Breve Histórico PNE

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sobre o novo PNE

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  • Educ. Soc., Campinas, v. 34, n. 124, p. 647-649, jul.-set. 2013Disponvel em

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    EDITORIAL

    Da rua Realpolitik ou da Conae ao PNE

    Em 2009, iniciou-se no Brasil um inovador e promissor processo de construo do Plano Nacional de Educao (PNE) 2011/2020. Dessa vez, a elaborao do PNE deveria seguir uma lgica diferente da tradicional, no procedendo, como de costume, de cima para baixo, mas de baixo para cima. A prpria populao deveria dizer quais as expectativas com relao aos problemas e desafi os a serem enfrentados em termos de polticas pblicas para o campo da Educao nos pr-ximos dez anos. Ressalve-se nesse contexto o Projeto Plano Nacional de Educao Proposta da Sociedade Brasileira, consolidado na Plenria de Encerramento do II Congresso Nacional de Educao (Coned), realizado em Belo Horizonte (MG), em 9 de novembro de 1997.

    Com grande empenho e entusiasmo, foram organizadas conferncias mu-nicipais e intermunicipais, no primeiro semestre de 2009, e estaduais e do Distrito Federal, no segundo semestre do mesmo ano. Um nmero signifi cativo de pessoas se envolveu, com entusiasmo e denodo, num vigoroso movimento democrtico que explicitou os anseios e expectativas da populao brasileira com relao aos temas e estratgias a serem contemplados pelo futuro PNE.

    Foi um processo memorvel, envolvendo o pas de norte a sul, das grandes cidades s localidades mais remotas. Participaram estudantes, professores, pais, ges-tores, sindicatos, entidades, movimentos sociais e universidades, debatendo e apre-sentando propostas para a melhoria da educao nacional em todos os seus nveis e dimenses. Os participantes lembram bem o empenho e a esperana presentes nos acalorados debates entre opinies muitas vezes divergentes, mas sempre focadas na educao de qualidade para todos.

    Esse processo convergiu numa espcie de apoteose democrtica, ocorrida em Braslia, com a participao de milhares de participantes dando forma e legitimida-de s manifestaes do povo brasileiro. O Documento Final da Conferncia Nacional de Educao (Conae) foi, ento, encaminhado s instncias governamentais respon-sveis pela elaborao do documento legal, a ser enviado ao Congresso Nacional.

    As expectativas eram enormes e justifi cadas, tanto pela natureza democrtica do processo, quanto pelo apoio vindo do Ministrio da Educao. Vale a pena recor-dar as palavras endossadas pelo Ministrio ao instalar a Conae em 2009:

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    Editorial

    A Conferncia incentiva e fortalece o debate sobre as necessidades educacionais da so-ciedade brasileira. Esse processo participativo rene os desafi os inerentes educao nacional nos mbitos pblico e privado analisa os desafi os e oferece os subsdios ao processo de formulao e implantao das polticas pblicas, contribuindo com as aes dos poderes pblicos.

    O desafi o de oferecer subsdios para o processo de formulao e implemen-tao de polticas pblicas na rea de Educao foi aceito e assumido com coerncia pela populao. Via-se a chance de um movimento inovador no s pelo estmulo vindo do prprio governo, mas tambm pela ampla maioria que este mesmo governo tem nas duas casas do Congresso Nacional. Embora ningum fosse inocente a ponto de ignorar as difi culdades que os interesses e lobbies haveriam de por no caminho de um projeto claramente discordante dos anseios neoliberais e privatistas, no se ima-ginava que a via crucis poderia vir a ser to longa e dolorosa.

    decepo causada pelo encaminhamento de um sucinto documento o Pro-jeto de Lei n. 8.035 , do qual no constavam muitas das reivindicaes discutidas no mbito da Conae, em particular as referentes constituio do Sistema Nacional de Educao e destinao de 10% do PIB educao pblica, seguiram-se outras, em que avulta o interminvel processo de discusso do Documento por parte da Cmara dos Deputados e, atualmente, por parte do Senado.

    Ao mesmo tempo observa-se, com preocupao e tambm assombro, que o go-verno federal vem tomando vrias medidas que no s desconsideram muitas das reivindicaes expressas no Documento Final da Conae, como tambm as contrariam, mormente no que diz respeito relao pblico-privada em matria de oferta de edu-cao. Medidas estas que assumem a forma de legislao, aps passar por rpida dis-cusso no Congresso Nacional. Exemplo fl agrante o da aprovao da legislao que institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego (Pronatec).

    Diante do desrespeito s decises da Conae, a sociedade civil reagiu, partici-pando de forma ativa na tramitao do projeto na Cmara dos Deputados, conse-guindo resgatar, no texto fi nal aprovado nesta instncia, muitas das decises origi-nais. A batalha agora no Senado Federal, onde fortes retrocessos esto ocorrendo frente ao texto da Cmara, em especial no que diz respeito desresponsabilizao do poder pblico pela garantia do direito educao, ao estmulo privatizao, ambiguidade na defi nio do percentual do PIB destinado educao e ao papel da avaliao em um Sistema Nacional de Educao. Como parte desse esforo de recu-perao do esprito da Conae 2010, o Cedes realizou o IV Seminrio de Educao Brasileira, que teve como tema: O PNE em foco: polticas de responsabilizao e Sis-tema Nacional de Educao e que se estruturou como Conferncia Livre articulada Conae. No presente nmero de Educao & Sociedade esto sendo publicados muitos dos trabalhos apresentados neste evento.

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    Editorial

    Ao mesmo tempo em que os movimentos sociais organizados empreendiam es-ses esforos no mbito do Legislativo, da academia e de outros espaos institucionais, nas ruas eclodiu outra espcie de ethos inconformista. De forma inesperada, os jovens se manifestaram massivamente na organizao e participao efetiva nos movimentos populares, tomando as ruas de diferentes cidades do pas. Por meio do uso contnuo das redes sociais presentes tanto na organizao quanto na difuso das imagens gra-vadas durante os movimentos , as pessoas foram s ruas para protestar no s contra a precariedade do sistema de transporte pblico, a atuao repressora da polcia nos diferentes estados, a corrupo e a infl ao, mas tambm contra a falncia do sistema educacional brasileiro em todos os seus nveis de ensino.

    Mais do que relacionar tais protestos com a atuao de determinados partidos polticos, a exposio das reivindicaes revitalizou o sentido etimolgico do ser po-ltico, ou seja, a manifestao pblica e contundente do inconformismo ante o torpor da no participao.

    Diante do atual contexto, novos desafi os se avizinham, sobretudo em relao ao risco da disperso de tal energia, uma vez que os objetivos dos movimentos se apre-sentam de forma ampla e difusa. Porm, o risco de tal arrefecimento tambm pode ser neutralizado na medida em que as pessoas, especialmente as mais jovens, perceberem que podem e devem ser politicamente ativas para serem ouvidas e consideradas.

    Nesse contexto, faz-se necessria a busca de canais de aprofundamento do di-logo entre as recentes manifestaes e as demandas histricas e contemporneas da educao pblica brasileira. A energia manifesta nesses movimentos deve ser canali-zada tambm para as atuais demandas educacionais. Nesse sentido, torna-se de fun-damental importncia que se estabeleam canais de comunicao entre as entidades e os movimentos historicamente empenhados na defesa da educao pblica, gratuita e de qualidade e as manifestaes populares recentes. Os ecos de tais manifestaes precisam ser ouvidos, por exemplo, nas Conferncias Municipais e Estaduais que j esto em curso, culminando na Conferncia Nacional de Educao em 2014.

    ***

    Dentre os intelectuais que se envolveram no debate das questes politicas as-sinaladas neste editorial, destacou-se o professor Angel Pino, amigo, colaborador do Cedes e autor da revista Educao & Sociedade. Neste momento, lhe prestamos home-nagem lembrando um breve excerto de sua autoria:

    A vida no dura para sempre nem volta atrs. E mais, ele (o ser humano) sabe que o para sempre no faz parte de sua existncia natural e que, se isso pode ter algum sentido, s o ter num outro tipo de existncia, para alm do tempo. Sua experincia do tempo demasia-do viva, como para esquecer que sua existncia e tudo que est ligado a ela um dia acabar.