial do Império –, e Os

Dois ou O Inglês Maquinista, exibida a 19 de junho de 1845 no encerramento de um

programa que teve como peça principal uma ópera lírica italiana.

As obras cômicas de Martins Pena se inseriam no modelo de programa teatral

típico apresentado pela companhia dramática do São Pedro de Alcântara. O espetáculo

iniciava-se com a ouverture de uma ópera, desempenhada pela orquestra do teatro:

geralmente, prelúdios de La Gazza Ladra (1817), Guillaume Tell (1829), La Cenerentola e

L'Italiana in Algeri, óperas de Rossini; e de A Batalha de Almoster, uma sinfonia

portuguesa. Em seguida, exibia-se a peça principal em três ou cinco atos, que poderia ser

uma comédia, um drama histórico, um melodrama ou uma tragédia. O repertório era

constituído, principalmente, por obras portuguesas, espanholas e francesas; no entanto,

desde o final da década de 1830, o São Pedro de Alcântara já encenava peças escritas por

autores brasileiros, como as tragédias Antônio José ou O Poeta e A Inquisição e Olgiato, de

Gonçalves de Magalhães, os dramas do franco-brasileiro Louis Antoine Burgain e as

comédias em três atos de Martins Pena. Os entreatos das peças principais eram recheados

com coros, árias, duetos e tercetos de óperas clássicas e românticas, cantados pelos artistas

italianos Augusta Candiani, Clara Delmastro, Angelo Graziani e Francisco Massiani. Com

muita frequência, também eram desempenhadas tonadilhas espanholas, dançados e

pantomimas. Às vezes, esses números musicais e de dança, apresentados como intermezzo,

subiam ao palco após o final da peça principal, a depender da extensão dos atos e quadros

desta. Por fim, a representação de uma farsa encerrava a noite de entretenimento.

É esse espaço, o das pequenas peças cômicas, que Martins Pena passou a

ocupar a partir da estreia de O Juiz de Paz da Roça, levando ao palco do São Pedro de

Alcântara o cotidiano sociocultural de sua própria plateia, por ele satirizada. O diálogo que

travou com a cultura de divertimentos públicos – espetáculos teatrais e comemorações de

dias santos –, somado ao fato de que a grande maioria de suas comédias foram

encomendadas por atores, demonstram o caráter circunstancial de suas obras cômicas,

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"escritas para serem imediatamente representadas – e de fato o foram, com grande sucesso,

como o provam os comentários nos jornais e as representações".127

Martins Pena não era apenas o comediógrafo do São Pedro de Alcântara, que

redigia comédias sob encomenda dos atores, mas também um participante crítico das

decisões tomadas pela diretoria e companhia dramática dessa casa de espetáculos. Em carta

ao amigo José Rufino, opina sobre a escolha da atriz Grata Nicolini para representar um

papel no lugar da célebre Ludovina Soares:

E a "noite de Castillo?" É uma sina esta nossa! Tanto trabalhamos para tanto nos desgastarmos. Não será sofrível darem o papel da Ludovina a Grata? Lá falaremos no domingo que pretendo estar na cidade. Há quinze dias que estou fora da cidade e não sei o que se passa lá pelo teatro. É preciso pôr-me em dia para podermos falar. Até lá.128

Ao que tudo indica, o autor também exercia certa influência na organização dos

programas que exibiam as suas comédias, escolhendo as óperas que seriam cantadas nos

intervalos das peças principais. Não nos esqueçamos que Martins Pena tinha formação

musical e conhecia muito bem o repertório lírico italiano, como ficou evidente em seus

folhetins do Jornal do Commercio. Nos programas que encenavam O Noviço, os entreatos

da comédia eram recheados com exibições líricas, especialmente duetos e árias de óperas

de Rossini, compositor muito exibido no São Pedro de Alcântara, e cujas obras, como O

Barbeiro de Sevilha, eram apreciadas pelo comediógrafo.

Ademais, Martins Pena encaminhava ao Conservatório Dramático, para análise

censória, peças a serem encenadas no São Pedro de Alcântara, tais como A Filha de Fígaro,

Fayel, O Velho Perseguido e diversas farsas.129 O autor seria o tradutor dessas obras que

submetia à censura? Sobre isso, nada podemos afirmar com total certeza, mesmo sabendo

que não seria algo impossível, tendo em vista que o comediógrafo era proficiente em

francês e trabalhara, anos antes, como tradutor no periódico Gabinete de Leitura. Sabemos 127 ARÊAS, 1987, p. 142. 128 "Carta a José Rufino Rodrigues de Vasconcelos sobre a censura de Os Ciúmes de um Pedestre", Biblioteca Nacional, Coleção Martins Pena, I - 06, 27, 14, nº 01. 129 Dentre as farsas que Martins Pena encaminhou à censura do Conservatório Dramático, citamos: O Tolo, Astúcias de Sanguizarra, A Banda Vermelha e O Cirurgião Ana Tonico, os Ladrões e Defuntos Vivos. (Os títulos foram consultados na Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, depositada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro).

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que, ao submeter tais peças ao Conservatório Dramático, Martins Pena, o segundo

secretário dessa instituição, ali representava os interesses da companhia dramática do São

Pedro de Alcântara. Como censor, aprovou inúmeras peças que recebia para avaliação,

submetidas pelo diretor do teatro, José Antônio Tomás Romeiro, a exemplo do drama

Paulo e Virgínia.130

2.4 Na Trilha do Melodrama: enredo histórico, cenários europeus e personagens

nobres

O São Pedro de Alcântara possuía um extenso repertório de melodramas

franceses e portugueses, encenados com muita frequência. Inspirado por essas

composições, Martins Pena enveredou pelo gênero, compondo cinco peças: Fernando ou O

Cinto Acusador (1837), D. João de Lira ou O Repto (1838), Itaminda ou O Guerreiro de

Tupã (1838), D. Leonor Teles (1839) e Vitiza ou O Nero de Espanha (1840-1841).131

Apesar de tê-los escrito, somente Vitiza ou O Nero de Espanha foi

representado. A peça, que segue a linha típica de enredo dos melodramas históricos,

apresentando um fio condutor de temática amorosa, personagens históricas, cenários

europeus faustosos e assassinatos cometidos por um nobre tirano, foi tida como uma aposta

de sucesso pela direção do São Pedro de Alcântara, que não poupou esforços para levá-la à

cena com toda a pompa que fizesse jus ao seu texto teatral:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Consta-nos que se acha em ensaios, e que brevemente subirá à cena no Teatro de S. Pedro, um drama original em 5 atos e em verso, pelo autor das comédias O Noviço, O Inglês Maquinista, Irmão das Almas, etc. Esse drama, que se intitula Vitiza ou O Nero de Espanha, é extraído das crônicas espanholas do tempo dos reis Godos. Afirmam-nos que o Sr. Romeiro, inspetor de cena, desvela-se em que o drama suba à representação com todo o primor e pompa, e que assim dirigido fará grande efeito em cena, tanto pelo interesse e vivacidade da intriga, como pelo aparato de todos os seus atos. Ansiosos esperamos pela noite da representação, e

130 Informação obtida no documento "Designação para Luís Carlos Martins Pena examinar a peça Paulo e Virgínia", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 03, 14, nº 09. 131 As datas de composição dos melodramas de Martins Pena foram consultadas em DAMASCENO, Darcy. "Introdução". In: PENA, 1956, vol. I, p. 09-10.

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sem dúvida o público acostumado a rir-se com as graciosas comédias do mesmo autor, nos acompanhará nesse desejo curioso de ver como escreve ele no gênero trágico. É sem dúvida digna de louvor a diretoria do Teatro de S. Pedro, por animar e proteger a escritores nacionais. Só assim teremos um teatro brasileiro; e a nosso ver é esse o mais valioso documento que a diretoria pode exibir, quando requer ao corpo legislativo loterias para manutenção do teatro nacional. C.132

A estreia do drama ocorreu a 21 de setembro de 1845, sob forte empenho da

companhia dramática, que investira na montagem: o figurino e o cenário eram novos,

produzidos especialmente para a representação da obra. Na época, raramente as peças

recebiam tão dedicada atenção para serem levadas ao palco. Neste caso, pesava o fato de

Martins Pena estar entre os poucos autores brasileiros que compunham obras para o teatro e

ser um comediógrafo conhecido e apreciado pela plateia fluminense.

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Companhia Dramática. Domingo, 21 de setembro de 1845. 8ª Récita de assinatura. Grande espetáculo. Primeira representação do drama original em 5 atos e 1 prólogo, em verso: Vitiza ou O Nero de Espanha por L. C. M. Pena. O vestuário é inteiramente novo e a representação será enriquecida de todo o aparato necessário. Parte histórica do drama... Não se descuidou Vitiza de passar a Lusitânia imediatamente, depois de estar associado na coroa, e pôr a sua corte na cidade de Braga. Tinha gênio ardente e impetuoso, e contudo soube recatar a inclinação que o arrastava ao vício todo o tempo que seu pai viveu; mas uma vez que com a morte de Égica se viu senhor absoluto do trono, o furor das paixões que até então estiveram represadas, o levaram de rojo rapidamente aos mais vergonhosos excessos de devassidão, e deu-se a eles tão soltamente, sendo tão feios os seus vícios, que lhe puseram por apelido o Nero de Espanha. (...) Os bilhetes vendem-se no escritório do teatro. Principiará às 8 horas.133

A quantidade de cinco encenações que Vitiza ou O Nero de Espanha recebeu,

em um curto espaço de tempo de um mês,134 é razoável, se considerarmos a grande

concorrência que os dramaturgos brasileiros enfrentavam com o repertório teatral europeu.

A peça de Martins Pena, que já na segunda exibição, dois dias após a estreia, era divulgada

nos anúncios como "aparatoso e muito aplaudido drama original",135 logo foi incluída pela

132 Jornal do Commercio, 15 de setembro de 1845. 133 Jornal do Commercio, 21 de setembro de 1845. 134 As outras quatro representações aconteceram a 23 de setembro, 28 de setembro, 05 de outubro e 26 de outubro de 1845. 135 Diário do Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1845.

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plateia no rol de dramas inéditos que pareciam inaugurar uma nova fase de espetáculos

oferecidos pela companhia dramática do São Pedro de Alcântara:

É incontestável que a companhia dramática do Teatro de S. Pedro caminha com rápidos progressos! Se até agora adormecida, quem sabe se de propósito para que sobressaísse a companhia italiana, ela parecia achar-se com os últimos instantes de uma existência até então brilhante e gloriosa; hoje que, graças aos seus esforços e ao enterramento de estropiados cantores, os seus trabalhos marcham com regularidade, ela despertou, compreendendo toda a força de sua importante tarefa. Os novos dramas, ultimamente representados, provam a veracidade do que acabamos de dizer. Vitiza ou O Nero de Espanha, esse drama que tanta honra faz ao seu ilustre e digno autor, Fernando Teles, A Torre de Ferrara, constituem o triunfo dos artistas que os desempenham.136

Contrariamente à ideia de que os dramas de Martins Pena nada agregaram de

positivo ao seu nome literário,137 destacamos que foi a partir da estreia de Vitiza ou O Nero

de Espanha que o autor abandonou o anonimato: os anúncios teatrais, veiculados pela

imprensa, passaram a divulgar o seu nome – "L. C. M. Pena" ou "Sr. Pena" –, conferindo-

lhe a autoria das comédias que, anteriormente, haviam sido anunciadas anonimamente.

2.5 Martins Pena se Despede do Teatro de São Pedro de Alcântara

Martins Pena construiu, ao longo do decênio de 1840, importante carreira como

comediógrafo do São Pedro de Alcântara. A imprensa destacou, em anúncios teatrais,

correspondências de espectadores e artigos de opinião, não apenas as qualidades cênicas e

textuais de suas comédias – consideradas "apreciáveis", "(sempre/muito) aplaudidas",

"engraçadas" e "graciosas" –, mas também o fato de o autor ter contribuído para o

nascimento da comédia brasileira.

136 Jornal do Commercio, 21 de outubro de 1845. 137 Sábato Magaldi afirma que os dramas de Martins Pena não contribuíram para a construção de seu nome literário: "Os cinco dramas completos nada acrescentaram ao nome literário de Martins Pena". (MAGALDI, 2001, p. 58).

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Depois de se consagrar com as inúmeras peças cômicas e um melodrama

histórico, a comédia Uma Mulher Feia138 – possível tradução de Martins Pena da peça

francesa Une Femme Laide (1845), de Jules de Prémaray (1819-1868) –, e A Barriga de

Meu Tio – obra cujo texto é atualmente desconhecido – marcaram sua última estreia no

palco do São Pedro de Alcântara. Ambas as comédias estrearam no espetáculo beneficente

em favor do ator Manoel Soares, a 17 de dezembro de 1846. No anúncio, Uma Mulher Feia

é noticiada sem a indicação do autor da tradução, prática comum na divulgação das peças

traduzidas:

Teatro de S. Pedro de Alcântara. Quinta-Feira, 17 de dezembro de 1846. Benefício do ator Manoel Soares. Dará princípio ao espetáculo a comédia em dois atos: Uma Mulher Feia. Se o título desta comédia é por si só um motivo de curiosidade, o seu entrecho é tão interessante e delicado, que o beneficiado julga ter feito nela uma boa escolha. Denominação dos atos: 1º O retrato. 2º O baile mascarado. Subirá à cena em seguida, e pela primeira vez, a comédia burlesca em 3 atos, escrita expressamente para o beneficiado: A Barriga de Meu Tio, por L. C. M. Pena. Denominação dos atos: 1º A receita. 2º O veneno. 3º O poço. O ator Manoel Soares, escolhendo este espetáculo para seu benefício, conta com a valiosa proteção de seus amigos e do ilustrado público. Os bilhetes vendem-se na Rua do Núncio n. 3. Os Ilms. Srs. acionistas e assinantes que pretenderem os seus camarotes poderão deixar os seus nomes no escritório do teatro, até o dia 8 do corrente.139

O mesmo programa, com as duas comédias, voltou a ser exibido três dias

depois, a 20 de dezembro de 1846. Depois dessa encenação, A Barriga de Meu Tio não

subiu mais ao palco. Uma Mulher Feia foi reprisada a 27 de janeiro de 1847, em espetáculo

beneficente ao ator José Candido da Silva, encerrado por O Judas em Sábado de Aleluia. A

quarta exibição da comédia ocorreu a 21 de setembro de 1848. O anúncio desse espetáculo

informa, pela primeira vez, que a peça é uma imitação realizada por Martins Pena:140

138 Em seu estudo precursor dos espólios de Martins Pena, Darcy Damasceno encontrou um manuscrito incompleto de uma peça sem título, constituído apenas pela apresentação das personagens e as cinco cenas iniciais. O crítico classificou a obra como drama e a denominou Drama Sem Título. (DAMASCENO, 1956, vol. I, p. 13). A partir dos anúncios teatrais veiculados pela imprensa, foi possível atribuir o título à peça (Uma Mulher Feia), verificar as suas encenações no palco do São Pedro de Alcântara e, assim, localizar a peça original (Une Femme Laide). 139 Jornal do Commercio, 05 de dezembro de 1846. 140 Ver o anexo "Anúncios das Encenações de Uma Mulher Feia", que traz os anúncios dos espetáculos que exibiram a comédia Uma Mulher Feia.

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Teatro de S. Pedro de Alcântara. Companhia Dramática. 17ª Récita de assinatura. Quinta-Feira, 21 de setembro de 1848, subirá à cena a 1ª representação da interessante comédia em 2 atos: O Duelo na Véspera do Casamento ou Os Desafios. (...) Terminará o espetáculo com a linda comédia em 2 atos, imitação do Sr. Pena, Uma Mulher Feia. Personagens: Sir Tockley.................................Sr. Pedro Joaquim O duque......................................Sr. Florindo Davidson....................................Sr. Paula Dias Pistole, criado de Tockley.........Sr. Monteiro Um criado...................................Sr. Jacomo Alice, filha de Davidson............Sra. D. Gabriela Catarina criada...........................Sra. D. Maria Amália. Os bilhetes vendem-se no lugar do costume. Principiará às 7 horas e meia.141

Une Femme Laide, vaudeville em dois atos, estreou no Théâtre du Palais-

Royal, em Paris, a 16 de dezembro de 1845. O enredo, ambientado na Inglaterra do século

XVIII, apresenta vários recursos cômicos que tecem quiproquós e provocam o riso, tais

como esconderijos, disfarces, travestimentos, enganos e apartes. Davidson é um viúvo que

cuida de Alice, sua única filha; ele a esconde em uma casa, localizada no interior de uma

floresta e afastada da Corte inglesa, para que ninguém a veja, pois uma feiticeira lhe

predizera que a jovem teria a honra maculada por um homem sedutor e desonesto que a

abandonaria antes do casamento. Como Alice era desconhecida pelas pessoas do reino, o

mistério fez todos pensarem que a menina era muito feia, por isso o pai a privava do

convívio social. No entanto, Alice era uma bela e romântica moçoila que sonhava com os

virtuosos heróis dos romances de cavalaria. Após muitos quiproquós, Alice e o nobre Sir

Tockley se casam, e a antiga profecia da feiticeira não se realiza.

O manuscrito de Uma Mulher Feia, depositado na Coleção Martins Pena da

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, encontra-se incompleto: constam apenas as cinco

cenas iniciais do primeiro ato. A peça traduzida foi submetida ao Conservatório Dramático,

sem indicação do tradutor, no dia 03 de outubro de 1846, pelo ator Manoel Soares; se

aprovada, a comédia seria encenada em seu benefício. No mesmo dia, o primeiro secretário,

José Rufino, designou Martins Pena para o exame censório da peça. O comediógrafo deu o

141 Diário do Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1848.

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seguinte parecer: "Li a comédia acima mencionada e a julgo nas circunstâncias de subir à

cena. 04 de outubro de 1846".142

A partir dos indícios que levantamos, duas hipóteses são possíveis: Martins

Pena traduziu a comédia francesa e a julgou no Conservatório Dramático em causa própria;

ou a tradução de Uma Mulher Feia não foi feita por ele, podendo ter sido realizada pelas

mãos do próprio Manoel Soares, responsável pelo benefício.

Não seria absurda a possibilidade de Martins Pena ter sido o adaptador da peça,

já que era fluente em francês. Assim, não assumiu a autoria como artifício para driblar a

censura e ter a chance de ser o censor da própria peça. Conheceríamos, então, uma nova

faceta do dramaturgo, a de adaptador de peças do repertório dramático francês.

Contudo, não podemos ignorar o fato de que Uma Mulher Feia estreou

anonimamente, sem ter sido atribuída a Martins Pena, quando este já assinava as suas

composições dramáticas e era aplaudido pelos espectadores fluminenses. Desse modo, não

haveria motivos para omitir o seu nome, a menos que o autor quisesse ter a oportunidade de

ser o censor da peça. Se Martins Pena não foi o adaptador da comédia, esta lhe foi

atribuída, erroneamente, em 1848. O processo de avaliação censória praticado pelo

Conservatório Dramático explicaria a presença do manuscrito na Coleção Martins Pena, da

Biblioteca Nacional, uma vez que os censores da instituição recebiam uma cópia

manuscrita da peça que estavam incumbidos de analisar.

2.6 Para Além do Palco: as comédias de Martins Pena na tipografia de Paula Brito

Em fins da década de 1840, sete peças de Martins Pena haviam sido publicadas:

O Juiz de Paz da Roça (1842 e 1843); A Família e A Festa da Roça (1842); O Judas em

Sábado de Aleluia (1846); Os Irmãos das Almas (1846); O Diletante (1846); Quem Casa,

Quer Casa (1847) e O Caixeiro da Taverna (1847).143 O responsável pelas publicações foi

o editor e livreiro Francisco de Paula Brito, cuja tipografia, "Loja de chá, do melhor que 142 "Requerimento ao Conservatório Dramático Brasileiro, solicitando exame censório para a peça Uma Mulher Feia", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 04, 66. 143 Cf. DAMASCENO, In: PENA, 1956, vol. I, p. 14.

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há", localizava-se no número 64, próximo à Praça da Constituição. O tipógrafo era um

entusiasta e colaborador da atividade teatral na Corte. Além da publicação das comédias de

Martins Pena e de libretos das óperas italianas que estavam em cartaz, sua livraria era uma

segunda bilheteria, onde o público carioca podia comprar os bilhetes dos espetáculos

beneficentes aos atores, como os oferecidos, regularmente, pelo São Pedro de Alcântara.

Em 1846, após já ter editado O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da

Roça, Paula Brito iniciou um projeto que pretendia preparar uma edição coletiva, intitulada

Teatro Brasileiro, com 12 comédias de Martins Pena, impressas em série. Em janeiro desse

ano, anunciou no Diário do Rio de Janeiro a publicação do primeiro volume, cujo preço era

acessível, inferior a um bilhete de teatro para a plateia:

O Judas em Sábado de Aleluia, belíssimo drama do Sr. Pena, acha-se publicado, e é o 1º da coleção do Teatro Brasileiro do dito autor. Vende-se a 600 rs. nas lojas dos Srs. Teixeira, Ourives n. 21, (tipografia e loja de papel); Alfândega n. 05; Laemmert, Quitanda n. 77; Passos, Ouvidor n. 152; e Paula Brito, editor proprietário, Praça da Constituição n. 64 (loja do chá do melhor que há), um lindo folheto em bom papel e tipo.144

Ao nomear a coleção de Teatro Brasileiro, e não "comédias de Martins Pena",

por exemplo, Paula Brito buscava destacar o caráter nacional das peças publicadas, tendo

em vista que o repertório estrangeiro estava tão em voga, não apenas no teatro, mas

também nas livrarias da capital do Império.145

Em março de 1846, Paula Brito lançou O Diletante, o segundo volume da

coleção. No anúncio de divulgação da peça, o editor comunicou que o valor da subscrição

da coleção completa custaria cinco mil réis:

O Diletante, 2º drama da coleção Teatro Brasileiro do Sr. Pena; 1º n. Judas em Sábado de Aleluia; 2º n. O Diletante; 3º n. (no prelo) Irmão das Almas.

144 Diário do Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1846. 145 As livrarias do Rio de Janeiro, na época, comercializavam inúmeros títulos de peças teatrais, em sua grande maioria, do repertório clássico e romântico francês e português. Eram vendidas tragédias de Racine, comédias de Molière, dramas de Mendes Leal e melodramas de Alexandre Dumas Pai. O repertório de peças escritas por autores brasileiros constituía-se, além das comédias de Martins Pena, pela tragédia Antônio José ou O Poeta e A Inquisição, de Gonçalves de Magalhães, publicada por Paula Brito, e pelos dramas do franco-brasileiro Louis Antoine Burgain, como A Gitana, A Última Assembleia dos Condes Livres, A Morte de Camões e Fernandes Vieira ou Pernambuco Libertado, publicados, em 1844, pela Casa do Autor/Agra e Cia.

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Subscreve-se a 5$ rs. pela coleção (12 dramas) e vendem-se avulsos a 600 rs. cada um.146

O terceiro volume, Os Irmãos das Almas, foi publicado em julho de 1846. Na

divulgação da obra, a subscrição da coleção completa já apresentava uma elevação no

valor, passando a custar oito mil réis. O próximo volume, Quem Casa, Quer Casa, foi

anunciado em setembro de 1847, juntamente com as peças da coleção que já haviam sido

publicadas anteriormente, acrescidas de O Juiz de Paz da Roça:

Quem Casa Quer Casa lindo drama do Sr. Pena e 4º publicado da coleção dos 12 do Teatro Brasileiro, vende-se por 600 rs., na loja do editor Paula Brito, Praça da Constituição n. 64. Há do mesmo autor: Juiz de Paz da Roça; O Diletante; Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas.147

Paula Brito não completou a produção seriada das comédias de Martins Pena.

Levando-se em consideração que a última peça, O Caixeiro da Taverna, foi publicada no

final de 1847, quando o autor se mudou para Londres e abandonou a atividade dramática no

São Pedro de Alcântara, o livreiro, provavelmente, optou por interromper o projeto

editorial, já que o dramaturgo estava ausente da cena teatral fluminense. Posteriormente, na

primeira metade da década de 1850, Paula Brito reeditou as comédias O Judas em Sábado

de Aleluia (1852), Os Irmãos das Almas (1852), A Família e A Festa da Roça (1853) e O

Juiz de Paz da Roça (1855), e produziu a primeira edição de O Noviço (1853).148

146 Diário do Rio de Janeiro, 24 de março de 1846. 147 Diário do Rio de Janeiro, 17 de setembro de 1847. 148 Os mesmos títulos foram republicados, na década de 1870, pelo editor carioca Cruz Coutinho. (Cf. DAMASCENO, In: PENA, 1956, vol. I, p. 14). Em 1898, a editora H. Garnier editou essas peças em uma edição coletiva denominada Teatro Brasileiro de Martins Pena (comédias) com um estudo crítico sobre o teatro no Rio de Janeiro e sobre o autor, organizada por Melo Morais Filho e Sílvio Romero. Apesar dessas publicações, somente em 1956 passamos a conhecer a obra completa de Martins Pena, a partir do importante trabalho realizado por Darcy Damasceno nos manuscritos do autor. O crítico organizou, com apoio do Ministério da Educação e do Instituto Nacional do Livro, dois volumes contendo os dramas e as comédias do dramaturgo.

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3 As Reprises das Comédias de Martins Pena e o Novo Panorama Teatral na Corte

(1850-1855)

Ao longo do decênio de 1850, apesar da mudança administrativa e das graves

crises financeiras pelas quais passou, o São Pedro de Alcântara manteve seu repertório, o

modelo de programa teatral e a maior parte dos artistas que já compunham a companhia

dramática desde a década precedente. Assim, as comédias de Martins Pena continuaram a

ter espaço nos espetáculos ali oferecidos. Entre 1850 e 1855, as encenações de suas peças

ocorreram em números semelhantes aos anos anteriores. No entanto, somente cinco títulos

permaneceram em cartaz: A Família e A Festa da Roça, O Judas em Sábado de Aleluia, Os

Dois ou O Inglês Maquinista, Os Irmãos das Almas e O Noviço.

O São Pedro de Alcântara adentrou o ano de 1850 revezando os espetáculos

entre as exibições líricas de óperas românticas e os programas dramáticos. O repertório era

constituído, essencialmente, pelas peças representadas na década anterior, com esporádicas

estreias, tais como a composição O Cego (1849), de Macedo, Os Homens de Mármore

(1854) e O Homem de Ouro (1854), de Mendes Leal, e traduções de obras francesas.

Em 22 de março de 1850, devido à epidemia de febre amarela reinante na

cidade do Rio de Janeiro, o teatro publicou um comunicado na imprensa informando que,

"por ordem superior", fecharia as suas portas. Acreditava-se que o acúmulo de pessoas em

recintos fechados propagaria ainda mais a doença que, na época, não tinha o seu modo de

contágio conhecido. O teatro só ofereceu novos espetáculos no início do mês de maio.

Se não bastasse a epidemia – que levou à morte alguns artistas, dentre eles o

cenógrafo italiano Scarabeloto –, a má administração do presidente da diretoria, José

Bernardino de Sá, fez com que o São Pedro de Alcântara enfrentasse dificuldades

financeiras, que culminaram no atraso dos salários dos artistas. Estes, com exceção de João

Caetano, que recebia uma subvenção estatal, contavam apenas com os salários e a renda

obtida com os benefícios que ofereciam. Os salários dos artistas e dos profissionais técnicos

que trabalhavam por detrás da cena variavam consideravelmente. Augusta Candiani, a lírica

italiana de grande sucesso no palco do São Pedro de Alcântara, recebia 700 mil réis

mensais; a cantora italiana Ida Edelvira, que permaneceu na Corte por curta temporada,

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ganhava o maior salário, no valor de um conto e 250 mil réis;149 Ribas, o regente da

orquestra, recebia 130 mil réis; o contrarregra, por sua vez, ganhava míseros 60 mil réis.150

Como os artistas do teatro eram totalmente dependentes dos salários, a situação chegou a

um ponto extremo que, em 01 de março de 1850, os próprios atores encaminharam uma

petição à Câmara dos Deputados, pedindo que, sob a forma da lei, obrigassem o diretor a

cumprir os seus contratos de trabalho.151

Em novembro de 1850, com a crise já instalada no teatro, o Estado resolveu

contratar uma nova empresa para administrá-lo. Dentre as condições que impôs, estavam

regras administrativas e financeiras referentes aos contratos dos artistas, à organização dos

espetáculos e ao comprometimento do novo diretor em importar da Europa, o mais rápido

possível, uma companhia lírica completa.152 João Caetano e Justiniano José da Rocha se

candidataram ao cargo. Nosso já conhecido ator-empresário saiu vitorioso. O primeiro

programa que João Caetano ofereceu no São Pedro de Alcântara ocorreu em março de

1851.

Nesse intervalo de tempo, entre a crise administrativo-financeira e a nova

direção de João Caetano, o teatro representou três comédias de Martins Pena em seis

espetáculos. O Judas em Sábado de Aleluia recebeu três encenações no ano de 1850: a 20

de junho, "a pedido de muitas pessoas",153 em benefício do ator Pedro Joaquim da Silva

Amaral, após a exibição do drama A Pobre das Ruínas (1846), de Mendes Leal; o mesmo

programa foi reapresentado a 30 de junho, com a inclusão de uma ária da ópera Le Domino

149 Em Quem Casa, Quer Casa, Eduardo e Paulina discutem sobre os reais interesses dos artistas estrangeiros que vinham se apresentar no Brasil. Para a moça, eles eram motivados pelo interesse econômico, pois tão logo se enriqueciam, abandonavam os palcos brasileiros e retornavam à Europa: "PAULINA: – E depois das algibeiras cheias, safa-se para as suas terras, e comendo o dinheiro que ganhara no Brasil, fala mal dele e de seus filhos". (PENA, 1956, vol. I, p. 478). Processo semelhante ao descrito por Paulina aconteceu com a lírica Ida Edelvira, que se apresentou por poucos meses no São Pedro de Alcântara. 150 As informações sobre os salários foram obtidas em artigo publicado pelo Jornal do Commercio a 12 de setembro de 1850. 151 "Teatro de S. Pedro de Alcântara. Representação à Câmara dos Deputados. Augustos e digníssimos senhores representantes da nação: 'Os abaixo assinados, atores da companhia dramática do Teatro de S. Pedro de Alcântara, vêm pedir-vos alguma providência legislativa que, pondo um dique às arbitrariedades e despotismo do atual presidente da diretoria do mesmo teatro, o comendador José Bernardino de Sá, garanta aos suplicantes a fiel execução de seus contratos e o devido pagamento de seus trabalhos". (Jornal do Commercio, 08 de março de 1850). 152 As condições exigidas pelo Estado foram consultadas em artigo publicado pelo Jornal do Commercio a 16 de novembro de 1850. 153 Jornal do Commercio, 20 de junho de 1850.

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Noir (1837), do francês Daniel Auber (1782-1871), e um dueto de Beatrice di Tenda

(1833), de Bellini; e a 27 de outubro, após o drama O Marinheiro de São Tropez. No ano

seguinte, a comédia foi reprisada no encerramento do espetáculo de 11 de maio, que exibiu

em seu programa o vaudeville Gringalet ou O Filho de Dois Pais, seguido da tonadilha O

Poeta e O Músico. A comédia Os Irmãos das Almas foi exibida a 19 de maio de 1850, em

um espetáculo que teve como peça principal o melodrama Genoveva de Brabante

(Geneviève de Brabant, 1838), de Anicet-Bourgeois. Os Dois ou O Inglês Maquinista foi

representada a 16 de maio de 1851, em um programa que encenou a tragédia Hamleto

(1769), adaptação de Ducis (1733-1816) da obra shakespeariana, seguida da exibição de

uma polca e do entremez Manuel Mendes (1812), de Antônio Xavier.

João Caetano não teve muita sorte no início de sua administração do São Pedro

de Alcântara. Na madrugada de 09 de agosto de 1851, após o espetáculo em benefício do

ator João Antonio da Costa, que teve como peça principal o drama português O Cativo de

Fez (1841), de Antonio Joaquim da Silva Abranches (1810-1868), o teatro sofreu outro

incêndio devastador, deixando-o em ruínas. As chamas consumiram mobiliários, o guarda-

roupa e o arquivo do teatro, que conservava os textos das peças e as partituras de canções.

Os periódicos noticiaram a tragédia com muito pesar, lamentando o destino da casa de

espetáculos e de seus artistas, fadados a desastres e flagelos:

Teatro de S. Pedro. Retiramos o artigo de revista que estava no prelo a respeito deste teatro para substituir pela seguinte fatal notícia. Já não existe! As chamas de um fogo intenso o devoraram na madrugada de sábado, e o Teatro de S. Pedro acabou em cinzas! Confrange-nos o peito de dor e aos altos juízos de Deus entregamos tudo quanto quiséramos dizer. Pobres artistas, que mal fado os tem acompanhado! Do teatro apenas se pode salvar mesas, livros e coisas insignificantes da casa do bilheteiro; do camarim de SS. MM. salvou-se tudo o que havia de melhor, que foi guardado em casa do Sr. Faria até segunda ordem.154

Um acontecimento horroroso acaba de ter lugar. O Teatro de S. Pedro de Alcântara foi pasto das chamas na madrugada de sábado (09)! Em menos de duas horas já o incêndio lavrava com a maior intensidade por todo o edifício; pois que não havendo às 2 ½ hora (segundo dizem) o menor indício de fogo, quando eram 4 ½ o incêndio achava-se na sua maior força, e o fogo havia-se apoderado de todo o combustível. Agora tudo é cinza e ruína, e só existem em pé as quatro paredes mestras, ameaçando cair a do fundo por se achar toda rachada! Este fato tão

154 O Martinho, 10 de agosto de 1851.

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deplorável nos tem de tal sorte impressionado, que nos impossibilita o fazer-lhe comentários.155

O Jornal do Commercio cogitou a hipótese de um incêndio criminoso, ao tomar

conhecimento de uma denúncia feita à polícia. No entanto, esta não se empenhou na

averiguação das informações, e o incêndio que destruiu o teatro não teve as suas causas

esclarecidas, fato lamentado pela redação do periódico A Reforma, que denunciou o

descaso e a ineficiência da polícia da Corte com o caso:

O tempo porém vai correndo, e (...) não há quem saiba ainda os resultados da denúncia, que fora dada: que esforços tem posto em ação, que empenho há mostrado a polícia na averiguação de um fato de tão grande importância?... Ainda se estará prosseguindo em indagação, ou essa terrível catástrofe, que a todos nos consternou, já foi lançada no túmulo do esquecimento?... Uma de duas: ou a polícia, contra todos os seus hábitos, tem andado com tão notável habilidade, com tanta cautela nesse negócio, que caminhando com pés de lã, ninguém ainda conseguiu perceber o mais leve ruído de seus passos (...); ou então, segundo o costume, nada se tem feito para averiguar a matéria da denúncia, e consequentemente, queremos usar de nosso direito fustigando-a com justas censuras.156

O Estado não ajudou na reconstrução do São Pedro de Alcântara, preferindo

financiar a edificação de um teatro lírico no Campo de Santana: o Teatro Provisório,

inaugurado em 14 de março de 1852. Abandonado pelo Estado, João Caetano formou, em

novembro de 1851, uma associação de acionistas para a reconstrução de seu teatro. No

total, foi arrecadada a quantia de 100 contos de réis, distribuída em 200 ações de 500 mil

réis cada uma. Os acionistas, a depender da quantidade de ações adquiridas, teriam os

seguintes direitos nos espetáculos oferecidos pelo teatro no decorrer de quatro anos: uma

ação garantiria uma cadeira cativa; duas ações, um camarote de quarta ordem; três ações,

um camarote de primeira ou terceira ordem; quatro ações, um camarote de segunda

ordem.157 Com o dinheiro em mãos, João Caetano deu início à reconstrução, que ficou a

cargo do engenheiro inglês Mr. Olivier. O projeto do novo São Pedro de Alcântara,

ambicioso e inovador à época, incluía a iluminação a gás, e não mais a óleo, canalização de

155 A Aurora, 10 de agosto de 1851. 156 A Reforma, 29 de outubro de 1851. 157 O projeto de associação assinado por João Caetano foi consultado no Diário do Rio de Janeiro de 22 de novembro de 1851.

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água para as quatro ordens de camarotes, e uma exclusiva decoração interior, assinada por

dois artistas estrangeiros, Ouvier e Hox.

Enquanto as obras de construção estavam em andamento, a troupe de João

Caetano se transferiu, temporariamente, para o Teatro de São Januário. Finalizada a

reedificação, o São Pedro de Alcântara foi reaberto a 18 de agosto de 1852 – 12 meses após

o incêndio –, com a exibição do drama O Livro Negro, de Leon Gaston, traduzido por

Joaquim Antônio da Costa Sampaio.158

Devido ao fechamento temporário do São Pedro de Alcântara para a

reconstrução, as peças de Martins Pena só voltaram a ser ali encenadas em 1853. Nesse

ano, O Judas em Sábado de Aleluia finalizou o espetáculo de 10 de abril, após a estreia da

comédia francesa O Chapéu de Palhitinha da Itália (Un Chapeau de Paille d'Italie, 1851),

de Eugène Labiche (1815-1888). Os atores Maria Amália e Luis Antônio Monteiro

desempenharam os protagonistas da peça de nosso comediógrafo, como sempre ocorrera

nas encenações desde 1850.

Os Irmãos das Almas recebeu seis exibições no decorrer de junho a julho de

1853: nos dias 13 e 19 de junho, após a encenação de O Noviço; em 29 de junho, em um

programa que teve como peça principal o drama O Homem da Máscara Negra; a 17 de

julho, encerrando a representação de O Noviço; e nos dias 22 e 24 de julho, após Os Ovos

de Ouro, tradução da féerie La Poule aux Œufs d'Or (1848), de Clairville e Dennery.

O Noviço, comédia de Martins Pena mais encenada postumamente, foi exibida

10 vezes em 1853: a 13 de junho, como peça principal do espetáculo beneficente em favor

de Manoel Soares, que apresentou, também, um dançado, Os Irmãos das Almas e o

vaudeville Inocêncio ou O Eclipse de 1821; o mesmo programa foi reapresentado a 19 de

junho, em benefício de João Caetano; a 20 de junho, em benefício do dançarino Júlio

Toussaint, em um programa que se iniciou com o vaudeville Um Marido Que se Desmanda,

seguido de árias das óperas Beatrice di Tenda, de Bellini, e Hernani (1844), de Verdi, do

dançado As Odaliscas, e da cena fantástica O Diabo e A Camponesa, composta pelo

beneficiado; o mesmo programa foi reapresentado a 26 de junho; a 03 de julho, finalizando

o espetáculo que teve como peça principal o melodrama Teckely ou O Cerco de Mongatz

158 Informação obtida em anúncio publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, em 14 de agosto de 1852.

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(Tékéli ou Le Siège de Mongatz, 1803), de Guilbert de Pixerécourt (1773-1844); a 17 de

julho, como peça principal do programa que exibiu canções líricas, dançados e a comédia

Os Irmãos das Almas; a 15 de agosto, após o drama histórico português Frei Luís de Sousa

(1843), de Almeida Garrett, uma ária e um dançado; a 21 de agosto, rematando o

espetáculo que exibiu o melodrama Madalena (Madeleine, 1843), de Anicet-Bourgeois; a

01 de outubro, tendo seus entreatos recheados por árias e um dançado, e encerrado pela

farsa Emília Travessa; a 25 de outubro, em benefício das Irmandades de Santo Antônio dos

Pobres e de Nossa Senhora dos Prazeres, em um programa que apresentou o drama

português O Cativo de Fez, e que recheou os entreatos de O Noviço com a exibição da

sinfonia A Partida do Marinheiro, de Fernando de Sá Noronha, e um dançado. Em 1854, O

Noviço recebeu quatro representações: a 16 de março, no encerramento do espetáculo

beneficente em favor do ator Manoel De Giovanni, em um programa que exibiu o drama

musicado A Esmeralda, seguido de um dançado; a 19 de março, após a tragédia Nova

Castro; a 24 de abril, em espetáculo beneficente a uma artista não identificada pelos

anúncios, após o drama O Cativo de Fez e o dançado Os Boleiros de Cadiz; a 28 de maio,

rematando um programa que apresentou o drama O Desertor Francês, seguido de uma

polca. Nessas montagens de 1853 e 1854, o ator Martinho Corrêa Vasques159 desempenhou

o papel do noviço Carlos, enquanto o cômico Manoel Soares, o do ardiloso Ambrósio.

Com esse balanço de representações, concluímos que as comédias de Martins

Pena, com especial destaque a O Noviço, não caíram no esquecimento da companhia

dramática do São Pedro de Alcântara, principalmente do ator português Manoel Soares, que

sempre atuava nas encenações das peças do comediógrafo.

No início da década de 1850, os literatos e os críticos teatrais ansiavam por

mais peças brasileiras nos palcos da Corte. Os autores que compuseram obras dramáticas

nos anos anteriores, como Martins Pena, Gonçalves de Magalhães e Macedo, passaram a

ser vistos como fundadores e desenvolvedores do teatro nacional. Martins Pena era

concebido como um importante comediógrafo – por ser o primeiro a levar ao palco

fluminense personagens e temas da sociedade brasileira –, e suas comédias eram tidas como

159 Martinho Corrêa Vasques (1822-1890) foi ator da companhia dramática do São Pedro de Alcântara entre 1843 e 1863.

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uma opção de representação no lugar das peças estrangeiras que dominavam os programas

dos teatros. Em uma crônica publicada pela imprensa, o folhetinista "D. M." defende a

encenação das obras do autor, ao invés do repertório europeu:

E vem aqui bem a pêlo falar do teatro do defunto Pena – desse gênio que lá foi acabar em plagas estranhas, tão moço e já tão cheio de glórias, e que tanto mais prometia ao seu país – dessa verdadeira flor das terras virgens do Brasil. Por que não vão as suas peças, em vez de Sociedade dos Treze, Pagar o Mal Que Não Fez, Rainha das Flores e outras quejandas e insulsas composições? Por que não fazer vantagem e animação à compositores brasileiros? (...) D. M.160

A carreira teatral trilhada por Martins Pena na década de 1840 motivou outros

dramaturgos brasileiros a compor pequenas peças cômicas para o encerramento dos

espetáculos no São Pedro de Alcântara. Em 1851, Macedo estreou a comédia musicada O

Fantasma Branco que, inicialmente, era encenada como peça principal do programa, mas

logo começou a ser exibida no final do espetáculo. O Fantasma Branco fez os espectadores

se recordarem de A Família e A Festa da Roça, e os críticos acreditarem que Macedo

compôs "uma comédia no gênero da Festa da Roça, do defunto Pena".161 Muitas outras

farsas de autores brasileiros estrearam no São Pedro de Alcântara. No entanto, infelizmente,

não podemos identificar a autoria de algumas, devido ao anonimato do escritor, como é o

caso da peça Morrer para Ter Dinheiro, estreada em benefício da atriz Ludovina Soares, a

25 de setembro de 1855. Ou ainda, mesmo com a indicação do nome do autor, este nos é

desconhecido, porque, provavelmente, teve uma carreira teatral efêmera e sem muito

prestígio, a exemplo de Santos Neves e sua peça Uma Comédia no Teatro de São Pedro,

estreada a 07 de agosto de 1855.162

Apesar de apresentar composições novas de autores brasileiros, o São Pedro de

Alcântara reprisava com frequência os melodramas e comédias do repertório estrangeiro,

160 Diário do Rio de Janeiro, 01 de julho de 1851. 161 O Martinho, 29 de junho de 1851. 162 Em outros teatros da Corte também estrearam farsas brasileiras. No Teatro de São Januário, a 22 de janeiro de 1851, estreou a comédia-provérbio Quem Casa não Considera, Quem Considera não Casa, de um autor fluminense não nomeado. No Teatro de São Francisco, quando neste atuava a companhia de Florindo Joaquim, estreou a farsa Destes Há Muitos, de autoria desconhecida, que critica, com muito humor, os jovens brasileiros que iam estudar na Europa e, quando retornavam, esqueciam a língua portuguesa e só falavam nas maravilhas da França, cheios de francesismos. (Informação obtida em crônica publicada pelo O Martinho, em 17 de agosto de 1851).

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que haviam obtido sucessos na década anterior. Tal linha adotada pelo teatro dividiu os

críticos teatrais, que defendiam opiniões bem díspares. Enquanto alguns cronistas o viam

como o teatro "predileto dos habitantes do Rio de Janeiro, e ou seja pelo local, ou pela

recordação de agradáveis noites aí passadas, esse teatro tem em si uma magia que atrai, mas

que se não pode definir";163 outros o consideravam um teatro de repertório "velho" e de

artistas decadentes, como é o caso do cronista de O Martinho:

A companhia de S. Pedro representa para nós a velhice: todas as suas figuras estão caducas e gastas, e se ela não se aumentar com algumas figuras novas e que tragam em si a esperança de um melhoramento futuro, a sorte que a espera deve-lhe ser bem fatal.164

Os críticos mais extremistas se fixaram na ideia da decadência do teatro

nacional e de seu maior símbolo, o São Pedro de Alcântara. Eles culpavam João Caetano

pela aparente situação deplorável da cena teatral na Corte:

Quando em nosso segundo artigo analisamos o estado do teatro e mostramos sua rápida decadência, e bem assim qual a causa dessa decadência injustificável, e lamentando que tendo ele em si os elementos de seu desenvolvimento e engrandecimento, o Sr. João Caetano dos Santos, seu mais forte e tenaz esteio, visse impassível morrer a arte que tanto tem ilustrado; finalizamos que, sabendo ele quais os meios de remover as causas de semelhante atraso, por que não os aplicava?165

Se uma crise existia no teatro, ela era mais financeira que artística. O São Pedro

de Alcântara, após a reconstrução de 1852, viu a sua receita cair drasticamente, devido aos

direitos dos acionistas que, ao frequentarem gratuitamente os camarotes, diminuíam o lucro

obtido com a venda dos bilhetes. Sempre que oferecia espetáculos livres, isto é, programas

em que os acionistas não tinham direito aos bilhetes gratuitos, João Caetano era

questionado e agredido verbalmente, na imprensa, pelos diversos donos de ações. No

entanto, a crise não afetara os espetáculos do teatro, que eram oferecidos com regularidade,

a companhia dramática continuava, essencialmente, a mesma da década anterior, e cada vez

163 Diário do Rio de Janeiro, 19 de agosto de 1853. 164 O Martinho, 13 de julho de 1851. 165 Diário do Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1853.

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mais surgiam peças inéditas de autores brasileiros. Com exceção aos assuntos financeiros, o

São Pedro de Alcântara não transparecia quaisquer sinais de decadência artística.

Aos que propagavam a derrocada do São Pedro de Alcântara, a inauguração do

Teatro Ginásio Dramático,166 em 12 de abril de 1855, pareceu ser, à primeira vista, a

salvação da cena teatral brasileira. De inspiração realista francesa, o Ginásio Dramático

propôs novos caminhos à arte dramática, apresentando um programa diferente do exibido

pelo São Pedro de Alcântara, com dramas de casaca e comédias de riso contido e

moralizante. Em seu repertório, constavam peças realistas de autores francesas e brasileiros,

como José de Alencar e Quintino Bocaiúva. Para a crítica teatral da época, o Ginásio

Dramático simbolizava o novo, pois trazia peças inéditas e esteticamente diferentes dos

melodramas e dramas históricos do São Pedro de Alcântara. Isso fica evidente nas palavras

do folhetinista do Jornal do Commercio:

O ginásio prossegue no empenho de agradar ao público que o frequenta; nos dramas do seu repertório não há gritos de maldição, nem punhais, nem envenenamentos; mas, a falar a verdade, há muita coisa que faz rir e que diverte a gente. Tenho minhas predileções por aquele Ginásio; pelo menos ainda não é bananeira que já deu cacho.167

Disputando o público fluminense com os espetáculos oferecidos pelo recém-

criado Ginásio Dramático, o São Pedro de Alcântara reprisou, em 1855, três comédias de

Martins Pena: O Judas em Sábado de Aleluia, A Família e A Festa da Roça e Os Dois ou O

Inglês Maquinista. A peça O Judas em Sábado de Aleluia foi representada em três

espetáculos: a 06 de maio, após o melodrama Martinho e Bambocha (Martin et Bamboche,

1847), de Eugène Sue (1804-1857), traduzido por Mendes Leal; a 09 de setembro,

finalizando o programa que exibiu O Homem de Ouro, o mais recente drama de Mendes

Leal;168 a 11 de setembro, após o drama português Afonso III. A comédia A Família e A

166 Em 1854, o empresário teatral Joaquim Heliodoro arrendou de João Caetano o Teatro de São Francisco. Após reformá-lo, inaugurou-o no ano seguinte como Teatro Ginásio Dramático, em alusão ao Gymnase Dramatique de Paris. No espetáculo de estreia foi encenada a peça O Primo da Califórnia, de Macedo. 167 Jornal do Commercio, 20 de maio de 1855. 168 Como vemos, o nome de Mendes Leal é recorrente nos programas teatrais. De fato, entre as décadas de 1840 e 1850, as peças desse autor português, representante da tendência romântica no teatro, alimentaram o palco do São Pedro de Alcântara, com frequentes encenações em programas finalizados pelas comédias de Martins Pena. Mendes Leal é um dos mais prolíficos dramaturgos portugueses do século XIX; são de sua

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Festa da Roça também recebeu três encenações em 1855: a 19 de julho, em benefício do

anão-artista Roberto de Albuquerque Melo, em um programa que teve como peça principal

o drama A Gargalhada (L'Éclat de Rire, 1840), de Jacques Arago (1790-1854); a 24 de

julho, em benefício da família de um artista não identificado pelos anúncios, após o drama

O Homem da Máscara Negra, seguido de uma quadrilha e duetos de polcas; a 08 de agosto,

rematando a exibição de A Gargalhada. Por sua vez, a comédia Os Dois ou O Inglês

Maquinista foi representada a 05 de julho de 1855, em um programa que exibiu como peça

principal o drama O Homem da Máscara Negra, seguido de números ilusionistas,

apresentados pelo mágico Jorge W. Vaughan. Nessa montagem de Os Dois ou O Inglês

Maquinista, o ator Antônio Areas169 desempenhou o papel de Gainer, ao passo que Manoel

Soares, o do negreiro.

Com o aparecimento da estética realista nos palcos, logo surgiram seus críticos

defensores na imprensa. Quintino Bocaiúva, José de Alencar e Machado de Assis, adeptos

das ideias teatrais realistas e simpatizantes do Teatro Ginásio Dramático, publicaram

crônicas que discutiram os pressupostos teóricos das correntes dramáticas.170 Dentre os

autores e gêneros que estudaram, encontram-se Martins Pena e a farsa. A leitura realizada

pelos dramaturgos realistas nos é indicativa do modo como a produção do comediógrafo foi

recebida na década seguinte à sua fase de estreias, quando uma nova estética era assumida

pelos homens de teatro. Devido ao seu caráter farsesco, oposto à estética cômica realista, as

peças de Martins Pena foram consideradas pelos críticos realistas, especialmente por José

de Alencar, desprovidas de valor literário e social.

autoria, aproximadamente, 50 peças, entre originais, imitações e traduções. (Cf. REBELLO, Luiz Francisco (Org.). Teatro Romântico Português: o drama histórico. Lisboa: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 2007, p. 229-231). Estreou no teatro, em 1839, com o drama Os Dois Renegados, que logo atravessou o Atlântico e alcançou grande sucesso no São Pedro de Alcântara, sendo protagonizado por João Caetano. Na década de 1840, seus dramas históricos e melodramas, como O Homem da Máscara Negra e A Pobre das Ruínas, foram frequentemente representados no teatro carioca. No decênio seguinte, suas novas composições dramáticas, como Os Homens de Mármore e O Homem de Ouro, tiveram, igualmente, boa recepção junto ao teatro e ao público fluminense. 169 O português Antônio José Areas (1819-1892) veio ao Brasil, em 1837, para trabalhar como pintor. Posteriormente, tornou-se amador no Teatro de Valongo e, em 1841, passou a integrar a companhia dramática de João Caetano. 170 Em seu estudo do teatro realista no Brasil, João Roberto Faria trata da crítica teatral produzida por Quintino Bocaiúva, José de Alencar e Machado de Assis. (FARIA, João Roberto. O Teatro Realista no Brasil: 1855-1865. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1993, p. 141-158).

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Em abril de 1857, Quintino Bocaiúva publicou, no periódico Correio

Mercantil, todos os capítulos de seu livro Estudos Críticos e Literários: lance d'olhos sobre

a comédia e sua crítica. Para o autor, o teatro tinha como papel a educação e a regeneração

da sociedade, não devendo, apenas, diverti-la. O crítico considera que o ridículo, objeto de

derrisão nas comédias farsescas, poderia conquistar popularidade e até agradar ao público,

mas isso seria efêmero e desapareceria "tão breve como o riso que promove".171 Por isso,

condena os recursos cômicos do gênero farsesco, tais como o ridículo de personagens, o

faceto de situações, os trocadilhos, as obscenidades e as expressões ambíguas. Quintino

Bocaiúva apresenta a receita para o que seria uma adequada comédia:

Ela precisa de espírito para ser compreendida ligeira mas profundamente; de graça, para entreter e amenizar a atenção do espectador; de moral filosófica, para não mentir a seu fim; de propriedade na escolha de seu objeto, de simplicidade e decência em seu estilo, de penetração e vivacidade em sua sátira; de verdade em sua crítica; de elevação em seu pensamento; finalmente de energia e colorido em suas descrições.172

Outro dramaturgo realista a tratar da comédia farsesca foi José de Alencar. Na

crônica A comédia brasileira, publicada pelo Diário do Rio de Janeiro, em 14 de novembro

de 1857, Alencar discute a produção cômica nacional. A certa altura, o cronista afirma que

as peças de Martins Pena abordaram os costumes brasileiros sem os criticar, pois visavam

"antes ao efeito cômico do que ao efeito moral".173 Para Alencar, Martins Pena, desejoso

"dos aplausos fáceis, (...) sacrificou talvez suas ideias ao gosto pouco apurado da época".174

Machado de Assis, o seguinte crítico a analisar a obra cômica de Martins Pena,

reconheceu o sucesso das comédias do autor nos palcos da capital do Império. Na Marmota

Fluminense dos dias 09 e 23 de abril de 1858, o cronista assinou o artigo O passado, o

presente e o futuro da literatura, no qual menciona que as peças do comediógrafo

agradavam aos espectadores, pois atendiam aos seus gostos.175

171 BOCAIÚVA, Quintino. "Estudos críticos e literários: lance d'olhos sobre a comédia e sua crítica". In: FARIA, 2001, p. 452. 172 Ibid., p. 459. 173 ALENCAR, José de. "A comédia brasileira". In: FARIA, 2001, p. 470. 174 Idem. 175 ASSIS, Machado de. "O passado, o presente e o futuro da literatura". In: FARIA, João Roberto (Org.). Machado de Assis: do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 113.

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***

Assim como verificado por Machado de Assis, em sua crônica de 1858, e

conforme constatamos neste capítulo, as comédias de Martins Pena conheceram grande

número de representações e agradaram ao público do São Pedro de Alcântara. Nas

próximas páginas, veremos que as comédias do autor com maior quantidade de reprises

durante as décadas de 1840 e 1850 – O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas

e O Noviço – dialogam com temas e personagens do repertório exibido pelo São Pedro de

Alcântara, e apresentam uma mensagem de conteúdo social, construída por meio da

adaptação de temas debatidos, contemporaneamente, pela imprensa fluminense, e da sátira

política e religiosa, que denuncia o abuso de poder policial, o não cumprimento das leis

civis e criminais, e a corrupção de ordens religiosas.

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CAPÍTULO 2

A FESTA RELIGIOSA, A POLÍCIA E AS LEIS CIVIS EM O JUDAS EM SÁBADO

DE ALELUIA

FAUSTINO: – Um cidadão é livre... Enquanto não o prendem.1

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens

O Judas em Sábado de Aleluia estreou a 17 de setembro de 1844, em benefício

do ator cômico Manoel Soares, frequente encenador das comédias de Martins Pena no

Teatro de São Pedro de Alcântara, entre as décadas de 1840 e 1850. É a partir dessa

comédia em um ato que Martins Pena começa a ambientar as suas peças em lares de

famílias urbanas da capital do Império, oferecendo um extenso painel de relações a nível

familiar, repletas de detalhes do cotidiano.

São três os temas presentes em O Judas em Sábado de Aleluia: o amoroso e o

religioso, que assumem o segundo plano da peça, e o referente à má conduta da Justiça,

representada pela instituição policial. Os temas, como veremos, apesar de ligados à tradição

cômica, estão intimamente relacionados ao contexto de Martins Pena e à sua proposta

teatral.

Como em grande parte da produção cômica do autor, mais de um fio dramático

compõe o enredo, sendo um deles o amoroso que, apesar de presente em todas as comédias,

não assume o primeiro plano destas. A intriga amorosa, em O Judas em Sábado de Aleluia,

encena os namoros das duas filhas de José Pimenta, constituídos pelo triângulo amoroso

"Faustino – Maricota – Capitão Ambrósio", no qual poderíamos inserir os outros

admiradores da moçoila (um Tenente dos Permanentes; um janota, apelidado de cavalo 1 PENA, "O Judas em Sábado de Aleluia", 1956, vol. I, p. 135.

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rabão; um estudante de latim; um amanuense da Alfândega; um inglês; um empregado da

diplomacia que estivera na Europa), e pelo casal "Chiquinha – Faustino". A temática

amorosa não é idealizada romanticamente; pelo contrário, o comediógrafo faz uma "paródia

do clima e tom melodramático"2 comuns às cenas patéticas dos melodramas, satirizando as

lamentações exageradas de suas personagens. A sátira do elemento patético constrói a

comicidade da cena quatro: enquanto declama seus lamentos pelo amor não correspondido

por Maricota, Faustino arranca os cabelos; mas logo depois, os penteia novamente, e dá

continuidade à declamação de seus lamentos de amante não correspondido e desenganado

pela vida, à beira da morte:

FAUSTINO: – Maricota, minha vida, ouve a confissão dos tormentos que por ti sofro. (Declamando) Uma ideia esmagadora, ideia abortada do negro abismo, como o riso da desesperação, segue-me por toda a parte! Na rua, na cama, na repartição, nos bailes e mesmo no teatro não me deixa um só instante! Agarrada às minhas orelhas, como o náufrago à tábua de salvação, ouço-a sempre dizer: – Maricota não te ama! Sacudo a cabeça, arranco os cabelos (faz o que diz) e só consigo desarranjar os cabelos e amarrotar a gravata. (Isto dizendo, tira do bolso um pente, com o qual penteia-se enquanto fala) Isto é o tormento da minha vida, companheiro da minha morte!3

O segundo fio que compõe a comédia encena os negócios ilícitos praticados

pelas personagens, a saber: a cobrança de propina por membros da Guarda Nacional e a

circulação de dinheiro falso.

O enredo, construído por esses dois fios, articula-se em 12 cenas, alternadas

entre nove de conjunto e três isoladas, o que garante o desenvolvimento da trama e

possibilita a sua eficiência cênica no palco, apesar da aparente simplicidade de sua situação

dramática. As cenas isoladas se constituem pelos monólogos recapitulativos, explicativos

e/ou progressivos, em que as personagens sintetizam o que ocorreu anteriormente e

informam à plateia o que pretendem fazer a seguir. As cenas de conjunto apresentam

diálogos entre duas ou mais personagens, e concentram os diversos recursos cômicos no

palco, como quiproquós, disfarces, esconderijos, equívocos e enganos.

2 ARÊAS, 1987, p. 196. 3 PENA, 1956, vol. I, p. 136.

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Durante as três primeiras cenas, são apresentados os dados fundamentais do

enredo, tais como o espaço, o tempo e a condição inicial das personagens. As ações da

comédia se passam no Sábado de Aleluia de 1844, na casa de José Pimenta, no Rio de

Janeiro. O pouco mobiliário do cenário cumpre um papel funcional, a exemplo da mesa de

jacarandá, descrita na primeira didascália da cena um, onde Faustino esconde o boneco

Judas, e Pimenta, o dinheiro falso.

Pimenta, pai de Maricota e Chiquinha, é alheio ao que acontece em seu lar,

preocupando-se apenas com o seu trabalho como cabo de esquadra da Guarda Nacional,

emprego que lhe garante melhor renda, em comparação a que recebia quando era sapateiro.

Em uma versão manuscrita da segunda cena, Pimenta atribui o mal pago que ganhava como

profissional do comércio à invasão de artesãos e comerciantes estrangeiros no Rio de

Janeiro, os quais ocupavam os mais variados ofícios (alfaiataria, sapataria, barbearia,

medicina, odontologia etc.). Segundo a personagem, os estrangeiros europeus rivalizavam

com os trabalhadores livres brasileiros, roubando-lhes a clientela e o sustento: "PIMENTA:

– A Rua da Quitanda, a dos Ourives, a do Ouvidor estão cheias de lojas de calçado feito –

mas todas são de estrangeiros, e os sapateiros do país, ou deixam o ofício, como eu, ou

morrem de fome".4 De fato, a denúncia de Pimenta poderia ser verificada no comércio da

capital do Império, como constatamos em uma crônica publicada pela imprensa:

Não é só o estado exclusivo do comércio que atormenta os nacionais, e que faz haver imensos queixumes, em toda a classe média de nossa sociedade, digo desta grande porção de brasileiros, que deixam de arranjar-se no comércio de nosso Brasil, como já temos dito em nossos números anteriores, não, não é só este exclusivismo que se torna um flagelo; não, ainda há um outro a que podemos dar o título de Clamor, e vem a ser o monopólio; que anos a esta parte se introduzira entre todo nosso Brasil, na parte em que diz respeito às artes e ofícios, pois até neste ramo de indústria se faz barreira aos brasileiros!!! Ou seja por infelicidade nossa, como já dissemos, pois que este ramo de indústria nacional está quase que no todo entregue aos estrangeiros em geral, pois estes estão na posse quase de todas as casas de fabrico, ou oficinas que já vou mencionar, como por exemplo,

4 PENA, 1956, vol. I, p. 154. A questão também é tematizada pelo autor em As Desgraças de uma Criança: "MANUEL: – Os ofícios cá na nossa terra já nada dão; a concorrência de estrangeiros é grande". (PENA, 1956, vol. I, p. 546). Em seu ensaio sobre o inglês nas comédias de Martins Pena, Marlyse Meyer trata da presença estrangeira no comércio da Corte brasileira. (MEYER, Marlyse. "O inglês nas comédias de Martins Pena". In: Pireneus, Caiçaras... da Commedia Dell'Arte ao Bumba-Meu-Boi. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1991, p. 98-101).

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as oficinas de alfaiate, sapateiro, carpinas, pedreiros, marceneiros, ourives de prata, cordoeiros, calceteiros, etc., etc.5

O cronista lamenta a situação precária de muitos trabalhadores liberais do Rio

de Janeiro que, não tendo escolha, optavam por servir na Guarda Nacional para receberem

um salário; situação semelhante àquela vivida pelo cabo de esquadra José Pimenta, de O

Judas em Sábado de Aleluia:

Vendo-se, pois por esta circunstância imperiosa para os filhos do nosso país, à recuarem desta indústria e a mendigarem por outra maneira os meios de sua subsistência e de suas famílias. Oh! Sorte! Sujeitando-se uns a irem empenharem-se com fulano; outros a preferirem o trabalho de arrumadores, ou serventes da Alfândega; e outros a servirem na Guarda Nacional como ganhadores, saindo de uma guarda, entrando em outras, rondando, etc., para assim, terem pão para si e suas famílias, isto não é horrendo?... Isto não é miséria?6

As jovens filhas de Pimenta possuem valores morais bem diferentes: Chiquinha

é casta e sensata, ao passo que Maricota é uma ardilosa namoradeira que teme morrer

solteira. O funcionário público Faustino, um dos namorados de Maricota, é perseguido

constantemente pelo Capitão Ambrósio, que também morre de amores pela moça.

A partir da cena quatro, após a apresentação inicial das personagens, o enredo

ganha novo ritmo com o disfarce de Faustino, que se veste de Judas. Entre as cenas cinco e

oito, há o estabelecimento dos conflitos da trama. Faustino, sob a máscara do boneco Judas,

descobre os ardis de Maricota, o abuso de poder e a corrupção dentro da Guarda Nacional,

envolvendo o Capitão Ambrósio e Pimenta. Em seguida, há o monólogo de Faustino na

cena nove, em que a personagem declara saber os segredos do corrupto Capitão e as

enganações de Maricota, prometendo vingar-se de ambos. Os dois fios da peça, o amoroso

e o referente aos atos ilícitos, se encontram e garantem a progressão das ações da comédia.

Os atos de vingança e justiça de Faustino promovem uma mudança no rumo da história,

encaminhando-a para o seu fim. No entrecho da peça, entre as cenas 10 e 12, Faustino

descobre que é amado secretamente por Chiquinha e lhe declara o seu amor. Seus

oponentes – Capitão Ambrósio, Pimenta, Antônio e Maricota – têm os seus desejos

5 O Guasca na Corte, 22 de maio de 1851. 6 Idem.

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malogrados, restando-lhes apenas consentir com as punições propostas por Faustino:

"CAPITÃO: – Será servido. (À parte) Que remédio; pode perder-me!";7 "PIMENTA: – O

que lhe hei de eu fazer, senão consentir!"8

Os delitos das personagens, alguns mais graves, como as ações tiranas do

Capitão Ambrósio e os negócios ilícitos de Antônio, e outros mais corriqueiros, como os

enganos de Maricota, são levados ao julgamento de Faustino, que as punem não conforme a

lei instituída e outorgada pelo Estado, ineficiente a seu ver, mas segundo o código de

justiça da própria personagem: "FAUSTINO: – Esta pena não vem no Código; mas não

admira, porque lá faltam outras muitas coisas".9 A ardilosa e namoradeira Maricota é

prometida ao velho Antônio Domingos, e o corrupto Capitão Ambrósio é obrigado a

desistir de perseguir Faustino. O juiz simbólico, uma personagem fantasiada de Judas,

ironicamente aquela que não cometeu nenhum delito ou traição na peça, pune e faz justiça

de forma bem humorada. Na cena final, há a inversão de papéis: os que antes cometiam

atos ilegais e eram os perseguidores, agora, são perseguidos e castigados; os negócios

ilícitos são desmantelados; e os enamorados se unem. Um happy ending que, com certeza,

agradava ao público, como ainda hoje o agrada.

Formalmente, o enredo de O Judas em Sábado de Aleluia é construído pela

estrutura farsesca, com amplo uso de recursos produtores da comicidade, que originam e

sustentam os quiproquós.10 O disfarce de Faustino como Judas possibilita o

desenvolvimento de toda a trama, pois, uma vez disfarçado, ele descobre os delitos das

personagens e ouve a confissão do amor verdadeiro de Chiquinha. A repetição de um

equívoco – tanto Faustino quanto o Capitão Ambrósio acreditam que Maricota os ama – é a

mola propulsora do fio amoroso, centrado nas mentiras contadas pela moça, que finge

afeição a ambos, enganando-os. O recurso da repetição também está presente nos diálogos,

como na recorrente indagação do Capitão Ambrósio que, logrado por Maricota, age como

um bobo ao procurar por um gato inexistente na casa de Pimenta: "CAPITÃO: – Pois o

7 PENA, 1956, vol. I, p. 150. 8 Idem. 9 Idem. 10 Ver o anexo "Sequenciamento de Cenas de O Judas em Sábado de Aleluia", que traz uma tabela com os dados referentes à construção formal de cada cena da comédia, marcando as entradas e saídas das personagens e o uso dos recursos cômicos.

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senhor não tem um gato? (...) E nunca os teve? (...) Nem suas filhas, nem seus escravos?

(...) Com que nem seu pai, nem a sua irmã e nem seus escravos têm gato?"11

No entanto, a comédia de Martins Pena não se resume a reprodução de fórmulas

consagradas que provocam o riso. O enredo une assuntos, personagens e ações provenientes

da convenção cômica a elementos políticos e sociais do Rio de Janeiro do Segundo

Império, como a Guarda Nacional e a circulação de dinheiro falso. É essa articulação entre

a convenção cômica e a sátira de aspectos sociais da época do autor que caracteriza as suas

peças:

Pode-se dizer que a veia cômica e satírica de Martins Pena é a feliz simbiose da mecânica bem-ajustada da comédia à francesa, e da seiva popular luso-brasileira, afiado instrumento que lhe permitirá fazer viver no palco homens, mulheres, crianças, situações, escravos-coisas, manias, vícios, costumes do mundo que o cerca e soube observar. O mundo da sociedade móvel, em plena elaboração, solicitado por tensões diversas, que caracteriza o Rio de Janeiro da década de 1840.12

As personagens de suas comédias não são apenas tipos e caricaturas (moça

namoradeira/casta, pai bouffon, velho, jovem) que provocam o riso; elas também

argumentam a favor de determinados valores morais e civis. Apresentam, então, uma dupla

condição: além de máscaras de comportamentos, fortemente codificadas pela tradição

farsesca, as personagens, principalmente as heroicas,13 representam e defendem ideias que

discutem a organização social e a prática dos direitos civis na capital do Império.

Na galeria feminina de O Judas em Sábado de Aleluia, temos Maricota e

Chiquinha, duas moças que apresentam argumentos em defesa do que acreditam ser o

correto comportamento moral e civil da mulher. Na primeira cena, um pouco extensa, se

considerarmos que esta é a menor comédia em um ato escrita por Martins Pena, Chiquinha

e Maricota dialogam sobre o namoro e o casamento. Em suas falas, as duas irmãs defendem

códigos de conduta sobre o papel da mulher na instituição familiar.

11 PENA, 1956, vol. I, p. 140. 12 MEYER, 1991, p. 97-98. 13 Adotamos a concepção de herói definida por Anne Ubersfeld: "Se em um texto dramático contarmos o número de aparições de uma personagem, o número de réplicas, e até mesmo o número de linhas de seu discurso (mesmo quando a ponderação dos três algarismos forneça uma solução incontestável), teremos encontrado a personagem principal, o 'herói' da peça". (UBERSFELD, 2010, p. 42).

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Na época, toda moça de família tradicional, que quisesse garantir um bom

casamento, deveria possuir um dote razoável. Em famílias abastadas, isso não era um

problema. Porém, como Pimenta era um funcionário do baixo escalão da Guarda Nacional,

não detinha bens, e suas filhas não possuíam dote. Isso preocupava Maricota, levando-a a

garimpar um bom casamento todos os dias em sua janela. A condição social inferior de sua

família motiva as suas ações ardilosas, fazendo-a namorar a todos os rapazes que

demonstrassem condições de lhe garantir um matrimônio vantajoso. Ela vê no casamento

uma possibilidade de ascensão social, ou pelo menos, uma garantia de sustento e uma

colocação social melhor da que desfrutava sendo filha de Pimenta. Nesse sentido, Maricota

não é apenas a moça namoradeira, tipo convencional da farsa, ela representa também a

situação desfavorável de jovens mulheres, em idade de se casar, sem dote e nem status

social. Maricota defende a ideia de que a mulher sem dote precisa abandonar a castidade

para garantir a si mesma um futuro melhor. Ela diz à irmã: "MARICOTA: – Minha cara,

nós não temos dote, e não é pregada à cadeira que acharemos noivo".14 Essa filosofia move

as suas ações em relação às formalidades do casamento, considerado por ela uma loteria.

Chiquinha, o oposto da irmã, concorda que o futuro de "filhas-famílias" era

esperar pelo casamento, e expõe as diferenças no meio para se atingir tal fim: haveria um

modo prudente e honesto, adotado por ela, e um insensato, como o de Maricota. Chiquinha

é cúmplice do modelo de mulher guardiã do lar, responsável pelos afazeres domésticos e

pela imagem pública da família. Suas ações dentro da comédia se resumem a coser o seu

vestido e a assistir, passivamente e distante, ao desenrolar das peripécias.

As duas irmãs colocam em cena situações-problema envolvendo o código de

conduta da mulher ante a sociedade e a seus deveres com a família. Para Maricota, há dois

tipos de mulheres: as sonsas e as sinceras. A diferença entre elas estaria no fato de que as

moças francas, como ela, namoravam abertamente, enquanto as que se faziam de sonsas e

dissimuladas namoravam às escondidas. Nos argumentos de Maricota, em seu extenso

diálogo com a irmã ao longo da primeira cena, a moça defende um comportamento

moderno para a mulher, que incluía o direito de escolher o esposo, ou simplesmente, de

namorar em público sem sofrer reprimendas dos pais ou ser condenada pela sociedade.

14 PENA, 1956, vol. I, p. 130.

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Chiquinha desaprova o comportamento da irmã, pois acredita não ser correto a

uma moça namorar publicamente a muitos rapazes, correndo o risco de ser desacreditada

pela sociedade: "CHIQUINHA: – Não vês que te podes desacreditar?"15 Para ela, "os

homens têm mais juízos (...); com as namoradeiras divertem-se eles, mas não se casam".16

No início da peça, Chiquinha prevê o destino punitivo da irmã: "CHIQUINHA: – (...) se

por fim encontrares um velho para marido".17 A punição da moça namoradeira é uma regra

no final dos enredos farsescos. Maricota não foge à convenção cômica: ela é obrigada a se

casar com o velho Antônio.

Na galeria de personagens masculinas de O Judas em Sábado de Aleluia, temos

homens ardilosos que empregam todo tipo de artifício para realizarem as suas vontades:

Ambrósio usa a patente de Capitão da Guarda Nacional para perseguir Faustino, seu rival

na conquista de Maricota; Pimenta cobra propina de recrutas da Guarda Nacional e efetua

prisões ilegais, para assim, manter o seu salário de cabo de esquadra; Antônio Domingos

mente para Pimenta acerca dos efeitos negativos que a circulação de dinheiro falso trazia ao

povo. Faustino, por sua vez, é um herói cômico e justiceiro. Assim como Chiquinha, não

comete delitos, apesar de no entrecho da peça, chantagear as personagens para atingir aos

seus objetivos, como deixar de servir na Guarda Nacional e se casar com a amada.

Martins Pena contextualiza essas personagens e suas ações em um Sábado de

Aleluia na capital do Império. No último sábado da Semana Santa, que simboliza o fim da

quaresma, ocorria na Corte a tradicional festa de malhação de bonecos que representavam

Judas Iscariotes, tido na tradição cristã como um grande traidor. O uso do Sábado de

Aleluia para contextualizar a comédia não é uma tentativa do autor de pintar e exaltar uma

das mais importantes festividades religiosas da cidade, e nem uma medida gratuita ao

enredo, e isso veremos o porquê.

15 PENA, 1956, vol. I, p. 131. 16 Ibid., p. 133. 17 Idem.

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2 O Teatro de São Pedro de Alcântara e a Quaresma

A sociedade imperial mantinha um extenso calendário de datas religiosas

decretadas oficiais pelo Estado, como o Dia de Reis, o Dia de Finados e a Semana Santa,

que incluía a Quarta-Feira Santa – 40 dias após o Carnaval –, a Quinta-Feira Santa, a Sexta-

Feira da Paixão, o Sábado de Aleluia e o Domingo de Páscoa, dias que marcam o fim da

quaresma. As datas eram comemoradas com procissões nas ruas e festas nos arredores das

igrejas, as quais ocorriam sob grandes multidões e em ambiente de feira, com atrações

musicais e circenses, fogos de artifícios, leilões de prendas, e diversos tipos de comidas e

bebidas. Cada festividade religiosa caracterizava-se por um ritual católico: no Sábado de

Aleluia, malhava-se o Judas; no Dia de Finados, os irmãos das almas saíam em procissões

para a coleta de esmolas; no início de janeiro, a folia de Reis; na festa do Divino, a

coroação de um Imperador simbólico.18 D. Pedro II estava presente nas mais importantes

festas religiosas da capital do Império. Estas constituíam-se em um elemento legitimador

do regime monárquico de um Imperador escolhido divinamente e apoiado na religião. Nas

palavras de Lilia Schwarcz, uma "realeza sacralizada pela Igreja Católica, elevada pela

releitura popular".19

Durante os dias santos, amplas discussões eram travadas na imprensa sobre o

caráter profano do teatro e a eventual proibição dos espetáculos dramáticos. Os

espectadores mais tradicionalistas não aprovavam as representações e o oferecimento de

bailes mascarados em datas religiosas de retiro e reflexão do católico, como é o caso do

período da quaresma. Essa foi a opinião defendida por um espectador anônimo que enviou

uma correspondência ao Diário do Rio de Janeiro:

As Representações Teatrais na Quaresma. Rogamos respeitosamente à autoridade competente, que se digne embaraçar a continuação dos espetáculos teatrais durante o tempo da quaresma, que é inteiramente impróprio para esses divertimentos; proibição que seria apoiada pelos exemplos que nos oferece Roma e Inglaterra (...). Pedimos também licença

18 Sobre a descrição das festas religiosas na Corte, consultamos ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: FAPESP, 1999, p. 47-100; ARÊAS, 1987, p. 33-36; SCHWARCZ, 2010, p. 247-294. 19 SCHWARCZ, 2010, p. 290.

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à dita autoridade para observar, que, se na cidade católica por excelência se fecham os teatros no tempo da quaresma, e mesmo durante as novenas de S. Pedro, na cidade protestante (Londres), e aonde talvez seja desonra o catolicismo, os teatros também se fecham durante a quaresma, e só concertos de música são permitidos, em lugar especial. Fala-se de um baile mascarado em a noite do Sábado Santo, ou Sábado de Aleluia! Deus tenha misericórdia daquele que teve tal lembrança, e de quem tolerou que se pusesse em prática, se por desgraça nossa assim acontecer.20

A carta refere-se ao baile mascarado que a cantora italiana Clara Delmastro

pretendia oferecer no Teatro de São Januário, a 18 de março de 1846. A iniciativa da artista

chocou alguns habitantes da Corte, que emitiram suas opiniões nos periódicos: "(...) quando

e que se viu dar-se um baile mascarado na quaresma? E no Rio de Janeiro?"21 Os

contestadores do baile acreditavam que o bispo capelão-mor deveria intervir, e o chefe de

polícia impedir tal sacrilégio e desaforo:

Confiamos pois que o Exm. desembargador chefe de polícia, que com tanta dignidade tem desempenhado aquele oneroso emprego, não há de consentir um semelhante abuso. Agora a V. Ex. Revm. Sr. bispo conde capelão-mor, rogamos de interpor o seu valimento com as autoridades competentes, a fim de que não se leve a efeito um abuso de tal natureza; é esta nossa opinião, deixaremos todavia ao público ilustrado de nos convencer do contrário.22

Em outra correspondência publicada pelo mesmo periódico, o autor, anônimo,

argumenta a favor da proibição dos bailes mascarados e propõe que as leis regulamentadas

pelo Estado salvaguardassem as leis divinas (dogmas, orientações da Igreja e lições da

Bíblia):

O Baile Mascarado. 'Perdoe-lhes, Senhor, porque eles não sabem o que fazem'. Estas memoráveis palavras pronunciadas pelo Salvador do mundo no Golgolha na hora extrema da vida, e que hoje tomamos por epígrafe, bem cabem em aplicação aos que concorreram para que houvesse bailes mascarados na quaresma, na quadra consagrada por excelência pela igreja para recordações de seus mistérios, para a oração, jejum e contrição; porque esses infelizes não têm reminiscências de passadas épocas (...). Escrevendo pois estas linhas, nosso intuito é despertar as autoridades da profunda letargia em que jazem mergulhadas, pedir-lhes o desagravo da lei fundamental do Estado, e com ela a conservação ilesa do legado que nossos pais nos

20 Diário do Rio de Janeiro, 06 de março de 1846. 21 Diário do Rio de Janeiro, 17 de março de 1846. 22 Idem.

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transmitiram. Não permitam elas que entre nós se reproduzam as cenas da prostituída Roma no reinado de Diocleciano.23

Contudo, nem todos os habitantes do Rio de Janeiro eram contrários aos bailes

mascarados durante a quaresma. Em resposta aos que eram a favor da proibição, "O

católico sem hipocrisia" admite, em carta veiculada pelo Diário do Rio de Janeiro, que a

cidade teria o direito de oferecer os bailes, assim como ocorria nas grandes capitais

europeias modernas:

Tenho lido no Diário do Rio duas ou três correspondências em que se estigmatizam os bailes mascarados, mormente o do meio da quaresma, firmadas nas doutrinas dos nossos apóstolos; na verdade é bem curioso ver se combater os bailes mascarados com aquelas doutrinas, pois na existência dos apóstolos ainda não havia esses bailes, que são puramente modernos, e inventados pelos próprios católicos. (...) parece ser um passatempo inocente e bem lícito, tanto assim que em Roma, de onde deve partir o exemplo para os católicos, se faz um baile mascarado no meio da quaresma, assim como em toda a Itália, e mesmo em Paris, (...) daí se conclui que é lícito e justo para os católicos terem um baile mascarado no meio da quaresma. O católico sem hipocrisia.24

Após muitas cartas com opiniões díspares e súplicas às autoridades policiais e

religiosas, este foi o final da polêmica história em torno do baile de Clara Delmastro: o

evento ocorreu no São Januário, no dia anunciado, "com aumento da música (...) e a

iluminação melhorada",25 iniciado às 20h30 e findado às 4h00 da manhã.

Apesar de a opinião pública mostrar-se dividida quanto à censura dos bailes

mascarados, um requerimento foi encaminhado ao Conservatório Dramático, solicitando

que a instituição intervisse e proibisse os bailes, conforme noticiou o Diário do Rio de

Janeiro em abril de 1846:

No Jornal de 26 do mês findo, lemos entrados do maior gaúdio o extrato da ata do conselho do Conservatório Dramático, concernente à proposta do Sr. doutor Miranda, em que requeria, que protestasse aquela tão útil instituição contra a inauguração dos bailes mascarados por dentre nós, que foi aprovada com a discrepância de um só dos seus membros.26

23 Diário do Rio de Janeiro, 16 de março de 1846. 24 Diário do Rio de Janeiro, 18 de março de 1846. 25 Diário do Rio de Janeiro, 17 de março de 1846. 26 Diário do Rio de Janeiro, 02 de abril de 1846.

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Em votação, o Conservatório Dramático sinalizou a favor da proibição, mas, ao

que tudo indica, a proposta não se transformou em lei, uma vez que os bailes mascarados

continuaram a ser oferecidos. Nos anos seguintes a 1846, principalmente nas temporadas de

1850 e 1851, os bailes viraram moda e foram frequentemente realizados, não apenas nos

teatros, mas também em salões, como no Salão da Floresta, situado na Rua da Ajuda, e no

Paraíso, antigo Teatro Tivoly, localizado no Campo da Aclamação.

Para não agredir e ofender a sua plateia – majoritariamente católica –, e o

Estado Imperial – que lhe destinava subvenções –, o São Pedro de Alcântara optava, no

período da quaresma, por representar dramas-sacros, a exemplo dos títulos Betúlia Sitiada e

Triunfante ou A Corajosa Judith e As Relíquias de São Marcos,27 em espetáculos que

contavam com a presença da Família Imperial em sua tribuna exclusiva. Nos dias santos,

como o Sábado de Aleluia e o Dia de Finados, o próprio teatro decidia permanecer de

portas fechadas.

Se na década de 1840, a proibição se dava em circunstâncias de um pacto não

formalizado e convencionado entre o teatro, seu público e o Estado, na década de 1850 a

proibição de espetáculos teatrais em dias de festividades religiosas foi formalmente

instituída. Em janeiro de 1851, quando assumiu a administração do São Pedro de Alcântara,

João Caetano assinou um contrato com o governo. A cláusula segunda o impedia de

oferecer exibições nas seguintes datas oficiais e religiosas:

2º Não haverá espetáculo algum nos dias 16 de janeiro, 24 de setembro e 11 de dezembro, na quarta-feira de Cinza, em todos os domingos e sextas-feiras da Quaresma, na Semana Santa desde o domingo de Ramos até o Sábado de Aleluia inclusive, e no dia de Finados. Fora destes dias poderá haver sempre espetáculo, menos por algum desgraçado acontecimento imprevisto, ou por ordem expressa do governo.28

Na primeira metade do século XIX, as discussões sobre o caráter profano do

teatro incluíam, além dos bailes mascarados, os melodramas e as farsas. Tais gêneros

dramáticos eram considerados imorais: o primeiro, por encenar episódios de assassinatos

violentos e, o segundo, por desnudar os vícios dos homens em situações grotescas. Várias

27 Dramas-sacros representados, respectivamente, no período da quaresma de 1841 e 1844. 28 Jornal do Commercio, 20 de janeiro de 1851.

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correspondências de espectadores, publicadas pelo periódico Diário do Rio de Janeiro,

julgavam imorais o enredo e a linguagem de melodramas e farsas. Exemplificamos com o

texto assinado por "O brasileiro":

Os teatros são a fonte da moral, são a escola dos costumes; os teatros contribuem grandemente para a civilização do povo; eles nos distraem da monotonia da vida, suavizam-nos o cansaço do trabalho diário, adoçam-nos os costumes. Tudo isso assim é; mas, para que os teatros produzam todos estes salutares efeitos, é mister que não sejam profanados por impuras e horrorosas representações. Que efeito útil podem produzir nos espectadores essas peças, onde toda a moralidade consiste em cenas continuadas de imoralidades e de horrores? (...) Eu, portanto, aconselho aos diretores dos teatros que fossem mais escrupulosos na escolha das peças, e farsas, que tivessem de levar à cena.29

Como o período da quaresma exigia do católico a abstinência e o decoro,

Antonio José de Araújo, censor do Conservatório Dramático, não aconselhou, em março de

1851, a representação de O Judas em Sábado de Aleluia, argumentando que a comédia

colocava em cena um moedeiro falso, um "crime tão odioso à sociedade":

Não posso achar conveniente a representação deste drama ao tempo da quaresma, principalmente pela circunstância de aparecer em cena um moedeiro falso, crime tão odioso à sociedade, e que no drama não apresenta o lado moral da punição; e serve tão somente como meio para conseguir-se um trecho da obra, isto, ficando entre nós, têm aparecido inúmeros de notas falsas, parece-me de grande desconveniência; mesmo sem ser em tempo de quaresma não seria (no meu entender) razoável a representação deste drama sem que fosse substituída esta parte do drama por outra de igual efeito, que aliás refuto fácil de substituir. Alargo-me nesta opinião, porquanto acho bem escrito e bem delineado este drama e pesar tenho que tenha esse defeito.30

Além das acusações de imoralidade e profanação, não podemos nos esquecer de

uma questão prática que, certamente, reprovava os espetáculos teatrais em dias de

festividades religiosas. Se fossem exibidas peças nas mesmas datas em que ocorriam as

tradicionais festas apoiadas pelo monarca, estas sofreriam concorrência de público com os

teatros, já que os habitantes da Corte teriam outra opção de entretenimento. D. Pedro II não

29 Diário do Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 1839. 30 "Martins Pena e a censura: extratos de pareceres de censura: notas várias", Biblioteca Nacional, Coleção Darcy Damasceno, I - 26, 02, 75.

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desejaria que sua plateia estivesse no teatro, enquanto ele honrava com a sua presença as

festas populares nas ruas e igrejas do Rio de Janeiro.

2.1 As Comédias de Martins Pena e as Festas Religiosas

Em seu trabalho sobre as festividades do Divino Espírito Santo, no Rio de

Janeiro oitocentista, Martha Abreu apresenta um minucioso panorama dessas festas, que

misturavam "em doses variadas uma devoção religiosa, uma corte imperial plebeia e muitas

diversões profanas".31 É esse caráter festivo que encontramos na última cena de A Família e

A Festa da Roça, que representa as comemorações ao Divino Espírito Santo com música,

dança e um leilão de prendas:

UM FOLIÃO (Cantando) A pombinha está voando Pra fazê nossa folia, Vai voando, vai dizendo: Viva, viva esta alegria. (Dançam e todos aplaudem com palmas, bravos e vivas) FOLIÃO (Cantando) Esta gente que aqui está Vem pra vê nosso leilão, Viva, viva a patuscada E a nossa devoção!32

A comédia O Judas em Sábado de Aleluia tem como pano de fundo uma

festividade religiosa popular no Rio de Janeiro do século XIX: trata-se da celebração ao

Sábado de Aleluia, dia que antecede a Páscoa. Provavelmente, a festa era semelhante à do

Divino, porém em proporções menores e com as especificidades da data, que encena uma

ritualística católica, de origem portuguesa: a malhação ou queimação do Judas. Além de

31 ABREU, 1999, p. 65. 32 PENA, 1956, vol. I, p. 93.

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simbolizar a punição de Judas Iscariotes, conhecido na cultura cristã como o traidor de

Jesus Cristo, Ático Vilas-Boas Mota acredita que a malhação do boneco também

representaria a perseguição aos judeus na época da Inquisição europeia.33

Ao anunciar na imprensa e em cartazes espalhados pela cidade uma peça escrita

por um autor fluminense, cujo título fazia referência a uma festividade religiosa tradicional

no Rio de Janeiro, o teatro despertava a curiosidade do público e o atraía ao espetáculo:

Terça-Feira, 17 de setembro de 1844. Benefício do ator Manoel Soares. Finda uma das melhores ouverturas, abrirá a cena para a representação da nova comédia em 5 atos: Os Casados em Segredo. (...) Terminará o espetáculo a nova farsa, escrita pelo autor do Juiz de Paz e A Festa da Roça, intitulada: O Judas em Sábado de Aleluia. O beneficiado tendo feito escolha de um espetáculo todo novo e todo jocoso, persuade-se de ter concorrido da sua parte para que fiquem satisfeitas aquelas pessoas que se dignarem protegê-lo.34

Contudo, apesar de o Sábado de Aleluia aparecer no título da comédia, não

pode ser considerado o seu tema central, pois o autor não oferece à plateia a pintura de um

quadro de costumes em torno dessa festividade. O fato de caracterizar o tempo de sua

comédia durante o Sábado de Aleluia pode ser entendido, além da função cênica de

propiciar situações para quiproquós, como uma crítica de Martins Pena ao sistema de leis

policiais e religiosas que regularizavam os espetáculos teatrais, proibindo as representações

de peças, principalmente farsas, em datas tidas como sagradas. O comediógrafo vai além e

problematiza a autoridade arbitrária desempenhada pela Guarda Nacional, que ameaçava os

direitos civis dos habitantes do Rio de Janeiro, como a liberdade de ir e vir.

3 A Autoridade Policial e os Direitos Civis

Atualmente, ao lermos O Judas em Sábado de Aleluia podemos pensar que se

trata de uma comédia despretensiosa, repleta de cenas engraçadas sobre namoros, trapaças e

uma festa religiosa popular no Rio de Janeiro oitocentista. No entanto, o ridículo de

33 Cf. MOTA, Ático Vilas-Boas. Queimação de Judas: catarismo, inquisição e judeus no folclore brasileiro. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1981, p. 113. 34 Diário do Rio de Janeiro, 06 de setembro de 1844.

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personagens e as situações risíveis tecem uma sátira social, que problematiza a contradição

em torno das leis civis do Império,35 as quais, apesar de existentes, não eram respeitadas,

devido, principalmente, ao abuso de poder e à ação corrupta de membros da polícia do

Estado, a Guarda Nacional. A peça encena quadros que abordam leis integrantes da

Constituição, outorgada em 25 de março de 1824, e itens do Código Criminal do Império,

promulgado em 16 de dezembro de 1830. Essas discussões, apresentadas em forma de

denúncia social, informam e alertam os espectadores, convidando-os à reflexão. Na última

cena, Faustino dirige-se à plateia e a adverte: "FAUSTINO: – Queira Deus que aproveite o

exemplo!"36

3.1 O Autoritarismo Policial: a corrupção e o abuso de poder

Instituída em 18 de agosto de 1831, a partir de uma legislação própria,37 a

Guarda Nacional, ou milícia cidadã, como também era conhecida, estava presente tanto nas

cidades quanto nas pequenas vilas. A instituição organizava-se conforme a hierarquia

militar, com cargos de guardas, cabos, capitães, sargentos etc. Os guardas nacionais, que

constituíam o mais baixo escalão, faziam rondas, participavam de paradas cívicas e

efetuavam prisões. A Guarda Nacional mantinha, principalmente em cidades maiores, a

exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro, uma estruturada rede de alistamento, obrigatório

para homens de idades entre 21 e 60 anos. O alistamento, efetuado por inscrição domiciliar,

destinava-se a compor o serviço ativo – que durava quatro anos – e o quadro de reservas.38

O alistamento na Guarda Nacional aparece em O Judas em Sábado de Aleluia

como uma moeda de troca, utilizada pelo Capitão Ambrósio a fim de cobrar propinas dos

35 Na época de Martins Pena, as leis civis existentes baseavam-se nas Ordenações Filipinas portuguesas, de 1603, na Lei da Boa Razão pombalina, de 1769, e em alguns isolados adventos legislativos, acrescidos pelos brasileiros após 1822, como o Artigo 179 da Constituição de 1824. (Cf. FONSECA, Ricardo Marcelo. "A cultura jurídica brasileira e a questão da codificação civil no século XIX". In: Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, vol. 44, n. 0, p. 61-76, 2006). 36 PENA, 1956, vol. I, p. 150. 37 "Lei de 18 de agosto de 1831 - Cria as Guardas Nacionais". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1831. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1875, p. 49-75. 38 Cf. CASTRO, Jeanne Berrance de. A Milícia Cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1977, passim.

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guardas que não queriam ser convocados. Para as personagens da peça, a Guarda Nacional

não passa de um "'cabide de emprego' e oportunidade de corrupção".39 É essa ideia,

partilhada pelo Capitão e Pimenta, que constatamos na versão manuscrita da cena oito:

PIMENTA: – Os que não pagam para a música devem sempre estar prontos. Aqui está o dinheiro da música, que cobrei hoje. (Dá alguns bilhetes do Banco ao Capitão, que os conta, enquanto ele continua a falar) Alguns são muito remissos. CAPITÃO: – Ameace-os com o serviço. PIMENTA: – Já o tenho feito. Digo-lhes que se não pagarem prontamente, o senhor Capitão os chamará de novo para o serviço. (O Capitão dá um bilhete dos que tem na mão a Pimenta, este o guarda) Obrigado, Sr. Capitão. Faltam ainda oito que não pagaram este mês, e dois ou três que não pagam desde o princípio do ano. CAPITÃO: – Avise a esses, que recebeu ordem para os chamar de novo para o serviço impreterivelmente. Há falta de gente. Ou paguem ou trabalhem.40

Além do caráter corrupto, Martins Pena desnuda o lado autoritário e repressor

da instituição policial.41 Faustino compara o Capitão Ambrósio a Gengis-Khan e Tamerlan,

grandes imperadores e conquistadores mongóis dos séculos XIII e XIV, conhecidos pelos

seus governos tirânicos. O Capitão, corrupto e opressor, utiliza sua patente e o poder bélico

para ameaçar e coagir os seus oponentes: "CAPITÃO: – Aos insultos respondem-se com as

armas na mão! Tenho uma patente de capitão que deu-me o governo, hei de fazer honra a

ela!"42

Em O Judas em Sábado de Aleluia, uma polícia corrupta e autoritária ameaça o

direito de liberdade dos indivíduos da capital do Império, principalmente daqueles

pertencentes à classe menos favorecida, a exemplo de Faustino. Martins Pena questiona até

que ponto as leis da época poderiam garantir o direito mais primordial do cidadão: sua

liberdade individual. Nessas discussões, não são incluídos o tema abolicionista e nem

personagens de ordem social nobre. Então, nos parece ser coerente afirmar que a mensagem

sobre os direitos civis, levada ao palco pelo comediógrafo, se destinava aos homens livres

39 ARÊAS, 1987, p. 163. 40 PENA, 1956, vol. I, p. 141 e 159. 41 Em seus folhetins de "A Semana Lírica", que também poderiam ser denominados "A Semana Policial", Martins Pena, em várias crônicas, mostra irritação com as injustiças cometidas pela polícia do Império. (Cf. ARÊAS, op. cit., p. 48-53). 42 PENA, op. cit., p. 149.

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de baixa renda do Rio de Janeiro – trabalhadores do comércio e pequenos funcionários

públicos –, cujas condições sociais eram semelhantes às de Faustino.

3.2 O Direito de Liberdade

A trama de O Judas em Sábado de Aleluia discute a liberdade do indivíduo, a

partir da abordagem do Artigo 179 da Constituição de 1824, que se refere aos direitos civis

dos cidadãos brasileiros, e de itens do Código Criminal de 1830. Sobre o conjunto de leis

criminais, são duas as alusões trazidas pela peça: a lei que punia a cobrança de propinas por

funcionários públicos e a condenação de moedeiros falsos.43

TÍTULO V - Dos crimes contra a boa ordem, e administração pública SEÇÃO IV - Concussão Art. 135 Julgar-se-á cometido este crime: 1º Pelo empregado público, encarregado da arrecadação, cobrança, ou administração de quaisquer rendas, ou dinheiros públicos, ou da distribuição de algum imposto, que direta, ou indiretamente exigir, ou fizer pagar aos contribuintes, o que souber não deverem. Penas - de suspensão do emprego por seis meses a dois anos. No caso, em que o empregado público se aproprie o que assim tiver exigido, ou o exija para esse fim. Penas - de perda do emprego; prisão por dois meses a quatro anos, e de multa de cinco a vinte por cento do que tiver exigido, ou feito pagar.44 TÍTULO VI - Dos crimes contra o Tesouro Público, e propriedade pública CAPÍTULO II - Moeda Falsa Art. 174 Fabricar, ou falsificar qualquer papel de crédito, que se receba nas estações públicas, como moeda; ou introduzir a moeda falsa, fabricada em país estrangeiro. Penas - de prisão com trabalho por dois a oito anos, e de multa correspondente à metade do tempo, além da perda sobredita.45

43 Casos de circulação de moedas falsas eram divulgados pela imprensa carioca. Os exemplares do Jornal do Commercio de 27 de junho e 07 de julho de 1845 noticiaram um caso policial de circulação de cédulas falsas na província do Maranhão. O crime ganhou grande destaque, a ponto de o tesoureiro da província dirigir-se à Corte para dar maiores explicações ao governo sobre o acontecido. 44 "Lei de 16 de dezembro de 1830 - Código Criminal do Império do Brasil". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1830. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1876, p. 168. 45 Ibid., p. 176. A lei nº 52 de 03 de outubro de 1833 endureceu a punição contra o crime: "Art. 8º Os fabricadores, e introdutores de moeda falsa, serão punidos pela primeira vez com a pena de galés para a Ilha de Fernando, pelo duplo do tempo de prisão, que no Código Criminal está designada para cada um destes crimes; e nas reincidências serão punidos com galés perpétuas para a mesma Ilha, além do dobro da multa".

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Ao representar no palco crimes puníveis por leis instituídas, Martins Pena

questiona a eficiência destas no combate de tais infrações, já que nem o corrupto Capitão

Ambrósio e nem os atravessadores de dinheiro falso, Pimenta e Antônio, são presos, apesar

de conscientes dos crimes que cometiam e temerosos com as suas penas.

Em relação ao Artigo 179 do Título 8º, integrante da Constituição de 1824, a

comédia faz alusão aos itens que garantiam o direito de propriedade e de igualdade civil, e

que impediam prisões arbitrárias efetuadas por membros da polícia. Na cena 12, Pimenta

declara que o lar de uma família é inviolável, configurando um crime a sua invasão:

"PIMENTA: – Ocultar-se em casa de homem de bem, de um pai de família, é ação

criminosa: não se deve praticar! As leis são bem claras; a casa do cidadão é inviolável!"46 A

personagem refere-se ao item sete da referida Constituição, que garantia o direito de

propriedade e a inviolabilidade do lar doméstico:

TÍTULO 8º Das Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros. Art. 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. (...) VII Todo o Cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.47

Ao mencionar a lei, Martins Pena leva ao palco a discussão acerca da fronteira

entre o que se refere ao público e ao privado, tema presente em grande parte de suas

comédias. As cenas, que se passam no interior de casas de famílias urbanas, apresentam um

fluxo contínuo de assuntos que circulam por entre a rua – o espaço público – e o lar –

representativo do ambiente privado. Isso justifica a repetição dos cenários de suas peças:

geralmente, portas e janelas, por onde se dão a entrada e a saída de personagens para a rua.

("Lei nº 52 de 03 de outubro de 1833". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1833. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1872, p. 59). 46 PENA, 1956, vol. I, p. 148. 47 Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886, p. 31-32.

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A comédia discute também o item oitavo do Artigo 179, que tratava das

condições de prisão e impedia que pessoas inocentes fossem aprisionadas de modo

arbitrário:

VIII Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Vilas, ou outras Povoações próximas aos lugares da residência do Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do território, o Juiz por uma Nota, por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as.48

O tirano e corrupto Capitão Ambrósio ameaça os seus oponentes com o

encarceramento. Ele usa a patente, que, a seu ver, o colocava acima de qualquer lei, para

perseguir Faustino e ordenar, arbitrariamente, a sua prisão:

CAPITÃO: – É preciso fazer diligência para se prender esse guarda, que está ficando muito remisso. Tenho ordens muito apertadas do comandante superior. Diga aos guardas encarregados de o prender que o levem para os Provisórios. Há-de lá estar um mês. Isto assim não pode continuar. Não há gente para o serviço com estes maus exemplos. A impunidade desorganiza a Guarda Nacional. Assim que ele sair dos Provisórios, avisem-no logo para o serviço, e se faltar, Provisório no caso, até que se desengane. Eu lhe hei-de mostrar. (À parte) Mariola!... Quer ser meu rival!49

Faustino é caçado injustamente por uma polícia corrupta e autoritária. Seu

direito de ir e vir é ameaçado, fazendo-o crer que a liberdade dos cidadãos estava a um fio

da ação arbitrária de membros da Guarda Nacional:

FAUSTINO: – Um cidadão é livre... Enquanto não o prendem. (...) E julgas que um homem faz a sua obrigação quando anda atrás de um cidadão brasileiro com uma ordem de prisão metida na patrona, na patrona? Vê, vê como isto é degradante e humilhante! A liberdade, a honra, a vida de um homem, feito à imagem de Deus, metida na patrona! Oh, só um capitão da Guarda Nacional seria capaz de inventar tal infâmia...50

48 Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824, 1886, p. 32-33. 49 PENA, 1956, vol. I, p. 141. 50 Ibid., p. 135 e 155.

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***

Além do entretenimento de seu público por meio do riso farsesco, Martins Pena

buscava encenar uma importante questão de denúncia social, que vislumbrava uma

contradição nas leis civis do Império, as quais, apesar de existentes, eram desrespeitadas

pela instituição policial. O comediógrafo demonstra conhecer as leis brasileiras e,

provavelmente, deve ter lido obras de juristas, já que diferentes livros sobre a Constituição

do Brasil, o Código Penal e os direitos civis eram comercializados pelas livrarias cariocas.51

Assim, as personagens de O Judas em Sábado de Aleluia não representam

apenas comportamentos convencionados pelos tipos cômicos. Elas levam ao palco uma

situação-problema e defendem uma ideia, referentes ao cotidiano social na capital do

Império. Se pudermos considerar Faustino como o porta-voz de Martins Pena, certamente

este se dirigia à audiência de trabalhadores livres, frequentadores da plateia geral do São

Pedro de Alcântara, alertando-os que o poder não poderia emanar de uma instituição

policial repressora e corrupta que agia a seu bel-prazer. Faustino idealiza uma melhor

organização social ao redor de leis civis consolidadas e protegidas pelo Estado, as quais

garantiriam a justiça e o bem-estar social no Rio de Janeiro. O Código Civil, inexistente até

então e uma pendência do Artigo 179 da Constituição de 1824,52 poderia proporcionar aos

cidadãos brasileiros os direitos mais modernos, a exemplo das nações europeias que, na

época, eram um espelho para o Império que tentava civilizar-se. Em uma versão manuscrita

da peça, a fala final de Faustino surge como um alerta à plateia: "FAUSTINO: – E se nós

não estamos bem constituídos, a culpa não é minha".53

51 Entre os títulos comercializados na época, podemos mencionar o Código do Processo Civil, Código Penal Militar, Constituição do Brasil, Código Criminal e Indicador dos Juízes de Paz, obras editadas pelo livreiro Emile Seignot-Plancher. (Cf. MANÇANO, Regiane. Livros à Venda: presença de romances em anúncios de jornais. 319 p. Dissertação (Mestrado em Teoria e História Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2010, p. 46 e 61). 52 "XVIII Organizar-se-á quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça, e Equidade". (Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824, 1886, p. 34). O Código Criminal foi regulamentado em dezembro de 1830, mas o Código Civil só foi formulado em 1916. 53 PENA, 1956, vol. I, p. 165.

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CAPÍTULO 3

AS IRMANDADES RELIGIOSAS E A MAÇONARIA EM OS IRMÃOS DAS

ALMAS: UMA BUSCA DOS DIREITOS DOS HOMENS

EUFRÁSIA: – Essa é que é a desgraça: não termos medo ao burro, senão depois do coice.1

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens

Os Irmãos das Almas estreou a 19 de novembro de 1844, no encerramento do

espetáculo beneficente em favor do ator José Candido da Silva. Além da comédia, o

programa exibiu o drama O Amor de um Padre ou A Inquisição em Roma, de Louis

Antoine Burgain, seguido de um número musical desempenhado pelo rabequista português

Fernando de Sá Noronha, e de O Judas em Sábado de Aleluia.

A comédia é tecida por três fios dramáticos (o familiar, o amoroso e o religioso)

que abordam satiricamente a instituição familiar, a Igreja e a maçonaria. A trama que

perpassa todo o enredo, proveniente da tradição cômica, envolve os conflitos domésticos de

um casamento e a convivência entre marido, esposa e sogra: Jorge, que desempenha o

caractere cômico do marido covarde e medroso, é dominado e humilhado pela esposa,

Eufrásia, e pela sogra, Mariana. A peça coloca em cena os conflitos de convivência, em um

mesmo lar, entre essas personagens-tipo, que se enfrentam verbalmente e fisicamente,

como ocorre na cena 11, construída pelo recurso farsesco da pancadaria:

JORGE (cerrando os dentes de raiva e metendo a cara diante da de Mariana): – Senhora!... Diabo!... MARIANA: – Ah! (Dá-lhe com o pano de sinapismo na cara. Jorge dá um grito de dor, leva as mãos à cara e sai gritando).

1 PENA, "Os Irmãos das Almas", 1956, vol. I, p. 170.

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JORGE: – Estou cego! Água, água!...2

Os Irmãos das Almas apresenta uma grande quantidade de diálogos

caracterizados por uma linguagem de xingamentos e adjetivos depreciativos, responsáveis

por gerar a comicidade na maioria das cenas da peça. São várias as ocorrências: "os diabos

que as carreguem, corujas do diabo!";3 "pedaço de asno!";4 "grandissíssimo sacripante!";5

"lambisgoia";6 "deslambida".7 Expressões populares, de sentido cristalizado, também são

amplamente empregadas: "sou um raio que te parta!";8 "que te leve a breca!";9

"caraminholas que te meteram na cabeça";10 "feito de mim seu gato-sapato";11 "ri-se com

gosto quem se ri por último".12

Além da pancadaria e da linguagem popular, Martins Pena também recorre ao

recurso farsesco da animalização da figura do marido, da esposa e da sogra, para provocar o

humor nos diálogos entre as três personagens. Segundo Propp, a escolha dos animais é

determinante para a produção do efeito cômico, por isso é preferível comparar os

indivíduos a animais aos quais são atribuídas qualidades negativas.13 Jorge compara a

esposa e a sogra a víboras, corujas, tartarugas e lampreias, conferindo-lhes as características

negativas desses animais, como a feiura repugnante de uma lampreia e a nocividade das

víboras. Devido ao seu comportamento de homem medroso e covarde, Jorge é associado,

pela mulher e sogra, à besta, ao sendeiro e ao asno:

EUFRÁSIA: – Sabes tu o que é um marido? É um animal exigente, impertinente e insuportável... A mulher que quiser viver bem com o seu, faça o que eu faço: bata o pé, grite mais do que ele, caia em desmaio, ralhe e quebre os trastes.

2 PENA, 1956, vol. I, p. 179. 3 Ibid., p. 177. 4 Ibid., p. 178. 5 Idem. 6 Ibid., p. 179. 7 Ibid., p. 186. 8 Ibid., p. 178. 9 Idem. 10 Ibid., p. 181. 11 Ibid., p. 189. 12 Idem. 13 Cf. PROPP, 1992, p. 66-67.

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Humilhar-se? Coitada da que se humilha! Então são eles leões. O meu homem será sendeiro toda sua vida.14

A segunda trama de Os Irmãos das Almas é construída por meio da sátira das

irmandades religiosas e dos hipócritas da religião. Jorge é um irmão das almas corrupto,

que faz uso, em benefício próprio, da verba e prendas que arrecada. Eufrásia participa da

Festa dos Ossos não por causa das missas, que acredita serem maçadas, mas porque se trata

de uma festividade que reunia muita gente e modelos luxuosos de urnas.

A terceira trama da comédia, a intriga amorosa, encena os percalços vividos

pelos enamorados Luísa, irmã de Jorge, e Tibúrcio, um maçom. A moça, ao descobrir que o

namorado era um membro da maçonaria, sente-se desiludida, pois vê como impossível a

sua união com um maçom. No final da peça, desfeitos os enganos e as mentiras, os dois

jovens são recompensados e recebem o aval de Jorge para se casarem.

O enredo, de tempo linear, transcorre integralmente na sala da casa de uma

família urbana, que habita a capital do Império. O cenário é simples, contando apenas com

uma mesa, cadeiras, um armário grande e duas portas, uma liga a sala aos outros cômodos

da casa, e a outra dá acesso à rua, de onde vem os dobres fúnebres da Festa dos Ossos e a

turba que persegue Felisberto, na cena 14, gritando "pega ladrão!"15

As cenas de Os Irmãos das Almas são construídas pela estruturação farsesca,

embasada nos quiproquós, os quais, por sua vez, são tecidos pelo emprego dos diversos

recursos cômicos, tais como o esconderijo, o disfarce e o equívoco. O grande armário da

sala, descrito na primeira didascália da peça, possibilita que quatro personagens nele se

escondam, ocasionando o principal quiproquó do enredo, desenvolvido entre as cenas 13 e

18. O quiproquó é mantido pelo uso de outro recurso farsesco, o disfarce. Travestido de

irmão das almas, Tibúrcio consegue adentrar a casa de Luísa, para assim, poder falar com a

moça. Esse é o mesmo disfarce que permitirá a Felisberto adentrar as casas e furtar um

relógio.

14 PENA, 1956, vol. I, p. 170-171. 15 Ibid., p. 183.

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São três os momentos do enredo: uma situação inicial; o texto ação; e uma

situação final.16 As primeiras cenas, de exposição, apresentam as personagens, suas

características e ocupações. As cenas isoladas, que exibem os solilóquios das personagens,

garantem o desencadeamento da trama, explicando as ações anteriores e prevendo as

futuras. A partir da cena 14, inicia-se um processo de encontro dos três fios da peça, que

culmina em seu clímax e na concentração das personagens em cena. O processo se constitui

pela repetição de situação, que causa um extenso quiproquó: quatro irmãos das almas, dois

falsos – Felisberto e Tibúrcio – e dois verdadeiros – Sousa e Jorge –, estão escondidos no

mesmo armário. A presença da polícia em cena, que, a princípio, garantiria a resolução dos

enganos, provoca mais um equívoco, pois os permanentes prendem a pessoa errada, Sousa,

enquanto o real ladrão do relógio, Felisberto, consegue escapar. A cena 21 prepara o final

do enredo, no qual Jorge conta uma mentira, afirmando ser um maçom, para assim,

submeter sua esposa e sogra aos seus mandos.17

A galeria de personagens de Os Irmãos das Almas combina caracteres típicos

da tradição farsesca a elementos sociais do Rio de Janeiro da primeira metade do século

XIX. Luísa é a típica boa moça da tradição cômica, assim como Chiquinha de O Judas em

Sábado de Aleluia. Ambas são virtuosas moças de família que estão à espera de um

casamento. Eufrásia e Mariana representam o papel farsesco da esposa e da sogra

interesseiras, que submetem o marido/genro às suas ordens. Felisberto é um homem que

"não tem ofício nem benefício",18 um ladrão barato que vadia no Largo do Rocio. Jorge

representa o caractere cômico do esposo covarde e medroso. Ele reclama do modo como é

tratado por Eufrásia e Mariana, e pelo atrevimento e audácia de Felisberto, que vive de

intimidades com Eufrásia. Jorge quer mostrar à esposa e à sogra que é o governador da

casa, o senhor de seu lar. Mas, sua condição não lhe é nada vantajosa, já que mora de favor

na casa da sogra e teme enfrentá-la:

16 Para a análise formal do texto de Os Irmãos das Almas, nos baseamos no modelo proposto por UBERSFELD, 2010, p. 125-155. 17 O anexo "Sequenciamento de Cenas de Os Irmãos das Almas" traz uma tabela com os dados referentes à construção formal de cada cena da comédia, marcando as entradas e saídas das personagens e o uso dos recursos cômicos. 18 PENA, 1956, vol. I, p. 173.

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LUÍSA: – E por que o sofre, mano? Não é você o homem desta casa? Até quando há de ter medo de sua mulher? JORGE: – Medo? Pois eu tenho medo dela? (Com riso forçado) É o que me faltava! O que eu tenho é prudência; não quero desbaratar... LUÍSA (à parte): – Coitado! (...) (Seguindo-o) Meu irmão, por que não fazes um esforço para saíres deste vexame em que vives? Cobre energia! Mostre que é homem! Isto é uma vergonha! Não se acredita! Que fraqueza! JORGE (parando): – É fraqueza? LUÍSA: – É, sim. JORGE: – Pois quero mostrar-te para que sirvo. Quero mostrar-te que sou homem e que nesta casa governo eu. LUÍSA: – Felizmente. JORGE: – Vou ensiná-las, botar este biltre pela porta a fora! Basta de humilhação! Vai tudo com os diabos! (Caminha intrepidamente e a passos largos para a porta da direita, mas aí chegando, para). LUÍSA: – Então, paras? JORGE (voltando): – Melhor é ter prudência. Tenho medo de fazer uma morte. LUÍSA: – Meu Deus, que fraqueza!19

Nas duas últimas cenas da peça, Jorge engana a esposa e a sogra, contando-lhes

uma mentira, ao afirmar que era um maçom. A personagem faz uso do imaginário

fantasioso e tenebroso que encobria a maçonaria na época, para causar temor em Eufrásia e

Mariana. Desse modo, o covarde Jorge consegue submetê-las à sua autoridade:

JORGE: – Até agora não tenho sido homem, mas era preciso sê-lo. E o que havia eu de fazer para ser homem? (Com exaltação) Entrar nessa sociedade portentosa, universal e sesquipedal, onde se aprendem os verdadeiros direitos do homem. (Faz momices e sinais extravagantes com as mãos). EUFRÁSIA: – O que quer isto dizer? MARIANA: – Ai, o que está ele a fazer? JORGE: – Estes são os sinais da ordem. (Faz os sinais). MARIANA: – Está doido! (...) Misericórdia! EUFRÁSIA: – Jesus!20

A partir da mentira, um recurso de construção da comicidade, e da menção ao

imaginário popular fantasioso acerca da maçonaria, Jorge assume o governo de seu lar e

submete à sua autoridade a esposa e a sogra. No final da comédia, vemos, então, a inversão

do poder, que, agora, é passado para as mãos de Jorge, o homem da casa. No entanto, não

se trata de um final educativo que buscava reforçar a autoridade paterna no seio familiar.

Martins Pena satiriza o paternalismo, ao colocar em cena um homem medroso e covarde,

19 PENA, 1956, vol. I, p. 173-174. 20 Ibid., p. 188-189.

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submetido às ordens da esposa e da sogra. Na última fala de Jorge, quando este afirma

"Bravo! Sou senhor em minha casa! E eu que pensava que era mais difícil governar

mulheres!",21 sua posição não é, de fato, de uma autoridade respeitada e obedecida, mas

falsa e frágil. A única forma encontrada por Jorge para ser o senhor em sua casa foi

recorrendo ao uso de enganos para amedrontar a esposa e a sogra. Ele usa a tática de plantar

o terror e, a partir do medo instalado, governar as mulheres da casa. Jorge não é respeitado

por ser uma figura masculina e paternal, o provedor dos recursos financeiros da família. Na

cena final da peça, ele não conquista o respeito de Eufrásia e Mariana; pelo contrário,

consegue apenas amedrontá-las e, assim, por meio do medo e da ameaça, as submete ao seu

poder. Sua autoridade é construída por Martins Pena de forma cômica: ela nasce da sátira

da figura paternalista, representada por Jorge, que, ao invés de exibir as características

nobres de um homem de família, é covarde, medroso e um irmão das almas desonesto. A

autoridade de Jorge depende da manutenção da farsa que ele criou. Para ser visto como

homem de poder e temido pelas mulheres de seu lar, ele precisa mentir. Apesar de assumir

o governo da casa, ele continua a ser o marido covarde da tradição cômica.

2 O Dia de Finados: religiosidade e festividade

Assim como fizera em O Judas em Sábado de Aleluia, Martins Pena utiliza

como pano de fundo de Os Irmãos das Almas uma festa religiosa popular no Rio de Janeiro

oitocentista. Sobre a recorrência das festividades religiosas nas peças do autor, Vilma Arêas

afirma que elas "foram utilizadas como tempo das comédias pela facilidade de um arremate

coerente com música apropriada".22 Contudo, ao analisarmos o contexto do espetáculo de

estreia de Os Irmãos das Almas, acrescentamos o caráter circunstancial apresentado pela

comédia, tendo em vista a aproximação realizada por Martins Pena entre a temporalidade

da ação da peça, cujo enredo se passa no dia 02 de novembro – data anual em que ocorria a

Festa dos Ossos em celebração ao Dia de Finados –, e a temporalidade da estreia da mesma,

21 PENA, 1956, vol. I, p. 190. 22 ARÊAS, 1987, p. 168 (grifo da autora).

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representada no palco do São Pedro de Alcântara no mês de novembro. Essa relação de

aproximação entre o tempo da ação do enredo e a data de criação da peça no teatro,

estabelecida pelo comediógrafo, é significativa, pois tornava o espetáculo mais próximo do

cotidiano do espectador fluminense que frequentava o São Pedro de Alcântara. Desse

modo, ao lado das influências formais e temáticas da comédia europeia, a referência aos

divertimentos populares da capital do Império brasileiro contribuiu para o senso cômico e o

sucesso das peças de Martins Pena, uma vez que se tratavam de festividades familiares à

plateia do autor.

O senso cômico de Martins Pena, a par de suas influências europeias, deve certamente muito a esses divertimentos populares, que, além de terem provavelmente marcado sua formação, eram familiares a seu público. Suas comédias trazem-lhe nitidamente o cunho. Não só se referem a muitas dessas festas, como ainda as integra na própria estrutura.23

Em Os Irmãos das Almas, Martins Pena não confere uma dimensão descritiva à

Festa dos Ossos. Sua principal intenção não é documentar as missas que ocorriam,

anualmente, nas igrejas do Rio de Janeiro durante o Dia de Finados. A festa tampouco

cumpre apenas um papel de interligação da peça à tradição cômica europeia. Ao colocar em

cena uma celebração religiosa popular, a comédia de Martins Pena satiriza costumes e

situações envolvendo os hipócritas da religião e suas falsas aparências. Até mesmo os

membros de irmandades religiosas não escapam da pena crítica do autor.

Na época de Martins Pena, cada irmandade religiosa do Rio de Janeiro era

responsável por organizar as festas em celebração ao seu santo padroeiro, momento em que

as esmolas eram pedidas aos moradores da cidade, para financiar as festas e atender aos

necessitados. As esmolas poderiam ser em moeda – denominada por Mariana, em Os

Irmãos das Almas, o "vintenzinho"24 – ou em produtos alimentícios.25 Jorge, um

desmoralizado irmão das almas, toma posse de parte das esmolas que recolhia em favor dos

santos. A personagem defende a sua atitude, moralmente condenável, pois esta garantia a

sobrevivência de sua família:

23 MEYER, 1991, p. 97. 24 "MARIANA: – (...) vem o moleque ou a rapariga trazer o vintenzinho..." (PENA, 1956, vol. I, p. 176). 25 Cf. ABREU, 1999, p. 36 e 51.

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JORGE: – A colheita hoje é boa. É preciso esvaziar a salva. (Faz o que diz) Guarda metade deste dinheiro antes que minha mulher o veja, que tudo é pouco para ela; e faze-me destes ovos uma fritada e dá estas bananas ao macaco. LUÍSA: – Tenho tanta repugnância de servir-me deste dinheiro... JORGE: – Por quê? LUÍSA: – Dinheiro de esmolas que pedes para as almas... JORGE: – E então o que tem isso? É verdade que peço para as almas, mas nós também não temos alma? Negar que a temos é ir contra a religião, e além disso, já lá deixei dois cruzados para se dizer missas para as outras almas. É bem que todas se salvem. LUÍSA: – Duvido que assim a tua se salve.26

Apesar de satirizar as irmandades religiosas e expor a corrupção praticada pelos

irmãos das almas, a comédia de Martins Pena foi representada no Teatro de São Januário, a

11 de dezembro de 1845, em um espetáculo teatral beneficente em favor da Irmandade do

Divino Espírito Santo, da freguesia de Santa Rita.27 Isso nos faz pensar que o responsável

por organizar o repertório do programa não foi muito cuidadoso e nem era consciente da

mensagem de Martins Pena nesta comédia. Por se tratar de um espetáculo beneficente à

uma irmandade religiosa, selecionou uma peça cujo título fazia referência a esse tipo de

instituição, para assim, atrair o público e obter uma boa renda com a venda dos bilhetes.

A comédia de Martins Pena satiriza também os indivíduos que frequentavam as

celebrações religiosas mais por exercício de sociabilidade e divertimento que por

sentimento e devoção religiosa, a exemplo de Eufrásia:

EUFRÁSIA: – Dizem que este ano há muitas caixinhas e urnas em S. Francisco e no Carmo, e além disso, o dia está bonito e haverá muita gente. LUÍSA: – Sei o que perco. Bem quisera ouvir uma missa por alma de minha mãe e de meu pai, mas não posso. EUFRÁSIA: – Missas não hei de eu ouvir hoje; missas em dia de Finados é maçada. Logo três! O que eu gosto é de ver as caixinhas dos ossos. Há agora muito luxo.28

Daniel Parish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901), dois

missionários norte-americanos que visitaram o Rio de Janeiro no século XIX, anotaram em

seus diários que, durante as celebrações e procissões religiosas, "poucas pessoas parecem

26 PENA, 1956, vol. I, p. 171. 27 Informação obtida em anúncio publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, a 11 de dezembro de 1845. 28 PENA, op. cit., p. 169.

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olhar a procissão com sentimentos elevados. (...) Parece haver pouca solenidade ligada a

essas cenas".29

A presença de uma festa religiosa popular no enredo de Os Irmãos das Almas,

provavelmente, chamou a atenção da plateia de Martins Pena, assim como ocorrera com as

representações de O Judas em Sábado de Aleluia. Nas duas peças, o autor atrai o olhar de

seus espectadores para um elemento que lhes é comum e vivenciado no cotidiano da Corte:

as festas religiosas. No entanto, estas não se constituem no tema central das comédias. Elas

se configuram em um artifício utilizado pelo comediógrafo para fazer a sua plateia ver

representados no palco, por meio de um viés cômico, assuntos relacionados ao modus

vivendi e ao regime político do Brasil Imperial, baseados na união entre o Estado

Monarquista e a Igreja Católica. O gênero da comédia popular em um ato, de inspiração

francesa e portuguesa, que apresenta, geralmente, uma festividade, permitiu a Martins Pena

harmonizar o assunto abordado com a forma dramática adotada. Desse modo, O Judas em

Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas recriam o modelo formal da comédia farsesca

em um ato, a partir da representação de elementos sociopolíticos da capital do Império. De

forma cômica, Martins Pena encena no palco do São Pedro de Alcântara situações que

problematizam as leis civis e criminais no cotidiano do Rio de Janeiro.

3 As Irmandades Religiosas, a Maçonaria e os Direitos dos Homens

Vilma Arêas acredita que a motivação primeira do enredo de Os Irmãos das

Almas seja a penúria econômica das personagens.30 Da situação financeira desfavorável em

que se encontram, sem oportunidades de trabalho e de uma renda mensal que lhes garanta o

sustento, elas têm os seus direitos civis mais elementares à vida desrespeitados e não

29 FLETCHER, James Cooley & KIDDER, Daniel Parish. O Brasil e Os Brasileiros. São Paulo; Rio de Janeiro; Porto Alegre: Nacional, 1941, p. 167 apud SCHWARCZ, Lilia Moritz. "Viajantes em meio ao Império das festas". In: JANCSÓ, István & KANTOR, Iris (Orgs.). Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. Vol. II. São Paulo: Hucitec: Edusp: FAPESP: Imprensa Oficial, 2001, p. 612. 30 Cf. ARÊAS, 1987, p. 191.

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garantidos pelo Estado Imperial. Assim, são motivadas a procurar soluções, moralmente ou

legalmente condenáveis, para contornar as situações adversas em que vivem.

Felisberto, um jovem desempregado, invade uma casa e furta um relógio. Ele

comete atos puníveis pelo Código Criminal de 1830: os Artigos 209 a 214 da "Seção VI -

Entrada na casa alheia"31 estipulam os casos que figuram como invasão de domicílio; e os

Artigos 257 a 268 do "Título III - Dos crimes contra a propriedade"32 descrevem as ações

ilícitas classificadas como furto.

Jorge e Tibúrcio encontram nas ordens das quais são membros uma forma de

sobrevivência. Martins Pena aborda, satiricamente, dois exemplos de instituições

estruturadas na coletividade e na fraternidade entre os seus integrantes: as irmandades

religiosas e a maçonaria. Os Irmãos das Almas mostra a corrupção instalada no seio das

irmandades religiosas, que abusavam das crenças dos habitantes da cidade, ao passo que a

maçonaria é envolta por um imaginário popular fantasioso.

As irmandades religiosas do Rio de Janeiro oitocentista foram descritas pelos

viajantes Kidder e Fletcher. Estes destacam as diferentes funções sociais que as ordens

religiosas desempenhavam:

Compõem-se geralmente de leigos, e denominam-se "Ordens Terceiras", como por exemplo a Ordem Terceira do Carmo, da Boa Morte, do Bom Jesus do Calvário etc. (...) Usam uma espécie de vestimenta semelhante à do clero, aos domingos e dias santos, com distintivos, pelos quais se conhece cada Irmandade. Uma joia razoável e uma subscrição anual são exigidas de todos os membros, cada qual ficando com o direito de ser auxiliado pelo fundo geral em caso de doença e pobreza, assim como para os funerais em caso de morte. Os irmãos contribuem para a construção e conservação das Igrejas, providenciam para o socorro dos enfermos, enterram os mortos e mandam dizer missa para as almas. Em resumo, logo depois do Estado, são os mais eficientes auxiliares que sustentam os estabelecimentos religiosos do país.33

Em uma extensa fala, presente em uma das versões manuscritas da comédia,

Jorge explica à Luísa os verdadeiros motivos que o levaram a se tornar um irmão das

31 In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1830, 1876, p. 182-183.

32 Ibid., p. 189-191. 33 FLETCHER & KIDDER, 1941, p. 114 apud SCHWARCZ, 2010, p. 262.

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almas: o trabalho como coletor de esmolas foi a forma que encontrara para sustentar a sua

família, em uma cidade que não lhe oferecia oportunidades dignas de emprego:

JORGE: – Que queres então tu que eu faça, Luísa? Há coisa de quatro para cinco anos, que eu era empregado público; demitiram-me porque diziam que eu roubava. Qual roubava! A nação é que me roubava, porque pagava-me menos do que eu merecia. Durante três anos fiz requerimentos sobre requerimentos; assim que aparecia uma vaga, eu rente a pedir o lugar. (...) e vê em que aflições não me veria eu, tendo de sustentar uma irmã e não ganhando real!34

Além das irmandades religiosas, Os Irmãos das Almas aborda também a

presença da maçonaria na capital do Império. Na época de Martins Pena, acreditava-se que

os maçons, ou os pedreiros-livres, eram "todos aqueles que criticavam o estado absoluto,

ridicularizavam os preceitos da religião católica, liam livros considerados proibidos, etc."35

Os que eram contrários à maçonaria conferiam-lhe sentidos de imoralidade, libertinagem e

irreligiosidade. Esses aspectos nortearam a opinião defendida por um cronista anônimo,

autor de uma série de quatro artigos, denominada "Desmascarando a maçonaria, ela é

contrária à religião católica", publicada pelo periódico Diário do Rio de Janeiro, entre

setembro e dezembro de 1839.36 O crítico, contrário à disseminação da maçonaria no

Brasil, tenta demonstrar "1º que ela [maçonaria] é contrária à religião católica; 2º que ela é

política e revolucionária".37 Partindo desses dois argumentos, exemplificados a partir de

trechos retirados da obra Biblioteca Maçônica38 – considerada uma fonte de "atrozes

34 PENA, 1956, vol. I, p. 194. 35 BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência (Brasil, 1790-1822). 374 p. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 40-41. 36 Os artigos foram publicados nos seguintes exemplares do periódico: 23 de setembro, 05 de outubro, 04 de novembro e 03 de dezembro de 1839. 37 Diário do Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1839. 38 A Biblioteca Maçônica começou a ser vendida no Rio de Janeiro, em abril de 1838, pela tipografia de R. Ogier. Localizamos o anúncio, publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, que divulgava a primeira edição: "Saiu à luz, e acha-se à venda na Tip. e Livraria de R. Ogier e C.ª, Ruas do Rosário n. 84, e do Hospício n. 51: BIBLIOTECA MAÇÔNICA, ou Regulador instrutivo e muito completo do Franc-Maçon. 6 vols. com 24 estampas alegóricas, obra reimpressa sobre a edição de Paris, em 4 vols., e aumentada de 2, e doze estampas, tratando do rito escocês. (Estes 2 últimos volumes estão no prelo). Preço: 6 vols. em brochura. 6U000 " encadernados em papelão. 6U500 " " ricamente. 7U500 Entre as diversas obras maçônicas, que os Editores desta escrupulosamente examinaram, como o Curso completo da Maçonaria pelo Dr. Vassal, antigo secretário Geral do Grande Oriente de França; Franc-

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blasfêmias"39 –, ele defende a religião católica, a "única, verdadeira, e por felicidade, a

religião dos brasileiros".40 O objetivo principal da série de artigos – conforme nos declara o

próprio autor – é desestimular os maçons brasileiros, levando-os a abandonar a sociedade

maçônica, que seria uma "hipócrita seita"41 de "perniciosos princípios".42

Uma nova série de quatro artigos, denominada "O que é a maçonaria", foi

veiculada pelo mesmo periódico, entre os meses de agosto e setembro de 1843.43 O

cronista, também anônimo, afirma que, de modo imparcial, esclareceria os fundamentos da

maçonaria, instituição que estava em debate naquele momento, dividindo a opinião dos

habitantes do Rio de Janeiro. Os textos tratam dos princípios da maçonaria, os quais são

considerados criminosos, apesar de "abraçados e seguidos por gente excelentíssima".44

Embora tenha declarado no primeiro artigo que discutiria o tema de forma imparcial, o

cronista defende as doutrinas da Igreja Católica, alertando os leitores que esta era a única

religião do Estado, reconhecida por lei.

A maçonaria, a sinagoga do erro e da mentira, nunca prevalecerá nem triunfará da Igreja de Jesus Cristo, que se dignou declarar-nos ser a própria verdade. (...) Os maçons querem, segundo dizem, fazer dos homens uma sociedade de irmãos; porém atacam a religião de Jesus Cristo, que estabeleceu como segundo preceito da lei, em tudo igual ao primeiro, o amor do próximo em grau heroico! (...) Os maçons querem universalizar a filantropia; porém matam a caridade, porque dão pouco, dão só aos seus.45

O crítico afirma ainda que muitos livros sobre a maçonaria eram vendidos pelas

livrarias do Rio de Janeiro. Como pudemos constatar nos anúncios veiculados pelo Diário

do Rio de Janeiro, além da Biblioteca Maçônica, outros títulos eram comercializados. A

Tipografia Francesa, situada na Rua de S. José n. 64, e a casa do Sr. Gariot, localizada na

Maçonaria restituída à sua primitiva origem por Lenoir, e outras; nenhuma puderam encontrar que, em volume tão resumido, oferecesse mais erudição histórica, mais exatidão, e em geral, maiores vantagens em sua leitura, que a Biblioteca Maçônica, impressa em Paris em quatro vols." (Diário do Rio de Janeiro, 18 de abril de 1838). 39 Diário do Rio de Janeiro, 05 de outubro de 1839. 40 Diário do Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1839. 41 Idem. 42 Diário do Rio de Janeiro, 04 de novembro de 1839. 43 Os artigos foram publicados nos seguintes exemplares do Diário do Rio de Janeiro: 26 de agosto, 02, 16 e 23 de setembro de 1843. 44 Diário do Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1843. 45 Idem.

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Rua do Ouvidor n. 118, vendiam a Moral dos pedreiros-livres, ou pensamentos e máximas

dos maçons, por 800 réis, e a Nova guia maçônica, por um mil réis.46 Nas lojas de R. Ogier,

situadas nas Ruas do Rosário n. 84 e do Hospício n. 51, os leitores encontravam os

seguintes volumes: Coleção dos sete catecismos do rito moderno (400 réis); Catecismos de

aprendiz, companheiro e mestres do rito escocês (640 réis); Manual maçônico, ou cobridor

de todos os ritos (3 mil réis); Ritual fúnebre, adotado para os enterros e exéquias dos

maçons brasileiros (400 réis); Coleção de discursos maçônicos, segunda edição aumentada

(640 réis).47

Os debates em torno dos princípios da maçonaria também estavam presentes

nos palcos do Rio de Janeiro. De acordo com os anúncios teatrais do final da década de

1830, a maçonaria e os maçons eram, respectivamente, tema e personagens conhecidos pela

plateia fluminense. Em 15 de outubro de 1838, João Caetano ofereceu um espetáculo em

seu benefício, no São Pedro de Alcântara, cujo programa exibiu, pela primeira vez, Os Dois

Francos-Maçons, tradução do fato histórico48 Les Deux Francs-Maçons ou Les Coups du

Hasard, de Pelletier-Volméranges, peça estreada em Paris no Théâtre de S. M.

L'Impératrice et Reine, em 25 de maio de 1808. O programa foi encerrado pela segunda

exibição de O Juiz de Paz da Roça. O anúncio do espetáculo soube atrair o público para

assistir à exibição da peça francesa, ao garantir que seu enredo era caracterizado pelo

"segredo a toda prova".49 O anúncio também apresentou uma apreciação positiva do tema

principal da peça, a maçonaria, afirmando que as "interessantes cenas, (...) transluzem o

amor paternal, a caridade bem distribuída, e amizade fraternal".50 Os Dois Francos-Maçons

foi reapresentado por João Caetano no Teatro Niteroiense, a 09 de dezembro de 1838, em

espetáculo de gala em comemoração ao aniversário de D. Pedro II.51

As ações do enredo de Les Deux Francs-Maçons se circunscrevem no seio de

uma família, constituída pelo senhor Oudin, um franco-maçom, pai responsável e amável;

46 Títulos e preços presentes em anúncio publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, a 05 de fevereiro de 1839. 47 Títulos e preços anunciados pelo Diário do Rio de Janeiro, em 23 de fevereiro de 1841. 48 A obra foi classificada pelo seu autor como fato histórico. No entanto, ao analisarmos o enredo da peça, concluímos que esta apresenta a estrutura e os recursos do melodrama clássico, gênero muito representado nos palcos parisienses no início do século XIX. 49 Jornal do Commercio, 13 de outubro de 1838. 50 Idem. 51 Informação obtida em anúncio veiculado pelo Jornal do Commercio, a 04 de dezembro de 1838.

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Catherine Oudin, sua esposa, uma mulher de gênio forte, porém íntegra; e Elisabeth, a filha

do casal, uma moça corajosa, romântica e amante dos romances franceses. Além do pai

nobre, da mãe vigilante e da moça virtuosa, a peça apresenta mais dois tipos: o vilão e o

jovem herói. Melchior, o vilão cômico da peça, é um velho de 66 anos, avarento e usurário;

ele deseja desposar a jovem Elisabeth e se tornar um franco-maçom, para assim, usufruir

desonestamente do dinheiro da instituição e se beneficiar financeiramente. O senhor

Foncrennes é o típico herói, um homem virtuoso, honesto e culto.

Vejamos um breve resumo da história narrada pela peça francesa, cujo enredo é

estruturado pelas tramas familiar e amorosa. O senhor Oudin parte para a América em

busca de novas oportunidades de trabalho. Sua família, que permanece em Paris, não fica

desamparada: ele incumbe a Melchior, seu amigo, o papel de guardião de sua família e lhe

dá uma boa quantia em dinheiro, que garantiria a sobrevivência da senhora Oudin e de

Elisabeth, ainda bebê. O ambicioso Melchior toma posse do dinheiro e não o entrega à

senhora Oudin, que passa por grandes dificuldades para sustentar a filha. Somente 20 anos

depois de sua partida para a América, o senhor Oudin retorna à França. Ele acerta as contas

com o velhaco Melchior e assume o posto de patriarca de sua família. Elisabeth fica

desobrigada de se casar com Melchior, a quem fora prometida pela mãe como forma de

saldar a dívida contraída com o usurário. A moça se casa, então, com o jovem Foncrennes,

a quem muito amava.

A peça francesa aborda o tema da maçonaria e encena as leis morais e os

valores fraternos que regem a instituição e orientam os seus membros, os francos-maçons,

que se apoiam entre si financeiramente e moralmente. O senhor Oudin é um membro da

ordem maçônica francesa. Isso se torna o motivo de desavenças em seu casamento, pois a

senhora Oudin acredita que os maçons são homens desonestos. Por desconhecer os reais

objetivos e as leis da maçonaria, ela nutre grande repulsa em relação aos maçons, que lhe

causam horror e medo. Seu marido tenta lhe provar que a instituição a que pertence é

constituída por homens virtuosos, bondosos e de elevados valores:

MADAME OUDIN (avec force): – Oh! Mon Dieu, oui. Je n'ai jamais pu vaincre l'horreur que ces gens là m'inspirent. On dit...

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OUDIN (avec la plus grande chaleur): – Pourquoi mépriser ce que tu ne connais pas? (...) Si tu savais combien je dois bénir l'heureux jour où je fus admis dans cet ordre respectable! (...) J'ai trouvé dans cette noble réunion, des consolateurs, des protections, des bienfaiteurs (...); partout j'ai trouvé des amis, des frères, qui m'offraient leurs secours, qui auraient répandu leur sang pour me défendre et m'arracher à la mort. Dans tous, j'ai trouvé la vertu, la bienfaisance, l'humanité, et c'est dans mon cœur, comme dans ceux de tous les vrais maçons que sont écrits en traits ineffaçables ces principes sacrés.52

O segundo maçom, indicado no título da peça, é o norte-americano Foncrennes,

um homem virtuoso que, em suas falas, exalta a fraternidade no seio da instituição

maçônica:

FONCRENNES: – Il n'est pour moi qu'un seul refuge, et j'y trouverai des hommes! J'irai déposer mes peines dans le sein de mes frères; ils me plaindront, et ne me repousseront pas; ils chérissent les infortunés. C'est dans l'asyle de l'indulgence que je trouverai des consolations, des cœurs sensibles et des amis vertueux.53

Assim como a peça francesa, Os Irmãos das Almas também enfoca o

imaginário fantasioso e negativo que paira sobre a maçonaria; no entanto, a sua abordagem

é satírica, contrapondo-se ao tom sério conferido ao tema por Pelletier-Volméranges em

Les Deux Francs-Maçons. Luísa, Eufrásia e Mariana acreditam que o maçom era um

homem excomungado, que matava e bebia sangue de crianças, que entregara a alma ao

diabo e com ele falava à meia-noite:

LUÍSA: – Considera a coisa mais horrorosa que pode ser um homem. EUFRÁSIA: – Ladrão? LUÍSA: – Pior. EUFRÁSIA: – Assassino? LUÍSA: – Ainda pior. EUFRÁSIA: – Ainda pior que assassino? Rebelde? LUÍSA: – Muito pior! EUFRÁSIA: – Muito pior que rebelde? Não sei o que seja. LUÍSA: – Não sabes? (Com mistério) Pedreiro-livre! EUFRÁSIA: – Pedreiro-livre? Santo breve da marca! Homem que fala com o diabo à meia-noite! (Benze-se).

52 PELLETIER-VOLMÉRANGES, Benoît. Les Deux Francs-Maçons ou Les Coups du Hasard. Paris: Hénée, 1808, p. 43-44. 53 Ibid., p. 24.

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LUÍSA: – Se fosse só falar com o diabo! Tua mãe diz que todos os que para eles se chegam ficam excomungados, e que antes quisera ver a peste em casa do que um pedreiro-livre. (Benze-se; o mesmo faz Eufrásia).54

Tibúrcio desmistifica esse imaginário fantasioso, ao esclarecer que um maçom

era um homem comum, que "nunca comeu crianças nem falou com o diabo à meia-noite"55

e que a "maçonaria é uma instituição".56 Jorge, quando exprime o desejo de fazer parte da

instituição, enaltece a sua grandiosidade e o respeito que esta nutre pelos direitos civis:

"JORGE: – Entrar nessa sociedade portentosa, universal e sesquipedal, onde se aprendem

os verdadeiros direitos dos homens".57

Assim, em Os Irmãos das Almas, Martins Pena recria no palco o tema da

maçonaria, um assunto contemporâneo, debatido nas páginas dos jornais, presente no

repertório dramático estrangeiro exibido pelo São Pedro de Alcântara e conhecido pela sua

audiência. O autor se apropria do imaginário alegórico em torno da maçonaria e lhe confere

nova significação, ao trazê-la para o contexto do Rio de Janeiro. Por meio de uma

abordagem cômica da instituição maçônica, sua peça transmite uma mensagem social ao

público: como o Estado Imperial não garantia os direitos civis mais elementares aos

cidadãos brasileiros, a filiação a uma irmandade, estabelecida nos preceitos da coletividade,

era a forma de sobrevivência encontrada pelas personagens. A comédia mostra que, ao

contrário das irmandades religiosas, cujos irmãos das almas eram corruptos e pensavam no

benefício próprio, a maçonaria, por sua vez, congregava homens de bem, que se ajudavam

reciprocamente, garantindo o bem-estar de seus membros.

***

A obra Os Irmãos das Almas corrobora a nossa ideia de que as produções

cômicas de Martins Pena estabeleceram relação direta com o Teatro de São Pedro de

Alcântara, onde estrearam e receberam frequentes reprises. Para a composição de grande

54 PENA, 1956, vol. I, p. 170. 55 Ibid., p. 181. 56 Idem. 57 Ibid., p. 188-189.

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parte de suas peças – muito provavelmente encomendadas pelos atores para serem

representadas em espetáculos beneficentes –, além da abordagem de elementos

sociopolíticos da capital do Império, o comediógrafo dialogava, satiricamente, com temas e

personagens do repertório europeu exibido pelo teatro. Como veremos nas próximas

páginas, esse procedimento também foi adotado por Martins Pena na criação de O Noviço,

sua peça mais exibida entre as décadas de 1840 e 1850.

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CAPÍTULO 4

O IMPACTO DO MELODRAMA EM O NOVIÇO: PARÓDIA E SÁTIRA

CARLOS: – O respeito e a modéstia prendem muitas línguas, mas lá vem um dia que a voz da razão se faz ouvir, e tanto mais forte quanto mais comprimida.1

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens

O Noviço estreou a 10 de agosto de 1845, como peça principal do programa

finalizado por O Complacente ou o Vestuário de Palhaço, vaudeville desempenhado pelos

atores Manoel Soares, Luis Antônio Monteiro, José Candido, Caqueirada, Gertrudes

Angélica da Cunha, Maria Amália e Clotilde. Muito provavelmente, esses artistas devem

ter atuado também na encenação de O Noviço, já que constituíam o grupo de atores

cômicos do São Pedro de Alcântara e desempenhavam papéis em mais de uma peça do

programa de um espetáculo.

Em sua primeira comédia em três atos, Martins Pena trilha pelo caminho já

adotado para a composição de O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas: os

conflitos se instalam no lar de uma família habitante da Corte; a religião católica se

configura como um dos temas, intitula a peça e marca o tempo em que as ações ocorrem –

neste caso, entre o Domingo de Ramos e a Semana Santa; há o diálogo com o gênero

melodrama, que constituía o repertório exibido pelo São Pedro de Alcântara; o enredo

apresenta um conteúdo sociopolítico que, por meio da sátira do Estado e da religião, critica

o não cumprimento das leis civis.

O Noviço apresenta três temas: o religioso, que encena os códigos mantidos

pela doutrinação católica; a bigamia, considerada uma infração pelo Código Criminal do

1 PENA, "O Noviço", 1956, vol. I, p. 299.

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Império; e o tema principal, que leva ao palco diversas situações que discutem os direitos

civis dos homens livres. Assim como em O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das

Almas, a comédia faz alusão às leis instituídas pelo Artigo 179 da Constituição de 1824,

que prescrevia os direitos civis, e pelo Código Criminal de 1830, que tratava dos crimes,

seus agravantes e penas.

Os temas de O Noviço são tecidos por três fios dramáticos. O primeiro refere-se

ao relacionamento conjugal entre o casal Florência e Ambrósio, e à bigamia deste. O

segundo, o fio amoroso, caracteriza-se pelo namoro entre os primos Carlos e Emília, que se

unem no final da trama. O terceiro envolve as peripécias de Carlos no convento da Ordem

de São Bento, incluindo suas sucessivas fugas e os castigos sofridos como reprimenda ao

seu comportamento transgressor.

As ações se passam na sala e no quarto da casa de uma família habitante da

Corte. Os cenários são caracterizados de forma simples, com pouco mobiliário, contando

apenas com uma mesa, uma cama, um armário e cadeiras, que desempenham um papel

funcional no enredo, contribuindo para a efetivação dos recursos cômicos empregados pelo

autor.

As portas e janelas garantem a entrada e a saída das personagens em cena para

outros ambientes do lar ou para a rua. Essa circulação das personagens, além da função

cênica, simboliza a relação entre o espaço público – representado pelas relações sociais das

ruas – e o espaço privado – concebido pelas vivências domésticas e familiares no interior

das casas. O Mestre dos noviços defende, no segundo ato da comédia, o caráter privado das

discussões, ou "incômodos", vividos pelas famílias, os quais deveriam permanecer "de

muros para dentro".2

O Noviço, assim como as duas comédias em um ato que analisamos

anteriormente, apresenta um padrão de construção e sequenciamento de cenas: as entradas e

saídas das personagens estão em harmonia com as cenas isoladas e as de conjunto, as quais,

por sua vez, são coordenadamente alternadas, garantindo a progressão do enredo.

No início do primeiro ato, apresenta-se a posição inicial da trama e das

personagens; em sua última cena estabelece-se um clímax, construído por meio da

2 PENA, 1956, vol. I, p. 317.

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concentração dos recursos cômicos, que provocam grande confusão no palco. No segundo

ato, os três fios do enredo se encontram, se desenvolvem e culminam na tensão da cena

nove, que o encerra. Após o momento de conflito, o terceiro ato se inicia com um diálogo

entre Florência e Emília. As falas de Florência sintetizam o andamento do enredo: ela

lamenta ter sido enganada pelo marido que tanto amava e em quem acreditava; informa à

plateia que Carlos está preso no convento, e Ambrósio, foragido da polícia. Em seguida,

uma série de equívocos prepara o entrecho da comédia, implicando no malogro das

artimanhas de Ambrósio.3

Na última cena da peça, as personagens se concentram no palco para o desfecho

da trama, que traz um happy ending de retribuição, em que a justiça é feita, os velhacos são

punidos, e aqueles que foram injustiçados têm os seus desejos atendidos. Carlos é

dispensado do convento e desobrigado a se ordenar padre; ele se une à sua grande paixão, a

prima Emília; Florência e Rosa se vingam do velhaco Ambrósio, caçador de heranças, que

as enganavam com seu falso amor; o bígamo é preso por um meirinho.

Os recursos cômicos da peça se articulam entre si, ao longo das cenas,

construindo uma progressão de comicidade que culmina na grande confusão e quiproquó do

terceiro ato. Desse modo, o efeito cômico não é localizado e restrito à cena em que o

recurso farsesco aparece; pelo contrário, é contínuo e produz equívocos que permeiam mais

de uma cena. Os travestimentos e disfarces provocam um ciclo de equívocos: Carlos se

veste com as roupas de Rosa; esta se traveste de noviço, o que a faz ser arrastada para o

convento; e Ambrósio usa as vestes de frade. Os esconderijos também perpassam a

comédia: Ambrósio se esconde no armário; Rosa, em um quarto; Carlos, embaixo da cama

de Florência, o que o faz levar uma coça de Jorge, que o confunde com um ladrão; e

Florência utiliza uma colcha que a encobre, em meio à escuridão que invade seu quarto na

cena 11 do terceiro ato.

A comicidade também é construída pelos jogos de palavras presentes nas falas

das personagens. A pergunta de Ambrósio a Florência, sobre o lugar onde ela queria que

ele pousasse uma de suas mãos, possui um duplo sentido que denuncia a malícia do sedutor 3 Ver o anexo "Sequenciamento de Cenas de O Noviço", que traz uma tabela com os dados referentes à construção formal de cada cena da comédia, com a marcação das entradas e saídas das personagens e a indicação dos recursos cômicos.

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de viúvas endinheiradas: "AMBRÓSIO: – Florencinha, encanto da minha vida, estou diante

de ti como diante do confessionário, com uma mão sobre o coração e com a outra... Onde

queres que eu ponha a outra?"4

O aparte aparece em grande quantidade na comédia. Esse recurso informa à

plateia as complicações da intriga e evidencia as reais intenções das personagens,

desnudando-lhes o caráter ardil ou a ingenuidade, como podemos constatar no seguinte

diálogo entre Ambrósio e Florência:

AMBRÓSIO: – Quando eu te vi pela primeira vez, não sabia que eras viúva rica. (À parte) Se o sabia! (Alto) Amei-te por simpatia. FLORÊNCIA: – Sei disso, vidinha. (...) AMBRÓSIO: – Mas agora que me acho casado contigo, é de meu dever zelar essa fortuna que sempre desprezei. FLORÊNCIA (à parte): – Que marido! AMBRÓSIO (à parte): – Que tola!5

Ambrósio é um velhaco, bígamo, interessado na herança de sua segunda esposa,

a viúva Florência, que herdara grande soma de dinheiro após a morte do marido e do irmão,

pai de Carlos. Movido pela ambição inescrupulosa, a personagem não mede esforços para

colocar em ação os golpes que planeja. Em seu monólogo, na primeira cena da comédia,

discursa sobre os meios de enriquecimento financeiro do homem:

AMBRÓSIO (só de calça preta e chambre): – No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e a alcançar. Todo o homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da fortuna. Vontade forte, perseverança e pertinácia são poderosos auxiliares. Qual o homem que, resolvido a empregar todos os meios, não consegue enriquecer-se?6

Assim como Faustino, de O Judas em Sábado de Aleluia, Carlos possui uma

construção híbrida, particular dos heróis das comédias de Martins Pena, devedora, em parte,

ao gênero cômico popular, somado a elementos sociais da época do autor. Essas

personagens reúnem características do criado ardiloso da tradição farsesca – responsável

4 PENA, 1956, vol. I, p. 319. 5 Ibid., p. 294. 6 Ibid., p. 293.

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por criar situações cômicas que objetivam atender aos seus interesses e resolver os nós do

enredo –, e do malandro brasileiro do século XIX, que, para sobreviver em uma sociedade

repleta de contradições e desigualdades, sempre lança mão de um "jeitinho" para contornar

as adversidades sociais, sem, no entanto, cometer delitos, cair na ilegalidade ou se tornar

um bandido.7 Quando os conflitos da trama se estabelecem, Carlos atribui a si o papel de

resolvê-los para, então, realizar os seus desejos: "CARLOS: – Deixa o caso por minha

conta. Hei de fazer uma estralada de todos os diabos, verão..."8

Os heróis de Martins Pena não são apenas tipos cômicos que representam

máscaras e comportamentos convencionados; pelo contrário, eles defendem um ideal

social. Em suas falas e ações, principalmente no questionamento aos seus superiores sobre

a doutrinação religiosa, Carlos expõe valores acerca do indivíduo, sua liberdade de

expressão e de decisão quanto ao curso de sua história, incluindo a carreira profissional e o

casamento. O noviço condena a autoridade exercida pela família, que decide a profissão

dos jovens:

CARLOS: – Para que querem violentar minhas inclinações? Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... (...) Não que a vida de frade seja má; boa é ela para quem a sabe gozar e que para ela nasceu; mas eu, priminha, eu que tenho para a tal vidinha negação completa, não posso!9

A casta Emília participa pouco das ações da peça, apesar de estar presente em

muitas cenas. A moça exibe os mesmos valores e comportamentos de Chiquinha, de O

Judas em Sábado de Aleluia: ambas são confidentes dos segredos e peripécias dos heróis.

Rosa, a primeira esposa de Ambrósio, parte de uma longínqua província

nordestina em busca do marido que a abandonara há seis anos. A atuação da atriz que

desempenhava seu papel, no palco do São Pedro de Alcântara, pode ter sido decisiva para o

caráter cômico da personagem, pois sabemos que, no século XIX, circulava na Corte um 7 Remetemos ao trabalho de Renata Almendra, que analisa as personagens cômicas de Martins Pena a partir da abordagem da História Social e da dialética da malandragem, conceituada por Antonio Candido em seu ensaio "Dialética da malandragem". (Ver ALMENDRA, Renata Silva. Entre Apartes e Quiproquós: a malandragem no Império de Martins Pena (Rio de Janeiro 1833-1847). 141 p. Dissertação (Mestrado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília, 2006). 8 PENA, 1956, vol. I, p. 301. 9 Ibid., p. 298.

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imaginário estereotipado e caricato do homem sertanejo, a exemplo do cearense e seu modo

de falar.10

2 Martins Pena e o Melodrama Romântico Francês

Vilma Arêas identificou o diálogo de O Judas em Sábado de Aleluia e O

Noviço com o melodrama. Para a autora, O Noviço inverte o discurso do gênero francês por

meio do registro farsesco, conferindo comicidade aos códigos sérios da estética.11 Ao

parodiar elementos formais do melodrama, Martins Pena divertia a plateia fluminense, a

esta altura já familiarizada com as convenções do gênero. A paródia literária foi um

importante recurso empregado pelo autor na feitura de suas comédias, constituindo-se,

segundo Vilma Arêas, em "um de seus expedientes básicos".12 O próprio comediógrafo

definiu Os Ciúmes de um Pedestre como uma paródia da tragédia Otelo, referindo-se,

provavelmente, à adaptação de Ducis da obra shakespeariana.13

A partir do final da década de 1830, traduções de melodramas românticos e

sociais franceses começaram a aportar no São Pedro de Alcântara e a compor a parte

principal da maioria dos programas ali oferecidos. Durante os primeiros anos do decênio de

1840, os títulos mais representados nesse teatro foram: Trinta Anos ou A Vida de um

Jogador (Trente Ans ou La Vie d'un Joueur, 1827), de Victor Ducange (1783-1833); O

Sineiro de São Paulo, de Bouchardy; e O Marinheiro de São Tropez, de Anicet-Bourgeois e

Dennery.

10 Luiz Felipe de Alencastro nos informa que, na primeira metade do século XIX, já circulava na Corte um estereótipo do cearense, caracterizado por "um 'vernáculo' cearense e um tipo". (ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Org.). "Vida privada e ordem privada no Império". In: História da Vida Privada no Brasil: Império. Vol. II. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 32-33). 11 Cf. ARÊAS, 1987, p. 246. 12 Ibid., p. 232. 13 Em carta a José Rufino, Martins Pena escreveu: "À vista temos que conversar sobre a destanhatória censura desta coitada! Julgo que está com catarata na inteligência, pois viu um ataque a João Caetano, onde não havia senão uma simples paródia do Otelo; paródia que se permitem em toda a parte do mundo". ("Carta a José Rufino Rodrigues de Vasconcelos sobre a censura de Os Ciúmes de um Pedestre", Biblioteca Nacional, Coleção Martins Pena, I - 06, 27, 14, nº 01).

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Martins Pena não foi apenas espectador dos melodramas encenados no palco do

São Pedro de Alcântara, mas também censor de tais peças. Meses antes de escrever e

encenar O Noviço, analisou para o Conservatório Dramático a peça Fabio o Noviço ou A

Independência de Milão, tradução do melodrama romântico Fabio le Novice (1841), de

Charles Lafont e Noël Parfait.14 O diretor do São Pedro de Alcântara, José Antônio Tomás

Romeiro, encaminhou um requerimento a Martins Pena, em 18 de fevereiro de 1845,

juntamente com o manuscrito da obra, solicitando a sua avaliação censória.15 O

comediógrafo-censor, que, na época, desempenhava também a função de segundo

secretário do Conservatório Dramático, aprovou o melodrama para encenação, mas não

devolveu o manuscrito a José Romeiro, que lhe encaminhou novo requerimento solicitando

sua devolução: "José Antônio Tomás Romeiro faz os seus cumprimentos ao Ilustríssimo Sr.

Luis Carlos Martins Pena, e lhe roga o obséquio de lhe enviar o drama que junto com

outros foi para censura, intitulado Fabio o Noviço pois que dele muito precisa".16

A tradução Fabio o Noviço ou A Independência de Milão estreou no São Pedro de

Alcântara a 13 de abril de 1845, quatro meses antes da criação de O Noviço, de Martins

Pena.17 A segunda encenação ocorreu na semana seguinte, em 20 de abril, sendo anunciado

14 Charles Lafont (1809-1864) estreou em 1834, no Théâtre des Variétés, com o vaudeville Les Deux Scandales. Além do trabalho colaborativo com Noël Parfait, Lafont produziu, em 1839, o melodrama La Branche de Chêne, e em 1840, Le Tremblement de Terre de la Martinique, ambos em colaboração com Charles Desnoyers. Com J. F. A. Bayard, escreveu o vaudeville Un Changement de Main (1845); e com Dumas Pai, o drama Jarvis l'Honnête Homme (1840). De sua própria pena são inúmeras as peças, dentre as quais os melodramas La Famille Moronval (1834), François Jaffier (1836) e Mme de la Verrière (1850); a tragédia Ivan de Russie (1841); e o vaudeville La Petite Fadette (1850). (Cf. LAROUSSE, Pierre. Grand Dictionnaire Universel du XIXe Siècle. Tomo X. Paris: Administration du Grand Dictionnaire, 1865-1876, p. 60; WICKS, Charles Beaumont. The Parisian Stage. Tomo III (1831-1850). Alabama: University of Alabama Press, 1961, passim). Noël Parfait (1813-1896), antes de se dedicar à carreira política, trabalhou em livrarias, foi poeta e crítico teatral do periódico La Presse. Escreveu também o melodrama La Juive de Constantine (1845), em colaboração com Théophile Gautier. (Cf. MOLLIER, Jean-Yves. Noël Parfait (1813-1896): biographie littéraire et historique. 479 p. Tese Doutorado – Université Sorbonne Nouvelle, Paris 3, 1978, passim). 15 Informação presente no documento "Requerimento ao 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro de exames censórios, para as peças a serem encenadas no Teatro São Pedro d'Alcântara", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 02, 71. 16 "Requerimento ao 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro de devolução da peça Fabio o Noviço, que fora mandada para exame", Biblioteca Nacional, Coleção Conservatório Dramático Brasileiro, I - 08, 03, 51. 17 O anexo "Anúncio da Estreia de Fabio o Noviço ou A Independência de Milão" traz o anúncio, publicado pelo Diário do Rio de Janeiro, a 12 de abril de 1845, que divulgou a estreia do melodrama no palco do São Pedro de Alcântara.

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na imprensa como "muito aplaudido e interessante drama".18 A terceira e última exibição

foi oferecida a 18 de maio de 1845.

Antes de tratarmos do diálogo entre a comédia de Martins Pena e o texto de

Fabio le Novice,19 propomos uma breve apresentação do enredo desse melodrama e de sua

trajetória no palco do Théâtre de l'Ambigu-Comique, em Paris.

2.1 Fabio le Novice: a peça, a mise en scène e a recepção em Paris

Fabio le Novice apresenta os elementares recursos do gênero melodrama –

intriga histórica, tema familiar, personagens tipificadas (herói, vilão, moça virtuosa,

bouffon), maniqueísmo, perseguições ao herói, justiça final que recompensa as personagens

bondosas –, assim como as características específicas dos melodramas românticos e sociais,

que agregam ao tema amoroso questões referentes à nacionalidade, à reivindicação social e

à liberdade de expressão.20

Vejamos um breve resumo do enredo de Fabio le Novice. Em 1580, durante a

dominação espanhola em Milão, a família Manzoni, da nobreza milanesa, perde seus

privilégios e o poder na região, governada pelo Marquês de Leganez. O Conde Manzoni se

apaixona por Thécla, filha do Marquês espanhol; um amor impossível, tendo em vista as

disputas políticas entre as duas famílias. Os enamorados se casam, secretamente, e da união

nasce o menino Fernand. A família milanesa tenta retomar o poder e expulsar os invasores,

mas falha. Ottavio, irmão do Conde Manzoni, é decapitado, como represália à rebelião

fracassada da qual participara. O Conde jura vingar a morte do irmão; a vingança, se não

fosse levada a cabo pelas suas mãos, seria confiada ao seu jovem filho. Thécla não suporta

a ideia de ver Fernand apontando uma arma contra a própria família. Ela, auxiliada por

18 Jornal do Commercio, 20 de abril de 1845. 19 O texto integral do melodrama encontra-se no anexo "Fabio le Novice". 20 Os recursos centrais do gênero melodrama foram consultados em THOMASSEAU, Jean-Marie. Le Mélodrame Sur Les Scènes Parisiennes, de "Cœlina" (1800) à "L'Auberge des Adrets" (1823). Lille: Service de Reproduction des Thèses de l'Université, 1974, p. 145-321. Sobre a estética dos melodramas românticos e sociais, consultamos SABATIER, Guy. Le Mélodrame de la République Sociale et Le Théâtre de Félix Pyat. Vol. I. Paris: L'Harmattan, 1998, passim.

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Dom Bernardo, Prior do convento dos Dominicanos, forja a morte de Fernand e o instala no

convento, apresentando-o como Fabio, um nome falso. Muitos anos se passam. Fabio,

agora um jovem noviço, não apresenta qualquer aptidão para a vida religiosa, o que o leva a

fugir do convento. Por acidente, Fabio se envolve em uma conspiração popular contra o

governador espanhol; ele é preso como conspirador e condenado à morte. O Conde

Manzoni, líder da revolta, foge de Milão. O Marquês de Leganez jura absolver o rebelde

que lhe entregasse o paradeiro do Conde milanês. Thécla sabe de seu esconderijo; para

salvar Fabio, ela entrega o marido aos espanhóis, que o condenam à morte. Mas, eis que a

Providência entra em cena e resolve o nó da trama: o rei Filipe II da Espanha morre e a

sentença contra o Conde Manzoni perde o efeito. Findada as perseguições, Fabio reencontra

sua família e se casa com a prima Julia, a quem muito amava.

Formalmente, Fabio le Novice se constitui em um prólogo, quatro atos e seis

tableaux, estrutura comum dos melodramas da fase romântica. O prólogo se divide em

cenas de exposição, que apresentam as personagens, e em cenas de estabelecimento de

conflitos, que preparam a trama da peça. O primeiro ato se inicia 10 anos após os

acontecimentos do prólogo, os quais duram apenas uma noite. As ações dos quatro atos se

desenvolvem ao longo de três dias, principalmente durante o período noturno, quando a

escuridão é a aliada dos revoltosos milaneses e de Fabio, que foge do convento. Os cenários

compreendem espaços do castelo do Conde Manzoni (jardim, sala, vestíbulo), o convento

dos Dominicanos, onde Fabio vive, e uma prisão, utilizada pelos espanhóis para aprisionar

os revoltosos.

A galeria de personagens apresenta os tipos mais recorrentes do gênero

melodrama: o herói perseguido e injustiçado; o vilão chantagista e vil; a moça casta e

indefesa; e o bouffon, que ameniza as cenas de intensa emoção. O Conde Manzoni é um

homem corajoso, defensor da independência nacional de Milão, assim como Fabio, que

exibe as mesmas virtudes do pai. O Marquês de Leganez e Dom Garcias são os vilões,

responsáveis pelas perseguições aos heróis. As duas personagens femininas, Thécla e Julia,

agem objetivando a preservação dos valores maternais e familiares. Gregório, o noviço

cúmplice de Fabio, é o bouffon da peça. O Prior, mestre do convento dos Dominicanos,

representa os valores religiosos.

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A peça é construída por duplos: são dois casais de heróis; dois vilões; Thécla

recusa um marido espanhol para se casar com um italiano, o mesmo acontece com a jovem

Julia; e duas são as gerações de revoltosos. O enredo apresenta diversos coups de théâtre:

reviravoltas, quiproquós (ocasionados pelos disfarces e pela escuridão da noite),

imprevistos e suspensão da ação na última cena de cada ato. Os efeitos espetaculares

dominam o palco quando a revolta popular eclode: de acordo com as didascálias do texto,

um grande número de personagens deveria estar em cena, travando batalhas contra o

inimigo e disparando em armas de fogo. As cenas patéticas, com ações de forte comoção,

são reservadas às duas personagens femininas: Julia reza e lê a Bíblia nos momentos de

adversidade, e Thécla implora aos tiranos pelo perdão de seus entes queridos.

O enredo de Fabio le Novice é tecido por três fios dramáticos: o amoroso, o

religioso e o político. O tema amoroso abrange dois casais: o primeiro, formado pelo Conde

e pela Condessa Manzoni, está na idade madura do casamento, e o segundo, constituído por

Fabio e Julia, encontra-se na fase da juventude. Inicialmente, o amor entre cada casal é

representado como impossível: o Conde e a Condessa são como Romeu e Julieta,

provenientes de famílias rivais; Fabio e Julia se veem em uma encruzilhada, pois o rapaz é

um noviço que segue o celibato. Ao longo dos atos, os casais são perseguidos, passam por

percalços, sofrem injustiças e chantagens. No final, os nós se resolvem e eles são

recompensados pela fidelidade que cada um mantém à pessoa amada: o Conde e a

Condessa reforçam o laço do matrimônio, ao passo que Fabio e Julia se unem. O tema

religioso compreende os conflitos vividos por Fabio no convento dos Dominicanos: o

jovem noviço não deseja se ordenar padre, ele quer seguir outra profissão e se casar com a

sua amada. O tema político, por sua vez, aborda questões que envolvem a independência

nacional, os abusos de um Estado autoritário e o poder de revoltas populares.

Fabio le Novice estreou no Théâtre de l'Ambigu-Comique,21 em Paris, a 05 de

junho de 1841, em um programa iniciado pelo vaudeville La Bonne Aventure. Na estreia, os

21 O Théâtre de l'Ambigu-Comique foi fundado por Nicolas Médard Audinot, em 09 de julho de 1769, no Boulevard du Temple. A sala foi reformada e reinaugurada em 30 de setembro de 1786, oferecendo acomodações para até 1600 pessoas. Um incêndio destruiu o teatro na noite de 14 de julho de 1827. Uma nova sala foi construída na Rue de Bondy, no Boulevard Saint-Martin, com lugares para 1900 espectadores. A inauguração ocorreu em 07 de junho de 1828. O teatro contava com compositores e adaptadores de repertório, copistas, mestre de baile, corpo de balé, decoradores, chefe de orquestra e músicos. O prédio do Ambigu-

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seguintes artistas da troupe atuaram: Davenay22 desempenhou o papel de Julia; Alexandre

Mauzin,23 o de Policastro; Martin, o papel da Condessa Manzoni; Salvador, o de Gregório;

e o ator Arthur Albert,24 "le dieu de l'Ambigu-Comique!",25 foi o protagonista Fabio. O

anúncio de estreia, publicado pelo periódico La Presse, destaca o atraso no preparo da peça,

devido às exigências de modificações no enredo fixadas pela censura teatral:

Théâtres, fêtes et concerts La première représentation de Fabio le Novice, annoncée par l'Ambigu, a été retardée par la nécessité d'opérer de graves modifications exigées par la censure. Elle doit avoir lieu définitivement ce soir samedi.26

O manuscrito de Fabio le Novice foi submetido ao órgão censor por Antony

Béraud, diretor do Ambigu-Comique. O parecer foi emitido a 25 de maio de 1841, impondo

cortes de cenas e substituições de léxicos e diálogos. A censura, mais política que literária,

exigiu que todas as ocorrências das palavras "peuple", "révolution" e "roi" fossem

substituídas. As falas em que as personagens cogitavam o assassinato do rei espanhol

tiveram que ser suprimidas. O quarto e último ato foi o que sofreu a maior interferência da

pena do censor, que fez alterações em todas as cenas. Diálogos inteiros, que tratavam da

organização da revolta popular, que objetivava a independência política de Milão, foram

eliminados. Provavelmente, a correção desse ato pelos autores foi o fator responsável pelo

atraso da estreia de Fabio le Novice no Ambigu-Comique. Segundo Odile Krakovitch,

durante a Monarquia de Julho, a censura francesa, de caráter preventivo, proibia que as

peças tocassem o regime da realeza, evocassem a Revolução de 1789, fizessem qualquer

Comique resistiu até 1966, quando foi demolido para a construção de um imóvel comercial. (Cf. WILD, Nicole. Dictionnaire des Théâtres Parisiens au XIXe Siècle. Paris: Aux Amateurs de Livres, 1989, p. 34-38). 22 Davenay debutou no Théâtre Gymnase Dramatique em 20 de maio de 1837. Atuou no Théâtre de l'Ambigu-Comique de 1838 a 1841. (Cf. LYONNET, Henry. Dictionnaire des Comédiens Français (ceux d'hier). Tomo I. Paris: Librairie de L'Art du Théâtre, 1904, p. 441). 23 Alexandre Mauzin iniciou a carreira de ator na Comédie Française, em 1830. Atuou no Ambigu-Comique por um longo período; depois, em 1843, se transferiu para o Théâtre de l'Odéon, onde protagonizou diversas peças. (Cf. Ibid., tomo II, p. 410). 24 Arthur Albert (1811-1866), protegido por Frédéric Soulié, debutou no Théâtre de l'Odéon aos 19 anos. Atuou no Théâtre Molière, no Ambigu-Comique e no Théâtre Porte Saint-Germain. Além de ator, Albert também foi dramaturgo. São de sua composição as peças Juliette, Prêtez-moi Cinq Francs, Toniotto, Mari de la Reine e Guerre d'Orient. (Cf. Ibid., tomo I, p. 12-13). 25 Théophile Gautier, In: La Presse, 22 de junho de 1841. 26 La Presse, 05 de junho de 1841.

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referência às ideias de liberdade ou de independência, pronunciassem nomes próprios ou

funções políticas (rei, ministro, senador, prefeito etc.).27

Fabio le Novice obteve boa aceitação pela plateia do Théâtre de l'Ambigu-

Comique, atingindo a marca de 52 exibições, entre junho e setembro de 1841.28 A peça

também foi recebida positivamente pelos críticos teatrais parisienses.29 Em 22 de junho de

1841, em seu folhetim dramático semanal, publicado pelo periódico La Presse, Théophile

Gautier elogiou Fabio le Novice, que se tratava de um "honnête mélodrame, bien écrit,

sagement conduit, aussi littéraire que peut le permettre le théâtre de l'Ambigu: l'habitude

d'une scène supérieure s'y fait sentir à chaque instant".30 O crítico finalizou a crônica

prevendo um grande sucesso de representações: "ce mélodrame intéressant et bien conduit

aura de nombreuses et productives représentations".31

2.2 O Noviço e Fabio le Novice: uma leitura

O Noviço revisita os lugares-comuns do gênero melodrama, tais como os tipos

(herói, vilão, moça casta), a perseguição incansável ao herói, a punição do vilão, a

recompensa aos bons, o roubo de herança e o reconhecimento final, que resolve os nós da

trama e distribui a justiça. Igualmente aos heróis do melodrama, Carlos é perseguido ao

longo da peça, vítima das artimanhas de seu tio Ambrósio, que, a todo custo, tenta se

apoderar de sua herança. Ambrósio, assim como os vilões, é egoísta, cínico e hipócrita.32

Ele aparenta ser o protetor dos jovens filhos de Florência; porém, o seu maior desejo é a

27 Cf. KRAKOVITCH, Odile. Les Pièces de Théâtre Soumises à la Censure (1800-1830) - Inventaire. Paris: Archives Nationales, 1982, p. 30-34. 28 Cf. BERTHIER, Patrick (Org.). In: GAUTIER, Théophile. Œuvres Complètes - Critique Théâtrale (1841-1842). Tomo III. Paris: Honoré Champion, 2010, p. 131. 29 Os seguintes periódicos e revistas literárias publicaram pareceres positivos sobre Fabio le Novice: Aujourd'hui (1841); Courrier des Vignerons (15 de junho de 1841); La Phalange (13 de junho de 1841); Le Cabinet de Lecture (15 de junho de 1841); Le Constitutionnel (14 de junho de 1841); L'Écho (1841); Le Siècle (10 de junho de 1841); Musée des Familles (junho de 1841). 30 La Presse, 22 de junho de 1841. 31 Idem. 32 As características dos tipos convencionais do melodrama foram consultadas no ensaio "Les bons et le méchant", de Anne Ubersfeld. (UBERSFELD, Anne. "Les bons et le méchant". In: Revue des Sciences Humaines, Lille, n. 162, p. 193-203, Abr.-Jun./1976).

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conquista da herança destes. O desejo ambicioso que move as ações do velhaco Ambrósio é

o mesmo nutrido pelos malvados do melodrama. Como ocorre no entrecho das peças

francesas, os planos maquiavélicos do vilão fracassam, mas só após o herói sofrer inúmeras

injustiças. No final da comédia de Martins Pena, Ambrósio é preso por policiais, destino

frequentemente reservado aos vilões do melodrama. O tipo da moça casta também está

presente em O Noviço: Emília é uma jovem prudente e virtuosa, protetora dos valores

familiares e matrimoniais. O aparte, recurso comumente empregado nas peças do gênero

francês, aparece em grande quantidade no texto de O Noviço, desnudando o real caráter das

personagens, principalmente o do ardiloso Ambrósio.

Além desses elementos formais da estética do melodrama, Martins Pena inclui

temas e personagens de Fabio le Novice, com o intuito de dialogar com a peça, integrante

de um gênero que compunha, essencialmente, os programas do São Pedro de Alcântara. O

comediógrafo recupera a figura principal da peça francesa: um noviço heroico e órfão. Ao

ver Carlos no palco, a plateia do Rio de Janeiro se lembraria da personagem Fabio. Os dois

noviços compartilham algumas características, como a astúcia e a inclinação para

aventuras. Ambos não se adaptam às doutrinas religiosas, não gostam da vida reclusa e

sentem-se inaptos para o noviciado, o que os levam a escapadelas frequentes do convento.

Fabio está apaixonado pela prima Julia, e planeja uma fuga do convento para se

unir à amada:

JULIA: – Ainsi, monsieur, vous habitez un couvent? FABIO: – Cela vous étonne?... Et moi donc!... On voudrait me faire moine, mais depuis que j'ai vingt ans je me recconais tous les jours un peu moins de goût pour le cloître... Et depuis que je vous aime, je me donnerais au diable plutôt que de... JULIA: – Monsieur... FABIO: – Pardon... Je ne répugne qu'aux voeux monastiques... Quant à mon salut, je le ferais beaucoup mieux avec vous!... JULIA: – La règle de votre couvent n'est donc pas bien sévère? FABIO: – Impitoyable! Mais un de mes amis, longtemps novice comme moi, et que la mort d'un frère aîné a rappelé dans le monde, me prête ces habits et de l'argent... Moyennant quoi je lui promets de me conduire avec discrétion, avec prudence... (...) L'argent me sert à acheter Gregorio, le portier du couvent... Les habits, vous les voyez... Je les porte avec plus de plaisir que ma robe de bure... Quand la nuit tombe, je m'échappe du monastère pour courir la ville et respirer un instant l'air de la liberté! (...) Au fait, c'est vrai! Novice dans un couvent de

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Dominicains, ce n'est pas un parti qu'on puisse avouer... Ma situation n'est pas tenable. Il faut que j'en sorte!33

O noviço francês não pretende seguir o noviciado, ele confessa ter inclinação

para a carreira militar:

FABIO: – Je crois qu'il est temps de prendre un parti, que je sache à quoi m'en tenir... Et puisqu'il s'agit de me prononcer, je commence par vous déclarer que je n'ai aucun goût pour le cloître... (...) LE PRIEUR: – Tout homme creuse son sillon sur la terre... A quels travaux voudriez-vous consacrer votre existence?... Aux arts? FABIO: – Non. Il faut y exceller, et je ne suis pas assez sot pour me croire du génie. LE PRIEUR: – Aux sciences? FABIO: – Oh! Elles m'endorment! LE PRIEUR: – Je devine. Avant de faire un choix, vous voudriez vous instruire par la comparaison, et vous avez le goût des voyages... FABIO: – Du tout! Du tout! Au contraire, je tiens fort à rester à Milan. (...) LE PRIEUR: – Mais enfin quelle est la carrière qui répondrait à vos sympathies? FABIO: – Eh bien! Celle des armes!34

Carlos, de O Noviço, também está apaixonado pela prima, um amor

considerado impossível, já que o rapaz, assim como Fabio, segue uma carreira religiosa em

que o celibato é obrigatório. Na cena sete do primeiro ato, Carlos confessa que não possui

aptidão para a vida religiosa e que deseja ingressar na carreira militar:

CARLOS: – E que culpa tenho eu, se tenho a cabeça esquentada? Para que querem violentar minhas inclinações? Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... Não posso jejuar: tenho, pelo menos três vezes ao dia, uma fome de todos os diabos. Militar é o que eu quisera ser; para aí chama-me a inclinação. Bordoadas, espadeiradas, rusgas é que me regalam; esse é o meu gênio.35

Outra correspondência entre as duas peças refere-se ao tema amoroso que estas

apresentam. Em Fabio le Novice, temos dois casais: o Conde e a Condessa Manzoni

33 LAFONT, Charles & PARFAIT, Noël. "Fabio le Novice". In: Magasin Théâtral, Paris, Marchant, 1841, p. 13. 34 Ibid., p. 17. 35 PENA, 1956, vol. I, p. 298.

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encenam os conflitos no âmbito do casamento; ao passo que Fabio e Julia vivem o amor

romântico dos jovens. Na comédia de Martins Pena, também são dois os casais: Florência e

Ambrósio representam os conflitos conjugais; Carlos e Emília, os percalços do amor de

juventude.

Como vemos, existem paralelos entre a comédia de Martins Pena e o

melodrama Fabio le Novice. No entanto, o comediógrafo brasileiro não fez uma imitação

ou uma tradução pura da peça francesa; trata-se de uma adaptação, baseada na inversão de

alguns de seus elementos. Martins Pena confere um tom jocoso ao discurso moralizante

apresentado pelo melodrama de Lafont e Parfait, revestindo-o com uma roupagem farsesca

e elementos sociais do Rio de Janeiro de sua época. Ao satirizar o comportamento

extremamente virtuoso do herói, assim como o exagero dos valores patrióticos e familiares,

presentes em Fabio le Novice, Martins Pena recria o noviço-herói.

Carlos não é patriótico e nem virtuoso, como o herói da peça francesa. O noviço

brasileiro não aceita subordinar-se às ordens do Mestre dos noviços, vive discussões

acaloradas com o Dom Abade e cogita atear fogo ao convento:

CARLOS: – Hoje, já não podendo, questionei com o D. Abade. Palavras puxam palavras; dize tu, direi eu, e por fim de contas arrumei-lhe uma cabeçada, que o atirei por esses ares.36 CARLOS: – Ora, para que ateimam comigo? Por fim, lanço fogo ao convento e morrem todos os frades assados.37

O comportamento transgressor de Carlos – herói que apresenta as artimanhas

do criado da farsa – é inaceitável para o herói clássico do melodrama. Fabio é audacioso,

mas não ultrapassa os limites do decoro social, não age de forma cômica e nem planeja

ardis contra os vilões que o perseguem.

Em Fabio le Novice, o patriotismo é exaltado e a nação colocada acima de

quaisquer interesses individuais ou familiares:

36 PENA, 1956, vol. I, p. 298. 37 Ibid., p. 323.

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LA COMTESSE: – Julia, tombe avec moi aux pieds de ton oncle... Supplions-le de veiller sur sa vie, c'est à nous seules qu'elle appartient! LE COMTE: – Elle appartient d'abord à ma patrie, que j'ai juré de rendre libre!38 POLICASTRO: – Tout tombe devant l'intérêt sacré du pays!39

Ao afirmar a Emília que pretendia ser militar, Carlos satiriza o patriotismo

exacerbado, encenando, de modo tresloucado, um soldado em campo de batalha. Isso

assusta sua prima, que o crê louco:

CARLOS: – (...) Eu, que quisera viver com uma espada à cinta e à frente do meu batalhão, conduzi-lo ao inimigo através da metralha, bradando: "Marcha... (Manobrando pela sala, entusiasmado) Camaradas, coragem, calar baionetas! Marche, marche! Firmeza, avança! O inimigo fraqueia... (Seguindo Emília, que recua, espantada) Avança!" EMÍLIA: – Primo, primo, que é isso? Fique quieto! CARLOS (entusiasmado): – "Avança, bravos companheiros, viva a Pátria! Viva!" – e voltar vitorioso, coberto de sangue e poeira...40

Em relação ao tema amoroso, os diálogos entre Emília e Carlos não apresentam

o decoro da linguagem de Fabio e Julia. Quanto ao tema familiar, a Condessa Manzoni, na

peça de Lafont e Parfait, representa os valores mais nobres da maternidade: ela opta por

salvar o filho ao invés do esposo. O comportamento de Florência, a figura materna da peça

de Martins Pena, é avesso ao ideal proposto pelo melodrama: ela é casada pela segunda vez

e, para atender aos desejos do marido, não hesita em causar sofrimentos aos filhos e ao

enteado.

Em O Noviço, Martins Pena não pretendia somente a diversão da plateia com a

paródia das convenções do melodrama. Recorrendo ao registro farsesco, o autor adapta os

elementos do gênero francês ao contexto do Rio de Janeiro de sua época. Desse modo,

utiliza a paródia como veículo literário para satirizar as ordens e doutrinas religiosas, o

sistema do patronato e as leis criminais vigentes no Império.

38 LAFONT & PARFAIT, 1841, p. 26. 39 Ibid., p. 30. 40 PENA, 1956, vol. I, p. 299.

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3 A Sátira em O Noviço: o convento, o patronato e as leis criminais

O Noviço traz ao palco, por meio da personagem Carlos – o porta-voz de

Martins Pena –, o questionamento das práticas e doutrinas dos conventos. Na instituição

religiosa de Carlos, o convento da Ordem de São Bento, há uma hierarquia que orienta o

grau de obediência entre os membros: no alto da pirâmide encontra-se o D. Abade; abaixo,

o Mestre dos noviços, uma espécie de capataz responsável por manter a ordem e perseguir

os jovens; na base, os noviços, silenciados pela ameaça constante de castigos e punições

severas. Ao longo da peça, as personagens que ocupam a posição superior na hierarquia são

satirizadas e enganadas pelos ardis de Carlos, um noviço transgressor.

A sátira de membros de ordens religiosas já aparecera na crônica Uma Viagem

na Barca de Vapor, publicada por Martins Pena no Correio das Modas, em 1839. A certa

altura da narrativa, um frade é colocado em uma situação risível:

Depois de eu ter entrado, seguindo sempre as duas moças, entra o frade, seguido da mulher barriguda, trazendo o moleque pela mão; apenas tinham eles posto o pé dentro da barca, que esta avançando-se com uma vaga, bate de encontro da ponte, faz perder o equilíbrio de ambos. O frade cai para trás, e encontrando no meio da queda a mulher barriguda atira-a no chão, e cai assentado em cima da barriga. Ai! Ai! Gritava a pobre mulher estendida como uma tartaruga. Ai! Que morro! O moleque chorava, uns gritavam que acudissem a mulher, outros riam-se; e o frade levantando-se muito desconfiado foi-se assentar junto do leme; a ordem restabeleceu-se; e continuou a entrar mais gente.41

No segundo ato de O Noviço, o Mestre dos noviços narra a confusão que se

instalara no convento, quando todos perceberam que ali se encontrava uma mulher. A partir

da extensa fala da personagem, Martins Pena satiriza o celibato, que convertia os clérigos

em homens de "muito pouca prática de senhoras".42

MESTRE: – Toda a comunidade acorreu e grande foi então a confusão. Um gritava: sacrilégio! Profanação! Outro ria-se; este interrogava; aquele respondia ao acaso... Em menos de dois segundos a notícia percorreu todo o convento, mas alterada e aumentada. No refeitório dizia-se que o diabo estava no coro, dentro dos canudos do órgão; na cozinha julgava-se que o fogo lavrava nos quatro

41 Correio das Modas, 13 de abril de 1839. 42 PENA, 1956, vol. I, p. 315.

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ângulos do edifício; qual, pensava que D. Abade tinha caído da torre abaixo; qual, que fora arrebatado para o céu. Os sineiros, correndo para as torres, puxavam como energúmenos pelas cordas dos sinos; os porteiros fecharam as portas com horrível estrondo: os responsos soaram de todos os lados, e a algazarra dos noviços dominava esse ruído infernal, causado por uma única mulher. Oh, mulheres!43

Em sua comédia, o autor também satiriza os padres que frequentavam,

secretamente, os teatros e ironiza a atitude excessivamente conservadora de espectadores

que não concordavam com a presença de clérigos nos espetáculos. Carlos comenta que o

Frei de seu convento ia ao teatro disfarçado, para não ser reconhecido pela plateia:

"CARLOS: – Gosto de teatro, e de lá ninguém vai ao teatro, à exceção de Frei Maurício,

que frequenta a plateia de casaca e cabeleira para esconder a coroa".44

Martins Pena encena uma questão vivenciada por sua plateia e que estava em

pauta na imprensa. Alguns espectadores, em cartas publicadas pelos periódicos,

condenavam a ida de clérigos aos teatros. Em janeiro de 1840, a assídua presença de um

padre nos camarotes e na plateia do São Pedro de Alcântara causou a indignação dos mais

conservadores. Um inconformado espectador, em carta enviada ao Diário do Rio de

Janeiro, comenta que o vigário, em busca de divertimentos mundanos, infringia uma lei

religiosa legitimada pela Igreja e escrituras:

Na 4ª dominga do advento, em que no evangelho da missa se lê, João ia discorrendo por toda a terra do Jordão pregando a penitência para remissão dos pecados, é que no teatro se achava em um camarote um padre às contras, e um padre que dizem ser vigário encomendado! Eis como ele observava o que de manhã tinha lido no evangelho, e como praticava a penitência, que talvez pregasse aos outros! Estarão derrogados cânones da igreja e bulas pontificiais que expressamente proíbem aos clérigos assistirem aos teatros? Ou teremos chegado a um tal estado de desmoralização que assim se desprezem as leis mais santas e a decência pública à face da autoridade, civil e eclesiástica?45

Ao que tudo indica, o padre era um amante do teatro e continuou a frequentá-lo,

apesar do burburinho presente na imprensa carioca. Outra correspondência, publicada no

mesmo periódico, afirma que o padre não fazia uso de disfarces, técnica empregada pelos

43 PENA, 1956, vol. I, p. 316. 44 Ibid., p. 298. 45 Diário do Rio de Janeiro, 09 de janeiro de 1840.

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clérigos que frequentavam os teatros e não queriam ser vistos, a exemplo de Frei Maurício,

de O Noviço:

Será certo (segundo ouvi dizer), que o tal vigário encomendado amante do teatro, foi despachado, e que vai ser colado? Se assim é então bem daria eu outro dia vox clamantis in deserto, porque se um católico Z** ouviu o seu eco, nem o Sr. Ministro da Justiça a ouviu, pois que o despachou, nem o Vigário Capitular porque dormia a sono solto, e nem o tal vigário, que continua a ir ao teatro, como aconteceu domingo passado. Ora, Sr. Redator, como querem que o povo execute as ordens superiores, se ele vê que esses mesmos superiores não executam, nem fazem executar as de Deus? Até aqui se iam padres ao teatro, ao menos era com disfarce, porque temiam afrontar a decência e moral pública, porém esse Sr. vigário encomendado, ou colado (por pecados do povo), apresenta-se ali descaradamente, ora de camarote, ora de plateia, com seus óculos de aproximação.46

Martins Pena aprofunda a temática em torno da instituição religiosa e discute a

eficiência das doutrinas pedagógicas mantidas nos conventos, fundamentadas em jejuns,

castigos punitivos e encarceramentos. Ao satirizar as longas horas de orações e os jejuns

extremados, que tanto assombravam Carlos, o comediógrafo mostra que essas técnicas não

garantiam a ordem, como comprova a atitude transgressora do jovem noviço, que questiona

o D. Abade e lhe dá uma cabeçada.47

No convento de Carlos, o castigo daqueles que não apresentavam o

comportamento desejado pela instituição é empregado como exemplo de punição aos

restantes, para assim, impedir a rebeldia dos jovens noviços contra as diretrizes da ordem

religiosa: "MESTRE: – Sairá do convento; porém antes será castigado. (...) Não por ele,

que estou certo que não se emendará, mas para exemplo dos que lá ficam. Do contrário,

todo o convento abalava".48

Além da sátira religiosa, O Noviço apresenta uma sátira política. Pela voz da

personagem Carlos, Martins Pena repugna o sistema de apadrinhamento mantido pelo

Estado, que resguardava a uma minoria os mais importantes cargos públicos.49 Desse

46 Diário do Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1840. 47 Ver cena sete do primeiro ato, In: PENA, 1956, vol. I, p. 298. 48 Ibid., p. 325. 49 Em sua obra A Construção da Ordem, José Murilo de Carvalho expõe o funcionamento do processo de ocupação dos mais importantes cargos públicos, tanto os políticos quanto os militares, durante o Segundo Império. De acordo com o historiador, os indivíduos provenientes de famílias tradicionais, detentoras de

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modo, desconsideravam-se os talentos e as virtudes dos homens para a prática das carreiras

públicas, o que ia na contramão daquilo que era proposto pelo Artigo 179 da Constituição

de 1824: "XIV Todo o cidadão pode ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos, ou

Militares, sem outra diferença, que não seja dos seus talentos, e virtudes".50 Carlos defende

o direito de oportunidades iguais a todos os homens livres, incluindo os trabalhadores do

comércio e os funcionários públicos de baixo escalão.

CARLOS: – Este tem jeito para sapateiro: pois vá estudar medicina... Excelente médico! Aquele tem inclinação para cômico: pois não senhor, será político... Ora, ainda isso vá. Estoutro só tem jeito para caiador ou borrador: nada, é ofício que não presta... Seja diplomata, que borra tudo quanto faz. Aqueloutro chama-lhe toda a propensão para a ladroeira; manda o bom senso que se corrija o sujeitinho, mas isso não se faz: seja tesoureiro de repartição, fiscal, e lá se vão os cofres da nação à garra... Essoutro tem uma grande carga de preguiça e indolência e só serviria para leigo de convento, no entanto vemos o bom do mandrião empregado público, comendo com as mãos encruzadas sobre a pança o pingue ordenado da nação. (...) Que não se constranja ninguém, que se estudem os homens e que haja uma bem entendida e esclarecida proteção, e que, sobretudo, se despreze o patronato, que assenta o jumento nas bancas das academias e amarra o homem de talento à manjedoura.51

Martins Pena discute também a difícil condição financeira do escritor literário

no Brasil; condição na qual se incluía, uma vez que não se mantinha financeiramente com

as suas produções para o teatro, apesar de já ser um autor conhecido do público e dos

artistas do principal teatro da Corte. Para sobreviver, dependia de seu cargo de amanuense

da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, que lhe rendia um ordenado mensal

estável. Nas críticas palavras de Carlos, sentimos a mão do comediógrafo defendendo as

suas próprias ideias:

CARLOS: – Este nasceu para poeta ou escritor, com uma imaginação fogosa e independente, capaz de grandes coisas, mas não pode seguir a sua inclinação, porque poetas e escritores morrem de miséria, no Brasil... E assim o obriga a necessidade a ser o mais somenos amanuense em uma repartição pública e a copiar cinco horas por dia os mais soníferos papéis. O que acontece? Em breve matam-lhe a inteligência e fazem do homem pensante máquina estúpida, e assim

terras, escravos e diplomas de estudos superiores, eram os que ocupavam os cargos públicos de alto escalão. (CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 93-142). 50 Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824, 1886, p. 33. 51 PENA, 1956, vol. I, p. 299.

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se gasta uma vida! É preciso, é já tempo que alguém olhe para isso, e alguém que possa.52

Assim como vimos em O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas,

O Noviço também leva ao palco do São Pedro de Alcântara a problematização de elementos

do Código Criminal do Império. A comédia satiriza a ambiguidade e a ineficiência das leis

penais, utilizadas, principalmente, para a condenação de indivíduos das camadas sociais

menos favorecidas. Na primeira cena da peça, Ambrósio declara fazer de tudo para se

tornar rico, inclusive cometer crimes; ele nada teme, pois acredita que "as leis criminais

fizeram-se para os pobres".53

A comédia aborda, mais especificamente, o Capítulo III do Código Criminal de

1830, dedicado à manutenção da ordem doméstica. O casamento era um bem social

protegido pelos Artigos 247 a 256 do referido Capítulo, que proibia a poligamia,

considerada um delito condenável à prisão:

CAPÍTULO III - Dos crimes contra a segurança do Estado Civil e doméstico (...) Seção II - Poligamia Art. 249 Contrair matrimônio segunda, ou mais vezes, sem se ter dissolvido o primeiro. Penas - de prisão com trabalho por um a seis anos, e de multa correspondente à metade do tempo.54

A bigamia de Ambrósio, apesar de ser tratada com muito humor, não deixa de

ser declarada como um ato criminoso: "CARLOS: – A bigamia é um grande crime; o

Código é muito claro".55 No entanto, por mais que estivesse listada no Código, a bigamia,

juntamente com outros pequenos delitos, parecia não receber dedicada atenção da

comunidade policial, que se empenhava no combate de crimes que ofereciam maior ameaça

à ordem pública, tais como a vadiagem, a desordem e a circulação de pessoas nas ruas em

52 PENA, 1956, vol. I, p. 299. 53 Ibid., p. 293. 54 "Código Criminal do Império do Brasil de 1830". In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1830, 1876, p. 188. 55 PENA, op. cit., p. 303.

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horários proibidos.56 Quando Rosa pergunta a Carlos se não havia leis que punissem os

crimes de Ambrósio, ele responde: "CARLOS: – Há tudo isso, e de sobra. O que não há é

quem as execute".57 Na época, os periódicos fluminenses publicavam artigos que

representavam a polícia como ineficiente e desacreditada pelos habitantes da cidade.

Podemos verificar essa opinião em uma crônica veiculada pelo jornal O Camaradinha:

No amável Guasca na Corte de quinta-feira 07 de agosto, lê-se o seguinte: 'Aos Inspetores de quarteirão compete pôr cobro às inúmeras casas de jogo que por aí formigam.' Na verdade é bem engraçado este pedacinho! Como hão de os Inspetores pôr cobro às casas de jogo, se alguns deles tem a vista curta? A Polícia dorme, e por consequência o seu esquadrão também.58

56 Renata Almendra apresenta dados estatísticos referentes às prisões efetuadas no Rio de Janeiro, entre 30 de maio e 17 de junho de 1831: quase 30% das prisões tiveram como delito desordens e insultos. (ALMENDRA, 2006, p. 105-106). 57 PENA, 1956, vol. I, p. 306. 58 O Camaradinha, agosto de 1851.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

MARTINS PENA E SUAS COMÉDIAS: UMA MENSAGEM À PLATEIA

Manipulando a tradição teatral a seu alcance, e limitado pelo acanhamento do meio, do qual aliás era consciente, Martins Pena reelaborou formalmente a comédia farsesca.1

Este trabalho propôs um retorno ao contexto da atividade teatral praticada na

capital do Império no momento em que as peças de Martins Pena estrearam nos palcos.

Retorno possível graças à imprensa cotidiana e literária oitocentista, aos manuscritos e

cartas do comediógrafo, aos documentos do Conservatório Dramático Brasileiro e aos

textos teatrais de autores estrangeiros representados no Rio de Janeiro nessa época. A ideia

de acompanhar as condições concretas de representações (estreias e reprises) e a recepção

das comédias de Martins Pena, em seu contexto de criação, possibilitou-nos iluminar novas

leituras e conexões.

Concluímos que a produção dramática de Martins Pena está intimamente ligada

à atividade teatral praticada no Teatro de São Pedro de Alcântara, envolvendo os seus

artistas e o repertório ali exibido. Configuramos dois momentos de representações das

peças do autor nessa sala de espetáculos: a fase de estreias, entre outubro de 1838 e

dezembro de 1846; e a de reprises póstumos, na década de 1850.

A grande maioria das comédias de Martins Pena estrearam no São Pedro de

Alcântara em programas beneficentes em favor de atores da troupe. Apenas quatro peças,

dentre as 19 que foram encenadas, não estrearam em espetáculos beneficentes: O Noviço,

As Desgraças de uma Criança, Vitiza ou O Nero de Espanha e Os Ciúmes de um Pedestre /

O Terrível Capitão do Mato. Tendo em vista que o ator ou a atriz era o responsável por

1 ARÊAS, 2007, p. XXIII.

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organizar o programa do espetáculo que ofereceria – como pudemos constatar nos diversos

exemplos de anúncios teatrais divulgados pela imprensa, e transcritos no Capítulo 1 –, é

possível presumir que, muito provavelmente, eles encomendavam comédias a Martins Pena

para serem representadas no encerramento dos benefícios. Assim, segundo esta hipótese, o

ator português Manoel Soares pode ter sido o artista do São Pedro de Alcântara que mais

encomendou obras ao comediógrafo, seguido de Ludovina Soares, Estela Sezefreda e José

Candido da Silva.

Como não encontramos maiores informações que iluminassem as condições

desses espetáculos beneficentes, não temos certeza se Martins Pena recebia algum tipo de

remuneração pelas peças que compunha para serem encenadas no São Pedro de Alcântara.

O que sabemos, graças aos anúncios de espetáculos, é que os benefícios em favor dos

artistas eram uma prática comum na atividade teatral fluminense da época. Os atores e

atrizes complementavam os seus salários com a renda obtida pela venda dos bilhetes dos

espetáculos que ofereciam. Por isso, se esforçavam para compor um programa que

agradasse aos espectadores e que incluísse peças inéditas. Constituído o repertório a ser

apresentado, os artistas anunciavam o espetáculo na imprensa, e não deixavam de rogar

pela presença dos espectadores. Pesquisas mais aprofundadas acerca da vida profissional

desses atores poderiam esclarecer diversas questões referentes aos seus trabalhos nos palcos

do Rio de Janeiro, ajudando-nos a melhor compreender como se estruturava o sistema dos

espetáculos beneficentes.

Ao longo da década de 1840, Martins Pena foi o comediógrafo brasileiro mais

encenado no São Pedro de Alcântara. A boa aceitação de suas comédias nos palcos motivou

a publicação de algumas peças. O editor e livreiro Paula Brito trouxe à luz os textos de sete

obras de Martins Pena: O Juiz de Paz da Roça (1842 e 1843), A Família e A Festa da Roça

(1842), O Judas em Sábado de Aleluia (1846), Os Irmãos das Almas (1846), O Diletante

(1846), Quem Casa, Quer Casa (1847) e O Caixeiro da Taverna (1847).

Apesar da grande quantidade de encenações das comédias de Martins Pena no

principal teatro da Corte – o que poderia nos levar a pensar que as representações de suas

peças teriam sido temas de diversas crônicas teatrais –, localizamos na imprensa somente

uma crítica, referente à estreia de A Família e A Festa da Roça, publicada no rodapé do

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Jornal do Commercio, a 05 de setembro de 1840. Ademais, identificamos uma notícia

sobre a montagem do drama Vitiza ou O Nero de Espanha (Jornal do Commercio, 15 de

setembro de 1845), uma pequena nota acerca da estreia de O Diletante (Jornal do

Commercio, 24 de fevereiro de 1845), e uma correspondência anônima que rogava pela

encenação, nos teatros fluminenses, das peças do "defunto Pena" (Diário do Rio de Janeiro,

01 de julho de 1851).

Entre 1850 e 1855, Martins Pena não foi esquecido pela companhia dramática

do São Pedro de Alcântara, que continuou a representá-lo no mesmo modelo de programa e

repertório teatral. Porém, apenas cinco comédias do autor permaneceram em cartaz: A

Família e A Festa da Roça, O Judas em Sábado de Aleluia, Os Dois ou O Inglês

Maquinista, Os Irmãos das Almas e O Noviço.

Na segunda metade da década de 1850, os realistas José de Alencar e Quintino

Bocaiúva, em seus ensaios sobre a arte dramática, classificaram as comédias de Martins

Pena de baixo cômico, o oposto da comédia realista. Ao criticarem negativamente a obra do

comediógrafo brasileiro mais representado no decênio anterior, os adeptos do Teatro

Ginásio Dramático também se mostravam contrários ao repertório romântico do São Pedro

de Alcântara, onde as comédias de Martins Pena eram encenadas. Aos olhos dos realistas,

essa sala de espetáculos representava um repertório ultrapassado. Apesar de alguns críticos

propagarem, na imprensa, a falência do São Pedro de Alcântara, fato é que o teatro

continuava a oferecer grande quantidade de espetáculos, montava peças inéditas, tanto de

autores brasileiros quanto estrangeiros, e em seu palco ainda debutavam artistas novos.

Assim, ao que tudo indica, o repertório poderia estar desgastado, devido às frequentes

reprises, mas o teatro não demonstrava sinal de crise no que tange à oferta de espetáculos.

Em O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço, que estão

entre as peças de Martins Pena mais encenadas durante as décadas de 1840 e 1850,

identificamos um diálogo com a estética do melodrama francês – gênero que compunha,

essencialmente, os programas do São Pedro de Alcântara –, e uma mensagem de conteúdo

social, construída por meio da sátira política e religiosa, e da adaptação de temas debatidos

pela imprensa fluminense da época, tais como a circulação de moeda falsa, os preceitos da

maçonaria e a presença de padres em espetáculos teatrais. Nessas comédias, o autor pensa a

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modernização da nação a partir da valorização dos direitos civis. As personagens,

pertencentes à classe de trabalhadores livres do comércio e ao baixo escalão do

funcionalismo público, defendem os direitos à liberdade, à propriedade, à igualdade perante

a lei, à garantia de ir e vir, de escolher a profissão, de manifestar o pensamento, de ter

respeitada a inviolabilidade do lar, como elementos que garantiriam o bem-estar social no

Rio de Janeiro.

Na análise de O Judas em Sábado de Aleluia, destacamos que as personagens

da comédia, principalmente o herói Faustino, representam situações em que os direitos civis

são ignorados, devido à atuação de uma polícia autoritária e corrupta. Consciente do

funcionamento das novas instituições políticas estabelecidas pelo Estado Imperial, Martins

Pena, em noites de entretenimento no São Pedro de Alcântara, não permitia que os

espectadores da plateia se esquecessem das leis civis, as quais, apesar de existentes na

Constituição de 1824, eram frequentemente desrespeitadas.

Discutimos que, nos enredos de Os Irmãos das Almas e O Noviço, Martins Pena

se apropriou de temas e personagens de melodramas franceses encenados no palco do São

Pedro de Alcântara, adaptando-os ao contexto do Rio de Janeiro. O autor, lançando mão do

registro farsesco, parodia os elementos dramáticos centrais da estética do melodrama,

familiares à plateia fluminense, invertendo-os comicamente e conferindo-lhes nova

significação.

A partir do trabalho de reconstituição histórica dos espetáculos, pudemos

vislumbrar novas facetas de Martins Pena no contexto da atividade teatral vivenciada no

Rio de Janeiro dos anos 1840. Ele não foi apenas o grande comediógrafo, de apurada veia

cômica, responsável por fundar a comédia nacional de costumes – como o quiseram a

maior parte dos críticos teatrais e os historiadores da literatura –, mas também um autor

influente na constituição dos benefícios teatrais oferecidos pelos artistas do São Pedro de

Alcântara, espectador dos programas desse teatro, leitor e censor de seu repertório de peças

francesas. E, sobretudo, um escritor que obteve sucesso com suas comédias, mas que, além

da busca de divertimento, tinha uma mensagem social para transmitir à plateia.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Fontes Primárias

1.1 Periódicos

1.1.1 Rio de Janeiro

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A Caricatura (1851)

A Rabequinha (1851)

A Reforma (1851-1852)

Correio das Modas (1839-1840)

Coruja Teatral (1840-1841)

Diário do Rio de Janeiro (1827-1855)

Gabinete de Leitura (1837-1838)

Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822)

Jornal do Commercio (1838-1855)

O Álbum Semanal (1851-1853)

O Artista (1849)

O Beija-Flor (1850)

O Bodoque Mágico (1851)

O Clarim dos Theatros (1851)

O Corsário (1851)

O Corsário Vermelho (1851)

O Estandarte (1851)

O Gosto (1843)

O Guasca na Corte (1851)

O Jornal das Senhoras (1852-1855)

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O Martinho (1851)

O Montanista (1851)

O Orsatista (1851)

1.1.2 Paris

Aujourd'hui (1841)

Courrier des Vignerons (junho/1841)

La Phalange (junho/1841)

La Presse (junho/1841)

Le Cabinet de Lecture (junho/1841)

Le Constitutionnel (junho/1841)

L'Écho (1841)

Le Siècle (junho/1841)

Musée des Familles (junho/1841)

1.2 Manuscritos

1.2.1 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Coleção Conservatório Dramático Brasileiro "Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao mesmo, para examinar a peça O Médico Raymundo, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", I - 08, 02, 76. "Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao censor Ernesto Pires Camargo, para examinar a peça O Capitão Sem o Ser, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", I - 08, 02, 80. "Designação censório do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao mesmo, para examinar a peça Uma Rapaziada, a ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcantara", I - 08, 02, 78.

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"Designação para Martins Penna examinar o vaudeville Uma Rapaziada, a ser representada no Teatro São Pedro d'Alcântara", I - 08, 22, 80. "Designação censória do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro ao próprio, para examinar a peça Fauyel, a ser encenada no Teatro de São Pedro d'Alcântara", I - 08, 02, 66. "Designação para Luis Carlos Martins Pena examinar a peça Paulo e Virgínia", I - 08, 03, 14, nº 09. "Encaminhamento do 2º secretário do Conservatório Dramático Brasileiro de pedido para exame censório da peça A Filha de Fígaro, para ser encenada no Teatro São Pedro d'Alcântara", I - 08, 01, 53. "Requerimento ao Conservatório Dramático Brasileiro, solicitando exame censório para a peça Uma Mulher Feia", I - 08, 04, 66.

Coleção Darcy Damasceno "Anúncio de venda de livros de comédia de Martins Pena: 30/01/1846: notas várias", I - 26, 02, 85. "Martins Pena e a censura: extratos de pareceres de censura: notas várias", I - 26, 02, 75. "Questões sobre autoria de censuras e da peça Uma Mulher Feia de Martins Pena, cópias de anúncios de representação da citada peça: notas várias", I - 26, 02, 78.

Coleção Martins Pena "Carta a José Rufino Rodrigues de Vasconcelos sobre a censura de Os Ciúmes de um Pedestre", I - 06, 27, 14, nº 01. "Drama Sem Título em Dois Atos", I - 06, 26, 04.

1.2.2 Archives Nationales de Paris

"Fabio le Novice", F/18/943, nº 3706.

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6 Dicionários

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FARIA, João Roberto; GUINSBURG, Jaco & LIMA, Mariangela Alves de. Dicionário do Teatro Brasileiro: temas, formas e conceitos. São Paulo: Perspectiva, 2006.

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LAROUSSE, Pierre. Grand Dictionnaire Universel du XIXe Siècle. Tomo X. Paris: Administration du Grand Dictionnaire, 1865-1876.

LYONNET, Henry. Dictionnaire des Comédiens Français (ceux d'hier). Tomo I e II. Paris: Librairie de L'Art du Théâtre, 1904.

WICKS, Charles Beaumont. The Parisian Stage. Tomo III (1831-1850). Alabama: University of Alabama Press, 1961.

WILD, Nicole. Dictionnaire des Théâtres Parisiens au XIXe Siècle. Paris: Aux Amateurs de Livres, 1989.

7 Leis

Coleção das Leis do Brasil de 1810. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.

Coleção das Leis do Império do Brasil de 1824. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886.

Coleção das Leis do Império do Brasil de 1830. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1876.

Coleção das Leis do Império do Brasil de 1831. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1875.

Coleção das Leis do Império do Brasil de 1833. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1872.

Coleção das Leis do Império do Brasil de 1841. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1842.

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ANEXOS

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Um Episódio de 18311

Em uma das ruas desta cidade vivia uma pobre e honesta mulher: Rita se

chamava ela. Viúva de um simples empregado da alfândega, ela não vivia senão do seu

trabalho, pois seu marido tinha sido um empregado probo. A única consolação desta boa

mulher era a sua querida filha Mariquinhas; ela era o seu mimo, o seu ídolo. Mariquinhas, a

bela Mariquinhas, era em tudo digna de amor de sua terna mãe, era um anjo de doçura, a

sua alma era cândida e pura. Oh! Como ela era amável! As suas belas tranças de ébano, os

seus belos olhos faziam lembrar as houris do paraíso do profeta, o seu semblante tinha a

pureza da virgem de Raphael, e sua boca era uma rosa cheia de pérolas. Mariquinhas teve

por companheiro de infância a Julio, afilhado de sua mãe. Julio era filho de um pobre

jornaleiro, a sua vinda ao mundo tinha custado a vida a sua mãe. Oh! Como o bom

Jerônimo chorou a perda de sua amável companheira, a única consolação nos seus

trabalhos! Ah! Pouco tempo teve para chorar, um mês depois da morte de sua mulher,

estando a trabalhar na construção de uma casa, caiu do telhado, e só teve tempo de

recomendar seu tenro filhinho ao cuidado de sua boa madrinha. Rita o recebeu e o tratou

como seu próprio filho. Mariquinhas e Julio juntos cresceram, juntos brincaram, e se

amaram. A boa Rita via com prazer a afeição de seus dois filhos, ela pretendia uni-los, mas

esperava tempos melhores; nem Mariquinhas, nem Julio tinham fortuna, e ela tinha bastante

razão para não consentir na união de seus filhos; união que os faria desgraçados, pois não

tinham meios de subsistência. Logo que Julio teve idade suficiente, Rita o fez entrar de

caixeiro em uma taverna em frente de sua casa; assim Julio podia ver todos os dias

Mariquinhas. Seis anos assim se passaram. Julio já estava sócio de seu amo, e em breve

tempo pretendia unir-se à sua Mariquinhas. Todos os momentos que Julio podia roubar a

suas obrigações, ele os passava junto de sua amada: todos eram felizes. A boa Rita chorava

de prazer quando via os seus dois filhos juntos. Só uma coisa afligia o coração de Julio, era

a tristeza em que às vezes achava Mariquinhas sepultada. Em muitas ocasiões perguntou

qual era a causa desta tristeza, porém ela sempre iludiu a sua questão.

1 Texto publicado pelo periódico Gabinete de Leitura em 08 de abril de 1838.

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Passava constantemente pela rua aonde morava Mariquinhas um destes

homens, que vivem sem se saber de que, vadio por profissão, e frequentador de botequins;

um destes fenômenos de nossa sociedade. José não tinha ofício, seus pais nada lhe

deixaram, no entanto ele vivia, e vivia bem. As graças de Mariquinhas fizeram impressão

em seu coração debochado, e ele jurou a todo o custo possuí-la. Quanto não sofria a pobre

Mariquinhas com as continuadas importunações de José! Ah! Se fossem só importunações?

Mas não, José conhecia o amor de Mariquinhas por Julio, e tinha jurado vingar-se!

Um dia, dia de horror, e execração para todos os brasileiros! Dia 14 de julho!

Soldados ébrios e indisciplinados, soldados enfim, que já tinham feito uma revolução,

levantaram a voz de sedição!! Dia três vezes maldito! Dia de assassinatos!... Partidas de

soldados corriam as ruas da cidade semeando o horror e a consternação: ninguém se julgava

seguro em sua casa; as portas eram arrombadas, o direito de propriedade menoscabado, a

honra das famílias insultada... A anarquia reinava soberana na capital de S. Cruz! Um

bando de 20 a 30 soldados entraram em uma taverna: – Queremos vinho! – foi o grito geral.

O caixeiro palpitando de medo corre a buscar o vinho, e o oferece em cima do balcão.

– Venha uma mesa!

– Apoiado! Apoiado! Venha uma mesa.

O pobre caixeiro corre a procura de uma mesa.

– Anda mais depressa, senão eu te faço marchar na ponta desta baioneta.

Vem a mesa, todos se sentam ao redor.

– Venha mais vinho? Venha aguardente, [ilegível], tudo quanto houver

[ilegível].

– Viva o nosso sargento!

– Viva!

– Ó lá, galego, traz um presunto?

– Venha o presunto, paios, tudo, tudo quanto houver, nós somos os defensores

da pátria!

De todos os lados se lançavam sobre os comestíveis, o vinho corria por cima da

mesa: as baionetas, e espadas serviam de facas; os dedos de garfos, as barretinas serviam de

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copos a esta soldadesca indisciplinada, que desprezava as leis da sociedade, e fazia tanto

caso da civilização como de um cão morto!

Não se ouvia mais, que um tumulto prolongado, amálgama confuso de dentes

que estrafegavam a comida, os estalos dos beiços que saboreavam o vinho, depois a bulha

dos copos, que batiam uns nos outros e se quebravam, as risadas, as palavras derramadas

aqui e ali, as blasfêmias, o som metálico das espadas batendo uma contra a outra! Tudo isto

junto fazia um concerto infernal!

– Ó lá, galego, vem fazer uma saúde!

– Venha o galego pra cima da mesa fazer uma saúde à liberdade! Venha o

galego! Venha!

Oito braços apoderam-se do mísero caixeiro, quase morto de susto, e o puseram

em cima da mesa.

– Toma lá esta barretina cheia de vinho, bebe-o todo em saúde da pátria!

O desgraçado todo trêmulo pega na barretina, e quer levá-la aos beiços, mas o

seu tremor é tal que deixa caí-la!!!

– É pé-de-chumbo! Não quer beber a saúde da pátria!!! – Uma baioneta

atravessa o peito do infeliz e o faz cair morto sobre a mesa!!!... Seu sangue mistura-se ao

vinho, que não deixa por isso de ser bebido!!!!... Era uma orgia! Uma completa orgia!!!...

Um só indivíduo passeava pela rua. Ele parecia meditar, seus passos eram

desiguais, seus olhos brilhavam com uma luz satânica; enfim tudo nele denotava uma

profunda agitação. Este indivíduo era José, o amante desprezado de Mariquinhas. Depois

de ter passado três vezes diante da taverna aonde estavam os soldados, diz: – É preciso

vingar-me! Ela ama a Julio. Devo aproveitar a ocasião!... Ele [trecho corrompido] para a

porta da taverna, e grita: – Camaradas, o vinho desta casa não presta, sigam-me se querem

beber bom vinho. – Estas palavras tiveram um poder mágico: todos os soldados se

levantaram, porém uns caíam debaixo da mesa, outros rolavam até ao meio da rua. A muito

custo José conseguiu que doze o acompanhassem.

– Viva a liberdade!

– Viva a pátria!

– Morte aos chumbos! Vociferava a turba bêbada.

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– Morte aos chumbos! Repetiam os que estavam no meio da rua com a cara na

lama. José seguido de seus dignos companheiros dirige-se para a casa de Julio!!!...

– Mariquinhas, que gritos são estes?

– Não sei minha mãe; talvez sejam os soldados; eu ouvi dizer que eles se

tinham revoltado.

– Oh! Não admira: cesteiro que faz um cesto, faz um cento. Chega a janela e vê

se eles vem pra cá.

– Oh! Eles caminham para cá!

– Minha filha, faz sinal a Julio que feche a porta!

– Eu não o vejo, sem dúvida está dentro.

– Tu ouves que gritos dão eles?

– Eles gritam – Viva a liberdade!

– Oh! Liberdade! Ela é a capa de velhacos!

– Morram os chumbos!

– Morra Pedro Panaca!!...

Julio ouve os gritos dos sediciosos, quer fechar a porta, foi tarde!!!... José à

frente dos soldados entra em sua casa.

Julio temendo exasperar mais os soldados serve prontamente.

– Belo vinho! Diz José, toma dinheiro galego? Na mão esquerda tem um

punhado de dinheiro, na direita uma baioneta! Julio estende a mão para receber o dinheiro,

no mesmo instante uma baioneta brilha a seus olhos, e antes que ele tenha o tempo de fazer

uma reflexão, o ferro atravessa sua mão, e vai cravar-se uma polegada no balcão!!!...

Mariquinhas viu tudo de sua janela!!...

– Bravo! Bravo! Vociferam os soldados!

– O galego é papagaio, está preso!

– Dá cá o pé meu loiro?

– Infames! Monstros! Eu sou brasileiro! E é assim que me tratam! Gritava

Julio! Esforçando-se para arrancar a baioneta.

– Morram os pés-de-chumbo! Respondia a turba.

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Mariquinhas tinha visto tudo! Uma [trecho corrompido] não veio refrescar seus

olhos! [Trecho corrompido] revolução operou-se em todo o seu ser, o sangue subiu-lhe à

cabeça, as veias das fontes pareciam rebentar! E sem atender aos gritos de sua mãe, ela

precipita-se na rua, e corre para onde estava Julio.

Oh! Como Mariquinhas era digna de compaixão! Os seus belos cabelos caíam

desgrenhados pelas suas costas; seus olhos estavam fixos, e no seu semblante via-se uma

horrível contração nervosa! Oh! Quanto era digna de piedade!... Ela não podia chorar!...

Os soldados a deixam passar, e recuam atemorizados como diante de uma

aparição sobrenatural. Mariquinhas, a bela Mariquinhas fazia medo!!!

Ela chegava junto a José no momento em que este cravava a baioneta no

coração do infeliz Julio... Frenética e furiosa lança-se como um raio sobre José, e enterra

seus dentes de pérolas em suas faces!... Dois gritos se ouviram.

Um, grito de morte, o outro foi um rugido de hiena, um grito de condenado, um

grito como não se ouve senão no inferno!!... Depois uma gargalhada! Uma gargalhada seca,

anelante, estridente, uma gargalhada como dão as fúrias quando terminam uma obra de

mal!!!...

Era Mariquinhas!

Horror!!!

Ela estava doida!!!!...

L. C. M. P.

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Contos e Crônicas de Martins Pena no Correio das Modas

A Sorte Grande1

I

Há na vida do homem momentos, em que este depois de ter perdido todas as

esperanças, e combatido o instinto de sua conservação, procura no suicídio um alívio contra

a vida que lhe pesa; porém às vezes a Providência, que vela sobre nós, estende a mão para

arrancar o infeliz das bordas do abismo que se abre sob seus pés. Foi isto o que aconteceu

com um moço, habitante desta cidade.

Julio, rapaz bem apessoado e de brilhantes qualidades, tinha herdado de seu pai

uma avultada herança, não como ele a desejava, mas sim como seu pai a possuía. O bom

velho tinha trabalhado toda a sua vida, e conseguido desta sorte comprar uma extensa

fazenda de café com uma numerosa escravatura; tal foi a herança de Julio. Porém este que

não sonhava senão com elegantes cabriolets, cavalos de raça, modas, bailes, não podia

amoldar-se a ser fazendeiro. Oh! Que detestável vida! Dizia ele: meter-me eu em um

deserto, vendo somente negros, e café; de certo, não há nada que seja mais desagradável: o

elegante Julio, o querido das moças, ser fazendeiro! Oh! Isto é irrisório: nada, nada Senhor

Julio, venda o que seu pai lhe deixou, compre apólices e propriedades, que só assim poderá

gozar uma bela vida e possuir a bela Mariquinhas. O que havia de dizer a minha

Mariquinhas, se eu a levasse para Rezende! Mas é um sacrilégio privar os bailes de seu

melhor ornamento; venda-se, venda-se a fazenda.

Assim pensava Julio, e se bem o pensou melhor o fez: a fazenda foi vendida, e

o dinheiro guardado enquanto as suas ocupações amatorias não davam tempo a concluir

negócio algum. Desgraçado, foi isto a causa de sua primeira ruína! Porém não antecipemos;

falemos antes da bela Mariquinhas. Mariquinhas, verdadeiro tipo da beleza brasileira,

inspirava amor a todas as pessoas que a ela se aproximavam: sua bela cor morena, que

1 Texto publicado pelo periódico Correio das Modas nos dias 12 e 19 de janeiro de 1839.

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parecia refletir os dourados raios do sol dos trópicos, seus belos e finos cabelos pretos, seus

olhos, oh! Seus cintilantes olhos pretos fariam morrer de amores o mesmo Deus. (Buffon

dizia que as maravilhas da criação revelavam um Deus, e eu direi, os olhos das brasileiras

revelam um Deus). Julio não pôde ver tantos atrativos sem ficar morto de amor, e jurar

possuir tanta beleza. Ele declara a sua paixão: Mariquinhas cora, e seus delicados dedos

apertando a mão que Julio tinha sobre uma das suas, revela o segredo do seu coração.

Momento delicioso e único na vida do homem! Ah! Porque não morre ele quando sabe que

sua paixão é partilhada! Então seria feliz, levava ainda ao túmulo uma ilusão: mas não, o

desgraçado vive para sentir os horríveis tormentos do ciúme, e a ingratidão! A ingratidão

suplício e inferno das almas amantes... Continuemos.

O pai de Mariquinhas consentiu na união de sua filha com Julio, e enquanto se

fazem os preparativos do casamento, este passa junto de sua amada os melhores dias de seu

noivado; dias de imaginação e esperanças. Uma noite Julio voltava para sua casa, depois de

ter estado com Mariquinhas, e ao entrar não deixou de reparar que a porta estava aberta,

porém pensou que seria esquecimento seu. Sem mais cuidado sobe, e entra em seu quarto, e

a primeira coisa que vê são papéis espalhados para um lado, roupa para outro, e a sua

carteira arrombada; ele precipita-se como um louco sobre ela, e conhece que o tinham

roubado, que o tinham deixado pobre, e desgraçado!! Pintar-vos o horror de sua posição,

me é impossível; o infeliz Julio, depois de terríveis transportes lança mão da pena, e

escreve este bilhete: "Mariquinhas. Eu fui castigado pela mão de Deus, pois eu não soube

conservar o que meu pai ajuntou com o suor de seu rosto. Roubaram-me tudo quanto eu

possuía; ontem rico, hoje pobre, e sem um real! Já não posso ser teu, pois faria a tua

desgraça; eu parto para remotos climas a adquirir uma fortuna para te oferecer, e se me

juras fidelidade, eu também juro voltar dentro de dois anos, para nos unirmos para sempre.

Adeus, Mariquinhas, lastima o desgraçado – Julio."

Depois de ter dirigido este bilhete a Mariquinhas, sai como um desesperado e

caminha a passos apressados para o Largo do Paço; ia tão cego que não viu uma pobre

velha que estava junto do Cais, a qual por pouco ele não atirou ao mar.

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"Meu Senhorzinho", diz a velha levantando-se: "quer comprar um bilhete de

loteria: eu o comprei, porém a minha pobre filha está doente, nós precisamos de dinheiro, e

a roda não anda tão cedo."

"Quanto queres?"

"Oito mil réis."

"Toma, este é o resto de minha fortuna." A velha recebe o dinheiro, e Julio

guarda o bilhete.

"Patrão!" Diz Julio, voltando-se para um falueiro: "que navio é aquele?"

"É o brigue Vigilante."

"Segue viagem?"

"Sim Senhor, e para Índia."

"Conduze-me a bordo."

O falueiro manda armar remos e a falua dirige-se para o brigue. A falua atraca,

e Julio acha-se junto do capitão.

"Disseram-me que este brigue partia para a Índia, e eu me venho oferecer para

marinheiro."

"Vós! Mas não combinam os vossos vestidos com semelhante desejo."

"Capitão, vos convém ou não a minha proposição; eu sou um miserável?"

"Ah! Percebo, vós quereis ter passagem de graça? Está bem, aceito; desde este

momento fazeis parte da tripulação do brigue Vigilante."

Julio debruça-se na amurada do brigue e lança o relógio ao falueiro.

"Tomai pelo vosso trabalho."

No outro dia o brigue fez-se vela para Índia.

II

Dois anos depois que Julio tinha partido para Índia, um navio vogava com

vento fresco para a baía Niterói. Encostado em um de seus mastros estava um mancebo; sua

fisionomia triste e refletida denotava uma alma conhecedora das angústias do mundo. Este

mancebo era Julio.

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Dois anos dos mais rudes trabalhos e das maiores privações passou ele entre os

povos não civilizados do Indostão; porém a perseverança e inflexível vontade de sua alma

enérgica venceram as dificuldades; e no meio de grandes perigos soube ele adquirir uma

fortuna.

Julio já não era o rapaz efeminado, o frequentador de bailes, ah! Não! A

desgraça tinha feito saltar uma faísca de sua existência adormecida, e revelado a triste

missão do homem: o sofrimento e trabalho. A adversidade fez aparecer o homem.

"Eu vos saúdo, montes de minha pátria", dizia ele contemplando o Corcovado e

o Pão de Açúcar, que se desenhavam em linhas severas no azul do firmamento, "eu vos

saúdo! Possa a desgraça nunca mais afastar-me de vós! Infeliz, mil vezes infeliz o que vive

longe de sua pátria!"

O navio corria tão brandamente como um cisne nas águas de um lago: a bordo

respirava a maior alegria, e todos esperavam com ansiedade o momento de pisarem em um

elemento menos pérfido.

"Capitão, capitão?" Grita o marinheiro vigia, "nós estamos em uma corrente, e

ela nos leva à costa!"

Repentinamente todos empalideceram. O capitão dá as mais terminantes ordens

para manobrar o navio, e arrancá-lo da corrente; inúteis esforços! O navio já não cede ao

leme, e a cada instante se aproxima mais dos rochedos da fortaleza de Santa Cruz. Com

velocidade do raio ele bate nas pedras; seus mastros estalam, e toda a sua armação faz-se

em mil pedaços! Desgraçados navegantes!

Só um salvou-se, e este foi Julio: um dos mastros foi a sua barca de socorro.

Uma hora esteve na praia sem sentidos; porém logo que o seu coração tomou alento, e que

suas ideias principiaram a esclarecer-se, levanta-se com arrebatamento, e estendendo os

braços para o céu, exclama: "Deus é uma quimera, não há Deus!!... Dois anos de trabalho, e

quando ia gozá-lo, quando chego ao porto, tudo se aniquila, tudo se perde! Duas vezes

desgraçado! Respondei vós outros que credes em Deus, que me deu ele em troco de tantas

desgraças?... E que vale a vida?... Nada, eu agora a desprezo. Ah! Vede, vede como o sol

brilha, como a natureza está tranquila, e comparai com os tormentos que eu sofro! Tudo

perdi!!... Mariquinhas, ídolo de meu coração, esperança luminosa de minha vida, eu vos

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perdi para sempre! Oh! Desesperação!! E é possível que haja um Deus? Oh! Não! Deus não

existe! Alma, religião! Eternidade, tudo é irrisório; só o homem desgraçado é verdadeiro!

Oh! Sim! Só a desgraça é verdadeira, só ela é a partilha de todos os homens!... Adeus,

Mariquinhas", continua ele, "adeus! Tu esperas por teu amante, porém debalde, estas frias

águas vão ser o seu túmulo! Adeus oh minha pátria! Adeus para sempre!"

Corre arrebatadamente para lançar-se no mar, e com o movimento que faz salta-

lhe do bolso uma carteira: para repentinamente, e a primeira e única coisa que acha dentro é

um bilhete de loteria; bilhete que ele tinha comprado antes de partir do Rio de Janeiro.

Um raio de esperança penetra o seu coração; a ideia do suicídio o abandona; e

seus pés devoram o caminho que conduz à fortaleza de Santa Cruz.

"Quem vem lá?" Grita a sentinela.

Julio sem ouvir continua a correr.

"Quem vem lá?"

Desta vez Julio ouve, e responde continuando sempre a correr.

"É um bilhete de loteria!"

"Um bilhete!!... Faça alto, senão faço fogo."

Porém ele não faz caso da ameaça do soldado, e continua a avançar; a bala

parte, e passa a duas polegadas da cabeça de Julio.

Uma luta se engaja, o soldado grita "às armas", a guarnição o acode: prendem

Julio e o levam perante o comandante.

"Vós não sabeis, Senhor", diz o comandante, "que não se penetra assim em uma

fortaleza, e que imprudentemente podíeis encontrar a morte?"

"Oh! Sim! Eu sei", responde Julio, "porém eu não posso morrer, pois sou um

bilhete de loteria."

Julio, o desgraçado Julio, estava louco! Nas bordas da sepultura, uma luz de

esperança o fez recuar, e uma horrível reação se fez em seu espírito. Em um momento

passou lucidamente diante de seus olhos toda a sua vida: os primeiros e felizes dias de sua

infância, seus amores, suas desgraças, o naufrágio e, enfim, o bilhete que parecia um lençol

cobrindo toda a sua vida. Ele duvida de sua existência, suas ideias se confundem, e de sua

confusão surde uma ideia clara, e lúcida. Ele se julga um bilhete de loteria. Bizarra, e

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estranha aberração do espírito humano! O comandante da fortaleza, conhecendo o estado de

alienação de Julio, manda conduzi-lo para um quarto e lá prendê-lo, enquanto não se

empregavam os socorros da [ilegível]. Um dos soldados, que o conduziam, arranca com

muito custo um papel, que ele apertava em suas mãos, e o entrega ao comandante. Este

papel explica de algum modo ao comandante a loucura de Julio; este papel era um bilhete

de loteria. Um soldado parte para a cidade com a seguinte carta:

"Senhor Tesoureiro das loterias. Tenha a bondade de mandar-me dizer se o

incluso bilhete está ou não premiado. Seu venerador. O comandante da fortaleza de S.

Cruz."

Três horas depois voltou o soldado com esta carta:

"Senhor comandante da fortaleza de S. Cruz. Tenho a honra de participar-lhe

que o seu bilhete está premiado com a Sorte Grande, a qual poderá receber logo que lhe

convier. O Tesoureiro das loterias."

O honrado comandante dá a Julio parte desta boa notícia, porém este a ouve

como uma notícia sabida. Estranho poder da loucura! As faculdades de um louco

concentram-se em uma só ideia fixa, e invariável, e ele parece segui-la mesmo através do

futuro.

"Ah! Ah!" Responde Julio, rindo-se e com os olhos espantados, isto eu já sabia.

"Oh! Deve ser galante ver-se Mariquinhas passeando do braço com um bilhete de loteria.

Vede, comandante, vede o número do bilhete", continuava Julio apontando para os olhos e

nariz; "então não é um bom número? Ah! Ah! Ah!..."

Seis meses durou a loucura deste infeliz; porém, os cuidados e carinhos de

Mariquinhas, e de sua família, que tinham sido informados de sua volta e loucura, foram

mitigando pouco a pouco a exaltação de seu espírito.

No fim de um ano recebeu ele, diante de Deus, por esposa, a sua querida

Mariquinhas; pedindo humildemente perdão àquele que tanto ofendeu, e jurando uma

inabalável fé em seu Criador.

Cercado dos doces frutos do seu amor, e da sua terna esposa, Julio habita em

uma das ruas desta cidade. Uma só coisa perturba às vezes a quietação de seu espírito, e

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isto acontece todas as vezes que ele lê no Jornal do Commercio algum anúncio de loteria; e

ainda corre ao espelho para verificar que os seus olhos não são números de bilhete.

L. C. M. Pena.

Minhas Aventuras numa Viagem nos Ônibus2

Depois de um baile, o que eu gosto mais é de uma viagem nos ônibus. Lá, como

em marmota animada, vê-se cenas sérias, ridículas, engraçadas, enfim, tudo que pode

acontecer entre pessoas de diferentes condições. O modesto cruzado faz o que não tem

podido fazer imensidade de livros, e sermões; pois nivela as condições e estabelece uma

completa igualdade entre todas as pessoas que o possuem e querem fazer uma viagem nos

ônibus. Abençoados ônibus!

Fiquei tão entusiasmado que estou quase fazendo uma minuciosa pintura

deles... porém não; isto levaria muito tempo: vou antes dar a relação da minha última

viagem.

Eu fui um domingo pela manhã às Laranjeiras com a intenção de voltar à tarde

em um ônibus: assim o fiz. Às 6 horas já eu caminhava para comprar o meu bilhete, porém

o ônibus ainda não tinha chegado, e eu tive de esperar com mais dois sujeitos que lá

estavam.

"Oh compadre", dizia um deles para o outro, "o onis não chega, já é muito

tarde, e a comadre já deve estar arrenegada."

"Não faça caso... Oh! Ele ali vem!"

O compadre tinha razão, o ônibus vinha chegando.

"É desaforo! Dizia um deles, "estas surpresas (empresas) públicas devem ter

horas certas, e não fazerem a gente esperar; há mais de um quarto de hora já nós devíamos

estar assentados!"

Enfim, o ônibus chega, e cada um de nós comprou seu bilhete. Depois que as

pessoas que vinham dentro saíram, eu e os dois compadres entramos, e nos assentamos. Daí

2 Crônica publicada pelo Correio das Modas em 26 de janeiro de 1839.

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a cinco minutos chegou uma bela menina acompanhada de seu paizinho, e fui tão feliz que

ela se assentou junto de mim. Oh! Que deliciosa coisa é estar no ônibus assentado junto de

uma bela moça! Sobretudo quando ela não traz chapéu!!...

Em menos de dez minutos o ônibus estava com as pessoas que podia levar, e

entre elas (ainda me lembra com zanga) estava um rapaz que me pareceu o namorado da

minha vizinha, e que tinha-se assentado defronte dela. Eu estive quase furando-lhe os olhos

com a bengala; porém contive-me.

Já íamos principiar a nossa viagem quando vimos um embrulho rolando pela

estrada com direção a nós, e em pouco tempo conhecemos que era uma pobre mulher gorda

como uma baleia que corria a botar os bofes pela boca, para poder achar ainda um bilhete.

Coitadinha! Ficou lograda! Que caretas que fez! Como eu tive pena dela aconselhei-a que

viesse rolando até a cidade, e em troco deste bom conselho deu-me ela uma descompostura

formal. E deem lá conselhos!

"O Senhor Juca ainda não pagou", disse o recebedor, dirigindo-se para o

namorado de minha vizinha.

"Aqui está o dinheiro", e puxando por uma nota de 5$ que ele teve o cuidado de

fazer com que a sua amada visse, entrega ao recebedor.

"Eu já lhe dou o troco."

"Não é preciso, não é preciso, eu não faço caso de 5$." E depois de mostrar este

heroico desprezo, olhou impavidamente para a sua amada. "Bravo, bravíssimo", disse eu,

"isto vai às mil maravilhas! Assim é que se namora!"

Por mais esforços que fizesse o recebedor para que o nosso namorado recebesse

o troco, não foi possível.

Enfim partimos com grande satisfação dos dois compadres, e ainda não

tínhamos dado vinte passos, quando o ônibus passando por uma vala deu um forte salto, e a

minha vizinha com o solavanco caiu por cima de mim! Se eu fosse administrador dos

ônibus, mandava fazer valas por todo o caminho, e morava dentro de um deles.

Logo que principiamos a nossa viagem eu senti que me pisavam no pé; no

princípio pensei que seria acaso; porém eu recuava o meu pé, e o outro acompanhava-o

sempre pisando. Por fim, estando já um pouco zangado com a teima, olho e vejo que era o

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nosso namorado que porfiava a pisar no meu pé, pensando pisar no da sua amada! Na

verdade, tive vontade de dar uma risada; porém achei que era mais divertido desfrutá-lo um

pouco, e logo que tive esta ideia, arrumo o pé que estava livre em cima do pé do sujeito.

Oh! Se vissem o prazer que brilhou nos seus olhos! Ele fazia trejeitos, revirava os olhos,

lambia os beiços, enfim, todas as asneiras que é capaz de fazer um namorado. O brinquedo

já não me ia agradando muito, porque os calos principiavam a doer-me; e o namorado

achando pouca sensibilidade no pé, pisava cada vez mais forte; por fim já não podendo

aturá-lo por ter machucado o meu melhor calo, disse-lhe muito arrebatadamente: "O Senhor

pretende alguma coisa? Se me quer falar, não é preciso pisar-me." Todos olhavam

espantados para mim, o sujeitinho ficou branco como a cal, e a minha bela vizinha olhou

para mim com tanta raiva que quase lhe disse: "Minha bela Senhora, ainda que eu tenha

muita sensibilidade nos pés, pode pisar neles todas as vezes que quiser." Porém como não

queria envergonhá-la, e como também o paizinho já olhava de través para mim, calei-me, e

no meio de seus arrufos, e das ameaças que me fazia o namorado, chegamos ao Largo do

Machado. Aí principiou uma contestação entre os dois compadres.

"Oh compadre", dizia um deles apontando para uma bandeira holandesa que

estava em um mastro, "sabes que bandeira é aquela?"

"Sei", respondeu o outro, "é a bandeira francesa."

"Pois não é; a bandeira francesa é perpendicular, e esta é às avessas."

"Às avessas! Ah! Ah! Essa não é má!", replica-lhe o outro; "assim não é que se

diz, compadre. Você deve dizer: a bandeira francesa é perpendicular, e a holandesa

oriental." (horizontal).

Uma risada geral se apoderou de todas as pessoas que vinham no ônibus, e os

dois compadres, desconfiando por isso saíram, e continuaram a sua viagem a pé, fazendo

deste modo esperar a comadre.

"Para! Para!", gritaram de uma porta na rua do Catete. O ônibus para, e entra

uma mulher velha, e feia como uma bruxa; ela se assenta a meu lado; mas enfim havia

compensação, se tinha uma velha de um lado, tinha uma moça de outro.

"O Senhor gasta?", diz-me a velha puxando pela manga de minha casaca.

Eu calado.

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"O Senhor tem tabaco?", torna a insistir a bruxa.

Ora, como desta vez eu podia mostrar à minha vizinha, que eu não era nenhum

tolo, e que sabia meu bocado de francês, respondo em voz alta: "Je n'en ai pas."

"Eu não peço jenipapo, eu peço tabaco", responde-me a velha.

Por esta vez fui o alvo das risadas; o nosso namorado achando ocasião de

vingar-se, ria como um doido, e a minha vizinha fazia coro.

No meio destes, outros muitos acidentes, chegamos ao Largo do Rocio. Cada

um tomou para seu lado. A minha ex-vizinha deu o braço ao paizinho, e encaminharam-se

para a rua dos Ciganos, e o namorado, que tinha talvez que fazer, e não podia acompanhá-

la, ficou olhando com olhos de lula, até que ela desapareceu.

Eu fui para casa, jurando passear nos ônibus todas as vezes que pudesse.

L. C. M. Pena.

O Poder da Música3

I

Sentada a um piano a bela Henriqueta fazia correr os seus delicados dedos pelo

teclado de marfim, e ébano, e uma harmonia doce, e melancólica arrebatava os sentidos das

duas pessoas que a ouviam; uma delas era a sua querida mãe, e a outra o seu amante.

Deliciosa companhia!

Henriqueta tinha recebido de Deus uma alma pura como a dos anjos, e sua

beleza era tão perfeita como a sua alma. Quem poderia ver seus ternos olhos azuis sem se

confessar vencido! Se a mesma insensibilidade visse as suas faces de rosas, os seus belos

cabelos castanhos descendo em largas tranças pelas suas faces, o seu corpo gentil, e

flexível, cairia a seus pés, e diria: Henriqueta, a insensibilidade se curva, e te pede mercê!...

Como era suave a sua voz! Como seus olhos imploravam amor! Oh! Ela era bela!

3 Conto publicado pelo Correio das Modas a 23 de fevereiro de 1939.

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Encostado sobre a cadeira na qual Henriqueta estava sentada, um mancebo

contemplava com a admiração, e poesia das almas amantes, tantas perfeições reunidas, e

seu coração batia de prazer quando se lembrava que Henriqueta seria a companheira de sua

vida; e então ele se figurava um porvir de rosas. Carlos amava Henriqueta, e era dela

amado; suas prendas pessoais, sua posição brilhante no mundo, sua intimidade com a

família de Henriqueta, fizeram com que esta o distinguisse de todos os seus adoradores, e

confessasse que nenhum outro seria Senhor de sua mão.

De todos os sentimentos exaltados de Carlos, só um inquietava Henriqueta, e

este era o excessivo ciúme que ele tinha. Ainda que este sentimento era uma homenagem

que ele rendia às suas perfeições, contudo ela não o podia suportar por conhecer o amor que

ele lhe tinha.

– Henriqueta, diz Carlos inclinando-se sobre a sua amante, eu te peço, canta

aquela bela modinha que tu cantas tão bem? Tu sabes, a minha favorita.

– Eu vou satisfazer o teu desejo, responde Henriqueta com a sua voz meiga.

Depois de alguns acordes habilmente ligados, principiou a cantar. A sua voz

melodiosa e pura fazia penetrar n'alma um sentimento sem nome, um prazer como devem

experimentar os bem-aventurados ouvindo no Céu o coro dos anjos. Ela era qual sabiá, que

de entre os ramos de uma florida laranjeira, solta aos ares os seus melodiosos tons.

Henriqueta acabou de cantar, e seu amante ficou mudo por alguns instantes; ele

tinha-se esquecido do mundo; e mesmo de sua amante! Sublime poder da harmonia!!

– Henriqueta, quanto eu te amo! Exclama saindo do êxtase em que estava.

A mãe de Henriqueta sorriu-se, por ver o amor que ligava sua filha à pessoa de

quem ela esperava a sua felicidade. A noite chegou, e foi forçoso a Carlos deixar a sua

amante, pois esta morava em uma chácara no Engenho-Velho, e ele na cidade, e as

desordens políticas que assolavam a nossa bela pátria faziam com que os caminhos fossem

pouco seguros durante a noite.

Depois de se despedir mil vezes, monta a cavalo e parte, e já estava em meio

caminho quando se lembrou que tinha esquecido as luvas. Foi bastante este pretexto ainda

que insignificante para ele voltar.

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Chega à porta da habitação de Henriqueta, desmonta, e sobe vagarosamente

para surpreendê-la; mas qual é o seu espanto ouvindo estas palavras ditas com acento

apaixonado:

– Amável Henriqueta, tudo eu vos devo; tudo! Até a minha própria existência!

Ah! O que seria feito de mim, se não fosse a vossa bondade, e a vossa piedade! Oh! Sim!

Meu anjo libertador, enquanto o sangue correr nas minhas veias, tereis no mundo um

defensor.

O negro e frenético ciúme lançou no coração de Carlos todo o seu fel; e ele

entrando impetuosamente na sala vê um belo mancebo ajoelhado aos pés de Henriqueta,

beijando com ardor as suas mãos!

Henriqueta deu um grito; o mancebo levantou-se rapidamente, e tirou um

punhal do seio, e Carlos parou, e ficou imóvel como uma estátua de mármore.

– Henriqueta! Exclama Carlos saindo do entorpecimento em que lhe tinha

lançado este não esperado acontecimento: Henriqueta! Tu és uma infiel, tu me traíste! Tu és

uma infame! Sim! Uma infame! Ainda não há uma hora que tu me dizias: Carlos, eu serei

tua até a morte!!... Tu mentiste!!... Tu zombavas de mim!!... Não é assim?... Responde?...

Ah! Tu choras!!... Tuas lágrimas são mentirosas como a tua voz!!... E tu que fazes aqui?

Continua Carlos voltando-se para o mancebo: Ah! Tu vieste roubar-me o meu bem, pois

rouba-me também a vida!!... Uma espada! Uma espada, eu quero vingar-me deste sedutor!!

– Vós delirais, Senhor! Dizia o mancebo procurando reter Carlos no seu

arrebatamento.

– Carlos! Carlos! Eu estou inocente! Dizia Henriqueta chegando-se para ele, e

toda banhada em pranto; ouve-me primeiro, e depois me julgarás!

– Não! Não! Eu não te quero ouvir! Queres-me enganar de novo!... Deixa-me!

Deixa-me! Eu já te aborreço!!... Adeus, nunca mais me tornarás a ver!... Adeus Henriqueta,

sê feliz com o teu novo amante!...

Carlos sai arrebatadamente, e Henriqueta cai desmaiada nos braços do

mancebo.

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II

Quatro dias antes do acontecimento que acabamos de relatar no capítulo

antecedente, Henriqueta passeava no seu jardim colhendo rosas, e perseguindo as

borboletas, quando repentinamente de entre as folhas de um copado arbusto saiu um

mancebo e se lançou a seus pés: ela atemorizada com esta aparição dá um grito e quer

fugir; porém o mancebo retendo-a pelo vestido, diz com voz suplicante:

– Por piedade, ouvi-me! Ah! Eu não vos quero ofender! Se vós fordes humana

como sois bela, já eu tenho achado abrigo! Senhora! Protegei-me, livrai-me de meus

perseguidores!

– Quem sois vós? Pergunta Henriqueta ainda timorata.

– Eu sou um desgraçado proscrito! Eu fui um daqueles, que cansados com a

opressão que o governo português fazia pesar sobre nós, soltaram o grito da Independência

do Brasil. Eu fui perseguido, e procuro na fuga, livrar-me de meus inimigos. Vós podeis

socorrer-me; ocultai-me na vossa casa por alguns dias até que eu possa atravessar os mares,

e apartar-me assim de meus perseguidores.

Henriqueta ficou por alguns instantes indecisa; porém a sua bondade

prevaleceu.

– Levantai-vos, diz ela: vós sois desgraçado! Este título basta para que eu vos

proteja. Vinde comigo, eu vou apresentar-vos a minha mãe, ela também dará abrigo ao

Brasileiro Proscrito.

– Vós sois um anjo, responde o mancebo com a maior exaltação.

Este mancebo achou um teto hospitaleiro na casa de Henriqueta, e depois de ter

estado aí oculto quatro dias, despedia-se de sua benfeitora, quando Carlos entrando sem ser

esperado, o surpreende no ato de sua despedida, interpreta mal os sentimentos de

Henriqueta, e com a desesperação n'alma, parte sem querer ouvi-la. Quantas vezes as

melhores ações da nossa vida são mal recompensadas! Porém Deus nos julga com justiça, e

então desprezamos o juízo dos homens.

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Um ano inteiro esteve Carlos em França, procurando esquecer-se de

Henriqueta, no meio dos prazeres; porém debalde, a sua imaginação o trazia sempre para

sua pátria.

Quando ele ia ao teatro, e ouvia as mais célebres cantoras e enquanto o povo as

aplaudia, lágrimas de saudades lhe saltavam dos olhos. Ele se lembrava da voz doce, e

suave de Henriqueta, e se achava isolado no meio dos homens.

Não podendo suportar por mais tempo as angústias de seu coração, ele partiu

para o Brasil.

E Henriqueta?

Ah! Ela foi bem desgraçada! Ela viu desvanecer-se em um instante o sonho da

sua vida. Como todas as pessoas sensíveis, ela se tinha entregue ao amor que lhe inspirou

Carlos, o seu amor era a sua existência. Em um momento, ela perdeu toda a esperança, e

uma resignação melancólica, consequência de seu caráter, apoderou-se dela.

Uma noite a lua brilhava no firmamento, uma brisa aromática embalsamava os

ares, e a agitação das folhas causava um triste murmúrio. Henriqueta, encostada sobre uma

janela, admirava esta bela cena. Pouco a pouco seus olhos se arrasaram de lágrimas, e entre

soluços ela proferiu estas palavras:

– Ingrato! Assim pagaste o meu amor! Ah! Tu não me conhecias bem, pois me

julgaste capaz de trair-te! Eu trair-te? Oh! Não! Meu Deus! Faze com que ele volte, eu irei

lançar-me a seus pés, e lhe direi: Carlos, eu vos amo! Eu sempre vos amei! Eu sou

inocente; as aparências me criminam, porém ouvi-me, eu quero justificar-me! Tu, sim! Tu

não me amas! Mas eu!!... Ah!... As lágrimas corriam pelas suas faces. Depois de ter

chorado algum tempo silenciosamente, assenta-se a seu piano.

Enquanto Henriqueta lastimava a sua sorte, um mancebo entrava furtivamente

pela porta do jardim. Este mancebo era Carlos. Ele tinha voltado de França, e vinha mitigar

as suas saudades, e olhando para o teto que abrigava a sua amada: – ele não se animava a

aparecer em presença dela.

Com precaução caminhava para junto de uma janela, quando o som do piano o

faz parar repentinamente, e depois de um triste prelúdio, ouviu distintamente esta modinha

cantada por Henriqueta:

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Se os meus suspiros pudessem

A teus ouvidos chegar

Virias que uma saudade

É bem capaz de matar.

O coração de Carlos parecia querer saltar fora de seu peito; uma sensação doce,

e triste ao mesmo tempo se apoderou dele: a música desta modinha, que era a sua favorita,

lhe fez lembrar os deliciosos momentos passados junto de Henriqueta; esta voz tão

conhecida vibrou em seu coração. Carlos estende os braços, e quer exclamar: Henriqueta?!

Porém a sua voz emudece; e ela continua a cantar:

Não é do zelo o meu queixume,

Nem do ciúme abrasador;

É da saudade que me atormenta,

Quando se ausenta o meu amor.

A voz de Henriqueta no fim da modinha era fraca e entrecortada, os soluços não

a deixaram acabar.

Carlos por um movimento involuntário salta pela janela e vem cair de joelhos

aos pés de Henriqueta.

– Henriqueta! Henriqueta! Perdão!!

– Carlos!!... Ela quis levantar-se, porém as forças lhe faltaram, e caiu outra vez

assentada, branca como o alabastro.

– Henriqueta! Continua Carlos beijando-lhe as mãos; eu não posso viver sem ti!

Oh! Não! Isso me é impossível!! Dizei! Dizei que ainda me amais! Eu serei feliz!

– Eu sempre te amei! Ingrato!

– Eu?!... Tu sempre me amaste!... É isto possível meu Deus! Serei ainda feliz!...

Repete, repete o que disseste!... Mas não! Tu me enganas; eu vi que ele te beijava as mãos,

eu ouvi as suas expressões apaixonadas! Oh! Meu Deus! E eu não morri!

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– Carlos, eu cumpria um dever de humanidade, eu salvava um Proscrito das

garras de seus perseguidores; por ser humana tu me desprezaste! Ouve a minha confissão?!

Henriqueta conta a Carlos a história do mancebo, e ele conhecendo a sua injustiça, com o

prazer no coração, e as lágrimas nos olhos, faz novos protestos de amor.

– Eu juro, diz ele; eu juro pelo Criador do Universo, de te amar até o meu

último momento! Eu juro pelos teus olhos de nunca mais desconfiar de teu amor.

– Carlos!!!...

– Henriqueta!!!...

Os dois amantes lançam-se nos braços um do outro, e esqueceram em um

instante tantos dias de dor.

Um mês depois, Carlos uniu-se à bela Henriqueta, e um terno e sincero amor

acompanhou sempre estes dois esposos por toda a sua vida.

L. C. M. Pena.

Uma Viagem na Barca a Vapor4

São oito horas e meia, e o almoço ainda não está na mesa! Ó Estulano, apressa-

te; só tenho meia hora antes que a barca das 9 parta! Chega o almoço, depois de ter o rapaz

quebrado uma xícara com a pressa; assento-me; entorno o prato dos bifes; escaldo a boca

com o chá; enfio a casaca, e eis-me na rua andando quase correndo para não ficar logrado.

Na verdade, nada há tão desenxabido como o chegar-se na ponte no momento que a barca

acaba de largar, fica-se olhando para ela com cara de tolo, como a de uma criança quando

vê o passarinho fugir-lhe da mão. Para não me acontecer outro tanto, enfio pela rua da

Cadeia como um foguete, atravesso a rua da Misericórdia, passo pela rua do Teatro de S.

Januário, e acho-me na Praia D. Manoel; aí esperava-me a maior das tribulações daqueles

que pretendem atravessar na barca, falo dos falueiros. Misericórdia! Aí, aí vem!

– Senhor vai para S. Domingos?

– Pataca e meia, eu passo o Senhô pra Praia Grande.

4 Texto publicado pelo Correio das Modas em 13 de abril de 1839.

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– Não quero ir em falua, respondo já de bengala no ombro, vendo vir novo

reforço. Em poucos instantes vejo-me cercado sem poder dar um passo.

– Falua, Senhor? – A minha é mió. – Entra na minha, fala só uma pessoa; dois

vinténs! – Senhó – Senhó! – A barca ainda tarda! – Senhor está com pressa, vem!...

Um puxa-me pelo braço, outro pelas abas da casaca; e eu vendo-me

impacientado puxo pela bengala, abro caminho às cacetadas, e chego na ponte. Faltava um

quarto para às 9; a barca ainda não tinha chegado.

A primeira pessoa que vi sentada em um dos bancos da coberta da ponte, foi

uma mulher que já se tinha despedido havia muitos anos dos joelhos; tal era o tamanho da

barriga. A seu lado um criolinho enfeitadinho como um macaco de feira, brincava; e no fim

de alguns momentos deitou-se na barriga da mulher, e dormiu. Um pouco mais adiante

estava um velho de calças de ganga amarela, colete de riscado encarnado, e uma casaca que

mais perecia capote. Tinha este velho na mão alguns jornais que folheava de diante para

trás, e de trás para diante: sem nunca achar o que procurava. Estavam mais algumas outras

pessoas dos quais me não recordo.

Puxo o meu tostão, compro o bilhete; e encostado na ponte espero que chegue a

barca, e vejo assim mais à vontade as pessoas que entram. Três jovens, (como se diz agora)

que me pareceram empregados, entravam conversando; porém não pude ouvir senão as

palavras: "Pagode, e Madamismo." Pareceu-me que estas duas palavras faziam o fundo da

conversa, ainda que não me foi possível adivinhar a que propósito, falavam eles dos

Templos da Índia. Um sujeito que estava a meu lado, e a quem fiz esta observação, disse,

que esta palavra estava agora muito em moda. Calei-me.

Um instante depois entrou uma velha pelo braço de um velho, e precedida de

duas belas mocetonas; os quais foram-se assentar junto da mulher barriguda. Chega um

frade espanhol; um oficial de Marinha, e outros muitos que pelo número não observei

particularmente.

– Chega a barca!

A este grito todos voltaram a cabeça e encaminharam-se para as grades a fim de

espiar.

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A barca vinha correndo com velocidade, deixando no mar um rastilho branco; e

um turbilhão de fumaça saiu de seu cano.

– Foi bem feliz a invenção das barcas, e carros movidos pelo vapor: disse eu

com os meus botões. É pena que não se possa também fazer Ministros de vapor; mesmo

assim muitos haviam-se de queixar dos que atiçavam o fogo nos Ministros vaporosos! Esta

gente nunca está contente!

Atraca a barca; sai a gente que nela vem; abre-se a grade, e encaminhamos-nos

todos para tomar lugar.

Depois de eu ter entrado, seguindo sempre as duas moças, entra o frade,

seguido da mulher barriguda, trazendo o moleque pela mão; apenas tinham eles posto o pé

dentro da barca, que esta avançando-se com uma vaga, bate de encontro da ponte, faz

perder o equilíbrio de ambos. O frade cai para trás, e encontrando no meio da queda a

mulher barriguda atira-a no chão, e cai assentado em cima da barriga.

Ai! Ai! Gritava a pobre mulher estendida como uma tartaruga. Ai! Que morro!

O moleque chorava, uns gritavam que acudissem a mulher, outros riam-se; e o

frade levantando-se muito desconfiado foi-se assentar junto do leme; a ordem restabeleceu-

se; e continuou a entrar mais gente.

Já estava bom número de pessoas assentadas, quando vi um rancho de moças

dirigindo-se para nós; entram; e as minhas duas vizinhas (as mocetonas) levantam-se, e vão

ao encontro das recém-chegadas.

– Adeus, meus Azedumes! Adeus minhas Teteias!... Meus Enleios, como está!

– Sempre veio! – Pois então, não lhe tinha dito! – Ora! Eu pensei que você estava me

enganando! – Qual! – Há muito tempo que não lhe vejo, minhas Teteias! – É verdade!... Os

beijos ferviam, e eu com inveja de não ser também Teteia das meninas. Depois de falarem

muito com todo o desembaraço como se estivessem em suas casas, assentaram-se, e fui tão

feliz que fiquei no meio da Azedume e da Teteia.

A sineta tocou pela terceira vez, e a barca largou. Dois sujeitos tinham ficado

em pé, espiando muito admirados para o maquinismo.

Defronte de mim estava um sujeito falando muito alto, e gesticulando

fortemente. Pela conversa conheci que era um Deputado Provincial.

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– Sim Senhor! Dizia ele para o seu companheiro, que também me parecia

Deputado: façam-se as pontes!

– Não te lembras, respondia o outro: não te lembras, que se não podem fazer

muitas pontes sem que tragam outras muitas despesas! São preciso estradas, e estas não se

fazem com pouco dinheiro.

– Não sei disto! Retorquia o primeiro: façam-se as pontes! O Brasil precisa

muito de pontes, sem pontes não pode haver prosperidade, e se não fizermos pontes temos

breve uma revolução! Eu cá não voto senão pelas pontes!...

– E então! Que tal a mania! Deu-lhe para boa coisa! Quer este Senhor que se

façam pontes por toda a parte, ainda que não sirvam senão para os veados, e pacas. Cada

um sua mania!

– Pôm! Pôm!... Volto a cabeça espantado e vejo o oficial de Marinha em pé no

meio do convés, explicando a tomada do Forte de S. João de Ulloa.

– Aqui é o Forte; dizia ele levando o dedo à boca, e marcando com saliva um

lugar no convés: aqui é a esquadra francesa. Rompe o fogo na esquadra! Pôm! Pôm! Pôm!

O Forte responde: Pôm! Pômpôm! Pômpômpôm! Pôm! E com as mãos fechadas, o bom do

oficial, dava socos no ar, para mostrar mais ao vivo o fogo da artilharia. Depois de meia

hora de fogo, continuou ele, uma bomba saiu de um dos navios franceses, e foi pelo ar.

Zem! Zem! Zem! Cai no lugar onde se guardava a pólvora no Forte;

Prrrampatampampôôôm! Tudo voou pelos ares. Não houve remédio senão renderem-se!

Ah! Ah! Ah!... As minhas vizinhas riam com tanto prazer, e tão

imoderadamente que o homem-combate foi se esconder atrás da roda do leme.

Ouvia-se uma conversação geral de todos os lados da barca; o sussurro que ela

ocasionava não deixava distinguir uma em particular, e privado eu deste prazer voltei as

vistas para a Teteia que na verdade estava um pouco buliçosa.

– Meus Azedumes, você não tem vindo ao teatro?

– Ora! É tão incômodo!

– É verdade! É muito incômodo. Ainda eu tenho a casa de Maninha aonde ficar.

Se tivesse de voltar na mesma noite de certo não iria ao teatro.

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– Como está Maninha? Pergunta a Teteia debruçando-se quase por cima de

mim.

– Está boa. Ela disse-me que você era uma ingrata, e que não sabia que mal lhe

tinha feito para que você não aparecesse.

– Não é por ser ingrata! Tenho andado sempre incomodada com os meus

ataques nervosos!

– Você ainda não está melhor?

– Qual!

Aqui foi a conversação das meninas interrompida pela voz do velho dos jornais

que os lia gritando: "aluga-se uma boa ama de leite própria para cria...". Dois rapazes que

estavam junto do velho não o deixaram acabar com as suas risadas comprimidas. O velho

guardou os jornais no bolso, com muito mau humor, e disse rosnando: "os rapazes deste

tempo são muito mal criados!"

Já íamos defronte da Fortaleza de Villegagnon quando "os meus Enleios"

principiou a enjoar. Que momos que fez! Que caídos! Que me deixes!

– Mamam! Dizia a enjoada com voz compungida.

Tudo andava em um reboliço. A mãe toda desgrenhada dando aos diabos a

barca, faria chorar mesmo a um boi. Uma puxava daqui, outra dacolá; e no fim de muitos

suspiros, e ânsias ficou a menina mais aliviada; e eu fui me escafedendo quando me vi

metido no meio de tanta bulha.

Mas onde fui eu cair! (Desgraçado de mim!) Entre dois mentirosos.

– Olhe, dizia um deles: eu ia uma ocasião para a Costa da África, e quando já

estávamos junto da costa o navio deu em um rochedo, e fez-se em pedaços. Morreram

todos! Só eu escapei pelo sangue frio que mostrei. Entre outras mercadorias, que levávamos

iam alguns potes de barro. Logo que o navio tocou lanço um pote no mar e salto em cima

dele em pé, levando outro na mão; boto este no mar um pouco mais adiante, e piso-o com o

pé direito, com o esquerdo dou um ponta-pé no pote que ficava atrás, este vem para diante,

e eu dou uma passada; o mesmo fiz com o outro pote; e de ponta-pé em ponta-pé cheguei a

terra sem ter molhado nem ao menos as solas do sapato.

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– Com efeito esta é boa! Não há dúvida! Responde o outro: porém não se

admire do que lhe aconteceu, que a mim aconteceu uma melhor. Um dia vinha eu do Porto

da Estrela em uma falua carregada de moringues. Um tufão de vento volta a falua, e todos

nós fomos para o mar. Nem eu nem as outras pessoas que vinham sabiam nadar; porém

uma circunstância livrou-nos da morte. O mar ficou coalhado de moringues, e cada um de

nós agarrou no seu. A água entrava pelos bicos. Glou! Glou! Glou! E quando o moringue se

enchia, e ia ao fundo, nós lançávamos mão de outro. Só eu botei ao fundo mais de 50;

porém chegamos à terra com vida.

– Também é boa! É boa!... Disse o primeiro um pouco desconfiado.

No meio destes, e outros casos que a falta de espaço não permite numerar,

chegamos à ponte da Praia Grande. Aí ia a mãe das meninas escapando de cair no mar;

felizmente só se assustou. A enjoada achou logo o braço de um cavalheiro para ajudá-la a

caminhar. Há gente que se aproveita de tudo! Eu caminhei para casa do amigo a quem ia

visitar, donde voltei às 5 horas da tarde na barca, e em cuja viagem me aconteceram casos

que por outra vez publicarei.

L. C. M. Pena.

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Representações de Martins Pena em Números1

Peça 1838-1850 1851-1860 Total

O Noviço 07 64 71

Os Dois ou O Inglês Maquinista 20 20 40

O Judas em Sábado de Aleluia 13 26 39

Os Irmãos das Almas 21 18 39

Quem Casa, Quer Casa 08 10 18

A Família e A Festa da Roça 08 05 13

O Juiz de Paz da Roça 13 0 13

O Caixeiro da Taverna 05 06 11

Vitiza ou O Nero de Espanha 05 0 05

O Diletante 02 02 04

As Casadas Solteiras 03 0 03

A Barriga de Meu Tio 02 0 02

O Cigano 02 0 02

O Namorador ou A Noite de São João 02 0 02

O Segredo de Estado 02 0 02

Os Ciúmes de um Pedestre 02 0 02

Os Meirinhos 02 0 02

Os Três Médicos 02 0 02

As Desgraças de uma Criança 01 0 01

Total 120 151 271

1 Os dados estatísticos foram obtidos por meio da análise dos anúncios teatrais divulgados pelo Diário do Rio

de Janeiro e Jornal do Commercio, e do artigo "Martins Pena no Palco", publicado pela revista Dionysos

(n. 13, Ano X, p. 79-89, Fev./1966). Trata-se de um levantamento das exibições oferecidas pelas seguintes

salas de espetáculo: Teatro de São Pedro de Alcântara, Teatro de São Januário, Teatro de Santa Tereza (antigo

Niteroiense), Teatro de São Francisco, Teatro Tivoly e Teatro Lírico Fluminense (antigo Teatro Provisório).

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Preços dos Bilhetes dos Espetáculos Teatrais no Rio de Janeiro (1840-1855) (valores expressos em réis)

* Informação não localizada.

** O teatro não possuía camarotes de 4ª ordem.

1 Valores divulgados em anúncio teatral. (Diário do Rio de Janeiro, 05 de outubro de 1840). 2 Valores estabelecidos pelo comunicado de Luiz Manuel Álvares de Azevedo. (Diário do Rio de Janeiro, 14 de março de 1845). 3 Valores estabelecidos pelo contrato assinado entre João Caetano e o Estado. (Jornal do Commercio, 20 de janeiro de 1851). 4 Valores divulgados em anúncio teatral. (Diário do Rio de Janeiro, 03 de setembro de 1845). 5 Valores divulgados em anúncio teatral. (Diário do Rio de Janeiro, 03 de fevereiro de 1844). 6 Valores divulgados em anúncio teatral. (Diário do Rio de Janeiro, 23 de novembro de 1852). 7 Valores divulgados em anúncio teatral. (Jornal do Commercio, 08 de abril de 1855).

Teatro

Assento

São Pedro de Alcântara São Januário São Francisco Provisório Ginásio

Dramático

18401 1845

2 1851

3 1845

4 1844

5 1852

6 1855

7

Plateia 640 1.000 1.000 1.000 1.000 1.000 1.000

Cadeira 1.000 2.000 2.000 2.000 2.000 2.000 2.000

Camarotes (O

rdem

) 1ª 2.400 8.000 8.000 -

10.000 5.000 6.000 10.000 - 12.000 6.000

2ª 3.200 10.000 12.000 6.000 8.000 12.000 - 15.000 8.000

3ª 2.400 8.000 8.000 4.000 5.000 10.000 - 12.000 4.000

4ª * 4.000 4.000 ** ** 4.000 - 6.000 **

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A Festa e A Família da Roça1

(Comédia original)

Não seremos nós quem vai, por meio de censuras violentas, pear o voo do

talento. Bem quiséramos nada dizer acerca desses primeiros ensaios, em que o gênio mede

suas forças e o campo imenso que se lhe desdobra à vista, e em que as mediocridades

sucumbem exaustas, sem lhes ser possível nada mais tentar; mas, em tal caso, fora nosso

silêncio uma reprovação tácita, e não é por certo intuito nosso reprovar a comédia do autor

do bem aceito Juiz de Paz da Roça: diremos pois alguma coisa sobre ela.

O enredo da comédia é fraco, com alguma dose de inverossimilhança.

Domingos João, ou coisa que o valha, tem uma filha um pouco simplória, mas muito

garrida para uma roceira, e a pretende casar com um vizinho eminentemente samoco, que

possui, além de muita simpleza, um sítio e quarenta escravos. Ora, Quitéria, roceira

espevitada, tem seus namoricos com Juca, estudante de medicina, a quem muito estima, e

de quem o tal estudante está excessivamente namorado, porque jurou a seus deuses dar a

mão de esposo à uma roceira, visto gostarem as moças da cidade só de amantes ricos, que

possam levá-las a londrear por esses bailes e partidas. O estudante quer desposar Quitéria;

esta não deseja outra coisa, mas está prometida ao samoco, que por cima de tudo é feio

como um urso. Que fazer em tais circunstâncias? Aí é que são elas; desta vez, à reputação

clássica de que gozam os estudantes na invenção de astúcias, com que se saiam bem de

entaladelas, foi, força é dizê-lo, algum tanto comprometida. Entre os expedientes que

podiam vir à imaginação, adotou um em que só podia ser pilhado o estimável Domingos

João. Disse à moça fingisse grave incômodo quando lhe falassem em casar com o tal

samoco, e se mostrasse boa quando lhe fizesse um sinal. Ora, as coisas assim acontecem, e

sendo chamado o Sr. Juca para curar a moçoila, diz que ela sofre de uma febre de

carbonato de potassa; que é da natureza dessa febre ter amiudados acessos, podendo a

menina sucumbir em um deles, se não tiver a seu lado quem entenda de medicina. À vista

de tão sólidas razões, Domingos João, sem mais nem menos, para salvar a vida de sua filha,

1 Crônica teatral publicada pelo Jornal do Commercio a 05 de setembro de 1840.

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revoga a palavra dada ao bocó, e a casa com o estudante. Como é para bem de todos, o

futuro cede seus direitos, até porque não quer por esposa mulher que tem eclipses.

Talvez pense o leitor que, com esse desfecho, um poucachito inverossímil,

terminou tudo; mas qual! Segue-se a festa do Espírito Santo, os foliões, o coreto de

barbeiros, o povo que vem assistir à festa, e o leilão, em que, por expiação dos pecados dos

espectadores, arremata-se um pão-de-ló, uma galinha, e o cartucho do segredo.

Ora, por esse incompleto e mais que humilde esboço da comédia a Festa da

Roça, pode o leitor fazer, se bem que incompleta, ideia dessa comédia; falemos agora dos

diversos caracteres das personagens que nela figuram.

O fim do autor foi sem dúvida esboçar alguns dos costumes dos nossos

roceiros. Ampla colheita poderá ele fazer nesse campo, ainda não ceifado pelo gênio: assim

como a arte dramática deixou ainda intacta nossa história, assim também não há tirado de

nossos hábitos e costumes todo o partido possível. A essa geração que principia a erguer-se

agora, tão farta de esperanças, tão ávida de glória, pertence revelar ao público tantos

tesouros, que parecem bradar por quem os roube ao esquecimento em que jazem

sepultados. Ânimo! Pois, diremos aos que encetam tão brilhante carreira; nada de

esmorecer no começo. Não é porém sem muito estudo e meditação, sem muita teima e

porfia, que se pode tocar a meta desejada. Mas falemos da comédia.

O fim do autor, como vai dito, é esboçar nossos costumes; mas, se nesse

empenho, se no desejo de retratar as nossas coisas mostrou originalidade, e até alguma

fidelidade no pincel, nem sempre conseguiu o seu fim.

O noivo de Quitéria tudo será, em nossa opinião, menos um roceiro de serra

acima; mas dir-nos-ão: – Como assim? Não apareceu ele de pés no chão e botas penduradas

em um pau? Não fazia gestos despropositados? Não contava a seu modo o que vira na

corte? – Não há dúvida, mas não basta trazer os pés descalços e as botas penduradas para

caracterizar o roceiro, e um roceiro de serra acima.

Esse tal senhor, cujo nome nos não lembra, possuía um sítio e quarenta

escravos, e desafiamos a que nos mostrem um roceiro de serra acima gozando de tal

abastança, que venha à cidade fazer destacamentos, e caminhe, pé descalço, até o seu sítio.

O habitante de serra acima, pelo contrário, é, por gosto e necessidade, cavalheiro; tudo ele

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sofrerá, não terá trastes em casa, nem duas andainas de roupa, mas, um cavalo! Oh! Há de

tê-lo por força. E como o não terá o que possui quarenta escravos? Demais, a maneira por

que representou esse papel de roceiro o Sr. Manoel Soares deu o último golpe na

verossimilhança que ele podia ter. Os nossos roceiros de serra acima, que cumpre não

confundir com os de serra abaixo, tem outro modo de falar; seu dialeto é antes espevitado,

como o falar à mineira, do que descansado e com tantos hiatos. Suas maneiras, se pecam, é,

por algum tanto acanhadas e contrafeitas, que não por abrutalhadas. O Sr. Manoel Soares

representou mais como um campônio de Portugal do que como um roceiro do Brasil.

Domingos João não pode ser considerado o tipo dos nossos fazendeiros, se bem

que nos cuidados minuciosos que dá nos arranjos domésticos um pouco se lhes aproxime,

devendo-se todavia notar que raro é aquele que, gozando de alguma abastança, não

incumba desses cuidados privativamente à sua caseira. Todo enlevado na plantação e

colheita do café, contado é aquele que dá atenção a essas minudências; até chega a ponto de

desdenhá-las, sofrendo muitas vezes as maiores privações por não cuidar, como convém,

nos seus arranjos domésticos. Demais, o nosso fazendeiro é mais um senhor feudal que um

roceiro ordinário, e Domingos João não pode, nem pelas suas maneiras, nem pela rapidez

com que revoga sua palavra, mudando de genro com tanta facilidade, ser colocado naquela

classe.

Quitéria, tornamos a dizê-lo, é muito espevitada e garrida para uma roceira. O

traço principal de nossas patrícias de serra acima é um recato às vezes excessivo. Quitéria,

todavia, tem uma tal ou qual ingenuidade de roceira, muito original e bem apanhada. As

suas contínuas alusões a S. João de Itaboraí são muito engraçadas, e mereceram os aplausos

que obtiveram.

O estudante de medicina tem algumas lembranças felizes, se bem que lhe não

achássemos muita razão em não gostar das moças da cidade, por escreverem cartas citando

Genlis, Staël e Lamartine. Segundo o nosso fraco entender, seria essa uma razão para

gostarmos delas. Realmente, mais vale citar qualquer desses autores, do que algum trecho

da donzela Theodora ou das aventuras de Bertoldinho.

Além do que vai dito, notamos algumas expressões inadequadas. Não sabemos

quais os nossos fazendeiros que façam entrar nos seus cálculos as rendas provenientes dos

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pagamentos de foros. Oxalá que assim fosse! Tantas terras ainda não existiriam por

arrotear, e a agricultura muito teria ganho.

Se foi jocosa a entrada do moleque, posto mal caracterizado por vir de calças,

não deixou de ser estranhável a corrida que lhe deram, e o não aparecimento de imensa

negraria, quando Quitéria teve seus faniquitos. Na cidade, sim, corre-se com as crias para

não escutarem o que se diz; mas na roça! Não é possível. O moleque é um ente necessário,

indispensável, que se acha em casa do fazendeiro em todos os cantos; é como o ar que se

encontra em toda a parte, como o sol que tudo vê e observa. O moleque, oh! Como passar

sem ele na roça? Não se pede um copo d'água, não se move uma cadeira, não se dá um

espirro, que se não veja o moleque ao lado.

As cenas finais da festa do Espírito Santo foram muito bem caracterizadas: os

foliões, os barbeiros, os moços da cidade, as comitivas, tudo realmente é assim; até no povo

havia uma tal ou qual semelhança, que o aparecimento de alguns moleques tornaria

completa. Mas a que veio tudo isso? Para que todas essas coisas? A função estava acabada,

o enredo da peça terminado; que interesse pois podia excitar nos espectadores toda essa

festança? Seria como uma cena de costumes? Mas que relação guardava ela com o enredo

da comédia? Em vez de ser colocada no fim da comédia a Festa da Roça, não podia ter

lugar em outra qualquer?

Antes principiasse a representação pela festa, já que o autor queria descrevê-la

por força; antes começassem nela os amores do estudante por Quitéria, ou aí a encontrasse

casualmente; enfim, por qualquer maneira que fosse, pouco importa; era necessário ligá-la à

ação principal do drama, para não ser considerada necessariamente como uma excrescência

escusada. Sendo representada a festa no lugar em que foi, parece que todo o fim do autor

foi mostrar a finura do estudante em rematar um pão-de-ló para presentear com ele a sua

futura esposa. É ao menos essa a única ocasião em que se fala dessas duas mais importantes

personagens da comédia.

Em suma, apesar das imperfeições que vão notadas, não negaremos ao autor do

Juiz de Paz da Roça lembranças felizes, graça, e certo tato em apresentar em cena o que

merece censura e pode interessar os espectadores. O certo é que ao público agradou a

comédia, que excitou longa hilaridade e obteve repetidos aplausos. Se não foi feliz o autor

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na descrição dos nossos fazendeiros, é talvez porque esse tipo necessita ser bem

compreendido, bem estudado, para ser devidamente representado. Só um Walter Scott seria

capaz de apresentar em todas as suas gradações, quase imperceptíveis, esse tipo tão variado,

que procura aliar as tradições do passado às modificações do presente, que une a franqueza

ao interesse, o orgulho ao desejo de obsequiar, a afabilidade a essa rispidez de caráter,

companheira inseparável daquele a cujo aceno movem-se centenas de escravos!

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As Estreias de Martins Pena em Espetáculos Beneficentes

Peça

Estreia em Espetáculo Beneficente ao

Ator/Atriz

O Judas em Sábado de Aleluia O Caixeiro da Taverna As Casadas Solteiras A Barriga de Meu Tio

Manoel Soares

Os Três Médicos

O Segredo de Estado

Ludovina Soares

O Juiz de Paz da Roça A Família e A Festa da Roça

Estela Sezefreda

Os Irmãos das Almas Quem Casa, Quer Casa

José Candido da Silva

Os Dois ou O Inglês Maquinista

Francisco de Paula Dias

O Diletante

Gabriela da Cunha de Vecchy

O Namorador ou A Noite de São João

Germano Francisco de Oliveira

O Cigano

Florindo Joaquim da Silva

Os Meirinhos

Grata Nicolini

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200

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201

Anúncios das Encenações de Uma Mulher Feia

Jornal do Commercio, 11 de dezembro de 1846.

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202

Jornal do Commercio, 20 de dezembro de 1846.

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203

Diário do Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1847.

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204

Diário do Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1848.

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Sequenciamento de Cenas de O Judas em Sábado de Aleluia

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

1

.... Lulu Chiquinha - Lulu

.... Cenas de exposição:

apresentação de dados

fundamentais do enredo

(espaço, tempo, condição

inicial das personagens)

.... .... Chiquinha - Maricota

2 Pimenta Chiquinha Maricota - Pimenta

.... .... Pimenta ....

3 .... .... Monólogo de Maricota ....

4

Faustino .... Maricota - Faustino

Repetição de palavra;1 Paródia literária

(melodrama);2 Mentira e Engano3

Estabelecimento de conflitos

do fio amoroso

.... Maricota Monólogo de Faustino Esconderijo e Disfarce4

5 Cap. Ambrósio ... Monólogo do Cap.

Ambrósio Esconderijo

____________________ 1 Refere-se à repetição na fala de Faustino, que insinua o seu desejo de estar no mesmo quarto que Maricota: "FAUSTINO: – A mana! Oh, quem me dera ser a mana, para estar sempre contigo! Na mesma sala, na mesma mesa, no mesmo..." (PENA, 1956, vol. I, p. 134, grifos meus). 2 Momento em que Faustino declama os seus lamentos, de modo exagerado, devido ao amor não correspondido por Maricota. 3 A mentira se faz presente nas falas de Maricota, que mente sobre os seus verdadeiros sentimentos por Faustino, enganando-o com falsas esperanças. 4 Faustino se veste com a roupa do boneco Judas e assume o seu posto na sala da casa de Pimenta, escondendo-se das outras personagens.

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206

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

6 Maricota ....

Maricota - Cap. Ambrósio

Esconderijo; Engano; Fazer alguém de bobo5 e

Uso de aparte Estabelecimento de conflitos

do fio amoroso (cont.) Pimenta .... ....

7 .... Maricota Cap. Ambrósio -

Pimenta Repetição de indagação6

e Uso de aparte

8 .... Cap. Ambrósio e

Pimenta Cap. Ambrósio -

Pimenta ....

Estabelecimento de conflitos

do fio referente aos negócios

ilícitos praticados pelas

personagens

9 .... .... Monólogo de Faustino .... Encontro das tramas /

Mudança no rumo do enredo 10 Chiquinha Chiquinha Faustinho - Chiquinha Quiproquó

____________________ 5 Maricota engana o Capitão Ambrósio, fingindo amá-lo; em seguida, engana-o, novamente, ao fazê-lo procurar por um gato que não existe. 6 Enganado por Maricota, o Capitão Ambrósio pergunta, repetidamente, a Pimenta sobre a existência de um gato na casa: "CAPITÃO: – Pois o senhor não tem um gato? (...) E nunca os teve? (...) Nem suas filhas, nem seus escravos? (...) Com que nem seu pai, nem a sua irmã e nem seus escravos têm gato?" (PENA, 1956, vol. I, p. 140).

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207

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

11

Pimenta .... Monólogo de Pimenta .... Estabelecimento de conflitos

do fio referente aos

negócios ilícitos praticados

pelas personagens (cont.)

Antônio .... Pimenta - Antônio Esconderijo; Fazer alguém de bobo e

Equívoco .... .... Pimenta - Cap. Ambrósio

12

Cap. Ambrósio .... Pimenta - Antônio - Cap.

Ambrósio Equívoco

Clímax / Final

Chiquinha, Maricota, quatro meninos e dois

moleques Faustino

Chiquinha - Cap. Ambrósio

Quiproquó e Malogro da vontade7

Chiquinha - Pimenta

Faustinho e "turba de garotos e moleques"

"turba de garotos e moleques"

Faustino - Pimenta

Faustino - Maricota

Faustino - Cap. Ambrósio

Faustino - Antônio ____________________ 7 Os oponentes de Faustino – Capitão Ambrósio, Pimenta, Antônio e Maricota – têm os seus desejos malogrados na cena final da comédia, restando-lhes apenas consentir com as punições do juiz Faustino: "CAPITÃO: – Será servido. (À parte) Que remédio; pode perder-me!" (PENA, 1956, vol. I, p. 150); "PIMENTA: – O que lhe hei de eu fazer, senão consentir!" (Idem).

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209

Sequenciamento de Cenas de Os Irmãos das Almas

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

1 .... .... Monólogo de Luísa ....

Cenas de exposição:

apresentação de dados

fundamentais do enredo

(espaço, tempo, situação

inicial das personagens)

2 Eufrásia Eufrásia Luísa - Eufrásia Sátira de costumes1 e Animalização do

marido2

3

.... .... Monólogo de Luísa ....

Jorge .... Luísa - Jorge

Sátira religiosa,3 Animalização da esposa/sogra4 e

Adjetivação chula5

4 Felisberto Felisberto Luísa - Jorge - Felisberto Caractere cômico de

personagem6 .... Jorge Luísa - Jorge

5 .... .... Monólogo de Luísa

.... Mariana Luísa Monólogo de Mariana

6

Sousa .... Mariana - Sousa

Esconderijo e Animalização do

genro7 Jorge

(atrás da porta)

1 Martins Pena satiriza os indivíduos que frequentavam as celebrações religiosas por exercício de sociabilidade e divertimento. 2 "EUFRÁSIA: – Sabes tu o que é um marido? É um animal exigente, impertinente e insuportável... A mulher que quiser viver bem com o seu, faça o que eu faço: bata o pé, grite mais do que ele, caia em desmaio, ralhe e quebre os trastes. Humilhar-se? Coitada da que se humilha! Então são eles leões. O meu homem será sendeiro toda sua vida". (PENA, 1956, vol. I, p. 170-171). 3 Martins Pena satiriza as irmandades religiosas do Rio de Janeiro. 4 Jorge compara a esposa e a sogra a víboras. 5 "Mulher linguaruda" e "velho infernal, mexeriqueiro baboso!" (PENA, 1956, vol. I, p. 172). 6 Jorge age como um homem medroso e covarde. 7 "MARIANA: – Só o diabo do marido é que lhe dá desgostos; é uma besta que meti em casa..." (PENA, 1956, vol. I, p. 175).

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210

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

7 Felisberto Mariana Mariana - Sousa -

Felisberto Uso de aparte

Cenas de exposição

(cont.)

8

Jorge Jorge Sousa - Felisberto - Jorge Caractere cômico de

personagem8 Estabelecimento de

conflitos do fio religioso

(referente aos trabalhos

de coleta de esmolas

pelos irmãos das almas) .... Sousa e Felisberto Sousa - Felisberto ....

9 Jorge .... Monólogo de Jorge Animalização da esposa/sogra9

Estabelecimento de

conflitos do fio familiar

(referente às relações

domésticas entre

marido/Jorge,

esposa/Eufrásia e

sogra/Mariana)

10 Eufrásia .... Jorge - Eufrásia

Caractere cômico de personagem10 e Animalização do

marido11

11

Mariana Jorge Jorge - Eufrásia - Mariana

Mentira,12 Animalização da esposa/sogra13 e

Pancadaria

Luísa Luísa Eufrásia - Mariana - Luísa ....

Luísa Eufrásia e Mariana

8 Jorge age como um homem medroso e covarde, ao se esquivar de uma luta corporal contra Felisberto. 9 "JORGE: – Os diabos que as carreguem, corujas do diabo! (...) Vou ensinar àquelas víboras!" (PENA, 1956, vol. I, p. 177).

10 Jorge teme a aproximação exasperante da esposa, que o indaga, repetidas vezes: "EUFRÁSIA: – "Quem é víbora?" (Ibid., p. 177-178). 11 Eufrásia insulta o marido de "pedaço de asno!" (Ibid., p. 178). 12 Eufrásia mente ao dizer à mãe que Jorge lhe dera uma bofetada. 13 Jorge insulta a sogra e a esposa de "grandissíssima tartaruga" e "grandissíssima lampreia", respectivamente. (PENA, op. cit., p. 178).

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211

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

12

.... .... Monólogo de Luísa Disfarce14 e Repetição

de ação15 Estabelecimento de

conflitos do fio amoroso Tibúrcio Tibúrcio

Luísa - Tibúrcio Monólogo de Luísa

Tibúrcio .... Luísa - Tibúrcio Esconderijo16

13 Mariana, Eufrásia

e Sousa Luísa, Mariana e Eufrásia

Luísa - Mariana - Eufrásia - Sousa

....

Encontro das tramas /

Clímax

14 .... .... Monólogo de Sousa ....

Felisberto .... Sousa - Felisberto Esconderijo17

15 Jorge .... Monólogo de Jorge

Esconderijo18 Eufrásia Eufrásia Monólogo de Eufrásia

16 Eufrásia e Mariana .... Eufrásia - Mariana

Luísa .... Eufrásia - Mariana - Luísa

17 Um cabo e quatro

permanentes

Quatro permanentes, Sousa, Felisberto, Cabo e

Jorge

Eufrásia - Mariana - Luísa - Cabo - Jorge - Sousa -

Felisberto Quiproquó

18 Jorge

(atrás da porta) Eufrásia e Mariana

Eufrásia - Mariana - Luísa - Tibúrcio

19 .... Luísa Luísa - Tibúrcio - Jorge ....

Desenvolvimento das

tramas (fio amoroso e fio

familiar) / Mudança no

rumo do enredo

14 Tibúrcio se disfarça de irmão das almas para adentrar a casa de Luísa. 15 Tibúrcio faz três saídas falsas da cena, sempre retornando ao palco. 16 Tibúrcio se esconde no armário da sala. 17 Felisberto e Sousa se escondem no mesmo armário em que se encontrava Tibúrcio. 18 Jorge também se esconde no mesmo armário onde as três personagens (Tibúrcio, Felisberto e Sousa) estavam escondidas.

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212

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

20 .... .... Tibúrcio - Jorge Esconderijo19

e Uso de aparte Mudança no rumo do

enredo (cont.) 21 Mariana e Eufrásia Mariana e Eufrásia

Jorge - Mariana - Eufrásia - Tibúrcio

Mentira20 e Quiproquó

22

Luísa

....

Jorge - Tibúrcio - Luísa

Quiproquó Final Mariana, Eufrásia e um irmão das

almas

Jorge - Tibúrcio - Luísa - Mariana - Eufrásia - irmão

das almas

19 Tibúrcio se esconde, novamente, no armário.

20 Jorge mente e diz ser um pedreiro-livre (maçom).

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213

Sequenciamento de Cenas de O Noviço

ATO I

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

1 .... .... Monólogo de Ambrósio ....

Cenas de exposição:

apresentação de dados

fundamentais do enredo

(espaço, tempo, situação

inicial das personagens)

2 Florência .... Ambrósio - Florência Uso de aparte

3

Juca Juca Ambrósio - Florência - Juca ....

.... Ambrósio Ambrósio - Florência

4 .... .... Monólogo de Florência

5

Emília .... Florência - Emília Repetição de fala1

Ambrósio Ambrósio e Florência Florência - Emília -

Ambrósio

6 .... .... Monólogo de Emília ....

7 Carlos .... Emília - Carlos ....

Estabelecimento de

conflitos do fio amoroso 8 Juca Juca e Emília Emília - Carlos - Juca ....

9 .... .... Monólogo de Carlos ....

10 Rosa .... Carlos - Rosa Esconderijo Estabelecimento de

conflitos referentes à

bigamia de Ambrósio e à

fuga de Carlos do

convento

11 .... .... Monólogo de Carlos ....

12

Ambrósio, Florência e Emília

Ambrósio, Florência e Emília

Carlos - Ambrósio - Florência

Esconderijo

___________________________ 1 Ambrósio repete suas considerações sobre a vida e o convento: "AMBRÓSIO: – O mundo é um pélago de enganos e traições, um escolho em que naufragam a felicidade e as doces ilusões da vida... E o convento é porto de salvação e ventura, único abrigo da inocência e da verdadeira felicidade". (PENA, 1956, vol. I, p. 297).

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214

ATO I

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

13

.... .... Monólogo de Carlos

....

Estabelecimento de

conflitos referentes à

bigamia de Ambrósio e à

fuga de Carlos do

convento (cont.)

Rosa .... Carlos - Rosa

Juca Juca Carlos - Rosa - Juca

Juca Juca e Rosa Carlos - Rosa Engano

14 .... .... Monólogo de Carlos ....

Juca Juca Carlos - Juca Travestimento

15

Mestre dos Noviços e três meirinhos

.... Carlos - Mestre dos Noviços Engano e Quiproquó

16 Rosa .... Carlos - Mestre dos Noviços

- Rosa Travestimento;

Engano e Quiproquó Clímax

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215

ATO II

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

1 .... Juca e Carlos Carlos - Juca Travestimento e Esconderijo

Encontro e

desenvolvimento dos três

fios da comédia

2 Ambrósio .... Monólogo de Ambrósio ....

3 Carlos Ambrósio Ambrósio - Carlos Quiproquó; Uso de aparte e Engano

4 .... .... Monólogo de Carlos ....

5

Ambrósio .... Carlos - Ambrósio Uso de aparte

Florência e Emília

.... Carlos - Ambrósio - Florência - Emília

Quiproquó; Uso de aparte; Engano e

Malogro da vontade2

Mestre dos Noviços, meirinhos e permanentes

.... Carlos - Ambrósio -

Florência - Emília - Mestre dos Noviços

....

6 .... Meirinhos, permanentes e

Carlos

Carlos - Ambrósio - Florência - Emília - Mestre

dos Noviços ....

Mudança no rumo do

enredo 7 .... Mestre dos Noviços Ambrósio - Florência -

Emília - Mestre dos Noviços ....

8 .... Emília Ambrósio - Florência -

Emília Uso de aparte

___________________________ 2 O plano de Ambrósio de encarcerar Carlos, Emília e Juca em conventos, para assim tomar posse de suas heranças, é frustrado pelos ardis de Carlos, que ameaça revelar a bigamia de Ambrósio.

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216

ATO II

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

9

.... .... Ambrósio - Florência Uso de aparte; Repetição de

indagação;3 Engano e Duplo sentido4

Clímax

Rosa e Meirinhos .... Ambrósio - Florência - Rosa

___________________________ 3 Florência pergunta, insistentemente, a Ambrósio sobre a identidade da mulher que estava escondida no quarto de sua casa: "FLORÊNCIA: – Sr. Ambrósio, quem era a mulher que estava naquele quarto?" (PENA, 1956, vol. I, p. 318). 4 "AMBRÓSIO: – Florencinha, encanto da minha vida, estou diante de ti como diante do confessionário, com uma mão sobre o coração e com a outra... Onde queres que eu ponha a outra?" (Ibid., p. 319).

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217

ATO III

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

1 .... Juca Florência - Emília - Juca ....

Cenas recapitulativas e

explicativas

2 José José Florência - Emília - José

.... .... Emília Florência - Emília

3 .... .... Monólogo de Florência ....

4

Carlos .... Monólogo de Carlos ....

Desenvolvimento de

conflitos referentes à

fuga de Carlos do

convento

.... .... Monólogo de Florência Esconderijo

5 Emília Emília Florência - Emília ....

6 Emília e Mestre dos Noviços

Mestre dos Noviços Florência - Emília - Mestre dos Noviços - Carlos

Esconderijo

7 .... .... Florência - Emília - Carlos Esconderijo e Jogo

de palavras5

8 José José Florência - Emília - José

....

Desenvolvimento de

conflitos referentes à

bigamia de Ambrósio

.... Emília Florência - Emília

9 .... .... Monólogo de Florência ....

10 José e Ambrósio José José - Ambrósio Disfarce e Uso de

aparte

11 .... .... Ambrósio - Florência -

Carlos

Quiproquó; Esconderijo; Uso de aparte e Pancadaria

_________________________ 5 "EMÍLIA: – E para que o prendem? / FLORÊNCIA: – Prendem-no porque ele foge. / EMÍLIA: – E ele foge porque o prendem". (PENA, 1956, vol. I , p. 326).

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218

ATO III

Cena Entrada Saída Em Cena Recursos Cômicos Divisão do Enredo

12

Jorge, quatro homens armados

e Emília Florência e Emília Florência - Jorge - Emília Equívoco

Clímax 13 .... Carlos e quatro homens

armados Jorge - Carlos Equívoco

14 Florência e Emília

Jorge Jorge - Florência - Emília Equívoco

15 .... .... Florência - Emília Equívoco

16 Juca Juca Florência - Emília - Juca

....

Desenvolvimento de

conflitos referentes à

bigamia de Ambrósio

.... Emília Florência - Emília

17

Rosa .... Florência - Rosa Esconderijo e Pancadaria .... .... Florência - Rosa - Ambrósio

18 Emília .... Florência - Rosa - Ambrósio

- Emília ....

19

Carlos, Jorge e soldados

....

Florência - Rosa - Ambrósio - Emília - Carlos - Jorge -

Meirinho

Todos exclamam Malogro da vontade Final

Mestre dos Noviços

Ambrósio - Carlos - Mestre dos Noviços

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219

Anúncio da Estreia de Fabio o Noviço ou A Independência de Milão

Diário do Rio de Janeiro, 12 de abril de 1845.

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220

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221

Fabio le Novice

PROLOGUE

Personnages

LE COMTE LUDOVIC MANZONI (25 ans)

THÉCLA, sa femme (20 ans)

LE MARQUIS DE LEGANEZ, père de

Thécla (60 ans)

POLICASTRO, ouvrier ciseleur (25 ans)

DON BERNARDO, Prieur du couvent des

Dominicains

UN OFFICIER ESPAGNOL

FERNAND, fils de Thécla

UNE SERVANTE

Soldats espagnols, Hommes du peuple,

Moines, etc.

Milan, 1580

Dans une petite maison occupée par Thécla.

Une chambre très simplement meublée dans

le goût du seizième siècle. Portes latérales;

porte au fond. À gauche, sur le premier plan,

une fenêtre.

SCÈNE PREMIÈRE

LUDOVIC, THÉCLA.

On entend frapper à la porte du fond.

THÉCLA, courant ouvrir.

Ludovic!

LUDOVIC, entrant.

Chère Thécla!

THÉCLA

C'est toi!... Oh! Quelle nuit j'ai passée!...

Attentive au moindre bruit, sitôt que

j'entendais marcher dans la rue, je m'élançais

vers cette porte, espérant que tu allais y

frapper...

LUDOVIC

Pauvre amie!

THÉCLA

Vingt fois déçue, j'avais fini par m'endormir

près du berceau de Fernand... Mais quel

sommeil pénible!... Tantôt la figure de mon

père apparaissait devant moi, pâle et

menaçante... Puis je croyais entendre les

gémissements d'un homme qu'on assassine...

Je reconnaissais ta voix, et tout éperdue...

Mais je te revois... Tu n'es pas même blessé...

Ce n'était qu'un rêve!

LUDOVIC

Et Fernand, a-t-il passé une nuit meilleure

que la tienne?

THÉCLA

O pauvre ange! Son sommeil n'a pas été

troublé un instant... Veux-tu le voir?

LUDOVIC

Non. Je ne résisterais pas au désir de

l'embrasser, et je le réveillerais peut-être...

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222

THÉCLA

Mon Ludovic!... Mais maintenant tu vas me

dire les motifs de ton absence... Apportes-tu

quelque heureuse nouvelle?

LUDOVIC

Je te l'aurais déjà dite.

THÉCLA

Mon père a découvert notre retraite?

LUDOVIC

Grâce au ciel, non!

THÉCLA

Oh! Qu'est-ce donc? Tu me ais mourir!

LUDOVIC

Thécla, tu es espagnole et je suis milanais...

Dieu, qui règle les destinées, avait écrit là-

haut notre mariage, et l'inimitié qui règne

entre nos deux patries ne l'a pas empêché de

s'accomplir... Quelle que soit la retraite où tu

vis, tu n'ignores pas l'oppression de l'Espagne

sur mon malheureux pays...

THÉCLA

Puis-je l'ignorer, quand mon mari en est une

des plus illustres victimes?

LUDOVIC

Eh bien! La persécution, un moment ralentie,

est sur le point de recommencer...

THÉCLA

Contre toi?

LUDOVIC

Pas encore; mais contre un autre moi-même,

contre Ottavio Manzoni, mon frère bien-

aimé... Oh! Ce n'est pas son imprudence qui a

provoqué son malheur... Écoute: hier au soir,

il était allé avec sa jeune femme à l'église de

Saint-Étienne, lorsque, au sortir de l'office

divin, un flot de peuple les sépara... Après

une heure de recherches inutiles, Ottavio

avait repris le chemin de sa demeure, dans

l'espoir que Dona Léonor y serait rentrée de

son côté... Quand soudain il l'aperçoit qui se

débat, pâle et tremblante, entre les bras d'un

officier espagnol qui cherchait à l'entraîner...

THÉCLA

Grand Dieu!

LUDOVIC

Cela te révolte, n'est-ce pas?... Voilà pourtant

où nous en sommes!... Courir à ce misérable,

et lui crier de se défendre, ce fut pour Ottavio

l'affaire d'un instant... L'espagnol furieux tira

son épée; mais dans ce duel d'une minute,

Dieu a protégé celui dont la cause était juste,

et l'offenseur de Dona Léonor est tombé mort

à ses pieds!... Cependant la foule grossissait,

et déjà un détachement de gardes wallones

s'avançait vers le théâtre du combat... Mon

frère voulait les attendre... Mais on sait à

Milan ce que c'est que la justice espagnole, et

l'un des nombreux amis d'Ottavio l'a forcé de

chercher un refuge dans l'église des

Dominicains... Voyons, Thécla, toi qui nous

conseilles toujours la résignation, la patience,

blâmes-tu mon frère d'avoir tiré vengeance

d'un si cruel outrage?... Les espagnols en

détruisant notre nationalité nous ont rayés de

la liste des peuples... Faut-il cesser d'exister

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223

comme hommes, et leur livrer encore notre

honneur?...

THÉCLA

Ah! Je n'exige point un tel sacrifice... Si je

t'exhorte à la résignation, c'est qu'avant tout je

t'aime et que je tremble pour ta vie... Mais

combien ma belle-sœur doit être

malheureuse! Du moins, son mari est en

sûreté... Le couvent des Dominicains est un

asile inviolable, et Don Bernardo, le Prieur,

est un de nos amis...

LUDOVIC

Oui; mais depuis la dernière sédition, un édit

du roi Philippe II a établi à Milan un Conseil

des troubles, digne émule de celui qui a

décimé les Flandres sous la direction du Duc

d'Albe... C'est le Marquis de Leganez, ton

père, qui préside ce conseil, et il n'a que trop

de raisons de hair les Milanais! Je crains que,

par ruse ou par violence, on n'arrache mon

frère de l'asile qu'il a trouvé...

THÉCLA

Le Gouverneur oserait...

LUDOVIC

Il ose tout! Aussi j'ai tout prévu... (On entend

chanter en dehors). Mais écoute...

POLICASTRO, en dehors.

L'aube vient, la nuit s'envole;

Tout s'éveille autour de nous;

Régina, j'ai ta parole:

Je t'attends au rendez-vous

LUDOVIC

C'est la voix de Policastro, cet ouvrier

ciseleur dont je t'ai parlé... J'avais besoin de

lui, et je l'ai fait prévenir par un billet de se

trouver ici de grand matin... Je vais lui

ouvrir... Attends-nous là.

Il sort.

THÉCLA, seule.

Policastro!... Le fauteur de toutes les

révoltes... C'est à lui qu'il va confier notre

secret... Ah! Je ne veux pas voir cet homme...

(Elle va pour entrer chez elle et revient). Je

suis folle!...

************************************

SCÈNE II

LUDOVIC, POLICASTRO, THÉCLA, un

peu à l'écart.

POLICASTRO

Monsieur le Comte, quel est cet appartement

où vous m'introduisez?

LUDOVIC

Le mien.

POLICASTRO

Le vôtre! Cependant il y a deux jours vous

demeuriez sur la place des Marchands.

LUDOVIC

Oui, chez maltre Simonetta... Mais j'ai deux

logements, l'un public, l'autre secret.

POLICASTRO

Bonne précaution pour un conspirateur!

LUDOVIC

Cette précaution n'a pas le motif que tu

supposes... Madame, voici un ami dont je

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224

vous ai parlé souvent... Policastro, voilà ma

femme.

POLICASTRO

Votre femme!... Ma foi, monsieur le Comte,

je vous en fais mon compliment.

THÉCLA

Il y a longtemps, monsieur, que je connais

votre dévouement à la famille de mon mari.

J'espère que vous m'accorderez un peu de

l'affection qu'il vous inspire.

POLICASTRO

Moi, madame? Ah! C'est déjà fait, je vous

jure, et vous eussiez pu me demander quelque

chose de plus difficile à vous accorder.

LUDOVIC

C'est bien; Thécla, laisse-nous.

Elle rentre chez elle.

************************************

SCÈNE III

LUDOVIC, POLICASTRO.

POLICASTRO

Je ne reviens pas de ma surprise... Quoi,

monsieur le Comte, vous étes marié? Avant

votre frère ou après?

LUDOVIC

Avant.

POLICASTRO

Et pourquoi faire à tout Milan un secret de ce

mariage?... Ah! Pardon. Cela ne me regarde

pas... Occupons-nous de votre frère, car c'est

de lui sans doute que vous désiriez me parler.

Instruit des dangers qu'il courait, je n'ai pas

perdu de temps, je vous l'assure, et mes amis

sont déjà préparés...

LUDOVIC

Tes amis...

POLICASTRO

Je n'ai pas eu de peine à les émouvoir en

faveur de votre cher Ottavio. D'abord, le duel

a été loyal, et son adversaire était un infâme,

il n'y a qu'un cri là-dessus... Ensuite, c'est

d'un Manzoni qu'il s'agit, et voyez-vous, votre

nom est populaire! Vous êtes les rejetons

d'une famille illustre, qui de tout temps a

prodigué ses biens et son sang pour défendre

l'indépendance nationale! Ce sang, on l'a vu

couler sur les échafauds, dans les champs de

bataille, et partout il était aussi pur!... Nous

ne l'avons pas oublié, nous autres... J'engage

donc le Conseil des troubles à respecter l'asile

où s'est réfugié votre frère... S'ils touchaient à

un cheveu de sa tête, malheur à eux!... La

mine est prête, un étincelle peut la faire

sauter...

LUDOVIC

Au risque de ta vie...

POLICASTRO

Bah! Qu'est-ce que ma vie? Elle n'est utile

qu'à ma vieille mère, et si je lui manquais, eh

bien! Elle irait se mettre un matin à la porte

de quelque église, et j'ai assez de foi dans la

reconnaissance de mes concitoyens pour

croire qu'on me laisserait pas mendier

longtemps la mère de Policastro.

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225

LUDOVIC

Va, je connais ton dévouement, je l'apprécie;

mais peut-être avant d'agir aurait-il fallu me

consulter... Peut-être as-tu compromis mon

frère en voulant le servir.

POLICASTRO

Comment cela?

LUDOVIC

Milan n'est pas mûr encore pour son

affranchissement... Attendons...

POLICASTRO

Attendre... Toujours attendre... Mais votre

frère?... Songez-vous que d'un moment à

l'autre on peut l'arracher de son asile?

LUDOVIC

Cette nuit je pars avec lui pour la France.

POLICASTRO

En est-il ainsi?... Alors je vous

accompagnerai.

LUDOVIC

Non; je n'ai de laissez-passer que pour deux

personnes, et tu dois rester à Milan pour me

rendre un grande service.

POLICASTRO

Parlez... Lequel?

LUDOVIC

Le vrai motif qui m'oblige à cacher mon

mariage, c'est que le père de la Comtesse

Manzoni ne m'aurait jamais accordé sa fille,

et que j'ai été forcé de l'enlever.

POLICASTRO

Est-il possible?

LUDOVIC

Depuis notre mariage ses recherches ont été

vaines; mais si elles réussissaient en mon

absence, que deviendrais-je?... Tu es mon

meilleur ami; c'est à toi que je confie ma

femme et mon enfant, c'est chez toi qu'ils

iront attendre mon retour.

POLICASTRO

Merci, monsieur le Comte, et soyez

tranquille!

Le Prieur entre tout agité.

************************************

SCÈNE IV

LUDOVIC, LE PRIEUR, POLICASTRO,

puis THÉCLA.

LE PRIEUR

Ah! Comte, Dieu soit loué! Vous êtes ici!

LUDOVIC

C'est vous, mon père... Quelle agitation...

POLICASTRO

Le Prieur du convent des Dominicains?...

Mon père, on dit que vous êtes Espagnol,

mais vous avez accordé un asile au noble

Marquis Ottavio... C'est bien; vous avez mon

estime. Touchez-là.

LE PRIEUR

Ah! Je n'avais fait que mon devoir, et si le

droit d'asile dont a toujours joui notre couvent

a été violé par desmains impies, ce n'est pas

sur moi que le crime doit retomber!

POLICASTRO

Comment?

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226

LUDOVIC

Que dites-vous?

LE PRIEUR

Mandé hier au soir auprès d'un malade qui

attendait de moi les secours suprêmes de la

religion, j'ai dû passer la nuit hors du

couvent... Jugez de ma douleur et de mon

indignation, quand, à mon retour, j'ai appris

que des émissaires du Duc de Guatimala

s'étaient présentés à notre grille et avaient

réclamé votre frère!...

LUDOVIC

Grand Dieu!

LE PRIEUR

Affaibli depuis longtemps par les infirmités et

par l'âge, le père abbé a cédé aux menaces, et

le malheureux Ottavio, arraché du sanctuaire

qu'il avait choisi pour refuge, a été livré à la

justice du Conseil des troubles.

LUDOVIC

Ah! Malheur! Malheur!... Et savez-vous

quand il doit y comparaître?

LE PRIEUR

Je crains que ce ne soit aujourd'hui même...

Tout à l'heure, en passant sur la place du

Dôme, j'ai vu une foule immense réunie

autour de la maison de justice, et dans cette

foule profondément agitée, le bruit courait

que le Conseil des troubles s'était réuni dès

cinq heures du matin.

LUDOVIC

Ah! Pas un instant à perdre!... Ottavio est

milanais, et son adversaire était espagnol;

c'est assez pour tout redouter... Je cours

intéresser en sa faveur les quelques amis qui

me restent.

LE PRIEUR

Mon fils, soyez prudent!

LUDOVIC

Mon père, j'épuiserai d'abord tous les moyens

de la conciliation... Mais si les juges d'Ottavio

sont inflexibles, alors, Policastro, je me livre

à toi tout entier!

THÈCLA, entrant précipitamment.

Ludovic!

LUDOVIC

Je ne puis t'entendre... Don Bernardo

t'expliquera tout... Adieu! Adieu!

Il sort par le fond.

THÉCLA, à Policastro.

Ah! Monsieur, veillez sur lui; ne le quittez

pas, je vous en prie!

POLICASTRO

J'y suis bien forcé, madame; il compte sur les

grands pour sauver son frère... Mais moi, qui

les connais, je ne compte que sur le peuple, et

je cours le retrouver...

Il sort.

************************************

SCÈNE V

THÉCLA, LE PRIEUR.

THÉCLA

Ô mon Dieu! Mon Dieu!

LE PRIEUR

Ma fille, vous ignorez ce qui se passe?

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227

THÉCLA

Hélas! Non... Quand vous êtes entré, j'ai

reconnu vos pas et votre voix, je me suis

approchée de cette porte, et j'ai tout

entendu!... Les voici donc arrivés, mon père,

ces jours que vous m'aviez prédits!... Le

malheur des Manzoni recommence; Ottavio

est perdu, et Ludovic voudra le venger.

LE PRIEUR

Ottavio n'est pas perdu... Il est une personne

dont l'intervention pourrait le sauver.

THÉCLA

Qui donc?

LE PRIEUR

Vous! Le Marquis de Leganez, votre père, est

président du Conseil des troubles et tout-

puissant sur les délibérations; allons nous

jeter à ses pieds et lui demander la grâce du

frère de votre mari...

THÉCLA

Ah! Ne connaissez-vous donc pas mon père,

le plus juste, mais le plus sévère des

hommes?... Ne vous ai-je pas dit vingt fois

dans quelles circonstances j'ai fui la maison

paternelle?... Mon mariage avec le Duc

d'Ossone était au moment de se conclure, les

témoins étaient rassemblés, l'évêque

attendait... Quatre ans se sont écoulés depuis

ce jour terrible; mais ne croyez pas que mon

père ait pardonné!... Ô Dieu! Me retrouver en

face de lui!... Braver quelque malédiction

nouvelle!... À cette seule idée ma raison

m'abandonne; et quand j'aurais la force de me

traîner à ses pieds, je n'aurais jamais celle de

lui parler!

LE PRIEUR

Et moi, je vous dis que votre devoir est de

vous rapprocher de lui... Le laisserez-vous

mourir sans lui avoir offert un prétexte pour

pardonner?... Coupable comme chrétienne,

comme fille, comme épouse, vous le seriez

aussi comme mère!

THÉCLA

Qui? Moi!

LE PRIEUR

Oui, madame; car il faut que votre enfant

nous accompagne... C'est son avenir, ses

biens, son rang, que vous allez redemander à

votre père avec le vie de don Ottavio...

THÉCLA

Je ne résiste plus!... Oui, que Fernand nous

accompagne... Si le remords et l'effroi me

font tomber morte aux pieds de mon père,

Fernand tendra vers lui ses petites mais

innocents, et peut-être se laissera-t-il

attendrir... Votre conseil était bon; soyez

béni!... (Elle va pour entrer chez elle et

s'arrête). N'entendez-vous pas une rumeur

confuse?

LE PRIEUR, allant à la fenêtre.

La ville est troublée, cela ne m'étonne pas... Il

faut nous hàter.

THÉCLA

Mon enfant ne courra-t-il aucun danger dans

cette foule?

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228

LE PRIEUR

Mon habit vous protégera.

THÉCLA, entrant à droite.

Je vais chercher.

LE PRIEUR, seul.

Oui, j'espère beaucoup de cette entrevue... Il

y a longtemps qu'elle aurait eu lieu si l'orgueil

du Comte ne s'y était pas toujours opposé.

************************************

SCÈNE VI

LE PRIEUR, LE MARQUIS DE LEGANEZ.

LE MARQUIS, entrant précipitamment.

Asile!... Ah! Qui que vous soyez, asile!

LE PRIEUR

Qui vous poursuit?

LE MARQUIS

L'horrible chose qu'une populace

déchaînée!... J'étais sorti de la maison de

justice par une porte dérohée; mais reconnu

tout-à-coup, insulté, arrêté... J'allais périr sans

doute... Un labyrinthe de rues étroites s'est

heureusement offert à mes pas, et je me suis

jeté dans la première allée... Je crois qu'on a

perdu mes traces.

LE PRIEUR

En effet, la rue est calme, mais de lointains

murmures...

LE MARQUIS

C'est le peuple qui demande ma tête... Oh! Ce

peuple de Milan!... Hardi contre un seul

homme, lâche contre un seul bataillon!... Oh!

Je me vengerai!... À quelle règle appartenez-

vous, mon père?

LE PRIEUR

Je suis Prieur indigne du couvent des

Dominicains.

LE MARQUIS

Ah! C'est chez vous que s'était sauvé Ottavio

Manzoni... Ce meurtrier, ce rebelle... Mon

père, le roi d'Espagne sera instruit du service

que vous lui avez rendu.

Il s'assied.

LE PRIEUR

Qu'il ne m'en remercie pas; j'étais absent

quand cette violation d'un lieu sacré a été

consommée, au nom du roi catholique... Si

j'avais été là, on eût démoli notre couvent

pierre à pierre avant que d'en arracher le

malheureux qui s'y était réfugié!

LE MARQUIS, se levant.

Ce langage...

LE PRIEUR

Doit vous rassurer... Vous voyez que je suis

incapable de livrer personne.

************************************

SCÈNE VII

LE PRIEUR, THÉCLA, LE MARQUIS.

THÉCLA, au Prieur.

Nous voici prêts, et quand vous voudrez

partir...

LE MARQUIS, se retournant.

Ma fille!

THÉCLA

Mon père!

Elle tombe à genoux.

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229

LE MARQUIS

C'est donc le hasard, ce n'est pas ta volonté

qui devait nous réunir... Est-ce là cette fille

dont j'étais si fier et que j'ai tant aimée?...

Dieu m'avengé, n'est-ce pas?... Tu es bien

malheureuse?

THÉCLA

Oh! Oui, oui... Je l'étais de vivre loin de vous

et sous le poids de votre colère... Mais

maintenant que j'ai pu embrasser vos genoux,

si vous daignez tourner leus yeux vers cet être

innocent, dont la vue vous touchera peut-être

plus que mon repentir; oh! Alors, quels que

soient les misères du présent el les dangers de

l'avenir, je serais la plus heureuse des

femmes!

LE MARQUIS

Éloignez cet enfant, dont la naissance devait

être pour moi un sujet d'orgueil et n'a été

qu'un sujet de honte!... Éloignez-le, vous dis-

je; quelle que soit la main qui me le présente,

je ne puis voir en lui que le fruit d'un crime,

que l'enfant d'un traître et d'un ravisseur!

La servante emmène l'enfant.

LE PRIEUR, s'approchant.

Mon fils, de la clémence!

LE MARQUIS

Mais vous ne savez donc pas à quel point elle

est coupable?

THÉCLA

Ah! Je n'ai rien eu de caché pour lui; il

connaît ma faute, mais il voit mes larmes; il

sait que je n'aurais jamais quitté votre maison

si vous m'eussiez accordé, non d'être unie à

celui que j'aimais, je n'ai jamais formé de

vœu si téméraire, mais d'aller finir mes jours

dans un couvent!... Je vous demandais cette

grâce unique; votre refus me rendit folle, et

alors, c'est vrai, c'est un grand crime que j'ai

commis... Mais si j'ai oublié un instant que

j'étais votre fille, est-ce une raison pour vous

d'oublier que vous êtes mon père?... Au nom

des soins que vous avez eus pour ma

jeunesse... Au nom de ma mère, cette sainte

qui est trop tôt retournée dans le ciel,

rétractez cette malédiction qui a été votre

réponse à toutes mes lettres... Mon père! Mon

père! Pardonnez-moi!

LE MARQUIS

Eh! Qu'aurais-je répondu à ces lettres

funestes qui ne m'apprenaient même pas de

qui je pouvais me venger?... Celui qui t'a

ravie est milanais, et ruiné depuis les derniers

troubles; je n'en sais rien de plus... Ainsi le

sang le plus noble de l'Espagne s'est allié à

une famille de vaincus et de rebelles!... Tiens,

tu rougis déjà de ton mariage... Je n'en veux

qu'une preuve, l'obstination que tu mets à me

cacher le nom, de ton époux!

THÉCLA

J'allais vous le révéler aujourd'hui.

LE MARQUIS

Comment?

THÉCLA

Oui, mon père; Don Bernardo m'allait

conduire à votre palais, je voulais faire un

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230

appel à votre générosité, à votre justice, et,

audacieuse que je suis, vous demander grâce

pour un autre que pour moi!

LE MARQUIS

Je ne te comprends pas.

THÉCLA

Hier, un jeune homme, un milanais, qui s'était

battu en duel avec un officier espagnol pour

venger son honneur indignement outragé, a

été saisi dans le couvent des Dominicains...

LE MARQUIS

Ottavio Manzoni?

THÉCLA

Lui-même!

LE MARQUIS

Malheureuse! Est-ce là ton époux?

THÉCLA

Non, mais c'est son frère, et c'est vous qui

devez le juger... Oh! Qu'une sentence de mort

ne sorte pas de votre bouche!... Il y va de mon

bonheur, de ma vie!... Et je me trompais en

disant que j'allais vous supplier pour un autre,

ce n'est pas la grâce d'Ottavio, c'est la mienne

que je vous demande!

LE MARQUIS

Tu demandes sa grâce?... Ah! Tu ignores

donc les terribles nécessités que la raison

d'état nous impose?... Ottavio Manzoni a

violé une loi qui importe au salut de

l'Espagne...

LE PRIEUR, à la fenêtre.

Silence!

LE MARQUIS

Qu'y a-t-il?

LE PRIEUR

La rue se remplit de monde... (À Thécla). Un

groupe, où je reconnais votre mari, s'arrête

devant la maison... (Clameurs en dehors).

Entendez-vous leurs cris?

THÉCLA

A qui donc en veulent-ils?

LE MARQUIS

A moi... Et maintenant que je suis revenu de

mon premier trouble, je cours affronter leur

fureur; il ne sera pas dit que la ravisseur de

ma fille m'aura fait reculer.

THÉCLA

Arrètez!

LE PRIEUR

Les voici!... Monsieur le Marquis, cachez-

vous, de grâce!

THÉCLA, indiquant la porte latérale.

Oui... Là, là!

LE MARQUIS

Je veux attendre ton mari!

THÉCLA

Oh! Ce peuple vous tuerait!... Allez, je vous

en supplie, que votre sang ne soit pas versé

devant moi!

Le Prieur entraîne le Marquis dans la

chambre.

************************************

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231

SCÈNE VIII

THÉCLA, LUDOVIC, puis POLICASTRO,

PEUPLE.

THÉCLA

Ludovic, c'est toi!... Qu'y a-t-il?

LUDOVIC

Ce qu'il y a?... Ne le devines-tu pas à la

pâleur de mon front, au troublement de ma

voix, aux sanglots qui m'étouffent?... Ce qu'il

y a, Thécla? Il y a que mon pauvre frère,

arrêté cette nuit, jugé ce matin, vient d'être

mis à mort tout-à-l'heure!... Oui, à mort,

secrètement, lâchement, dans la cour

intérieure du palais!... Et l'auteur de ce

meurtre, tu le connais... Ah! Mon frère! Mon

frère!

VOIX DU PEUPLE

Vengeance! Vengeance!

POLICASTRO, entrant, armé d'une

arquebuse.

Oui, vengeance!... Amis, le meurtrier de celui

que nous pleurons et de tant d'autres victimes,

l'infâme Leganez, a trouvé un asile dans cette

rue, dans cette maison peut-être... Madame,

n'avez-vous pas vu cet homme?

THÉCLA

Moi?... Non, je vous le jure!... Celui que vous

cherchez ne peut être ici...

POLICASTRO

Permettez que je m'en assure.

Il va pour entrer dans la chambre, le Marquis

en sort avec le Prieur.

TOUT

Leganez!

************************************

SCÈNE IX

LES MÊMES, LE MARQUIS, LE PRIEUR.

LE MARQUIS

Me voici; que me voulez-vous?

POLICASTRO

Misérable! C'est ton arrêt de mort que tu as

prononcé ce matin.

Il le couche en joue.

THÉCLA, se jetant au-devant du Marquis.

Ne le tuez pas, c'est mon père!

POLICASTRO

Son père!

THÉCLA

Oui, je suis sa fille.

LUDOVIC

Policastro, ne vous rendons pas coupables du

crime que nous voulons punir... Monsieur le

Marquis, nous avons des comptes terribles à

régler ensemble, mais en ce moment vous

êtes mon hôte et je dois vous protéger... Bas

les armes!

THÉCLA

Eh bien, mon père...?

LE MARQUIS

Va, je le remercierai pas de m'avoir conservé

une vie qu'il m'a rendue odieuse, et nous ne

sommes pas quittes... (Bruit en dehors).

D'ailleurs, on vient à mon aide, et maintenant

c'est à moi de commander.

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232

VOIX DES SOLDATS ESPAGNOLS

Place! Place!

LE PEUPLE

Les espagnols!

POLICASTRO

Amis! Voulez-vous faire dater de ce jour

l'émancipation de la patrie?

LUDOVIC

Arrête! Malheureux, tu te perds!

Entre un officier espagnol, suivi d'une

escorte.

L'OFFICIER, au Marquis.

Excellence, le Gouverneur, instruit des

dangers que vous couriez, m'envoie à votre

secours, et voici un arrêté qu'il a pris contre

celui qu'on suppose être le principal auteur de

cette révolte.

LE MARQUIS

C'est bien. Veuillez faire sortir tout ce monde

et vous tenir à portée de ma voix. Monsieur le

Prieur, Comte Manzoni, demeurez.

POLICASTRO, bas, à Ludovic.

Ainsi vous exigez...

LUDOVIC

Obéis!

Sortent Policastro, le peuple et les soldats.

************************************

SCÈNE X

LUDOVIC, LE MARQUIS, THÉCLA, LE

PRIEUR.

LE MARQUIS, à Ludovic.

L'arrêté que je viens de recevoir vous exile de

Milan et de tout le territoire de la Monarchie

espagnole.

LE PRIEUR

Monsieur le Marquis...

THÉCLA

Mon père!...

LE MARQUIS

Thécla, je devrais t'oublier; mais tu es

malheureuse, je suis encore assez faible pour

te pardonner...

THÉCLA

Ô ciel!

LE MARQUIS

A une condition cependant... C'est que tu vas

me suivre et que tu signerais une requête que

j'adresserai au Saint-Père, à l'effet d'obtenir

l'annulation de ton mariage. A ce prix, ton fils

sera le mien... Et quand au malheureux qui t'a

perdue... Je ferai révoquer l'arrêt qui l'exile et

celui qui a séquestré ses biens...

THÉCLA

Ludovic, c'est à toi de répondre... Ta fortune

et ta patrie te sont-elles plus chères que

moi?...

LUDOVIC

Oh!... (Il lui tend les bras, elle s'y jette).

Leganez, je garde mon fils et ma femme...

Ces biens-là, tu le vois, l'Espagne ne me les

ravira jamais!

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233

LE PRIEUR, au Marquis.

Mon fils, Dieu a dit à la femme: "Tu quitteras

ton père pour suivre ton mari..."

LE MARQUIS

C'est bien... Ce dernier trait rompt les faibles

liens qui m'attachaient encore à elle... Dieu

soit loué! J'ai cessé d'être père!

THÉCLA

Ah! Ne me quittez pas sur ces cruelles

paroles... Que des adieux moins sévères...

LE MARQUIS

Mes adieux! Tu veux les recevoir?... Eh bien!

Les voici... Thécla! La famille où tu es entrée

est animée, depuis cent ans, d'un esprit de

rébellion et de vertige... Ton époux en sera la

victime, comme son frère vient de l'être, et

son fils aussi, je te le prédis!... Élevé dans les

principes des séditieux, nourri du poison de la

révolte, il subira la destinée de toute sa race,

et tu le verras périr dans un mêlée populaire

ou sur quelque infâme échafaud!...

LUDOVIC, se contenant à peine.

Marquis!

THÉCLA

Ah! Ce que vous dites-là est horrible... Grâce!

Grâce!

LE MARQUIS

Point de grâce pour le rebelles! Point de grâce

pour toi! Puisse ton fils te faire éprouver les

tourments que tu me causes! C'est la

vengeance que je demande au ciel...

Il sort.

************************************

SCÈNE XI

LUDOVIC, THÉCLA, LE PRIEUR.

THÉCLA

Dans une mêlée populaire ou sur quelque

infâme échafaud!...

LE PRIEUR, la conduisant à un fauteuil.

Ma fille, il n'est pas arrivé jusqu'à Dieu ce cri

d'une injuste colère... Remettez-vous...

LUDOVIC

Thécla, ma bien aimée! Tu viens de sacrifier

une seconde fois tous les biens de ce monde à

mon amour... Oh! Sois bénie!... Sois bénie!...

Avec toi, sur la terre d'exil, je puis espérer

encore des jours heureux... Prends courage!

Demain nous partirons pour la France, la

France, où les proscrits oublieraient leur

patrie, si Dieu voulait qu'on pût jamais

l'oublier!... Ma sœur... Pauvre veuve, nous

accompagnera... Et je vais sans retard

l'instruire du décret qui nous bannit de

Milan... Allons! Sèche tes larmes... Pense à

notre enfant...

Il se met à une table et écrit.

THÉCLA, à part.

Mon enfant!... Puis-je y penser sans effroi?

LE PRIEUR, s'approchant d'elle.

Mon devoir me rapelle au couvent...

Permettez-moi de vous quitter pour quelques

instants.

THÉCLA, à demi-voix.

Oh! Non, non... Demeurez, je vous en

supplie... Ces adieux de mon père... Oh! Ce

qu'il vient de me dire, je me le suis dit tant de

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234

fois!... Demeurez... J'ai des conseils à vous

demander (Après avoir regardé son mari et

baissant encore la voix).Un service peut-

être!...

LE PRIEUR

Je reste.

LUDOVIC, qui a terminé su lettre, allant

ouvrir la porte latérale.

Paquita! (La servante se présente tenant

Fernand par la main). Cette lettre à Dona

Léonor... Vite, allez!

Elle quite l'enfant et sort par la porte du fond

au moment où Policastro parait.

THÉCLA, embrassant son fils.

Pauvre enfant!

************************************

SCÈNE XII

LES MÊMES, POLICASTRO.

POLICASTRO, jetant à terre son arquebuse.

Oh! Les lâches! Les lâches!

LUDOVIC

Comment? Que veux-tu dire?

POLICASTRO

Ah! Vous aviez raison, Comte... Les milanais

n'ont pas encore assez de quatre-vingts ans

d'esclavage... C'est à peine si ma voix a

trouvé de l'écho dans quelques groupes, que

les soldats espagnols balayent en ce moment

devant eux!

LUDOVIC

Et tu désespères de l'avenir?

POLICASTRO

Allons donc!... Vous voyez bien que je ne me

suis pas fait tuer...

Ici commence une musique funèbre qui dure

jusqu'à la fin de l'acte.

LUDOVIC, se tournant vers la fenêtre.

Ecoute... N'est-ce pas un chant de mort?

VOIX LOINTAINES

Dies mei sicut umbra declinaverunt: et ego

sicut fœnum arui...

POLICASTRO

En effet, je venais vous l'apprendre... C'est le

corps du martyr que l'on porte en terre

sainte...

LUDOVIC, s'élançant à la fenêtre.

Ottavio! Mon frère!

LE PRIEUR, s'agenouillant.

Prions pour lui, ma fille!

THÉCLA, l'imitant.

Ô mon père! C'était un noble jeune homme!

POLICASTRO

Voilà tout ce qu'on bien voulu nous accorder

ses bourreaux!

Il s'approche aussi de la fenêtre.

VOIX, plus rapprochées.

Respexit Dominus in orationem humilium: et

non sprevit precem eorum.

LUDOVIC

Ô mon frère! Mon frère bien-aimé!... Va

recevoir au ciel la couronne qui t'attend!...

Moi, sur ton cercueil, je jure haine à tes

assassins! Je jure de vivre pour venger ta

mort!

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THÉCLA

Grand Dieu!

POLICASTRO

Oui, nous la vengerons!

LUDOVIC, saissant Fernand, que Thécla

tient devant elle.

Et toi, regarde, enfant... (Il éléve dans ses

bras). Vois-tu ces moines et ces flambeaux?

Ce drap noir et cette croix blanche, vois-tu?

C'est ton oncle qu'on enterre! Ton oncle

Ottavio qui t'aimait tant, il est mort... Tué par

les espagnols!... Souviens-toi de ce

spectacle... Et si je succombe à la tâche que je

m'impose, instruit par mes leçons et par mon

exemple, grandis, toi, grandis pour le

venger!...

Il laisse aller l'enfant, qui court se réfugie

près de sa mère.

THÉCLA, à part.

Oh! Non, non, Ludovic! Tu ne feras pas de

mon fils un martyr!

Les chants reprennent.

************************************

DRAME

PERSONNAGES

LE COMTE MANZONI

LA COMTESSE

FABIO, novice du couvent des Dominicains

(21 ans)

POLICASTRO

JULIA, nièce du Comte (18 ans)

DON GARCIAS, jeune seigneur espagnol

MAÎTRE JEAN SIMONETTA, riche

marchand

DON BERNARDO

DON GREGORIO, portier du couvent

GAËTANO, officier espagnol

Nobles, Bourgeois, Hommes du peuple,

Arquebusiers suisses, Soldats espagnols, etc.

Milan, 1590

__________

ACTE PREMIER

PREMIER TABLEAU

Les jardins de l'hôtel Manzoni. Mur de

clôture au fond. À droite, un pavillon.

SCÈNE PREMIÈRE

JULIA, DEUX VALETS, MENDIANTS et

MENDIANTES.

JULIA, distribuant des aumônes.

Oui, mes amis, le Comte Manzoni, qui donne

ce soir une grande fête, a voulu que les

malheureux y fussent aussi conviés, et c'est

moi qu'il a chargée de remplir ses généreuses

intentions... (À un vieillard). Votre femme est

tombée malade, bon Matteo?... (À une

femme). Pauvre Juana, ton fils n'est pas

encore guéri?... Tenez, tenez... Et maintenant

êtes-vous tous contents?

LES MENDIANTS

Oui, tous... Tous... Merci.

JULIA

Allons, au revoir... Adieu. (Les mendiants se

retirent, conduits par les Valets). A present je

vais achever ma toilette, donner un dernier

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coup d'œil a mon miroir... Ce n'est pourtant

pas que je veuille briller à cette fête... Oh!

Non! Il n'y sera pas, lui; mais enfin on est

bien aise de ne faire peur à personne... (Elle

se retourne et jette un cri de surprise en

apercevant un des mendiants qui est resté

dans le jardin et se tient immobile à quelques

pas d'elle). Ah!... Ce mendiant m'a effrayée!

Eh bien! Mon ami, vous n'avez pas suivi vos

compagnons?... N'êtes-vous pas satisfait des

largesses de monsieur le Comte?

LE MENDIANT

Au contraire, ma bonne demoiselle!... Plus

que tout autre, j'ai reçu des preuves de sa

générosité... Aussi je voudrais le voir, pour le

remercier, pour lui dire... Ne pourrais-je

parvenir jusqu'à lui?

JULIA

Comment vous nomme-t-on?

LE MENDIANT

Oh! Mon nom lui est inconnu... Il ne me l'a

pas demandé quand son aumône est tombée

dans ma main et dans celle de mes enfants.

JULIA

C'est qu'aujourd'hui...

LE MENDIANT

Je conçois votre hésitation... Monsieur le

Comte a le droit de se montrer défiant, n'est-

ce pas?... Il a des ennemis nombreux et

puissants... Sa vie, sa vie si précieuse, n'est

que trop souvent menacée... Et l'avant-

dernière nuit encore, sur le pont du Naviglio,

trois bravi l'ont attaqué...

JULIA, vivement.

Oui... Mais un inconnu l'a sauvé... C'est vous

peut-être?

LE MENDIANT

Non, non... Et pourtant le ciel m'est témoin

que je suis prêt à donner ma vie pour lui,

comme je l'aurais donnée, il y a dix-huit ans,

pour le seigneur Ottavio, votre père...

JULIA

Mon père!... Ô ciel! Vous l'auriez connu?

LE MENDIANT

Oui, ma belle demoiselle.

JULIA

Vous êtes plus heureux que moi... Quand il

est mort je n'avais pas encore vu le jour...

LE MENDIANT

Ne pleurez pas... Si je vous ai rappelé ce

souvenir, c'est pour vous rassurer sur mes

intentions, pour que vous puissiez dire à votre

oncle...

JULIA

Il vient de ce côté avec maître Jean

Simonetta.

LE MENDIANT

Vous me permettez de l'attendre?

JULIA

Quand je vous le défendrais... Il n'est plus

possible de l'éviter...

Le mendiant se retire à quelques pas.

************************************

SCÈNE II

SIMONETTA, LE COMTE, JULIA, LE

MENDIANT.

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LE COMTE

Eh bien! Tu t'es acquittée de ta mission, mon

bel ange de charité?

Il l'embrasse.

JULIA

Oui, mon oncle, oui...

SIMONETTA

La noble nièce du Comte Manzoni daignerat-

elle agréer les hommages du plus humble de

ses serviteurs et de ses fournisseurs?...

JULIA

Mon oncle, il y a là un de ces mendiants qui

voudrait vous parler.

LE COMTE

Ce soir?... Il choisit mal son heure (Au

mendiant). Revenez plus tard, demain...

LE MENDIANT, se découvrant.

C'est qu'il s'agit de choses qui pressent...

LE COMTE, tressaillant.

Grand Dieu!

JULIA

Qu'est-ce donc?

LE COMTE

Rien... Rien...

LE MENDIANT, tendant la main à

Simonetta.

Maître Simonetta...

SIMONETTA

Hein? (Après l'avoir regardé) Ah!..

LE MENDIANT

La charité, s'il vous plaît?

LE COMTE

Julia, laisse-nous, mon enfant...

JULIA, en sortant.

C'est étrange!

************************************

SCÈNE III

LE COMTE, SIMONETTA, POLICASTRO.

LE COMTE

C'est toi, Policastro?...

POLICASTRO

Oui, monsieur le Comte, moi-même, et

toujours le même... Vous êtes étonne de me

revoir... Il y a bien de quoi... Rentrer à Milan,

malgré l'arrêt de proscription qui a donné une

valeur de mille ducats à ma tête!... Je

l'apporte à ceux qui en ont envie, et je

recevrai bien les chalands!

LE COMTE

Malheureux! Je sollicitais activement ta

grâce, et j'étais peut-être à la veille de

l'obtenir... Faut-il que ton imprudence...

POLICASTRO

Ah!... Mon retour pressait... Et tout-à-l'heure

je vous dirai pourquoi... Permettez d'abord

que je me félicite de l'heureux hasard qui, dès

mon arrivée, nous réunit tous trois dans un

lieu sûr... Nous n'avons qu'à nous entendre, et

les choses vont bien aller!

SIMONETTA

Policastro, prenez garde à ce que vous dites...

Vous êtes comme l'oiseau sur la branche, qui

ne tient à rien et qui n'a peur de rien, parce

que d'un coup d'aile il peut se mettre hors de

danger... Mais nous autres...

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POLICASTRO

Vous autres?... Ah ça! Maître Simonetta, ne

vous ai-je pas oui dire vingt fois que les

espagnols avaient anéanti vos priviléges et

ruiné votre commerce?... Leur gouvernement

est-il devenu meilleur depuis que vous avez

fait fortune, et faut-il cesser de compter sur

vous?

SIMONETTA

Je ne dis pas cela, mais...

POLICASTRO

Et vous, monsieur le Comte, j'augure mal de

votre silence... Pour vous aussi la destinée a

changé... A son heure suprême, le Marquis de

Leganez, retrouvant un reste de tendresse

pour sa fille, obtint du roi d'Espagne que vous

fussiez rappelé à Milan, qu'on vous rendit

votre rang, votre héritage... Tardive

restitution! Mais elle serait encore venue trop

tôt si à ce prix nos tyrans vous avaient gagné

à leur cause, si vous aviez oublié le sang d'un

frère qui demande toujours vengeance, si

enfin la patrie vous semblait libre, parce que

vous vous trouvez heureux!

LE COMTE

Heureux!... Puis-je l'être après la perte que j'ai

faite... Quand je vois mon nom destiné à périr

avec moi?... Va, tu ne comprends pas plus

mes opinions que tu ne connais mes

sentiments.

POLICASTRO

Je vous demande bien pardon: vos opinions

sont excellents, mais la Comtesse est

espagnole, et ne prend pas le même intérêt

que nous à l'affranchissement de la

Lombardie.

LE COMTE

Policastro, pas un mot contre elle... Je lui dois

le peu de bonheur que j'aie goûté sur la terre...

Si tu veux que nous restions amis, commence

par la respecter... (S'asseyant sur un banc).

Quant aux raisons qui dictent ma conduite,

juge-les mieux... Des séditions continuelles,

toutes étouffées dès leur naissance, épuisent

de sang généreux les veines de la patrie...

Depuis cinq ans, depuis ton départ, Milan est

à peu près calme; ne le replonge pas dans une

agitation stérile... Les espagnols n'attendent

qu'un prétexte pour reveler les échaufauds!

POLICASTRO

Vous renoncez donc à venger votre frère?

LE COMTE

Non; mais je fais passer l'intérêt de mes

concitoyens avant mes baines personelles...

Et j'attends une occasion favorable... Dieu est

juste: elle doit se présenter!

SIMONETTA

Je suis de l'avis de monsieur le Comte: nous

attendons une occasion favorable, et je suis

prêt à exposer ma vie...

POLICASTRO

Oui... En est-il ansi?

SIMONETTA, à part.

Quand on pourra le faire sans danger...

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239

POLICASTRO

Alors réjouissons-nous... La nouvelle que

j'apporte aura sur vos esprits une influence

décisive... Jamais plus belle occasion ne

s'offrira!

SIMONETTA

Comment?

LE COMTE

Que veux-tu dire?

POLICASTRO

Il y a trois jours j'étais encore à Marseille, où

j'ai appris, par une estafette expediée à la cour

de France, que le démon du midi, le tyran

invisible qui du fond de l'Escurial

appesantissait son bras sur tant de peuples, le

digne maître enfin de notre infâme

Gouverneur...

LE COMTE

Philippe-Deux... Eh bien?

POLICASTRO

Il vient de mourir subitement, emporté par un

accès de goutte.

LE COMTE

Mort!... Il est mort! Mais es-tu bien sûr?

POLICASTRO

Oh! La nouvelle est certaine... Et j'ai fait tant

de diligence pour venir vous l'annoncer, que

le Gouverneur doit l'ignorer encore...

LE COMTE

Oui, oui, sans aucun doute il l'ignore; car il

doit assister à cette fête que je donne suyant

son désir, et dans l'espoir d'obtenir de lui la

liberté de quelques malheureux...

POLICASTRO

En tout cas, d'ici à vingt-quatre heures il

recevra probablement des nouvelles

d'Espagne... Profitons du trouble où elles le

jetteront... Le nouveau Roi catholique est un

Prince sans résolution et depuis longtemps

amolli par les plaisirs... Hâtons-nous donc!

Reculer aujourd'hui ce serait un crime!

LE COMTE

Tu dis vrai, Policastro... Et cette fois je

n'hésite plus... (Lui tendant la main). Oui,

oui... Je te le promets, nous agirons de

concert!... Mais j'entends le bruit des

premières voitures que arrivent... Et bientôt

les invités se répandront dans le jardin...

Maître Simonetta, conduisez notre ami chez

moi... Et faites-lui quitter ces habits de la

misère... Prenez par ce pavillon... Allez!

Allez! Je vous le confie!

SIMONETTA, à part.

Jolie commission! (Haut). Mon cher

Policastro...

POLICASTRO, au Comte.

Quand vous reverrai-je?

LE COMTE

Bientôt, bientôt... Hâtez-vous!

POLICASTRO

Adieu, Comte Manzoni! Noble cœur, j'avais

compté sur vous!

LE COMTE

Voici la Comtesse; va... Va...

Policastro et Simonetta entrent dans le

pavillon.

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240

************************************

SCÈNE IV

LE COMTE, LA COMTESSE, JULIA.

LA COMTESSE

Je vous cherchais, mon ami... Mais je

m'étonne de vous trouver seul... Julia m'avait

parlé d'un mendiant...

LE COMTE

Je viens de le congédier à l'instant même.

LA COMTESSE

Et que voulait cet homme, qui semblait si

impatient de vous voir?

LE COMTE

Il va chercher fortune en France, où, vous le

savez, l'exil nous a fait des amis, et il désirait

avoir quelques recommandations, que je lui ai

promises... Voilà tout.

LA COMTESSE

Bien vrai?

LE COMTE

Vous dotez de ma bonne foi?

LA COMTESSE

Je doute de votre prudence.

LE COMTE

Quoi! Toujours alarmée!

LA COMTESSE

Il vous serait facile pourtant de me rassurer.

LE COMTE

Que faut-il faire pour cela?

LA COMTESSE

Proporser à votre nièce le mariage dont je

vous ai parlé.

LE COMTE

Que ne lui en parlez-vous vous-même?

LA COMTESSE

Vous avez plus d'autorité que moi sur son

esprit.

LE COMTE

Marier la fille d'Ottavio Manzoni à un parent

du Gouverneur! Mais vous le voulez...

JULIA, qui vient de cueillir un bouquet.

Ma tante, il manque un bouquet à votre

toilette...

LA COMTESSE

Merci.

LE COMTE

Reste... Nous parlons de toi.

JULIA

Et vous en dites bien du mal?

LE COMTE

As-tu déjà pensé à te marier?

JULIA

Quelquefois.

LE COMTE

Eh bien! S'il se présentait pour t'épouser un

cavalier noble, jeune et riche... Comme le

seigneur Don Garcias, le parent du

Gouverneur...

JULIA, à part.

Ciel!

LE COMTE

Que dirais-tu?

JULIA

Me parlez-vous sérieusement?

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LE COMTE

Sans doute.

JULIA

Eh bien! Mon oncle, je vous dirais que les

espagnols ont tué mon père et fait mourir ma

mère de chagrin... Don Garcias est espagnol...

Je n'ai pas d'autre réponse à vous faire...

LE COMTE, à part.

Elle refuse... Je l'avais prévu.

LA COMTESSE

Julia...

JULIA

Ô ma tante! Pardon! Ce que je dis de vos

compatriotes ne peut vous atteindre... Vous

êtes si bonne, et d'ailleurs vous êtes

maintenant de la patrie de votre mari...

LA COMTESSE

Julia, qui donc remènera la paix sur la terre, si

les femmes aussi parlent de haîr et de se

venger?... Le mariage qu'on te propose

cicatriserait peut-être des blessures bien

douloureuses... Peut-être le ciel t'avait-il

désignée pour être l'ange de réconciliation

entre nos deux pays... Je ne veux pas croire

que ton refus soit définitif, j'en éprouverais

trop de peine...

LE COMTE

Allons, allons, ne la grondez pas... Je vois que

nos salons se remplissent, et notre absence

deviendrait une impolitesse... Venez, Thécla;

nous reparlerons de cela.

JULIA

Je finis mon bouquet, et je vous rejoins...

LA COMTESSE

Oubli et pardon, voilà le devoir des femmes!

Elle embrasse Julia au front, et sort avec le

Comte.

************************************

SCÈNE V

JULIA, puis FABIO.

JULIA

Pauvre tante! Oh! Cela me coûte d'avoir un

secret pour elle... Car je ne leur ai dit qu'une

des raisons de mon refus... Mais comment

avouer l'autre?... Ce jeune homme, que je ne

puis me déféndre d'aimer, je le connais à

peine... Il n'y a pas huit jours que je l'ai vu

pour la première fois à l'église de Santa-

Maria, où Fiametta seule m'accompagne...

(Entre Fabio masqué). Mais il a des manières

si nobles et si franches, un air si confiant et si

brave, qu'assurément ce ne peut être qu'un

gentilhomme... (Apercevant Fabio). Ah!

FABIO, se démasquant.

Ne vous effrayez pas, chère Julia!

JULIA, à part.

C'est lui!

FABIO

Combien je bénis le hasard qui m'a amené

dans cette partie du jardin!

JULIA

Vous ici, monsieur! Vous êtes invité?

FABIO

Du tout... Je suis entré sur ma bonne mine.

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JULIA

Comment! Vous n'êtes pas invité, et vous me

le dites si tranquillement!... Mais vous ne

comprenez donc pas toute la témérité de votre

conduite?

FABIO

Si fait; mais pour rien au monde je n'aurais

voulu manquer une si belle occasion de vous

voir et de vous parler... Oh! Vous ne me

connaissez pas!

JULIA

C'est très vai. Jusqu'à present rien ne m'avait

donné le droit de vous demander votre nom...

Mais maintenant...

FABIO

Vous exigez que je vous le dise?... Allons, il

fallait bien en venir là.

JULIA

Autrement je serais forcée de me retirer...

FABIO

Demeurez... La question que vous m'adressez

me semble toute naturelle, et je me hâte d'y

répondre... Je m'appelle Fabio.

JULIA

Fabio...?

FABIO

Trouvez-vous que ce soit un joli nom?

JULIA

Mais ce qu'il m'importe de connaître, c'est le

nom de votre famille...

FABIO

Sur cet article-là il m'est absolument

impossible de satisfaire votre curiosité.

JULIA

Comment?

FABIO

Mon Dieu, oui! Je sens là que je suis né

gentilhomme, et on me l'a dit bien des fois...

Mais je ne connais ni mom père ni ma mère...

Fabio... Tout court... C'est comme cela que

j'ai l'habitude de signer.

JULIA

Cependant, monsieur, vous devez occuper

une position quelconque dans le monde...

FABIO

Assurément!... Je suis novice du couvent des

Dominicains...

JULIA

Ah! Que me dites-vous!

FABIO

Vous faites un appel à ma franchise: ne me

blâmez pas de vous dire la vérité.

JULIA

Ainsi, monsieur, vous habitez un couvent?

FABIO

Cela vous étonne?... Et moi donc!... On

voudrait me faire moine, mais depuis que j'ai

vingt ans je me reconnais tous les jours un

peu moins de goût pour le cloître... Et depuis

que je vous aime, je me donnerais au diable

plutôt que de...

JULIA

Monsieur...

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FABIO

Pardon... Je ne répugne qu'aux vœux

monastiques... Quant à mon salut, je le ferais

beaucoup mieux avec vous!..

JULIA

La règle de votre couvent n'est donc pas bien

sévère?

FABIO

Impitoyable! Mais un de mes amis,

longtemps novice comme moi, et que la mort

d'un frère ainé a rappelé dans le monde, me

prête ces habits et l'argent... Moyennant quoi

je lui promets de me conduire avec discrétion,

avec prudence.. Et je lui tiens parole!

JULIA

Il y paraît!

FABIO

L'argent me sert à acheter Gregorio, le portier

du couvent... Les habits, vous les voyez... Je

les porte avec plus de plaisir que ma robe de

bure... Quand la nuit tombe, je m'échappe du

monastère pour courir la ville et respirer un

instant l'air de la liberté!... C'est ainsi que je

vous ai connue, chère Julia... Ce soir, ne vous

voyant pas à l'église, je me suis dirigé vers cet

hôtel, j'ai appris que votre oncle donnait un

bal... Et qu'elle soit mille et mille fois bénie

l'idée que j'ai eue de m'y présenter!...

JULIA

Assurément il y a bien des choses à reprendre

dans les aveux que vous me faites; mais votre

sort m'intéresse, je ne puis le cacher... Avez-

vous quelque espoir de retrouver vos parents?

FABIO

Je ne sais... On me dit qu'une raison puissante

les force à cacher mon existence... Que de

mon éloignement dépend le repos d'une

mère... Pauvre mère! Comme elle doit

souffrir!

JULIA

D'où le savez-vous?

FABIO

Par ma nourrice, une brave femme que j'aime,

que je respecte... Car pour moi, bien que j'aie

passé, dit-on, mes premières anées près de

mes parents, je ne me rappelle rien...

Absolument rien!... Cette bonne nourrice

vient me voir toutes les semaines...

Quelquefois elle m'apporte une lettre de ma

mère, qui m'exhorte à la résignation... Et je

me résigne, comme vous le voyez.

JULIA

Et vous ne prévoyez pas quand votre position

changera?

FABIO

Hélas, non!

JULIA

Quel malheur!... On demande ma main...

FABIO

Est-il possible?

JULIA

Et bientôt sans doute je serai forcée de me

prononcer... Comment voulez-vous que je

dise... Qu'un autre choix peut-être...

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FABIO

Au fait, c'est vrai! Novice dans un couvent de

Dominicains, ce n'est pas un parti qu'on

puisse avouer... Ma situation n'est pas

tenable... Il faut que j'en sorte! Demain matin

je dois voir ma nourrice; je la forcerai bien à

s'expliquer... Et pour que je vous fasse part de

sa réponse, promettez-moi que demain soir

vous viendrez m'attendre ici...

JULIA

Y pensez-vous?

FABIO

Sans aucun doute... Et je cherche déjà les

moyens de m'introduire... Ah! Ce mur donne

sur la promenade, je l'escaladerai

facilement!... Oh! Vous viendrez, n'est-ce

pas? Ce rendez-vous c'est dans votre intérêt

que je vous le demande; il importe à votre

honneur, à votre tranquillité, que vous sachiez

au plus vite si l'homme que vous préférez est

vraiment digne de vous... Ne me refusez pas...

C'est à genoux que je vous en prie!

Don Garcias paraît.

JULIA

Au nom du ciel! Monsieur, relevez-vous! Si

quelqu'un... (Elle aperçoit Don Garcias).

Ah!...

Elle sort en courant.

************************************

SCÈNE VI

DON GARCIAS, FABIO.

DON GARCIAS

A merveille!

FABIO, à part, remettant son masque.

Peste soit de l'importun!

DON GARCIAS

Restez donc, ne vous dérangez pas... Vous

avez tout-à-fait bon air dans cette posture!

FABIO

Il raille, je crois! Monsieur, votre arrivée a été

inopportune, et votre observation est

inconvenante; vous auriez mieux fait de

passer votre chemin et de vous taire.

DON GARCIAS

Les allées de ce jardin sont ouvertes à tout le

monde.

FABIO

Il est vrai! Mais un chevalier courtois se

serait éloigné plutôt que de forcer une femme

à rougir!

DON GARCIAS

J'avais intérêt à m'assurer quelle était cette

jeune fille.

FABIO

Et quels droits croyez-vous donc avoir sur

elle?

DON GARCIAS

Qui êtes-vous pour me le demander?

FABIO

Qui je suis?... C'est une question sur laquelle

il me plaît de garder le silence, et que je me

dispenserai de vous adresser; car à votre

arrogance, je devine que vous êtes espagnol!

DON GARCIAS

N'oubliez pas que les espagnols sont vos

maîtres!

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FABIO

Nos maîtres? C'est ce qu'il s'agit de prouver.

DON GARCIAS

Une dernière fois, ton nom, ou j'arrache ton

masque...

FABIO

Je te défie de savoir l'un et de toucher l'autre!

DON GARCIAS

En garde donc!

FABIO

M'y voici.

LA COMTESSE, qui a paru depuis quelques

instants.

Grand Dieu! Cette voix... (Appelant). Au

secours! Au secours!

DON GARCIAS

Téméraire!

FABIO, ferraillant.

Diable! Du scandale! Où me suis-je engagé?

On accourt de tous côtés. La Comtesse se

masque.

************************************

SCÈNE VII

LES MÊMES, LE COMTE, JULIA,

INVITÉS, puis POLICASTRO,

SIMONETTA.

LE COMTE

Quel est ce bruit? Des épées! Un duel!

FABIO, à part.

C'est là le Comte Manzoni?

JULIA, à part.

Qu'a-t-il fait?

LE COMTE

Quoi! Vous, seigneur Don Garcias?

DON GARCIAS

Moi-même, cher Comte, qui m'apprêtais à

châtier un insolent...

LE COMTE

On a osé...

DON GARCIAS

Dont vous me direz sans doute le nom, car il

a refusé de me l'apprendre...

FABIO, à part.

Qu'il te le dise, je ne demande pas mieux.

LE COMTE, examinant Fabio.

Je ne puis deviner...

DON GARCIAS

Invitez-le donc à se démasquer sur-le-champ,

car cette persistance à rester inconnu

commence à me devenir suspecte, et ce

personnage mystérieux pourrait bien être

quelque affidé de cet incorrigible fauteur de

troubles, le fameux Policastro, dont on a

signalé le retour au Gouverneur...

POLICASTRO, richement vêtu, paraissant à

la porte du pavillon.

Déjà!

LA COMTESSE, à part.

Dieu! Policastro est à Milan!

LE COMTE, s'approchant de Fabio.

Monsieur, dans toute autre occasion j'aurais

respecté votre incognito, mais vous voyez

quels soupçons votre conduite fait naître...

Qui êtes-vous?

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FABIO, à part.

Lui aussi.. Et de trois! (Prenant le Comte à

l'écart). Avan-hier au soir, dans un péril

extrême, vous avez été défendu par un

homme qui, lui non plus, n'a pas voulu se

faire connaître, et auquel vous avez donné cet

anneau...

LE COMTE

Ah!...

FABIO

Il désire que son nom reste encore un secret...

(À part). Et pour cause!

LE COMTE, à Don Garcias.

Seigneur Comte, je réponds de ce jeune

homme... Veuillez accepter ma caution sans

le contraindre à se nommer.

DON GARCIAS

Par amitié pour vous j'y consens.

JULIA, à part.

Ah! Sauvé!

LA COMTESSE, de même.

Qu'a-t-il pu lui dire?

FABIO, s'éloignant.

Allons, retournons au couvent! Mais

j'éclaircirai mes soupçons, orgueilleux

espagnol, et je te retrouverai!

Il sort.

LA COMTESSE, à son mari.

Policastro est à Milan... C'était ce mendiant

n'est-ce pas?

LE COMTE

Non, madame...

LA COMTESSE, apercevant Policastro près

d'elle.

Ah! Tenez!...

POLICASTRO, la saluant.

Madame...

LE COMTE

Au bal! Messieurs, au bal!

LA COMTESSE, seule, sur le devant du

théâtre.

Une conspiration nouvelle... Et il était ici...

Oh! Je verrai demain le Prieur.

************************************

DEUXIÈME TABLEAU

L'intérieur du couvent des Dominicains.

SCÈNE PREMIÈRE

FABIO, puis GREGORIO.

On entend un cloche qui sonne. Les moines

traversent le théâtre. Fabio, qui se trouve le

dernier, reste seul en scéne.

FABIO

Plus personne? Bon!... Pourvu que mon

homme ne soit pas occupé avec le frère

cellerier à goûter le vin du couvent! (Allant

frapper à la porte d'une cellule). Gregorio!

Gregorio!...

GREGORIO, paraissant.

Qui m'appelle?... Ah! C'est vous, Don Fabio?

FABIO

Eh! Pardieu, oui, c'est moi.

GREGORIO

Seigneur! Quel langage!

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FABIO

Allons, voyons, ne t'effarouche pas, et tâche

de m'écouter attentivement... Es-tu à jeun?

GREGORIO

Cette question! Encore quelque gros péché

que vous allez me faire commettre... Je serai

damné à cause de vous, c'est sûr!

FABIO

Bah! C'est déjà fait depuis longtemps...

Retiens donc bien ce que je vais te dire.

GREGORIO

Ainsi soit-il! Mais je ne m'engage à rien...

FABIO

Tu vas aller à l'église de Santa-Maria...

GREGORIO, étonné.

Comment! À l'église?

FABIO

Oui... Près du troisième confessional, à droite,

tu trouveras une vieille qui se tient

habituellement à cette place... Elle a nom

Inès... Une mantille noire... Un air qui

t'edifiera..

GREGORIO

C'est donc une sainte?

FABIO

Pas précisément... Tu lui remettras cette

lettre, avec ce ducat...

GREGORIO

Le tout pour elle?

FABIO

Eh non! L'argent seulement... Après quoi tu la

prieras de se rendre à l'hôtel du Comte

Manzoni, dont tu dois avoir entendu parler...

GREGORIO

Sans doute.. Mais...

FABIO

Laisse-moi finir... Elle demandera la suivante

Fiametta, qui fera parvenir la lettre à sa

destination et lui donnera probablement une

réponse, que tu m'apporteras en toute hâte.

GREGORIO

Ta, ta, ta, ta... Gardez, gardez votre lettre... Je

vois ce que c'est; je ne veux pas me charger

d'une pareille commission.

FABIO

Quoi! Tu refuses?

GREGORIO

Net!

FABIO

Je ne vois pourtant pas le motif...

GREGORIO

Ah ça! Mais, jeune homme, pour qui me

prenez-vous? Et la morale donc!... Savez-

vous bien que si jamais le Prieur...

FABIO

Eh! Par qui veux-tu qu'il soit instruit?

GREGORIO

D'accord; mais mon caractère...

FABIO, lui mettant une bourse dans la main.

Ne fais donc pas tant le scrupuleux avec moi,

que diable!

GREGORIO

Ah! Sainte vierge, ne jurez pas comme cela!...

FABIO

Allons, tu accepts, n'est-ce pas?

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GREGORIO, soupesant la bourse.

Il faut bien en finir... Mais c'est égal, vous me

faites jouer là un rôle...

FABIO

Si tu préfères me laisser sortir...

GREGORIO

En plein jour? Eh bien, par exemple, il ne

manquerait plus que cela!... Voyons, vite,

donnez-moi votre billet... J'aperçois le

Prieur...

FABIO, remettant la lettre.

Bonté divine! Encore un sermon... Je me

sauve... (En s'éloignant). Rappelle-toi bien...

Vieille du confessional... La suivante... Et fais

en sorte d'être ici dans une heure!

GREGORIO

Oui, oui... Allez! Allez!

Fabio rentre au couvent.

************************************

SCÈNE II

GREGORIO, LE PRIEUR.

LE PRIEUR, à Gregorio, qui s'est dirigé vers

sa cellule.

Gregorio, demeurez un instant... J'ai à vous

parler.

GREGORIO, prenant un air d'onction.

Je vous écoute, mon père.

LE PRIEUR

Nous avons dans ce couvent beaucoup de

jeunes moines dont l'imagination peut être

séduite encore par les choses du monde... Il

importe donc, pour que notre maison ne

devienne pas un lieu de scandale, de faire la

plus grande vigilance... Et dans les fonctions

que vous occupez surtout...

GREGORIO, l'interrompant.

Oh! Quant à ce qui me concerne, n'ayez

aucune crainte, mon père: je connais les

devoirs de ma charge...

LE PRIEUR

Cependant j'allais vous dire qu'un novice était

sorti clandestinement hier au soir...

GREGORIO, à part.

Aie!

LE PRIEUR

Et si j'en crois les rapports qui m'ont été faits,

la chose aurait eu lieu déjà plusieurs fois...

GREGORIO, feignant de se méprendre.

Avec des murs de vingt-cinq pieds de haut?...

Je crains fort, mon père, qu'on ne vous ait

induit en erreur...

LE PRIEUR

On ne m'a pas trompé, Gregorio... Vous le

savez mieux que personne, car la porte a été

ouverte par vous-même à celui dont je veux

parler...

GREGORIO, troublé.

Par moi?

LE PRIEUR

Et celui-là, c'est Fabio!

GREGORIO, à part.

Je me suis enferré!... (Au Prieur). Ah! Don

Fabio?... Ah! Oui, mon père, oui, oui, en

effet... Je l'ai laissé sortir... Je ne me rapelle

plus trop quelle raison il m'a donnée... Mais

elle m'a paru si concluante, et son éloquence

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était si persuasive, que, sachant d'ailleurs

combien vous êtes bon pour lui, je me suis

laissé entraîner... Moi qui me croyais

inébranlable, c'est vrai, j'ai fléchi...

LE PRIEUR, sévèrement.

Et vous avez eu tort, grand tort!... Si vous

saviez quel intérêt immense repose sur la tête

de ce jeune homme...

GREGORIO

Ah! Pardonnez, mon père; j'ignorais...

On entend un coup de cloche.

LE PRIEUR

Voyez au guichet quelle visite nous arrive...

(À lui-même, pendant la sortie de Gregorio).

Je ne veux pourtant pas ébruiter cette

affaire... Du reste, je crois en avoir dit assez

pour qu'à l'avenir... (À Gregorio, qui

reparait). Eh bien?

GREGORIO

Une femme...

LE PRIEUR

Je sais qui... Faites entrer.

GREGORIO, à part.

Tiens, tiens, tiens...

LE PRIEUR, le rappelant.

Ah! Gregorio... Je veux bien ne pas sévir

contre vous pour cette fois... Mais vous

m'assurez que désormais...

GREGORIO

Il ne sortira plus... Non, non... Je vous en fais

le serment, mon père!

LE PRIEUR

Bien... Allez ouvrir.

GREGORIO, à part.

Quant à la lettre, c'est différent... D'ailleurs

j'ai promis, et un honnête homme n'a que sa

parole...

Il sort.

LE PRIEUR, seul.

Pauvre femme! Cachons-lui surtout les

imprudences de Fabio, et qu'elle ne se doute

jamais...

La Comtesse entre précipitamment.

************************************

SCÈNE III

LE PRIEUR, LA COMTESSE, três

simplement vêtue.

LE PRIEUR

Mon Dieu! Madame, quelle agitation! Qu'y a-

t-il?

LA COMTESSE

Vous me le demandez!... Où est Fabio? Hier,

et bien d'autres fois sans doute, il s'est

échappé de ce couvent... Ne me dites pas le

contraire, je l'ai vu... Est-il rentré?

LE PRIEUR

Oui, madame...

LA COMTESSE

Ah! Dieu soit loué! Mais que va-t-il faire

dans le monde? S'il allait m'y rencontrer!

Mon père, est-ce là ce que vous m'aviez

promis?... Hélas! Rappelez-vous dans quelles

circonstances je vous l'ai confié... Sur le

cadavre sanglant d'un frère, mon mari venait

de le vouer, lui, pauvre ange timide, à une

mission de haine et de vengeance, et

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j'entendais encore retentir ces terribles paroles

que mon père m'avait jetées pour adieu: "Ton

fils périra dans une mêlée populaire ou sur

quelque infâme échafaud!..." Cette prédiction,

je jurai, moi, qu'elle ne s'accomplirait pas, et

votre amitié répéta ce serment... L'avez-vous

sitôt oublié?... Est-ce en vain que je me suis

séparée de mon fils, que j'ai feint cet

enlèvement dont j'osai accuser mon père?...

Car, vous le savez, j'eus le courage de le

calomnier, de verser des larmes fausses...

J'étais mère: j'aurais menti à Dieu!... Du

moins, en partant pour l'exil, je ne craignais

plus pour mon Fernand... Auprés de vous, et

sous ce nom de Fabio, il devait grandir dans

l'amour de l'étude et des vertus calmes...

Enfin, grâce à cette éducation religieuse,

j'espérais pouvoir sans danger rendre plus

tard un fils à son père... Illusion dont je me

berçais!... Notre exil a fini; mais les haines

survivent, et mon enfant, mon enfant! Ce

trésor que je cachais comme l'avare cache le

sien, le voici tout près de m'échapper...

Quelques jours auront détruit dix-huit années

d'efforts!... Voyez si mon désespoir est juste!

Depuis hier les larmes m'étouffent... Libre

enfin, je les répands devant vous, en y mêlant

mes reproches.... Mon père, qu'est devenu

notre ouvrage? Qu'avez-vous fait de mon

enfant?

LE PRIEUR

De grâce, calmez-vous, madame! Hier au

soir, en effet, par la complaisance coupable

de Gregorio, Don Fabio est sorti de cette

maison, et vous m'en voyez désolé! Mais son

absence a été courte, et je crois assez le

connaître pour pouvoir assurer que cette

démarche, imprudente en elle-même, n'a rien

qui doive vous alarmer.

LA COMTESSE

Mon père, nos discordes civiles, un moment

apaisées, sont prés de renaître plus

furieuses.... Le Gouverneur a reçu ce matin la

nouvelle de la mort du Roi Don Philippe, et

Policastro est à Milan!

LE PRIEUR

Il se pourrait?

LA COMTESSE

Oui... La révolte est dans l'air!... N'attendons

pas qu'elle éclate, je sens là que mon fils y

périrait...

LE PRIEUR

Craignez-vous donc qu'il n'y participe?

LA COMTESSE

Mon père, on peut vous parler sans crainte...

Je l'ai rencontré dans une maison qui est le

rendez-vous des conspirateurs, et au moment

où il allait se battre en duel avec un espagnol!

LE PRIEUR

Lui? Don Fabio?

LA COMTESSE

C'est le sang des Manzoni qui se réveille!

LE PRIEUR

Il faut que je l'interroge à l'instant... Ce que

vous m'apprenez bouleverse tellement toutes

mes idées, toutes mes espérances!... Ne me

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détournez pas de mon projet, madame; il fera

cesser l'erreur de l'un ou de l'autre, car vous

allez vous cacher dans cette cellule, d'où vous

pourrez tout écouter...

LA COMTESSE

J'y consens...

LE PRIEUR

Je vais le faire prévenir.

LA COMTESSE, sur le devant du théâtre.

Ah! Quel que soit le résultat de cet entretien,

mon parti est arrêté, mes précautions sont

prises... C'est une nécessité cruelle, mais il

faut encore la subir!

LE PRIEUR

Le voici, madame... J'espère que vos

inquiétudes vont cesser...

LA COMTESSE, entrant dans la cellule.

Que Dieu vous entende!

************************************

SCÈNE IV

LE PRIEUR, FABIO.

FABIO

On me fait demander? Ma nourrice sans

doute... Le Prieur! Je croyais l'avoir échappé!

LE PRIEUR

Approchez, mon fils.

FABIO, à part.

Quelle émotion! Serait-il instruit?...

LE PRIEUR

J'ai à vous entretenir de vos intérêts.

FABIO, de même.

Plus de doute!

LE PRIEUR

Depuis quelques jours, Don Fabio, vous êtes

entré dans votre vingt et unième année...

Bientôt votre noviciat finira... À quel état

vous croyez-vous appelé? Il est temps de

prendre un parti.

FABIO

Mais c'est ce qu'il me semblait aussi, mon

père... Oui, je crois qu'il est temps de prendre

un parti, que je sache à quoi m'en tenir... Et

puisqu'il s'agit de me prononcer, je

commence par vous déclarer que je n'ai aucun

goût pour le cloître...

LE PRIEUR

Ciel! Est-il possible?

FABIO

Oh! Aucun!

LE PRIEUR

Vous pensez donc être plus heureux dans le

monde?

FABIO

Je ne sais; mais je veux essayer.

LE PRIEUR

Tout homme creuse son sillon sur la terre... A

quels travaux voudriez-vous consacrer votre

existence?... Aux arts?

FABIO

Non. Il faut y exceller, et je ne suis pas assez

sot pour me croire du génie.

LE PRIEUR

Aux sciences?

FABIO

Oh! Elles m'endorment!

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LE PRIEUR

Je devine. Avant de faire un choix, vous

voudriez vous instruire par la comparaison, et

vous avez le goût des voyages...

FABIO

Du tout! Du tout! Au contraire, je tiens fort à

rester à Milan.

LE PRIEUR

Et pourquoi, mon fils?

FABIO, à part.

Ne poussons pas trop loin la franchise... Si je

lui parlais de mon amour, il serait capable de

se trouver mal!

LE PRIEUR

Vous ne répondez pas?

FABIO

Pourquoi je veux rester à Milan? Mais n'est-

ce pas ma patrie et celle de ma mère?... Ma

mère! Dans quelle autre ville puis-je espérer

de la retrouver?

LE PRIEUR

Mais enfin quelle est la carrière qui

répondrait à vos sympathies?

FABIO

Eh bien! Celle des armes!

LE PRIEUR

Qu'entends-je?... Et contre qui voudriez-vous

donc vous baître?

FABIO

Oh! Soyez tranquille, ce n'est pas contre

vous, mon père!

LE PRIEUR

Mais qui a pu vous donner ces idées?... Nous

n'avons pas la guerre... Tout es calme..

L'Italie entière sommeille...

FABIO

Et croyez-vous qu'elle ne puisse pas se

réveiller? Que notre Lombardie surtout se soit

résignée pour jamais à la domination

étrangère?... Oh! Non, non... Les espagnols

ont soulevé contre eux trop de haines, et moi

qui vous parle, j'en ai tenu un hier au soir...

LE PRIEUR

Comment! Que dites-vous?

FABIO, se reprenant.

Je dis qu'un jour viendra, et peut-être n'est-il

pas loin, où pour les rejeter au-delà de nos

frontières la patrie aura besoin de

défenseurs... Alors qu'on me donne une épée,

un drapeau, et en avant! Les espagnols

verront que du fond même des cloîtres il

s'élance contre eux des soldats!...

LE PRIEUR

Ah! Mon fils, quel langage! Est-ce ainsi que

vous payez mes soins? Songez-vous à quelles

angoisses votre mère serait livrée?...

La Comtesse sort de la cellule.

FABIO

Ma mère? Hélas! Croyez-vous qu'elle tienne

beaucoup à mon existence, et ne suis-je pas

déjà mort pour elle?

LE PRIEUR

Silence! Voici votre nourrice... Devant elle au

moins contenez-vous...

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253

************************************

SCÈNE V

LA COMTESSE, FABIO, LE PRIEUR.

FABIO, allant embrasser la Comtesse.

C'est toi, nourrice... Que je suis heureux de te

voir!... Mais comme tu viens tard

aujourd'hui!...

LA COMTESSE

C'est que j'ai de tristes nouvelles à vous

annoncer, mon Fabio, et que la douleur arrive

toujours trop tôt.

FABIO

Mon Dieu! Qu'est-ce donc?... Tu pleures...

Oh! Parle! Parle!

LA COMTESSE

Eh bien! Mon enfant, depuis hier votre mère

est dans la désolation...

FABIO

Ciel! Que dis-tu? Quel nouveau malheur?...

LA COMTESSE

Cette lettre vous apprendra tout...

FABIO

Donne, donne... (Il baise la lettre). Ô ma

mère!...

LA COMTESSE, bas, au Prieur.

Secondez-moi.

FABIO, lisant.

"Mon cher enfant, de graves dangers

menacent en ce moment tes jours et les

miens. Plus que jamais il faut redoubler de

prudence, te cacher aux yeux du monde et de

ceux qui veulent ta perte... Fabio, mon Fabio,

si tu m'aimes et si tu veux me revoir un jour,

demain matin, sans plus tarder, tu quitteras

Milan, l'Italie..." (S'interrompant). Quitter

Milan! Et Julia? Jamais! Jamais! (Reprenant).

"Tu partiras pour la France, où ma vie te

suivra... Le Prieur te donnera les moyens de

faire ce voyage. Adieu! Mon cœur se brise...

Songe que je meurs si demain matin tu n'es

pas parti!..." (Cessant de lire). Ô ma mère!

Ma mère! Quel sacrifice exigez-vous d'un fils

qui ne vous connaît même pas?... Nourrice, tu

sais ce que contient cette lettre?

LA COMTESSE

A peu près... Eh bien?

FABIO

Je partirai...

LA COMTESSE

Ô bonheur!

FABIO

Mais à une condition...

LA COMTESSE

Laquelle?

FABIO

Je suis las de ne rien comprendre au mystère

qui m'environne... Si on ne me révèle pas le

secret de ma naissance, je ne sortirai pas de

ce couvent!

LA COMTESSE

Fabio... Ah! Ce que vous exigez est

impossible!

FABIO

Impossible! Et pourquoi?... Qui peut

empêcher une mère de se révéler à son fils?

Que la mienne ait peur de tout le monde, je le

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comprends... Mais moi, qu'elle a porté dans

son sein, moi, qui l'aime avec idolâtrie, est-ce

que je suis capable de la trahir?... Oh! Tu ne

le penses pas, et si tu étais à sa place, nul

intérêt, si grave qu'on le suppose, n'aurait pu

t'empêcher, j'en suis sûr, d'aller dire à ton fils,

à lui seul: devant les hommes, je ne suis rien

pour toi; mais devant Dieu, je suis ta mère!

LA COMTESSE

Ah!.. Ce n'est pas de votre cœur qu'elle se

méfie... Elle craint votre courage et votre

jeunesse, et toutes les influences enfin de ce

sang qui coule dans vos veines et dont

l'éducation du cloître n'a pu modérer

l'ardeur... Vous dire le secret de votre

naissance! Et si cette révélation faisait fondre

sur vous les dangers qu'elle redoute, votre

mère pourrait-elle s'en consoler?...

FABIO

Mais quels sont ces dangers dont on me parle

toujours et que je ne soupçonne même pas?

On me sauve la vie, et on me la rend

insupportable... Cela peut-il durer ainsi? Ô

nourrice! Nourrice! Toi qui m'aimes

assurément plus qu'elle, prends pitié de moi!

Ce secret qu'elle refuse de m'apprendre, dis-

le-moi, dis-le-moi!... Son nom seulement, le

nom de ma mère! Et je te jure ma foi de

gentilhomme que je le garderai pour moi seul,

que personne au monde, pas même elle, ne

soupçonnera ton indiscrétion!

LA COMTESSE

Ah! Cessez, mon enfant! Que me demandez-

vous? Puis-je vous livrer un secret qui ne

m'appartient pas? Ce serait une action

honteuse, un crime, et vous n'abuserez pas de

votre empire sur moi pour me rendre si

coupable.

LE PRIEUR

Écoutez la voix de la raison, mon fils!

N'exigez pas l'explication d'un mystère dont

vous ne pouvez sonder la profondeur... Vous

nous aviez accoutumés à plus de résignation...

FABIO

Il est vrai, mon père; mais ma patience est à

bout. Vous ne avez pas ce que ce départ me

coûterait, et ma résolution est irrévocable.

LE PRIEUR

Malheureuse mère!

LA COMTESSE

La mienne aussi, Don Fabio... Et puisque rien

ne peut vous fléchir... Puisque vous êtes

insensible aux larmes de votre mère...

Puisque moi-même vous me repoussez...

Adieu, mais adieu pour toujours!...

FABIO

Qu'oses-tu dire?

LA COMTESSE

Je ne vous reverrai plus!...

FABIO, la retenant.

Ah! C'est trop! C'est trop! Je partirai!...

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LA COMTESSE

Merci, mon Dieu!... Ah! Fabio! Le sacrifice

que vous faites à votre mère adoucira bien ses

souffrances!

FABIO

Je veux lui en faire un dernier, nourrice... Je

ne te retiens plus... Va rassurer ma mère, va

lui dire que je me soumets à ses volontés...

LA COMTESSE, avec ravissement.

Bien!... Bien!... (Après l'avoir embrassé).

Adieu!... Non, au revoir!...

FABIO

Au revoir!

La Comtesse sort, reconduite par le Prieur.

************************************

SCÈNE VI

FABIO, seul, se promenant avec agitation.

Partir! Partir!... Et Julia, moi qui lui ai

promis... Que faire? Que lui dire?... Mais

quoi! Ce rendez-vous, peut-être ai-je tort d'y

compter... Peut-être aujourd'hui pas plus

qu'hier elle n'y consentira... Et pourtant, si ma

lettre lui parvient, il est une chose que lui fera

désirer de m'entendre... Oui, cette révélation

que je lui promets sur la tentative de l'autre

soir, ce doit être un moyen sûr... Il est vrai

qu'elle peut me renvoyer à son oncle ou à sa

tante... Oh! Non, non, je connais son cœur...

Elle craindra l'irritation du Comte, et voudra

sans doute épargner une douleur à la

Comtesse... Mais voyez un peu si ce Gregorio

reviendra!

************************************

SCÈNE VII

FABIO, GREGORIO.

GREGORIO, entrant un peu aviné.

Voilà! Voilà!

FABIO

Ah!... Bien! As-tu trouvé?

GREGORIO

La vieille? Oui, oui, tout de suite... Oh! La

digne femme!... Oh! La sainte femme!

FABIO

Bon, bon... Abrége, abrége...

GREGORIO

Elle s'est donc chargée du message, et moi je

suis allé l'attendre prés de la porte Neuve, à

l'auberge du grand Saint-Ambroise...

FABIO

À l'auberge? Pardieu! Cela se voit de reste...

GREGORIO

Je m'étais mis sous la protection de ce

bienheureux patron de Milan... D'autant plus

que j'éprouvais le besoin de m'étourdir un peu

sur la faute énorme...

FABIO, impatienté.

Eh! Je te ne demande pas tout cela... Arrive

au fait!

GREGORIO

Bref, au bout de trois quarts d'heure la vieille

est revenue... Oh! La digne femme! Oh! La

s...

FABIO

Encore? Mais allons donc! Allons donc!

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GREGORIO

Il parait qu'on n'était pas trop d'avis de vous

répondre... Cependant...

FABIO

Cependant... Tu as une lettre?

GREGORIO

Oui, grâce à la suivante...

FABIO

Voyons, donne! Donne!

GREGORIO

Vous lui devez un fameux cierge à la

suivante, à ce que m'a dit la vieille...

FABIO

Ma lettre! Ma lettre!

GREGORIO

Attendez un peu que je la cherche...

FABIO, à part.

Elle m'a écrit... Bonne Julia!

GREGORIO

C'est qu'il y a encombrement dans ma

poche... (En tirant divers objets). Tenez...

Mon livre d'heures... Mon chapelet... La clef

de la porte... Comme c'est léger! Portez donc

cela sur vous!

FABIO, riant.

Ma foi, j'ai là celle de ma chambre qui ne

pèse guère moins...

GREGORIO, lui donnant un papier.

Ah! Voici.

FABIO

Dieu soit loué! Je vais donc savoir enfin...

(Déployant le papier). Il y en a long! (Le

parcourant des yeux). Qu'est-ce que ce

griffonnage?... (Lisant). "Mémoire du

cabaretier..."

GREGORIO, se fouillant vivement.

Quoi! Serait-il possible? (Sortant un autre

papier de sa poche). Ah! Par exemple, c'est

pourtant vrai!

FABIO, prenant la lettre.

Allons, vite! Vite! (Après avoir lu). Elle

consent! Je l'avais bien jugée!... Ainsi je

pourrai lui faire mes adieux... Avant que de

partir, savoir le nom de mon rival!... Je vais la

voir, la voir une fois encore!

GREGORIO

Oui, prenez-y garde!

FABIO

Hein? Que dis-tu?

GREGORIO

Je dis: prenez-y garde!

FABIO

Eh bien! Qu'est-ce que cela signifie?

GREGORIO

Cela signifie qu'on m'a signifié de ne plus

vous laisser sortir...

FABIO

Comment! On sait donc...

GREGORIO

On sait tout!

FABIO

Qu'entends-je?

GREGORIO

Et j'ai reçu une belle semonce à cause de

vous, allez!

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257

FABIO

Quand? De qui? Parle! Explique-toi!

GREGORIO

Tantôt, du Prieur...

FABIO

Ah! Tout est perdu!

On entend sonner une cloche.

GREGORIO

Mais voici l'angélus... On va se rendre à la

chapelle... Je vous conterai cela plus tard...

FABIO

Fatal contretemps! Se voir emprisonner dans

un pareil moment... Ah! J'en mourrai de rage!

GREGORIO

Silence!

Les moines sortent du couvent. Le Prieur

arrive par le fond.

************************************

SCÈNE VIII

LES MÊMES, LE PRIEUR, MOINES.

LE PRIEUR, à part.

Encore emsemble! Allons, il n'y a plus à

hésiter... (Haut et s'avançant). Gregorio, vous

êtes dispénse désormais du soin de garder la

porte...

GREGORIO, à part.

Ciel de Dieu!

LE PRIEUR

Veuillez en remettre à l'instant la clef...

GREGORIO, de même.

O victime!

LE PRIEUR, se tournant vers un des moines.

Frère Antonio, votre zèle m'est connu... C'est

à vous que je la confie...

Pendant ces paroles du Prieur, Gregorio

fouille à sa poche et en laisse tomber la clef;

Fabio, qui se baisse pour la remasser,

l'échange, par un mouvement rapide, contre

une autre clef qu'il tire de sa robe et qu'il

donne à Gregorio.

GREGORIO, au Prieur.

La voici, mon père...

FABIO, à part.

Oui, celle de ma prison... Mais j'ai la clef des

champs!

************************************

ACTE DEUXIÈME

Une salle de l'hôtel Manzoni. Ameublement

dans le style de la renaissance. Grande porte

d'entrée au fond. À gauche, deux autres

portes: la première conduisant aux

appartements de la Comtesse; la seconde, à la

chambre de Julia. À droite, une fenêtre à

balcon. Sur le premier plan, du même côté,

une table avec une lampe allumée.

_________

SCÈNE PREMIÈRE

LA COMTESSE, JULIA, Femmes de la

Maison, puis LE COMTE.

JULIA, à genoux et lisant la Bible.

"La femme forte est la joie de son mari; elle

lui fera passer en paix toutes les années de sa

vie. Comme le soleil levant est l'ornement du

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monde, ainsi le visage d'une femme vertueuse

est l'ornement de sa maison."

LE COMTE, entrant.

Encore ici!

JULIA

Mon oncle!

LE COMTE

Pourquoi la veillée se prolonge-t-elle si tard?

JULIA

Demandez-le à ma tante... C'est elle qui l'a

voulu ainsi, et j'ai vainement insisté...

LE COMTE

Chère Comtesse, êtes-vous raisonnable?...

Allons, rentrez dans votre appartement; vous

devez avoir besoin de repos...

LA COMTESSE

Moi? Non, je vous assure...

LE COMTE

L'altération de votre visage donne un démenti

à vos paroles.

LA COMTESSE

Ah! Pour que le calme rentre dans mon âme,

le sommeil ne suffit pas!...

JULIA

Puis-je congédier vos femmes?

LA COMTESSE

Oui, oui...

LE COMTE

Va reposer, mon enfant, et que Dieu t'envoie

d'heureux songes!

LA COMTESSE

Puisse-t-il aussi t'éclairer sur tes intérêts, sur

ton devoir!... Réfléchis bien au mariage dont

je t'ai parlé, et demain tâche de m'apprendre...

JULIA

Je vous l'ai promis, demain je vous répondrai.

LE COMTE, à part.

Il sera trop tard, je l'espère!

JULIA, à part, en remontant la scène.

Minuit! Il est temps!

Elle sort.

LA COMTESSE, à son mari.

Vous ne me suivez pas?

LE COMTE

Dans un instant j'irai vous rejoindre...

LA COMTESSE

Vous attendez quelqu'un?... Policastro peut-

être!

LE COMTE, souriant.

Vous êtes folle!... N'ai-je pas à faire ma visite

de tous les soirs... À jeter dans la maison le

coup d'œil du maître?

LA COMTESSE

Ah! Je veux vous croire! Et d'ailleurs à quoi

serviraient mes remontrances?... Policastro

est ici, c'est tout dire. Vous ne m'écouterez

plus! À bientôt donc!

LE COMTE

À bientôt! (La Comtesse rentre dans sa

chambre). Libre enfin!... J'ai cru qu'elle ne

partirait pas!

Il sort précipitamment par la porte du fond,

qu'on l'entend fermer à double tour. Julia

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259

reparaît à la porte de sa chambre et s'avance

avec précaution.

************************************

SCÈNE II

JULIA, seule.

Plus personne... Ah! Je tremble!... Vous, qui

connaissez mes intentions, soutenez-moi,

mon Dieu!... Hâtons-nous de descendre, avant

que mon oncle soit revenu... (Elle va à la

porte du fond). Ciel! Cette porte est fermée!

Par quelle fatalité?... Soupçonnerait-on... Oh!

Mais non... Rien n'a pu me trahir. Que faire?

Que faire?... Et je suis bien sûre qu'il est déjà

arrivé... Qu'il m'attend!... Que va-t-il

penser?... Comment lui faire savoir... (Se

diregeant vers la fenêtre). Ah! Par là... S'il est

dans le jardin, je l'apercevrai sans doute...

Oui, oui... Le voilà, sous le balcon... C'est

bien lui... – Je suis enfermée dans cette salle...

Je ne puis vous voir maintenant... C'est

impossible! – Rien n'est impossible, dites-

vous?... Je vous reconnais bien là!... Mais

puisque je suis enfermée, comment voulez-

vous que je descendre?... Demain soir, à

Santa-Maria, nous nous reverrons... Adieu,

monsieur! Partez, partez vite!... (Elle revient

en scène). Allons, c'est fini... Et pourtant

j'aurais bien voulu le voir, connaître les

révélations qu'il avait à me faire... Pauvre

jeune homme, je suis sûre qu'il s'en va

désolé...

************************************

SCÈNE III

JULIA, FABIO.

FABIO, entrant par la fenêtre.

C'est égal, me voici!

JULIA

Quoi! Monsieur, par la fenêtre!... Vous avez

osé...?

FABIO

Oh! Le danger n'était pas grand, et je ne m'en

ferai pas un mérite auprès de vous...

JULIA

Je veux dire, monsieur, qu'il est sans exemple

qu'on agisse de la sorte...

FABIO

Au contraire: quand les portes sont fermées,

par où voulez-vous qu'on entre?

JULIA

Mais je vous avais dit...

FABIO

Vous m'avez dit: je ne puis descendre... C'est

pour cela que je suis monté.

JULIA

Nous nous serions vus demain à Santa-Maria.

FABIO

Demain, Julia? Hélas! Demain il ne sera plus

temps!

JULIA

Comment?

FABIO

Je viens vous dire adieu...

JULIA

Vous partez?

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260

FABIO

Pour la France! Ma mère l'ordonne, et je dois

obéir.

JULIA

Ô ciel! Vous l'avez donc vue, votre mère?

FABIO

Non; mais elle m'a écrit, comme toujours, une

lettre pleine de tendresse et de larmes... Où

elle m'adjure de partir si je veux assurer son

repos et la connaître un jour... Car je ne la

connais pas encore!

JULIA

Quoi! Vous ne savez rien de plus qu'hier?

FABIO

Hélas! Non!...

JULIA

Ainsi plus d'espoir!... Ah! C'est dommage!

FABIO

Cartainement!... Mais, si vous n'êtes pas trop

pressée, si vous avez la patience de

m'attendre, je vous promets de revenir avec

un titre, avec un grade... Car, je ne l'ai pas dit

à ma nourrice, mais je veux m'enrôler dans

les troupes du Roi de France... Et je

parviendrai ou je me ferai tuer.

JULIA

Quelle horreur!

FABIO

Que voulez-vous? Mes parents me refusent

leur nom, il faut bien que je m'en fasse un

moi-même.

JULIA

Vous renoncerez à votre projet, monsieur,

dans votre intérêt, dans l'intérêt de ceux qui

vous aiment... Est-ce donc pour exposer vos

jours que votre mère vous envoie en France?

Au contraire, c'est pour les protéger... Quant à

moi, mon parti est pris, et si l'on ne force pas

mon consentement, j'attendrai dans un

cloître...

FABIO

Un cloître!

JULIA

Assez! Assez! N'oublions pas devantage quel

doit être le résultat de cet entretien... Vous

disiez avoir des révélations à me faire sur le

guet-apens dont mon oncle a failli être la

victime... Expliquez-vous, ou je vous

accuserai d'avoir cherché un prétexte...

FABIO

Et quand cela serait, mon amour ne me

justifierait-il pas?

JULIA

Jamais, monsieur!... Ainsi vous avouez que

vous m'avez trompée...

FABIO

Non, Julia. Dieu merci, je ne sais pas mentir...

Écoutez donc, puisque vous le voulez...

Quand les trois bravi qui avaient assailli votre

oncle eurent fui par des rues détournées

devant l'adversaire imprévu qui leur arriva, ce

défenseur inconnu, qui s'en était allé droit son

chemin comme les gens qui n'ont rien à

craindre, en passant sur la place du Château

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261

les vit entrer dans le palais du Gouverneur!...

Peut-on douter après cela qu'ils n'en fussent

partis?

JULIA

Ciel! Que me dites-vous?... C'est

impossible... En ce moment le Gouverneur

cherche à s'allier avec ma famille... Il

demande ma main pour son neveu... Don

Garcias...

FABIO

Don Garcias? Cet insolent que j'ai tenu hier à

la pointe de mon épée?

JULIA

Ah! Qu'ai-je dit?

FABIO

Ah! Il est mon rival! Et je pars demain sans

avoir eu le temps de me venger!

JULIA

Vous m'effrayez!

FABIO

Julia, au nom du ciel, n'épousez jamais cet

homme; je vous dis que les assassins de votre

oncle ont été soudoyés par le Gouverneur ou

par Don Garcias lui-même.

JULIA

Mais dans quel intérêt?

FABIO

Et que sais-je?... Pour que votre fortune fût

accrue de celle du Comte, dont vous êtes

l'unique héritière... Comprenez-vous

maintenant?

JULIA

Ah! C'est affreux!... Un pareil calcul... Mais

non... Ce n'est pas dans le palais du

Gouverneur que ces trois bravi sont entrés...

Vous ne pourriez en donner une preuve...

FABIO

Quelle preuve voulez-vous? Je les ai vus!

JULIA

Mais alors c'est donc vous qui avez sauvé?...

FABIO

Eh! Mon Dieu, oui... Je ne voulais pas vous le

dire; car c'est tout simple... Mais nous

sommes aussi discrets l'un que l'autre, à ce

que je vois...

JULIA

Me cacher cela!

FABIO

Allons, allons, ne me grondez pas trop... Et

puisque la vérité m'est échappée, profitez-

en... Dites à votre oncle de se tenir en garde

contre le Duc... Tenez, ce soir même j'ai vu

rôder autour de cette maison des hommes à la

démarche suspecte...

JULIA

Qui vous ont aperçu peut-être?

FABIO

Oh! J'ai eu soin de les éviter... Mais leurs airs

mystérieux, leurs signes d'intelligence...

JULIA

Écoutez... (Indiquant le fond). Par là... Il me

semble avoir entendu...

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262

FABIO

En effet, le bruit approche... On se dirige de

ce côté...

JULIA

C'est mon oncle, sans doute...

FABIO

Adieu, chère Julia! Je ne veux pas qu'il nous

trouve ensemble... Pensez quelquefois à

Fabio...

JULIA

Oh! Toujours! Toujours!... Mais fuyez et

gardez qu'on ne vous voie!

FABIO

Ne craignez rien! (Au moment de franchir le

balcon, il s'arrête et revient). Ah! Des

hommes en bas... Qui paraissent être aux

aguets...

JULIA

Mon Dieu! Qu'est-ce que cela veut dire?

Comment faire? De quel côté vous échapper?

FABIO

Cette chambre?

JULIA

L'appartement de ma tante.

FABIO

Celle-ci?

JULIA

Le mien!... Mais n'importe! Venez...

FABIO

Non, Julia, non. Plutôt mourir que de vous

compromettre!... Là, sur le balcon, derrière

cette caisse de fleurs... Oh vient!... Ne

craignez rien pour moi... Sauvez-vous!

JULIA, rentrant chez elle.

Mon Dieu! Veillez sur lui!

************************************

SCÈNE IV

LE COMTE, SIMONETTA, POLICASTRO,

Conjurés.

SIMONETTA, s'avançant avec précaution.

Avez-vous bien pris toutes vos précautions,

Comte?

LE COMTE

Oui, oui... Fiez-vous en ma prudence.

SIMONETTA

C'est que vous m'avez entraîné à une

démarche grave... Très grave!... Et dans ces

circonstances-là, je ne me fie guère qu'à moi-

même... Et encore, qui est-ce qui peut

répondre de soi?... Où mènent ces portes?

LE COMTE

Eh! Chez ma femme et chez ma nièce!

SIMONETTA

Rien que cela! La langue des femmes me fait

frémir!... Pour plus de sûreté, mettons les

verroux...

LE COMTE

Messieurs, sommes-nous au complet?

LES CONJURÉS

Oui, oui...

POLICASTRO, entrant.

Excepté les sentinelles, que je viens de poser

moi-même.

LE COMTE

C'est bien... Je n'ai pas à vous parler,

messieurs, de l'objet de notre réunion. Jamais

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263

entreprise ne fut plus légitime, et les plus

patients d'entre nous ont compris que le

moment d'agir est arrivé. Depuis près d'un

siècle d'insolents étrangers nous tiennent le

fer sur la gorge... Ils nous ont frappés dans

nos fortunes et dans notre honneur... Mais la

nationalité milanaise respire encore:

rassemblons-en les tronçons épars! Si l'effort

que nous allons tenter n'est pas une révolte

partielle, nous sommes sûrs de triompher, car

l'héritage du Roi Philippe Deux est

embarrassé de bien des charges, et je vous

promets l'appui de la France, qui a ses revers

de la Picardie et des Pays-Bas à venger! À

l'œuvre donc! Et que chacun de nous s'y

emploie!... Voici le plan que je viens vous

proposer. Vous, Silvio, Strozzi, Policastro et

tous les vôtres, vous vous répandrez dans les

différents quartiers de Milan et vous

marcherez à l'attaque de l'Arsenal... Vous,

maître Simonetta, suivi de quelques autres

bourgeois notables, vous irez vous installer

chez le podestat et vous y proclamerez

l'indépendance nationale... Moi, je reste dans

mon palais pour y distribuer de l'or et des

armes et recueillir les blessés... Est-ce ainsi

convenu?

LES CONJURÉS

Oui, oui...

POLICASTRO

J'approuve votre plan, monsieur le Comte;

mais quel sera le signal de la révolte?

SIMONETTA

Oui, voyons... Car enfin nous ne pouvons pas

nous lever en masse tout seuls.

LE COMTE

Vous parcourrez la ville en annonçant la mort

du Roi d'Espagne, et en criant: aux armes!

POLICASTRO

C'est bien, mais ce n'est pas assez. La voix de

quelques hommes épars pourrait être bientôt

étouffée; et, avec votre permission, j'ai trouvé

mieux... Pour jeter la terreur parmi les

espagnols, pour éveiller à la fois le peuple de

Milan et celui des campagnes, je dispose

d'une voix puissante qui semblera venir du

ciel même, et qui, je l'espère, y remontera

pour intéresser Dieu à notre succès!... Au

point du jour, Dame Rolande, la maîtresse

cloche du Dôme, qui n'a pas sonné depuis la

mort de Jean Galéas, fera retentir son glas

funèbre... C'est nous qui l'avons payée de nos

épargnes... Que les coups de son tocsin nous

annoncent l'heure de la liberté!

LE COMTE

Tu pourrais...

POLICASTRO

Oui, je le peux... J'ai gagné avec votre or un

des sacristains de la cathédrale; il ne faut plus

maintenant que deux hommes dévoués qui

aient le courage de s'emprisonner dans le

Dôme, pour y sonner tour à tour et sans

relâche... Pour y attendre la mort, car les

espagnols viendront sans doute les y

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264

chercher!... L'un de ces hommes, ce sera moi:

qui veut être mon second?

TOUS, hors Simonetta.

Moi!... Moi!...

LE COMTE

Bien, mes amis! Bien, Policastro!

POLICASTRO

Allons, je suis enchanté que ma proposition

ait un pareil succès... Mais qui choisir parmi

tant de braves gens? Je ne veux faire injure à

personne, et le sort en décidera... Que sur un

bulletin séparé chacun de vous écrive son

nom et le jette, tenez, dans mon chapeau.

LES CONJURÉS

Oui, oui...

UN DES CONJURÉS, à Simonetta.

Vous ne signez pas?

SIMONETTA

Comment donc... Si fait!... S'enfermer dans le

Dôme et carillonner jusqu'à ce que mort

s'ensuive... C'est charmant!... (À part). Ah!

Tu es si zélé que cela, toi? Bien... Je vais

mettre ton nom. (Après avoir écrit). Bonne

chance!

LE COMTE, à Policastro.

Tu es bien sûr de cet homme qui doit t'ouvrir

la porte de la tour?

POLICASTRO

C'est une ancienne connaissance, un milanais,

un fidèle... D'ailleurs il ne peut que

soupçonner mon projet, car je ne lui ai rien

dit de positif, et je me suis abstenu de vous

nommer.

SIMONETTA, à part.

Au fait, j'y songe: si quelqu'un avait eu la

même idée que moi... Si mon nom sortait de

l'urne... Ah! Je ne me sens pas bien.

POLICASTRO

Mes amis, le sort va prononcer... (On entend

chanter en dehors; mouvement général).

Silence!...

VOIX du dehors.

Montre-toi comme l'aurore;

Mais fuis les regards jaloux...

Regina, fais qu'on ignore

Le secret du rendez-vous.

POLICASTRO

C'est un avertissement des sentinelles...

Qu'auront-elles aperçu? (Il va ouvrir la

fenêtre). Trahison!... Un homme caché là.

************************************

SCÈNE V

LES MÊMES, FABIO.

Policastro l'amène violemment. Le manteau

de Fabio se dégage et tombe.

FABIO

Allons! Pris entre deux feux!

LES CONJURÉS

À mort! À mort!

FABIO

Plus bas donc, messieurs... Ces cris

pourraient vous trahir...

LES CONJURÉS

À mort!

LE COMTE

Arrêtez!... Cette voix...

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265

FABIO

Hier au soir, monsieur le Comte, on m'a pris

pour un conspirateur, et l'on me prend

maintenant pour un espion... Je joue de

malheur.

LE COMTE

Messieurs, il y a trois jours, ce jeune homme

m'a sauvé la vie...

POLICASTRO

Lui?

LE COMTE

Je le prends donc sous ma protection; mais

voici la seconde fois que sa présence dans ma

maison me paraît inexplicable... Que veniez-

vous faire ici?

FABIO

Puisqu'il faut absolument m'expliquer... Hier

et aujourd'hui, la même raison m'a fait

franchir le seuil de cette demeure... Mon plus

grand tort, celui que je ne me pardonnerai

jamais, c'est d'avoir compromis par ma

conduite une jeune fille qui n'a rien fait pour

mériter cet outrage.

LE COMTE

Une jeune fille?

FABIO

L'une de celles qui servent madame la

Comtesse.

LE COMTE

Et son nom, monsieur! Son nom?

FABIO

Vous pouvez me tuer... Je ne le dirai pas.

SIMONETTA, à Policastro.

Tout ceci est louche...

LE COMTE

Monsieur, votre conduite a été bien légère...

Mais je vous sais homme de courage, et vous

crois homme d'honneur... Retirez-vous donc,

en nous jurant toutefois...

FABIO

Oh! Monsieur le Comte, je vous jure...

POLICASTRO

Un instant... La chose ne peut se terminer

ainsi, et pour ma part je ne le souffrirai pas...

Si votre générosité ne faisait courir de risques

qu'à vous seul, à la bonne heure... Mais du

silence de cet écervelé depend le sort de

chacun de nous et le salut de la Lombardie...

Car il a tout entendu...

FABIO

Ah! Sans perdre une syllabe... Et, par le ciel,

mon maître, l'idée que vous avez émise tout-

à-l'heure est triomphante, et je vous en fais

mon compliment!

POLICASTRO

Il raille...

FABIO

Non, non... J'approuve! J'approuve tout, vos

projets, votre plan, votre but... Car, si vous

tenez à le savoir, les espagnols me sont

odieux comme à vous... Comme à vous, la

rougeur me monte au front quand je vois où

ils ont réduit ce glorieux duché des Visconti

et des Sforce. Que vous dirai-je enfin? Je suis

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266

des vôtres corps et âme!... Regardez-moi tous

en face: ai-je la mine d'un traître?

POLICASTRO

Mon cher ami, les mines sont trompeuses, et

pour être sûr de toi, je ne veux plus te

quitter... Si vraiment tu penses comme nous,

tu ne saurais refuser de nous servir...

Messieurs, le tirage est fait; vos bras sont trop

nécessaires à la cause nationale... C'est ce

jeune homme qui va m'accompagner auprès

de Dame Rolande, et je vous réponds qu'il

sonnera bien!

FABIO

Moi?

POLICASTRO

Tu as peur?

LE COMTE

Je vous réponds de son courage.

FABIO

A quelle heure serai-je libre?

POLICASTRO

Oh! Deux heures après le lever du soleil, tu

seras libre ou mort!

FABIO, à lui-même.

Allons! Courons la chance... C'est le seul

moyen de tenir parole à ma mère... (À

Policastro). Je suis prêt.

On frappe violemment à la première porte

latérale.

LE COMTE

La Comtesse! Partez! Partez!... Je vous

rejoins...

POLICASTRO, entraînant Fabio.

Viens! Viens!...

FABIO

À la garde de Dieu!

Ils sortent.

LA COMTESSE, en dehors.

C'est moi, Comte... Ouvrez! Vous êtes là...

LE COMTE, allant ouvrir la porte de Julia.

Evitons sa présence... Que Julia seulement

puisse accourir à ses cris...

Il sort par le fond.

************************************

SCÈNE VI

JULIA, puis LA COMTESSE.

JULIA

Qui frappe ainsi? Qui appelle?... Mon Dieu!

Que s'est-il passé?...

LA COMTESSE, frappant de nouveau.

Ouvrez, au nom du ciel! Ouvrez!...

JULIA, courant ouvrir.

Quoi! Ma tante!

LA COMTESSE

C'est toi, tu veillais aussi?... Tant mieux; tu

vas m'apprendre... Cette salle était pleine de

monde, n'est-ce pas?... Tu as entendu comme

moi des pas, des voix confuses?

JULIA

Oui, oui...

LA COMTESSE

Eh bien?

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JULIA

Eh bien! Je ne distinguais pas les paroles,

mais j'ai reconnu des voix, celle de mon

oncle, puis celle de ce mendiant...

LA COMTESSE

Policastro! Je l'avais bien dit... Achève.

JULIA

Enfin, tous ensemble ils ont poussé des cris

de mort.

LA COMTESSE

Contre qui?

JULIA

Je ne sais; mes yeux se sont troublés, mes

genoux ont fléchi, j'ai eu peur!

LA COMTESSE, à elle-même.

Ainsi je ne m'étais pas trompée!

JULIA, à part.

Aura-t-il pu s'échapper?... Comment le

savoir? (Elle aperçoit le manteau de Fabio

qui est resté devant la fenêtre). Un

manteau!... Le sien!... Ah! Ils l'ont

découvert!... (Avec éclat). Ils l'ont tué!... Ils

l'ont tué!

LA COMTESSE

Tué! Qui? Ton oncle?

JULIA

Non, pas lui...

LA COMTESSE

Qui donc, malheureuse?... Explique-toi.

JULIA

Eh bien! Quand ils sont venus, il y avait ici

un jeune homme...

LA COMTESSE

Avec toi?

JULIA

En entendant du bruit, il s'était caché sur ce

balcon, et moi, j'étais rentrée dans ma

chambre après avoir fermé la fenêtre sur lui...

Mais voilà son manteau, là, par terre... Tout

prouve qu'ils l'ont aperçu... Ces cris horribles,

c'est lui qu'ils menaçaient. Ma tante, ma tante,

je vous dis qu'ils l'ont tué.

LA COMTESSE

Grand Dieu! Un tel crime... Mais non, le

Comte n'aurait pas souffert qu'en sa

présence... Ah! Pauvre enfant, je te vois si

malheureuse que je n'ai la force que de te

plaindre... Et ta faute est bien grande

pourtant.

JULIA

Hélas! L'amour que j'éprouvais, je n'osais me

l'avouer à moi-même... La position de ce

jeune homme était si étrange... Seul au

monde, sans parents, sans avenir, et ce qui

vous étonnera bien plus, élevé dans un

couvent de Dominicains, d'où il sortait

malgré la règle...

LA COMTESSE

Ah! J'ai mal entendu... Tu ne sais pas la

portée de tes paroles, et tu vas me rendre folle

comme toi!... Tu dis que ce jeune homme...

Son nom?... Vite, vite, son nom?

JULIA

Fabio.

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268

LA COMTESSE

Fabio!... Ah! Misérable, sois maudite, toi qui

l'as fait venir ici!

JULIA

Madame...

LA COMTESSE

Sur ce balcon, c'est là qu'il s'était caché... Ah!

Prédiction de mon père, était-il donc écrit que

tu devais t'accomplir? Oui, tu as raison, ils

l'auront découvert, et ces cris de mort... Oh!

Policastro était là! Il est capable de tout, cet

infâme!... Allons, il faut voler à son secours,

que faisons-nous ici?

JULIA

A son secours!... De quel côté?

LA COMTESSE

Je n'en sais rien, mais Dieu et mon instinct

me guideront.

Elles se précipitent vers le fond, le Comte

paraît.

************************************

SCÈNE VII

LE COMTE, LA COMTESSE, JULIA.

LA COMTESSE

Ah! Monsieur, d'où venez-vous?... Est-ce que

vous l'avez tué?

LE COMTE

Tué! Qui?

JULIA, suppliant.

Madame...

LA COMTESSE

Vous avez reçu ici les révoltés, ne le niez pas,

nous en sommes sûres, et nous l'avons appris

toutes deux par les cris de mort que vous avez

poussés contre un témoin indiscret... Que

sais-je? Contre l'un des conjurés... Ces

menaces ont-elles été exécutées?... Répondez,

monsieur; pour que ces lieux ne me fassent

pas horreur, dites-moi que ce malheureux

n'est pas mort!

LE COMTE

Il vit, madame, et je vous jure que tout mon

sang aurait coulé à cette place avant qu'on y

répandit une goutte du sien!

JULIA, à part.

Il l'a sauvé!

LA COMTESSE

Ah! Comte, merci pour cette parole; vous ne

savez pas de quel poids elle soulage mon

cœur!

LE COMTE

Mais quel intérêt...?

LA COMTESSE

Ah! L'humanité, l'amour de votre gloire...

N'est-ce point assez?... Mais c'est de vous

maintenant, c'est de vos périls que je veux

vous parler... Vous courez à votre perte; à vos

yeux l'occasion est favorable, et le succès de

cette révolte est assuré. Eh bien! Moi je vous

dis que les espagnols l'étoufferont, comme

toutes les autres, dans le sang des

conspirateurs. Ludovic, tu dis que tu m'aimes

encore, au nom de notre amour, renonce à ce

rêve généreux, qui nous a déjà coûté tant de

larmes, et qui cette fois te coûterait la vie!...

Implore la justice du nouveau Roi en faveur

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269

de tes malheureux concitoyens... Presse,

sollicite, réclame... Mais pas de révolte, tu y

périrais!... Julia, tombe avec moi aux pieds de

ton oncle... Supplions-le de veiller sur sa vie,

c'est à nous seules qu'elle appartient!

LE COMTE

Elle appartient d'abord à ma patrie, que j'ai

juré de rendre libre!... Julia, oublies-tu que les

espagnols ont tué ton père?... Thécla, ne te

souvient-il plus qu'ils nous ont ravi notre

enfant? Les cruels m'ont frappé dans ma race,

prouvons-leur qu'ils n'y ont rien gagné, tant

que j'existe... Punissons le seul crime peut-

être qu'il me soit impossible de leur

pardonner.

LA COMTESSE

Eh! Qui te dit qu'un jour ce crime ne doive

pas être réparé?... Mon fils n'est pas mort, je

te l'ai répété bien des fois, je te le dis encore,

et c'est Dieu qui te parle par ma voix... Jure à

ce Dieu bon que tu ne feras jamais de ton fils

un instrument de tes vengeances, et qui sait?

Aucun miracle ne lui coûte, il peut te le

rendre dans un moment.

LE COMTE

Thécla, tu t'égares; l'espoir que tu m'offres

avec tant d'assurance... Ah! Le jour, voici le

jour qui paraît!... Avec la nuit s'évanouissent

les rêves dont tu me berces... Je me retrouve

en face de la réalité. Femmes, écoutez: le

tocsin va se faire entendre... Il va donner au

peuple le signal du combat... Voyez si c'est

l'heure de reculer!

LA COMTESSE, à part.

Rien! Je ne lui dirai rien!

LE COMTE

Quel silence!... J'écoute, et le jour monte, et

aucun bruit ne parvient à mon oreille!...

Policastro aurait-il rencontré quelque

obstacle?

************************************

SCÈNE VIII

LES MÊMES, POLICASTRO.

POLICASTRO

Alerte, Comte, alerte!... Nous sommes trahis!

LA COMTESSE

Déjà!

LE COMTE

Trahis!... Comment? Par qui?...

POLICASTRO

Par ce misérable qui devait nous conduire au

clocher... Le traître!... Un ami de vingt ans!...

Fiez-vous donc aux amis!... Ah! Celui-là, son

compte est bon, et si je le retrouve jamais!...

Enfin, je suis parvenu à m'échapper; moins

heureux que moi, mon jeune compagnon est

resté dans la nasse... Je le crois homme de

cœur, mais avec les tortures qu'il a inventées,

le Gouverneur ferait parler des statues...

Voyons, monsieur le Comte, il faut vous

mettre en sûreté!

LA COMTESSE

Malheureux! Voilà votre ouvrage!

LE COMTE

Ah! Thécla!...

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270

POLICASTRO

Sur la rive droite de l'Adda, près de

l'embouchure du grand canal, nous avons un

ami, un pêcheur nommé Cristoforo; sa fille

s'est noyée après avoir été déshonorée par le

Guatimala... Si vous n'êtes pas en sûreté chez

lui, il faut renoncer à trouver de la bonne foi

chez les hommes. Je vais vous y conduire,

mais vous n'y resterez pas longtemps, je

l'espère... Cela va bien, très bien!... Et

d'ailleurs, il est possible que notre jeune

recrue refuse de vous nommer.

LE COMTE

Pauvre jeune homme, c'est bien malgré lui...

POLICASTRO

Allons, faites vos adieux, et partons.

LA COMTESSE

Attendez! Attendez!... Laissez-moi dire... Ce

jeune homme arrêté quand vous avez fui, et

conduit chez le Gouverneur, où vous dites

qu'il est livré à la torture... Ne l'avez-vous pas

trouvé là, sur ce balcon?

LE COMTE

Oui, madame...

LA COMTESSE

Ah! Horreur!

Elle tombe évanouie sur un fauteuil.

JULIA, se jetant aux genoux de la Comtesse.

Fabio! Fabio!

LE COMTE

Évanouie!... Mais ce jeune homme...

Comment savait-elle...? Qui a pu lui dire...?

JULIA

Ah! Moi, moi...

LE COMTE

Comment?

JULIA

C'est pour moi qu'il était venu...

LE COMTE

Tu ne me trompes pas?

POLICASTRO, entraînant le Comte vers une

des portes latérales.

Je les entends... Partons!

LE COMTE

Mais je veux...

POLICASTRO

Vous vous expliquerez plus tard!... Venez,

venez!

Ils sortent. Des gardes enfoncent la porte du

fond.

************************************

ACTE TROISIÈME

Au château de Milan. Un vestibule précédant

les appartements du Duc. Sur le premier plan

de gauche, une fenêtre. Le fond est occupé

par une galerie dont le côté droit mène chez le

Gouverneur, et l'autre en dehors du palais.

Une table avec tout ce qu'il faut pour écrire.

__________

SCÈNE PREMIÈRE

FABIO, GARDES.

Fabio est assis près de la table. Les gardes se

promènent au fond. On entend sonner quatre

heures.

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271

FABIO

Quatre heures... Diable! Je commence à me

lasser d'attendre... D'autant plus qu'on m'a

donné là deux gardiens fort peu

communicatifs. (Se levant). Ah çà! Pourquoi

m'a-t-on ramené ici?... Le Gouverneur

voudrait-il m'interroger une seconde fois?...

J'en doute. Est-ce donc pour aller à la mort?

Soit! Mais, dans ce cas, on devrait bien me

dispenser de faire antichambre... La mort!

Ah! Qui m'eût dit que ma dernière sortie du

couvent aurait des suites si funestes?... Et que

deviendra ma pauvre mère en apprenant tout

ceci? Elle avait bien raison de craindre... Je

suis resté vingt-quatre heures de trop à

Milan!... Mais aussi comment des hommes

qui ont vieilli dans les luttes politiques vont-

ils se fier au premier venu? Car, enfin, j'ai été

livré pieds et poings liés!... (Entrée de Don

Garcias). Quelqu'un?... Allons, je vais

connaître mon sort...

************************************

SCÈNE II

FABIO, DON GARCIAS, GARDES.

DON GARCIAS, aux gardes.

Veillez à ce que personne n'approche.

FABIO, à part.

Don Garcias?... Je l'attendais!

DON GARCIAS, qui s'est assis près de la

table, après avoir un instant considéré Fabio.

Accusé, je suis commis par Son Excellence

monseigneur le Duc de Guatimala pour vous

interroger une dernière fois.

FABIO

Je croyais qu'en ce moment les affaires de

l'État vous occupaient assez pour que vous

n'eussiez pas de temps à perdre?...

DON GARCIAS, à part.

Où donc ai-je entendu cette voix? (Haut, et

considérant de nouveau Fabio). Vous allez

voir qu'en effet nous n'en avons point perdu,

car, malgré le silence que vous avez gardé

jusqu'ici, nous savons qui vous êtes.

FABIO

Vraiment?

DON GARCIAS

Vous vous nommez Fabio, et vous appartenez

au couvent des Dominicains.

FABIO

Allons! Vous avez une police habile... Mais

je proteste qu'aucun des membres de la

communauté...

DON GARCIAS, l'interrompant.

Ne défendez pas les autres... Songez plutôt à

vous-même!

FABIO

Je laisse à ma conscience le soin de me

justifier, comme à mon Dieu celui de

m'absoudre. Quant à l'arrêt du Gouverneur, je

le connais avant de l'avoir entendu, et la seule

grâce que je vous demande, c'est de voir un

instant le Prieur du couvent où j'ai été élevé...

Me la refuserez-vous?

DON GARCIAS

Je viens vous offrir la vie...

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272

FABIO

La vie?

DON GARCIAS

À une condition.

FABIO

Quelle est-elle?

DON GARCIAS

C'est que vous indiquerez les noms de vos

complices.

FABIO

À cette condition-là, je ne voudrais pas voir

ma mère, – que je n'ai pourtant jamais vue!

DON GARCIAS

Ainsi vous refusez?

FABIO

Allez vous adresser au lâche qui m'a livré...Il

pourra vous répondre.

DON GARCIAS

Celui que vous désignez ainsi, et qui est un

fidèle serviteur du Roi d'Espagne, n'avait eu

de relations qu'avec Policastro.

FABIO

C'est précisément mon histoire, et je ne sais

pas plus que lui les noms des autres chefs... Si

toutefois il y en a d'autres.

DON GARCIAS

Oui, certes, il y en a d'autres! Je ne faisais que

le soupçonner, mais maintenant j'en suis

convaincu.

FABIO

Pourquoi cela?

DON GARCIAS

Parce que je viens de te reconnaître, beau

coureur d'aventures nocturnes! Nieras-tu

qu'avant-hier au soir je t'aie rencontré chez le

Comte Manzoni?

FABIO

Tu l'accuses sur cette preuve?

DON GARCIAS

La trouves-tu insuffisante?

FABIO

Malheureux! Mais ce n'est pourtant pas à toi

d'oublier ce qui m'amenait chez lui...

DON GARCIAS

L'amour de sa nièce? Prétexte dont je ne suis

pas la dupe! D'ailleurs cette preuve n'est pas

la seule, et ce matin, avant le jour, un ordre

d'arrestation a été lancé contre la personne du

Comte... Il ne peut nous échapper...

FABIO

Lui aussi! Ah! C'est sa vertu seule qui le

désigne à votre vengeance!... Tu renonces

donc à la main de Julia?

DON GARCIAS

Erreur! Je ne suis pas le maître ici... La mort

même du Comte ne retomberait pas sur moi,

et la Comtesse est espagnole... Julia

m'appartiendra...

FABIO

Jamais, Don Garcias, car elle te hait, vois-tu

bien! Car c'est moi qu'elle aime, j'en suis sûr!

DON GARCIAS

Toi?

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273

FABIO

Oui, moi, sans fortune et sans nom, elle me

préfère à toi, parce que tu n'as pas d'âme;

parce que, si tu étais un noble castillan,

comme tu t'en vantes, après ce qui s'est passé

entre nous, tu chercherais à te venger, non

avec la hache du bourreau, mais avec l'épée

du gentilhomme!

DON GARCIAS

Vous n'avez rien de plus à me dire?

FABIO

Tu n'en as pas encore assez?

DON GARCIAS

Gardes, à moi! (Ils accourent). Reconduisez

le prisonnier à la tour.

Paraît Simonetta conduit par des gardes.

FABIO

En attendant l'exécution sans doute?

DON GARCIAS

Le Gouverneur en décidera.

FABIO

Bien. (À part). Ô ma mère! Ô Julia! Pour

vous mon dernier vœu. (Aux gardes).

Marchons!

En se dirigeant vers le fond, il se trouve face

à face avec Simonetta, qui s'est avancé

jusqu'au milieu du théâtre.

SIMONETTA, jetant un cri étouffé.

Ah!...

Fabio s'éloigne sans manifester aucune

surprise.

************************************

SCÈNE III

DON GARCIAS, SIMONETTA, GARDES

au fond.

DON GARCIAS

Vous connaissez cet homme?

SIMONETTA

Moi? Nullement... Par exemple!

DON GARCIAS, s'asseyant.

Allons, c'est bien... Écoutez-moi.

SIMONETTA

Parlez, monseigneur, car j'ai hâte de connaître

les motifs d'une arrestation... Qui m'étonne...

DON GARCIAS

Ah! Elle vous étonne?

SIMONETTA

Au dernier point! Pardonnez à cette brusque

franchise...

DON GARCIAS

La mort du Roi d'Espagne et les événements

de cette nuit ont mis en grand émoi le

populaire. Vous le savez?

SIMONETTA

Oui, oui... C'est-à-dire non, non... Mais

puisque vous me l'assurez, je le crois.

DON GARCIAS

Il se pourrait que la bourgeoisie voulût s'allier

aux mécontents pour tenter une révolte, et

comme vous êtes le chef des marchands, nous

nous sommes assurés de votre personne, afin

de vous garder par devers nous comme

otage... C'est une mesure de précaution, vous

comprenez?

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274

SIMONETTA

Et si, malgré cela, les bourgeois allaient

vouloir se montrer?

DON GARCIAS

Alors vous répondriez pour eux, c'est tout

simple, et vous seriez probablement pendu!

SIMONETTA, à part.

Eh bien! Soyez donc tête de colonne, après

cela!

DON GARCIAS

Mais ce n'est pas tout...

SIMONETTA

Comment! C'est pourtant bien suffisant!

DON GARCIAS

Nous avons promis vingt mille ducats à celui

qui livrera le Comte Manzoni, accusé du

crime de haute trahison... Son Excellence le

Duc de Guatimala, pensant avec raison que

cette capture intéresse la sûreté générale, a

décidé que les vingt mille ducats seraient

levés sur les bourgeois de Milan, à titre

d'impôt extraordinaire...

SIMONETTA, à part.

Très extraordinaire, en effet!

DON GARCIAS

Mais nous avons besoin de cette somme

aujourd'hui même... Et le Gouverneur a jeté

les yeux sur vous pour effectuer l'emprunt

dont il s'agit.

SIMONETTA, à part.

Merci de la préférence! (À Don Garcias).

Vingt mille ducats! Mais c'est énorme,

monseigneur!... Je ne saurais sur-le-champ

réunir une pareille somme... Les capitaux sont

rares par le temps qui court! Son Excellence

le Gouverneur ne doit pas ignorer que depuis

la banqueroute du feu Roi...

DON GARCIAS

Hein?

SIMONETTA

Je veux dire qu'à l'étranger nous ne trouvons

plus d'argent sur notre signature.

DON GARCIA, se levant.

Eh! Tout cela nous est fort égal!... Faites un

appel à vos confrères; arrangez-vous comme

il vous plaira; mais il nous faut cette somme,

il nous la faut! Entendez-vous?.. Les vingt

mille ducats ou la prison... Choisissez!

SIMONETTA

La prison?

DON GARCIAS

Oui, ici dessous, un cachot très frais... Il n'y a

que cent vingt marches à descendre. Mais nos

finances étant en fort mauvais état, vous

concevez que nous ne nous amusons pas à

nourrir nos prisonniers...

SIMONETTA

C'est-à-dire qu'il faudrait y mourir de faim!

DON GARCIAS

Les choses n'iront pas jusque là... Vous êtes

trop sage... (Entre un officier venant du

dehors). Gaëtano!... Eh bien! Quelles

nouvelles? Cette proclamation qui promet

vingt mille ducats à celui qui livrera

Manzoni...?

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275

GAËTANO

Elle est affichée, monseigneur; mais de toutes

parts on la déchire, et nous n'avons rien

appris encore sur la retraite du Comte...

DON GARCIAS, à lui-même.

Rien! Rien!... Il faut pourtant en finir avec cet

homme, qui si mal payé notre bienveillance...

Son arrestation est importante: elle

paralyserait les efforts de la révolte...

Voyons! Que le Gouverneur sache du moins

ce qui se passe... (À Simonetta). Je vous laisse

un quart d'heure pour réfléchir, mon maître...

Vous avez parfaitement compris, n'est-ce

pas? Il est inutile de vous répéter...

SIMONETTA

Non, non... Ne vous donnez pas cette peine...

DON GARCIAS, en sortant.

Gardes, veillez sur cet homme jusqu'à mon

retour...

Il s'éloigne, suivi de Gaëtano, par le côté droit

de la galerie. Dans le courant de la scène, on

a relevé les sentinelles.

************************************

SCÈNE IV

SIMONETTA, POLICASTRO, sous

l'uniforme des gardes.

SIMONETTA, à lui-même.

Ou les vingt mille ducats ou la prison, et

quelle prison!... J'ai fort bien compris: si

j'entre dans celle-là, je n'en sortirai plus, j'y

mourrai!... D'un autre côté, si j'ai le malheur

de lâcher les vingt mille ducats, je ne les

reverrai jamais, je serai ruiné!... Que faire,

mon Dieu! Que faire?...

Pendant ce monologue, Policastro s'est

insensiblement rapproché de Simonetta.

L'autre garde continue de se promener au

fond.

POLICASTRO, à Simonetta, tout en

marchant.

Refuser l'argent!

SIMONETTA, se retournant.

Hein? (Reconnaissant Policastro). Ciel!

Polic...

POLICASTRO, lui faisant signe de se taire.

Chut!

SIMONETTA

Comment! Vous ici?

POLICASTRO

Cela vous étonne?

SIMONETTA

Rien ne m'étonne de votre part...

POLICASTRO

Je me suis engagé dans les arquebusiers

suisses, jolie troupe! Afin d'observer,

d'entendre, et de profiter des occasions, s'il y

a lieu... Est-ce que vous n'approuvez pas cette

idée?...

SIMONETTA

Si, si, vraiment! Au contraire, j'aime cela,

moi... J'aime les gens qui ne doutent de rien.

POLICASTRO, toujours allant et venant.

Ah! J'ai eu grand tort de me fier à d'autres

qu'à moi... Aussi maintenant j'agirai seul, et si

je trouve moyen d'approcher du Gouverneur

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276

et de m'emparer de sa personne...

Malheureusement ce sont les espagnols qui

font le service auprès de lui... Mais il ne faut

qu'un moment, et je le guette!

SIMONETTA, à part.

Voilà un enragé!

POLICASTRO

Ah çà! Et vous, j'aime à croire que vous

refuserez ce qu'on vous demande?... Ce n'est

pas que je craigne pour le Comte: il est en

sûreté. Dieu merci! Mais enfin vous ne

pouvez donner de l'or aux suppôts de la

tyrannie; ce serait leur fournir des armes

contre nous...

SIMONETTA

C'est aussi la réflexion que je me suis faite...

Cependant, vous l'avez entendu, si je n'obéis

pas tout-à-l'heure, j'irai mourir au fond d'un

cachot...

POLICASTRO

Tant mieux! Une victime de plus! Cela ne

peut qu'assurer le triomphe de notre cause.

SIMONETTA

Vous en parlez à votre aise! On voit bien que

cela ne vous regarde pas!... Et ma femme, et

mes enfants, et mes échéances donc...?

POLICASTRO

Tout tombe devant l'intérêt sacré du pays!

D'ailleurs, soyez tranquille; les choses ne

peuvent durer longtemps ainsi; la ville s'agite,

et bientôt...

SIMONETTA

Non, non, c'est trop chanceux... Je préfère

donner les vingt mille ducats!

POLICASTRO

Ah! Voilà comme vous entendez votre

devoir! Eh bien! Le danger ne m'arrête pas,

moi... Dans un instant, quand on viendra

chercher votre réponse, je serai là... Et si elle

n'est pas conforme à ce que veut l'honneur,

cette arquebuse fera justice d'un traître!...

SIMONETTA, terrifié.

Grand Dieu! (À part). C'est qu'il est bien

capable d'exécuter sa menace!

Entrent la Comtesse, Julia et le Prieur.

POLICASTRO, à Simonetta, en les

apercevant.

La Comtesse! Julia!... Silence! Je ne veux pas

être reconnu devant mon camarade.

Il remonte le théâtre, en ayant soin d'éviter

leurs regards.

************************************

SCÈNE V

LES MÊMES, LA COMTESSE, JULIA, LE

PRIEUR.

LA COMTESSE, au Prieur.

Ô mon père! Je sens la force qui

m'abandonne!

LE PRIEUR

Du courage, madame! Voici l'instant d'en

avoir...

LA COMTESSE, apercevant Simonetta.

Vous, monsieur, vous aussi, vous êtes

venu?...

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SIMONETTA

Oui, madame... Ou plutôt on m'a amené...

LA COMTESSE et JULIA

Arrêté?

SIMONETTA

Hélas, oui!

LA COMTESSE

Et pourquoi, mon Dieu?

SIMONETTA

Pour deux motifs... D'abord par mesure de

précaution... On redoute mon influence...

Ensuite...

LA COMTESSE

Eh bien?

Don Garcias et Gaëtano paraissent dans la

galerie.

SIMONETTA

Voici quelqu'un... Séparons-nous.

Il s'éloigne de la Comtesse et de Julia.

************************************

SCÈNE VI

LES MÊMES, DON GARCIAS.

DON GARCIAS, à Gaëtano.

Que cette seconde proclamation soit publiée à

son de trompe... Allez!

Gaëtano sort par la gauche.

LA COMTESSE et JULIA

Don Garcias!

DON GARCIAS, les apercevant.

Que vois-je?

LA COMTESSE, se précipitant à sa

rencontre.

Ah! Monsieur, vous serez notre sauveur!

Vous nous entendrez, n'est-ce pas?

DON GARCIA, froidement.

Dans un instant, madame... Permettez...

JULIA, à part.

Ô mon Dieu! Quelle froideur!

DON GARCIAS, à Simonetta.

Eh bien! Mon maître, avez-vous réfléchi?

SIMONETTA

Croyez-vous qu'il y ait un quart d'heure?

DON GARCIAS

Eh! Qu'importe? Vous avez eu le temps!

Voyons, que décidez-vous?

SIMONETTA

Monseigneur, je... (Policastro frappe sur la

batterie de son arquebuse). Je refuse!

DON GARCIAS

Quoi! Ne craignez-vous donc ni le cachot ni

la mort?

SIMONETTA

Si, si, si, au contraire! (Sur un nouveau geste

de Policastro). Non, non, non, je me trompe...

Prenez ma tête!

DON GARCIAS

Alors, au nom du Gouverneur, je vous fais

prisonnier!... Gardes, emparez-vous de cet

homme!

POLICASTRO, poussant Simonetta.

Marchez donc plus vite... C'est par là...

Ils sortent.

************************************

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SCÈNE VII

DON GARCIAS, LA COMTESSE, JULIA,

LE PRIEUR.

LA COMTESSE, à Don Garcias.

Oh! Maintenant, monsieur, veuillez écouter

ma prière!

DON GARCIAS, l'interrompant.

Je prévois ce que vous allez me demander,

madame... Mais il ne dépend pas de moi de

faire cesser les poursuites dirigées contre

votre mari...

LA COMTESSE

Ah! Monsieur, ce n'est pas pour lui que je

tremble le plus!

DON GARCIAS

Pour qui donc?

LA COMTESSE

Eh bien! Cette nuit, dans la cathédrale, un

jeunne homme a été surpris, arrêté...

DON GARCIAS

Vous le connaissez?

LA COMTESSE

Ah! C'est un enfant que nous avons vu

grandir, un ami de notre famille!

LE PRIEUR

Hélas! Il est mon élève, et je suis sûr que c'est

bien malgré lui qu'il a trempé dans cette

conspiration...

DON GARCIAS

Qu'il le prouve donc, en nommant ceux qui

l'ont fait agir...

LA COMTESSE

Une lâcheté?... Il n'y consentira jamais!

JULIA

Sauvez-le, monsieur! Sauvez-le!

DON GARCIAS

Vous aussi, mademoiselle?... L'irritation du

Gouverneur est au comble...

LA COMTESSE, vivement.

Alors, monsieur, conduisez-moi près de lui...

Venez! Je lui parlerai, moi!

DON GARCIAS

C'est impossible, madame.

TOUS

Impossible!

DON GARCIAS

Son Excellence a donné l'ordre exprès de ne

laisser arriver personne jusqu'à elle...

LA COMTESSE, à part.

Sortir d'ici sans avoir vu le Gouverneur... Oh!

Non, non, je l'attendrai là!

Elle s'assied. Julia s'approche d'elle.

DON GARCIAS, prenant le Prieur à part.

Eloignez-les d'ici, mon père, si vous ne

voulez pas qu'elles soient témoins de son

supplice! (Montrant la fenêtre). L'échafaud se

dresse là, sur cette place!

LE PRIEUR

Qu'entends-je?

DON GARCIAS, à part, en sortant.

Elle l'aime!...

************************************

SCÈNE VIII

LA COMTESSE, JULIA, LE PRIEUR, puis

POLICASTRO.

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LE PRIEUR , à lui-même.

Pauvre enfant! Lui mourir!

LA COMTESSE

Mon Dieu! Mon Dieu! Donnez-moi donc un

moyen de le sauver!...

POLICASTRO, paraissant.

Libre enfin!

LA COMTESSE, l'apercevant.

Ah!... Toujours, toujours cet homme!

POLICASTRO

Qu'êtes-vous venue faire ici?

LA COMTESSE

Tu me le demandes, toi qui nous as perdus

tous?...

POLICASTRO

Oh! Trève aux récriminations, de grâce! Elles

n'arrangeraient rien... Vous venez intercéder

sans doute en faveur de votre mari; mais c'est

inutile, croyez-moi... Sa retraite est sûre, et je

connais Cristoforo, il ne livrerait pas le

Comte, quand le Gouverneur payerait sa tête

de tout l'or qu'il nous a volé, ce qui n'est pas

peu dire! Aussi malgré leur nouvelle

proclamation...

TOUS

Une proclamation nouvelle?

POLICASTRO

Oui, l'offre de vingt mille ducats n'ayant

produit aucun résultat, le Duc promet

d'octroyer un blanc-seing au dénonciateur du

Comte, c'est-à-dire telle récompense qui sera

demandée en échange de sa personne...

JULIA et LE PRIEUR

Ciel!

LA COMTESSE

Il a promis cela?

POLICASTRO

Sur sa parole de Duc, et il le tiendrait... Mais

d'ici à demain nous aurons triomphé!... Soyez

sans crainte pour votre mari... Que diable! Ce

n'est ni vous ni moi qui pouvons le trahir!

LA COMTESSE, à part.

Un blanc-seing! C'est-à-dire la vie d'un

homme!

Bruit au dehors.

POLICASTRO

Adieu! J'entends le bruit de la foule qui se

rassemble, et ma place n'est plus ici!

Il sort en courant.

************************************

SCÈNE IX

LA COMTESSE, JULIA, LE PRIEUR.

LA COMTESSE

La foule, a-t-il dit? La foule... (Se dirigeant

vers la fenêtre). Mais quel est donc le

spectacle qu'on lui prépare?

LE PRIEUR, la retenant.

Madame!...

LA COMTESSE

Laissez-moi voir, mon père! Laissez-moi

passer!... Un échafaud!...

JULIA

Pour Fabio!...

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LA COMTESSE, à part.

Pour lui... Pour mon fils! Oh! Non! Non!... Il

ne mourra pas!...

Elle se met à la table et écrit.

JULIA, à elle-même.

Oui, oui... Ce sacrifice... Il le faut!... (Au

Prieur). Accompagnez-moi, mon père; c'est

le ciel qui m'inspire... Je le sauverai!

LE PRIEUR

Vous! Comment?

JULIA

En lui sacrifiant mon amour... Venez! Venez!

Ils sortent.

************************************

SCÈNE X

LA COMTESSE, puis GAËTANO.

LA COMTESSE, finissant d'écrire et jetant

les yeux autour d'elle.

Où sont-ils?... Partis?... Ah! Tant mieux!...

(Elle sonne; Gaëtano se présente). Cette

lettre au Gouverneur... Vite, allez!... (Après

une pause). Fabio! Mon Dieu! Maudissez-

moi, mais qu'il vive!... C'est mon sang, vous

le savez, que j'eusse voulu donner pour le

sien!... Oh! Mais Policastro l'a dit, demain la

révolte aura triomphé... Oui, oui.... Et là, dans

un instant, mon enfant... (Elle s'est approchée

de la fenêtre). Oh! Cet échafaud... Toujours,

toujours debout!... Et cette foule immobile,

foule barbare!... Pas un cri, pas un murmure...

Elle attend!... Mais on ne brisera donc pas ces

instruments de mort?... Ô mon Dieu! Mon

Dieu! Aurais-je fait deux victimes?

(Clameurs au dehors. Elle revient vivement à

la fenêtre). Ah! Ce n'est pas un rêve, une

illusion... Je vois, je comprends, j'existe!...

Voilà les gens du Gouverneur qui abattent

l'échafaud! (Tombant à genoux). Merci, mon

Dieu! Merci!...

************************************

SCÈNE XI

LA COMTESSE, GAËTANO, un papier à la

main.

LA COMTESSE, courant à lui.

Ah! Pour moi... Donnez! Donnez!... (Après

avoir lu). Sauvé! Mon Fabio! Mon fils!... (À

Gaëtano). Écoutez!... Vous allez faire

préparer des chevaux, sans retard... En même

temps vous commanderez l'escorte qui doit

accompagner la voiture jusqu'à Verceil...

Allez, monsieur, allez!

GAËTANO

Vous n'avez rien de plus à m'ordonner?

LA COMTESSE

Non... Seulement, quand tout sera prêt, c'est

ici que vous viendrez... Il y sera...

Gaëtano sort.

************************************

SCÈNE XII

LA COMTESSE, puis FABIO.

LA COMTESSE

Oui, oui, qu'il parte... Le Duc l'exige... Et

moi, oh! Je le veux aussi!... Je vais donc lui

dire adieu pour toujours... Il me quittera sans

que je me fasse connaître, et le nom de mère,

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ce nom si doux à entendre, je mourrai sans

qu'il me l'ait donné!

FABIO, entrant.

Libre, ont-ils dit? Je suis libre?... Oh! Mais

c'est un prodige! (Voyant la Comtesse).

Quelqu'un... Toi, nourrice?... Ah! Je

comprends! Je comprends!

LA COMTESSE

Fabio!

FABIO

Oh! C'est à toi que je dois la vie, n'est-ce pas?

C'est toi qui m'as sauvé?... Mais ce costume...

Ah! Je devine encore, tu l'as pris pour arriver

jusqu'à moi, et tu as bien fait, car on n'écoute

pas les malheureux!... Mais comment le Duc

a-t-il consenti à pardonner? Qu'as-tu dit?

Qu'as-tu fait? Parle!

LA COMTESSE

Laissez-moi jouir à mon aise du bonheur de

vous voir... Vous saurez assez tôt... Ah!

Pauvre enfant! À quelle extrémité m'avez-

vous réduite! Quelle faute avez-vous

commise!... Elle a eu pour vous des suites si

fatales que je n'ai pas la force de vous la

reprocher... Mais votre rançon m'a coûté bien

cher!

FABIO

Que veux-tu dire?

LA COMTESSE

Ne m'interrogez pas... Vous vivrez! Voilà ce

qui vous importe... Le reste, c'est à moi seul

de m'en occuper... Mais il faut fuir ces lieux

maudits, les fuir sur-le-champ... Dans

quelques minutes on va venir vous chercher...

FABIO

Hélas!

LA COMTESSE

Est-ce ainsi que vous accueillez la liberté, la

vie?... Que regrettez-vous donc à Milan?...

Ah! Oui, j'oubliais... Mais soyez tranquille...

Elle vous rejoindra!

FABIO

Nourrice, de qui parles-tu? Je ne te

comprends pas.

LA COMTESSE

Si fait, si fait!... Vous me comprenez à

merveille, et c'est mal de ne pas avoir eu plus

de confiance en moi, nous aurions peut-être

évité bien des malheurs!... Allons, vous

n'avez que des sujets de joie; vous voyez que

je ris, Fabio, faites comme moi... Soyez

heureux!

FABIO

Ah! Quand même j'accepterais l'espoir dont

tu me flattes, puis-je partir heureux, quand je

m'exile, quand je vois ma patrie menacée de

nouveaux désastres, quand le plus noble de

ses enfants peut-être va me remplacer sur un

échafaud?

LA COMTESSE

Comment?

FABIO

Oui, ceux qui viennent d'ouvrir mon cachot

n'ont pas voulu que ma joie fût de longue

durée, ils m'ont bien vite brisé le cœur par

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cette fatale nouvelle, l'arrestation du Comte

Manzoni!

LA COMTESSE

Vous vous intéressez à lui? Vous le

connaissez donc?

FABIO

Il y a quelques jours, sur le pont du Naviglio,

je lui ai sauvé la vie.

LA COMTESSE

Ô Providence!

FABIO

Et depuis, je l'ai assez vu, nourrice, pour

pouvoir apprécier en lui le meilleur, le plus

généreux des hommes; tiens, il y a une heure,

à cette place, on m'offrit la vie, si je

consentais à l'accuser... Mais ce n'est pas moi

qui l'aurais trahi!... Un misérable, séduit sans

doute par l'appât de l'or, a livré sa retraite au

Gouverneur. Ah! Quel que soit cet infâme,

malheur, malheur sur lui!

LA COMTESSE

Fabio, vous ne savez pas qui vous accusez, et

vous ne pouvez lire dans le cœur du

coupable... Taisez-vous, taisez-vous!

FABIO

Que je me taise!... Ah! Si le délateur est dans

ce palais, puisse ma voix percer ces murailles

pour arriver jusqu'à lui... Malédiction sur cet

ami perfide en qui Manzoni devait se fier, et

qui lui a donné le baiser de Judas! S'il a des

enfants, que ses enfants le méprisent, que

Dieu le frappe dans tout ce qui lui est cher;

que son nom soit rendu public et voué à

l'exécration de l'Italie et de la postérité!

LA COMTESSE

Assez, assez! Je ne puis entendre ces

horribles paroles, elles me déchirent le cœur,

elles me donnent le vertige!

FABIO

Nourrice, qu'est-ce donc? Que signifie...

LA COMTESSE

C'est moi qui ai livré le Comte Manzoni!

FABIO

Je ne te crois pas; tu es folle!

LA COMTESSE

Tuez-moi; j'ai dit la vérité!

FABIO, avec horreur.

Ô mon Dieu! Mon Dieu!

LA COMTESSE

Mon crime est affreux... Allez, je le sais

mieux que vous, et vous ne pouvez encore en

apprécier toute l'horreur... Mais fussé-je mille

fois condamnée par Dieu et par les hommes,

vous, Fabio, vous devriez peut-être

m'absoudre, car si j'ai livré le Comte, c'était

afin de vous sauver!... Savez-vous que votre

échafaud se dressait là, sur cette place, et qu'il

n'y avait que ce moyen de le renverser?...

Vous n'avez pas d'amis à Milan, vous! Vous

périssiez sans que personne prît votre

défense... Et Manzoni, nous avons devant

nous vingt-quatre heures, c'est plus qu'il n'en

faut pour le délivrer!

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FABIO

Et sur cet espoir-là vous avez livré sa tête!...

Ah! Pensée de l'enfer, pourquoi ne l'avoir pas

repoussée?...

LA COMTESSE

Est-ce que je le pouvais, malheureux?... Est-

ce que je pouvais te laisser mourir?... Fabio,

regarde-moi, mon secret m'échappe... Un

crime pareil à celui que j'ai commis ne peut

être inspiré que par la nature; elle a crié dans

mon cœur: ne parle-t-elle pas au tien? Ne te

dit-elle pas que je suis ta mère?

FABIO

Ma mère!... Vous, ma mère!... Ah! Que Dieu

vous juge, moi je ne puis que vous plaindre et

que vous embrasser!

LA COMTESSE

Tu me pardonnes donc?... Je ne te fais pas

horreur?

FABIO, la conduisant à un fauteuil.

Que dites-vous?... Ah! C'est à vous de me

pardonner des paroles insensées... Ma mère!

Toi, nourrice!... Et je ne le devinais pas!...

Ah! Quelle autre qu'une mère m'eût témoigné

tant d'amour? Mais parlez, expliquez-moi le

mystère de votre vie et de la mienne.

************************************

SCÈNE XIII

LES MÊMES, POLICASTRO, puis

GAËTANO, suivi de gardes.

POLICASTRO, paraissant dans la galerie.

Que vois-je?... Ah! Je saurai tout!

Il se cache à droite, aussitôt les gardes et

Gaëtano se présentent au fond.

LA COMTESSE, les voyant entrer.

Ô mon Dieu! Déjà!

FABIO

Qu'y a-t-il?

GAËTANO

C'est vous que je viens chercher, monsieur; la

voiture est en bas; il faut partir.

FABIO

Partir!... Non, non, je ne pars pas... Je reste

ici.

LA COMTESSE

Ah! Malheureux! Qui dis-tu?

FABIO

Avez-vous donc pensé que je profiterais du

moyen de salut qui m'est offert, que

j'accepterais la liberté, maintenant que je sais

tout?... Ah! Je n'ai pu malheureusement

empêcher que le sacrifice ne fût consommé...

Ce que vous avez fait, ma mère, Dieu, qui

pèse les actions humaines, pas plus que moi,

n'osera le condamner sans doute; mais si j'y

souscrivais, voyez-vous, ce serait une lâcheté,

une lâcheté insigne, et votre fils ne veut pas

d'une existence déshonorée!... (Se tournant

vers les gardes). Qu'on me ramène à la tour.

LA COMTESSE

Juste ciel!

GAËTANO

L'ordre de Son Excellence est formel, et s'il le

faut, je l'exécuterai par la force.

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FABIO

Ah! Malheur, malheur!

GAËTANO, aux gardes.

Vous m'avez entendu, qu'on entraîne ce

jeunne homme!

Les gardes se jettent sur Fabio.

FABIO

Adieu, ma mère! Soyez heureuse; moi, je ne

demande plus qu'à mourir!

Fabio sort emmené par les gardes.

************************************

SCÈNE XIV

LA COMTESSE, puis POLICASTRO.

LA COMTESSE, se dirigeant vers le fond.

Fabio! Mon Fabio!

POLICASTRO, paraissant.

Arrêtez!

LA COMTESSE

Policastro!

POLICASTRO

Oui, Policastro, qui allait vous maudire et qui

n'en a plus le courage... Sa mère! Vous êtes sa

mère!... Ah! Je comprends tout, je

comprends... Pauvre femme!... Mais

maintenant que la mère a fait son devoir,

l'épouse veut-elle remplir le sien?

LA COMTESSE

Oh! Dut-elle y périr!... Conseille-moi; que

faut-il faire?

POLICASTRO

Délivrer le Comte ou périr avec lui. Je vous ai

dit que tout était prêt pour la révolte, que

demain elle aurait triomphé... Qu'elle éclate

cette nuit même! Et comme il faut le nom de

Manzoni pour rallier nos milanais, prenez un

drapeau et marchez à notre tête... Je me

charge, moi, d'expliquer votre crime à toutes

les mères, et elles se lèveront pour vous

justifier!... Hésitez-vous, madame?

LA COMTESSE

Je suis prête!

POLICASTRO, l'entraînant.

Aux armes donc! Aux armes!

************************************

ACTE QUATRIÈME

Le préau de la prison ducale. À droite, une

porte cachée dans la muraille; une autre porte

à gauche; tout auprès, une fenêtre grillée.

__________

SCÈNE PREMIÈRE

SIMONETTA, GREGORIO, GARDES au

fond.

Au lever du rideau, Simonetta se promène de

long en large. La porte de droite s'ouvre, deux

gardes paraissent, poussent Gregorio en

scène, et se retirent en fermant la porte.

Gregorio porte une robe de moine.

GREGORIO, se débattant.

Mais quand je vous dis que vous vous

trompez... Ah! Bien oui, ils ne m'écoutent

seulement pas... Et moi qui croyais échapper

sous cet habit à l'infernal tapage qui se fait

dans la ville.

SIMONETTA

Un moine!

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GREGORIO

Ah! Cet homme est sans doute celui dont on

m'a parlé.

SIMONETTA, saluant.

Mon frère...

GREGORIO

Hélas! Maître, je ne suis pas ce que vous

croyez...

SIMONETTA

Eh! Mais, je ne me trompe pas, vous êtes le

portier du couvent des Dominicains... Quel

hasard vous amène donc ici?

GREGORIO, à part.

Comment, l'infortuné ne sait donc rien?...

(Haut). Tout-à-l'heure, mon maître, en

traversant la place, j'ai été saisi, c'est le mot,

par deux soldats espagnols, qui, trompés par

cette robe, m'ont dit qu'on réclamait mon

ministère pour...

SIMONETTA

Ah! Mon Dieu! J'ai peur de vous

comprendre... Achevez.

GREGORIO

Pour un malheureux qui, dans une heure, doit

être exécuté.

SIMONETTA

C'est fait de moi!... Mon dernier moment est

venu... (Il se promène avec agitation.

Gregorio le suit). Et c'est un moine qu'ils ont

cru saisir en vous?... Mais vous ont-ils dit si

le malheureux dont il s'agit doit être pendu ou

décapité?

GREGORIO

Cette question me paraît oiseuse.

SIMONETTA

Du tout! Du tout!... (À part). On décapite les

nobles, et on pend les bourgeois. (À

Gregorio). Êtes-vous instruit sur ce point?...

Veuillez me répondre.

GREGORIO

Attendez... Je ne me rappelle pas trop. (À

part). Il tient beaucoup au genre de mort; je

ne vois pas pourquoi... Mourir pour mourir, à

moins que ce ne soit de vieillesse...

SIMONETTA

Eh bien?

GREGORIO

Eh bien! Décidément, je crois qu'ils ont dit:

pendu!

SIMONETTA

Oh! Je suis un homme mort!

Il tombe accablé sur un banc.

GREGORIO

Allons, maître, du courage!

SIMONETTA

Ah! Ce n'est pas ce qui me manque... Mais je

viens de passer quinze heures dans un cachot,

sans boire ni manger!

GREGORIO

Sans boire ni manger!... Pauvre homme,

remettez-vous... (Lui présentant une gourde).

Et prenez un peu de consolation.

Simonetta repousse la gourde. Gregorio avale

quelques gorgées.

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286

SIMONETTA

Je m'explique tout maintenant: on accorde

aux condamnés ce qu'ils désirent, c'est pour

cela qu'on m'a donné de l'air et promis du

pain; qu'on vient de m'accorder un laissez-

passer pour ma femme... Cela ne peut pas me

suffire... Je veux la vie; je donne les vingt

mille ducats!

GREGORIO

Vingt mille ducats!

SIMONETTA

C'est le prix qu'ils mettent à ma rançon; je les

ai offerts cette nuit, mais on m'a ri au nez, en

me disant: il est trop tard!

GREGORIO

Ah çà! Vous êtes donc le plus riche

particulier de la ville?

SIMONETTA

De mon vivant, j'étais marchand de soieries,

et l'on m'appelait Jean Simonetta...

GREGORIO

Maître Simonetta... (On ouvre la porte de

droite. Simonetta effrayé, tombe à genoux;

Gregorio étend les mains sur lui). Repentez-

vous! Repentez-vous!

************************************

SCÈNE II

LES MÊMES, LE COMTE, GAËTANO.

GAËTANO, au Comte.

Vous avez demandé un moine de l'ordre des

Dominicains, il est ici.

Il se retire.

SIMONETTA, se relevant, à part.

C'est pour ce pauvre Comte... Ah! Cela me

fait bien de la peine, mais, ma foi, je n'en suis

pas fâché. (Haut). Monsieur le Comte...

LE COMTE

Je suis à vous. (À Gregorio). Approchez:

êtes-vous en effet du couvent des

Dominicains?

GREGORIO

Hélas! Monseigneur, je n'en suis, ou plutôt, je

n'en étais que le portier; c'est par erreur...

LE COMTE

Ah! C'est vous, bon Gregorio... N'importe:

entouré d'ennemis dont je ne dois attendre

aucun service, j'avais fait appeler un

Dominicain pour lui confier une mission

sacrée... Ces tablettes contiennent mes

dernières volontés... Promettez-moi de les

remettre à ma nièce Julia, la fille du Marquis

Ottavio Manzoni.

GREGORIO

Vos intentions seront remplies... (À part).

Celui-là n'a pas peur, au moins!

Il sort. Le Comte s'assied sur un banc.

SIMONETTA, au Comte.

On disait votre retraite si sûre...

LE COMTE

Vous voyez que j'ai été livré.

SIMONETTA

Savez-vous par qui?

LE COMTE

Le savez-vous vous-même?

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SIMONETTA

Comment voulez-vous que dans cette

prison...

LE COMTE, se levant.

C'est vrai.

SIMONETTA

Vous avez vu le Gouverneur?

LE COMTE

Oui.

SIMONETTA

Et...?

LE COMTE

Et la sentence doit être exécutée ce matin...

SIMONETTA

Grand Dieu!

LE COMTE

Ne me plaignez pas... Ma mort sera peut-être

plus utile que mon existence à la cause de la

patrie... D'ailleurs, j'ai trop appris à connaître

ce monde que je vais quitter; je sais combien

tout y est faux et menteur... Comment on s'y

joue des affections les plus saintes... Et je ne

laisse ici-bas personne que je regrette...

SIMONETTA

Personne?

LE COMTE

Je n'ai plus de fils pour pleurer sur ma cendre

et pour faire revivre mon nom...

SIMONETTA

Mais il vous reste une épouse!... Madame la

Comtesse...

LE COMTE

La Comtesse?... Ah! Qu'on ne me rappelle

pas ce souvenir! Qu'on ne rouvre pas la plus

cruelle de mes blessures!... Je ne veux pas la

voir... Je veux mourir sans lui parler!...

Entre une femme voilée conduite par

Gaëtano.

SIMONETTA

On vient... Calmez-vous!

LE COMTE

Une femme!

SIMONETTA

Ah! Oui, c'est la mienne sans doute... (Le

Comte retombe pensif sur le banc. La femme

voilée remet un papier à Gaëtano, qui se

retire. Simonetta remonte la scène). Mais

non... Ce n'est pas là Dame Marguerite!... Qui

donc a pris sa place?

LA COMTESSE, levant son voile.

Moi... Silence!... Laissez-nous!

Simonetta s'éloigne tout stupéfait par le fond.

************************************

SCÈNE III

LE COMTE, LA COMTESSE.

LA COMTESSE, courant à son mari.

Ludovic! Mon Ludovic!

LE COMTE

C'est vous...?

LA COMTESSE

Est-ce que tu ne m'attendais pas?

LE COMTE

Je vous croyais partie de Milan...

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LA COMTESSE

Moi!... Quel est cet accueil?... Tu m'en veux

d'avoir tardé, n'est-ce pas?... Mais c'est qu'il

fallait avant tout songer à ta délivrance...

LE COMTE

C'est là ce qui vous a retenue?

LA COMTESSE

Et je t'apporte la vie, entends-tu bien?

LE COMTE

La vie?

LA COMTESSE

Laisse-moi rassembler mes idées... J'ai tant de

choses à te dire... Et depuis deux jours j'ai

tant souffert!

LE COMTE

Remettez-vous...

LA COMTESSE

C'est par un subterfuge et sous le nom d'une

autre que j'ai pu arriver jusqu'à toi... Parlons

bas... Tout serait perdu si nos projets

pouvaient être soupçonnés! Hier, au moment

de ton arrestation, je voulais, aidée de

Policastro, soulever la ville en ta faveur...

Mais tes amis ont craint que, pendant qu'ils se

battraient dans les rues, on ne t'immolât dans

ta prison, et voici le plan qu'ils ont arrêté...

Avant une heure, on doit te faire quitter la

tour pour te conduire à l'endroit où sont déjà

préparés les instruments de ton supplice... Il y

aura une haie de gardes sur ton passage...

Derrière eux, nos amis se seront placés... Au

coup de neuf heures, tu agiteras en l'air ton

chapeau, en criant: vive l'indépendance! À ce

cri, les espagnols tomberont terrassés, et tu

seras libre, mon Ludovic! Tu seras sauvé!

LE COMTE

C'est bien.

LA COMTESSE

Tu n'oublieras pas le signal?

LE COMTE

Je puis l'oublier... Je ne le donnerai pas!

LA COMTESSE

Que dis-tu?

LE COMTE

Je dis, Thécla, que j'ai vécu trop d'un jour, et

que je ne tiens plus à la vie depuis que vous

m'avez si indignement trompé!

LA COMTESSE

Moi, Ludovic?

LE COMTE

Oh! La haine de mes ennemis est ingénieuse

à me torturer le cœur... Le Duc a vu que je

mourrais tranquille, et sa rage n'y trouvait pas

son compte!... Reconnais-tu l'écriture de ce

billet qu'il a glissé dans ma main?

LA COMTESSE

Ma lettre!... Le misérable!

LE COMTE

Quel est-il donc ce Fabio, pour qui vous avez

livré votre époux?... Ah! Je n'ai pas été la

dupe du généreux dévoûment de ma nièce...

C'est en vain qu'elle s'est accusée, la noble

enfant! Ce Fabio, c'est cet inconnu qu'on a

trouvé chez vous, la nuit, caché... Votre

amant enfin!

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289

LA COMTESSE

Ah! Que Dieu te pardonne! C'est mon fils!

LE COMTE

Votre fils?

LA COMTESSE

Le nôtre!... Cet enfant disparu il y a dix-huit

ans, et que je t'avais ravi moi-même...

LE COMTE

Ah! Dis-tu vrai?

LA COMTESSE

Oui, cet enlèvement, qui t'a coûté tant de

larmes... J'en étais seule coupable! Pardonne-

moi, j'étais mère, et je voulais soustraire mon

fils à vos haines politiques; je voulais qu'il fût

élevé comme un autre homme, et nom

comme le vengeur et l'héritier des Manzoni...

Vaine précaution! Un jour le sang de ses

aïeux s'est réveillé dans ses veines... En le

voyant près de monter sur l'échafaud, ma tête

s'est perdue... Il n'y avait qu'un moyen de

racheter sa vie...

LE COMTE

C'était de livrer la mienne!... (La Comtesse

tombe à genoux... Un silence). Ah! Viens,

viens dans mes bras... Tu as mille et mille

fois bien fait!

LA COMTESSE

Ludovic!

LE COMTE

Ah! Je regardais la mort sans pâlir... Ta

trahison me brisait le cœur, mais n'altérait pas

mon courage... Et devant cette joie inespérée,

immense, je sens mes larmes qui coulent et

mes forces qui m'abandonnent. Mon fils est

vivant! C'est ce bon, ce noble jeune homme

auquel je dois la vie, le savais-tu?... Ah! Que

je t'embrasse encore, et sois bénie, pauvre

femme! Je devine tout ce que tu as souffert

quand il a fallu le sauver!

LA COMTESSE

Tu me pardonnes?

LE COMTE

Je te remercie et je t'aime!... Ah! Si tu l'avais

laissé périr, c'est alors que je t'eusse

maudite... Mon fils! Oh! Quand le reverrai je?

LA COMTESSE

Dieu le sait... Hier il est parti pour la France.

LE COMTE

Oh! Je donnerai le signal maintenant... Je ne

veux plus mourir!

Musique sourde.

LA COMTESSE

Écoute!... Des clameurs lointaines...

LE COMTE

C'est l'heure fatale qui approche!

LA COMTESSE

Non, ce sont des coups de feu; la révolte a

éclaté sans doute... Tes amis n'auront pu la

contenir plus longtemps.

LE COMTE

Le bruit s'accroît... On dirait que le peuple se

dirige de ce côté.

LA COMTESSE, à la fenêtre.

En effet, il vient te délivrer, Ludovic... Que

Dieu te sauve!

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290

LE COMTE

Que Dieu sauve mon pays!

Quelques arquebusiers traversent en courant

le fond du théâtre et entraînent ceux qui

gardaient le Comte. La fusillade se rapproche.

On entend aussi le bruit du tocsin et celui du

canon.

LA COMTESSE

Voici le canon!

LE COMTE

Celui de la citadelle!... Dieu juste! Est-il donc

arrivé le jour des représailles?

************************************

SCÈNE IV

LES MÊMES, DON GARCIAS, suivi de

gardes.

DON GARCIAS, tout agité.

Comte Manzoni, suivez-moi sur-le-champ...

(Apercevant la Comtesse). Trahison! Vous

ici, madame?... Venez, venez tous deux!

LE COMTE

Où voulez-vous nous conduire?

DON GARCIAS

À la citadelle, par le souterrain qui aboutit à

cette salle... Hâtez-vous! Partons!

LE COMTE

Eh bien! Je vous déclare que nous ne vous

suivrons pas! Si nous devons périr, que ce

soit à cette place! (Serrant la Comtesse dans

ses bras). Du moins, nous mourrons

ensemble!

GAËTANO, accourant.

Monseigneur... Monseigneur! Les rebelles ont

forcé la première porte!

DON GARCIAS

Voici la clef du souterrain... Ouvre vite!...

Soldats, entraînez cet homme... Et vous,

madame, suivez-moi!

LE COMTE, se débattant.

Infâmes!

LA COMTESSE

À l'aide! À l'aide!

DON GARCIAS

Un cri de plus, et vous êtes morte!

Don Garcias entraîne la Comtesse vers le

souterrain; au même instant, Policastro en

sort à la tête d'une troupe de conjurés.

************************************

SCÈNE V

LES MÊMES, POLICASTRO, CONJURÉS.

POLICASTRO, frappant Don Garcias.

Halte-là, monseigneur, on ne passe pas!

Don Garcias tombe en poussant un cri. Les

conjurés s'élancent sur les espagnols et les

désarment.

TOUS

Policastro!

LE COMTE

C'est toi?

POLICASTRO

Oui, Comte; la citadelle s'est rendue...

LE COMTE

Mais qui donc assiége cette prison?

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POLICASTRO

Votre fils!

LE COMTE et LA COMTESSE

Fabio!...

POLICASTRO

Noble jeune homme! Dès que ses gardes l'ont

abandonné, il est revenu sur ses pas pour périr

ou pour vous sauver!... Son impatience a

changé notre plan de bataille... Et tenez,

tenez, voilà son ouvrage!

Un coup de canon a ouvert une brèche dans le

mur du fond. On enfonce les portes. Le

peuple entre en foule.

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SCÈNE VI

LES MÊMES, FABIO, l'épée à la main,

TOUS LES PERSONNAGES.

LE PEUPLE

Victoire! Victoire!

LA COMTESSE, courant au-devant de son

fils.

Fabio! Mon fils! (Lui montrant le Comte).

Ah! D'abord dans les bras de ton père!

FABIO

Mon père!... Moi, votre fils! Moi, l'héritier

des Manzoni!

LE COMTE

Ainsi nos milanais...

FABIO

Victorieux sur tous les points! Plus

d'étrangers! Nous sommes enfin les maîtres

chez nous!... (Se tournant vers le fond).

Amis! Une ère nouvelle vient de commencer

pour la Lombardie... Ce que notre courage a

conquis, notre courage saura le conserver...

Dictons nos conditions à l'Espagne, l'olivier

d'une main, l'épée de l'autre!

TOUS

Vive l'indépendance!

FIN

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(LAFONT, Charles & PARFAIT, Noël. "Fabio le Novice". In: Magasin Théâtral, Paris, Marchant, Tomo 30, 1841).