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7/14/2019 Bosi. Bras Cubas en Tres Versiones http://slidepdf.com/reader/full/bosi-bras-cubas-en-tres-versiones 1/10 Bras Cubas em très versöes^ Alfredo Bosi This essay intends to apprehend the figure of the character-narrator of Memorias postumas de Bras Cubas through the analysis of its three main determinations: the free style of the deceased author, the phenomenology of the underground man, and the apprehension of the social type. The relation- ship between these different approaches (constructive, existential and socio- typological) is not one of mutual exclusion, but rather a dialectic one. The result is intended to be the concrete concept, in the Hegelian sense of multiple determination. ermitam-me começar pelo começo dos começos, no caso, a epígrafe do ensaio "Bras Cubas em très versees". É um pensamento de Pascal: Nossos sentidos nao percebem nada de extremo. Barulho demais nos ensur- dece, demasiada luz nos ofusca; demasiada distancia e demasiada proximi- dade impedem a vista. Em termos de interpretaçâo literaria, qual é para nos, hoje, o ensina- mento de Pascal? Que o leitor critico deve ora usar óculos de ver de longe, ora óculos de ver de perto, ora mesmo óculos de meia distancia. Se vejo do alto e de muito longe, sem as necessárias lentes de aumento, diviso o conjunto, mas nao enxergo as partes nem o movimento de cada figura. Se,

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Bras Cubas em très versöes^

Alfredo Bosi

This essay intends toapprehend the figure of the character-narrator of

Memorias pos tumas de Bras Cubas through the analysis of its three main

determ inations: the free style of the deceased author, the phenom enology of

the underground man, and the apprehension of the social type. Th e relation-

ship between these different approaches (constructive, existential and socio-

typological) is not one of mutual exclusion, but rather a dialectic one. The

result is intended to be theconcrete concept, in the Hegelian sense of multiple

determination.

ermitam-me começar pelo começo dos começos, no caso, a epígrafe do

ensaio "Bras Cuba s em très versees". É um pensamen to de Pascal:

Nossos sentidos nao percebem nada de extremo. Barulho demais nos ensur-

dece, demasiada luz nos ofusca; demasiada distancia e demasiada proximi-

dade impedem a vista.

Em termos de interpretaçâo literaria, qual é para nos, hoje, o ensina-

men to de Pascal? Que o leitor critico deve ora usar óculos de ver de longe,

ora óculos de ver de per to , ora mesmo óculos de meia distancia. Se vejo

do alto e de muito longe, sem as necessárias lentes de aumento, diviso oconjunto, mas nao enxergo as partes nem o movimen to de cada figura. Se,

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Talvez o m ais adequado seja trocar de lentes quando necessário. Por ex-'

emplo, começar pela análise da forma, no caso, da construçào ou do fraseio'

do romance, continuar pela leitura e escuta das vozes das personagens, com

suas perspectivas e tons existenciais peculiares, perseguindo, a certa a ltura,

a integraçâo dos aspectos particulares no contexto m aior, histórico e social.

E finalmente, como postulava Leo Spitzer, falando do círculo hermenêutico,

voltar aos detalhes de forma e estilo para ver se as hipóteses iniciáis saemj

confirmadas ou infirmadas. Spitzer fala de um ir e vir das partes ao todo e|

do todo ás partes.

O que se propöe, em principio, é levar em consideraçâo tres dimensôes

presentes em toda obra literaria, e que , a rigor, já foram definidas ao longo

da historia da Estética, de Aristóteles aos tempos m odernos: construçào, ex-

pressäo, representaçâo.

Podemos iniciar a leitura dasMemorias postumas de Brás Cubas valendo-

nos ora de um ora de outro desses registros analíticos e interpretativos. To-

dos têm algo importante a revelar. Mas todos conhecem igualmente limites,

que só o recurso aos demais registros pode ultrapassar. Há uma interaçâo

entre os tres modos de 1er, mas, indo ao fundo do método, trata-se de um a

dialética inter-dimensional, pois cada versâo supera {conservando hegelia-,

ñámente) o horizonte de cada uma das outras; horizonte que se arrisca ai

tornar-se fechado e redutor sempre que considerado isoladamente.

A múltipla determinaçâo propicia a formaçâo do conceito concreto, ao

passo que a determinaçâo unilateral tende a fixar uma leitura abstrata.

' I - Dimensâo construtiva ou formalizante ;

As Memorias Postumas de Brás Cubas foram escritas em um estilo progra-|\ madam ente livre.

i Machado, o romancista maduro (twice born, segundo a bela definiçào

de O tto M aria Carpeaux), aquele que escreve a partir dos anos 1880, ou de

seus 40 anos de idade, escolheu inscrever-se na tradiçâo de uma prosa sig-

nificativamente diversa dos modelos tradicionais do romance romántico

e, já áquela altura, do romance naturalista. Compare-se o Machado das

Memorias postumas com Alencar ou com Aluísio Azevedo.A sua confessada inspiraçâo vincula-o a Diderot, a Sterne, a Xavier de

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dad e de Sao Paulo, o professor e crítico R onalde s de Me ló e Souza form ulou

a hipótese da vigencia de uma ironia aristofânica na obra de Mach ado. Seria,

portanto, uma corrente de prosa ficcional joco-séria com caracteres esti-

lísticos marcados, e que Machado retomaria ao fazer do narrador a figura

aparentem ente inverossímil do defunto autor.-'

O ensaísta Sergio Paulo Rouanet formalizou a me sma hipótese cu nh an do

a expressáo "forma shandiana ", que enfeixaria as características desse género

de rom ance tom and o por paradig m a a prosa do Tristram Shandy. Machado ,

com o se sabe, cita Sterne com o u m de seus modelos literarios no prefacio à

terceira ediçâo das Memorias postumas.

Em seu ensaio Riso e melancolia, Rouanet elenca quatro características

que vinculam as Memorias ao modelo shandiano: a presença enfática do

narrador (o eu onipresente e opiniático), a técnica da composiçâo livre, in-

cluindo digressöes e fragmentos em zigzags, o uso arb itrario do tem po e do

espaço, a interp ene traçâ o de riso e melancolia.

Detenho-me apenas no pr imeiro tópico, a presença enfática do narrador

ou a hipertrofia da subjetividade. Essa característica, que é formal e psico-

lógica ao mesmo tempo, já foi observada por críticos mediante diferentes

perspectivas. Augusto Meyer , que encontraremos adiante como o maior

conhecedor da dimensâo existencial do narrador das Memorias postumas,

qualificava-a, há setenta anos, com as expressöes "perspectiva arbitraria" ou

"capricho como regra de com posiçâo". Meio século depois, o critico R oberto

Schwarz retomaria a observaçâo falando da volubilidade do narrador em

termos de composiçâo do romance.

Tanto Brás Cubas como seu ascendente Tristram Shandy parecem brin-

car com os objetos de sua narraçâo, com a propria construçâo do livro e,

por tabela, brin ca m tam bém com as reaçôes hipotéticas do leitor. A relaçâocom o leitor virtu al é, as vezes, am ena e diplomática, as vezes satírica, o que

aproxima, de fato, as duas obras, propiciando reflexôes lúdicas, moráis ou

filosofantes do narrador.^

Extensâo e limites da tese construtivista

Depois de tomarmos conhecimento da multiplicidade das intervençôes

daquele eu onipresente e caprichoso que emparelham o narrador dasMemorias com o na rrado r de Sterne (e, parcialm ente, com os narrado res de

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rente a este ou aquele traço estilístico, e que afinal seria preciso captar o idesenho e o tom da narrativa inteira, ouvir a melodia do começo ao fim, e ,nao ater-se somente a uma ou outra imagem, a uma ou outra nota, a uma ououtra frase do texto. Ou seja, começamos a nos perguntar: o que esses varios |traços estilísticos exprimem ? O que, afinal, quer dizer o desenho que presi- 'idiu à construçào da obra? Entramos assim no cerne da segunda dimensâoinencionada.

I l - Dimensâo expressiva ou existencial do texto ficcional

Abramos o primeiro ensaio de Augusto Meyer sobre Machado de Assis, in-titulado "O homem subterráneo". Ê de 1935. Entâo nâo se celebrava o cen-tenario do escritor, pois ele havia morrido havia menos de trinta anos. Oincipit do texto é provocador:

"Quase toda a obra de Machado de Assis é um pretexto para o improvisode borboleteios maliciosos, digressôes e parênteses felizes . . . Fez do seucapricho uma regra de composiçâo . . . E neste ponto se aproxima realmente

da "forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre". Mas a analo-gia é formai, nâo passa da superficie sensivel para o fundo permanente.A vivacidade de Sterne é uma espontaneidade orgánica, necessária, a dohomem voiúvel que atravessa os minutos num fregolismo vivo de atitudes,gozando o prazer de sentir-se disponivel. Sterne é um molto vivace da dis-soluçâo psicológica. Em Machado, a aparência de movimento, a pirueta e omalabarismo sào disfarces que mal conseguem dissimular uma profundagravidade-deveria dizer: uma terrivel estabilidade. Toda a sua trepidaçâoacaba marcando passo". (15)

Os que já tiveram o prazer de 1er o ensaio inteiro sabem que, a partirdessa observaçào, Augusto Meyer vai expor em seu estilo inimitável decritico-poeta a relaçâo existencial e estrutural entre a forma livre e a figura jdo homem subterráneo, verdadeiro étimo das mutaçôes de superficie. Nâoé apenas o homem epidérmico, espevitado, que muda por m udar, mas tam-bém o auto-ana lista, aquele que vive e se vé viver, o espectador de si mesmo,pirandelliano avant la lettre, capaz de envolver com a mortalha do defuntoautor a vida ociosa e egoísta do Brás vivo.

Ora, essa percepçâo de que a forma ou o modelo confessadamente imi-

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palavra-chave foi cunhada por Alcides Maia, que, por sua vez, inspirou aleitura de Augusto Meyer: humor.

Comentando o achado critico de ambos, pude escrever:

Humor que oscila entre a móvel jocosidade na superficie das palavras e umsombrío negativismo no cerne dos juízos.Hum or cuja 'aparência de movimento' feita de piruetas e maiabarismo maldisfarça a certeza m onótona do nada que espreita a viagem que cada homemempreende do nascimento à hora da morte.Hum or que decompóe as atitudes nobres ou apenas convencionais, pondo anu as razôes do insaciável amor-próprio, das quais a vaidade é o paradigma

e a veleidade o perfeito sinón imo.Humor que mistura a convençâo e o sarcasmo na forma de máximasparadoxais.Humor, enfim, que parodia as doutrinas do século, positivismo e evolu-cionismo, sob o nome de Humanitismo, e as traz na boca de um mendigoaluado". ("Brás Cubas em tres versóes" 29-30).

Diremos que, levando ao extremo a sua caracterizaçâo expressiva, Au-gusto Meyer conclui de modo que nao sabemos se justo ou injusto, m as sem-

pre incisivo e problematizador dos nossos fetichismos: "A unidade de tom,nos livros da última fase, chega a ser simples monotonia" (22).

Um novo horizonte se abriu, de todo m odo, envolvendo o anterior e con-ferindo-lhe novo sentido. Estávamos convencidos de que havia, de fato, um avontade-de-estilo na feitura das Memorias postumas, que resultara na formalivre e arbitraria do defunto autor. Mas agora estamos igualmente persuadi-dos de que, apesar da vigencia explícita desses padróes, dos quais Sterne é omais relevante, o tom, a expressao, numa palavra o processo existencial que

se formulou naquelas cadencias de estilo, nao reproduzia passivamente osseus paradigmas, na medida em que era peculiar ao novo projeto ficcionaldo narrador m achadiano.

O humor de Machado tem uma força destrutiva e dissolvente, amargae áspera, que nao se reconhece na tradiçâo menipéia nem tampouco ñasestrepolias de Tristram Shandy. É machadiano, nao tem antecedentes nemdescendentes próximos diretos. Trata-se de um narrador que se dobra so-bre si mesmo, refletindo à luz fria da morte o que fizera e dissera quan-

do vivo.Mas . . . a universalidade que se capta a partir de uma leitura existencial

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III - Dim ensao representativa ou reflexa

Depois de sondar o homem subterráneo e o analista de si mesmo, figurasmodeladas pela crítica de Augusto Meyer, ainda nos cabe perguntar: mas jquem é este homem, quais sao as suas coordenadas de tempo e espaço? Ou: !a que estímulos históricos específicos ele reagiu e aplicou o seu humor cor- !rosivo, nadificante? As respostas a essas perguntas exigem uma contex tuali-zacáo das m emorias de Brás. ¡

A contextualizacáo do narrador e das personagens pode ser feita ou com !

os instrumentos da sociologia positivista, cuja expressâo mais alta e refi- jnada se encontra na sociologia de Max Weber, ou com os instrumentos dadoutrina marxista, particu larm ente com a categoria da arte como reflexo da ,

sociedade. 'Qual o meio social e económico em que vivem Brás e as personagens '

circundantes? Qual o seu modus vivendi^ A que campo ideológico se pode '

filiar a sua personalidade ou a sua "mentalidade"? Em que medida seus pen- i

samentos, palavras e obras sao determinados pela classe social a que per-1jtence, no caso, pelo fato de ser um rentista ocioso na sociedade escravista 'brasileira do século 19?

Nessa busca dos fatores sociais determinantes, pode-se dizer que a so- \

ciologia da literatura foi apertando os seus parafusos desde a genérica abor-dagem plekhanoviana de Astrojildo Pereira, em "Machado de Assis, roman-cista do Segundo Imperio," até o enfoque lukácsiano de Roberto Schwarz,em Um mestre na periferia do capitalismo, passando pelo weberiano Ray-imundo Faoro, em A pirámide e o trapézio.

A teoria do reflexo, desenvolvida por Lukács a partir da sua conversâoao marxismo ortodoxo, baseia-se no postulado do "externo que se tornainterno", ou seja, dos componentes sociais que sao introjetados pelo escri-jtor formando o cerne da sua obra."* Um dos seus procedim entos básicos é a i

¡construçào do tipo social, que se m aterializa na personagem ou no narrador.jTrata-se de um procedimento objetivante, que parte do exterior para o co-jnhecimento do núcleo interno da personagem.

Certas características, vistas literariamente como forma livre, ou vistasjexistencialmente em termos de humor ácido e dissolvente, passam a ser ex- '

íplicadas de modo causal pela condiçâo económica do narrador-personagem ,

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Considero esse esforço de contextualizaçâo da obra machadiana umadas conquistas das últimas décadas da sua fortuna critica. Ela nos tem reve-lado um escritor atento ao cotidiano politico do Segundo Imperio medianteo estudo minucioso das suas crónicas e até mesmo dos seus despachos bu-rocráticos como funcionario do Ministerio da Agricultura. Machado nosaparece, agora, ao contrario das acusaçôes veementes que lhe lançou o grandeabolicionista negro José do Patrocinio, como um liberal democrático, dis-creto e irónicamente distanciado, mas lúcido em relaçào as atrocidades doregime de trabalho escravo.

De todo modo, o problema do alcance da interpretaçào socio-tipológicaé análogo ao que se pode levantar em relaçào as outras leituras, a formal ea existencial. É necessário saber precisamente até que ponto caracteristicasinerentes ás Mem orias postumas como a forma livre e o hum or, aquele senti-mento amargo e áspero que as penetra, podem ser meramente subordinadasas disponibilidades económicas da personagem Brás Cubas. Temos diantede nos uma pessoa, com seus mom entos de auto-refiexâo e auto-critica, ouapenas um tipo reificado, ao qual só caberia o procedimento da sátira de cos-tumes? Trata-se da apreensao fenomenológica de um homem que viveu e sevé viver ou de uma alegoria ideológica? Sao qualificacóes que se excluem mu-tuamente ou se imbricam dialeticamente? Perguntas todas cruciais, tendoem vista que a leitura alegorizante, ostensivamente unilateral, tende ultima-mente a espalhar-se por toda a obra de Machado, reduzindo os narradoresde Dom Casmurro e do Mem orial de Aires a pobres fantoches ideológicos.

A critica sociológica weberiana e a de fiiiaçâo lukácsiana estâo interes-sadas no desvelamento da ideologia que enforma a narrativa. A questaonao é nada fácil, a começar pela própria posiçâo do último Lukács que, naOntologia do ser social, nega que se possa a tribuir a um autor, enquanto in-dividuo, uma determinada "ideologia" (Lukács 445). O termo Valeria, depreferencia, para modos de pensar e sentir de classes ou estratos inteiros deuma dada sociedade interessados em manter ou defender o seu status quo.

Um escritor, quando individualmente considerado, pode projetar tenden-cias contraditórias de um momento da sua própria sociedade, misturandolances de rebeldia com expressôes de tedio ou conformismo, notas de sátiralocal com lances de humor universalizante. Seria provavelmente este o caso

de Machado de Assis. Sabemos, por via negativa, que as ideologias do pro -gresso correntes no seu tempo, o positivismo e o evolucionismo, codificadas

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Em minha percepçâo, sujeita naturalmente a révisées, o Machado maduró

conservou básicamente os principios trazidos do liberalismo democrático e

militante da sua juventude, evidentes ñas crónicas dos anos i860; mas in-!

fundiu-lhe cadencias melancólicas, céticas e pessimistas, já expressas nos

moralistas franceses dos séculos 17 e 18, que ele tanto admirava (Pascal, Lá

Rochefoucauld, Chamfort... ) e nos grandes pessimistas do século 19: pensó

em Leopardi — cujo desencanto absoluto, cósmico e histórico, ressuma no

delirio de Brás Cubas—e em Schopenhauer.'

O limite da sátira local se encontraria na auto-refiexâo e no ceticismo

universalizante. A sua forma estilística é o capricho. A sua expressáo exis-

tencial é o humor. 1

Princeton, NJ, 7 de outubro de 2008.I

Notas

1. Desejo agradecer ao colega e amigo, Prof. Pedro Meira Monteiro, a gentilezaldo convite para participar de seu curso em Princeton sobre a obra de Machado de

Assis. Trata-se de uma oportunidade particularmente feliz, pois me dedico ao seu

estudo desde os anos setenta, quando escrevi meu primeiro ensaio sobre o Memo-

rial de Aires, até data recente: faz dois anos, publiquei Brás Cubas em tres versöes, e

há apenas tres meses, o ensaio "Figuras do narrador machadiano." É, portanto, um

privilegio poder expor e discutir com leitores latino-americanistas essas minhasúltimas tentativas de interpretaçâo.

2. Ver, em partricular, os estudos de José Guilherme Merquior e de Enylton de

Sá Regó.3. Procurei desenvolver o tópico da interaçào narrador-leitor em "Figuras do

narrador machadiano." |

4. O movimento detectado pela sondagem expressiva vai no sentido contrario eicomplementar: quer conhecer o modo pelo qual o interno se torna externo.

5. Sobre a presença deste veio moraliste na obra madura de Machado, fiz algunslcomentarios em Machado de Assis. O enigma do olhar.

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. Machado de Assis. 0 enigma do olhar. Sao P aulo: Ática, 1999.Lukács, György. Ontologia dell'essere soeiale, II. Ro ma : Ed. R iun iti, 1981.Merquior , José Guiiherme, "O romance carnavalesco de Machado", prefacio as

Mem orias postumas de Brás Cubas. Sao Paulo: Ática, 1971.Meyer, Aug usto, Machado de Assis (1935-1958). Apresentaçâo de Alberto da Costa e

Silva, 4= ed. Rio de Janeiro: José Oly m pio, Acad emia Brasileira de Letras, 2008.Regó, Enylton de Sá, O ealundu e a panacéia. M achado de Assis, a sátira menipéia e

a tradiçâo luciânica. Rio de J ane iro: Fore nse , 1982.Rouanet, Sergio Paulo, Riso e melancolia. A forma shadiana em Sterne, Diderot,

Xavier de Maistre, Almeida Garrett e Machado de Assis. Sao Paulo: Companhia

das Letras: 2007,

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