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Volume 1, Número 2
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
Artigo
BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Páginas 29 a 42 29
BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO
SHORT HISTORICAL CONTEXTUALIZATION OF THE
ALPHABETIZATION AND LITERACY
BREF HISTORIQUE DE L'ALPHABETISATION ET DE
L'ALPHABETISATION
Estefania Cabral de Souza da Silva1
Terezinha de Jesus Brito2
RESUMO: A temática Alfabetização e Letramento há algumas décadas é debatida no
cenário educacional brasileiro e ainda permite dúvidas ou equívocos em profissionais da
educação que atuam nas séries iniciais do ensino fundamental, mas, principalmente, entre
os acadêmicos das licenciaturas. Visando fomentar, ao mesmo tempo reforçar esse
debate, este artigo faz uma abordagem história sobre a alfabetização e o letramento no
Brasil, com o objetivo de apresentar uma revisão bibliográfica a partir de autores
renomados no assunto. Um breve percurso da alfabetização desde o Brasil-Colônia até a
República enfatizando os séculos XX e XXI, com a contribuição de autores como: Aranha
(2006), Ferreiro e Teberosky (1985), Ferreiro (1996), Mortatti (2006), entre outros.
Complementarmente, apresenta-se o letramento a partir da provável origem, conceitos,
passando pela trajetória no Brasil nas ultimas décadas e a situação atual na estrutura
educacional do país. Tudo isso alicerçado em Soares (2010), Tfouni (1995 e 2010),
Kleiman (1995), além de outras fontes. No final, esboça-se uma ideia de aliar a
alfabetização com o letramento no desenvolvimento da aprendizagem da criança no
1 Professora de Língua Portuguesa e Literatura do quadro efetivo do Governo do Estado do
Amapá; Licenciada em Letras-Francês; Especialista em Linguística Aplicada e Mestranda em
Ciência da Educação; e-mail: [email protected] 2 Licenciada e Bacharelada em Ciências Sociais, Teóloga, Cientista política, Doutoranda em
Ciência da Educação pela OLFORD WALTERS UNIVERSITY, Professora Especialista em
Docência do Ensino Superior, Gestão de Pessoas, Coordenação e Supervisão Pedagógica,
COACH, e-mail: [email protected]
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processo de aquisição do domínio do código escrito da língua materna e sua dimensão
social.
Palavras-Chave: Alfabetização; Letramento; Trajetória Histórica; Dimensão Social.
ABSTRACT: The theme Alphabetization and Literacy for some decades has been
discussed in Brazilian educational scenario and still allows doubts or misunderstandings
in education professionals that work on the first grades of the elementary school, but,
mainly, between the academics of the licentiates. Aiming at foster, and at the same time
reinforce this debate, this article makes an historical approach about the alphabetization
and the literacy in Brazil, with the objective of introduce a bibliographic review from the
renowned authors in the subject. A short course of the alphabetization from the colonial
Brazil to the Republic emphasizing the 20th century and the 19th century, with the
contribution of the authors like: Aranha (2006), Ferreiro e Teberosky (1985), Ferreiro
(1996), Mortatti (2006), among others. In addition, it features the literacy from the
probable origin, concepts, passing through the trajectory on Brazil in the last decades and
the current situation on the educational structure from the country. Everything based in
Soares (2010), Tfouni (1995 and 2010), Kleiman (1995), and others as well. In the end,
it shows up an idea of ally an alphabetization with the literacy on the development of the
children’s learning in the process of acquisition of the domain of the writing code, the
native language, and its social size.
Keywords: Alphabetization; Literacy; Historical Trajectory; Social Size.
RESUME : Les décennies il y a le thème alphabétisation et est débattue dans le scénario
éducatif brésilien et permet des questions ou des idées fausses de professionnels de
l'éducation qui travaillent dans les premières années de l'école primaire, mais surtout
parmi les universitaires des degrés. Afin de promouvoir en même temps renforcer ce
débat, cet article est une approche de l'histoire à l'alphabétisation et l'alphabétisation au
Brésil, dans le but de présenter une revue de la littérature des auteurs de renom sur le
sujet. Un bref cours d'alphabétisation du Brésil colonial à la République mettant l'accent
sur le vingtième et vingt et unième, avec la contribution des auteurs tels que: Spider
(2006), Forgeron et Teberosky (1985), Smith (1996), Mortatti (2006), entre autres. De
plus, il présente l'alphabétisation à l'origine probable, concepts, par le cours au Brésil au
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cours des dernières décennies et la situation actuelle dans la structure éducative du pays.
Tout ce bâtiment sur Soares (2010), Tfouni (1995 et 2010), Kleiman (1995), ainsi que
d'autres sources. En fin de compte, ébauché une idée de combiner l'alphabétisation avec
l'alphabétisation dans le développement de l'apprentissage dans l'acquisition du domaine
de code écrit de l'enfant de la langue maternelle et sa dimension sociale.
Mots-clés: alphabétisation; l'alphabétisation; trajectoire historique; La dimension sociale.
INTRODUÇÃO
A partir da década de 1980 o termo “letramento” começa a ser discutido, mas essa
discussão acontece em um universo, que antes, era só da alfabetização desde o tempo do
Brasil-Colônia. Essa palavra moderna, porém, com significado amplo, gerou muitas
dúvidas entre os profissionais da educação e acadêmicos voltados para as séries iniciais
do ensino fundamental a respeito da origem, significado e função do letramento no
processo de alfabetização. Neste sentido, faz-se necessária uma abordagem histórica da
alfabetização e do letramento no Brasil, mesmo que breve – motivo da escolha do tema -
cujo objetivo é apresentar uma revisão bibliográfica para traçar a trajetória da temática
em questão.
Acreditamos na relevância da discussão para o meio acadêmico e para os
educadores, uma vez que a ideia central é ampliar ou, até mesmo, prover esse
entendimento através da apresentação de um breve percurso da alfabetização desde o
Brasil-Colônia até a República, enfatizando os avanços conquistados, principalmente, nos
séculos, XX e XXI. Para dar conta dessa demanda, a pesquisa para embasamento teórico
deste artigo apoiou-se em autores renomados, reconhecidamente qualificados no meio
acadêmico sobre o tema em questão, trata-se da contribuição de Aranha (2006), Ferreiro
e Teberosky (1985), Ferreiro (1996), Mortatti (2006), dentre outros.
O artigo apresenta os períodos históricos e como se dava a educação, é o caso do
Brasil-colônia com a catequese, ensino secundário, as reformas pombalinas, entre outros.
Do Brasil Império destaca-se a lei de 1827 que objetivava criar escolas em todos os
lugares possíveis, apesar de ser considerada utopia, de difícil execução. O século XIX se
destaca pela chagada dos materiais impressos, o que foi considerado um avanço
importante para a educação daquele período. As tecnologias começavam a refletir na
maneira de alfabetizar, apesar da precariedade de estrutura das escolas e a divisão do tipo
de ensino por classe social e o conteúdo a ser ensinado a cada público.
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Na alfabetização, que chamada de “instrução” naquela época, surge como apoio
didático as famosas “Cartas de ABC”, mas é no século XX que avança-se para o
desenvolvimento e consolidação de métodos, a exemplo da “Marcha Sintética” que por
muito tempo foi utilizada nas séries iniciais, depois surgiu o “Método Misto” que por
algum tempo orientou o processo de alfabetização até a chegada do “Construtivismo”,
que não era método, mas um modelo idealizado para uma educação do ponto de vista da
formação geral do indivíduo.
Com relação ao letramento buscou-se nomes incontestáveis para a discussão
relacionada a trajetória histórica no Brasil e algumas referências externas, é caso de
Soares (2010), Tfouni (1995 e 2010), Kleiman (1995), além de outras fontes. Neste estudo
mostra-se a origem e conceitos de letramento, além disso, busca-se delinear a trajetória
histórica no Brasil, enfatizando as últimas décadas do século XX e esse inicio do século
XXI e a situação educacional do período. A parte final do artigo aborda a perspectiva
atual do letramento no processo de alfabetização que é, principalmente, a dimensão social
do domínio do código escrito da língua materna. E para destacar a ideia de letramento
(ROJO, 2009 p. 44 APUD SOARES, 2003) diz que: “Para ler, por exemplo, não basta
conhecer o alfabeto e decodificar as letras em som da fala. É preciso também compreender
o que se lê, isto é, acionar o conhecimento de mundo para relacioná-los com os temas do
texto, [...]. É preciso também interpretar, criticar, dialogar com o texto: contrapor a ele
seu próprio ponto de vista, detectando o ponto de vista e a ideologia do autor, situando o
texto em seu contexto.”, essa ideia motiva-nos a colocar em evidencia a história que
inspirou ideias como esta no Brasil.
PERCURSO HISTÓRICO DA ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL – DA COLÔNIA
À REPÚBLICA
A educação no Brasil-Colônia perpassou por diversas fases elencadas
cronologicamente: A fase heroica - de 1549 a 1570 – quando aconteceu a catequese,
posteriormente, veio a fase de consolidação com a expansão do ensino secundário nos
colégios, na sequencia as reformas pombalinas - de 1749 a 1808 – com a instrução pública
e, finalmente, o período Joanino - de 1808 a1822 – quando da permanência da Família
Real no Brasil.
No século XVI, com a chegada dos jesuítas ao Brasil, iniciou-se o ensino das
primeiras letras, basicamente no ano de 1549, encabeçados pelo padre Manoel da
Nóbrega e, com eles, a vinda do primeiro governador-geral Tomé de Sousa. Exatamente
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quinze dias depois, os missionários colocaram para funcionar, na cidade de salvador, uma
escola “de ler e escrever”. Era o início do processo de criação de escolas elementares,
secundárias, seminários e missões difundidas pelo Brasil. A escola de ler e escrever
limitava-se a ensinar aos meninos boas maneiras e a técnica da leitura e da escrita. O
colégio era o seminário, e ensinava-se principalmente Moral, Filosofia e Línguas
Clássicas. Depois, podia-se estudar Teologia, Direito ou Medicina na Universidade de
Coimbra, coordenada pelos Jesuítas.
Em um período de 210 anos, os jesuítas trabalharam a favor da catequização dos
índios e educação dos filhos dos colonos. A princípio os filhos dos índios aprendiam a ler
e escrever ao lado dos filhos dos colonos, o Padre José de Anchieta usava variedades de
recursos para ganhar a atenção das crianças, dentre eles: o teatro, a dança, a poesia, a
música [...]. ‘RATIO STUDIORUM’ era o nome do método pedagógico utilizado pelos
jesuítas. O professor Luís Fernando Conde Sagenis, clarifica que em 1585 foi criada a
custódia de Santo Antônio do Brasil, em Olinda-PE, onde os franciscanos fundaram um
internato para os curumins (filhos dos índios) e lá ensinava-se o catecismo, ler, escrever
e a contar. Posteriormente, a atividade estendeu-se para outros estados, os jesuítas já não
se ocupavam somente nas missões, mas, também, na educação da elite.
Em pleno século XVll a Companhia de Jesus (dirigida pelos padres) continuava
atuante com mais de seiscentos colégios espalhados pelo mundo. A chegada da escrita
alfabética portuguesa ao Brasil por essa companhia possibilitou a criação de novos
referenciais, além do estabelecimento de outra relação com os nativos e colonizadores
aqui presentes naquele contexto.
Com a proclamação da Independência do Brasil, em 1822 - período marcado por
crises econômicas - a situação era bastante caótica e na educação, principalmente, no
ensino elementar ocorreram poucos avanços. Porém, com a instituição da lei de 1827, a
única que por mais de um século determinara a criação de escolas de primeiras letras em
todas as cidades, vilas e lugarejos (art.1º) e, no art. XL, as escolas de meninas nas cidades
e vilas mais populosas, porém, esta lei fracassou àquele ideal de ensino para todos e logo
foi considerada inexequível.
Em meados do século XlX , inicia-se o uso das cartilhas, em que passou-se a
investir em materiais impressos. Contudo, a educação primária encontrava-se em
decadência, em crise e condições precárias, com evidências mínimas de mudanças
positivas no ensino. Segundo o que Cynthia Greive (2007) enfatiza sobre o fato das
mulheres de camadas populares só participarem das aulas de instrução elementar e cursos
profissionalizantes, enquanto as mulheres das classes elitistas eram educadas com outros
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objetivos, cujo principal deles era prepara-las para as atividades do lar e a adequada
convivência social.
A educação no período imperial necessitava de organização, pois a existência de
escolas era mínima e o que predominava nelas consistia em salas adaptadas que recebiam
alunos de todas as séries, prédios inapropriados para fins educacionais, aplicação das
chamadas “aulas régias” e o material ao qual se dispunha para o ensino da leitura era
precário. Nesse período iniciava-se o ensino da leitura em materiais impressos com as
chamadas “Cartas de ABC”. No decorrer de todo o século XIX e nas primeiras décadas
do século XX, o termo mais comum para designar o ensino das primeiras letras, como
também todo o processo de escolarização, era chamado de “instrução”.
Com o intuito de consolidação desse novo formato de ensino da leitura e da escrita,
nessa época, utilizou-se MÉTODO DE MARCHA SINTÉTICA (da "parte" para o
"todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; do fônico (partindo dos
sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas.
Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura de três formas diferentes: 1) com a
apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético); 2) de seus sons
(método fônico) ou 3) das famílias silábicas (método da silabação), sempre de acordo
com certa ordem crescente de dificuldade. Na sequencia, reunidas essas letras ou os sons
em sílabas, ou conhecidas tais famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com
essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas.
Para Emília Ferreiro (1996) a leitura e escrita são sistemas construídos paulatinamente.
As primeiras escritas feitas pelos educandos no início da aprendizagem devem ser
consideradas como produções de grande valor, porque de alguma forma os seus esforços
foram colocados nos papeis para representar algo.
Posteriormente surge o método identificado como “MISTO”, que é a conhecida –
cartilha estruturada a partir de um silabário, que foi utilizado por algum tempo orientando
os processos de alfabetização e, finalmente, chega o Brasil o “CONSTRUTIVISMO”,
uma ideia de educação influenciada pela Psicogênese da Língua Escrita, da argentina
Emília Ferreiro e de Ana Teberosky, sendo este um modelo e não um método. Neste
modelo de aquisição do conhecimento a criança é sujeito ativo no processo, isto é,
constrói o próprio conhecimento. O Suíço Piaget já vinha desenvolvendo esta tese
anteriormente.
Na atualidade, que compreende o final do século XX e início do século XXI, a
discussão sobre alfabetização se faz presente nos diversos níveis de ensino, dentre eles:
ensinos fundamental, médio e superior. Alunos em fase de conclusão da educação básica
ou iniciantes da educação superior, que não conseguem escrever um pequeno texto coeso
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e coerente é uma realidade recorrente em escolas e faculdades. Muitas são as tentativas
para superar o analfabetismo e melhorar a qualidade da educação neste momento do país
pós Redemocratização.
Vale ressaltar que o surgimento de programas do Governo Federal contribuiu
significativamente para o processo de alfabetização: o (Profa) Programa de Formação de
Professores Alfabetizadores foi lançado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2001.
Tratava-se de um curso que tinha por objetivo reparar a formação precária dos professores
alfabetizadores e suprir a escassez de materiais pedagógicos e de referências teóricas para
dar suporte à criação de propostas pedagógicas eficientes. Foi a primeira política pública
criada para a alfabetização no Ensino Fundamental. O programa foi extinto em 2003; o
(Pró-Letramento) foi lançado em 2006 pelo MEC como parte integrante da Rede
Nacional de Formação Continuada de Professores e, através de parcerias com as
universidades federais, promoveu por alguns anos a formação dos professores docentes
nas séries iniciais do ensino fundamental. A ênfase nesse programa é alfabetizar
trabalhando os gêneros textuais de circulação na realidade da criança; o (Pnaic), lançado
em 2012, Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, procura unir municípios,
estados e União em torno da meta de alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade,
ao fim do 3º ano do Ensino Fundamental. Este é voltado somente para o ciclo de
alfabetização (1º ao 3º ano do Ensino Fundamental). É o programa vigente no país; já o
Programa Brasil Alfabetizado (PBA), realizado desde 2003, é voltado para a
alfabetização de jovens, adultos e idosos. Tornou-se uma importante porta de acesso à
cidadania e o despertar do interesse pela elevação da escolaridade, além de contribuir na
diminuição dos índices de analfabetismo no Brasil.
Para Magda Soares (2010, p. 31), “alfabetização é a ação de alfabetizar [...] de
tornar “alfabeto” [...] Alfabetizar é ensinar a ler e a escrever [...] é tornar o indivíduo
capaz de ler e escrever [...]”. É importante frisar que toda essa trajetória ajudou a
modernizar o método, mas principalmente, nos incutiu de que a alfabetização vai muito
além de aprender assinar o nome, da decodificação das letras, ela ajuda a promover o
letramento (o que discutiremos a seguir).
TRAJETÓRIA DO LETRAMENTO NO BRASIL
O termo “letramento” comporta diversos conceitos, complementares entre si, de
acordo com estudos e experiências de cada pesquisador/estudioso da temática. Neste
sentido, apresenta-se, então, como uma palavra multiconceituada pelo fato de alguns
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autores agregarem informações aos conceitos já formados anteriormente a seus estudos
ampliando, assim, sua abrangência semântica.
A professora Magda Soares (2010, p. 15) faz referência a Mary Kato (1986) e a
obra de sua autoria intitulada - No mudo da escrita: uma perspectiva psicolinguística -
para justificar a aparição do termo letramento na língua portuguesa, onde Kato afirma que
a linguagem culta “é consequência do letramento”. Até este momento, de acordo com
Soares, essa palavra nova ainda não está dicionarizada, mas, felizmente, é oficialmente
citada pela primeira vez na obra de Kato. Contudo, mesmo mencionada, a palavra
“letramento” ainda não possuía um significado até Leda Tfouni atribuí-lo, quando
distingue alfabetização e letramento.
Tfouni diz que “Enquanto a alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita por um
indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da
aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI, 1995, p.20). Percebe-se
nesta citação que letramento é voltado para o aspecto social, o que Soares ampliará mais
tarde para um processo mais amplo: o ensino e a aprendizagem. Ela é coerente ao afirmar
que “Letramento é, pois o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o
estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência
de ter-se apropriado da escrita.” (SOARES, 2010, p.18). Avaliando os discursos das
autoras citadas, é possível resumir que Kato relaciona letramento com a linguagem culta,
Tfouni atribui aos aspectos sócio-históricos e Soares o vê como consequência da
apropriação da escrita, o que geram múltiplos, porém, complementares entendimentos
sobre o letramento e ampliam sua abrangência.
Com relação à trajetória no Brasil, aportemo-nos aos estudos inovadores sobre
letramento de Magda Soares (2010, p. 17-18) em sua obra - Letramento um tema em três
gêneros -, na sua quarta edição, onde afirma que após pesquisa em dicionários de Língua
Portuguesa e outros meios, não alcançou êxito para conseguir explicar a palavra
“letramento”, procurou a tradução do termo do inglês “literacy”, e concluiu o seguinte:
“É esse, pois, o sentido que tem letramento, palavra que criamos traduzindo “ao pé da
letra” o inglês literacy: letra do latim littera, e o sufixo–mento, que denota o resultado
de uma ação [...]. Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler
e escrever [...]”. É perceptível que o letramento é entendido, de acordo com Soares, como
uma habilidade que deve ser aprendida pelo individuo, não seria apenas o domínio do
código escrito, mas, sobretudo, o uso no cotidiano social da leitura e da escrita para
possibilitar sua interação com esse meio coletivo.
Na mesma linha de raciocínio traçada a respeito dos conceitos, as concepções
sobre letramento também são diversas. Muitos teóricos fizeram seus estudos em contextos
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diferentes, mas, quase sempre concordam que letramento está ligado às práticas sociais
de uso da leitura e da escrita. Um desses exemplos é Kleiman (2008) que, após muitas
analises sobre uma possível origem, afirma que o letramento “[...] começou a ser usado
nos meios acadêmicos como tentativa de separar os estudos sobre o “impacto social da
escrita‟ dos estudos sobre a alfabetização, cujas conotações destacam as competências
individuais no uso e na prática da escrita (2008, p. 15, grifo da autora)”. Essa citação vem
reafirmar a ideia de referências sociais quando trata-se de letramento.
Para confirmar essa tendência, Tfouni (2010) faz certo desabafo, seria uma
conclusão de cunho pessoal em seu livro - Letramento e Alfabetização - onde explica
que “A necessidade de se começar a falar em letramento surgiu, creio eu, da tomada de
consciência que se deu, principalmente entre os linguistas, de que havia alguma coisa
além da alfabetização, que era mais ampla, e até determinante desta (2010, p. 32)”. A
autora também defende e relaciona o letramento, num sentido ampliado, com o
desenvolvimento das sociedades, assim, Tfouni (2010, p. 23) afirma que “Em termos
sociais mais amplos, o letramento é apontado como sendo produto do desenvolvimento
do comércio, da diversificação dos meios de produção e da complexidade crescente da
agricultura. Ao mesmo tempo, dentro de uma visão dialética, torna-se uma causa de
transformações históricas profundas, como o aparecimento da máquina a vapor, da
imprensa, do telescópio, e da sociedade industrial como um todo”. Pode-se inferir que
para a referida autora, letramento está intimamente ligado ao desenvolvimento social.
PERSPECTIVA ATUAL DO LETRAMENTO NO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO: AÇÕES PARA SUPERAR AS DIFICULDADES
Os PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais - de Língua Portuguesa (primeira a
quarta séries, hoje, primeiro ao quinto anos), ainda em 1997, já falam de “letramento” no
item Linguagem e participação social da seguinte forma:
O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena
participação social, [...]. Assim, um projeto educativo comprometido
com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a
responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes
linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito
inalienável de todos. Essa responsabilidade é tanto maior quanto menor
for o grau de letramento das comunidades em que vivem os alunos. [...].
(PCN 1ª a 4ª séries, 1997, p. 21).
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Naquele contexto, a palavra “letramento” ainda era novidade para muitos no meio
educacional, principalmente em se tratando de documentos oficiais. No sentido de
esclarecer eventuais equívocos, os organizadores dos PCN em questão colocaram uma
nota de rodapé (de número 5) explicando o que seria esse novo termo:
Letramento, aqui, é entendido como produto da participação em
práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia.
São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las
significativas, ainda que às vezes não envolvam as atividades
específicas de ler ou escrever. Dessa concepção decorre o entendimento
de que, nas sociedades urbanas modernas, não existe grau zero de
letramento, pois nelas é impossível não participar, de alguma forma, de
algumas dessas práticas. (PCN 1ª a 4ª séries, 1997, p. 21).
A partir dessa inserção do termo letramento em documentos oficiais a linguagem
que antes só permitia alfabetização modernizou-se: alfabetização não mais faz sentido se
não aliada ao letramento. É inadmissível debater o processo de alfabetização sem a devida
referência ao letramento.
Quando se analisa os documentos oficiais do Ministério da Educação temos, por
exemplo, o PNE - Plano Nacional de Educação institucionalizado pela Lei nº 13.005,
de 25 de junho de 2014. Na página da internet do PNE consta a seguinte informação:
O Plano Nacional de Educação (PNE) 2014/2024 determina diretrizes,
metas e estratégias para a política educacional dos próximos dez anos.
O primeiro grupo são metas estruturantes para a garantia do direito a
educação básica com qualidade, e que assim promovam a garantia do
acesso, à universalização do ensino obrigatório, e à ampliação das
oportunidades educacionais. [...].
Desse primeiro grupo de metas a de número cinco (5) refere-se à alfabetização,
no que diz respeito ao limite de idade para a criança ser alfabetizada: “alfabetizar todas
as crianças, no máximo, até o final do 3o (terceiro) ano do ensino fundamental.”, assim,
tenta-se forçar o sistema educacional a organizar suas ações para atender ao PNE, pois
nele, também, está previsto alguns desdobramentos – as estratégias - entre elas a que se
refere a uma espécie de controle para verificação do cumprimento da meta em questão, a
saber:
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5.2) instituir instrumentos de avaliação nacional periódicos e
específicos para aferir a alfabetização das crianças, aplicados a cada
ano, bem como estimular os sistemas de ensino e as escolas a criarem
os respectivos instrumentos de avaliação e monitoramento,
implementando medidas pedagógicas para alfabetizar todos os alunos e
alunas até o final do terceiro ano do ensino fundamental; [...].
Dessa forma o PNE garante que cada sistema de educação faça a sua parte para o
cumprimento da meta 5 no intuito de promover a alfabetização até o terceiro de
escolarização. Para isso, foi criado um instrumento, que é um programa federal chamado
de Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). O referido pacto, de
acordo com documentos e informações disponíveis no portal da internet, “é um
compromisso formal assumido pelos governos Federal, do Distrito Federal, dos estados
e municípios de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de
idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental.”, além disso, contempla a formação dos
professores alfabetizadores com a perspectiva do letramento. Desta forma há um controle
maior por parte do Ministério da Educação para que as estratégias do PNE sejam
executadas com êxito, afinal, o MEC é o mantenedor do referido programa.
Neste sentido, para constatar a eficácia das ações propostas pelo PNE e PNAIC, o
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) realiza a
Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), que segundo o órgão: “[...] é uma avaliação
externa que objetiva aferir os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa
(leitura e escrita) e Matemática dos estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental das
escolas públicas.”. Essa ação é uma estratégia de verificação dos resultados apresentados
pelos alunos-alvo produzidos pela referida avaliação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer do estudo para a produção deste artigo, cujo objetivo foi apresentar
uma breve contextualização histórica sobre alfabetização e letramento, percebeu-se que
no contexto moderno, ambas as habilidades são adquiridas e/ou desenvolvidas
conjuntamente no processo de aquisição da leitura e da escrita. Porém, o conceito de
letramento, conforme já foi mostrado, nos desafiou bastante e nessa busca encontramos
uma ideia mais recente, produzida por Katlen Böhm Grando (2012), da PUCRS, no artigo
intitulado - O Letramento a Partir de uma Perspectiva Teórica: Origem do Termo,
Conceituação e Relações com a Escolarização – onde a autora consegue visualizar o que
Volume 1, Número 2
ISSN 2527-0532 João Pessoa, 2017
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ela chama de letramento escolar e letramento social. Percebe-se com maior ênfase em
suas considerações finais sobre a pesquisa, onde concluiu o seguinte:
Para finalizar, letramento é um conceito amplo e complexo, de difícil
definição. Mesmo assim, nos aventuramos a apresentar um conceito
único de letramento a partir dos autores que utilizamos. [...] Poderíamos
dizer, considerando os autores explorados neste texto, que letramento é
o produto da aprendizagem dos usos da escrita e da leitura e não está
necessariamente atrelado à alfabetização. A escola é uma agência de
letramento que promove o letramento escolar, que se diferencia do
letramento social. Para alguém tornar-se letrado é necessário que viva
em um contexto rico em situações que exijam e estimulem a leitura e a
escrita.
Diante dessa declaração, voltemos à professora Magda Soares que afirma em seus
estudos sobre letramento o seguinte:
[...] Precisaríamos de um verbo “letrar” para nomear a ação de levar os
indivíduos ao letramento... Assim, teríamos alfabetizar e letrar como
duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria
alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das
práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se
tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado” (SOARES, 2010, p.
47) [grifos da autora].
Analisando a afirmação de Soares é possível concluir ou, pelo menos, inferir que
não cabe mais o ensino mecânico para desenvolver apenas as habilidades de leitura e
escrita dos alunos, o que o processo de alfabetização reproduziu durante décadas no
Brasil, mas, sobretudo, é necessário criar condições de desenvolvimento e uso dessas
habilidades de maneira funcional, proporcionando sentido prático na vida social do
indivíduo.
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