Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    1/23

    Traduo de Philippe Dietman

    QUE RETORNO DE QUAL CRTICA?

    Em Le nouvel esprit du capitalisme , escrito em colaborao com Eve Chiapelloentre 1995 e 1999, portanto h mais de dez anos, procuramos compreendercomo a crtica, em particular a crtica do capitalismo, muito intensa nos anos1965-1975, foi praticamente silenciada nos anos 1985-1995 (ver Boltanski &Chiapello, 1999). Mas, ao final deste trabalho, levando em conta, notadamente,os movimentos de greve de 1995, mas tambm a proliferao de associaesque desenvolviam atividades crticas em vrios domnios, pensvamos poderidentificar sinais de uma reviravolta de tendncia se assim se pode dizer ,aps o declnio dos anos 1985-1990, um retorno e uma renovao da crtica.

    Podemos certamente dizer, dez anos depois, que este retorno aconteceuefetivamente. No mundo artstico e intelectual, as obras orientadas crticaproliferaram nos ltimos anos, tanto na rea da filosofia ou da sociologia, quan-to, por exemplo, no teatro. No domnio do emprego, o movimento contra o

    Contrato de Primeiro Emprego (CPE)1 em 2006, e no mundo acadmico, o movi-mento contra a reforma da Universidade e do Centre National de la RechercheScientifique (CNRS) em 2008-2009, no tiveram o mesmo sucesso, mas estive-

    SOCIOLOGIA DA CRTICA, INSTITUIESE O NOVO MODO DE DOMINAO GESTIONRIA

    Luc Boltanski I

    I cole des Hautes tudes em Sciences Sociales (EHESS), Frana [email protected]

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0 6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    2/23

    442

    sociologia da crtica, instituies e o novo modo de dominao gestionria

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0

    6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

    ram longe de ser insignificantes. Nas empresas, movimentos de greves e revol-

    tas tenderam amplamente a serem retomados ao longo dos ltimos cinco anos,conforme demonstrado por vrios estudos em sociologia do trabalho, mesmoque esses movimentos, na maioria dos casos, tenham sido pouco divulgadosnos meios de comunicao. No campo estritamente poltico, vrios indicadoresapontam na mesma direo, da rejeio no referendo sobre a Europa de 2005, 2 at a formao de novos partidos posicionados esquerda do Partido Socialis-ta, partidos esses que querem ser radicalmente crticos.

    No entanto, as diferenas em relao aos anos 1965-1975 so bvias. Aprincipal diferena me parece ser a seguinte: ela nem est associada a um nveldiferente de intensidade, o que poderia ser chamado de desejo de crtica , nem auma marginalizao dos atores da crtica. Por volta do ano de 1968, a intencio-nalidade crtica era assumida por indivduos ou minorias, como ainda o casohoje. Mas, nos anos 1960-1975, a crtica produzia efeito . De alguma forma elaimpactava o mundo social e o espao poltico. Mas, parece que hoje em dia oaumento da crtica no acompanhado por um aumento, no mesmo grau, do poder da crtica, como se ela no tivesse mais impacto sobre a realidade. Talvezseja apenas uma impresso, mas, ainda que seja, ela compartilhada por muitos.

    Parece-me que esta situao precisa ser examinada, e as questes queela levanta podem orientar nossa ateno em duas direes. Podemos olhar

    para a crtica e indagar suas formas atuais: ela seria obsoleta, no teria progra-ma poltico e no apresentaria alternativas claras etc. um discurso que seouviu muito na Europa nos ltimos anos. No entanto, parece-me mais interes-sante olhar na outra direo, ou seja, analisar as mudanas que ocorreram nosdispositivos de governana sejam eles pblicos ou privados, o que hoje maisou menos a mesma coisa isto , nos dispositivos que permitem aos respon-sveis conter a crtica e manter inalteradas as principais assimetrias sociaisexistentes, ou mesmo ampli-las. Em um trabalho como este, ateno particu-lar deveria ser dada a meu ver conjuno entre duas orientaes cujoscontornos e usos so relativamente diferentes, ou at divergentes.

    Por um lado, verifica-se a instrumentalizao da cincia econmica porlderes polticos e econmicos. Esta instrumentalizao consiste numa expli-cao rpida em dar-lhe visibilidade pblica e torn-la a principal ferramen-ta capaz de escolher, entre tudo o que acontece, os eventos relevantes, e tam-bm em dar-lhes significado, encaixando-os em um quadro unificado e asso-ciando-os a certos mecanismos. Os economistas dizem diariamente nas arenaspblicas, particularmente nos meios de comunicao ou nos debates de espe-cialistas, qual o estado do Planeta, visto pelo prisma dos seus prprios siste-mas contbeis. Esta disciplina, neste sentido, substituiu a histria como o prin-

    cipal instrumento para a formulao de uma narrativa abrangente. E o tipo detrama que ela pratica apela, fundamentalmente, no apenas como na histria

    noo de causalidade , mas, sobretudo, de necessidade .

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    3/23

    443

    artigo | luc boltanski

    A segunda orientao pode ser caracterizada pelo fortalecimento e o

    aperfeioamento das tcnicas de management e das ferramentas de gesto. Es-tas ltimas, desenvolvidas inicialmente no quadro das grandes empresas, foramagora importadas pelas esferas pblica e poltica. Mas devem ser ressaltadostrs pontos. O primeiro que no se pode ignorar tudo que o aperfeioamentodas tcnicas de gesto e, mais amplamente, dos modos de governabililidadeque elas possibilitam, deve s contribuies das cincias sociais. No s, claro, a economia, mas tambm, e, talvez, sobretudo no caso da gesto, a so-ciologia, a economia e as cincias cognitivas. O segundo ponto diz respeito orientao destas tcnicas em direo eficincia prtica. Ao contrrio do eco-nomismo, elas no enfatizam a necessidade, mas o agir e o poder de agir sobrea vontade, sobre a autonomia e sobre a liberdade, uma vez que esta se ope necessidade. Enfim, o terceiro ponto diz respeito ao uso poltico que feitodestas tcnicas. Ao contrrio da economia, as tcnicas e ferramentas de gestono so divulgadas publicamente, notadamente nos meios de comunicao.Elas no esto colocadas na trama. So reservadas aos atores e especialmentequeles que esto em posies de poder, os responsveis. a sua liberdadede ao que elas permitem otimizar. Os subordinados as conhecem principal-mente por intermdio das medidas fragmentadas s quais eles esto submeti-dos e das orientaes que devem aplicar.

    A CAIXA DE FERRAMENTAS

    O esboo de anlise que vou apresentar baseado em algumas das noesproduzidas em um livro recente, De la critique (Boltanski, 2009), para tentarespecificar o que eu chamaria de diferentes sistemas polticos de dominao.Para ser breve, lembrarei a seguir apenas alguns pontos deste trabalho.

    O primeiro ponto diz respeito ao nvel das reivindicaes. Uma perguntapersistiu no pensamento crtico, da Escola de Frankfurt at a sociologia crticafrancesa da dcada de 1970: saber por que os explorados aceitam uma situaoque, especialmente nos regimes polticos que reivindicam o legado da RevoluoFrancesa, est claramente em contradio com as exigncias afirmadas de liber-dade e igualdade. Proponho uma resposta, no em termos de internalizao dasideologias dominantes, ou seja, de iluso , mas em termos de realismo . Os explo-rados num registro econmico, ou os dominados num registro categorial ousimblico, no tm necessariamente iluses sobre a natureza injusta ou assi-mtrica da ordem social. Longe disto. Mas eles autolimitam suas reivindicaescom base em suas avaliaes das possibilidades que as mesmas tm de serem

    reconhecidas e assim, serem mais ou menos satisfeitas, dentro da realidade.Um segundo ponto pretende esclarecer o que se deve entender por reali-

    dade e introduzir uma distino, que desempenha um papel central neste con-

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    4/23

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    5/23

    445

    artigo | luc boltanski

    Um quarto ponto diferencia tipos de provas (um conceito introduzido no

    livro que escrevi com Laurent Thvenot, De la justification ). Sejam provas deverdade que encenam os arranjos simblicos que fortalecem as instituies(como, por exemplo, cerimnias); provas de real idade, que confrontam, de acor-do com formatos predeterminados, as aspiraes dos atores realidade, naforma em que ela construda em uma sociedade determinada; ou, ainda, pro-vas existenciais , por meio das quais elementos que no so reconhecidos comoparte da realidade construda, so tirados do mundo. assim, em grande partea partir das provas existenciais, que surgem as formas de subjetivao que iroalimentar a crtica radical (ver Boltanski & Thvenot, 1992).

    Finalmente, um quinto ponto pretende explicitar a ambiguidade das ins-tituies e relatar a possibilidade mesma da crtica. Centra-se na contradioimanente vida institucional, que eu chamo de contradio hermenutica . Estacontradio sobre a qual no cabe me alongar aqui trata da tenso entre anatureza obrigatoriamente incorprea das instituies (que so entes sem cor-pos) e a natureza necessariamente corporal dos porta-vozes que permitem sinstituie intervir na realidade. Esta tenso redobrada quando se trata dasregras editadas pelas instituies cujo carter semntico est ameaado pelascondies pragmticas de sua implementao.

    Em resumo, aqui esto alguns elementos da caixa de ferramentas. Uti-

    lizando essas ferramentas, vou tentar agora distinguir esquematicamente oque pode ser chamado de diferentes sistemas polticos de dominao associa-dos no s a diferentes formas de manuteno das assimetrias sociais funda-mentais, mas tambm a diferentes formas de enfrentar as crticas. Trata-se detipos ideais que podem se combinar de diversas formas.

    A violncia fsica desempenha um papel central no primeiro caso, o dadominao pelo terror . Esta a maneira mais simples de exercer uma dominao.Um segundo caso pode ser caracterizado por uma grande distncia entre o quese prega oficialmente e o que realizado de fato . Pode ser aplicado, para estesegundo modo de dominao, o termo de ideolgico e este certamente aqueleno qual a ideia de crtica como operao de desvelamento cabe melhor. Identi-ficarei, finalmente, um terceiro modo de dominao que eu chamo de gestion-rio (tomando emprestado o termo de Albert Ogin [1995]). Vou sugerir a ideiade que esse modo de dominao caracteriza, pelo menos como tendncia, asformas de governana que se implementam nas democracias capitalistas con-temporneas. Interesso-me, particularmente, por este terceiro modo e a formacomo ele tende a limitar o poder de crtica.

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    6/23

    446

    sociologia da crtica, instituies e o novo modo de dominao gestionria

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0

    6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

    A DOMINAO PELO TERROR

    possvel identificar os efeitos da dominao mais simples em situaes-limi-tes associadas a contextos em que o medo desempenha um papel fundamental.As pessoas esto, aqui, total ou parcialmente privadas de liberdades elemen-tares. Profundas assimetrias so mantidas ou criadas estabelecendo uma vio-lncia explcita, e principal, mas no exclusivamente, fsica. No entanto, meparece prefervel, no caso deste tipo, para o qual a escravido funciona comoparadigma, falar de opresso . Mas pode-se tambm invocar a opresso, em cer-tos casos menos extremos, em que a manuteno de uma ortodoxia obtida pormeio de uma violncia, notadamente um terror policial, para reprimir a crtica.

    Em situaes de opresso, as pessoas dificilmente podem reconheceralgo em comum, considerando as outras relaes alm daquelas que so leva-das em conta pelas classificaes oficiais. Como mostrado na literatura sobrea escravido (sem mesmo mencionar o caso extremo dos campos de concen-trao), o coletivo crtico impossvel ou muito difcil de se formar. A suafragmentao prevalece. No s a crtica excluda, mas tambm o a possi-bilidade de questionar o que est acontecendo, o que se constitui, talvez, noprimeiro movimento de crtica (aqui, no se fazem perguntas). Crtica e ques-tionamento sendo impossveis, aqueles que exercem a dominao no precisam

    justificar suas aes.Pelas mesmas razes, estas situaes podem tambm, em larga medida,fazer economia de amplas implementaes ideolgicas. A ideologia neste casovisa, sobretudo, sustentar a moral dos agentes que exercem diretamente a vio-lncia fsica. De fato, o exerccio da violncia uma tarefa relativamente difcilde se executar friamente, e a longo prazo, sem apoio ideolgico, se que pode-mos dizer, sem apoio moral. Mas neste tipo de contexto, pode-se fazer eco-nomia de uma ao ideolgica intensa visando os dominados o que semprecustoso , j que a coordenao das aes no exige o consentimento, mas obtida diretamente pela violncia ou por sua ameaa e pelos dispositivos uti-lizados. Da mesma forma, e por razes semelhantes, as instncias de confir-mao so reduzidas ao mnimo. Considerando a impossibilidade de questionarsobre o que , a presena de instncias para confirmar se o que , realmente, intil.

    Em tais situaes, a crtica muitas vezes silenciosa e tcita. Qualquergesto imprevisto, seja um gesto de desobedincia ou, sobretudo, um gesto desolidariedade, mesmo realizado em segredo, pode ser considerado uma mani-festao crtica.

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    7/23

    447

    artigo | luc boltanski

    DOMINAO PELA IDEOLOGIA E DISTNCIA

    ENTRE O OFICIAL E O EXTRAOFICIAL

    Em um modo de dominao pela ideologia (que pode, alis, se as circunstnciaso exigirem, recorrer ao terror), a crtica parece, at certo ponto, possvel. Masos atores nunca sabem o quanto ou quo longe eles podem ir sem que os cus-tos da crtica se tornem exorbitantes. Aqueles que exercem o poder expempublicamente as razes de suas decises e aes e, portanto, afirmam subme-terem-se s exigncias de justificao. Nestes contextos, a principal diferenase d entre o oficial e o extraoficial . De fato, as justificativas oficiais no soconfrontadas com a realidade. Existe algo parecido com provas de realidadeencaixadas em formatos. Mas difcil (e s vezes perigoso) controlar a confor-midade do andamento e do resultado das provas implementadas localmente,aqui e agora, com o formato ao qual elas deveriam corresponder.

    Da mesma forma, as demandas da justia (meritocrtica ou social) podemser reconhecidas oficialmente como, por exemplo, os requisitos de reversibilida-de dos estados de grandeza 3 (igualdade de oportunidades) ou, ainda, de separa-o das formas de avaliao das capacidades visando dificultar a acumulaodas desvantagens, mas elas tendem a permanecer confinadas s declaraes,sem serem acompanhadas dos dispositivos que permitiriam coloc-las em pr-

    tica. As justificativas se degradam em meros pretextos , e tomam a forma de pala-vras verbais como dizem, ironicamente, aqueles a quem se destinam.

    Estes ltimos, longe de serem enganados, frequentemente desenvolveminterpretaes realistas, isto , sem iluses, da condio que lhes imposta.Nestes contextos, um saber extraoficial constituido a partir de experinciascotidianas, saber este que proibido de se tornar pblico. As provas existenciaisconseguem difcilmente ser compartilhadas e transformadas em reivindicaes.Os esforos para criar ou manter as margens de autonomia se expressam naforma de um arranjo individual ou em pequenos grupos. Os atores, para redu-zir as restries que pesam sobre eles, desenvolvem uma competncia inter-pretativa especfica para identificar espaos de liberdade, aproveitando as fa-lhas nos dispositivos de controle.

    Isto significa tambm que as pessoas comuns, que sofrem os efeitosda dominao, no perdem nem seu senso de justia, nem seu desejo de liber-dade, nem a justeza das suas interpretaes no que diz respeito ao que acon-tece na realidade ou, por assim dizer, a sua lucidez. Mas essa lucidez pessoal que assume a forma de ceticismo raramente leva a uma ao coletiva.

    Confrontado com este ceticismo e para alcanarem credibilidade, asinstncias encarregadas de apoiar certo estado do que e do que vale, buscam

    reduzir as disposies crtica de duas maneiras. Por um lado, confirmamrepetidamente a ordem estabelecida atravs da demonstrao espetacular deconjuntos simblicos, tais como rituais, cerimnias, desfiles, concesso de con-

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    8/23

    448

    sociologia da crtica, instituies e o novo modo de dominao gestionria

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0

    6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

    decoraes, discursos, comemoraes etc. (ou seja, por provas da verdade). Por

    outro lado, quando isto no suficiente, aquelas instncias apelam s autoridadesdetentoras dos meios de violncia (geralmente dependentes do Estado) de formaa manter a sua dominao por meio da represso .

    Em geral, a dominao pela ideologia (acompanhada ou no por uma do-se de terror) orientada de forma quase obsessiva para a manuteno de umarealidade que j existe, que deve ser protegida contra interferncias que pode-riam levar em conta experincias conectadas com o mundo . Em decorrncia dis-to, uma crtica reformista pode ser julgada aceitvel (mesmo que no seja real-mente posta em prtica), mas no uma crtica radical. O objetivo procurado po-de ento ser caracterizado pela recusa da mudana e as medidas tomadas tm al-go a ver com o estado de guerra contra o inimigo interno perptuo.

    Em situaes como esta, a crtica, quando consegue se organizar e ser ou-vida, pode facilmente revelar a distncia entre o oficial e o extraoficial; entre osvalores oficialmente proclamados e os atos. Ela tambm pode denunciar a hipocri-sia dos dominantes. Ou, ainda, denunciar a sua relutncia em mudar e seu con-servadorismo ou passadismo. Foram temas que alimentaram a crtica no sculoXIX e na primeira metade do sculo XX.

    MODOS DE DOMINAO GESTIONRIA

    Nas ltimas dcadas do sculo XX foram se desenvolvendo outras formas de do-minao compatveis com as sociedades hipercapitalistas e baseadas politicamen-te na democracia eleitoral. Uma das caractersticas desses sistemas no apenaster rompido com um modelo de dominao utilizando o terror, mas tambm terquase enterrado as ideologias (o tema do fim das ideologias). Neste caso, a apro-ximao entre o exerccio do poder e a conduo de uma guerra, ou a ideia mesmode dominao, podem parecer sem fundamento.

    Nestes contextos polticos, os fatos e as aes realizadas em um espaopblico esto sujeitos a explicaes e at a discusses, e as pretenses antagonis-tas das pessoas esto sujeitas s provas de realidade , pelo menos quando as dispu-tas ocorrem no espao pblico. H procedimentos para organizar as relaes entreas instituies e a crtica que deve ser ouvida (se no necessariamente satisfeita),pelo menos quando ela se manifesta de maneira considerada compatvel com asconvenes legtimas. Portanto, precisamente a introduo de um novo tipo derelacionamento entre as instituies e a crtica e, de alguma forma, a incorporaodisso nas rotinas da vida social, que caracterizam esses dispositivos.

    No entanto, neste tipo de contexto histrico, podem-se identificar os efeitos

    de dominao de outra natureza, compatveis com as exigncias de uma socieda-de capitalista democrtica. Uma das suas caractersticas garantir uma formade dominao que insista na mudana .

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    9/23

    449

    artigo | luc boltanski

    Estas formas de dominao, que podem ser chamadas de gestionrias

    para recordar a importncia que tm as disciplinas de gesto so adaptadass modalidades de explorao que fazem economia da fora fsica, mas tambmde algum grau de persuaso. A explorao se aproveita da instrumentalizaode diferenciais para gerar lucro, e estes podem ser de natureza diversa. Trata-se,em primeiro lugar, do diferencial de propriedade. Mas tambm pode ser, porexemplo, o diferencial de mobilidade, do qual Eve Chiapello e eu tentamosmostrar a importncia crescente no Le nouvel esprit du capitalisme . Num quadrogestionrio, os processos de dominao esto associados com a manutenoduradoura de uma ou vrias assimetrias profundas, no sentido em que os mes-mos se beneficiam de todas as provas (ou quase), enquanto para outros sem-pre tambm os mesmos as provas sempre tm resultados adversos (ou quase).

    Mas a manuteno dessas assimetrias no assumida por indivduosfacilmente identificveis. Uma das propriedades mais relevantes da dominaogestionria , de fato, ser sem sujeitos. Ela baseada em dispositivos dos quaisindivduos ou grupos podem tirar maior ou menor proveito, dependendo dasestratgias que eles adotam. Portanto, diferentes pessoas podem, em diferentesmomentos, controlar esses dispositivos, o que torna difcil a identificao pelacrtica dos detentores do poder de agir. Porm, mesmo que materializados emindivduos, estes dispositivos continuam a ser mais ou menos impessoais. A

    questo de saber quem so os dominantes muitas vezes tem um carter pro-blemtico.Por outro lado, as medidas implementadas no aparecem nem como se

    elas fossem o resultado de aes realmente intencionais, nem mesmo comosendo necessariamente desejveis em si . Elas no se definem, com prioridade,por referncia a um universo de valores antagonistas ou concorrentes, entreos quais as escolhas deveriam ser feitas e com relao aos quais as aes de-veriam ser justificadas. Este modo de governana remete a uma lgica comple-tamente diferente, que a da causalidade. sempre a necessidade , no sentidoda necessidade causal , que determina as medidas tomadas, e fornece uma expli-cao em vez de uma justificao.

    Quando a manuteno ou o aumento das assimetrias questionado pe-la crtica, o que acaba acontecendo, a defesa da ordem das coisas existente dlugar a explicaes que se apoiam principalmente em dois tipos de motivos.Em nvel macro, so invocadas as evolues atribudas a um espao indepen-dente e neutro, no qual as vontades individuais no tm nenhum controle.Trata-se, geralmente, da cincia, da tecnologia e, claro, da economia como ci-ncia e como tcnica. Em nvel micro, as explicaes invocam, sobretudo, aao das pessoas que, na maioria das provas, no so mostradas verdadeira-

    mente em vantagem porque, por exemplo, supe-se que bebem, se drogam ouno querem realmente trabalhar. Esta forma de culpar a vtima 4 equivale adeslocar para a responsabilidade individual o peso das restries que so

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    10/23

    450

    sociologia da crtica, instituies e o novo modo de dominao gestionria

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0

    6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

    apresentadas, no nvel macro, como as foras objetais sobre quais as vontades

    individuais no tm influncia. Duas figuras esto assim combinadas. Por umlado, a figura da necessidade, no que ela tem de inexorvel; por outro, a figurada liberdade, declinante no registro da autonomia e da meritocracia.

    A ROBUSTEZ DA REALIDADE

    Uma das caractersticas dos efeitos da dominao gestionria fornecer menosabertura crtica do que a dominao pelo terror, ou at mesmo pela ideologia.No caso de sistemas que funcionam pela ideologia, a sociologia crtica poderecorrer temtica da iluso para explicar a aceitao aparentemente mais oumenos passiva das assimetrias por aqueles que esto pagando o preo. Espera-

    -se deles a adeso a uma ordem ideolgica, porque eles a teriam internalizadoou at mesmo incorporado, o que, em outras palavras, significa que eles desejam o que os oprime um argumento que remete temtica da neurose e pode fa-cilmente se apoiar em esquemas psicanalticos. Ou, ainda, eles no acreditam,mas acreditam que os outros acreditam. Ou eles no acreditam, e eles sabemque os outros tambm no acreditam, e que os outros tambm sabem que elesmesmos no acreditam, embora todos cooperem para manter a iluso de uma

    crena, por medo de ver a realidade entrar em colapso se esta descrena tacita-mente compartilhada se tornasse um saber comum (como nas anlises inspira-das do famoso artigo de Octave Mannoni, Eu sei, mas mesmo assim ..., 2006 [1964]).

    Mas para entender um sistema de dominao gestionria, estas anlisessutis so de pouca utilidade. Em um sistema desse tipo, no solicitado aosatores e, especialmente aos mais dominados entre eles, se renderem iluso,porque no se pede a eles para aderirem ordem estabelecida de forma entu-siasmada. Pede-se a eles que sejam realistas . Ser realista, quer dizer, aceitar asrestries, notadamente econmicas, tais como elas so, no porque sejamboas ou justas em si, mas porque no podem ser diferentes do que so.

    Para um tipo de mudana, no mais, ento, a temtica da autonomiaque privilegiada, mas aquela da dependncia causal. Autonomia e dependn-cia formam uma dupla que se substituem mutuamente, dependendo do con-texto. A serialidade como ligao de impotncia para retomar as palavrasde Sartre em Crtica da razo dialtica (Sartre, 1906: 352), prevalece sobre a te-mtica da ao voluntria. Cada indivduo particular, independentemente desua importncia ou grandeza, no mais tratado como o elo de uma sriecausal que predeterminaria as suas aes. No se pede a ele nada alm de seconscientizar da sua prpria impotncia. E precisamente esta forma bem

    particular de conscientizao, que deve lhe servir de realismo .Uma das contribuies do trabalho de sociologia pragmtica da crtica

    desenvolvida ao longo dos ltimos vinte anos tem sido de mostrar que os ato-

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    11/23

    451

    artigo | luc boltanski

    res no eram abusados (pelo menos certamente no tanto quanto sugere a

    sociologia crtica dos anos 1960-1970) e que, por tudo o que se referia ao cursonormal das suas atividades, e as injustias que podiam sofrer em sua vidacotidiana, eles no tinham realmente iluso. Mas ela tambm mostrou queesta lucidez no lhes dava o sentimento de ter condio de mudar a realidade.

    Como entender este conjunto paradoxal de lucidez desencantada, atmesmo de desgosto e de sentimento de impotncia, muitas vezes resultandoem um afastamento da esfera de ao poltica e, principalmente a falta deinteresse, no s pelo exerccio militante, mas at mesmo por essa forma m-nima de atividade poltica que consiste em votar? Pode ser que seja necessrio,para dar-lhe significado, colocar temporariamente entre parnteses interpre-taes com as quais estamos familiarizados. Por exemplo, aquelas que invocamo medo ou a covardia, as crenas e as esperanas ilusrias, a desinformao eo desvio das insatisfaes para bodes expiatrios, alimentados pelas mdias,ou a ascenso do individualismo, um tema que constituiu a ltima grandenarrativa scio-histrica ainda disponvel aps a grande faxina operada pelops-modernismo. Tais interpretaes, que, em ltima anlise, se baseiam final-mente na psicologia social, contornam o que deveria nos interessar em primei-ro lugar, ou seja, a realidade .

    Mas, em um sistema de poltica gestionria, o realismo ocupa o centro

    do dispositivo de dominao. Ele constitui, ao mesmo tempo, o princpio de justificao no qual os dominantes se apoiam e a virtude que eles exigem dosdominados. Mas no se trata apenas de um discurso, ou por assim dizer, umaideologia. O que caracteriza um sistema deste tipo , de fato, a sua capacidadede ligar no apenas idealmente , mas tambm nos fatos , os elementos diversosque compem a realidade para torn-los intimamente interdependentes. Ou,ainda, sua capacidade de constituir uma realidade em que tudo se encaixa , ouseja, uma realidade cuja fora teria uma dimenso absoluta. A realidade con-siderada como algo externo, que seria independente das relaes sociais (ou,por assim dizer, em termos marxistas, fetichizada) pode ento ser, no apenasevocada, mas mostrada em suas manifestaes mais tangveis. Pode-se atribuira ela uma vontade prpria e mostrar como a mesma se manifesta, especial-mente quando capaz de punir aqueles que pensarem que dela podem escapar.

    A este respeito, governantes e governados, dominantes e dominadosenfrentam o mesmo problema. Eles so, todos, supostos servidores da realida-de. A todos eles se pede para serem realistas . Mas esta igualdade de princpioencobre uma profunda assimetria. A fetichizao da realidade esconde o quea constitui como tal. Ou seja, a rede de regras, leis, formatos de provas, normas,modos de clculo e controle, que tm, na maioria das vezes, mas em graus

    variados, uma origem institucional. Mas um dos principais diferenciais entredominantes e dominados justamente a posio assimtrica que ocupam emrelao s instituies e, consequentemente, s regras que as instituies fixam.

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    12/23

    452

    sociologia da crtica, instituies e o novo modo de dominao gestionria

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0

    6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

    Espera-se dos dominados que eles considerem as instituies como se

    fossem entes quase sagrados e ajam seguindo as regras ao p da letra isto ,obedeam s instrues fragmentadas , qualquer interpretao da regra sen-do, no caso deles, considerada uma transgresso . Ao contrrio, os dominantespodem adotar uma relao prtica, e de alguma forma dessacralizada, com asinstituies simplesmente porque eles as fazem . Por outro lado, os objetivos quelhes foram atribudos, ou melhor, que eles se atribuem, sendo amplos e vagos,podem, e at devem, interpretar as regras, isto , na sua linguagem, se isentarde seguir a regra ao p da letra , mas com a condio de permanecer no espritoda regra . Isso justamente para ficar mais perto da realidade.

    A NECESSIDADE COMO VONTADE E REPRESENTAO

    Uma das caractersticas dos dispositivos gestionrios garantir, se for possvelpor meios formalmente pacficos, uma forma de dominao que como j foidito no s no impede a mudana, mas que se exerce mesmo por meio damudana . Eles no agem tentando impedir a mudana a fim de manter a qual-quer custo uma ortodoxia, como nas sociedades em que a ordem mantidapelo terror ou pelo martelamento ideolgico. Em vez disso, eles intervm va-

    lorizando, acompanhando e orientando a mudana (ver Bourdieu & Boltanski,2008 [1976]; Boltanski, 2008). Neste sentido, eles esto ligados com o capitalis-mo como uma forma histrica subsistindo tacitamente por um conjunto derepeties e diferenas, mas defendendo a mudana por ela mesma, enquan-to fonte de energia.

    Portanto, estes dispositivos no so prioritariamente orientados paraa manuteno das qualificaes e dos formatos das provas estabelecidas, maseles intervm para mudar alternadamente, por vezes os formatos das provas ,s vezes a realidade , construda e validada pelo desfecho das provas, e, porvezes, o mundo . Essas diversas intervenes s conseguem escapar da acusa-o de serem conduzidas por um desejo de dominao e de realizarem-se deforma relativamente impecvel se elas so incorporadas em um processo deacompanhamento de uma mudana permanente, apresentado ao mesmo tem-po como inevitvel e desejvel.

    Mas particularmente atravs dessa pluralidade de intervenes que acrtica se encontra desarmada. De fato, torna-se difcil para ela, no s fazervaler que as provas da realidade no concordam com os formatos oficiais,mas, sobretudo, tirar do mundo as experincias que escapam realidade,como ela construda, de modo a questionar a validade das definies e das

    qualificaes estabelecidas. o motivo pelo qual os responsveis ficam repetindo que preciso

    querer a mudana, mas porque ela imposta a eles como uma fora externa

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    13/23

    453

    artigo | luc boltanski

    sua vontade. Essa abordagem, por mais estranha que se pense, da vontade ou

    seja, da liberdade e da necessidade , que frequentemente associada aos regi-mes totalitrios que reivindicam uma filosofia determinista da histria, noentanto, constitui um lugar-comum dos modos de governana do capitalismoavanado. A mudana em questo no tanto uma mudana atual, mas anun-ciada. Esta ainda no conhecida, ou o de forma incompleta. Portanto, necessrio apelar para os experts em cincias sociais e aos centros de clculose previso para conceber agora esta mudana que ser imposta a todos, maistarde, inevitavelmente.

    Esta nfase sobre a necessidade necessria para legitimar a ao po-ltica num quadro formalmente orientado para o bem comum, quando dadaao mesmo uma denotao democrtica. De fato, em tal contexto, uma ao ilegtima quando se pode qualific-la de arbitrria , mostrando que ela estsubmetida vontade de um indivduo ou grupo que assumiria as decisessozinho. Invocar foras impessoais e inexorveis permite subordinar a vontadedos atores, em posio dominante, s leis inscritas na natureza das coisas.

    Deve-se notar uma caracterstica particularmente especial deste modode governana. Trata-se do carter instrumental, estritamente gestionrio dasintervenes, e suas justificativas. As medidas adotadas encontram seu prin-cpio de necessidade por estarem de acordo com um quadro, muitas vezes

    contbil ou juridiscional, sem exigir uma ampla utilizao de discursos ideo-lgicos, nem a realizao de rituais ou cerimnias valorizando a coerncia deuma ordem no nvel simblico. As provas de verdade (como definidas acima),cujo papel to importante no caso das formas de dominao orientadas paraa manuteno de uma ortodoxia, tornam-se mais ou menos obsoletas. No casoda dominao pela mudana, tudo est realizado sem aparato, nem afetao degrandeza . O carter tcnico das medidas torna difcil, ou at intil, a sua trans-misso para um pblico amplo. Nada, ou quase nada, vem para garantir a co-erncia do conjunto a no ser precisamente o quadro contbil e/ou juridiscio-nal geral ao qual as medidas especficas devem se ajustar. o que LaurentThvenot (1997) chama de governo pelas normas.

    OS MOMENTOS DE CRISE

    No entanto, estes longos perodos durante os quais a governana pela mudana efetuada por meio de uma srie de medidas bastante setorizadas, bastantetcnicas, bastante discretas ou at opacas, so pontuados por momentos de crises que desempenham um papel crucial no sistema de dominao gestionria. A

    crise , de fato, o momento por excelncia em que o mundo est incorporado realidade, que se manifesta, ento, como se fosse dotada de uma existnciaautnoma, que nenhuma vontade humana, nem a da classe dirigente, a tivesse

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    14/23

    454

    sociologia da crtica, instituies e o novo modo de dominao gestionria

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0

    6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

    laboriosamente moldado por meio de uma srie pouco coerente na aparncia,

    de pequenas intervenes que no pareciam realmente destinadas a teremconsequncias gerais. Portanto, a crise o momento em que a existncia de umarealidade autnoma de alguma forma propriamente dita se mostra de modoindiscutvel. Ela ocorre principalmente na forma econmica (por exemplo, emmomentos de recesso ou como foi recentemente no caso da Amrica Latina

    a hiperinflao), como financeira (estouro das bolhas do mesmo nome), oucomo social (por exemplo, em tempos marcados por um aumento significativonos nmeros que os especialistas em insegurana, produzem, interpretam edisseminam). Essas crises podem ser identificadas, sendo qualificadas de econ-micas , financeira s, sociolgicas, ou seja, sendo associadas s disciplinas do mesmonome, relacionadas s chamadas cincias ditas sociais. Esta a maneiracomo, de acordo com uma concepo positivista, a natureza, e seus distrbios,se apresentam para as chamadas cincias, ditas exatas.

    Estas crises tm um efeito aparentemente paradoxal. Questionam asrelaes simblicas sobre as quais est baseada a ordem social e introduzemuma incerteza radical sobre a qualificao dos objetos e as relaes entre eles,ou seja, sobre o seu valor . Por exemplo, nas crises de hiperinflao a possibilida-de de uma predio tende a desaparecer porque a relao entre os indivdu-os e os bens est profundamente perturbada em razo da incoerncia dos

    sistemas de equivalncia (ver Kessler & Sigal, 1997). Mas esses momentos dedesorganizao que seriam enfrentados, em um regime de dominao autori-tria, pela reafirmao da ortodoxia, por rituais reparadores e pela designao,ou a excluso ou a morte de bodes expiatrios so tambm aqueles que do aoportunidade a um regime de dominao gestionria de reafirmar seu controle.

    Tais momentos de crise desempenham pelo menos quatro papis dife-rentes que podem ser organizados em sequncia. Primeiro, eles inocentam aclasse dominante, especialmente em sistemas polticos baseados na autorida-de de especialistas, o que lhes permite escapar de uma crtica desconstrucio-nista. De fato, o que se expressa em uma crise no uma realidade tal como ela, isto , ao contrrio de uma realidade construda; uma realidade nua, habitadapor suas prprias foras, indiferente s vontades daqueles que esto l paraorientar os outros por meio de seu saber, da sua experincia e de seu sen-so da responsabilidade?

    Em segundo lugar, eles deixam, assim, bvia e visvel na cena pblica,de qualquer maneira inatacvel, a existncia dessa necessidade invocada pelosresponsveis para servir de apoio slido s suas aes. Ao mesmo tempo, essesmomentos de crise so tambm, em terceiro lugar, a oportunidade de dar no-vamente a esses responsveis o cheque em branco que eles pedem para agir.

    Quem melhor do que eles poderia ser capaz de proteger, tanto quanto possvel,os seres humanos da realidade, aquela mesma que, aps sua reificao, parecelhes escapar e lhes atacar?

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    15/23

    455

    artigo | luc boltanski

    Finalmente, em quarto lugar, eles do razo aos responsveis, quando os

    mesmos, ao intervirem retomando o controle das coisas reafirmam a suacapacidade de enfrentar a desordem, ou seja, de transformar a incerteza emrisco,5 mas apenas se mostrando realistas , isto , modelando a sua vontade sobrea vontade objetiva das foras que enfrentam. de fato, reconhecendo modesta-mente o poder dessas foras (isto , sua prpria impotncia relativa), que elespodem afirmar utiliz-la a servio do bem comum, a fim de controlar e esgotara crise ao acompanh-la. certo que, na maioria das vezes, esses tipos de phar-makon podem parecer piores do que a doena. Mas, mesmo assim so como

    remdios e s isso importa, especialmente pelos efeitos pedaggicos que elesexercem, mostrando, para os atores comuns, o carter imperioso das leis daeconomia ou da sociedade, e a competncia dos especialistas.

    Isto significa, por conseguinte, que em um regime de dominao gestio-nria, baseado na valorizao e na explorao da mudana, os momentos de pnico , de desorganizao , de desamparo moral , de salve-se quem puder , ou seja,tambm de individualismo frentico, desempenham um papel importante. Elesse juntam com os perodos aparentemente calmos, propcios multiplicao deintervenes pontuais sobre a realidade ou tcnicas sobre o formato das provas,que, em se acumulando de uma maneira nunca completamente controlada ,moldam a realidade de uma forma como ela poderia ser vista novamente, com

    o carter de uma necessidade implacvel, ao longo de uma prxima crise.

    O PONTO DA INDISTINO ENTRE A REALIDADE E O MUNDO

    Um sistema de dominao gestionria, como todo arranjo poltico-social ba-seado em instituies. Mas essas instituies apoiam-se em uma forma deautoridade aquela dos especialistas que pretende se situar no ponto deindistino entre a realidade e o mundo . A vontade que os porta-vozes das ins-tituies expressam se apresenta, ento, como sendo nada alm da vontade doprprio mundo na representao necessariamente modelizada, dada pelos es-pecialistas. Mas estes modelos sendo, ao mesmo tempo, os instrumentos daao, so suscetveis de produzir modificaes profundas na textura do mundo.Estas modificaes mantm relaes de retroao com as representaes doque , sobretudo porque essas representaes tm, na maioria das vezes, umcarter previsionrio.

    De fato, aqueles que moldam ou se apossam dessas representaes tmtambm o poder de torn-las reais, porque eles dispem de meios, notadamen-te jurdicos ou regulamentares, sem falar dos meios estritamente policiais, de

    modificar os contornos da realidade. No entanto, a modificao permanentedos formatos que enquadram e formam a realidade no precisa mais ser atri-buda a uma vontade distinta da vontade de foras impessoais. Os responsveis

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    16/23

    456

    sociologia da crtica, instituies e o novo modo de dominao gestionria

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0

    6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

    para utilizar o nome dado hoje aos dominantes , porque esto encarregados

    de um todo cujos objetivos no so de ningum em particular, no so maisresponsveis por nada, embora eles estejam encarregados de tudo. Assim, olugar do poltico no mais apenas um lugar vazio, na acepo de ClaudeLefort (1986), ou seja, um lugar sem fundamento, como ainda era o caso quan-do os lderes eram intimados a embasar sua autoridade em uma instncia ab-soluta, sempre empurrada para cima. Este um lugar inatingvel, porque seconfunde com uma totalidade da qual ningum pode afirmar operar a totali-zao, nem parar a transformao. bem neste tipo de totalidade que as cin-cias vo buscar seus objetos. Mas tambm por isso que no faz parte de suavocao inspirar polticas, e ainda menos construir o poltico.

    A ENTRADA EM JOGO DA CRTICA

    Tal situao no deixa muito espao crtica, pelo menos crtica poltica, jque a crtica se encontra desprovida pelos poderes dominantes dessa exterio-ridade que constitui o mundo, sobre a qual ela podia se apoiar para tentarquestionar a realidade. De fato, a crtica facilmente absorvida nos dispositivosde dominao em que ela reinterpretada nas formas que lhe foram dadas nas

    instncias cientficas e tcnicas que servem de interlocutores s instituies.Ela, ento, entra nas disputas entre expertise e contra-expertise, nas quais acontra-expertise est necessariamente dominada, e na maioria das vezes der-rotada, uma vez que s pode procurar alcanar a expertise, isto , se tornaradmissvel ou simplesmente audvel, se submetendo aos formatos de provasestabelecidas por esta ltima. Ou seja, adotando os formalismos e, de umaforma geral, os modos de codificao da realidade.

    o mesmo no que diz respeito s restries exercidas pelas jurisdiesem vigor (especialmente no caso das lutas sociais, o direito trabalhista). O re-conhecimento oficial de instncias crticas que , como vale lembrar, umaconquista das lutas sociais , tende ento a obstruir a expresso de novas in- justias, e o surgimento de formas inovadoras de protesto.

    Esta forma de controlar a crtica ao incorpor-la reforada pelo fatode que a dominao pela mudana reivindica, ela mesma, a crtica da qualpriva aqueles que querem se opor a ela. Mas uma crtica interna, construda imagem das discusses cientficas que se instauram apenas entre aquelesque detm a autoridade necessria, justificada por suas competncias, ou me-lhor, por seus ttulos, para fornecer uma opinio pertinente. No entanto, o quecaracteriza essas brigas de especialistas precisamente que aqueles que es-

    to competindo concordam sobre o essencial e s entram em conflito em pon-tos marginais. Isto , provavelmente, o que se quer dizer quando, com admira-o, se qualificam esses debates como aguados.

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    17/23

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    18/23

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    19/23

    459

    artigo | luc boltanski

    Esta diferena est relacionada com oposies de natureza antropolgi-

    ca. O reformismo aposta nas propriedades integradas aos equipamentos cog-nitivos e morais dos seres humanos, como o fato, por exemplo, de serem dota-dos de razo ou terem sentimentos altrustas. Inversamente, as posies radi-cais so bastante sistmicas, e provavelmente por isso que elas se apoiaramto frequentemente nas cincias, entendidas em um sentido positivista, e,particularmente, nas cincias histricas e sociais em que o foco estava postonos processos, escapando das vontades individuais, tais como as leis da hist-ria, estruturas, sistemas, dispositivos etc.

    Mas as ltimas dcadas do sculo XX foram marcadas por uma espciede inverso de posies. A partir de meados da dcada de 1970, so as forassociais ligadas defesa do capitalismo, ou seja, usadas para tir-lo da crise quevinha enfrentando ao longo dos anos 1960-1970, que adotam uma posio cien-tfica e sistmica. A referncia necessidade mudou de campo. Ningum, ouquase ningum no campo da crtica, invoca mais as restries implacveis dos

    modos de produo ou o materialismo histrico. Em contrapartida, seapoiando nas concepes no menos implacveis da Cincia, com C mais-culo, que governam os dirigentes dos pases democrticos capitalistas.

    Deve ser enfatizado novamente o fato de que no se trata de umdiscurso ou de uma ideologia, mas de uma transformao que afeta a realida-

    de. As mudanas do capitalismo durante o perodo considerado tiveram am-plamente como efeito a instaurao de uma realidade na qual os elementos seencontraram efetivamente colocados em uma interdependncia cada vez maisestreita. A crise que o capitalismo conheceu nos anos 1960-1970 foi marcadaprincipalmente por uma eroso dos lucros e uma estagnao da produtividade.Esses fenmenos foram, na poca, atribudos, pelo menos em parte, a um ex-cesso de polticas reformistas postas em prtica durante o perodo anterior.Mas os novos quadros do capitalismo que, gradualmente, se construram nosanos de 1970-2000, resultaram, ao liberar o capitalismo dos controles do Estadoe ao aumentar a interdependncia dos elementos que compem a realidade,em tornar o reformismo realmente muito difcil de ser alcanado. Testemunhasdisso so as dificuldades e as renncias do que chamado, a partir dos anos1980, de a segunda esquerda, que abandona a referncia ao movimento tra-balhador com a pretenso de conciliar a social democracia com a dependnciacom relao aos mercados.

    A situao atual na Frana, e, talvez, em diferentes pases da Europa,apresenta analogias com aquela que analisava Karl Polanyi, em meados dosanos 1940, quando mostrava em La grande transformation (1983), como os exces-sos do liberalismo econmico tinham contribudo para favorecer o crescimen-

    to, frente ao desenvolvimento das desigualdades, de uma oposio antiliberal,mas nacionalista, xenofbica e autoritria. Pode ser observado, atualmente, naFrana e, talvez, de modo mais geral, na Europa, no discurso de muitos atores

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    20/23

    460

    sociologia da crtica, instituies e o novo modo de dominao gestionria

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0

    6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

    Luc Boltanski Directeur dtudes da cole desHautes tudes en Sciences Sociales (EHESS), em Paris. Fun-

    dador, com Michael Pollak e Laurent Thvenot, em meados dadcada de 1980, do Groupe de Sociologie Politique et Morale

    (GSPM). autor de inmeros livros, entre os quais Le nouvelesprit du capitalisme (com Eve Chiapello, 1999),De la critique.

    Prcis de sociologie de lmancipation ( 2009) eEnigmes et complots.Une enqute propos denqutes (2012).

    intelectuais e/ou polticos, muitas vezes vindos da esquerda, uma passagem

    gradual da crtica do neoliberalismo para posies nacionalistas e xenofbicas.Estas ltimas so inspiradas, principalmente, pela hostilidade pelo externo,com relao aos pases chamados emergentes, cujo crescimento assusta, edentro do pas contra os trabalhadores de origem estrangeira, especialmentedo Magreb, acusados de ameaar os valores nacionais. Diante de uma situaocomo essa, a reconstruo da crtica social confrontada com uma dupla exi-gncia. Ela deve, por um lado, continuar a crtica das formas atuais do capita-lismo e se interrogar sobre os meios de torn-la eficaz. Mas ela deve, tambm,por outro lado, reforar a crtica s posies nacionalistas, xenofbicas e mo-ralistas, mesmo quando estas pretendem, como agora frequentemente o ca-so, justificar o seu excesso em direo ao autoritarismo em nome da defesa do

    povo. O termo utilizado, neste contexto, estritamente para se referir aoscidados considerados autctones, e para distingui-los das multides que so-frem, da mesma maneira, a dominao das formas atuais do capitalismo.

    Recebido em 04/08/2013 | Aprovado em 20/09/2013

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    21/23

    461

    artigo | luc boltanski

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    Boltanski, Luc. (2009).De la critique. Prcis de sociologie delmancipation . Paris: Gallimard.

    Boltanski, Luc. (2008).Rendre la ralit inacceptable. A proposde La production de lidologie dominante. Paris: Demopolis.

    Boltanski, Luc & Chiapello, Eve. (1999).Le nouvel esprit ducapitalisme . Paris: Gallimard.

    Boltanski, Luc & Thvenot, Laurent. (1992).De la justification.Les conomies de la grandeur . Paris: Gallimard.

    Bourdieu, Pierre & Boltanski, Luc. (2008 [1976]).La produc-tion de lidologie dominante . Paris: Demopolis/Raisons dAgir.

    Bruno, Isabelle & Didier, Emmanuel. (2013).Benchmarking:lEtat sous pression statistique . Paris: La Dcouverte.

    Desrosires, Alain. (2003). Historiciser laction publique.LEtat, le march et les statistiques. In: Laborier, Pascale &

    Trom, Danny. Historicits de laction publique . Paris: PUF, p.207-221.

    NOTAS

    Este artigo resultou de uma conferncia proferida no Ins-tituto de Filosofia e Cincias Sociais (IFCS) da UFRJ emagosto de 2013, a qual contou com o apoio do Programa dePs-Graduao em Sociologia e Antropologia (PPGSA), doIFCS e do Colgio de Altos Estudos da UFRJ. [N.E.]

    1 O CPE (Contrat de Premier Emploi) era um projeto visandoatender os jovens de menos de 26 anos, muito contestadoe que foi retirado em 2006 [N.T.].

    2 Proposta de um Tratado Constitucional Europeu rejeitada

    por parte significativa dos membros da Unio Europeia.3 A frmula utilizada em De la justification para analisar o

    que suponha a exigncia de igualdade de oportunidades(ver Boltanski & Thvenot, 1992).

    4 Conforme a expresso de William Ryan (1988).

    5 Com relao diferena entre a incerteza probabilista e orisco radical, ver Knight (1985 [1921]).

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    22/23

    462

    sociologia da crtica, instituies e o novo modo de dominao gestionria

    s o c i o l o

    g i a

    & a n t r

    o p o l o

    g i a

    | r i o d e j a n e i r

    o ,

    v . 0

    3 . 0

    6 : 4 4 1 4

    6 3 ,

    n o v e m b r

    o ,

    2 0 1 3

    Kessler, Gabriel & Sigal, Sylvia. (1997). Survivre: Rflexion

    sur laction en situation de chaos. Comportements etreprsentations face la dislocation des rgulations so-ciales: lhyperinflation en Argentine. Cultures & Conflits , 24-25, p. 37-77.

    Knight, Franck. (1985 [1921]). Risk, uncertainty and profit .Chicago: University of Chicago Press.

    Lefort, Claude. (1986). Permanence du thologico-politique?In: Essais sur le politique . Paris: Seuil, p. 275-329.

    Mannoni, Octave. (2006 [1964]). Je sais bien mais quand

    mme Incidence, 2, p. 167-190.Ogin, Albert. (1995).Lesprit gestionnaire . Paris: Ed. delEHESS.

    Polanyi, Karl. (1984 [1983]).La grande transformation. Auxorigines politiques et conomiques de notre temps . Paris: Galli-mard.

    Ryan, William. (1988).Blaming the victim . Nova York: VintageBooks.

    Thvenot, Laurent. (1997). Un gouvernement par lesnormes. Pratiques et politiques des formats dinformation.In: Conein, Bernard & Thvenot, Laurent (orgs.). Cognitionet information en socit. (Raisons Pratiques , 8). Paris: Ed. delEHESS, p. 205-242.

    Sartre, Jean-Paul. (1906).Critique de la raison dialectique .Livro I. Paris: Gallimard.

    Searle, John. (1998).La construction de la ralit sociale . Paris:Gallimard.

  • 8/12/2019 Boltanski Luc_Sociologia Da Critica_03n06

    23/23

    463

    artigo | luc boltanski

    Palavras-chave Sociologia da crtica;

    Dominao gestionria;Instituies; Sistemas

    polticos de dominao;Realidade e mundo.

    Keywords

    Sociology of critique;Managerial domination;

    Institutions; Politicalsystems of domination;

    Reality and world.

    SOCIOLOGIA DA CRTICA, INSTITUIES E O NOVO

    MODO DE DOMINAO GESTIONRIA ResumoO artigo retoma questes j tratadas pelo autor, principal-mente em Le nouvel esprit du capitalisme (1999), escrito emcolaborao com Eve Chiapello, para destacar a importn-cia de refletir sobre o papel e os limites da crtica. Reco-nhecendo, embora, que a postura crtica no desapareceu,o autor questiona o poder da crtica, diante da chamada

    dominao gestionria de nossos dias. Nesta, diferente-mente do que ocorre na dominao pelo terror ou pelaideologia, a legitimidade dada pela cincia, as estratgiasde management e as novas ferramentas de gesto, garantems formas de governana pblica ou privada dispositi-vos que permitem conter a crtica e manter inalteradas asprincipais assimetrias sociais existentes.

    SOCIOLOGY OF CRITIQUE, INSTITUTIONS AND THENEW MODEL OF MANAGERIAL DOMINATIONAbstract

    The article deals with issues already addressed by the au-thor and Eve Chiapello in Le nouvel esprit du capitalisme (1999), to highlight the importance of reflecting on the roleand limits of criticism. While recognizing that the criticalattitude has not disappeared, the author questions thepower of criticism, before the so-called managerial dom-ination of our days. In this case, unlike what happenswith the domination by terror or by ideology, the legiti-macy given by science and new management strategiesand tools, support forms of governance public or private

    that prevent criticism and maintain unchanged the majorexisting social asymmetries.