Brotéria_artigo Ana Leitão

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BrotriaA EXPULSO DOS JESUTAS 250 ANOS 1759-2009ANA LEITO

2/3VOL. 169

ANTONIO ASTORGANO ABAJO ANTNIO JLIO LIMPO TRIGUEIROS, SJ ANTNIO VAZ PINTO, SJ CARLOS CABECINHAS CARLOS A. MARTNEZ TORNERO CHRISTINE VOGEL FRANCISCO PIRES LOPES, SJ INMACULADA FERNNDEZ ARRILLAGA JOS EDUARDO FRANCO MAR GARCA ARENAS MARIA DE LURDES CRAVEIRO MARIAGRAZIA RUSSO MIGUEL CORRA MONTEIRO MIGUEL REAL TIAGO C. P. DOS REIS MIRANDA ZLIA OSRIO DE CASTRO

Agosto/Set 2009

Agosto/Setembro 2009Srie MensalAssinatura para 2009: Portugal 47,00 - (IVA includo); U. Europeia 90,00 -; Outros pases 95,00 Este nmero avulso: 15,00 - (IVA includo) Nmeros atrasados (+3 anos): preo actual NIB: 0007 0101 00461660002 25

Na capa: Gravura Alegoria expulso dos Jesutas.Agradecemos Sociedade Martins Sarmento, nas pessoas do seu Presidente, Dr. Antnio Amaro das Neves, e do seu Director, Dr. Eduardo Brito, a amvel cedncia da imagem desta gravura, pertencente ao seu acervo.

ISSN 0870-7618Depsito Legal 54960 / 92 Tiragem: 1350 exs.

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Director Conselho de Direco Conselho de Redaco

Antnio Vaz Pinto S.J. Manuel Morujo S.J. Domingos Terra S.J. Alfredo Dinis S.J. Antnio Jlio Trigueiros S.J. Daniel Serro Domingos Terra S.J. Emlia Nadal Francisco Sarsfield Cabral Henrique Leito Isabel Horta Correia Joo Norton S.J. Mrio Garcia S.J. Miguel Corra Monteiro Francisco Pires Lopes S.J. Isidro Ribeiro da Silva S.J. Antnio Jlio Trigueiros S.J. Ana Maria Pereira da Silva Ana Rodrigues Isabel Tovar de Lemos Teresa Olazabal Cabral Brotria Associao Cultural e CientficaNIPC 503312070 R. Maestro Antnio Taborda, 14 1249-094 Lisboa Tel. 21 396 16 60 - Fax 21 395 66 29 E-mail: [email protected] NIB: 0007 0101 00461660002 25 Oficinas Grficas de Barbosa & Xavier, Lda., Braga Rua Gabriel Pereira de Castro, 31-A e C 4700-385 Braga Tels. 253 618 916 / 253 263 063 Fax 253 615 350 NIPC 500041539

Recenso e Crtica Bibliotecrio Secretariado

Design Grfico PropriedadeDireco, Administrao, Assinaturas e Distribuio

Composio e impresso

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NDICE111 113 135 Antnio Vaz Pinto, S.J. Zlia Osrio de Castro

250 anos da expulso dos Jesutas - 1759-2009 Sob o signo da unidade. Regalismo vs. Jesuitismo Memria por alvar: registos legais / monumentos polticos O Negcio Jesutico e o papel da poltica regalista portuguesaMiguel Real Antnio Jlio Limpo Trigueiros, S.J. Tiago C. P. dos Reis Miranda

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Padre Gabriel Malagrida e o Marqus de Pombal Ecos de uma expulso: paralelismos e divergncias no desterro dos jesutas ibricos O ensino lingustico dos Jesutas e a oposio no Sculo das Luzes O significado da expulso dos jesutas na educao brasileira O espao jesutico em Coimbra em torno da expulso e depoisMaria de Lurdes Craveiro Ana Leito Mariagrazia Russo Mar Garca Arenas

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Estudo comparativo sobre a aplicao das temporalidades espanholas e portuguesas O desamparo dos Jesutas Portugueses durante o seu desterro nos Estados Pontifcios O pagamento das cngruas aos Jesutas portugueses exilados em Itlia no reinado de D. Maria I Para uma periodizao da literatura dos jesutas portugueses expulsos (1759-1814) Manuel de Azevedo, S.J. um ilustre exilado (1713-1796) Um acontecimento meditico na Europa das Luzes: A propaganda antijesutica pombalina em Portugal e na EuropaRecenses Jos Eduardo Franco e Christine Vogel Carlos Cabecinhas Antonio Astorgano Abajo Miguel Corra Monteiro Inmaculada Fernndez Arrillaga

Carlos A. Martnez Tornero

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Editorial250 anos da expulso dos Jesutas -1759-2009 -

Antnio Vaz Pinto SI

A 3 de Setembro de 1759, faz agora precisamente 250 anos,

foram expulsos das suas casas e obras, de Portugal e dos seus domnios, os jesutas, membros da Companhia de Jesus. um acontecimento complexo, nas suas causas e efeitos, e record-lo no pode ser de modo algum saudosismo ou revanchismo. Que a Revista Brotria, pertena da Provncia Portuguesa da Companhia de Jesus, assinale esta expulso com um nmero especial, temtico, com colaboraes vrias, a maior parte de no-jesutas, no s compreensvel, como justo. Na verdade, a expulso dos jesutas de Portugal, em 1759, por iniciativa do Marqus de Pombal, que vai ser seguida pela Frana, Espanha e demais cortes bourbnicas, at chegar prpria extino da Companhia, pelo Papa Clemente XIV, em 1773, por si s um facto extraordinrio, em termos religiosos, polticos, sociais e culturais, que s encontra algum paralelo na extino dos Templrios, sculos antes (1312). Estes, para no mais ressuscitarem data da expulso e extino, a Companhia de Jesus era a maior ordem religiosa da Igreja Catlica, tendo quase o monoplio do ensino secundrio e dirigindo mltiplas universidades. Os seus filsofos e telogos eram reconhecidos, a sua presena na cultura e na cincia indiscutveis e a sua abnegada aco missionria ia dos sertes do Brasil at ao Japo, passando pela Amrica do Norte, a ndia e a China A importncia dos seus colgios na defesa do catolicismo, a presena dos jesutas nas vrias Cortes Reais e a sua influncia junto da nobreza no podem ser subestimadas 111

Aquando da extino, em 1773, isto apenas uma nota, 744 instituies de ensino secundrio e universitrio, espalhadas por todo o mundo, ficaram sem cabea Como foi possvel chegar aqui? A fraqueza dos Papas indiscutvel, a m-vontade do Marqus de Pombal (alis entrado na Corte pela mo dos jesutas) inquestionvel Mas no bastam estes factores pessoais para explicar o acontecido A excessiva influncia na Corte e junto da nobreza, a ideologia iluminista e regalista, o despotismo iluminado que no admitia concorrncia ao poder rgio, as invejas, os interesses econmicos ofendidos ou ameaados, em Portugal e sobretudo no Brasil, todos estes factores e ainda muitos outros, estiveram presentes Este nmero especial da Brotria, nas suas causas e consequncias, debrua-se sobre este acontecimento histrico, mpar e complexo, que abalou a Igreja, a sociedade e a cultura nos finais do sc. XVIII. No esqueamos que a histria mestra da vida: dar a Deus o que de Deus e a Csar o que de Csar no se tem revelado fcil nos 2000 anos de histria do Ocidente. E nos prximos 100?

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Sob o signo da unidade Regalismo vs. Jesuitismo

Zlia Osrio de Castro *

metade, ficou conhecido, nomeadamente em Portugal, por cerrados ataques Companhia de Jesus que iriam contribuir para o processo complexo da sua supresso em 31 de Janeiro de 1773, pelo breve Dominus ac Redentor, de Clemente XIV. Estavam em causa, sem dvida como um factor entre outros, mas na perspectiva em anlise de indiscutvel relevncia, os benefcios que lhe foram sendo concedidos e que, com o correr dos tempos, a tornaram efectivamente poderosa. Pela sua cultura ocupava na sociedade lugar de destaque, pelo seu empenho distinguira-se igualmente em terras de misso. Sabe-se igualmente que, no mesmo perodo, o regalismo, enquanto fundamento de uma teoria de poder adoptada pelos monarcas absolutos de cariz iluminista, veio legitimar a interveno dos soberanos temporais em matrias at ento da jurisdio do poder espiritual. Ou seja, o regalismo pombalino defrontava-se no seu processo de afirmao e consequente consolidao com um obstculo: o lugar ocupado pela Companhia e o poder que da resultava. Mas no s. A este confronto, que emergia na superfcie da prtica poltica, juntava-se um outro, que incompatibilizava jesuitismo e regalismo e se plasmava na teoria de poder que cada um defendia e que, do ponto de vista da concepo de soberania, anatemizava o jesuitismo como um contrapoder do regalismo.* Professora catedrtica da Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Cincias Humanas.

Sabe-se que o sculo XVIII, de modo especial a segunda

Brotria 169 (2009) 113-134

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1 Prface, Dfense de la Dclaration de lAssemble du Clerg de France de 1682, touchant la puissance ecclsiastique, tome dix-neuvime, A Lige, chez Libraires Associs, 1768, p. XIX.

Este confronto, com aspectos pontuais expressos em factualidades vrias, tinha razes na complexidade ontolgica do ser de cada um dos grupos que se reclamavam de uma identidade prpria. Da que regalistas e jesutas se reconhecessem na sua prpria unidade identitria porque baseada na essencialidade da sua respectiva realidade. Sendo assim, constituram dois mundos em si mesmos irredutveis, cada um com a sua prpria unidade. A convivncia s seria possvel graas participao comum num igual esprito de tolerncia e rejeio recproca de qualquer aco nica de poder. Acolher o que fosse estranho unidade significaria promover a sua destruio. E refor-la pela coeso e resistncia seria consolidar a identidade, mediante a tomada de conscincia da sua essencialidade, ou seja, seria caminhar no sentido da plenitude de cada um. Da que, na sociedade portuguesa de meados de oitocentos, os jesutas e os regalistas se reclamassem da sua prpria unidade identificadora. Aqueles haviam-na formado desde a sua chegada a Portugal no sculo XVI, trazidos por D. Joo III. Estes, sob o consulado pombalino, retomavam uma prtica secular, fundamentando-a em princpios tericos de poder poltico. O evoluir do tempo deu origem, com o crescente domnio da Companhia de Jesus, ao jesuitismo e, com interveno directa do ministro de D. Jos, ao regalismo pombalino. Se bem que com implicaes especficas em Portugal, o sentido da unidade j anteriormente marcava presena no pensamento europeu. Enunciava-o, em nome de Bossuet, o autor do prefcio da obra do bispo de Meaux intitulada Dfense de la Dclaration de lAssemble du Clerg de France de 1682, touchant la puissance ecclsiastique, face s divises provocadas pelos protestantes, pelos excessos ultramontanos e pelo radicalismo de certos telogos franceses. On ne peut aimer lunit sans aimer aussi lglise () precisou. M. Bossuet a prouv par ses combats a jamais glorieux contre les protestants, combien les intrts de lglise lui taient chers () 1. E continuou

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Il est glorieux M. Bossuet davoir pris le juste milieu entre ces outrs ultramontains et quelques thologiens franais, qui portant aussi tout lextrme, proposent nos articles comme autant de dogmes de foi, et condamnent dhrsie les opinions contraires 2.

2

Idem, ibidem, p. XXII.

Pela pena do prefaciador, a unidade convivia com a tolerncia e exclua o dogmatismo das opinies. Distinguia dogmas de f e opinies particulares. Apenas aqueles eram expresso de unidade. Estas, entendidas como simples opinies, nem atingiam a unidade, nem separavam dela os seus autores. Isto significava que a unidade da Igreja e a sua identidade se definia pelos dogmas universalmente aceites e no pela diversidade de opinies. Numa palavra, la diversit dopinion naltre point lunit catholique 3. A unidade da Igreja, a sua identidade, decorria da sua essencialidade dogmtica. Os acidentalismos que a defrontassem quer por excessivos, quer por limitativos , no a atingiam e, como tal, deveriam ser considerados. A unidade exclua a opinio, mas no quem a professava, visto que s a recusa do dogma significava excluso. Esta reflexo, ao apresentar a unidade da Igreja com base na distino entre o essencial (dogma) e o acidental (opinio), colocava-a acima do tempo e das circunstncias, reconhecendo que os desvios de actuao e disciplina no abalavam a sua identidade 4. O mesmo se poderia afirmar relativamente cadeira de Pedro e a quem a ocupava, como expresso visvel da sua unidade. Lattachement sincre a la chaire de Pierre est insparable de lamour de lunit 5. E, sendo assim, o respeito que lhe era devido igualava o da prpria Igreja, por maiores que fossem os erros praticados pelos papas. Para alm deles estava la dignit la plus respectable qui soit sur la terre 6. Apontavam-se, ento, como maioritariamente criticveis, tanto as invectivas que lhe eram dirigidas por uns, quanto o excesso de direitos e de poder atribudos por outros. Ambos ensombravam o essencial da sua dignidade, fragilizando a sua imagem, tanto entre os cristos como entre os herticos. A Dclaration du Clerg de France teria como objectivo fun-

3

Idem, ibidem, p. XX.

4 Veja-se Idem, ibidem, pp. XIXss.

5

Idem, ibidem, p. XIX.

6

Idem, ibidem, p. XIX.

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damental defender a unidade da Igreja reconduzindo o poder eclesistico pureza dos princpios que haviam sido institudos por Jesus Cristo. Era neste sentido, alis, que se iniciava o seu primeiro artigo:Que Saint Pierre et ses successeurs, vicaires de Jsus Christ et que toute lEglise mme non reu de puissance de Dieu que sur les choses spirituelles et qui concernent le salut et non point sur les choses temporelles et civiles 7.

7 Dclaration du Clerg de France touchant la puissance ecclsiastique. Du 19 Mars 1682, art. I, Prface, Dfense de la Dclaration de lAssemble de Clerg de France de 1682, op. cit., p. XXXV.

8 Veja-se CASTRO, Zlia Osrio de, O regalismo em Portugal. Antnio Pereira de Figueiredo, Cultura Histria e Filosofia, vol. VI (1987), pp. 399-408.

A Igreja galicana, ao aprovar este artigo, retirava ao Papa o poder temporal que indevidamente havia exercido, contrariando os telogos que lho reconheciam ao legitimar o seu exerccio directo, ou na sequncia de Belarmino, o exerccio indirecto. A prpria cria romana reagiu ao que para uns tantos era um espoliamento e um ataque ao papado, tanto mais que posteriormente no s a legitimidade da jurisdio papal, mas tambm o seu exerccio no interno da Igreja viria a ser contestado pelas correntes episcopalistas e conciliaristas 8. Em resumo, a Declarao catalisou tenses no seio da Igreja que, de imediato, pareciam destruir a sua unidade, por atacarem o que era entendido como fazendo parte da sua essencialidade, mas que afinal se viria a reconhecer serem um passo no sentido da sua contemporaneidade. Seja como for, o clero de Frana, ao atribuir Igreja apenas o poder espiritual, libertou os soberanos temporais do poder at ento exercido sobre eles pelo papado, e declarou-o expressamente:Les rois et les souverains ne sont soumis aucune puissance ecclsiastique par lordre de Dieu, dans les choses temporelles; quils ne peuvent tre dposs directement ni indirectement par lautorit des chefs de lglise; que leurs sujets ne peuvent tre dispenss de la soumission et de lobissance quils leur doivent, au absous du serment de fidlit 9.

9 Dclaration (), art. I, op. cit., Dfense (), op. cit., p. XXXVI.

Liberta de um poder externo e dotada de um poder especfico, emergia uma outra unidade, um ser com identidade prpria: o Estado. Entendido este como uma sociedade organizada,

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nascera simultaneamente pela vontade de Deus ao criar o homem como ser social e tambm o poder necessrio para que ela subsistisse. Consequentemente, o Estado resultara da interveno criadora da divindade e da aco organizadora dos seres humanos ao construrem o ordenamento sociopoltico, cujo centro seria o soberano. Cest donc avec grand raison quon regarde la personne des rois comme sacr et inviolable puisqutablis de Dieu, ils sont en terre les dpositaires de la puissance, quils exercent en son nom 10. Sendo assim, o poder espiritual do Papa e o poder temporal dos reis eram igualmente sagrados, pois ambos tinham origem divina e com as suas finalidades especficas integravam-se no plano de Deus. Contudo, embora os dois poderes viessem de Deus, como dizia S. Paulo, explicar a sua efectiva transmisso implicava recorrer a duas formas de fundamentao. A ela recorreram Louis Benigne Bossuet e Louis Elies Dupin, dois expoentes do pensamento galicano. Ambos afirmavam que o poder dado por Jesus Cristo aos apstolos, nomeadamente a S. Pedro, durante a sua vida terrena, fora de cariz meramente espiritual. Invocavam para isso a tradio da igreja primitiva e os escritos dos Santos Padres 11. Nunca Jesus Cristo exercera qualquer poder temporal, nunca dera aos apstolos qualquer outro poder que no fosse espiritual, proibira mesmo de se arrogarem domnio sobre o temporal, j que Ele nunca o exercera 12. Logo, os apstolos no poderiam ir alm do que fora uma vez concedido. Na posse e exerccio deste mesmo poder haviam sucedido a S. Pedro todos os sumo pontfices, at que, no sculo XI, Bonifcio VIII se arrogou os dois poderes. Apoiado por canonistas e telogos que defendiam como certo que Jesus Cristo tinha dado a S. Pedro e a seus sucessores une puissance entire et directe tant sur le temporelle que sur le spirituel; en sorte que le pape est souverain de tout le monde, et que tous les rois et les royaumes dpendent de lui 13. A partir de ento todos os pontfices se assumiram como nicos soberanos, submetendo a si todos os reis e seus domnios. No sculo XVI, quando Belarmino procurou limitar este poder

10

Dfense (),op. cit., Part. I, Liv. I, p. 354.

11 Veja-se DUPIN, Louis Elies, Trait de la puissance ecclsiastique et de la puissance temporelle, Paris, Chez Desaint, 1768, pp. 6-17. 12

Veja-se ibidem, pp. 18-25.

13

Ibidem, pp. 172-173.

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14

Veja-se BOSSUET, Jacques Benigne, Dfense de la Dcleration (), op. cit., pp. 285-293.

absoluto e universal enunciando a doutrina do poder indirecto, ergueram-se contra ele as vozes dos defensores extremos do papado, e tambm os seus opositores por entenderem que ela nada alterava de fundamental. O Papa, diziam, continuava com o mesmo poder universal e nico de cariz bonifaciano. No lhes restavam dvidas que a doutrina primitiva tinha sido adulterada. Importava, pois, regressar sua pureza 14. Este discurso no colhia para legitimar o poder soberano dos monarcas temporais. Jesus Cristo fundara a sociedade eclesistica. Deus criara a sociedade civil para garantir a convivncia pacfica entre os seres humanos, o que implicava a existncia de uma autoridade que se exercesse sobre todos eles, garantindo a paz interna e os salvaguardasse dos ataques e do domnio externo. Deste modo, teria de ser exercida por um poder independente e absoluto, isto , liberto de toda a sujeio. Por isso, no bastava que tivesse origem divina. Implicava tambm que fosse transmitido por Deus aos seres humanos com aquelas caractersticas. Ou seja, implicava que fosse recebido imediatamente de Deus, sem qualquer mediao. Neste sentido afirmava Dupin:Il est donc vrai de dire quil faut que Dieu, qui est le maitre absolu de nos vies et nos biens, ait communiqu une partie de son pouvoir ceux qui sont tablis dans les socits civiles pour les gouverner. Ainsi, soit que ce soient des rois, ou des grands, ou des magistrats, ou tout le peuple quexerce cette autorit, il faut ncessairement quelle vienne immdiatement de Dieu, qui seul peut la donner aux hommes 15.

15 DUPIN, Louis Elies, op. cit., p. 100; veja-se tambm BOSSUET, Jacques Benigne, Dfense (), op. cit., pp. 348-349, 352-254, 442; e CHOISEUL-DU-PLESSIS-PRASLIN, Gilbert de, Rapport fait lAssemble Gnrale du Clerg de France de 1682, in Idem, ibidem, pp. 11-14.

A unidade da sociedade temporal, do Estado, ficava assim fundamentada. Uma s sociedade, um s poder, uma s finalidade. O Estado adquiria, assim, identidade prpria. Reconhecia-se-lhe o estatuto de ser temporal, poltico, paralelo ao de ser espiritual, religioso, da Igreja. Afastada estava de forma definitiva a sua subordinao Igreja, e o poder dos prncipes ao poder do Papa. Cada um era supremo na sua esfera de jurisdio e detinha a plenitude do poder para atingir os seus objectivos. Estado e Igreja seriam assim duas socie-

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dades independentes, iguais quanto origem do seu poder, diferentes quanto jurisdio que lhes competia. Dupin sintetizou a situao recproca das duas sociedades e do poder que as regia por estas palavras:Lglise et ltat forment parmi les hommes deux grands socits. La socit ecclsiastique a pour fin conduire les chrtiens au bonheur eternel; la fin de la socit civile est de procurer le bonheur temporel des peuples qui dpend principalement de la tranquillit de ltat. Ces deux fins sont si distingues entre elles que les moyens pour les obtenir sont entirement diffrents (). En un mot, lautorit de la socit civile steint sur les corps, et celle de lglise sur les curs (). Enfin, les lois des socits civiles nont pour fin que le bien de ltat; mais les socits ecclsiastiques ne doivent avoir autre fin que de maintenir la puret de la doctrine et de la morale de Jsus Christ et dentretenir le bon ordre de la socit ecclsiastique 16.

16 DUPIN, Louis Elies, op. cit., pp. 3-4.

Assim, poder-se- concluir que a unidade da Igreja e a unidade do Estado se imbricavam no galicanismo ao distinguir sob o ponto de vista institucional a identidade do espiritual e do temporal. A partir daqui, perspectivou-se a especificidade do poltico como rea epistemolgica autnoma e contribuiu-se para que a Igreja tomasse conscincia da dimenso temporal do seu munus espiritual. Alm disso, ao influir no despontar do regalismo setecentista que, excludos os excessos, se tornou participante da abertura da Igreja e do Estado ao sentido da temporalidade e, da, construo do mundo contemporneo. A definio da unidade espiritual Igreja e da unidade temporal o Estado no se fez, porm, sem tenses na sua concretizao, e o movimento regalista consubstanciou uma delas, sobretudo se se fizer a sua leitura em termos de poder e de contra-poder. Relembre-se que ao tempo da Dclaration du Clerg de France, no interno da Igreja se contestava tanto a superioridade do Papa como a sua infalibilidade e se propunha a reforma da disciplina eclesial e eclesistica no sentido da colegialidade do seu governo, reforma solicitada por jansenistas e jansenisantes, acompanhados de galicanos e de regalistas. E relembre-se igualmente que externamente se 119

17

Lettre importante a un ami, contenant des claircissements au sujet de lobissance que doivent les Jsuites au Gnral de la Socit, Rome, ce 4 Janvier 1761, [s.l., s.n.], p. 6; veja-se tambm Rflexions critiques sur la rponse a lauteur de lide gnrale des vices principaux de lInstitut des Jsuites, pp. 68-69. Veja-se ibidem, pp. 8-9.

18

19

Ibidem, p. 15; veja-se tambm Rflxions (), supracitadas, pp. 69-71. Veja-se Lettre (), op. cit., pp. 18-20.

20

21 Veja-se Rflxions (), op. cit., pp. 68-73.

contestava nos mesmos meios o poder temporal exercido pelo sumo pontfice. Consequentemente, as intervenes de alguns soberanos e de alguns membros da Igreja criticando o poder papal, pelo teor e objectivos dos seus discursos, apresentavam-se como expresso de um contra-poder que desafiava doutrinariamente o poder estabelecido e os seus adeptos, os ultramontanos. Estes, abertamente contestados, contavam com a militncia da Companhia de Jesus - incansvel defensora do papado. Identificada por uma regra que definia os seus princpios fundadores e os seus objectivos, tambm podia ser considerada uma unidade, que existia em si sem laos institucionais que a ligassem ao Estado e Igreja, desenvolvendo a sua actividade no mbito de um e da outra. A obedincia devida ao padre geral seria o elemento identificador do seu ser, da sua unidade, tornando a Companhia independente e, como tal, liberta de laos de sujeio e apenas dependente da sua vontade. Dizia-se que S. Incio tinha querido que tout le gouvernement de la socit fut monarchique, et ne consistt que dans les dfinitions que donnerait un seul Suprieur (), que le seul Suprieur exercerait une pleine et entire jurisdiction sur tous les membres de la socit vivant sous son obissance 17. Segundo este mesmo autor, o Superior ocupava o lugar de Jesus Cristo e, da, a plenitude de obedincia e respeito que lhe era devida no s no respeitante vida da sociedade mas em tudo 18. Ligados por este voto de obedincia continuava ele abdicavam da sua vontade e razo, submetendo-se do Geral comme sils taient un cadavre qui se laisse manier et tourner dans tous les sens, ou comme le bton dun vieillard qui obit la main de celui qui le tient pour quelque usage quil veuille sen servir 19. O excesso destas palavras era ainda agravado pela acusao de probabilismo em que se enquadravam as decises do Geral, isentando-as de qualquer falta ou delito 20, assim como pela acusao de despotismo como se classificava o seu governo 21. As duras crticas dirigidas Companhia de Jesus exemplificadas nestes textos assentavam em dois pontos. Um dizia

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respeito falta de espao para troca de ideias e para a criao e anlise intelectual. Sob o poder desptico do Geral, os jesutas eram apresentados como autmatos que apenas realizavam o que lhes fosse ordenado. Num perodo em que se apelava s luzes e ao esprito crtico, descrevia-se o ambiente da Companhia como totalmente adverso aos sinais dos tempos. Privados da liberdade de pensar e de agir, os jesutas no passariam de escolhos ao progresso conducente construo de uma nova sociedade. Esta desfocagem da realidade s poderia ter um sentido. Visava destru-la como uma unidade, identificada na sua essencialidade fundadora. No era em vo que se invocava S. Incio e o aval dado por Gregrio XIV. Colocar nas mos do Geral um poder absoluto coadunava-se com os objectivos que haviam presidido aprovao pontifcia da Companhia destinada militncia em nome de Jesus Cristo. Neste sentido, importava que tous les membres lies par une absolue subordination leur Chef, seront propres remplir diverses fonctions que le Chef suprme (le Pape) leur donnera remplir 22. Nesta medida, a Companhia de Jesus, dependente do Papa, como estas palavras claramente indicam, e independente do Estado, facilmente podia ser considerada como um reduto do poder papal no espao do poder rgio, com a consequente minimizao deste. Ora o pombalismo, na sua poltica regalista, pretendia a sua exaltao mediante a afirmao e a consolidao da sua plena jurisdio temporal. Por isso, receava o iderio jesuta e a influncia que os jesutas colheriam na sua divulgao, tanto mais que estavam libertos de qualquer penalizao.Vereis que pretendem estes bons padres, no menos como eclesisticos mas como especialssimos privilegiados pela Santa S, no serem sbditos, nem vassalos do poder secular, e isto sem limitao alguma. Vede quanto oportuno este princpio para se livrarem das leis do principado e do respeito devido aos soberanos. Daqui vem que o maquinar rebelio contra a pessoa do prncipe e usurpar os estados no para eles delito de lesa majestade, nem parricdio tirar a vida aos soberanos daquelas terras onde vivem. Nestes delitos s devem ficar compreendidos os que so vassalos; e como os jesutas o no so, por consequncia no caem neles 23.

22

Ibidem, p. 68.

23

Appendix s Reflexes do Portuguez sobre o Memorial do Padre Geral dos Jesutas, apresentado Santidade de Clemente XIII, ou seja, Resposta do Amigo de Roma ao de Lisboa, impresso em Gnova e traduzido em portuguez, [s.n.], 1759, p. 402.

121

24 Veja-se Ibidem, pp. 405-406. 25

Ibidem, p. 403.

26

Ibidem, p. 405.

Embora no sendo vassalos, os jesutas haviam sabido conquistar lugar de destaque na sociedade. Acusavam-os mesmo de quererem ser tudo ser olhos, ingerindo-se nos negcios do magistrado (), ser ouvidos, informando-se de tudo (), ser corao, mandando de uma parte aos membros mais remotos o humor vital das suas mercadorias e por outro absorvendo-o () 24. Deste modo haviam adquirido poder e riqueza, em parte custa dos bens do estado, da liberdade dos soberanos e da riqueza dos vassalos 25. Semeavam, assim, a confuso, a discrdia, a inrcia, a pobreza, pondo em causa a felicidade e harmonia da repblica 26. Perante esta situao, aos prncipes, que os haviam acolhido com benevolncia, s restava tomar uma deciso: expuls-los dos seus reinos. Se alguns invocavam este comportamento dos jesutas para justificar a sua expulso, outros recorriam a argumentos tericos e doutrinrios para fundamentarem as suas crticas e o seu repdio. No seu entender, os jesutas punham em causa a soberania dos reis. Por variados caminhos e com diversas incidncias a questo fulcral que se colocava era uma questo de poder e, da, a posio do rei face ao Papa e face ao povo. Era-lhes superior ou inferior? Retomava-se, assim, no mbito da nova teoria de poder enunciada pelos galicanos e adoptada pelos regalistas a origem directa e imediata do poder rgio um debate secular. A primeira tomada de posio dos jesutas datava de 1562 aquando da abertura das aulas no seu Colgio de Roma. Enunciaram ento o princpio fundamental do seu pensamento que consistia donner au pape une puissance absolue, ne reconnatre point de jurisdiction de droit divin que la sienne, llever au dessus du Concile e au dessus de toute lglise et en faire un juge infaillible soit dans la foi, soit dans les moeurs 27.

27

Sentiments des Jsuites, pernicieux lautorit et la vie des Souverains, Recueil de pices touchant lHistoire de la Compagnie de Jsus, compose par le Pre Joseph Jouvenci Jsuite et Supprime par Arrt du Parlement de Paris du 24 Mars 1713, A Lige, [s.n.], 1713, p. 193.

Isto significava que reconheciam a soberania papal como nica, superior e absoluta tanto no temporal quanto no espiritual. A autoridade rgia ficava reduzida a nada, a estabilidade do Estado passava a estar dependente de uma entidade estranha, a Igreja no participava no seu prprio governo. Esta

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forma de pensar pressupunha uma concepo unicamente teolgica do mundo e da vida, e informaria o magistrio oficial da Companhia de Jesus. O facto de ter sido exposta no Colgio de Roma seria sintomtico mas no nico. Outros jesutas expressaram idnticas ideias nas suas obras. Estava neste caso o padre Bridgwater ao reconhecer ao Papa o poder de depor os prncipes soberanos, ainda que, sendo legtimos, tivessem abandonado a lei de Deus e a prtica crist 28. Indo mais alm, o padre Franois Tolet defendia que os sbditos no deviam obedincia ao seu soberano se este tivesse sido excomungado 29. Reconhecia ainda ao Papa o poder de castigar os cristos com penas temporais, inclusive com a pena de morte, quer fossem reis, quer fosse o mais humilde dos cristos 30. A continuidade das obras assinadas por jesutas publicadas com uma certa regularidade at s primeiras dcadas do sculo XVII aponta para um plano concertado de apoio ao poder do Papa relativamente soberania dos reis e aos seus domnios. Nomes como Alphonse Salmeron, Jean Ozorius, Grgoire de Valence, Charles Scribani, Gabriel Vasquez, Gilles de Konig, Antoine Santarel entre muitos outros, como os portugueses Manuel de S, Antnio Fernando e os conimbricenses do Colgio dos Jesutas de Coimbra, contam-se entre os autores que expuseram e divulgaram os ensinamentos da Companhia sobre as incidncias do poder dos pontfices romanos. A estes juntam-se os de Robert Belarmin, Lus de Molina e Francisco Suarez que, pela notoriedade dos seus escritos, ocupam lugar parte. Segundo Belarmino, o Papa tinha um poder absoluto sobre os prncipes que exercia sempre que estivesse em causa o bem espiritual. Na obra De Romano Pontifici ensinava explicitamenteque le pape par rapport au bien spirituel, a une puissance souveraine de disposer des biens temporelles de tous les chrtiens; que sil est ncessaire pour la fin spirituel, la puissance spirituelle peut et doit arrter et punir la puissance temporelle par toutes les voies et en toutes les manires quelle jugera ncessairews; que le pape peut changer les roiaumes, les ter aux uns et les donner aux autres, comme Prince spirituel souverain, sil le juge ncessaire pour le salut des mes 31.

28

Veja-se BRIDGWATER, Jean, ibidem, pp. 202-203.

29

Veja-se TOLET, Franois, ibidem, pp. 204-206. Veja-se ibidem, p. 226.

30

31 BELLARMIN, Robert, De Romano Pontfice, lib. 5, cap. 6, apud ibidem, pp. 200-201; veja-se tambm Translatione Imperii Romani, 1590, ibidem, p. 210; e ainda Rponses de Cardinal Bellarmin a un libelle qui a pour titre: Trait et Rsolution de Jean Gerson touchant la validit des excommunications, 1606, p. 98, apud ibidem, pp. 302-303.

123

32

Veja-se MOLINA, Louis, ibidem, pp. 245-252.

33

Ibidem, p. 249.

34

Veja-se, ibidem, pp. 250-251.

35

Veja-se S UAREZ , Francisco, Dfense de la Foi Catholique, apud ibidem, pp. 337-339.

Daqui no restam dvidas quanto sua maneira de pensar as relaes de poder entre o Papa e os reis. Embora diferentes quanto sua jurisdio especfica, era notria a supremacia do poder espiritual sobre o temporal, j que quele reconhecia legitimidade para intervir em matrias em si mesmas de carcter temporal, mas que, atendendo sua mundividncia teolgica, tinham um sentido espiritual. Louis Molina transmitiu o seu pensamento sobre a questo em anlise no tratado De Justitia et Jure publicado em 1602 32. Em virtude do carcter sobrenatural de tudo quanto existe, o Papa detinha os dois gldios, o do soberano poder espiritual e o do soberano poder temporal. Era ele, no s soberano, mas o nico soberano, sendo todos os prncipes sbditos seus. Como tal, podia exercer uma dupla jurisdio, ou seja, pertencia-lhe governar a Igreja e intervir no governo do Estado, por serem aspectos particulares de uma concepo universal da realidade. E declarava que, no exerccio do seu mnus temporal, le Pape peut dposer les Rois, si la conservation de la foi, de lglise ou le bien comun lxige 33. E poderia intervir tambm em caso de heresia, de guerra entre prncipes cristos e revogar leis indevidamente decretadas pelos soberanos 34. Francisco Suarez, considerado um dos maiores telogos jesutas, enunciou no ltimo livro que foi publicado, considerado por isso como seu testamento, doutrina essencialmente semelhante dos seus antecessores. Sem afirmar que o Papa possua o gldio temporal, reconhecia que podia usar as armas de outros prncipes para privar os reis dos seus estados utilizando a aliana entre o gldio espiritual e o gldio temporal para o bem comum de defesa da Igreja. Mostrava assim que tambm seguia a doutrina da superioridade do poder espiritual sobre o temporal, em virtude do que cabia ao Papa aplicar aos reis penas temporais, retirar-lhes os domnios, dep-los e desligar os sbditos do juramento de fidelidade e obedincia 35. A soberania dos reis no se defrontava apenas com o poder papal, opondo galicanos e jesutas. Uma outra doutrina, igualmente funesta aos prncipes temporais, era enunciada e propagada pelos membros da Companhia. Tratava-se da dou-

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trina do tiranicdio, que colocava a vida dos soberanos merc dos sbditos. Entre os primeiros autores que a enunciaram contava-se o jesuta, Padre Valentia que em 1568 publicou na Alemanha um livro intitulado Du Droit des Magistrats sur les Sujets et du Devoit des Sujets envers les Magistrats. Considerando tirania o ordenar coisas contrrias s leis divinas e eclesisticas, ou injustas, reconhecia que sem ofender a Deus se podiam castigar os seus autores 36. Deste castigo no seriam isentos os tiranos por usurpao, nem os prncipes legtimos 37. Uma vez que um particular nunca o podia aplicar a no ser que tivesse recebido de Deus uma vocao extraordinria, competia aos oficiais e magistrados execut-lo, visto que o soberano contrara a obrigao de bem governar 38. Doutrina idntica sobre o direito de um particular matar o tirano enunciou-a Martinho Del Rio em 1589, se bem que com alguns limites: reservava-o ao tirano de usurpao caso no houvesse outro meio de fazer cessar a tirania e ao tirano de administrao apenas para defesa da prpria vida 39. Do mesmo modo e fazendo a mesma distino, ensinava Franois Tolet em 1600, Benot Pereyra em 1603, Lonard Lessius em 1605, e Suarez no mesmo ano, entre outros. Em Portugal ensinou-se a mesma doutrina. Emanuel S, em 1599, Antonius Fernandius, em 1616 e o Padre Baltazar lvares, dos jesutas de Coimbra, em 1662. Todos eles, de uma forma ou de outra, realaram o poder da repblica sobre os reis. Assim, o primeiro escreveuQue celui qui gouverne tyranniquement un tat quil a acquis justement, nen peut tre dpouill sans un jugement publique; mais qu aprs que la sentence a t donne il ny a personne qui nen puisse tre lexecuteur. Quil peut tre dpos par le peuple mme qui lui a jur une obeissance perpetuelle, sil ne peut point se corriger aprs avoir t averti. Pour ce qui est de celui qui na dautorit que celle quil a usurpe tyranniquement, chacun du peuple peut le tuer sil na point dautre remde: car cest un ennemi publique 40.

36 VALENTIA, Du Droit des Magistrats sur les Sujets et du Devoir des Sujets envers les Magistrats, Ingolstadt, 1573, ibidem, pp. 195. 37

Veja-se ibidem, p. 195.

38

Veja-se ibidem, pp. 196-198.

39

Veja-se MARTIN DEL RIO, apud ibidem, pp. 206-209.

40

Antonius Fernandius, por seu lado, no comentrio sobre as vises das Sagradas Escrituras, revelou-se, de certo modo, crtico quanto dignidade rgia. isto, alis, que se deduz

S, Emanuel, Aphorismi Confessarium, Anturpia, 1599, apud ibidem, p. 239.

125

41 F ERNANDIUS , Antonius, apud ibidem, p. 346.

42 ALVARES, Baltazar, Trait de la Charit, Coimbra, 1622, p. 464, apud ibidem, p. 364.

43 MARIANA, Jean, apud ibidem, p. 234.

44

Veja-se ibidem, p. 236.

45

Veja-se Lettres du Sieur L. G. substitute de M. Procureur Gnral au Baillage de au R. P. Dauchez Provincial des Jsuites de la Province de France, au sujet du livre du P. Joseph Jouvency, le 16 dcembre 1712, apud ibidem, pp. 157-164.

destas suas palavras: La preminence royalle nest rien de rel, mais purement imaginaire, et quun Roi nest Roi que par le jugement du peuple quil a choisi, et que tout ce quil est dpend du caprice dune populace 41. O magistrio do Colgio de Coimbra era semelhante. Dele se destacou o Padre Baltazar lvares ao ensinar, relativamente aos prncipes legtimos tornados tiranos, que toute la republique est suprieuren au roi et quelle ne lui a donn le pouvoir que cette condition, quil la gouverne justement et non pas tyranniquement et que sil en usait autrement, il pourrait tre dpos par la republique mme 42. impossvel encerrar este captulo sem mencionar o nome de Jean Mariana que, em 1599, publicou o clebre livro intitulado De Rege et Regis Institutione que viria a ser queimado por ordem do Parlamento de Paris, devido ao carcter subversivo do seu contedo. Segundo ele, tanto os tiranos por usurpao como os tiranos por administrao mereciam a morte. Aqueles s mos de um qualquer, estes por deciso da repblica, En vertu du droit quelle a de se dfendre et de lautorit que lui est propre et suprieure celle du prince qui doit namoins tre avant cela dclar ennemi publique 43. A submisso do prncipe repblica, notria nestas linhas, decorria de lhe ser atribudo o dever de governar com justia, sem opresso, e de se lhe exigir que, pessoalmente, seguisse princpios ticos e de bons costumes 44. Tudo isto indicia o cnone dos jesutas sobre a soberania rgia presente na polmica desencadeada pela publicao da Histoire de la Compagnie de Jsus do Padre Jouvenci que se contrapunha a galicanos e regalistas. Por mais de uma vez rejeitaram explicitamente o princpio da origem divina directa e imediata da soberania rgia que aqueles professavam e as consequncias que da advinham 45. Mas as circunstncias trouxeram aparentemente uma alterao a este modo de pensar. E a 24 de Maro de 1713 os jesutas rejeitaram publicamente a doutrina tantas vezes enunciada e retomada na referida Histoire de la Compagnie de Jsus:

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Nous tenons le grand honneur de declarer quon ne peut tre ni plus soumis que nous le sommes, ni plus inviolablement attachs aux lois, aux maximes et aux usages de ce royaume sur les droits da la puissance sociale, que pour le temporel ne dpend ni directement ni indirectement daucune autre puissance qui soit sur la terre, et na que Dieu seul au dessus delle 46.

46

Apesar do carcter pblico destas palavras pronunciadas pelo Padre Dauchez, ento provincial dos jesutas, elas levantaram de imediato suspeita entre os opositores da Companhia quanto boa f com que tinham sido pronunciadas, por indiciarem declarada aproximao doutrina galicana que os jesutas sempre haviam rejeitado. Vrios exemplos tornavam evidente que os padres superiores da Companhia se haviam sempre escusado a declarar-se a favor dos seus princpios no respeitante considerao da sagrada pessoa dos reis, manuteno da sua autoridade e das suas liberdades 47. Alm disso, a cega obedincia que desde sempre haviam manifestado ao Papa e aos Padres Gerais tornava previsvel que fossem perdoados do juramento feito em circunstncias particulares. Tanto mais que a doutrina do probabilismo, a que eram afectos, facilmente serviria para ultrapassar por uma probabilidade eminentssima a probabilidade da rectido com que haviam agido. Por fim, poderiam recorrer doutrina dos equvocos, das restries mentais e da inteno para contornar as situaes incmodas ou difceis em que se encontrassem 48. Isto significava que havia quem pensasse que jamais os jesutas renunciariam aos seus princpios e que o confronto com a doutrina da Igreja Galicana retomada pelos regalistas setecentistas estava longe de ter terminado. Este confronto e as doutrinas de poder que estavam na sua origem tiveram eco em Portugal, tanto no seu enunciado terico, como na sua aplicao prtica. A subida de D. Jos ao trono e a escolha de Sebastio Jos de Carvalho e Melo trouxeram alteraes poltica at ento praticada devido s incidncias da doutrina que este adoptou. Pensar o Estado em termos de unidade implicava uma certa concepo de soberania que lhe garantisse a identidade e independncia quer na

DAUCHEZ, Charles, [Discours], Second Arrest du Parlement de Paris, contenant la Dclaration des Jsuites touchant la souverainet et independance du Roi, et portant la suppression du Tome V de lHistoire de la Societ, compos en latin par le Pre Jouvenci Jsuite, apud ibidem, p. 479.

47

Veja-se Rflexions sur la Dclaration donne par les Jsuites au Parlement, le 24 mars 1713, apud ibidem, pp. 486-495.

48

Veja-se ibidem, pp. 490-493.

127

49

DE REAL, La Science du Gouvernement, t. IV, A Paris, Chez Brisson, 1765, p. 116.

ordem interna quer na ordem externa do seu exerccio. Ora, segundo Bodin, retomado agora por De Real, cujo magistrio Pombal teria seguido, a soberania definia-se nestes termos: Elle est une, elle est indivisible, car dans le gouvernement de plusieurs cest la volont morale du corps qui gouverne tous les parties, comme cest la volont dun seul tre physique qui les gouverne dans un tat monarquique 49. Sendo una e indivisvel, era necessariamente superior e absoluta, no admitindo qualquer situao de inferioridade ou de dependncia. O prprio De Real conclura, precisando:La puissance souveraine ne saurait tre restreinte, parceque pour restreindre une autorit il faut tre suprieur lautorit quon restreint. Lautorit qui reconnait un suprieur nest donc pas une autorit souveraine, au moins est lgale de ce suprieur (). Les puissances qui gouvernent la terre, ne sont appelles souveraines que parcequelles nont ni suprieur ni gal. Toute souverainit est absolute de sa nature 50.

50

Ibidem, p. 117.

Sendo assim, entendia-se a soberania como una na sua essncia, de tal modo que qualquer fissura nesta unidade significaria o seu aniquilamento. Colocando nestes termos a essencialidade da soberania no mbito da mundividncia teolgica de ento, os reis teriam de a receber directa e imediatamente de Deus j que a mediao a colocaria na dependncia do mediador. O princpio da origem divina directa e imediata da soberania rgia constitua, nestes termos, o legtimo corolrio da concepo de soberania. unidade da soberania, correspondia a unidade da autoridade soberana dos reis. Daqui que o enunciado da especificidade da jurisdio dos soberanos viesse encerrar de forma coerente a reflexo sobre a soberania rgia. Em resumo, unidade da soberania, correspondia a unidade do poder soberano dos reis e tambm a unidade da sua esfera de jurisdio. Nas palavras de De Real:Le roi est seul et unique souverain tabli de Dieu pour gouverner son royaume; () il na point de suprieur sur la terre; () cest lui seul dordener souverainement de tout ce qui regarde directement ou indirectement le temporel, la police de ses tats, la justice due ces sujets et le repos de son peuple 51.

51

Ibidem, t. VII, A Amsterdam, Chez Arkste et Merkus, Libraires, 1764, p. 602.

128

Na exposio deste seu iderio, De Real fez sua uma doutrina j enunciada por Bossuet na Dfense de la Dclaration du Clerg de France de 1682 e por Louis Ellies Dupin no Trait de lAutorit ecclsiastique et de la puissance temporelle, acima referidas. Alinhava com a Igreja Galicana e com os seus enunciados respeitantes aos direitos da coroa, e com uma tradio de reforo do poder rgio que lhe era reconhecida na conceptualizao agora enunciada. Romper com o princpio de mediao, quer esta se atribusse ao Papa omnis potestas a Deo per papam quer se atribusse ao povo omnis potestas a Deo per popolum significava enunciar uma outra teoria do poder, afastando a autoridade eclesistica e a participao popular da esfera da soberania e do seu exerccio, sem negar a sacralidade que lhe advinha da origem divina. E, com ela, as potenciais consequncias na efectivao das relaes entre o Estado e a Igreja, entre os reis e os Papas, entre aqueles e a sociedade. unidade da repblica crist presidida pelo sumo pontfice, sucedia a unidade do Estado identificado com a soberania rgia. Ltat cest moi, diria Lus XIV. Afastado o poder papal e o poder popular, a soberania rgia emergia com todo o seu esplendor, marcando o culminar da monarquia pura de origem divina e desencadeava a rejeio de quem lhe era contrrio. Em Portugal, foi sem dvida sob o signo do pombalismo que o princpio da origem directa e imediata da soberania se tornou doutrina oficial. A Deduo cronolgica e analtica, publicada em 1768 sob o nome de Jos de Seabra da Silva, mas escrita por Pombal 52, prova-o inequivocamente. Afirmava-se ali ser a majestade () a mesma em todos os soberanos, emanada directamente de Deus Todo Poderoso, livre, absoluta e sem admitir sujeio temporal a pessoa alguma criada 53 e ser o rei e senhor natural, soberano, ungido de Deus Todo Poderoso, imediato sua divina omnipotncia, e to independente que no reconhecia na terra superior temporal 54. Esta doutrina foi ao longo do texto confirmada por discursos e relatos de factos do mesmo teor. O mesmo aconteceu noutras obras de adeptos do pombalismo, como a De Sacerdocio et

52

Veja-se CASTRO, Zlia Osrio de, Jansenismo versus Jesuitismo. Niccol Pagliarini e o projecto poltico pombalino, Revista Portuguesa de Filosofia 52 (1996), pp. xxx.

53

SYLVA, Jos de Seabra da, Deduo chronologica, y analtica, Parte primeira, Lisboa, Na Officina de Manuel Manescal da Costa, 1768, pp. 159, apud DIAS, J. S. Silva, Pombalismo e Teoria Poltica, Lisboa, 1982, p. 11. Ibidem, p. 295, apud ibidem, p. 11.

54

129

55 SANTOS, Antnio Ribeiro dos, De Sacerdotio et Imperio, Lisboa, 1770, pp. 63-64, apud DIAS, J. S. Silva, op. cit., pp. 23-24.

56

Veja-se GONZAGA, Toms Antnio, Tratado de Direito Natural, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1951, pp. 101-102.

57

Veja-se FIGUEIREDO, Antnio Pereira de, Doctrinam Veteris Ecclesiae de Suprema Regnum etiamin Clericus Potestate, Olisipopne, apud Michaelem Rodriguesium, 1765, pp. 2, 4, apud DIAS, J. S. Silva, op. cit., p. 4.

58 Veja-se ibidem, p. 5, apud ibidem, p. 4.

59

Veja-se ibidem, pp. 21, 41, 44, 56; apud ibidem, pp. 4-5.

Imperio, de Antnio Ribeiro dos Santos, o Tratado de Direito Natural, de Toms Antnio Gonzaga e a clebre Doctrinam Veteris Ecclesiae de Suprema Regum etiam in Clericus Potestate, de Antnio Pereira de Figueiredo. O primeiro admirava-se que houvesse tanta controvrsia acerca da origem do poder, quando era certo que a causa prxima, imediata e nica Deus 55. Toms Antnio Gonzaga dedicou a obra citada a Pombal e, sem se afastar da doutrina oficial, conjugou princpios de direito natural de cariz teolgico com conhecimentos de jusnaturalismo moderno. A sua consonncia com o cnone pombalino levou-o a afirmar a origem divina directa e imediata do poder real 56. O pensamento de Pereira Figueiredo, na obra citada, afigura-se mais obscuro neste aspecto. Empenhando-se primordialmente em enunciar e defender a especificidade do poder rgio, depois de dizer simplesmente que o poder dos reis tinha em Deus o seu autor e instituidor, enunciou as suas caractersticas: era um poder que no admitia superior na administrao das coisas temporais, que se exercia na sociedade civil enquanto civil, tinha como objectivo a felicidade e tranquilidade dos seres humanos 57. Daqui que fosse um poder especfico, com uma esfera prpria de jurisdio, na qual era supremo e independente 58. Continuando na exposio do seu pensamento, Pereira de Figueiredo afirmava que estas mximas legitimavam uma poltica regalista, isto , legitimavam a interveno rgia nas coisas temporais dos eclesisticos, quer estas pertencessem ao foro judicial, quer respeitassem a posse de bens, quer ainda a fruio de privilgios 59. Alm disso, ao definir o poder rgio na sua unidade e identidade, igualava-o ao poder pontifcio enquanto definido do mesmo modo. Como poder em si nada os distinguia. Separavam-os as aces e funes prprias de cada um. Distinguindo-os deste modo, Pereira de Figueiredo retirava ao poder papal e ao poder eclesistico a autoridade que indevidamente, no seu modo de pensar, haviam adquirido, e colocava-a nas mos dos soberanos. O poder temporal e o poder espiritual, sem se rejeitarem, adquiriam a sua prpria identidade da qual decorria a unidade do Estado e a uni-

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dade da Igreja. S que aquela se conquistava a expensas do que esta, indevidamente, havia adquirido jus. Daqui que o regalismo fosse combatido nos princpios e na prtica por jesutas e ultramontanos que defendiam a monarquia universal do pontfice de Roma. nesta perspectiva que o poder do Papa e o poder dos reis se confrontavam e que estes teriam feito suas as doutrinas episcopalistas e concilaristas que, no interno da Igreja, combatiam a centralizao do governo papal e o seu carcter nico e absoluto, dando uma outra dimenso ao regalismo pombalino, aproximado, por esta via, do galicanismo e do jansenismo. Pereira de Figueiredo auxiliou Pombal na sua poltica de apoio monarquia pura em tudo em que ela fosse afectada pela autoridade pontifcia, ou seja colocou a reforma da igreja ao servio do poder poltico. O condicionamento pretendido pelo reformador ao limitar pelo conclio a exclusividade do primado no governo da Igreja e, com ela, o seu prestgio e a sua capacidade de interveno dos sucessores de Pedro, contribuiu para a independncia da soberania rgia. Alm disso, defender a dignidade episcopal face ao que era considerado prepotncia papal, significava tambm tirar aos bispos a parte de jurisdio temporal de que usufruam, colocando-os sob a autoridade rgia. O episcopalismo adquiria assim uma feio poltica que se conjugava com a reforma eclesial. Se a unidade do Estado pombalino pressupunha a suprema jurisdio temporal, no lhe podia ser estranha a reforma da Igreja, que assentava na unidade do seu supremo poder identificador. Neste sentido, poder-se-ia dizer que a sua identificao passava pela purificao da Igreja e que o regalismo seria a sua expresso doutrinria. Este modo de pensar dividiu a sociedade portuguesa entre os seus adeptos e os seus opositores. Entre estes estava, como se tem vindo a referir, a Companhia de Jesus. Os jesutas desafiavam a poltica pombalina, tornando-se por isso um alvo preferencial. Pela sua unidade entravavam a unidade do Estado pombalino em construo, o mesmo acontecendo com o apoio sem reservas ao papado. A sua situao como con131

fessores rgios e dos principais estados sociais, assim como o seu magistrio junto da juventude, apareciam aos olhos de Pombal como veculos por excelncia da divulgao das suas ideias. Compreende-se, assim, por razes ideolgicas, o seu afastamento de ambas as funes. Por sua vez, a doutrina do tiranicdio, defendida no passado por autores jesutas de renome, ainda era no presente invocada pelo pombalismo, como uma das atrocidades perfilhadas pelos jesutas contra os ensinamentos da Igreja, tidos no como uma novidade, mas fazendo parte de um legado que remontava a tempos passados.Desde o princpio do mundo diziam e desde aquela anterior e primitiva lei da razo, infusa por Deus Todo Poderoso no juzo dos homens e onde impera pelo hbito da sinderesis foram sempre sagrados e inviolveis as pessoas dos soberanos, como aqueles que na terra tm as vezes de Deus, jurando os vassalos pela sua sade e felicidade, santificando como actos de religio, tanto a reverncia aos Prncipes Supremos, como a venerao aos seus reais mandatos e fazendo assim notrio que o supremo poder dos mesmos soberanos foi emanado de Deus e que contra ele no deve atentar-se 60.

60

Doutrinas da Igreja offendidas pela Vigsima Atrocidade, qual he o Regicidio, ou attentado dos Vassalos contra a vida dos seus prprios Soberanos, Doutrinas da Igreja sacrilegamente offendidas pelas atrocidades da moral jesutica, que foram expostas no Appendix do Compendio Historico, e deduzidos pela mesma ordem numeral do referido Appendix, para servirem de correco aos abominaveis erros, e execrandas impiedades daquela pretendida Moral, inventada pela Sociedade Jesutica para a conquista, e destruio de todos os Reinos, e Estados Soberanos, Lisboa, na Regia Officina Typografica, 1772, pp. 227, 228.

Este mesmo ensinamento encontrava-se tanto nas pginas do Antigo como do Novo Testamento, nas palavras dos apstolos S. Pedro e S. Paulo, retomadas pelo Conclios de Toledo de 633, 636, 638, de Mogncia de 847, de Constana de 1414, assim como pelos de Tours e Basileia. Para o reforar, legalizando-o, havia sido incorporado nas Ordenaes do Reino, na disposio concernente aos crimes de Lesa Majestade, que, depois de os enunciar, considerava traidor e merecedor de condenao quem os cometesse. E terminava com estas palavras:E sendo o cometedor convencido por cada um deles, ser condenado que morra de morte natural cruelmente; e todos os seus bens, que tiver ao tempo da condenao, sero confiscados para a Coroa do Reino, posto que tenha filhos ou outros alguns descendentes, ou ascendentes, havidos antes ou depois de ter cometido tal malefcio 61.

61

Ordenaes do Reino, liv. V, ttulo VI, apud ibidem, p. 267.

132

Com esta argumentao, Pombal, pela pena dos seus adeptos, pretendeu talvez justificar a condenao dos autores do atentado falhado contra a vida de D. Jos e, ao mesmo tempo, atacar os jesutas pela doutrina do tiranicnio divulgada pelo seu magistrio, assim como a sua suposta influncia naquele acto. Repare-se que substituram aquele termo pelo de regicdio, salvaguardando a pessoa e o governo dos soberanos, que, mesmo se considerados opressores, no admitiriam contra eles mais recurso que o do sofrimento, porque Deus no ouviria nunca os incompetentes clamores com que o povo acusasse ao seu prprio rei 62. A pessoa destes era sagrada e esta sacralidade colocava-os acima de qualquer retaliao, por nunca poderem ser considerados tiranos, embora fosse legtima a condenao de quem conspirasse contra eles. Alis, a permanente defesa do tiranicdio/regicdio atribuda aos padres da Companhia ganhou foros de actualidade com o atentado contra D. Jos pela interligao ento apontada entre o princpio e a prtica, da qual os jesutas no estavam isentos. A justificao do Duque de Aveiro e dos outros rus, publicada com a assinatura do padre Favre, jesuta, seria um estratagema porque perguntava-se que tinham eles com a culpa ou com a inocncia daqueles assassinos se isto no tivesse necessria conexo com a culpa ou com a inocncia dos jesutas em Portugal? 63. Se bem que as intervenes acabadas de referir, culpabilizando-os tivessem por fundamento a doutrina regalista da soberania dos reis e tenham adquirido um cariz ideolgico pelo modo por que foram utilizadas, esto longe de terem sido as nicas a revelar a polarizao da sociedade portuguesa. Recorde-se que o regalismo no s sacralizara os soberanos, reconhecendo-lhes um poder vindo directa e imediatamente de Deus, como adoptara a especificao desse mesmo poder como nico e superior no temporal. Deste modo, como se referiu, retirava o seu exerccio quer Igreja quer aos eclesisticos. Ora, os jesutas contavam-se entre o nmero destes ltimos, com uma preponderncia que advinha da instituio da Companhia e que haviam sabido administrar e usufruir. Este sucesso mereceu as crticas regalistas

62

Ibidem, p. 232.

63

Appendix s Reflexes do Portuguez sobre o Memorial do Padre Geral dos Jesutas (), op. cit., p. 419. Sobre o mesmo assunto veja-se Reflexes de hum Portuguez sobre o Memorial do Padre Geral dos Jesutas Santidade do Papa Clemente XIII felizmente Reinante, [s.l., s.n.], 1759, pp. 31-32.

133

pelas consequncias funestas que desencadeava na sociedade. Neste sentido questionavam:As muitas artes e ofcios que os jesutas querem exercitar, e o grande cabedal que por meio deles absorvem em si, no para a repblica uma perniciosssima confuso? No o dano mais geral que se pode causar aos pobres seculares, faltos de lucros e carregados de tributos para o errio do prncipe? No para o errio uma considervel debilidade de substncia, assim pela falta de tributos, que os jesutas por muitos princpios no pagam, como pela diminuio de vassalos, os quais ou no casam ou se ausentam do Estado, por no terem com que subsistir? E que diremos do grande nmero de vagabundos que por esta causa no tm em que se ocupar? Como ho-de eles poder viver ocupados em os ofcios se lhes tirarem o po aqueles que s deviam servir nos ministrios divinos? 64

Appendix s Reflexes do Portuguez (), op. cit., pp. 407-408. No mesmo sentido veja-se Reflexes de hum Portuguez (), op. cit., pp. 15-25.

64

65

Instrues para Francisco Xavier de Mendona Furtado, de 31 de Maio de 1751, in MENDONA, Marcos Carneiro de, A Amaznia na era pombalina correspondncia indita do Governador e Capito-General do estado de Gro-Par e Maranho, Francisco Xavier de Mendona Furtado, 1751-1759, t. 1, Rio de Janeiro, 1773, pp. 30-31, apud DIAS, J. S. Silva, op. cit., p. 49. Ibidem, p. 49.

66

Segundo a poltica pombalina, ao Estado pertencia regular a vida econmica do reino incluindo a jurisdio sobre os bens pertencentes aos eclesisticos, como afirmara Pereira de Figueiredo. Tal poltica, mais uma vez se confrontava com a prtica seguida pela Companhia de Jesus, nomeadamente, em terras do Ultramar e do Ultramar brasileiro, onde o seu esprito de misso contemplava o bem-estar dos ndios adquirindo, por isso, um certo domnio local. A situao assim criada, incomodava o poder rgio que no tolerava o excessivo poder que ali tinham os eclesisticos principalmente no domnio temporal das aldeias 65. Por isso, haviam sido advertidos de que todos ou quase todos os estabelecimentos que ali possuam contrariavam as disposies da lei do reino e lembrados de que o rei poderia dispor destas terras em execuo da lei 66. Antes que Pereira de Figueiredo enunciasse que os bens da Igreja estavam sob o poder jurdico dos reis, j Pombal orientava a sua poltica neste sentido, seguindo princpios regalistas e iniciando um confronto com a Igreja e de modo particular com os jesutas. A unidade do Estado sob a soberania do rei, advogada por Pombal e a unidade da Igreja sob o poder do Papa, defendida pelos jesutas deram incio a um conflito que, de imediato, se saldou pela excluso da Companhia de Jesus. Lisboa, Agosto de 2009

134

Memria por alvar: registos legais / monumentos polticos

Tiago C. P. dos Reis Miranda *

processo de distanciamento e conflito entre a Coroa portuguesa e a Companhia de Jesus, que se comeara a agravar por altura da morte da rainha viva, D. Mariana de ustria, e dos primeiros embates sobre a Bacia do Prata, no mbito da execuo do Tratado de Madrid (1754). Os jesutas eram acusados de denegrir a imagem do rei e do seu ministrio, incentivar a desobedincia dos vassalos e maquinar em diversos teatros para a mudana dos responsveis governativos. Supostamente como reaco, el-rei D. Jos j decidira priv-los do exerccio de actividades de cunho pedaggico e sacerdotal, da missionao dos indgenas sul-americanos e, nalguns casos, da liberdade de circulao: entre 1755 e 1757, dezenas de padres do norte do Brasil foram presos e desterrados para Lisboa; pouco depois, procedeu-se tambm ao encarceramento de todos os outros, e mandou-se fazer o inventrio do seu patrimnio 1. Vrios panfletos acompanharam essa ofensiva. Mas os mais notrios foram decerto a Relaco Abbreviada da Guerra Guarantica e os chamados Erros Impios e Sediciosos, que os Religiosos da Companhia de Jesus ensinaro aos Reos, que foro justiados, e pretendero espalhar nos Pvos destes Reynos. Sua difuso pelas Cortes da Europa intensificou-se na Primavera de 1759, com tradues sobretudo em francs e em italiano 2. Nesse contexto, a possibilidade de excluir os jesutas dos domnios portugueses era motivo de largas conversas e cor* Investigador do Programa Cincia 2007 (Centro de Histria de Alm-Mar / Faculdade de Cincias Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa).

A lei de 3 de Setembro de 1759 foi o ltimo passo de um

E CKART , Anselmo, S.J., Memrias de um jesuta prisioneiro de Pombal, trad. de Joaquim Abranches, S.J., com a colaborao de Ana Maria Lago da Silva, Braga / So Paulo, Livraria A. I. / Edies Loyola, 1987, pp. [17]-81; CAEIRO, Jos, S.J., Histria da expulso da Companhia de Jesus da Provncia de Portugal (sculo XVIII), trad. de Jlio de Morais, S.J., e Jos Leite, S.J., reviso e notas de Antnio Leite, S.J., 3 vols., Lisboa / So Paulo, Verbo, 1991-1999, e ALDEN, Duaril, The Suppression of the Society of Jesus in the Portuguese Assistancy in Asia: The Fate of the Survivors, 1760-177, in: DISNEY, Anthony, and BOOTH, Emily (ed.), Vasco da Gama and the linking of Europe and Asia, Oxford, Oxford University Press, 2000, pp. 363-366.2

1

FRANCO , Jos Eduardo, Os catecismos antijesuticos pombalinos. As obras fundadoras do antijesuitismo do Marqus de Pombal, Revista Lusfona de Cincia das Religies 7/8 (2005), 247-268.

Brotria 169 (2009) 135-148

135

Ver, por exemplo, carta de Manuel Teles da Silva para Sebastio Jos de Carvalho e Melo, [Viena?], 24 e 25 de Abril de 1759, ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO [A.N.T.T.], Ministrio dos Negcios Eclesisticos e da Justia, M. 51, N. 3.

3

respondncias, tendo deixado portanto de constituir propriamente uma surpresa 3. A coincidncia da assinatura da lei da expulso com o primeiro aniversrio do atentado da Quinta do Meio facultou ao governo o vagar necessrio calibragem de toda a logstica operativa nos mais estratgicos pontos do Reino e do Imprio. Alm disso, proporcionou, igualmente, o complemento simblico que se julgava preciso relevncia da deciso, sua real pertinncia e projeco nos anos seguintes. Porque, de facto, o objecto poltico que ento se visava era, em boa medida, o da memria dos argumentos oficiais. No por acaso, no mesmo dia foi assinado um alvar estipulando em pormenor os procedimentos para a preservao da integridade das provas diligentemente reunidas e estampadas na Secretaria de Estado dos Negcios do Reino, como contraponto em relao s falsidades que os loiolanos teriam por hbito depositar nos seus reconditos Archivos, e particulares Colleces, para as fazerem valer depois nos Seculos futuros, quando faltarem as testemunhas vivas, que agora os convencerio insuperavelmente; e quando pelo meio das suas clandestinas, costumadas diligencias, houverem apagado, e extincto as memorias vivas, e os authenticos documentos, a que presentemente no podem resistir contra a notoriedade pblica []. No exacto momento em que se contam duzentos e cinquenta anos sobre a publicao desse par de diplomas contra a Companhia, cabe talvez recordar a letra das ordens del-rei D. Jos e perceber a efectiva eficcia dos preceitos que a se estipulavam.

O corpo das leisA mais importante das fontes de Direito no Antigo Regime era a vontade do monarca, que se expressava de diferentes maneiras e vrias espcies. Dentre estas, sobressaa a lei ou carta de lei, destinada a regular negcios pblicos de especial relevncia, no podendo ser embargada na Chancelaria por nenhuma pessoa ou autoridade. Disposies sobre matrias ditas de Estado mas de importncia inferior e com durao menor do 136

que um ano deviam ser reguladas por alvars ou provises em forma de lei. E tanto nas leis, como nos alvars, o soberano assinava o seu ttulo (Rei ou Rainha), sendo depois secundado por um Secretrio. Por fim, figurava tambm o resumo do prprio diploma, que apenas entrava em vigor a partir do momento em que tivesse todos os selos previstos e a aprovao do chanceler-mor 4. O procedimento de conservao dos originais manuscritos parece ter variado bastante ao longo do tempo, gerando, por isso, grandes lacunas nas coleces oficiais. De qualquer modo, j no reinado de D. Joo V instituiu-se a prtica de ordenar o envio dos autgrafos de todas as leis e alvars para o resguardo do Arquivo Real, numa frmula de poucas palavras, insistentemente repetida em cada diploma: [] mandando-se o original para a Torre do Tombo 5. No ano de 1776, o guarda-mor Joo Pereira Ramos de Azevedo Coutinho dava conta de que o armrio nmero XI da Casa da Coroa guardava um conjunto de sete maos de leis e regimentos originais, datados de 1211 a 1772. O mao correspondente ao ano da expulso da Companhia de Jesus era o nmero 6, que abrangia o intervalo de 1758 a 1766 6. E, desde ento, no parecem ter existido grandes mudanas a esse respeito. Aps uma busca relativamente pouco demorada, folheando o ndice Cronolgico de Leis 7 possvel descobrir as cotas dos originais manuscritos de ambas as normas de 3 de Setembro de 1759, ainda guardadas no sexto mao do ncleo de Leis. A primeira, que tem a cota nmero 20, foi feita pela mo do oratoriano lisboeta Filipe Jos da Gama, acadmico supranumerrio da Academia Real da Histria Portuguesa, da Academia dos Escolhidos e da Arcdia Romana, na sua qualidade de oficial da Secretaria de Estado do Reino 8. Quase no existem ao longo do texto hesitaes no curso da pena, que desenha uma escrita de trao caligrfico inclinado direita, com linhas e distncias regulares. A nica emenda digna de nota verifica-se j no final, cabea do resumo, onde se percebe ter sido raspada a palavra Alvar[].

4 Ordenaes Filipinas, ed. de Cndido Mendes de Almeida, L. II, Tt.os XXXIX e XL, pp. 464-466; CORDEIRO, Manuel Borges, Direito Civil de Portugal, T. I, Lisboa, Typographia de Antnio Jos da Rocha, 1851, pp. 5-7, e SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da, Histria do Direito Portugus, 2. ed., Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 1992, pp. 289-290. Todos se referem, de um modo ou de outro, a pequenas variaes, que no parecem, porm, pertinentes para o caso em questo. 5

SILVA, Antnio Delgado da, Colleco de Legislao Portugueza desde a ultima compilao das Ordenaes, vol. I, Lisboa, Na Typografia Maigrense, 1830, passim, e Guia Geral dos Fundos da Torre do Tombo, vol. I, Lisboa, Instituto dos Arquivos nacionais / Torre do Tombo, 1998, pp. 73-74.

6 A.N.T.T., Instrumentos de Descrio, L. 299. 7 A.N.T.T., Instrumentos de Descrio, L. 307, tambm disponvel em , consultado aos 31.08.2009.

8

MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana, Coimbra, Atlntida Editora, 1965-1967, vol. III e IV, sub voce Filipe Jos da Gama.

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9 Sobre o palacete dos Condes da Ponte, ver as informaes coligidas por Teresa Vale, Carlos Gomes e Paula Figueiredo para o Instituto da Habitao e da Reabilitao Urbana [I.H.R.U], em . A naturalidade de Costa Posser vem em , consultado aos 31.08.2009.

Para a descrio dessa srie, ver FARINHA, Maria do Carmo Jasmins Dias, e RAMOS, Maria de Ftima Dentinho , Nucleo Antigo. Inventrio, Lisboa, Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, 1996, pp. 10-11. O microfime do L. 9 o Mf. 2455, e os diplomas da expulso esto registados nos ff. 125v-128 e 129v-131v.

10

O segundo diploma, com a cota nmero 22, foi preparado pelo oficial Gaspar da Costa Posser, oriundo de Setbal e que parece ter tido a propriedade do antigo palacete dos Condes da Ponte, na Rua da Junqueira, no incio da dcada de 1760 9. Paleograficamente muito semelhante ao anterior, o texto manuscrito no apresenta quaisquer vestgios relevantes de rasuras ou correces; e, tal como a lei, est assinado em caligrafia segura e regular pelo punho do monarca, tendo a firma do Secretrio de Estado, Conde de Oeiras como de hbito, menos constante logo acima do espao reservado ao resumo. Ambos os diplomas tm tambm os assentos autgrafos das suas passagens por diversas instncias da Chancelaria do Reino e da Secretaria de Estado que os preparou, at ao depsito definitivo na Torre do Tombo. A cpia mandada fazer na Chancelaria pode ser consultada no livro 9 da srie de Registos de Leis do Ncleo Antigo, que actualmente se encontra disponvel em microfilme 10.

O estado das provas (I)No que toca aos papis que a Coroa reunira sobre os alegados desmandos dos padres jesutas, a situao actual um pouco diversa. O alvar de 3 de Setembro de 1759 estipulava que o referido conjunto de provas polticas e judiciais, devidamente autenticada por um Secretrio de Estado ou pelo ministro juiz da Inconfidncia, tivesse exemplares enviados Torre do Tombo, aos tribunais, a todas as cabeas de comarcas, cmaras das cidades e vilas do Reino e seus domnios, onde deveriam ser postos em cofres de trs chaves e sob a guarda de pessoas escolhidas entre as mais graduadas de cada entidade. Pretendia-se assim [] que sempre se conservem para perptua memoria os referidos Exemplares authenticos []. A expresso tribunais indicava na altura o conjunto dos conselhos e relaes existentes na corte ou espalhados pelo imprio. Contavam-se entre eles o Desembargo do Pao, a

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Casa da Suplicao, o Conselho da Fazenda, o Conselho Ultramarino, a Mesa da Conscincia e Ordens, a Junta do Comrcio, a Junta do Depsito Pblico, o Senado da Cmara de Lisboa e, eventualmente, as Relaes do Porto, da Baa e de Goa. As comarcas ou correies somavam mais de duas dezenas. Acrescentando-se-lhes as cmaras de todas as cidades e vilas do Reino e seus domnios, ultrapassavam-se as sete centenas de entidades 11. Em termos precisos, o objecto da remessa ordenada no alvar era um volume de vinte e um documentos impressos, que totalizavam pouco menos de cento e cinquenta folhas com numerao descontnua. O ttulo posto na capa constitua por si um programa de ataque:Colleco dos Breves Pontificios e Leys Regias que foro expedidos, e publicadas desde o anno de 1741, sobre a liberdade das pessoas, bens, e commercio dos Indios do Brasil; dos excessos que naquelle estado obraro os Regulares da Companhia denominada de Jesu; das reprezentaoens que Sua Magestade Fidelissima fez Santa Sde Apostolica, sobre esta materia athe a expedio do breve que ordenou a reforma dos sobreditos Regulares; dos procedimentos que com elles praticou o Eminentissimo, e Reverendissimo Reformador; dos absurdos em que se precipitaro os mesmos Regulares com o estimulo da sobredita reforma at o horroroso insulto de 3 de Setembro de 1758; das sentenas, que sobre elle se proferiro; das Ordens Reaes que depois da mesma sentena se publicaro; das relaoens, que a filial venerao de elRey Fidelissimo fez ao Papa de tudo o que havia ordenado sobre o mesmo insulto, e suas consequencias; e da participao que o mesmo monarca fs ao Eminentissimo e Reverendissimo Cardeal Reformador, e mais prelados diocesanos destes Reynos, das ultimas, e finaes resoluoens, que havia tomado para expulsar dos seus Reinos e dominios os ditos Regulares.

Para a evoluo do nmero de concelhos no territrio portugus ao longo do sculo XVIII, ver SILVA, Ana Cristina Nogueira da, Introduo in COSTA, Antnio Carvalho da, P.e, Corografia Portugueza, Lisboa, Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, 2001 (CD-ROM); VIDIGAL, O municipalismo em Portugal no sculo XVIII, Lisboa, Livros Horizonte, 1989, p. 25, e MONTEIRO, Nuno Gonalo Freitas, Os conselhos e as comunidades, in MATTOSO, Jos (dir.), Histria de Portugal, vol. IV O Antigo Regime, coord. Antnio Manuel Hespanha, Lisboa, Crculo de Leitores, 1993, pp. 302-331.

11

Logo abaixo, vinha uma gravura com as armas portuguesas ladeadas por dois anjos, que, nesse mesmo momento, tambm se encontrava em edies da Oficina de Miguel Rodrigues, impressor da Patriarcal 12. A nica entidade que, no entanto, aparecia como editora era a Secretaria de Estado [do Reino]. O exemplar remetido ao guarda-mor da Torre do Tombo seguiu com um aviso do Conde de Oeiras datado do dia 27 de

12 Ver os Estatutos da Aula do Comrcio, de 19 de Abril de 1759. O exemplar consultado foi o do A.N.T.T., Srie Preta, N. 2241.

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Dele existe um pequeno perfil biogrfico traado em SUBTIL, Jos Manuel Louzada Lopes, O Desembargo do Pao (1750-1833), Lisboa, Universidade Autnoma de Lisboa, 1996, pp. 69 e 489. O decreto de nomeao corre impresso em SILVA, Antnio Delgado da, Supplemento Colleco de Legislao Portugueza, Lisboa, Na Typografia de Luiz Correa da Cunha, 1842, pp. 665-665. Joo Bernardo Galvo Telles, usualmente muito preciso e seguro nas suas informaes, incorre em erro ao escrever que Francisco Xavier de Mendona Furtado assumiu o lugar de Secretrio de Estado da Marinha e Ultramar em 1759 (Gerao Pombalina. Descendncia de Sebastio Jos de Carvalho e Melo, Livro Primeiro, Lisboa, Dislivro Histrica, 2007, p. [20], n. 17). Para mais pormenores sobre as funes ento confiadas ao irmo do Conde de Oeiras, GUEDES, Lvio da Costa, O arco Belm S. Julio da Barra, contorno da Enseada de Pao de Arcos, Lisboa, 1986, p. 151 (Separata do Boletim do Arquivo Histrico Militar, 54. vol.).14

13

Outubro, reafirmando a obrigao de observar escrupulosamente as ordens expressas no alvar de Setembro. E tendo em linha de conta o objectivo de garantir a perpetuidade desse exemplar, tambm se mandava que em circunstncia nenhuma se modificasse a encadernao original, [...] de sorte que levando colla, ou massa, como se pratca, fique sugeit[o] traa, e corrupo, q[ue] destes materiaes se costuma seguir. Por fim, determinava-se ainda [] q[ue] a sobredita colleco se registe de verbo ad verbum, por Amanuense q[ue] escreva com bom carcter, e orthografa correcta, para a todo o tempo cnstar do seu contedo []. No mesmo dia 27 de Outubro, o Secretrio de Estado dos Negcios do Reino escreveu igualmente ao desembargador Manuel Gomes de Carvalho, Chanceler-Mor 13, com um exemplar destinado ao arquivo da Mesa do Desembargo do Pao. O texto subscrito era praticamente igual ao da Torre do Tombo, acrescentando-se-lhe apenas um ltimo pargrafo que sublinhava a necessidade de conferir a correco do trabalho do escrivo escolhido, de modo a assegurar que em hiptese alguma se introduzissem erros ou alteraes letra das provas, e que para a posteridade se garantisse o carcter solene da iniciativa: [] deputandose dous Ministros [da referida Menza] para conferirem o sobredito registo com o original, donde for extrado, e para depois assignarem o sobredito registo, para ficar sempre authentico, e constar a todo o tempo da solemnidade com que a sobredita Colleco foi registada; []. Actualmente, esses avisos encontram-se apensos a exemplares da Colleco dos Breves Pontificios [] que se conservam no Armrio Jesutico da Torre do Tombo: dois diferentes volumes encadernados em pergaminho, com atilhos de fecho bem conservados e operativos. Ambos se acham autenticados do punho do Secretrio de Estado Adjunto ao Conde de Oeiras, Francisco Xavier de Mendona Furtado 14. Exteriormente, o que contm o aviso para o guarda-mor diferencia-se do outro por apresentar na lombada a inscrio N. 1 escrita a bico de pena, com caligrafia do sculo XVIII. Alm disso, no seu interior, ainda apresenta duas pequenas notas manuscritas

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margem das pginas nmero trs e nmero oito, onde se l o seguinte lembrete: [] se executou a cautella do cofre de trez chaves declarada no corpo deste Alvara n. 20 pag. 3., em que se detremina, que sempre huma chave ter a pessoa que prezidir, e as duas as que depois della forem mais graduadas. O exemplar que contm o aviso para o Chanceler-Mor encerra igualmente um despacho da Mesa do Desembargo do Pao, datado de Julho de 1760, nomeando os desembargadores Jos Cardoso Castelo e Simo da Fonseca e Sequeira para conferirem o traslado mandado fazer por Sua Majestade. O cumprimento dessa tarefa resultou numa curta mas expressiva informao, escrita j no ms de Dezembro, pela qual os juzes afianavam terem achado o registo inteiramente conforme com o impresso, e que o amanuense satisfizera com correco as prescries transmitidas pelo Conde de Oeiras quanto ao respeito pela ortografia e ao cuidado com o desenho da letra. Erros e falhas, se os havia, eram, entretanto, da prpria matriz: como adiante se l,[] no livro original impresso, que se trasladou, e se hade guardar, se acha hum erro, que se entende ser de impresso, no cathalogo dos papeis que se conthem no dito livro, e numero 3.o do dito cathalogo, adonde se aponta a Ley de 7 de Junho de 1745 devendo ser de 1755, como se ve por extenso na mesma Ley transcripta no n. 3 da Colleco. E da mesma forma se acha outro erro da impresso da Ley de 6 de Junho de 1755 comprehendida no n. 2 da mesma Colleco no = e por que sendo = linha 2. = adonde se ve impresso = ao gregio da Igreja = devendo ser = ao gremio da Igreja = []. De qualquer modo, Jos Castelo e Simo da Fonseca e Sequeira asseguravam convictamente que, respeitando com todo o rigor as ordens expressas, [] estes dois erros se copiaro do mesmo modo pello Amanuense [].

Meses mais tarde, o mesmo processo seria de todo reeditado para a remessa e o registo do Supplemento Colleco dos Breves Pontificios, e Leys Regias, e Officios que se passaram entre as Corte de roma, e Lisboa, sobre os absurdos em que no Reino de Portugal, e seus Dominios, se havio precipitado os Regulares da Companhia denominada de JESU [], volume 141

composto por cerca de cento e trinta a cento e quarenta pginas, e, mais uma vez, impresso na Secretaria de Estado dos Negcios do Reino.

O estado das provas (II)A histria do envio e da recepo das centenas de cpias da Colleco dos Breves Pontificios e Leys Regias e do seu Supplemento aguarda ainda uma investigao mais aturada, que alcance os grandes arquivos dos vrios territrios de colonizao portuguesa e, idealmente, tambm, s maiores bibliotecas europeias e norte-americanas. Trata-se de um assunto com interesse para a compreenso da capacidade que a Coroa mostrava, na altura, em contactar com todas as outras mais importantes instncias polticas oficialmente reconhecidas no seu imprio (desde os conselhos, at s cmaras), alm de poder ajudar a entender um pouco melhor a dimenso da j conhecida continuidade na preferncia do manuscrito sobre o impresso, em condies que envolvessem solenidade ou prestgio 15. Com efeito, ao longo de todo o Antigo Regime, poucas vezes o Trono ter investido tantos recursos na difuso e no traslado de um semelhante volume de textos. Neste momento, e em virtude da disperso dos dados envolvidos, o que se pode fazer apenas referir alguns casos que permitam formar uma ideia mais clara da enorme riqueza de informaes que ainda se escondem por detrs de um episdio de aspectos to singulares, e de uma srie de actos de gesto arquivstica que se lhe seguiram, ao longo de mais de dois sculos, por alterao de valores ou ignorncia, com graves consequncias patrimoniais. Os depsitos da Biblioteca Nacional portuguesa guardam pelo menos onze exemplares da Colleco dos Breves Pontifcios e Leys Regias, dez exemplares do Supplemento e um cdice ricamente adornado onde se renem os contedos manuscritos de ambos os impressos 16. Pelo menos dois desses livros so oriundos de antigas casas religiosas 17. O cdice manuscrito datado de Julho de 1768, e mais uma vez testemunha

Ver BUESCU, Ana Isabel, Impressos e manuscritos em Portugal na poca Moderna. Uma sondagem, in Memria e poder. Ensaios de histria cultural (sculos XV-XVIII), Lisboa, Edies Cosmos, 2000, pp. [29]-48; BOUZA LVAREZ, Fernando, Corre manuscrito: una historia cultural del siglo de oro, Madrid, Marcial Pons, 2001, e GIMENO BLAY, Francisco, La historia de cultura escrita y la erudicin clsica, Scrittura e Civilt, Vol. XXV, Firenze, Casa Editrice Leo S. Olschki, 2005, pp. 303-320. BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL [B.N.P.], S.C. 200 A., S.C. 938 A., S.C. 2276 A., S.C. 2486//14 V., S.C. 4862 A., S.C. 4969 A., S.C. 5149 A., S.C. 28247 V., RES. 117 A., RES. 118 A., RES. 1235 A., RES. 2610 V., ENC. 103, PBA 457 e COD. 8396 (F. 4775). A existncia de diferentes impresses, praticamente consecutivas, ponto assente, mas carece de estudo.17 16

15

Um deles (S.C. 938//1 A.) apresenta as seguintes notas manuscritas do sculo XVIII: Contm muitas falsidades e calumnias. Guarda-se por causa dos documentos textuais (sobre a folha de rosto) e Muitas tolices e calumnias (no ndice da Colleco, margem do documento nmero IV, que corresponde Relao Abbreviada).

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a relevncia das cpias a bico de pena, at muito tarde, no Antigo Regime. Dois dos impressos da Colleco so, no entanto, mais sugestivos. O primeiro, encadernado em pergaminho e com vestgios de atilhos muito parecidos com os existentes nos livros do Armrio Jesutico, foi autenticado diligentemente pelo Secretrio de Estado dos Negcios Estrangeiros, D. Lus da Cunha Manuel 18. Tudo indica que pertencesse ao arquivo de alguma misso portuguesa no exterior ou outra das vrias centenas de entidades oficiais relacionadas no alvar de 3 de Setembro. Sua presena nos Reservados da B.N.P. parece ter resultado de um descaminho. O segundo exemplar que merece destaque diferencia-se do anterior por se apresentar em melhores condies de conservao (embora lhe falte o documento nmero XI) e haver sido autenticado pelo Secretrio de Estado Adjunto do Conde de Oeiras. No seu interior, existe um aviso de 27 de Outubro de 1759, dirigido ao ministro provincial dos religiosos menores observantes da Provncia portuguesa. O Secretrio de Estado do Reino anunciava a remessa da Colleco e sugeria que, no esprito da Ley de trs de Setembro prximo precedente, e considerando os interesses [] do servio de Deus, do de Sua Magestade, e do Bem Commum, e Tranquilidade pblica de todos os vassalos deste Reino [], se procedesse salvaguarda desse exemplar em cofre de trs chaves, para nelle ficar perpetuada 19. Ter portanto existido a preocupao de fazer circular as provas que sustentavam a deciso da Coroa pelas cabeas de, ao menos, algumas das ordens religiosas mais influentes. Na Srie Preta da Torre do Tombo encontram-se guardados dois conjuntos inteiros da Colleco e do Supplemento, notando-se, num deles, marcas de posse da Livraria do Convento da Santssima Trindade, de Lisboa 20. Alm disso, na mesma srie, encontra-se ainda um outro volume onde se renem praticamente todos os documentos das duas colectneas, ora impressos, ora manuscritos, enriquecidos com adies que j se referem expulso dos jesutas franceses (1764) 21.

18

B.N.P., RES. 117 A.

19

B.N.P., RES. 118 A.

20

A.N.T.T., Srie Preta, N.os 2225 e 3358.

21 A.N.T.T., Srie Preta, N. 2226.

143

22 A.N.T.T., Mesa da Conscincia e Ordens, L 311, e FARINHA, Maria do Carmo Jasmins Dias, e JARA, Anabela Azevedo, Mesa da Conscincia e Ordens, Lisboa, Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, 1997, p. 6, n. 1.

23

A.N.T.T, Feitos Findos, Casa da Suplicao, L. 33.

24

A.N.T.T., Casa da Rainha, N.os 236 e 238.

25

Cf. os Memoriais de Ministros de Fr. Lus de So Bento, na B.N.P., COD. 1076, p. 264 (Governo civil).

Longos anos ter integrado os Manuscritos da Livraria um livro de registo de leis e decretos da Mesa da Conscincia e Ordens, em que foram traslados na totalidade os contedos da Colleco e do Supplemento. Tal como no caso dos exemplares do Armrio Jesutico, a remessa dos originais impressos foi executada por aviso do Secretrio de Estado do Reino. E depois de transpostos para manuscrito, todos os textos foram conferidos por dois deputados da Mesa, que redigiram e assinaram um termo de encerramento. Recentemente, esse volume voltou ao seu ncleo original, graas ao longo e criterioso trabalho de catalogao levado a efeito pela Dr. Maria do Carmo Jasmins Dias Farinha 22. O traslado pertencente ao acervo da Casa da Suplicao realizou-se sob os cuidados do desembargador Francisco Xavier Morato Boroa, que aprovou o labor do amanuense Sebastio da Costa Mouro em Fevereiro de 1761 e em meados de Maio de 1762. A efectiva fidelidade da cpia permite saber que os originais remetidos pelo Conde de Oeiras haviam sido autenticados pelo Secretrio de Estado Adjunto, Francisco Xavier de Mendona Furtado, e pelo ministro juiz da Inconfidncia, Pedro Gonalves Cordeiro Pereira 23. Na coleco do Conselho da Fazenda da Casa da Rainha encontra-se um outro exemplar do Supplemento encadernado em pergaminho e um volume de registo exteriormente muito semelhante, cujo traslado foi conferido pelo desembargador Francisco Xavier Porcille 24. E esta existncia sublinha a ideia que o esforo de distribuio levado a efeito pela Coroa desenrolou-se num universo ainda maior do que em princpio se poderia depreender do alvar de 3 de Setembro. Parece, portanto, muito provvel que ainda se encontrem vestgios de mais exemplares impressos e traslados coevos nos esplios da Junta da Casa de Bragana, da Junta da Casa do Infantado, da Junta da Administrao do Tabaco e do Conselho Geral do Santo Ofcio 25. O aviso que acompanhou a remessa do Supplemento, em Agosto de 1760, foi copiado nos livros de registos da Mesa da Conscincia e Ordens e do Conselho da Casa da Rainha.

144

Originais manuscritos figuram apensos aos volumes impressos do mesmo conselho e, mais uma vez, no Armrio Jesutico, junto a um exemplar do Supplemento aparentemente destinado ao Desembargo do Pao 26. No h indcios de variantes, embora talvez se possam notar pequenas mudanas de tom e de nfase, em relao ao texto instrutivo anterior: as alegadas violencias da Companhia passavam a ser absurdos, e o empenho em assegurar a salvaguarda das provas projectavase, com todas as letras, [] ad perpetuam Rei memoriam [].

26 Cf. SUBTIL, Jos Manuel Louzada Lopes, op. cit., p. 69.

O estado das provas (III)Sendo o primeiro lugar de registo das normas do Reino, onde de facto se encontram na Torre do Tombo os exemplares das provas que el-rei D. Jos procurou preservar? Quantos so os registos e os impressos desse conjunto que actualmente se encontram no Armrio Jesutico? Houve mudanas na forma de disposio inicialmente estabelecida pelo guarda-mor? Conseguiremos saber porventura com alguma certeza onde se escondem as peas que agora nos faltam? Aparentemente bastante concretas e objectivas, estas questes exigem um esforo de explorao e conhecimento de alguns dos ncleos centrais da Torre do Tombo, que desafiam as condies de trabalho usualmente oferecidas aos investigadores. O que no entanto se pode dizer com tranquilidade que, de acordo com a Noticia e Inventario de tudo o que se guarda no Armario Jesuitico do Real Archivo da Torre do Tombo, datvel de cerca de 1768, o documento j na altura relacionado em primeiro lugar era a Colleco dos Breves Pontificios e Leys Regias 27. Nada se encontra nessa Noticia que explicite se ento se tratava de um impresso ou manuscrito, nem se inclua o Supplemento depois publicado. E o roteiro de Pedro de Azevedo e Antnio Baio pouco esclarece sobre a relao entre a remessa prevista no alvar de 1759 e o contedo do fundo criado como depsito dos documentos utilizados para redigir a Deduco Chronologica e Analitica 28. Mais grave, porm, do que isso, que a passagem dos anos tem vindo a aumentar o problema.

27

A.N.T.T., Instrumentos de Descrio, L. 304.

28 AZEVEDO, Pedro A. de, e BAIO, Antnio, O Archivo da Torre do Tombo, Imprensa Commercial, 1905, pp. 54-55, e RIBEIRO, Fernanda, O acesso informao nos arquivos, vol. I, Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian / Fundao para a Cincia e a Tecnologia, 2003, p. 339, que pouco adianta questo, mas ajuda a enquadr-la.

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A velha cota N. 1 do Armrio Jesutico, que originalmente correspondia a uma nica espcie documental, encontra-se agora multiplicada por trs. E essas trs cotas correspondem aos dois exemplares encadernados das Colleces e ao exemplar semelhante do Supplemento, com os avisos de remessa acima descritos. O actual N. 1 tem o do dia 27 de Outubro de 1759 ao Chanceler-Mor. Externamente, apresenta na capa quatro inscries: ao alto, a tinta vermelha, N. 2; mais abaixo, praticamente na mesma linha, Cx. 1 e N. 1; como remate, aparece tambm em caligrafia corrente a inscrio Jesuitico comum a todo o conjunto. Nota relevante: a cota a tinta vermelha encontra-se cancelada. O volume que encerra o aviso do Conde de Oeiras ao guarda-mor o actual N. 1-A, tendo essa cota de nova factura inscrita na capa. O Supplemento com a instruo enviada ao Chanceler-Mor corresponde ao N. 1-B. Cabe frisar, alm disso, que o aviso existente no N. 1-A encontra-se colado no forro da encadernao, contrariamente ao que sucede nos outros dois casos, em que os anexos se mantm avulsos, e em claro desacordo com as ordens del-rei no respeitante aos cuidados necessrios para atrasar a aco destrutiva da traa e do tempo. Sendo, entretanto, no actual volume N. 1-A que se descobre sobre a lombada a nica cota setecentista correspondente ao que se encontra na enumerao da Noticia de 1768, e considerando plausvel que a colagem do aviso do Conde de Oeiras ao guarda-mor tenha resultado da iniciativa de um funcionrio que antes desejou evitar o extravio de um papel relev