123
8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter) http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 1/123  Juventude Rebelde “A Fierce Encounter” (1983)  Jane Donnelly Digitalização: Afrodite Resumo: Os turistas continuavam chegando em bandos numerosos, ávidos pelas atrações da Grande Feira de Chadsford. Atrapalhada com o grande número de compradores em seu boxe de artesanato, Lacey Allen avistou Martin Jackson... Então ele também voltara à sua cidade natal, depois de cinco anos! As lembranças da louca noite de amor que eles viveram na véspera da partida dele para Londres voltaram à tona, imediatamente, expulsando a figura doce de Paul e a promessa de casamento que ele lhe oferecia agora. Será que esse amor 

Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 1/123

 Juventude Rebelde

“A Fierce Encounter” (1983)

 Jane Donnelly

Digitalização: Afrodite

Resumo:

Os turistas continuavam chegando em bandos numerosos, ávidos pelas atrações da Grande

Feira de Chadsford. Atrapalhada com o grande número de compradores em seu boxe de

artesanato, Lacey Allen avistou Martin Jackson... Então ele também voltara à sua cidade

natal, depois de cinco anos! As lembranças da louca noite de amor que eles viveram na

véspera da partida dele para Londres voltaram à tona, imediatamente, expulsando a figuradoce de Paul e a promessa de casamento que ele lhe oferecia agora. Será que esse amor 

Page 2: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 2/123

 puro e tranqüilo bastaria para fazê-la esquecer a paixão violenta do passado? Ansiosa ela

esperava pelo momento em que seu olhar se cruzaria com o de Martin, que vinha ao seu

encontro, devagar...

Capítulo I

 – Que tal Martin Jackson? – sugeriu alguém. – Ele nasceu aqui e é famoso. É

 possível mesmo que ele nos consiga cobertura pela televisão, caso o convidemos para abrir 

o festival.“Só por cima do meu cadáver”, pensou Lacey Allen, surpresa pela violência de sua

reação. Além disso, àquela altura, tudo era apenas conjeturas, e ela não via Martin em

 pessoa há quase cinco anos.

Era um dia frio de novembro. As janelas estreitas e altas estavam embaçadas por 

causa da baixa temperatura, e o granizo que caía tornava as ruas lá fora escorregadias e

 perigosas. O enorme salão estava frio. O calor dos aquecedores a óleo era insuficiente, o ar 

quente subia para as vigas de madeira do teto alto.Aquele lugar, onde um dia funcionara a corte de justiça da velha prisão, se

transformara agora num mercado de artesanato.

A temporada de verão já havia passado, e as compras de Natal estavam apenas

começando. Dos dois homens e quatro mulheres que ali estavam, naquele momento,

nenhum era freguês. Estavam todos a postos em seus boxes, esperando alguém ou alguma

coisa acontecer, enquanto tomavam café.

Lacey procurava aquecer os dedos, apertando-os à volta da caneca esmaltada,encolhida dentro de um casaco acolchoado. Tinha olhos azul-acinzentados, e cabelos loiros

e rebeldes que sempre precisavam de uma boa escovadela para ficarem assentados. Era

 bem mais bonita do que se julgava, especialmente quando sorria; a maior parte do tempo,

entretanto, seu semblante era sério e compenetrado. As paredes de seu boxe estavam

cobertas por aquarelas que retratavam paisagens locais e que vendiam muito bem para os

ocasionais turistas.

 Naquela manhã, ficar ali à espera de fregueses parecia ser pura perda de tempo e

Lacey sentia-se entediada. Fugir por uns dias daquele lugar frio para algum recanto

Page 3: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 3/123

ensolarado seria ótima idéia. Entretanto, seu pai precisava dela por perto. Lacey não era

uma artista verdadeiramente dedicada, como o pai e, na realidade, cuidar dele era seu

verdadeiro trabalho.

Porteus Phipps, um ceramista, estava mergulhado na leitura de um jornal, num boxe

 pegado ao dela, enquanto o rádio tocava uma música pop. Naquele momento ninguém

falava, apesar de serem habitualmente muito conversadores. Lacey tinha uma voz rouca,

incomum, e bonita, e foi ela quem quebrou o silêncio:

 – Antigamente, havia aqui em Chadsford uma “feira de empregos” no último

sábado de julho. Qualquer um que estivesse pensando em mudar de emprego, ou à procura

de um, podia se pôr à disposição para ser contratado durante os doze meses subseqüentes.

 – Mas é fascinante! – disse Porteus, um homenzarrão com uma barba escura. – Quecoisas uma pequena aprende quando namora um bibliotecário!

Paul Behague, namorado firme de Lacey, trabalhava como jornalista free-lancer, ao

mesmo tempo que dirigia a biblioteca da cidade. Na noite anterior, ele lera para Lacey seu

último artigo para o Chadsford Mercury, que falava sobre essas antigas feiras que haviam

florescido desde os tempos medievais, até o fim do século XIX.

 – E eu estava pensando – continuou ela – que é possível que estejamos no trabalho

errado. Talvez no próximo ano todos nós devêssemos procurar ser contratados por alguém.Todos riram e Porteus perguntou, no mesmo tom: – Quanto você vai pedir pelo

contrato?

 – Depende do que você exigir em troca do dinheiro – respondeu ela, também rindo.

 – E pode ser também só por uma quinzena, porque depois haverá a feira dos insatisfeitos,

quando qualquer um que tivesse feito um mau negócio podia voltar e tentar novamente.

Foi assim que surgiu a idéia de se organizar um festival na cidade-feira de

Chadsford, no interior da Inglaterra. A princípio fora apenas uma conversa para passar otempo. Pouco a pouco, porém, a coisa começara a engrenar. Havia entidades assistenciais

desesperadas para conseguirem dinheiro. Da mesma forma, para restaurantes e hotéis,

qualquer coisa que atraísse fregueses era vista como uma dádiva do céu.

Lacey pensou que era provável que Martin Jackson nem viesse. Sendo um repórter 

famoso de televisão, sua agenda já deveria estar ocupada para aquele determinado sábado

de julho. Lacey fora eleita para fazer parte do comitê de organização, e, como todos

 pareciam concordar em que Jackson seria o nome mais indicado para a abertura do festival,

ela não teve como votar contra. Seria inconcebível dizer, por exemplo, que traria má sorte,

Page 4: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 4/123

e que talvez sua presença atraísse algum raio sobre o local.

Assim, uma curta foi enviada, e logo respondida por Martin Jackson que se dizia

encantado em poder inaugurar o Primeiro Festival de Arte e Artesanato de Chadsford no

dia treze de julho, às dez horas.

Era bobagem, mas para ela, a idéia da vinda de Martin tirava um pouco da graça

das coisas. Lacey se entretinha ajudando a organizar o Centro das Artes e ensaiando um

melodrama que seria encenado três tardes em cada semana, no pequeno teatro local. Paul

escrevera a peça, baseada num caso famoso na região, na época vitoriana. Todo tipo de

espetáculos e exposições; e até mesmo uma “feira de empregos” foram planejados. Um

grande terreno, nos arredores da cidade, foi preparado para receber uma.feira de diversões.

Haveria muito que fazer e ver, e, se o festival fosse um sucesso, poder-se-ia tornar umevento anual.

 Nas semanas que antecederam o festival, Lacey viu-se atormentada pelo rosto tão

familiar de Martin Jackson. Ela não conseguia olhar com naturalidade para aquele rosto

com maxilares salientes, cabelos escuros e crespos, e nariz forte e reto, presente nos

numerosos posters de propaganda espalhados pela cidade. Cada vez que se deparava com

algum deles num lugar inesperado, tinha um sobressalto.

Surpreendeu-se várias vezes desviando o olhar deliberadamente, e numa das vezesobrigou-se a olhar novamente. Isto acontecera uma semana antes do festival, quando ela

fora a uma cidade vizinha, e deparara com um cartaz de propaganda disposto na vitrina de

uma loja. A jovem agira, então, como se Martin estivesse ali, em pessoa, olhando-a através

do vidro. Virara a cabeça, e apressara o passo, parando entretanto, um pouco adiante.

Idiota! dissera a si mesma, voltando-se e olhando firmemente para a foto.

“Pelo amor de Deus”, dissera a si mesma. “Isto é apenas uma folha de papel!” Se

não conseguia enfrentar isso, o que aconteceria, então no sábado, quando se visse frente àfrente com Martin em carne e osso? Nada aconteceria, pensou. Era provável que ele nem

se lembrasse mais dela. Entretanto, seria estranho se ele não se lembrasse, uma vez que

ambos haviam vivido na mesma cidade por dezenove anos, antipatizando fortemente um

com o outro. Mas desde então a vida de Martin tinha mudado muito. Coisas excitantes lhe

haviam acontecido e se alguma recordação de Lacey Allen lhe restasse seria,

 provavelmente, nada, mais que uma pálida lembrança.

Julgava-se tola por estar se preocupando tanto. Martin Jackson nem iria perder 

tempo com ela, e além disso, ela sequer o encontraria, pois não fazia parte do comitê de

Page 5: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 5/123

recepção, como seu pai. Seria preciso, então, que o rapaz viesse à sua procura, o que,

certamente, não aconteceria.

O pai de Lacey fora um dos principais organizadores do festival.

  Naquela primeira manhã, ela e Porteus tinham ido até ele para discutir a

 possibilidade de se fazer a feira. Laurence Allen estava em seu ateliê, na enorme mansão

eduardiana, situada no alto de uma colina, tendo diante de si um cavalete, com um quadro

ainda inacabado. Ele não gostava de ser incomodado quando trabalhava, e por isso Lacey

tinha o cuidado de sempre bater à porta, antes de entrar.

Ela poderia ter esperado até a noite para conhecer-lhe a opinião a respeito da idéia

de realizar o festival. Mas como o pai era o artista mais importante da cidade, e também

 presidente do conselho municipal, obviamente, deveria ser consultado em primeiro lugar; eele concordou com a idéia imediatamente.

Isso só veio aumentar a alegria e o interesse de Lacey pelo festival. O pai era

alguém especial: um belo homem, alto e elegante, com uma farta cabeleira branca, com

grande encanto pessoal e muito talento. A mãe de Lacey morrera quando ela ainda era

muito pequena, e tia Helena, irmã de seu pai, se encarregara de criar e educar a menina,

ensinando-a a orgulhar-se do fato de ser a filha do grande Laurence Allen.

Ele não gostara muito da escolha de Martin Jackson para ser o patrono do festival,mas admitira que um rosto famoso da televisão atrairia os fãs. As pessoas certamente

viriam para vê-lo, e então Laurence Allen sorriu charmosamente e cedeu, aceitando a

incumbência de escrever e convidar Jackson.

Mais tarde, em casa, ele confidenciara à filha que acreditava que uma escolha

melhor poderia ter sido feita. Esperara, com certeza, que seu próprio nome fosse apontado,

mas nada dissera sobre isso. Dissera apenas que considerava Martin “um jovem impetuoso

demais”, com o que Lacey concordava plenamente.  – Talvez ele tenha mudado – arriscara ela. – Em todo o caso, ele não nos

incomodará. Fará apenas um pequeno discurso, e declarará aberto o festival. Não acredito

que ele fique muito tempo. A vida em Chadsford não deve ter muita graça para ele,

atualmente.

 – Se bem o conheço – dissera o pai, recostando-se na poltrona de couro, ao lado da

lareira crepitante da sala –, ele vai pedir uma remuneração, e isto os fará pensar duas vezes.

 Na verdade, entretanto, ele nada pedira e Lacey teve que admitir que a atitude dele

fora muito simpática. Martin era um homem que ganhava agora muito dinheiro e, desta

Page 6: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 6/123

forma, não lhe custava maiores sacrifícios ajudar algumas obras de caridade, de tempos em

tempos.

Muita gente da cidade ainda se lembrava do antagonismo que existira no passado

entre ela e Martin. Lacey era três anos mais nova do que o rapaz, moravam ambos na

mesma cidade, tinham amigos comuns e, durante algum tempo, haviam estudado na

mesma escola.

Ela o odiava. Bem, aquilo não era realmente ódio. Na verdade, Lacey nunca odiara

ninguém. O que acontecia de fato é que, todas as vezes em que eles se encontravam, havia

um choque de personalidades.

Ele a provocava, deliberada e maliciosamente, e com tal intensidade, que ela

chegava mesmo a atravessar à rua simplesmente para evitá-lo. Durante sua adolescênciaela costumava considerar de mau agouro encontrá-lo. Se a sombra dele caísse sobre ela,

então, era certo que seu dia não seria dos melhores!

 Naquela época, Martin parecia se divertir com tudo e, especialmente, com ela.

Lacey sempre fora uma menina séria, estudiosa, e ele era inteligente, o mais brilhante da

turma, aquele que era capaz de conseguir tudo o que desejasse. As coisas pareciam vir 

fáceis de mais para ele, e isto a irritava, porque a vida não era fácil.

  – Soube que seu velho amigo vai abrir o festival – comentavam os amigos,caçoando dela.

 – Ora, isso foi há muito tempo...

Então eles comentavam o sucesso que o rapaz tinha alcançado e ela dizia:

 – É verdade. Mas era o que todos esperavam dele, não é mesmo? Inteligente como

só ele, o nosso Martin...

Paul não conhecia Martin. Tinha vindo morar e trabalhar na biblioteca da cidade há

somente dois anos. Ele e Lacey se haviam encontrado logo em seu primeiro dia detrabalho. Ela fora à biblioteca buscar um livro que seu pai havia reservado, e Paul Behague

dissera lhe ter grande admiração pelo trabalho de Allen.

 Numa parede da biblioteca havia um quadro do pai de Lacey, “Chadsford, vista dos

Montes do Oeste”, e ambos ficaram diante dele, a filha do artista e o rapaz alto com óculos

de aro de tartaruga, e nariz afilado. Paul então declarou que achava aquela tela uma obra-

 prima, com o que Lacey concordava inteiramente.

 – Você precisa vir nos visitar e conhecê-la pessoalmente – sugeriu ela, uma vez que

Paul Behague era recém-chegado e seu pai gostava de conhecer aqueles que o admiravam.

Page 7: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 7/123

Surpreendeu-se, toda via, com a rapidez com que ele aceitou o convite.

 – Eu adoraria – concordou ele. – Que tal hoje à noite?

Um pouco do brilho que havia nos olhos dele era por causa dela. Era evidente que o

rapaz a achara atraente, e pelo que ela pôde perceber naquele primeiro e rápido encontro,

Paul parecia ser uma pessoa muito agradável.

 – Ótimo – respondeu Lacey. – Esta noite então. Por volta das oito, está bem?

 – Combinado – concordou ele, cheio de entusiasmo.

Seu pai gostara imediatamente de Paul. Ele não costumava aceitar qualquer um, e

não gostava que lhe impingissem estranhos. Lacey preparou um jantar especialmente

caprichado, antes de contar o que tinha acontecido pela manhã.

  – Fui buscar um livro na biblioteca e conheci o novo diretor. Ele ficou tãoimpressionado quando descobriu quem eu era, isto é, quem você era que eu acabei

convidando-o para vir até aqui conhecê-lo. Ele ficou de vir hoje para jantar conosco.

A noite correra bem. Laurence Allen estava satisfeito, e Paul Behague parecia beber 

suas palavras. Lacey estava acostumada a isso, pois seu pai era sempre o centro das

atenções. Ela ficara sentada escutando os dois, enquanto Paul respondia às perguntas do

velho pintor.

  Naquela noite ela soubera que Paul estava sozinho na cidade, morando numapartamento. Os pais dele e uma irmã moravam em East-bourne. Ele não era casado, nunca

fora, e aquele emprego era para ele uma promoção. Seu último posto fora o de

 bibliotecário-chefe, em Birmingham. Ele também escrevia para jornais e revistas, além de

ter escrito pequenas crônicas para rádio. Quando se despediram, na porta da frente, Paul

convidou Lacey para jantarem juntos e ela achou que aquilo poderia ser até divertido.

 – Um rosto muito bem dimensionado – comentara o velho Laurence, assim que ela

voltara à sala de estar. – A gente pode descobrir muito sobre o caráter de uma pessoa,observando a ossatura do rosto.

 – Sim – concordara Lacey, que já escutara antes aquela frase. – Ele me convidou

 para jantar na quarta-feira.

O pai pareceu ficar surpreso, embora Lacey fosse muito convidada para jantar fora,

 por outros rapazes. Nunca lhe haviam faltado admiradores. O ar de surpresa, entretanto,

logo desapareceu dando lugar a um sorriso.

Lacey gostou de ter saído com Paul. Gostara dele desde o primeiro encontro. Não

havia nenhum outro homem agora em sua vida. E por que haveria, se ela e Paul

Page 8: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 8/123

combinavam tão bem?

Paul tinha ouvido falar da famosa antipatia existentes entre Lacey e Martin e achara

aquilo até engraçado:

 – Estive conversando esta manhã com Bart Keddy. Ele me contou que quando

vocês eram crianças costumavam se pegar aos tapas.

  – Que exagero! – protestou Lacey. – Pode me imaginar brigando assim com

alguém? Além disso ele é mais velho e bem maior do que eu. É verdade, porém, que nunca

nos demos bem.

 – Você nunca me falou nele, antes – lembrou Paul.

 – E por que deveria falar? Ele era um rapaz da cidade que vivia implicando comigo,

mas isso. faz tanto tempo que estou certa de que ele já esqueceu toda esta história. Eu, pelomenos, já esqueci.

Paul rira.

 – Bart contou que todas as garotas eram apaixonadas por ele, menos você. Dizem

que Martin é um homem muito atraente.

Tanto como menino, quanto mais tarde, homem, o rosto de Martin Jackson tinha

algo que o fazia distinguir-se no meio da multidão. O pai de Lacey nunca dissera que ele

tinha um rosto especial, mas era verdade, sua estrutura óssea o fazia parecer um nobreasteca. Entretanto, havia sempre no rosto de Martin uma leve expressão de zombaria, que

surgia repentinamente e, em geral, os chefes astecas não eram assim bem-humorados.

 – Mas você nunca teve uma queda por ele? – perguntou Paul.

  – Nem que ele fosse o último homem sobre a terra! – exclamara a jovem,

impulsiva.

 Naquele instante, porém, uma cena veio à sua lembrança: a de uma escuridão total,

em meio a uma violenta tempestade, como se o céu estivesse desabando; e a de uma noitefantástica e estranha. Ela procurou afastar aqueles pensamentos, pois aquilo não podia ter 

acontecido, fora somente um pesadelo.

Os ensaios finais da peça já tinham sido feitos e na segunda-feira seguinte seria a

estréia de “A História da Doce Alice” ou “Assassinato sob o Carvalho Maldito”.

 Na sexta-feira à noite tudo estava pronto. Haveria uma exposição dos trabalhos de

Laurence Allen, na galeria de arte, e seriam também expostos artesanatos locais.

Tapeçarias, cerâmicas, entalhes em madeira e jóias estavam sendo confeccionados e seriam

Page 9: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 9/123

colocados à venda nos boxes do salão da antiga corte de justiça, e também no pequeno

  pátio interno. Agora não havia mais nada a fazer exceto rezar para que o tempo

 permanecesse firme e Lacey se mantivesse calma.

Martin viria mesmo! Lacey sempre tivera uma leve esperança de que por fim

alguma coisa acontecesse, impedindo-o de comparecer.

A essa altura, entretanto, tal fato era absolutamente improvável. Ela sabia que só se

sentiria realmente segura, no dia seguinte, quando tudo estivesse terminado, e que ele já

tivesse ido embora. Não que ela o considerasse como uma ameaça. Afinal, o que mais

 poderia ele fazer, a não ser sorrir e dizer: “Alô, ainda por aqui?”, ou coisa parecida?

Paul viera tomar um cafezinho na casa da namorada. Ele a ajudara e também aos

outros colegas no Centro, até quase nove da noite. Ficaram na cozinha, pois o pai da jovemtinha visitas na sala de estar. Às nove e meia, Lacey já estava bocejando.

 – Você tem razão. Amanhã vai ser um dia e tanto! – disse Paul, acabando de beber 

rapidamente o café e levantando-se. Ela quase tentou retê-lo por mais algum tempo, mas

mudou de idéia, limitando se a acompanhá-lo até o carro. Lá fora a Lua brilhava no céu.

 – A previsão do tempo é boa – comentou Paul. Lacey levantou o olhar e viu uma

nuvem flutuando no céu. Pensou, então, que aquela nuvem a fazia lembrar-se de alguém...

 – Vai ser divertido – disse ela. – Tenho a mesma sensação de antes de uma festa. – Quase entendo o que quer dizer. Tudo está pronto, a gente já vestido, e esperando

que os convidados cheguem – concordou o rapaz.

Eram comuns festas na casa de Lacey, pequenos jantares, geralmente com seu pai à

cabeceira da mesa. Lacey também costumava receber visitas e amigos, planejando tudo

com antecedência para que não houvesse nenhuma falha. Os convidados chegavam e nada

de inesperado acontecia nessas ocasiões.

 – Isto mesmo – assentiu ela sorrindo. – Vamos esperar por amanhã e ver o queacontece. – “E tomara que pelo menos um dos convidados fique bem longe de mim”,

 pensou ela.

Paul beijou-a ternamente ao se despedir é ela abraçou-o retribuindo-lhe o beijo com

tal ardor, que o deixou abalado, desejando tê-la beijado também dentro de casa. Algum dia

eles haveriam de se casar, ele pensou. Todos que os conheciam sabiam disso. Bem que ele

gostaria de continuar com Lacey aquela noite... Finalmente ela afastou-se dele.

 – Tome cuidado nas esquinas – recomendou ela. – Até amanhã na hora do almoço.

Lacey viu o carro se afastar até dobrar no fim da rua, e ficou ainda no jardim por 

Page 10: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 10/123

alguns instantes, tentando adivinhar se a relutância que sentira em sair dos braços de Paul

tinha sido conseqüência de paixão ou medo. Gostaria que ele ficasse a seu lado no dia

seguinte.

Pensou, então, que seria ainda melhor que Paul estivesse ao lado dela, e que ela

tivesse no dedo uma aliança dele.

Lacey usava anéis de prata, de vários formatos, feitos por uma das Marotas do

Centro de Artes. O mais grosso de todos estava no terceiro dedo da mão esquerda e ela

trocou todos eles para a mão direita. Era como se estivesse realmente noiva de Paul. Na

verdade, tudo que ela precisava fazer era escolher o dia do casamento. O rapaz lhe dissera

isso muitas vezes, durante o último ano. E também a irmã dele:

 – Por que não faz de meu. irmão um homem sério? – perguntara Jenny, gracejando,na última vez em que Lacey fora passar o fim de semana em casa dos pais de Paul. Ela

mesma era casada, e mãe de dois filhos. Naquela dia, Lacey sentira-se feliz e pensava que

realmente era uma mulher de sorte.

Agora, porém, ela sentia-se agitada, tensa e nervosa, o que poderia mantê-la

acordada por toda a noite. Porém, não era hora de ir para a cama. Seu pai continuava

conversando distraidamente com um amigo, e aquilo duraria horas. Além disso acabara de

ler o livro e não tivera tempo de ir à biblioteca buscar outro. Pensou, então, que a noiteestava agradável para caminhar e havia alguém sempre pronto a acompanhá-la nesses

 passeios noturnos.

A loja de lãs de A. Bowden ficava numa das ruas transversais e a sra. Bowden

morava sozinha, ali, pois o ma,rido não voltara da Segunda Guerra Mundial. Aquilo,

entretanto, acontecera muito antes de Lacey ter nascido. A sra. Bowden que ela conhecia

fora sempre gorda, risonha e de meia-idade. Nos últimos três anos, Lacey se acostumara a

levar o cachorro pela para passear. Aproximando-se da casa da amiga, viu que as luzes dasala ainda estavam acesas. Bateu levemente à porta, com sua batida habitual, e no mesmo

instante um latido alegre respondeu lá de dentro.

A sra. Bowden apareceu sorrindo e um canzarrão enorme e peludo saltou em cima

de Lacey. A jovem teve que se apoiar na parede para não cair com tamanha demonstração

de alegria. O cão colocou as patas enormes sobre os ombros da moça que, acariciando a

cara enorme do animal, conversava com a mulher.

 – Posso levá-lo para dar uma volta pela cidade, sra. Bowden? Eu o levarei depois

 para minha casa, e o trarei novamente amanhã à noite.

Page 11: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 11/123

 – Ele vai adorar – respondeu a mulher. – Mas não o deixe convencê-la de que ainda

não comeu.

O cachorro seguia pacificamente ao lado dela; era muito bem treinado e não se

afastava enquanto caminhavam pelas ruas. Depois de algum tempo ele parou e começou a

cheirar a leve brisa. O caminho preferido do cão era pelos campos.

 – Eu também estava pensando em passear por lá – disse Lacey. Era muito tarde para

andar sozinha pelos arredores da cidade, mas a noite estava agradável e Jet era um

cachorro grande e protetor. Além disso, ela estava mesmo com vontade de andar por 

aqueles lados.

Começou a andar, mas não a esmo. Seguia numa direção definida, e o cachorro

corria alegremente à ,sua frente, pelos arbustos. Há muito, ela não vinha ali, mas tudocontinuava quase igual. Estavam, agora, em pleno verão. O chão estava macio e as árvores

cheias de folhas. Depois de algum tempo, chegaram à uma clareira, onde existira uma vez

uma cabana. Ainda restavam ali as paredes, e o lugar onde um dia houvera uma porta. O

telhado porém, tinha caído e as paredes estavam em ruínas. Lá dentro, o mato estava

crescido.

Lacey ficou parada, escutando o piado de uma coruja e o murmúrio do vento entre

as folhas das árvores, enquanto Jet corria, livre. De repente, um galho estalou sob as patasenormes e ela teve um violento sobressalto, como se alguém a estivesse espionando.

Tomada de pânico, fugiu depressa dali. Agora já deviam ser quase onze horas. Vir até

aquele lugar sozinha, àquelas horas, era absolutamente loucura. Se quisesse vir, por que

não à luz do dia? E para que voltar? Fazia anos que ela não pensava mais naquele lugar.

Hoje, porém, subitamente, tivera o impulso de voltar lá e rever tudo. Que tipo de fantasma

ela pensava encontrar lá à sua espera?

Desceu o morro correndo, Jet pulando com facilidade a seu lado. Pouco depois, passou a andar mais devagar, embora naqueles tempos os campos fossem perigosos. Paul a

 julgaria maluca se contasse a ele sobre tal aventura.

Esperava chegar em casa sã e salva e rezava para que nada de mal lhe acontecesse.

Finalmente, saíram do campo, de volta às ruas e às luzes. Suas pernas estavam bambas e

ela acariciou o pêlo castanho do dorso do animal, que abanou a cauda para ela. Para Jet o

 passeio fora apenas divertido.

 – Nunca conte a ninguém onde fomos – pediu Lacey, ofegante. A jovem e o cão

caminharam então, devagar, até sua casa.

Page 12: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 12/123

Sempre que Jet pernoitava em casa de Lacey, dormia na garagem. Havia uma cama

 para ele em um lugar protegido e quente, mesmo no inverno. Se o cão fosse menor, talvez

se arriscasse a entrar com ele em casa, escondido do pai, e levá-lo para seu quarto. Tanto

tia Helena quanto Laurence Allen não gostavam de cachorros. Ele fora mordido, uma vez,

quando criança. Tia Helena contara o caso a Lacey com todos os detalhes, quando em seu

sétimo aniversário ela pedira um cachorrinho de presente. Nenhum animal jamais cruzaria

o limiar da casa dos Allen. Entretanto, Lacey adorava Jet, e ele passava com ela quase

tanto tempo quanto passava em companhia da dona.

Enquanto tia Helena era viva, ela é que tomava prestimosamente conta da casa,

com a ajuda de Lacey e de uma diarista. Helena Allen fora muito parecida com o irmão,

fisicamente. Era alta e bonita e tinha os cabelos prateados. Alguns anos mais velha que ele,devotara toda o sua vida ao talento do irmão. Ela o considerara um gênio e ficara satisfeita

em constatar que Lacey também se interessava por arte.

 Naturalmente, não chegava aos pés do pai, em termos de talento. Fizera, porém, um

curso de arte e produzia alguma coisa que conseguia vender. Antes de morrer, Helena Allen

encarregara a sozinha do dever de cuidar do pai, como se isso fosse algo sagrado. Agora,

 portanto, era Lacey quem tratava da casa, e a vida de Laurence Allen não se modificara em

nada. Ele tinha um mundo só seu, e continuava tão egocêntrico como sempre fora.Apreciava um café da manhã completo, enquanto passava os olhos pelo Telegraph e

o Times, e lia sua correspondência. Para Lacey, uma xícara de café e uma torrada eram

suficientes, mas fritava ovos com bacon, para o pai e preparava tudo o mais que ele

apreciava, antes de partir para o Centro de Artes.

O velho Allen costumava passar as manhãs em seu ateliê, ou simplesmente

 passeando. Ele estava envolvido na política local. Era presidente de vários comitês, e hoje

estaria entre os vips, quando Martin Jackson inaugurasse o primeiro festival de Chadsford pela manhã, e mais tarde no jogo de basquete que a prefeitura da cidade tinha organizado.

 Na manhã seguinte, o pai franziu a testa quando Lacey pôs o café à sua frente.

 – As notícias continuam horríveis, como sempre? – ela perguntou.

 – Muito, deprimentes – respondeu ele. Mas não eram as notícias que o estavam

aborrecendo. Era a perspectiva de ter que, logo mais, estender a mão para aquele jovem

arrogante que era Martin Jackson e conversar com ele.

Lacey leu seus pensamentos.

 – Vai ser um dia lindo! – comentou ela. – O sol está brilhando, e isso vai ajudar 

Page 13: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 13/123

 para que o festival tenha um bom começo.

O pai, todavia, não estava nada animado e, quando um cachorro começou a latir, ele

 perguntou, contrafeito:

 – Você trouxe aquele cachorro novamente para casa?

 – Ele está lá fora, na garagem, e eu vou levá-lo embora agora mesmo – esclareceu

ela.

 – Não deixe que ele entre. Sabe muito bem que tenho alergia a cachorros – lembrou

o pai.

 – Já estou indo – disse ela, servindo-se de mais uma xícara de café. Só então foi que

o pai mergulhou na leitura dos jornais, despedindo-se, distraidamente, da filha.

Lacey alimentou Jet, e levou-o com ela para o Centro de Artes. O Centro abrianormalmente às nove da manhã, embora os artistas que tinham seus ateliês lá pudessem

entrar quando quisessem. Naquela manhã, as lojas que estavam fazendo decorações

especiais para o festival iriam abrir às dez, hora em que Martin Jackson faria a abertura

oficial.

Jet se acomodou num canto, num tapetinho que ela pusera ali especialmente para

ele. Todos o conheciam. Ele andou um pouco pelo lugar, subiu e desceu escadas e foi até o

 pátio, onde antigamente os presos faziam seus exercícios.Lacey tinha armado um cavalete em seu boxe, com um esboço que retratava uma

 paisagem de uma rua de Chadsford, que ela pretendia colorir e terminar diante dos

visitantes. Tinha vários esboços de paisagens locais, e pretendia terminá-los e vender 

todos.

Dali seria possível ouvir as badaladas do relógio da torre da igreja, se tudo estivesse

quieto. Naquela manhã, porém, às dez horas, os sinos tocaram alegremente a canção

 Alegre Inglaterra, o que significava que o festival estava começando.As portas foram abertas, e uma multidão alegre começou a entrar. As escolas

tinham suspendido as aulas e, se o tempo continuasse bom, o número de visitantes poderia

continuar bastante satisfatório.

Martin Jackson tinha inaugurado oficialmente o festival e, segundo alguém contara

a ela, estava agora andando pela cidade. Ele trouxera consigo uma equipe de TV e o

Festival de Chadsford teria sua publicidade no noticiário local daquela noite.

Lacey procurava preparar-se para a eventualidade de ver Martin subindo pela

escada de ferro fundido, a qualquer momento, vindo do andar térreo, para percorrer os

Page 14: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 14/123

 boxes. Vários artistas que ali estavam conheciam o rapaz desde o tempo em que ele

morava na cidade. Conversariam, certamente, como velhos amigos. Diriam como era bom

vê-lo novamente, embora para isso bastasse que ligassem seus aparelhos de TV. Além

disso, havia todos aqueles cartazes que tinham estado em cada canto durante meses e que

agora, graças a Deus, seriam retirados.

Lacey estava colorindo uma janela de sua tela, quando ergueu os olhos e o viu,

ficando paralisada pelo choque. Ele vinha na direção dela, andando com a mesma graça e

elasticidade das quais ela se lembrava tão bem. Sentiu-se, de repente, como um animal

acuado em seu pequeno canto. Os olhos de Martin estavam sobre ela, e ele chegava cada

vez mais perto!

Ela baixou seu pincel, e tossiu, quando ele aproximou-se ainda mais, Laceyexclamou, maliciosa:

 – Ora, ora, então cá está Black Jack!

Ele sempre aparentara mais idade do que tinha, pensou ela. Mesmo quando era

ainda adolescente, havia algo na firmeza de sua boca e no brilho penetrante de seus olhos

azuis, que nunca fora infantil. Desde que ele deixara Chadsford, ela o vira muitas vezes na

televisão, embora evitasse os programas onde ele atuava como entrevistador ou

comentarista. Percebia agora, entretanto, que naqueles cinco anos as linhas de seu rostohaviam ficado mais marcadas, especialmente nos lados da boca e na testa. O ar de ironia,

 porém, continuava presente, embora Martin parecesse uns dez anos mais velho do que

realmente era.

 – Puxa, você está parecendo mais velho! – exclamou ela, impulsiva.

 – Pois você não – comentou ele, que agora sorria para Lacey exatamente como

fizera tantas vezes no passado, enquanto seus olhos a encaravam, penetrantes. – Você não

mudou nada, nem um fio de cabelo.Ele pegou uma mecha que caía na testa de Lacey, e enrolou-a num dedo. Aquele

leve contato deixou-a tensa, mas continuou sentada, imóvel, sentindo os músculos das

costas doerem, contraídos.

  – Interessante este seu lugar aqui – comentou ele, com a voz perfeitamente

controlada, inclinando-se depois para examinar a aquarela que ela estava pintando,

evitando fazer qualquer comentário. – A velha cadeia... O prédio foi cedido pelo Conselho

de Artes da cidade? – perguntou Martin, então.

 – Não, nós não somos subsidiados – explicou ela.

Page 15: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 15/123

 – Quem é o dono deste lugar, afinal? – ele indagou.

 – Sou eu! – disse ela cheia de orgulho, pois aquele lugar era a menina de seus

olhos. Uma coisa somente sua. – Os boxes e os ateliês são alugados – acrescentou ela, a

seguir.

Aquele era um lugar bom para os artistas trabalharem e venderem. Sem este local

apropriado, os tempos seriam ainda mais difíceis do que já eram. Quanto a ela, não tirava

nenhum lucro do prédio. O que recebia dos aluguéis dava exatamente para pagar as

despesas. Nada disso deveria interessar a Martin, mas era mais fácil falar do que ficar 

calada.

 – Então você comprou uma cadeia? – continuou ele. – Combina.

 – Foi posta à venda – explicou ela, secamente. – E tia Helena tinha me deixadoalgum dinheiro. Foi um negócio bom e barato. Não comprei uma prisão. Comprei um

centro de arte. Dê uma olhada por aí. Vai descobrir que temos trabalhos muito bons.

Ele estava agora examinando as paredes, onde as aquarelas dela estavam

 penduradas.

 – Está interessada em algum lugar da cidade, em especial? – perguntou o rapaz,

enquanto continuava a examinar, demoradamente, as filas de quadros, de alto a baixo. – 

Havia uma velha cabana de lenhador, nos montes. Você algum dia pintou aquilo? – Não. – Deus do céu, não! pensou ela em pânico. As pessoas estavam escutando.

Martin era famoso, reconhecido por todos, e estava sendo seguido por um grupo de

 personalidades do lugar, que o estavam guiando, para que visitasse as diferentes atividades

do festival.

Todos estavam atentos ao que ele dizia.

 – Quem sabe você pintaria para mim, de memória – insistiu ele, virando-se para

Lacey. Os olhos azuis do rapaz encontraram os dela, que levantou o queixo, desafiadora.Como sempre acontecia, ele estava novamente colocando-a contra a parede. Lacey não

conseguia acreditar que tudo estivesse acontecendo, como se ele nunca tivesse deixado

Chadsford.

Os anos deveriam ter, certamente, transformado tudo numa lembrança longínqua.

Ela, entretanto, sentiu a provocação em todo seu ser e revidou, a indignação evidente em

seus belos olhos acinzentados.

 – Não me lembro mais. Há muito tempo que aquilo não passa de ruínas. Que tal sua

antiga escola? Você sempre foi o galã, lá!

Page 16: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 16/123

 – Muito bem – concordou ele. – Pinte, então, a escola.

Era um feio prédio, levemente gótico, e não havia nenhum quadro assim na parede.

Ela, entretanto, pintaria facilmente um. Não desprezaria uma venda, pelo fato de saber que

Martin não a admirava como artista. Não acreditava que ele viesse a pendurar uma obra

sua na parede, mas o dinheiro dele valia tanto quanto o de qualquer outro.

 – Seu cachorro? – perguntou ele, surpreso, lembrando-se, provavelmente, da velha

alergia de Laurence Allen por animais. – Ele mora na cadeia?

 – Ele mora com a sra. Bowden, na loja de lãs – respondeu Lacey, inclinando-se para

fazer um carinho no animal, que a olhava como se percebesse a tensão existente no ar. – O

nome dele é Jet. A sra. Bowden o encontrou perdido na praia em Blackpool, e como

ninguém viesse reclamá-lo ela o adotou. Mas a casa dela não é grande e ele, que era pequeno, cresceu muito, como você pode ver. – Martin riu.

 – É cachorro demais – comentou, batendo de leve no pêlo claro e fofo do animal,

roçando nos dedos de Lacey, que sentindo o contato, retirou depressa a mão, pousando-a,

rígida, sobre o colo.

Porteus estava na sala de trabalho, modelando o barro, mas Maisie, sua namorada e

colega de ofício, estava no boxe da cerâmica, esperando que Martin passasse por lá. Na

verdade, todos estavam esperando por ele. Antes de sair do boxe de Lacey, o rapaz disse,amável:

 – Até mais tarde.

Aquilo era apenas uma maneira de falar, é claro. Pelo menos, assim ela esperava.

 – Quanto tempo pode esperar pela aquarela que me encomendou? – perguntou ela,

 pegando novamente suas tintas.

 – O tempo que precisar – respondeu Martin, e Lacey se surpreendeu por suas mãos

ainda estarem firmes, embora por dentro, ela tremesse como geléia. – Você tem que reconhecer que ele é demais! – disse Maisie, depois que Martin

comprou objetos em quase todos os boxes do Centro e desceu as escadas, parando apenas

 para dar um rápido autógrafo, e não olhando mais para os lados de Lacey.

 – Demais – repetiu Lacey. Ela já conseguira se controlar, agora não tremia mais.

Claro que aquele “Até mais tarde” queria dizer “Adeus”. Certamente a aquarela da velha

escola teria que ser remetida pelo correio. Aquela sensação de voltar no tempo fora

 passageira e ela não tinha mais com o que se preocupar. Logo após o almoço oficial,

Martin deveria entrar no carro e partir, deixando o festival entregue a uma temporada de

Page 17: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 17/123

sucesso, a tomar-se por medida o movimento daquela manhã.

Poderia desenhar a escola de memória e caso fosse outra a pessoa que lhe tivesse

feito a encomenda, teria começado a pintá-la imediatamente. Mas naquela manhã, Lacey

terminou os esboços que tinha começado, e vendeu mais dois deles. Depois pediu a uma

amiga que tomasse conta de seu boxe, e saiu para almoçar com Paul, levando Jet consigo.

O lugar preferido deles era Mulberry Tree, um restaurante pequeno que ficava no

centro velho da cidade. Naquele dia o lugar estava repleto. Lacey e Paul, então, carregaram

dois copos de cerveja, duas saladas e um bife, além de uma torta de rins para Jet, para os

 jardins do fundo do restaurante, onde poderiam comer tranqüilos à sombra agradável de

uma enorme amoreira. Sentaram-se na grama, colocando a bandeja entre os dois, enquanto

Jet esparramava-se ao lado de Lacey, e puseram-se a comentar o movimento do festival atéaquele momento.

Uma exposição de jornais e retratos antigos de Chadsford fora organizada na

 biblioteca e recebera visitantes durante toda a manhã. Paul estava satisfeito com isso, e

Lacey com a quantidade de gente que comparecera ao Centro de Artes e comprara muita

coisa. O sol brilhava no céu. Havia música no ar. Um clima de festa dominava a cidade.

Peter havia assistido à cerimônia de abertura, que se realizara nos degraus do prédio

da Prefeitura, ao lado da Biblioteca, e comentara o discurso de Martin Jackson. Ele falarasobre o tempo em que vivera ali. Mencionara o nome de várias pessoas com carinho, e

algumas vezes com gratidão: amigos, professores e vizinhos. Citara o pai de Lacey, de pé a

seu lado, como o maior dos artistas vivos daquele lugar e uma inspiração para todos os que

o conheciam. Agradecera especialmente ao velho Laurence Allen, por ter sido escolhido

 para voltar à sua antiga cidade, como patrono do primeiro festival. Por fim, apresentou

seus votos de que o festival fosse um sucesso e declarou-o aberto.

 – Muito comovente – comentou ela irritada, pois sabia muito bem que ele nuncaapreciara o trabalho de seu pai. Além disso, tinha certeza de que Martin tinha

conhecimento de que se alguém fora contrário à sua vinda, esse alguém era Laurence

Allen. O rapaz não se esquecera dos velhos tempos.

Lacey deu alguns pedacinhos de queijo a Jet, que já devorara sua torta e estava

agora olhando, gulosamente, para o prato dela.

 – O que vai querer que eu faça para o seu jantar de amanhã? – perguntou a jovem,

tentando desviar seus pensamentos.

 – Quero que me faça uma surpresa – respondeu Paul, com um sorriso.

Page 18: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 18/123

 – Você já fez seu lance? Quanto vai pagar por esta “cozinheira”? – indagou Lacey.

 – A senhorita será regiamente bem paga – assegurou o rapaz.

O acontecimento mais esperado do festival seria baseado na antiga “feira de

empregos”. Os habitantes locais poderiam oferecer seus serviços a fim de serem

contratados durante as duas semanas do festival. Os lucros seriam revertidos para a compra

de um micro-ônibus para o clube juvenil da igreja. Nas últimas duas semanas, as listas de

ofertas tinham sido impressas pelo Chadsford Herald. Havia desde gente que se oferecia

 para tomar conta de crianças, até aqueles que se apresentavam para pintar casas. Lacey

oferecera-se para preparar quatro refeições durante os.próximos quatorze dias. Os lances

dos prováveis “patrões” deveriam ser colocados numa caixa em frente à Prefeitura.

As pessoas, em geral, tinham alguma idéia de quem estava interessado em“empregá-las” a fim de que, pudessem recusar, se fosse o caso. Mas todos estavam

satisfeitos, pois era uma boa causa. Na ocasião das decisões dos “empregos” quase todos

estavam vestidos à antiga. Lacey arranjara um velho chapéu de abas largas e um vestido

longo, salpicado de florzinhas cor de lavanda, com enormes mangas bufantes. As outras

moças também se vestiam como Lacey, enquanto que os homens haviam optado por trajes

vitorianos, de vários estilos, desde pastores simples, até os mais refinados.

A oferta de Paul era realmente a melhor que Lacey recebera. Embora ele nãoestivesse livre para aparecer ainda, viria mais tarde. A jovem ficou com um grupo de

amigos, enquanto o pastor chamava os nomes, empregado e empregador se defrontavam,

as mãos estendidas, cumprimentando-se solenemente, selando, assim, a barganha. Em

seguida, a quantia estabelecida era escrita num quadro e somada às outras, enquanto todos

aplaudiam.

Lacey pensava em como tudo aquilo era diferente das verdadeiras “feiras de

emprego”. Ali, todos sabiam onde iriam dormir naquela noite. Antigamente, se ninguémescolhesse uma determinada pessoa, esta não teria esperança de trabalho nos doze meses

seguintes, o que significava fome e miséria. Subitamente foi arrancada de seu devaneio.

 – Srta. Lacey – chamou o pastor, e ela deu um passo adiante. – Estamos aqui com

um pequeno problema.

 – Problema, Que problema? – perguntou, intrigada.

  – Um lapso tardio – explicou o reverendo Roderick Beale. – Chegou neste

momento. – A esposa do reverendo estava sorrindo, a seu lado. Provavelmente fora ela

quem o trouxera. Lacey se controlou, embora estivesse curiosa e confusa. – O dobro da

Page 19: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 19/123

melhor oferta por seu trabalho! – exclamou o pastor. – Mas embora seja uma oferta muito

generosa, chegou depois do tempo estipulado. Devemos aceitá-la?

 Notou, então, que Martin estava presente. Não o vira antes, e sabia que teria notado

se ele estivesse ali. Era provável que tivesse chegado há poucos minutos, o lance deveria

ser dele. Beale e a esposa tinham chegado a Chadsford depois dele ter partido. Nada

sabiam das velhas discussões, e aqueles que delas tinham conhecimento achavam que o

 passado era o passado, e que aquilo tinha sido um gesto amável por parte de Martin. Quem

sabe até fosse! Quem sabe não sentisse o mesmo turbilhão interior que Lacey sentia, só de

olhar para ele.

 – Então? – perguntou o pastor olhando para Lacey e para os outros. – O que

devemos fazer?Ela ficou muda, mas alguém antecipou-se, brincando:

 – Aceitamos o maior lance – ao que todos aplaudiram animados. Martin, então, deu

alguns passos adiante, a mão estendida, e Lacey teve que cumprimentá-lo. Se não fizesse

isso, causaria estranheza. O lance de Martin foi então acrescentado aos demais. Era uma

 bela quantia e Lacey saiu, de braço dado com Martin.

 – Como vai querer suas quatro refeições? – perguntou ela, tentando dar um ar 

despreocupado às suas palavras. – Café da manhã, almoço, chá e jantar, amanhã mesmo?Imagino que não vá ficar por mais tempo.

 – Não há pressa – disse ele, sorrindo para Lacey. – Ficarei durante as duas semanas

do festival.

Ela teve vontade de tirar a mão do braço dele. Era o que faria, assim que tivesse

uma chance. Caminharam em direção à beirada do gramado, onde um terreno mais

 pedregoso começava, e ficaram ali, apreciando o espetáculo.

 – O que afinal veio fazer em Chadsford? – perguntou ela. – Negócios inacabados... – respondeu Martin.

Lacey olhou para ele, mas o rosto do rapaz estava impassível.

 – Que tipo de negócio? – indagou ela. Aquilo não era de sua conta, mas fora uma

 pergunta natural, e ele riu.

 – Tenho algumas semanas de férias, e nenhum plano especial. E agora que já estou

aqui, pensei que gostaria de ficar mais.

Ela não o queria por perto.

 – Você fica ridícula com essa touca – brincou ele.

Page 20: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 20/123

 – Não acho que eu vá gostar de cozinhar para você – revidou ela.

 – Então devia ter dito, não acha? Uma barganha é uma barganha, e todos nos viram

selar o compromisso. Mas se não quer cozinhar para mim... o que quer me oferecer? – 

arriscou ele, irônico.

Lacey teria dado uma resposta à altura, se ele lhe tivesse dado tempo para fazê-lo.

Repentinamente, entretanto, ele a agarrou, fazendo com que perdesse o equilíbrio e

arrancou-lhe o chapéu da cabeça, rindo ao vê-la ficar furiosa.

 – Mas não se preocupe – disse ele, por fim. – Tenho certeza de que nós dois

 poderemos descobrir alguma coisa que nos deixe, a ambos, muito satisfeitos.

Capítulo II

Lacey não olhava agora para Martin. Seu olhar estava sobre outras pessoas ao

longe, como se estivesse à procura de um rosto amigo. Na verdade, porém, não estava nem

 procurando nem vendo quem quer que fosse, tão perturbada por ter aquele homem a seu

lado. – Prefiro manter as quatro refeições – decidiu Lacey.

 – De acordo. Escolha fazê-las quando quiser, nas próximas duas semanas. Não

 parece muito tempo, não acha? Mas um bocado de coisas podem acontecer nesse tempo. – 

A voz dele era tão impessoal quanto soava na TV.

Lacey sentiu um estranho pressentimento. Martin sempre tivera o poder de

 provocar comoção à sua volta. Iria fazer confusão ali também. Mas não com ela, podia

estar certo. De repente, começou a se afastar do rapaz, mas ele a acompanhou. – Onde está Jet? – perguntou Martin.

 – Levei-o para casa, antes de vir para cá. Ele se comporta muito bem no Centro de

Artes, mas tive medo que aqui pudesse sair para caçar ratos, ou coisa parecida.

Se ela fosse para o meio dos outros, poderia se livrar de Martin. Alguém certamente

apareceria para afastá-lo dela, mas, intimamente, desejava ficar um último minuto sozinha.

com ele. Continuou, então, a andar pelo gramado, a saia longa atrapalhando as passadas.

Era com esta mesma roupa que ela deveria aparecer no melodrama de segunda-feira. Ao

fazer o ensaio final, não reparara no comprimento exagerado da saia, e agora precisaria

Page 21: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 21/123

mandar encurtá-la antes da estréia.

 – Se as mulheres daquele tempo usassem uma saia tão comprida quanto esta – 

comentou ela –, não teriam sequer condições de voltar para reclamar na feira dos

insatisfeitos.

 – Mas você nunca reclamaria, não é mesmo? – perguntou Martin, com um sorriso

irônico. – Você ficaria em seu posto custasse o que custasse, se bem conheço você.

 – Alguns de nós precisam ficar – disse ela, tensa. – Ou o mundo seria uma

confusão.

 – Ninguém ainda contou a você, meu bem? O mundo é uma grande confusão!

 – E você é o homem que faz reportagens sobre as confusões. – continuou ela,

 pondo as mãos na cintura e olhando para ele como se estivesse se divertindo com aconversa. – Sabe de uma coisa? Já me perguntei várias vezes se a confusão já estava lá

antes de você chegar ou se foi você que a provocou.

Sabia que estava dizendo bobagens!

 – É verdade? – perguntou ele irônico, fingindo surpresa.

 – O quê? – indagou Lacey.

 – Que você pensou em mim – respondeu Martin.

“Não por muito tempo”, pensou ela consigo mesma. “Não até saber que você iriavoltar.”

 – É isto que eu estou interessado em saber. Por quê? – insistiu ele.

Subitamente, Lacey teve que desviar o olhar dos olhos azuis e firmes de Martin, e

virando a cabeça deparou com Paul, que acabara de chegar.

 – Lá está Paul! – exclamou.

 – Quem é Paul? – quis saber ele, curioso.

Ela teve vontade de responder: “Ora, o meu Paul”, mas pensou que aquela frasesoaria demasiado possessiva.

 – A pessoa para quem eu pensei que iria cozinhar as quatro refeições – disse ela,

 por fim, e levantando a saia saiu correndo para ele.

Paul também a vira. Acenou e sorriu, mas quando Lacey aproximou-se dele

 percebeu que o rapaz parecia um tanto preocupado.

 – O que aconteceu? – perguntou ele, então. – Alguém me disse que Martin Jackson

dobrou o lance.

 – É verdade – respondeu ela.

Page 22: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 22/123

 – Foi um belo gesto – disse Paul, incerto sobre o que pensar de tudo aquilo. Sentia-

se inseguro. – Ele reconheceu você? – indagou ele, por fim.

 – Claro que sim. Afinal, eu não mudei tanto assim em cinco anos. Eu disse a você

que ele tinha ido ao Centro, esta manhã.

 – Mas por que ele quis você? – perguntou Paul. – Não consigo entender... todos

diziam que vocês nem podiam se ver?

Martin os seguira e quando alcançou o casal, ela se virou para ele.

 – Paul quer saber por que você me quer – indagou ela, recebendo de Martin um

sorriso como resposta.

 – Puxa, mas esta é uma boa pergunta! – comentou ele, zombeteiro.

 Não houvera qualquer segunda intenção no que Paul dissera e Lacey percebeu,tardiamente, que com aquela pergunta, estava apenas tornando as coisas ainda mais

complicadas.

  – Cozinhar tantas refeições para você, que nunca provou minha comida! – 

exclamou ela, tentando consertar o que dissera.

 – Estou arriscando. Afinal meu pai costumava gostar muito de jantar em sua casa.

 Na verdade, Courtney Jackson e Laurence Allen tinham sido amigos. O pai de

Martin morrera de infarto quando o jovem cursava o último ano em Cambridge, esurpreendera a todos deixando para o filho apenas uma casa hipotecada.

 – Naquele tempo quem cozinhava era tia Helena – lembrou Lacey. – Quer me dar o

chapéu, por favor? – pediu ela, por fim.

 – Você não usa isso sempre, usa? – perguntou Martin, enquanto o entregava à

 jovem.

 – Não precisa repetir que o acha ridículo – respondeu ela, enfiando-o novamente na

cabeça. – E é claro que eu não o uso sempre, pelo amor de Deus! Esta é apenas umafantasia feita para a peça que vamos encenar no Pequeno Teatro. É baseada na história de

Alice Gough. – Sorriu para Martin. – Foi Paul quem escreveu a peça.

 – Posso saber qual é o seu papel? – indagou Martin.

 – Alice – respondeu a jovem.

 – Doce Alice, naturalmente – completou ele, irônico. – Essa eu não posso perder.

Ele fora criado naquela região, e conhecia aquela melodramática história popular de

sedução e morte. A peça seria uma representação irônica, mas mesmo assim Lacey

 preferiria que Martin não fosse assisti-la. Era possível que ele a fizesse esquecer alguma

Page 23: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 23/123

fala, para não dizer todas!

Martin conseguira isso há dez anos. Naquela época ela fazia parte do grupo de

teatro da igreja e Martin não. Ele sempre fora uni líder, mas também andava só, não fazia

 parte de grupos. Para um espetáculo de Natal, tinham ensaiado a peça  Pigmalião. Lacey

quase sempre ficava com o papel principal. Ela era boa na arte de representar e, naquele

ano, fazia o papel de Eliza. Teria que imitar o sotaque cockney de Londres. Estava muito

satisfeita, até que deu com Martin na platéia. Ele estava na segunda fila, e no meio de um

mar de rostos amigos, era o único que parecia totalmente desinteressado.

 No mesmo instante, ela se desnorteou, achou-se ridícula, e por um tempo, que para

ela pareceu uma eternidade, permaneceu calada.

Ajudada pelos outros colegas, recomeçou. Entretanto, fez tal confusão com o texto,que no Natal seguinte não foi mais escolhida para representar.

 – Olá! – exclamou uma moça, de cabelos loiros, longos e lisos que se aproximava.

Ela se dirigia a Martin, visivelmente emocionada. – Lembra-se de mim? – perguntou ela,

então.

Bem que deveria, pensou Lacey. Aquela jovem costumava mandar cartões de Natal

todos os anos para ele. Era até possível que Martin fosse a razão de o casamento dela ir tão

mal, depois de apenas dois anos. Denice Wheeler era tão apaixonada por Martin, que oseguia como uma sombra.

 – Claro que sim – disse ele. – Como vai você?

 – Vou indo – respondeu Denice, procurando sorrir. – É muito bom ver você

novamente. Nós falamos muitas vezes sobre você, a velha turma...

“Não, não falamos”, pensou Lacey. “Super-Martin aparece na TV, escreve artigos, e

então alguém o menciona. Mas estamos todos nós ocupados em viver nossas vidas, e você

não tem mais um lugar entre nós.” – Tony e Beth estão ali adiante – continuou Denice. – Venha, essa garota já

monopolizou você demais.

 – Que tal jantar amanhã, como meu primeiro trabalho? – sugeriu Lacey.

 – Que estória é essa de seu lance em favor dela? – perguntou Denice, sentindo-se

agora mais confiante. – Eu posso cozinhar de graça, para você. Virá jantar conosco antes

de ir embora, não virá? – indagou, esperançosa.

 – Com prazer – respondeu Martin. Depois olhou para Lacey: – A que horas, então?

 – Lá pelas sete – estabeleceu ela, antes de acrescentar, irônica: – Meu pai ficará

Page 24: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 24/123

encantado em ver você. – Percebeu, então, uma leve tensão no rosto do rapaz.

  – Pois se eu fosse você, me certificaria antes – respondeu Martin, procurando

 parecer tranqüilo. – Estou hospedado no Cross Keys – dizendo isso, afastou-se.

 – Seu pai vai se importar? – perguntou Paul.

 – Ele sempre antipatizou com Martin tanto quanto eu – respondeu ela, enquanto via

Martin se afastar, alto e arrogante, os cabelos negros e rebeldes, com Denice falando e

gesticulando a seu lado. Será que tudo iria recomeçar, naquelas duas semanas? – Ele se

dava muito bem com o pai de Martin – continuou Lacey, afinal. – Fizeram negócios juntos

uma vez, mas parece que não deu certo. Martin, entretanto, sempre irritou meu pai.

 – Como era o pai de Martin? – indagou Paul, curioso.

 – Um homem simpático – respondeu Lacey, sorrindo. – Tia Helena costumava dizer que Courtney Jackson era um dos poucos  gentlemen que ainda restavam. Martin, porém,

não se parecia com ele. Sempre fora visto como Black Jack.

 – Black Jack! – repetiu Paul, confuso, e ela sorriu.

 – Era apenas um apelido – esclareceu Lacey. Na verdade, ela era a única pessoa a

chamá-lo assim. Todos os outros o chamavam de Martin. – Denice quase teve um

esgotamento nervoso por causa dele – continuou ela. – Meu pai poderá não gostar muito da

idéia dele vir para o jantar de domingo, mas Barry vai ficar furioso se souber que Deniceconvidou Martin Jackson para ir à casa deles.

Paul estava levemente chocado, por ver que Lacey sorria maliciosamente, em vez

de se preocupar com o caso.

 – Pobre Barry – exclamou ele –, mas isto foi há muito tempo, não foi?

 – Oh, uma eternidade! – concordou ela.

 – E ele não ficará aqui por muito tempo... – continuou o rapaz.

 – Martin pretende ficar durante todo o festival – esclareceu ela, para surpresa dePaul. – Ele me disse que ia mesmo tirar umas férias. Acho que se acontecer alguma coisa

importante, o pessoal da TV se encarregará de chamá-lo. – Paul não fez qualquer 

comentário. – Bem, Martin vai ter que se acomodar à vida pacata de Chadsford, ou então

armar alguma confusão por aqui. – Resolveu mudar de assunto. – Acho que vou tirar esta

fantasia. Estou com um pouco de dor de cabeça e esta saia está muito comprida. Estou indo

 para casa.

 – Posso ir com você? – perguntou Paul.

 – Claro. Podemos tomar chá e depois dar uma volta pela cidade. – Lacey deu o

Page 25: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 25/123

 braço ao namorado e começaram a caminhar. Passavam pelo boliche, quando Martin atirou

uma bola, acertando em vários alvos. Ele ergueu o olhar para a jovem, que gritou de longe:

 – Ainda derrubando aos montes, não?

 – Você também – respondeu; ele com ironia.

  – O que Martin estava querendo insinuar? – perguntou Paul, confuso, quando

continuaram a andar.

 – Não sei – disse ela.

Entretanto Lacey sabia sim! Martin quisera insinuar que ela sempre tivera dúzias de

admiradores. Os homens, porém, haviam feito papel de bobos por causa dela, como as

moças faziam por Martin e, provavelmente, continuavam fazendo. Ela mesma vira muitas

vezes rotos dele com belas garotas, embora, raramente, a mesma aparecesse duas vezes. – Foi sério, o que aconteceu entre ele e Denice? – indagou Paul, curioso.

 – Para ela, sim, mas não acredito que tivesse sido para ele. Denice costumava

chorar em meu ombro, mas não acredito que Martin tenha se lamentado com alguém.

Lacey trocara de roupa na casa da paróquia, e agora subia correndo as escadas,

vestida novamente numa roupa de seda azul. Enormes quantidades de laranjada e

limonada, além de jarras e jarras de chá frio estavam sendo preparadas na cozinha para a

 barraca dos refrigerantes. O lance de Martin proporcionara assunto para fofoca. Fora muitagenerosidade da parte dele, era verdade, mas quando Lacey desceu as escadas, viu que um

dos homens falava zombeteiramente com Paul:

 – Se eu fosse você ficava de olho, meu jovem. Não ia querer que alguém fizesse

isso com minha noiva – dizia um rapaz.

Lacey e Paul saíram em silêncio, e quando chegaram ao portão, Paul lamentou não

ter chegado antes ao local dos lances.

 – Fiquei com cara de perdedor – reclamou ele. – Não! – retrucou Lacey, percebendo que o comentário do amigo ferira Paul.

 – Não confio em Jackson – continuou o rapaz –, o que é que ele está querendo com

você?

Paul estava cheio de ciúme, e Lacey sorriu docemente para ele.

 – Não está querendo nada – respondeu ela –, a não ser talvez um pouco de

discussão, para se lembrar dos velhos tempos. Além disso, Denice não parece disposta a

deixá-lo longe enquanto estiver por aqui, e tenho certeza de que ela não é a única. Estou

certa de que todas farão fila para alimentá-lo, para hospedá-lo, etc. Não podemos nos

Page 26: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 26/123

esquecer de que ele é uma celebridade, e de que continuou a manter contato com vários

amigos durante esses anos todos. Eu não estou nos planos dele, posso garantir – assegurou

ela, por fim.

 – Está bem – disse Paul. Sorriu, então, sacudindo a cabeça, envergonhado de suas

suspeitas. – Como vai sua dor de cabeça?

 – Era o chapéu – respondeu ela, fingindo-se relaxada.

Mas sabia que estava tensa. Dizia a si mesma, entretanto, que não havia razão para

que Paul se sentisse ameaçado. Nada iria acontecer, nada iria mudar. Sua vida já estava

traçada e ele era seu futuro.

 – O que acontecerá se seu pai não quiser recebê-lo para o jantar de amanhã? – 

 perguntou o rapaz. – Suponho que terei que telefonar para Cross Keys e deixar um recado para que

Martin não venha. – Ela sorriu, concluindo que aquilo era exatamente o que Martin

esperava que acontecesse. Adorava vê-la no papel de menininha, dominada pelo pai.

Pensou então, que, se o velho Laurence não quisesse ver Martin, ela poderia levar uma

 bandeja no ateliê, para ele. Mas sabia que isto, de qualquer forma, aborreceria o pai.

 Ninguém ousara contrariá-lo, e o velho Allen não aceitaria que a filha fizesse algo que ele

desaprovasse.Chegando em casa, Lacey foi para o banheiro tomar uma boa ducha, levando

consigo um aparelho portátil de TV. Não queria perder a notícia sobre a abertura do festival

de Chadsford, no jornal local, é deixara Paul na sala, acompanhando também o noticiário

em outro aparelho. Quando ouviu falar do festival, a jovem saiu correndo do banho,

enrolada numa toalha. Lá estava Martin, na tela, fazendo seu discurso, desaparecendo,

 porém, pouco depois. Em seguida, a câmara focalizou outros aspectos do festival, e ela

continuou a se arrumar.Lacey ainda podia vê-lo. Via-o quando olhava no espelho, via-o quando fechava os

olhos. Escolheu um vestido branco e começou a se pintar, devagar e cuidadosamente.

Entretanto em sua mente uma pergunta martelava, sem parar: “O que devo fazer? O que

vou fazer?”

Ficou satisfeita com o resultado final de sua toalete e maquilagem. Permaneceu,

entretanto, sentada, olhando para suas mãos cheias de anéis. Se Martin tinha percebido o

anel mais largo que ela usava no terceiro dedo, nem se abalara.

Alguém bateu à porta, e só então ela percebeu que já se tinha passado mais de meia

Page 27: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 27/123

hora desde que começara a se arrumar. Era seu pai, respirando com dificuldade e com o

rosto muito vermelho.

 – Preciso me sentar – disse ele, ofegante.

Lacey nunca vira o velho Laurence tão abalado. Nunca permitira, na verdade, que

qualquer coisa o afetasse. Entretanto, agora, alguma coisa acontecera, e ela desconfiara, de

imediato, que aquilo devia ter algo a ver com Martin.

 – O que foi? – perguntou ela. – Algo a ver com Martin Jackson?

 – Sim, foi Martin Jackson! Paul acaba de me contar que você cozinhará quatro

refeições para ele, e que ele ficará em Chadsford durante as duas semanas do festival.

 – É verdade – confirmou ela, sem entender o porquê de todo aquele nervosismo.

Subitamente, viu-se respondendo, petulante: – Vou cozinhar para ele, não dormir com ele. – Diante da expressão chocada de Laurence Allen, a filha teve vontade de rir. – Desculpe

me, papai, mas é isso mesmo. Por que a preocupação?

 – Courtney Jackson foi um bom amigo meu, e sei multa coisa sobre o filho dele,

que as outras pessoas ignoram – declarou o velho, cheio de rancor.

 – Sei que nunca gostou dele – disse a jovem, desconfiada de que isso se devia ao

fato de Martin nunca ter levado Laurence Allen a sério. Mas o que ele afirmou, a seguir,

fez com que Lacey estremecesse. – Ele matou meu velho amigo! – exclamou o homem, fora de si.

 – Mas esta é uma acusação muito grave, papai! – lembrou a moça.

 – O velho Jackson morreu de um ataque cardíaco – insistiu Allen. – O pobre

homem nunca foi muito forte, mas seu filho certamente encurtou a vida dele. Isto eu não

 posso perdoar, nem esquecer.

 – O que afinal Martin fez? – perguntou Lacey. Ela se lembrava bem de Courtney

Jackson: um respeitado corretor da bolsa, aposentado. Martin sempre fora rebelde e os doisdeviam ter discutido muitas vezes. O jovem, porém, fora indiscutivelmente brilhante, e a

maioria dos homens se orgulharia de tê-lo por filho.

A vermelhidão começava a desaparecer do rosto de Laurence Allen e ele agora

 parecia abatido.

 – Quando morreu, Courtney Jackson era um homem vencido. Contou-me coisas

que, eu acho, nunca contou a ninguém. Sabe o que ele me disse? – Lacey sacudiu a cabeça

negativamente. – Ele disse: “Meu filho não gosta de ninguém, a não ser de si mesmo.

Estou certo de que ele vai vencer, mas acho que nasceu sem qualquer sentimento.” – O

Page 28: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 28/123

velho fez uma pausa, e em seguida continuou: – Ele disse também que agora que estava

sem dinheiro o filho não voltaria mais. Martin, entretanto, conseguira dinheiro. Talvez

tenha até falsificado a assinatura do pai. Alguns dias depois, Courtney teve infarto e

morreu.

 – Eu o convidei para jantar, amanhã à noite – lembrou a jovem.

 – Não em minha casa! – exclamou o pai, autoritário.

 – Não – repetiu a jovem. Não na mesa onde os dois amigos tinham comido; não na

sala onde tanto haviam conversado.

 – Prefiro que você não o veja mais – disse o pai, enquanto se levantava. – Mande-

lhe um cheque que cubra o lance idiota que ele fez e afaste-se dele. Aquele rapaz

contamina! Foi muito difícil para mim cumprimentá-lo, como se fosse a coisa mais naturaldo mundo. Se eu puder evitar, não ficarei junto dele no mesmo recinto, e exijo que você

também não fique.

 – Está bem – disse ela, pensando que o que seu pai escutara em confidência, não

deveria ser revelado agora.– Paul sabe dessas coisas?

 – Não o que eu contei agora a você – afirmou o pai.

 – Não diga a ninguém – pediu Lacey.

 – Não confia em mim? – perguntou o velho Laurence, ofendido. – Claro que sim, papai. Mas se correr por aí a notícia de que você está acusando

Martin de roubar o pai... e foi o que você disse, não foi? Isto é, acredito que não haja

 provas, depois de tanto tempo... Bem, ele pode processar você – concluiu Lacey.

 – Estou certo de que é o que ele faria mesmo. Tem razão, querida – disse Laurence

Allen. – Vai sair com Paul? Este sim, é um belo rapaz.

 – Sim – concordou ela, e pegando o vidro de perfume que o namorado dera,

 perfumou-se, generosamente. Aquela era uma historiazinha sórdida. Talvez ela tivessesentido instintivamente, desde criança, que havia algo de perigoso em Martin Jackson. Até

mesmo o pai dele, que o conhecia bem, considerava-o sem sentimentos.

Paul era diferente. Gostava da família e era bondoso com todos. Não havia nada de

rude em Paul. Era um namorado carinhoso, e ela ficaria grudada nele enquanto Martin

Jackson estivesse na cidade.

Laurence Allen lhe comunicara a intenção de dormir cedo aquela noite. Pensara em

 jantar fora, mas o dia fora cansativo demais para ele. Restringir-se-ia a fazer uma refeição

fria, ler um pouco e depois, cama.

Page 29: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 29/123

Quando Lacey voltou para a sala, Paul ainda estava vendo televisão.

 – Viu o noticiário? – perguntou ele.

 – O quê? Ah! A abertura. Sim. Foi boa, não? Voltarei num minuto. Vou só arrumar 

uma bandeja para meu pai.

Só então se lembrou de que convidara Paul para um chá. Pôs a chaleira no fogo,

 preparou alguns sanduíches e um pedaço de bolo e arrumou tudo numa segunda bandeja.

 Não tinha vontade de comer, nem de sair. Sua vontade era dormir, pois sentia-se

esgotada. Entretanto, assim que Paul acabou de comer, ela aceitou o convite para um

 passeio.

Chadsford estava toda iluminada. As ruas enfeitadas por pequenas luzes, que eram

 parte da decoração de Natal. As lojas e hotéis também estavam decorados. Havia um baile. público na praça principal, e o som rouco e alegre do parque de diversões, nos arrabaldes

da cidade, chegava até ali... Estava tudo tão diferente das noites calmas às quais estava

habituada, que Lacey parou, extasiada.

 Ela começara tudo aquilo. Tudo nascera de seu comentário casual sobre a “feira de

empregos”. Não havia dúvidas de que fora uma idéia maravilhosa! Tinha também a

impressão de que havia jogado um fósforo aceso num barril cheio de fogos de artifícios,

que subiam aos céus como estrelas coloridas, mas que só ela sabia que no fundo do barrilhavia uma banana de dinamite. Paul estava falando com ela. Queria saber o que pensava

fazer em relação a Martin, pois percebera como o velho Laurence ficara abalado ao tomar 

conhecimento do “contrato”.

 – Ele se portou como se você tivesse sido vendida como escrava branca e eu nada

tivesse feito para impedir – queixou-se o rapaz. – Nunca o vi assim!

 – Ele estava mesmo nervoso – concordou Lacey. – Se pudesse, acho que poria

veneno na comida de Martin. – Chegaria a este ponto? – perguntou Paul, sorrindo. Sabia da forte influência que

Laurence Allen exercia sobre a filha, e estava satisfeito porque a antipatia que o velho

sentia por Martin não diminuíra com os anos. – Você disse que caso seu pai não aprovasse,

você telefonaria a Martin desmarcando o compromisso.

 – É o que vou fazer – afirmou a jovem.

 – Mas pretende ainda cozinhar as refeições para ele? – indagou Paul, curioso.

Ela sabia que o namorado queria que ela dissesse que não, e provavelmente era o

que faria. Respondeu, porém, que não chegara ainda a uma decisão.

Page 30: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 30/123

Havia várias opções para um programa naquela noite: uma leitura de poesia num

 barzinho, um concerto de música de câmara da Sociedade Filarmônica local e muitas

outras alternativas. As ruas estavam apinhadas de gente. Na praça principal, um conjunto

 pop, formado por quatro estudantes da escola secundária local, estava se apresentando. O

som, aumentado por amplificadores, ficava um pouco distorcido. Mas aquilo não

importava. A praça estava cheia de gente dançando. Animada pelo som alegre de uma

música conhecida, ela puxou Paul pela mão:

 – Vamos dançar! – exclamou. Lacey era ótima dançarina; tinha senso de ritmo, e

fazia tempo que não dançava, pois Paul não era muito amante da dança. Ela rodopiou pela

 praça, sorrindo para os amigos e procurando fugir às suas preocupações.

Quase todos pareciam estar se divertindo, menos Paul. Ele parecia sentir-sedeslocado. Tinha o corpo rígido e os ombros duros, por mais que Lacey tentasse guiá-lo.

Como dançaria Martin? pensou ela.

Começou a procurar entre os rostos à sua volta. Tinha certeza de que ele estaria lá, e

imaginou se Denice ainda estaria com ele... Ou atrás dele, como quase todas as garotas

costumavam fazer quando ele vivia em Chadsford.

Paul recuou, e colidiu com uma menina ruiva.

 – Puxa! – exclamou ela rindo. – Nunca imaginei encontrar você aqui! Está ótimonão? Que bom se fosse assim todos os sábados.

Era uma das ajudantes da biblioteca, e logo que ela se afastou, Paul resmungou:

 – Para mim, chega, não gosto de fazer papel de palhaço.

 – Pois eu estava me divertindo e muito – reclamou Lacey, atrás dele.

 – Não quero aborrecer você – disse Paul, amuado. – Mas não acha que deveria

avisar Jackson para não aparecer em casa de seu pai, amanhã?

“É minha casa também, meu lar,”, pensou Lacey. – Cuidarei disso, mas não me pressione – respondeu ela.

 – Nunca pressionei ninguém em minha vida – respondeu Paul, ofendido com a

resposta da jovem, que por sua vez estava enervada também. – Mas se seu pai fica tão

aborrecido... – ele continuou a falar. Aquela frase fez com que Lacey, se lembrasse de tia

Helena, que costumava dizer: “Seu pai é um grande artista, e o trabalho dele é a coisa mais

importante nesta casa”. Em resumo, o que ele queria, deveria vir sempre em primeiro lugar.

 – Não tenha medo – disse ela, irritada. – Martin Jackson não irá contaminar a casa

de meu pai – falou, como se recitasse um melodrama, o que irritou Paul. Naquele

Page 31: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 31/123

momento, Porteus e Maisie apareceram de braços dados.

 – Vamos ao parque de diversões? – sugeriram eles.

 – Eu odeio parques de diversões – resmungou Paul.

  – Paul já se divertiu bastante por hoje! – exclamou Lacey, numa voz

enganadoramente doce. – Importa-se se eu for?

 – Faça como quiser. Eu nem sonharia em tentar pressionar você – respondeu Paul.

 No dia seguinte, ela poderia até pedir desculpas ao rapaz, mas naquele momento

teve vontade de esganá-lo. Ela queria rir, divertir-se e esquecer os negros temores que

 pareciam renascer das sombras para atormentá-la.

 – Então eu vou – disse ela. – Você irá jantar amanhã em minha casa?

 – Sim – respondeu Paul, um tanto contrafeito, mas a jovem virou-lhe as costas, deuo braço a Porteus, e afastou-se. , Porteus e Maisie tinham estado na “feira de empregos”, e

seriam insensíveis se não percebessem a atmosfera.

 – Vocês discutiram? – perguntou Maisie, logo que deixaram Paul.

 – Mais ou menos – respondeu Lacey.

 – Não por causa de Martin Jackson? – indagou Maisie, que sabia dos velhos

tempos. Na verdade seria uma sensação se os dois acabassem juntos!

 – Acho que foi porque eu quis dançar na praça. Paul achou aquilo ridículo; disseque estávamos dando um espetáculo.

 – Na verdade é mesmo um espetáculo – disse Porteus, com seu vozeirão. – Mas a

idéia não é essa? Baile popular?

O parque de diversões tinha sido instalado num terreno baldio nos limites da

cidade, e uma verdadeira multidão estava indo para lá. Podia-se ver, já de longe, uma

montanha russa e uma imensa roda-gigante. Mas havia inúmeros outros brinquedos

espalhados e todos pareciam estar numa movimentação perpétua, Havia também algunsespetáculos e barracas. A cada passo, Lacey cumprimentava conhecidos. Até um repórter 

do Chadsford Mercury estava lá.

Quando passaram pelo trem fantasma, Maisie fez questão de dar uma volta. Como

não cabiam mais de duas pessoas num mesmo carro.

Lacey despediu-se deles. Se quisesse companhia, poderia encontrar facilmente

alguém, mas estava se divertindo bastante, sozinha. Sabia que teria que deixar um recado

 para Martin, mas poderia fazê-lo na manhã seguinte. Não estava contemporizando, é que

não havia tanta pressa assim.

Page 32: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 32/123

De repente deu com ele bem à sua frente, alto o bastante para sobressair-se na

multidão. Mas não estava olhando na direção dela... Imediatamente, Lacey resolveu

esconder-se na primeira porta que encontrou. Era o palácio dos espelhos. Lá dentro, os

espelhos distorcidos refletiam imagens cômicas: compridas, achatadas e onduladas. Lacey

chegou ao fim, e hesitou antes de sair. Não queria encontrar Martin, estivesse ele com ou

sem Denice. Agora que sabia que ele estava ali, iria sair o mais depressa possível. Ficou

 parada por um instante, os braços cruzados, olhando para a monstruosidade do espelho,

quando outra caricatura apareceu atrás dela. Nem sequer se voltou.

 – Por que está aqui? – perguntou a jovem.

 – E por que você está aqui? – revidou Martin.

 – Eu estava me escondendo de você – confessou ela. – Faz sentido. Eu estava seguindo você – completou ele.

 – Por quê?

 – Quero saber se ainda estou convidado para o jantar de amanhã – esclareceu o

rapaz.

 – Não – respondeu Lacey, secamente.

 – Nem eu pensava que estaria – revidou ele.

Lacey se voltou para ele. Martin estava sozinho, a não ser que os outros estivessemainda em frente aos espelhos.

 – Bem, eu mesma fiquei surpresa. Nunca imaginei que meu pai se opusesse tão

absolutamente, mas parece que ele não quer saber de você lá em casa mesmo.

 – Você está sozinha? – perguntou Martin afastando-se para ela passar, seguindo-a

depois, de perto, enquanto ela se controlava para não sair correndo.

 – Vim com amigos, mas nos separamos – disse ela, dirigindo-se para a saída. – E

você com quem está? – Estou com você. Ou não estou? – respondeu Martin, que entrelaçara seus dedos

nos dela, que não tinha forças nem vontade de soltar a mão. Ela começou a sorrir, e aos

 poucos a tensão foi se desvanecendo, à medida que sentia a pressão do polegar dele na

 palma de sua mão.

 – Você combina com um parque de diversões – disse ela.

 – E sorrir combina com você... – respondeu ele, enquanto começavam a andar.

“Estamos de namoro”, pensou Lacey. “Isto é o que devíamos ter feito cinco anos

atrás.” Era como se ela tivesse outra vez dezenove anos, e ele vinte e dois. Ambos

Page 33: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 33/123

encontrariam os amigos comuns, que ao vê-los juntos olhariam espantados, mal podendo

acreditar no que seus olhos viam: Martin e Lacey, juntos!

 – Algodão-doce ou pipocas carameladas? – perguntou ele.

 – Pipocas. – Pegou o saquinho e sentiu como estava quente. Logo adiante deles,

estava a tenda da cigana Rosita, a Vidente. Ela levantou os olhos para o cartaz, onde havia

uma fileira de fotos de Rosita em companhia de celebridades.

 – Não estou vendo você aí no meio – disse Lacey.

 – Nunca quis saber meu futuro, mas você tem cara de quem tem uma boa sorte...

Deixe que leiam sua mão – sugeriu ele.

 – Não preciso saber do meu futuro. Eu já sei.

 – Lacey, a cigana? Não me diga que você também tem esses poderes? – Você já conheceu Paul... – continuou a jovem.

 – Sei, mas não o estou vendo por aqui – disse o rapaz, olhando dentro dos olhos

dela, e não em torno do parque.

 – Ele... ele está trabalhando – respondeu. Paul podia tê-la seguido, mas achava isso

 bem pouco provável.

 – E por que falou nele? – perguntou Martin.

 – Porque ele é o meu futuro – afirmou a jovem, Martin deu uma gargalhada eembora ela também estivesse rindo, insistiu:

 – Ele é mesmo. Ora, esqueça...

 – Boa idéia! – exclamou ele. – Que tal uma volta na roda-gigante?

 – Vamos voar para o alto – caçoou ela.

Os carrinhos eram pequenos, e davam para duas pessoas de cada lado, mas

ninguém sentou-se com eles. Acomodaram-se então, um de frente para o outro, e a roda

começou a se movimentar. Lá de cima, a vista era fantástica: o parque aparecia todoiluminado e mais ao longe, enxergavam-se as luzes, das ruas da cidade. Podia-se apontar 

lugares conhecidos, como o Centro de Artes e a praça central toda iluminada, com seus

dançarinos em movimento.

O que diria Paul, se soubesse onde ela estava? pensou Lacey.

 – Você vai mesmo ficar as duas semanas? – ela perguntou um tanto incrédula.

 – Claro que vou! – afirmou ele.

 – Então tome cuidado com Denice. Aquele casamento não vai muito bem, e você

 pode ajudá-lo a ruir de vez.

Page 34: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 34/123

 – Obrigado pelo aviso – agradeceu Martin.

 – Ela é uma boa moça. – A paixão de Denice por Martin tinha sido patética e

ridícula, mas ainda assim ela era uma boa moça.

 – Ela é uma tola, isso sim – declarou ele, sem a menor pena.

 – Sempre foi.

 – É o que você acha de todos nós, não? Gente de cidade pequena, com mentalidade

de cidade pequena?

 – É assim que você acredita que é? – indagou ele, ainda olhando para fora, e ela

teve a impressão de que cada palavra que diziam agora pesava.

 – Bem, este lugar não foi bastante grande para prender você.

 – Não há nada aqui para me prender. – Meu pai acha que você matou o velho amigo dele...

 – Que velho amigo? – indagou ele, sem compreender.

 – Seu pai.

 – Ele está maluco! – exclamou Martin.

 – De preocupação. Ele me disse que seu pai se preocupava demais com você – 

confidenciou ela.

 – Pode até ser – O rosto dele estava inescrutável, as pálpebras semicerradas. – Eunão estava disposto a continuar com o tipo de negócio dele.

Provavelmente o sr. Jackson queria que Martin também fosse corretor da bolsa.

Mas o jovem tinha suas próprias idéias, e escolheu sua carreira sem interferências. Aquilo

era mais que compreensível. Era impressionante, entretanto, como ouvir coisas tão sérias

não o abalava absolutamente. Se alguém dissesse a ela, anos depois, que com seu egoísmo

tinha apressado a morte de alguém, sentir-se-ia terrivelmente chocada. Mas o pai dela

dissera que ele não tinha coração. – Não fica triste por causa disso? Não tem sentimentos? – indagou Lacey.

Repentinamente tudo ficou em silêncio. Nenhum som das ferragens, nem do motor.

O carrinho, então, balançou fortemente. Algumas pessoas gritaram e ela foi atirada para

cima de Martin. O carrinho continuou a balançar e, de repente, os dois caíram, ele por cima

dela.

Os gritos de Lacey, porém, foram abafados. Com os braços em torno dela, Martin a

 beijava com louca paixão, alheio a tudo lá fora.

Então ele levantou um pouco a cabeça..

Page 35: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 35/123

 – E você? Tem sentimentos? Sentiu isso? – perguntou, desafiador.

Evidentemente, ele não se referia ao defeito mecânico, que tinha feito a roda-

gigante parar. O carrinho agora estava firme, mas o coração dela disparara. Certamente

 perdera a cabeça. Tinha consciência de que teria continuado nos braços dele, boca contra

 boca, mesmo que aquilo tudo tivesse despencado.

Capítulo III

Lacey começou a rir, e não conseguia mais parar.Os dois continuavam juntos, no pequeno espaço entre os bancos, e o braço de

Martin ainda estava em torno do corpo dela. Ele também ria, mostrando o contraste que

faziam seus dentes brancos contra o rosto moreno e bronzeado.

  – Nós costumamos nos amar nos lugares mais absurdos – comentou ele. – 

Poderíamos fazer um filme de sexo em situações de perigo...

Ele estava se lembrando da última vez, da única vez. Ali, todavia, tudo não passara

de beijos, e Lacey procurou se sentar. – O que aconteceu? – ela perguntou.

 – Nada sério– respondeu ele.

Mas era o que Martin pensava. Muita coisa tinha acontecido a ela. Agora sabia que

era vulnerável, que a velha magia ainda funcionava. Tentou sair de perto do rapaz.

 – Isto não faz parte do programa, faz? – indagou ela.

 – Não creio que tenham planejado uma pausa para descanso – disse ele, sério,

enquanto as pessoas, lá embaixo, olhavam, curiosas.Logo um alto-falante comunicou, num tom jovial, para manterem a calma, porque

dentro de alguns minutos eles seriam levados para baixo em segurança.

 – Não há pressa, companheiro – disse Martin, levantando-se.

O carrinho deles estava na parte mais alta.

 – Bem, pelo menos conseguimos os melhores lugares – brincou Lacey. – Bem no

topo. Sente-se bem aqui?

 – Muito aconchegante – respondeu Martin, sentando-se ao lado dela. Havia pipocas

espalhadas por todos os lados mas ainda restavam algumas no saquinho, e Lacey as

Page 36: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 36/123

ofereceu a ele.

 – Pronto. Aqui está a primeira refeição que eu devia a você.

Ele preparou-se para abraçá-la novamente, mas Lacey evitou o contato, ficando em

 pé.

 – Sente-se! – gritou ele. – Está balançando o banco.

Ela sentou-se do lado oposto, encostando-se ao banco. Cruzou os braços à frente do

corpo, as mãos agarrando os antebraços, a fim de resistir à tentação de atirar-se para ele.

 – Não estou sacudindo, não. Não quero sacudir o banco.

 – Tem certeza? – insistiu Martin.

 – Absoluta – confirmou ela, desviando o olhar para a intensa atividade lá embaixo.

O resto das pessoas no parque parecia nem ter notado o problema da roda-gigante. Amúsica ainda tocava alta, e os outros brinquedos pareciam estar funcionando normalmente.

 – Acho que seremos logo salvos. Mas e se o motor estiver mesmo quebrado? É um longo

caminho até lá embaixo. Já vi filmes em que as pessoas são forçadas a pular de carrinho

em carrinho até o chão e acho que eu nunca teria coragem para tal.

  – Escada de bombeiros ou helicóptero? – sugeriu Martin. – Tem alguma

 preferência?

 – Eu daria um belo espetáculo! – Que é que tem? – ele nunca se importara com a opinião alheia.

Sempre fizera aquilo que desejara.

 – Muita coisa – respondeu Lacey, lembrando-se de Paul. Mordeu os lábios, ao

 pensar que ele exigiria uma explicação, difícil de ser dada.

 – Onde arranjou todos estes anéis?

 – Comprei, ora! – ela respondeu, mal-humorada.

 – Venda um para mim, então! – Não iria caber em seu dedo – disse ela. Era verdade que algum talvez coubesse,

 pois Martin tinha dedos finos e fortes. Ela, entretanto, nunca o vira usando anéis. Então,

quando Martin pegou a mão dela e começou a tirar o anel do dedo anular, sua reação foi de

 puxar a mão depressa.

 – Você pode comprar um – reclamou ela. – Conhece o boxe onde comprei. Esteve

nele esta manhã. Poderá até escolher um modelo especial.

Como desejava que aquela coisa começasse a se movimentar! Se ficasse por muito

mais tempo ali com Martin correria o risco de acabar fazendo papel de boba.

Page 37: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 37/123

 – O Centro de Artes vai indo bem?

 – A maioria de nós ganha para viver.

 – Você está feliz, não está?

Ela não respondeu logo, mas poderia tê-lo feito. É claro que estava feliz.

 – Acomodada? Satisfeita? Nunca teve vontade de abandonar tudo e seguir sua

estrela? – investigou Martin.

 – Que estrela? – perguntou a jovem. Desde criança, ela sempre fora indócil. Sua

impaciência, porém, fora refreada logo cedo. Ele era o impetuoso: o mundo era sua casa.

Onde quer que ele estivesse havia excitação e aventura. Lacey riu, tentando evitar que

aquela conversa se transformasse em algo mais sério. – Estou mais perto das estrelas agora

 – disse, olhando para cima –, mais perto do que há muito estive – acrescentou, por fim.Sentia-se mais viva do que nunca. Quando Martin estava perto, seu sangue parecia

circular mais depressa. O simples encontro dos olhos dele com os dela era mais

 perturbador do que poderia ser o contato das mãos de outro homem.

 – Que perfume está usando? – perguntou Martin. O perfume fora presente de Paul,

e era um pouco adocicado. – Não combina com você – comentou ele.

 – Combina, sim. Como é que pode saber o que serve ou não para mim?

 – Eu sei – insistiu ele.Martin percebia com clareza a irresistível atração que existia entre ambos. Nada

espiritual, certamente, apenas puro desejo. A atração que sentia por ela, entretanto, era

aterradora. Lacey, por sua vez, tinha vontade de escorregar suas mãos pelos ombros

daquele homem, por baixo da camisa dele até sentir-lhe os ossos e os músculos sob a pele,

e enfiar os dedos por aqueles cabelos crespos e negros, puxando o rosto dele para perto do

seu. Entretanto, em vez de fazê-lo, pôs-se a falar sobre o Centro de Artes, comentando a

respeito dos donos dos boxes. – Estamos a caminho – disse ele quando, aos poucos, o carrinho começou a rodar 

novamente, parando de tempos em tempos para deixar os ocupantes descerem. Martin

 puxou-a da janela e beijou-a, mais devagar, mais intimamente, e ela pensou, como num

 flash, que ele agora não teria mais tempo para violentá-la.

 – Ficou maluco? – ela murmurou.

  – Nunca me senti mais saudável – ele respondeu. – O carrinho deles seria o

 próximo a parar. Martin segurava o rosto de Lacey entre as mãos, e ela disse:

 – Temos que sair andando, e não despencar de dentro do carrinho, não acha?

Page 38: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 38/123

 – Como você quiser – concordou ele.

Lá embaixo, um fotógrafo do jornal local tirava fotos para a página central sobre o

evento. Ele passara os últimos cinco minutos focalizando a roda-gigante parada. Agora ele

fotografava cada um dos passageiros que saía, e Martin Jackson, uma celebridade, era, sem

dúvida, uma boa pedida. Lacey Allen era também muito conhecida na cidade, e a foto deles

certamente estaria na edição de sexta-feira do Mercury. Brenda Brown, parecendo mais

uma coruja com seus óculos enormes, piscou excitada, e perguntou o que eles haviam

 pensado quando a roda parara de girar.

 – A vista era maravilhosa – disse Lacey. – Não é mesmo, Martin?

 – Fantástica – confirmou ele, sorrindo para a srta. Brown, que retribuiu-lhe o

sorriso e começou a respirar mais depressa. Lacey percebeu, horrorizada, que Martinestava com marcas de batom no rosto, e sabia que ele nem se importaria com isso. Sabia

também que seu vestido estava todo sujo uma vez que caíra entre os bancos, e depois se

arrastara por debaixo do banco de Martin. Embora fosse improvável que esses detalhes

aparecessem na foto, percebera que Charlie Rilke estava rindo de orelha a orelha.

 – Você ficou um bocado abalada, não? – ele perguntou.

 – Demais – respondeu Lacey, tentando fazer uma pose digna.

 – Demorou bem uns quinze minutos até que eles arrumassem tudo. Não teve medode ter que passar a noite lá por cima?

 – Sabe de uma coisa? – respondeu Martin, muito sério. – Nós nem pensamos nisso.

  – Charlie continuava a rir. – Também, com uma vista tão bonita, nem pareceu que

tivéssemos ficado lá em cima tanto tempo.

Todos riram, enquanto mais um carrinho se desocupava, e Lacey fugiu para o meio

da multidão, acompanhada por Martin.

 – Você está com batom no rosto – sussurrou ela para o rapaz. Ele começou aesfregar. – Não, do outro lado. Agora pode me deixar aqui, porque já vou indo para casa.

 – Vou levar você – disse Martin.

 – Não é preciso. – Aquilo não era preciso, nem ela queria, mas também sabia que

não se livraria dele, até fechar a porta de sua casa. Começou a caminhar depressa, de

cabeça baixa, calada, respondendo laconicamente apenas quando ele lhe fazia uma

 pergunta direta.

Cruzaram com amigos e muitos ficaram atônitos.

 – Alô! O que é que vocês dois estão fazendo juntos? – alguém perguntou.

Page 39: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 39/123

 – Desculpe, mas estou com muita pressa – Lacey respondeu. Martin, porém, sabia

que aquilo não era verdade. Ela seguiu adiante, e embora as pessoas tentassem deter o

rapaz ele acabou por alcançá-la.

Pois bem, ele nada ganharia com isso. Ela iria mesmo para casa, que era

 provavelmente o único lugar da cidade onde Martin não era bem-vindo. No portão, virou-

se para ele:

 – Você não pode entrar.

 – Sei disso – respondeu Martin.

 – Então vá embora – pediu ela, entrando e fechando o portão e continuando a falar 

com ele através das grades de ferro. – Eu nunca quis que você voltasse. Tinha um

 pressentimento de que você causaria problemas. Pois bem, não está causando nenhum paramim... E agora, boa noite.

 – Não acredito em você – desafiou ele.

 – Meu Deus! Você é mesmo convencido! – Sabia que ele tinha uma forte atração

sexual por ela. Suspeitava, porém, de que sentia o mesmo por noventa e nove por cento das

mulheres.

Devia ter sido um desafio para Martin que ela fosse a única garota a não demonstrar 

interesse por ele por um longo tempo. Lacey fora na verdade o último troféu que eleconseguira na cidade e aquilo devia ter feito muito bem ao ego de Martin.

Devia ter se divertido, porém, ao pensar em como fora fácil seduzi-la, em como

Lacey Allen entregara-se depressa a ele.

E o pior de tudo é que, depois de cinco longos anos, a velha magia ainda

funcionava. Aquilo mais parecia magia negra! Não, não permitiria que aquele estranho

 poder a escravizasse!

 – Até logo – disse Martin, afastando-se do portão. – Não! – exclamou ela, se contradizendo intimamente.

 – Sim. – Ele olhou por cima do ombro, firmemente, e ela teve vontade de gritar 

“não” outra vez. Odiava-o. Realmente odiava-o.

Entrou em casa, fechando com cuidado a porta pesada. Estava certa de que não

conseguiria enfrentar seu pai naquele instante. Ele ia querer saber onde Paul estava, e não

 poderia explicar o que tinha acontecido. Amanhã tudo seria mais fácil.

Pela janela aberta, podia escutar o som longínquo do parque, e ver o brilho das

luzes no céu. O baile da praça prosseguiria até meia-noite. Lacey fechou a janela e puxou

Page 40: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 40/123

as cortinas.

Se tivesse certeza de que Paul estava em casa, poderia ir até lá.

E se dissesse a Paul: “Ele está atrás de mim. É por isso que eu não: queria que ele

voltasse. Durante anos, nós nos enfrentamos como adversários. Na última noite em que

 passou aqui, porém, nós nos tornamos amantes. Sei que isto é uma coisa incrível, mas foi

tudo tão maravilhoso, que eu mal podia acreditar. Depois, ele foi embora. Nunca

escrevemos um ao outro, nem telefonamos, e nunca mais nos vimos. Aquele ato de amor 

foi uma espécie de despedida, e eu pensei que o tivesse esquecido. Quando chego perto

dele, porém, sinto-me enlouquecida. Sei que não é amor. É a você que eu amo, estou certa

disso. O que sinto por ele é loucura!”

Se Lacey dissesse um décimo disso a Paul, o perderia para sempre. O que ela sentia por Martin não era mais do que um entusiasmo passageiro, o mesmo que a pobre Denice e

tantas outras. Martin Jackson tinha um apelo sexual poderoso, chegava a ser um crime. Ele

deveria ser preso. Solto, assim, era perigoso demais!

Lacey acendeu as luzes. Livrou-se dos sapatos e sentou-se na cama, as mãos

abraçando os tornozelos, queixo nos joelhos. Esperou até que seus olhos se acostumassem

à escuridão, e ela pudesse se movimentar no quarto, sem esbarrar em nada. Permaneceu,

entretanto, imóvel. Ficou ali sentada, lembrando-se de uma noite bem mais escura do queaquela.

Era verão, fazia calor, como agora. A temperatura, porém, estava mais quente,

opressiva. Todos esperavam que o tempo mudasse, mas o céu continuava azul, dia após

dia. Naquela noite, no entanto, as nuvens começaram a se formar, ocultando as estrelas. O

ar estava pesado e parado, e trovões roncavam, como feras rosnando.

Laurence Allen tinha ido passar o dia em Londres e voltara cansado, indo

diretamente para a cama. Lá embaixo, tia Helena trabalhava em sua tapeçaria. Aquelesempre fora seu hobby e naquela noite ela bordava um pássaro do paraíso, com penas cor 

de púrpura e cereja, que ficara pendurado, por muito tempo, na parede de uma das salas de

estar.

Lacey procurava sentar-se sempre de costas para ela.

Depois do jantar, com a tapeçaria ainda pela metade, a tia manejava a agulha sem

 parar e Lacey conversava com ela. A jovem tentara ajudar, mas acabara desistindo. Estava

acabando de ler um romance, mas não estava muito interessada nele. Sentia-se também

 propensa a desistir de seu curso de arte, mas não sabia se era isso mesmo que queria.

Page 41: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 41/123

Estava com dezenove anos e ansiava por conhecer alguma coisa do mundo lá fora.

Seu pai não sabia de suas idéias. Era tia Helena quem sabia das intenções da

sobrinha, e que agora ouvia seu desabafo, enquanto bordava. Quando Lacey acabou de

falar, tia Helena comentou, controlada.

 – Sou uma mulher velha. Não viverei muitos anos mais, e seu pai vai precisar muito

de você.

Lacey fora educada assim e, talvez, aquela sensação de que a vida estava escoando

 por entre seus dedos fosse uma depressão passageira. Acreditava amar o pai tanto quanto

tia Helena, e amava a tia, igualmente.

 – Vou tentar mais um semestre – disse Lacey. – Vamos ver como estarão as coisas

na época do Natal. Naturalmente eu não sei fazer muita coisa, a não ser cuidar da casa. – Um gênio na família já é o bastante – concluiu tia Helena, agora sorrindo mais

calma, e Lacey sabia que nunca teria coragem de abandoná-los. Ela preparou um leite para

as duas, e depois desligaram a televisão, porque tia Helena sentia-se apreensiva quando

havia ameaça de tempestade, e a que se formava certamente não demoraria muito a

desabar.

Lacey queria que chovesse. Seus nervos estavam tensos, e aquela elegante sala de

estar, com tia Helena e sua tapeçaria, e até mesmo a música suave pareciam sufocá-la.Fechou o livro.

 – Acho que vou para a cama – anunciou.

 – Vou ficar um pouco mais – disse a tia, enquanto pegava uma meada de linha de

seda verde-escura. Seus olhos eram vivos e espertos. Ela podia ter que tomar pílulas para o

coração, mas não precisava de óculos para tirar do caminho qualquer coisa que pudesse

atrapalhar o conforto de Laurence Allen. Ela acreditava piamente que a felicidade de Lacey

estava em tomar conta daquela casa, a fim de que o pai continuasse a pintar tranqüilamenteseus quadros.

Chegando à porta do quarto, Lacey mudou de idéia. Nas pontas dos pés voltou,

desceu as escadas e saiu da casa. Sentia-se oprimida. O ar estava tão úmido e pesado, que

ela mal conseguia respirar. Lá fora não estava muito diferente. As ruas estavam vazias. Ela

 parecia ser o único ser vivo naquela cidade.

Andou a esmo, até passar pela casa dos Jackson, que ficava a uns cinco minutos da

sua. Era uma casa em estilo georgiano, de três andares, que dava diretamente para a rua.

Havia na janela um cartaz anunciando que a residência estava à venda. Courtney Jackson

Page 42: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 42/123

morrera há quatro meses, e na semana anterior houvera um leilão para vender o que havia

dentro da casa. Lacey aproximara-se da porta e de repente esta se abrira e Martin

aparecera. Quase dera um encontrão nela. Os dois se tinham afastado e depois se olhado,

frente a frente.

 – O que você está fazendo? – perguntara ele.

 – Andando – respondera Lacey, petulante. – Não existe lei que proíba isto, existe?

 – Que eu saiba, não – respondeu ele.

 – Sinto muito – exclamou Lacey, olhando para o cartaz da janela. Ela não fora ao

leilão, mas sabia que muita gente tinha ido.

O que ele estaria fazendo naquela casa vazia? Puseram-se, então, a caminhar lado a

lado, pelas calçadas desertas. – Vai a algum lugar em particular? – perguntou ele.

Ela sacudiu a cabeça negativamente.

 – E você vai? – indagara Lacey.

 – Vou dar uma volta pelos montes – dissera Martin.

 Nada mais fora dito. Abandonaram a rua e pegaram um atalho, em direção aos

campos em volta da cidade. Lacey não parecia tomar conhecimento do rapaz, nem ele dela.

Houve um momento em que tropeçou no chão irregular e, apesar de próximo a ela, Martinnão chegou a fazer qualquer tentativa, no sentido de ampará-la.

Cada um estava mergulhado em seus próprios pensamentos. Não havia troca de

 palavras, nem qualquer tipo de contato físico entre eles. Poderiam ter andado e depois

voltado, sem trocarem uma única palavra durante o trajeto.

Os trovões estavam cada vez mais fortes, e os relâmpagos cortavam os céus. No

topo de um monte, olhando para uma encosta de pinheiros, Lacey parou. Sua cabeça

latejava, e sentia o peito apertado, como se estivesse preso entre paredes de aço. Era uma prisioneira, pensou. Vivia numa gaiola. Seu pai era um artista e ela não era mais que sua

filha.

Um som semelhante a um soluço saíra do peito da jovem, embora fosse apenas uma

tentativa de respirar melhor.

 – O que há? – perguntara Martin.

 – Nada – respondera Lacey.

 – Então o que é isso? – indagara ele, passando a palma da mão no rosto dela, e

sentindo que estava molhado de lágrimas.

Page 43: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 43/123

 – Está chovendo – explicara ela. Sentia as lágrimas escorrendo e as mãos dele em

seus ombros. Inclinou a cabeça para trás, e, milagrosamente, uma gota caiu sobre seu nariz.

 – Mas que palpite certo! – caçoara ele. No instante seguinte estavam abraçados e

riam, enquanto os céus desabavam sobre eles.

 – Devemos estar malucos em vir para cá! – dissera Martin rindo.

Era como estar debaixo de uma cachoeira, e Lacey sentia uma alegria intensa...

 – Não é maravilhoso? Não me incomodo de me molhar toda – exclamara ela.

A chuva começava como que a dissolver suas lágrimas e seu desespero. Sentia-se

livre. Martin sorrira e ela retribuíra aquele sorriso.

 – Você é uma menina doida! – exclamara ele.

 – Eu, doida! De quem foi a idéia de vir passear pelos montes?Martin estava usando um abrigo cinzento. Abrira o zíper, tirara o casaco e o

colocara sobre as costas de Lacey, embora as roupas dela já estivessem encharcadas. Em

seguida, correram morro abaixo. Naqueles tempos houvera ali uma cabana, ainda com teto

e porta. Estava abandonada, cheia de buracos, mas protegida sob as árvores. Eles

decidiram correr para lá, à procura de abrigo. O chão era de turfa, macio. Além disso ali

dentro estava quente, e a chuva não conseguiria alcançá-los.

Lacey usava um blusão fino de algodão indiano, que ficara encharcado, mesmoantes de Martin tê-la protegido com seu abrigo. A camisa de Martin estava grudada ao

corpo, e os cabelos despenteados e armados. O mesmo acontecera aos cabelos dela.

 – Você tem cabelos como os meus – comentara ela. – Não são uma amolação?

 – Fica bonito em você – dissera ele, enquanto a despenteava mais, fazendo uma

onda de prazer percorrer-lhe a espinha de cima a baixo.

Lacey sentou-se, subitamente trêmula. Martin acomodou-se ao lado dela,

aconchegando-a em seus braços, e fazendo-a apoiar a cabeça nos seus ombros.Tudo parecia, então, renovado e fácil. Seus problemas não mais insolúveis. Sentia-

se forte e confiante, falando, falando e falando. Ela sempre soubera que Martin Jackson era

 boa companhia. Entretanto, nunca estivera sozinha com ele antes. Apesar disso, estar ali,

agora, parecia a coisa mais natural do mundo, e ela percebeu que sua velha desconfiança

em relação a Martin tinha desaparecido.

Ele contara a ela sobre Cambridge. Já haviam lhe oferecido um emprego na

televisão, assim que conseguisse o diploma. Ela contara a Martin sobre seu curso de arte.

 – Ouvi dizer que você é o símbolo sexual deste ano –, gracejara ele.

Page 44: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 44/123

 – Pois é o que ouvi dizer de você também – replicou Lacey. – Não param de falar 

em você – continuara ela, levantando os olhos, encantada com aquele rosto másculo e

expressivo, tão diferente dos outros que conhecia.

 – Temos um bocado em comum, não temos? – dissera ele. – Além do mesmo tipo

de cabelo.

 – Oh, somos iguaizinhos – respondera ela, irônica. – Poderíamos até ser irmãos...

Os olhos de Martin eram de um tom azul-claro, luminoso e brilhante, enquanto que

os de Lacey eram azul-acinzentados. Suas bocas também eram bem diferentes: a dele dura

e firme, a dela macia e carnuda. Lacey não conseguia tirar os olhos dos lábios de Martin.

 – Não irmãos – dissera ele. Parentes distantes, talvez. Era estranha a sensação de

afinidade que Lacey sentia por ele, juntos ali naquela cabana, enquanto a tempestadedesabava violenta lá fora. Era como se ele fosse o melhor amigo que ela pudesse ter.

Um trovão especialmente violento os fez tremer, e depois os dois riram, e ainda

rindo ficaram subitamente calados. Martin começou, então, a tocar nela, os dedos

deslizando suavemente pelas sobrancelhas, faces, lábios e depois por baixo do algodão

ensopado. Fazia-o, todavia, com muito cuidado, como se não tivesse certeza de que ela era

um ser humano real.

O toque provocara nela sensações tão intensas, que nunca imaginara poder sentir.Instintivamente, seus braços se abriram, e ela o abraçou ardentemente, e enquanto se

 beijavam Lacey puxou o rapaz para si. Não houvera nenhuma hesitação. Nada parecera tão

incrível do que aquela força irresistível, que os levara cada vez mais além, até o clímax de

 prazer fora do tempo e do espaço.

Lembrava-se, em seguida, do obscurecimento dos sentidos, do aconchego no chão

macio de turfa e, novamente, da sensação que a presença dele lhe causava; a certeza de que

nunca mais se sentiria só.Ela adormecera e acordara nos braços de Martin. Ao abrir os olhos, a presença dele

a seu lado não a surpreendeu.

 – Bom dia – dissera Lacey em voz sonolenta.

  – Ainda não – respondera Martin. Estava escuro ainda, embora o rosto dele

estivesse muito claro. Lacey sentia o calor do corpo dele, o coração bater apressado.

 – Parou de chover? – perguntara ela.

 – Um pouco – dissera Martin. – Já parou algumas vezes, mas depois tornou a

recomeçar.

Page 45: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 45/123

 – Tenho que voltar para casa – anunciara Lacey, sentando-se.

 – Eles sabem que você saiu? – indagara ele.

 – Espero que não – respondera ela. – Que horas são?

Se tia Helena tivesse ido até seu quarto, a esta altura todos deviam estar 

alvoroçados.

 – Quase três – informara ele. – Escute, vou ter que partir amanhã bem cedo... ou

melhor, hoje. Mas telefonarei a você.

 – Sim – concordara ela. Procurara os sapatos e a roupa na turfa e se vestira. – Meu

Deus – murmurara aflita –, tomara que não tenham sentido a minha falta.

Recomeçara a chover, enquanto eles corriam pelo campo, de volta às suas casas.

Mas não era mais como o terrível temporal de antes, mas uma chuvinha fraca e gelada.Eles agora caminhavam juntos, e ao chegarem à casa dele, Lacey afirmou:

 – Posso ir sozinha daqui.

 – Não, levarei você até em casa – insistiu Martin.

Ela rezava para que as luzes não estivessem acesas. Apesar, da casa ficar num lugar 

alto, com a chuva e as árvores era difícil enxergar dali. Até alcançarem o portão, ainda não

tivera certeza. Quando chegaram lá em cima, estava ofegante.

 – Parece que está tudo calmo – constatara, aliviada. – Adeus. – Adeus, Lacey.

Durante algum tempo, aquele fato fora guardado como um doce segredo. Aliás,

continuava sendo um segredo. Pelo menos ela nunca contara a ninguém e acreditava que

Martin também não o tivesse feito. Nunca o menor comentário sobre aquela noite chegara

até ela.

O dia seguinte fora cheio de encantamento e alegria contagiantes.Sentira-se profundamente feliz, e durante a noite sentara-se ao lado de tia Helena,

esperando o telefone tocar. O aparelho tocou uma ou duas vezes, mas em nenhuma delas

fora Martin. Lacey permaneceu acordada até depois da meia-noite assistindo televisão,

fingindo-se interessada em ver um velho filme.

Martin, entretanto, não telefonou. Fora fácil arranjar desculpas na primeira noite,

mas não tão fácil na segunda. Na terceira, então, ela mal podia escutar o barulho da

campainha. Seu desapontamento era grande demais. Tia Helena estava preparando um

 bazar, e suas amigas não paravam de telefonar.

Page 46: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 46/123

Certa vez Denice contara-lhe que ficara esperando inutilmente um telefonema de

Martin Jackson; agora era a vez dela. Lá pelo fim de semana, tivera certeza de que ele não

a procuraria mais.

As férias se acabaram e ela voltou ao curso de arte. Por um bom tempo ainda,

 procurou na caixa do correio, esperando encontrar um envelope com uma letra que não

conhecia. Não recebeu, entretanto, sequer um cartão-postal.

A casa dos Jackson fora vendida logo e ele não voltara a Chadsford para o Natal...

Embora Lacey soubesse que Martin não voltaria, sabia também que mantinha contato com

velhos amigos. Tinha notícias dele por pessoas que nem de leve imaginavam o que tinha

acontecido naquela última noite. Depois de algum tempo, ele começara a aparecer na

televisão, nos programas de noticiário. Era um bom profissional, agradara imediatamente,e começara a subir na carreira.

Tinha sucesso em tudo, e Lacey acabou esquecendo aquela noite.

Raramente pensava nele agora. Antipatizara com Martin durante anos, e nada

acontecera para mudar aquela opinião. Não queria vê-lo, nunca mais. Sua vida continuava

monótona e boa. Tinha agora o Centro de Artes e dois homens que a amavam: seu pai e

Paul. Aquilo bastava para uma pessoa se sentir feliz. Martin nunca tivera interesse em

voltar e vê-la outra vez, mas o festival o trouxera de volta, e agora ele tentava tumultuar sua vida tranqüila, sem outra razão senão seu irresponsável desejo de fazê-lo.

Lacey acendeu a luz e viu seu rosto refletido no espelho. Ele dissera que ela não

tinha mudado, mas era evidente que tinha. Afinal, cinco anos haviam se passado. Eram

centenas e centenas de dias e noites! Será que ele tinha resolvido fazer de conta que não

tinha partido e tentava recomeçar o caso do ponto onde tinham parado?

Era possível que Martin ansiasse pelas emoções da conquista, mas não por um

relacionamento duradouro. O rosto dele estava manchado de batom, e alguns amigos comquem tinham cruzado deviam ter reparado nisso. Além disso, aqueles que não sabiam que

Lacey ficara presa na roda-gigante com Martin logo ficariam sabendo, e teriam que levar 

tudo na brincadeira, especialmente para não constranger Paul.

O dia seguinte seria difícil. Lacey tomou um banho e foi se deitar.

Mesmo depois que toda a música tinha cessado, aquele ritmo continuava pulsando

em sua cabeça....

De manhã, teve que passar mais blush,  para parecer corada e esconder as olheiras.

Serviu o café da manhã ao pai, como de costume.

Page 47: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 47/123

Ele folheava os jornais dominicais naquele momento, e ela não teria mais tempo

 para explicações. O sr. Allen ficaria aborrecido em saber que ela estivera na companhia de

Martin, depois de tudo o que tinha contado a ela sobre ele. Mais tarde, porém, ela tentaria

convencê-lo de que tudo o que fizera fora dar uma volta com ele na roda-gigante. Não

havia razão para grandes cenas.

 – Divertiu-se ontem? – perguntou o pai, distraidamente, sem levantar os olhos do

 jornal.

 – Sim – disse ela. O pai não estava de fato escutando o que ela dizia e limitou-se a

responder um “bom, bom”... Lacey gostaria de saber se ele continuaria dizendo aquilo se

lhe contasse exatamente o que acontecera: “Eles puseram a roda para funcionar outra vez,

enquanto eu estava sendo beijada lá em cima”.As coisas estavam começando a se animar. O dia amanhecera novamente

ensolarado. Os lojistas já abriam suas lojas e alguns turistas passeavam pelas ruas. Lacey

foi até a casa da sra. Bowden, antes de descer até o Centro, para buscar Jet. O cachorro era

sempre seu apoio, pelo menos não precisaria explicar a ele sobre a noite da véspera, como

teria que fazer a Paul. O namorado já fora bastante crítico quando ela resolvera dançar na

  praça. Quando soubesse que sua querida Lacey dera um outro espetáculo, mais

desagradável ainda e em companhia de Martin Jackson... Charlie Rilke tivera o cuidado detirar uma foto do casal e, além disso, conseguira declarações deles.

Aquilo era motivo de sobra para deixá-lo emburrado pelo resto da semana. Lacey

 precisava dele; em todo caso, buscaria Jet, para fazer-lhe companhia naquela manhã.

 Não escutou os costumeiros latidos do cão ao bater na porta de trás da casa da sra.

Bowden. A mulher abriu-a imediatamente, ainda com bobbies nos cabelos grisalhos.

 – O jovem Martin já o levou – explicou ela, sorrindo, como se aquela fosse uma

 boa notícia. – Ele me disse que veio buscá-lo para você. – Bem, eu não pedi... – Lacey começou a dizer. Depois sorriu: – Está bem, muito

obrigada. Eu o trarei mais tarde.

 – Quem? – perguntou a sra. Bowden, confusa.

 – Jet, é claro.

 – Ora, pensei que estava falando de Martin. – disse a velhota, sorrindo. – Ele é um

 bom rapaz. tomamos chá juntos. Eu lhe disse que sempre assisto aos programas dele, e que

gosto muito. – Depois ficou séria: – Ele vai a lugares muito perigosos, não?

 – É o trabalho dele – argumentou Lacey. – Ele sabe se defender.

Page 48: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 48/123

“Espero que saiba”, pensou, embora não fosse de sua conta. Não pedira a ele que

fosse buscar Jet, o que queria dizer que ele a estaria esperando ou que passaria logo pelo

Centro. Era muito cedo para começar a enfrentá-lo, não tinha forças ainda.

Entrou no Centro de Artes por Uma porta lateral. Quase todos os donos de boxes

estavam lá. Já era mais de nove horas, e Martin estava na sala de trabalho de entalhamento

de madeira, conversando com Anton, um homem que fazia e consertava violinos. Martin

segurava um violino nas mãos. Jet deu um latido ao ver Lacey chegar e, Martin ergueu o

olhar. Conversou então mais um pouquinho com Anton e seguiu atrás de Jet.

 – Traidor! – exclamou Lacey, dirigindo-se ao cão – Saindo com um estranho, não

é? Por que não esperou por mim?

 – Eu expliquei a ele a situação – disse Martin. – Explicou a ambos, não foi? – indagou ela. – A Jet e à sra. Bowden?

 – Mas claro – respondeu Martin sorrindo como se fossem muito bons amigos. Em

volta deles, as pessoas também sorriam. Provavelmente o incidente da roda-gigante já era

do conhecimento de toda a cidade, e ela precisava tratar o caso como se fosse uma piada,

 pois de fato, não passava disso mesmo.

“Tudo depende de mim”, pensou ela: “Conheço os riscos e o preço. Poderia ter a

companhia dele durante algum tempo, mas sei onde isso me levaria. Passadas as duassemanas ele iria embora, e eu teria ferido Paul terrivelmente e causado a mim mesma um

mal irreparável. Portanto, é melhor parar por aqui.”

Mas Martin não a perseguiu. Na verdade nem chegou perto dela.. Ele era a maior 

atração do Centro naquela manhã, pois quase todo mundo que entrava lá o reconhecia.

Posou para que seu perfil fosse desenhado por um artista, fazendo com que uma pequena

multidão se juntasse para assistir ao desenrolar do trabalho. Ajudou em vários boxes,

carregou, transportou e foi levado embora, lá pelo meio-dia, pela sra. Pomeroy, uma damagorda e exuberante, a fim de que pudesse entregar os prêmios num concurso de cachorros.

 – Não sabíamos que você ia ficar – disse a mulher, toda sorridente. – Mas será

maravilhoso, meu caro rapaz, se ficar mesmo. Vai poder nos ajudar muito!

A sra. Pomeroy fora a amiga a quem tia Helena presenteara com a tapeçaria da

famigerada ave do paraíso.

 – Estou às ordens –, respondeu Martin. Depois, sorrindo para Lacey, perguntou: – 

Posso levar Jet comigo?

Jet estava deitado em sua cama, no boxe de Lacey, e a sra. Pomeroy deu uma

Page 49: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 49/123

gostosa risada.

 – Ótima idéia! Ele pode concorrer; existe um prêmio para cachorros que nunca

conseguiram nada. Ele nunca ganhou prêmios, ganhou?

Jet era vira-lata e aquela pergunta fora inútil.

 – Não – confirmou Lacey.

 – E existe também um prêmio para o cachorro mais feio – acrescentou a mulher.

 – Acho melhor Jet ficar aqui, se não se importa. Não quero que ele fique com

complexo de inferioridade – disse Lacey sorrindo, decidida, porém, a não deixar que o

cachorro saísse dali.

 – Costuma passear com ele à noite? – perguntou Martin.

 – Não – disse ela. – Vai passear hoje? – indagou ele, mais uma vez.

 – Não, por quê? – respondeu ela.

 – Então encontro você mais tarde – disse ele, na frente, de todo mundo, antes de

sair com a sra. Pomeroy.

 – Pensei que vocês dois nem podiam se ver – brincou Maisie.

 – Um bocado de água rolou por baixo da ponte – argumentou Lacey, tentando

 parecer despreocupada. Tinha que manter uma atitude leviana, como se entre os doisestivesse havendo um flerte ligeiro e sem conseqüências. Na verdade, era isso mesmo que

tudo significava para Martin, embora ela, pessoalmente, se sentisse cada vez mais

ameaçada.

  – Vá contar pra outro – caçoou Porteus. Paul acabara de subir as escadas.

Provavelmente cruzara com Martin, a sua expressão não era nada agradável. Era hora do

almoço, e Lacey pretendia ligar para o namorado. Pela cara fechada dele era evidente que

 já sabia do que tinha acontecido na roda-gigante. – Alô – cumprimentou ela.

 – Alô – respondeu Paul, controlado. – Tem muita gente por aqui. – Depois, olhando

em volta, perguntou com cuidado: – Onde foi que você se encontrou com ele, na noite

 passada?

 – Lá no parque mesmo – respondeu Lacey.

 – Não tinha combinado se encontrar com ele, tinha? – indagou Paul.

 – Claro que não! – esclareceu ela.

 – Não confio nele – disse Paul.

Page 50: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 50/123

 – Encontrei-o por acaso e fomos dar uma volta na roda-gigante... – contou –, mas

tenho certeza de que já sabe tudo sobre isso. Depois fui para casa.

 – Não sozinha, suponho.

 – Direto para casa e, como você bem sabe, Martin não é bem-vindo lá – respondeu

ela.

 – Vamos almoçar?

 – Hoje estou muito ocupada, não vou almoçar – declarou ela, que não queria

continuar com aquele assunto.

 – Está bem – concordou ele, que parecia determinado a não perder a calma. – 

Continuo convidado para o jantar?

 – Hoje à noite? Sim, claro que sim. – Aquela seria outra refeição em que nãosentiria apetite, pensou. Teria que comer entre Paul e o pai. – Na hora de sempre –,

acrescentou ela, por fim.

 – Sinto muito – desculpou-se Paul, depois de uma leve hesitação. – Mas Charles me

disse que quando você saiu do carrinho com Jackson, parecia... bem, muito desarrumada.

Lacey poderia matar Charles, mas estava com pena de Paul.

 – Você teria saído da mesma forma. O carrinho balançou loucamente antes de parar 

 – argumentou ela. – Ele não tentou nada? – perguntou o rapaz.

 – Claro que não! – respondeu ela, surpresa em ver a facilidade com que conseguia

mentir.

 – Mas vai! – continuou Paul.

 – Então vai se dar mal, pois não tem chance comigo – retrucou ela.

Alguém pediu uma das aquarelas e, enquanto Lacey fazia a venda, Paul se afastou.

Maisie olhava para ela, pensativa. – Querem vir jantar conosco esta noite? – perguntou Lacey,

 pensando em evitar assim que seu pai e Paul insistissem em conversar sobre

Martin.

 – Obrigada, iremos com prazer – respondeu Maisie, percebendo que o convite era

um pedido de SOS. Ela vira quando Lacey e Martin saíam do carrinho, na véspera, e ela

não estava rindo, absolutamente.

 – Mas existe alguma coisa no ar entre vocês, não?

 – Não! Nós apenas nos encontramos no meio da multidão. Devo admitir que até

Page 51: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 51/123

que foi engraçado, mas só isso! – assegurou ela.

 – Se você insiste... – disse a amiga, pondo um fim à conversa.

Maisie era uma boa amiga. Lacey poderia ter dito a ela: “Sim, ele está atrás de

mim, e eu estou com medo de perder a cabeça porque me sinto terrivelmente atraída por 

ele. Um envolvimento entre nós, entretanto, estragará tudo entre Paul e eu, portanto nada

deve acontecer”.

Maisie não abriria a boca, e ficaria por perto, a fim de evitar que ela e Martin

ficassem sozinhos. Então por que ela negara tão veementemente tudo? Talvez fosse porque

lá no fundo de seu coração ainda não tivesse decidido o que iria fazer, agora que Martin

estava de volta.

Capítulo IV

Lacey saiu do Centro de Artes meia hora antes do fechamento. Tinha que preparar o

 jantar, mas das cinco horas em diante esperara apreensiva que Martin voltasse.

O Concurso de Cachorros já devia ter terminado a esta altura. As pessoas tentariamsegurá-lo, mas Lacey sentia que logo que ficasse livre ele estaria de volta. Ela, porém, não

tinha a intenção de vê-lo naquela noite.

Precisava levar Jet de volta antes de ir para casa. Não queria criar mais este tipo de

 problema com o pai agora. Já tinha preocupações demais.

 – Sozinha? – perguntou a sra. Bowden, maliciosamente, quando ela atravessou o

 portão, apressada. – Já soube que esteve com ele ontem, na roda-gigante...

 – É verdade – disse Lacey, sem se deixar abalar. – Mas hoje ele está com a sra.Pomeroy.

Despediu-se, e foi para casa pensando que seu pai não seria uma parada tão fácil

quanto a boa sra. Bowden. Ele iria querer uma explicação pela sua atitude, sua própria

filha, passeando com um homem que ele considerava quase um assassino. Entrou pelos

fundos da casa, e deu um grito de alegria ao ver um lindo buquê de rosas vermelhas na

soleira da porta. Provavelmente fora Paul, como uma oferta de paz. Pegou as flores e

cheirou-as. “Sou uma moça de sorte”, pensou.

Seria uma loucura jogar tudo fora por causa de uma aventura inconseqüente.

Page 52: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 52/123

Antes de qualquer coisa, foi tratar de suas rosas, para que durassem durante toda a

quinzena do festival. Cada vez que sentisse vontade de ser beijada por Martin, olharia para

as rosas de Paul. Levou-as para a sala, arrumando-as num lindo vaso chinês de opalina

verde. Ajoelhou-se novamente em frente às rosas para sentir mais uma vez o perfume,

antes de ir para a cozinha cuidar do jantar.

Talvez devesse telefonar a Paul agradecendo. Chegou a levantar o fone do gancho,

mas a voz do pai a interrompeu.

 – Lacey – disse ele. – Quer por favor subir até aqui?

Ela subiu ao ateliê, com as enormes janelas dando para o sul, sabendo que a hora de

 prestar contas chegara. Na sua idade, não tinha cabimento levar um pito, mas o pai sempre

soubera como fazê-la sentir-se culpada.Lacey tomou a iniciativa e começou a falar:

 – Posso imaginar por que está zangado, mas não entendo por que está fazendo tanto

 barulho.

 – Que eu saiba não estou fazendo barulho nenhum – falou Laurence Allen, e ela se

lembrou do que Paul lhe dissera: “Eu não pressiono”. Talvez nenhum dos dois a

 pressionassem, mas que estavam conseguindo fazê-la sentir-se pressionada, isso estavam!

 – Mas o que não consigo compreender – continuou o pai – É como acabou semetendo com Martin Jackson, uma vez que saiu daqui com Paul!

 – Fui ao parque de diversões sozinha – explicou ela. – Paul não gosta.

 – Pois mostra muito bom gosto! – afirmou o velho Allen.

 – Foi lá que encontrei Martin. E começamos a conversar – continuou ela. – Sei que

você não gosta dele... eu antes também não gostava. – Imediatamente ela estremeceu

diante do que dissera. “Não gostava.” Mas de fato ainda não gostava, pois atração física era

uma coisa diferente de gostar. – Foi somente uma volta na roda-gigante, pelo amor deDeus! Eu não fugi com ele.

 – Estou desapontado com você – disse o pai. – Sabe minha opinião sobre o jovem

Jackson, e mesmo assim ficou sozinha com ele, uma hora depois de tudo o que eu contei a

você.

Eles não estavam sozinhos, por Deus, a não ser naquele carrinho avariado, com

todo parque e a cidade a seus pés.

 – Que ele matou o pai dele? – perguntou ela, sem rodeios. – Pois bem, não acredito

nisso. Para ser sincera, nem sei por que o pai iria morrer de preocupação por causa de

Page 53: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 53/123

Martin, quando ele conseguiu mais sucesso do que qualquer um, nessa cidade.

 – Porque ele é egoísta, não liga para ninguém, só para si mesmo – argumentou o

velho.

 – Por aqui existem vários, como ele – disse ela, e embora Laurence Allen não

achasse ser esse o seu caso era a ele que Lacey se referia.

 – Você tem um rapaz maravilhoso como Paul e espero que não o faça sofrer.

Sim, ela faria tudo para agradar Paul, naquela noite. Seria meiga e carinhosa,

 prepararia uma deliciosa refeição e poria velas na mesa. Pensou novamente nas rosas e

sorriu. Martin era uma espécie de loucura, enquanto que Paul era a sanidade e a realidade.

Decidiu que teria uma conversa sobre Martin com Maisie.

 – Paul está ficando com ciúmes dele – ela diria. – E como Martin sempre teve umsenso de humor meio maluco, eu ficaria grata se você não saísse do meu lado, caso ele

apareça novamente no Centro.

  Não diria nada sobre sua atração por Martin. Seria melhor nem pensar mais

naquilo. Em todo caso, se tivesse que dizer alguma coisa, diria que tudo não passava de

 pura atração física.

Seu pai não desceu enquanto ela preparava o jantar e arrumava a mesa. Não era

uma festa, e ela não precisaria se vestir formalmente. Escolheu um vestido branco, do qualPaul gostava muito. Pôs um pouco do perfume, o mesmo que Martin dissera não combinar 

com ela. Irritada, acabou tomando um verdadeiro banho com o perfume.

Estava sentada escovando os cabelos, sorrindo, até que Martin veio novamente à

sua lembrança. Levou algum tempo até conseguir sorrir de novo, zangada consigo mesma

 por ter se abalado tanto pelo simples fato de alguém dizer que não gostava de seu perfume.

Mas a verdade é que agora ela também não achava a fragrância tão agradável quanto antes.

Lavou as mãos, até que o cheiro diminuísse. “Martin está me assombrando”, pensou irritada. Em seguida, foi até a sala olhar novamente suas rosas, para se lembrar de

Paul. O velho Laurence estava sentado na sala, em sua cadeira favorita, com um copo de

xerez na mão.

 – Estamos esperando visitas? – perguntou o pai.

 – Paul, Maisie e Porteus. Não há nenhum problema com eles, há? – indagou.

 – Claro que não. Você pode convidar quem quiser – disse ele.

Ela sempre tivera o hábito de convidar pessoas para irem à sua casa. Às vezes o pai

não lhes fazia companhia, mas nunca se irritava. Somente Martin era tabu naquela casa.

Page 54: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 54/123

Lembrou-se de que deveria estar cozinhando as quatro refeições para ele, se é que queria

que o microônibus recebesse a generosa contribuição.

  – Preparei um jantar delicioso – anunciou ela, indo para a cozinha cuidar dos

últimos preparativos. A campainha tocou, e Lacey correu para atender. Era Paul. Lacey

estendeu as mãos para ele e se atirou em seu pescoço.

 – Obrigada – disse ela.

Ele retribuiu seu abraço.

 – Obrigada de quê? – indagou ele, claramente sem compreender a razão daquele

agradecimento. Um verdadeiro turbilhão pareceu girar em sua mente. Se as rosas não eram

de Paul, então...

 – Maisie e Porteus devem chegar a qualquer momento – disfarçou ela, mudando deassunto. – Venha tomar um xerez com meu pai. Ele aprecia você de um modo especial.

Paul a seguiu até a sala, um pouco confuso, e Laurence Allen o recebeu

amavelmente, ignorando Lacey. Paul nem sequer olhou para as rosas, e ela sabia agora que

não tinha sido ele quem deixara o belo ramo em sua porta. Maisie, entretanto, reparou.

Lacey os fez entrar, e logo Maisie sentiu a atmosfera. O sr. Allen nunca fora o que

se costuma chamar de homem alegre, mas naquela noite ele estava constrangedor.

 – Mas que lindas as suas rosas! – exclamou Maisie, abaixando-se para cheirá-las. – E que perfume!

 – Não sei não – disse Porteus, que cheirou-as e espirrou em seguida. – Parece que

minha febre do feno voltou.

Porteus seria o vilão de  Doce Alice no dia seguinte, e embora nenhum dos papéis

fosse representado a sério Porteus tinha ensaiado o seu cuidadosamente. Um resfriado

naquele momento seria mesmo uma pena.

 – Não sei não – disse Lacey. – Talvez fique até mais engraçado. – E ela disse umadas falas dele como se estivesse de nariz tapado, torcendo bigodes imaginários: – “Venha

 binha benina, o tempo de ser bodesta já passou.”.

 – Estou gostando – disse Porteus, e os outros riram. Se Porteus não pudesse fazer 

sua parte, ele teria um substituto. O único que permaneceu sério foi Laurence Allen, que

ficou assim por toda a noite.

A comida estava deliciosa, e Porteus comeu com apetite, para desespero de Maisie,

interessada em que ele fizesse regime.

Os dois sustentaram a conversa à mesa, e Paul parecia calmo e satisfeito, assim

Page 55: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 55/123

como Lacey. Mas o sr. Allen permaneceu frio. Devia ter algo a ver com Martin, porque

num momento em que Porteus falou sobre ele, o velho ficou carrancudo. Martin tinha

chegado ao Centro depois que Lacey saíra. Ele ia jantar em casa dos Pomeroy, e Lacey

comentou rindo que a sra. pomeroy agora não o largaria mais. Inventaria uma porção de

lugares onde ele teria que distribuir prêmios.

Em seguida, a conversa tomou outro rumo. O telefone tocou, pouco depois de

Lacey servir a sobremesa. A jovem se levantou imediatamente. Andou devagar e fechou a

 porta atrás de si.

 – Como vai tudo? – perguntou Martin, assim que a jovem levou o telefone ao

ouvido. Aquilo fora imprudência, pois ele poderia muito bem estar falando com o pai dela.

 – Tudo o quê? – indagou Lacey. – A festinha, ora! – respondeu o rapaz. Era provável que Maisie e Porteus tivessem

mencionado o jantar.

 – Não é uma festa – esclareceu ela.

 – Posso aparecer para o café? – perguntou ele.

 – Não! Mas pelo que ouvi você deve ter sido bem tratado na hora do jantar – 

continuou ela.

 – Eu inventei uma desculpa e saí.E de onde estaria ele telefonando, pensou Lacey. Do hotel? De uma cabina? Havia

uma no sopé do morro onde ficava a casa dela. De lá podia ver as luzes, e em sua mente ela

 podia ver o seu rosto, forte, sensual, irresistível.

 – Você não pode vir aqui – disse ela. – Sabe o que meu pai pensa de você. Foi você

quem deixou as rosas?

 – Sim – confirmou ele.

 – Para causar problemas entre mim e Paul? – perguntou ela. – Na verdade, eu nem lembrei dele – confessou Martin. – Mandei-as para pedir 

desculpas.

 – Por quê? – Por não ter cumprido a promessa de telefonar a ela, há cinco anos? Era

um pouco tarde para isso.

 – Por ontem à noite – disse ele. – Não devia ter me aproveitado quando a roda

encrencou.

Ela sentiu que ele sorrira ao dizer “ter me aproveitado” e Lacey mordeu os lábios

 para não rir, também.

Page 56: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 56/123

 – É verdade, você não devia – concordou ela.

 – Então, quero pedir desculpas. Sinto muito.

 – Muito tocante! – disse ela. – Black Jack diz que sente muito... Mas que bonzinho!

Durma bem.

Ela desligou e esperou com a mão no fone por algum tempo, no caso dele tocar 

outra vez. Mas ele não ligou e ela voltou à sala.

 – Quem era? – perguntou o pai.

 – Ângela – respondeu Lacey, pegando seu garfo e recomeçando a comer, sabendo

que agora estava francamente enganando o pai. De pessoa franca e aberta que era, agora se

havia transformado em alguém cheio de segredos. Tomou mais um pouco de vinho,

enquanto escutava uma história engraçada que Maisie contava. Seu pai, entretanto,continuava sisudo.

Lacey servira vinho aos outros, mas mal tocara no seu. Agora estava contente com

isso. Um pouco mais de vinho, e ela não teria tido a presença de espírito de esconder o

nome de quem telefonara. Poderia também ter olhado fixamente para o pai e ter 

respondido: “Não é da sua conta!”

Quando o pai de Lacey resolveu tomar o café lá em cima, ninguém tentou fazê-lo

mudar de idéia. Bem ao contrário. Lacey concordou imediatamente e prometeu levar umaxícara para ele logo em seguida.

 – Quer que eu leve o café no quarto ou no ateliê? – perguntou ela.

 – Obrigado – respondeu o pai. – Eu mesmo posso levar a minha xícara. – Deu boa-

noite a todos e saiu, muito sério.

  – Foi alguma coisa que eu disse? – perguntou Porteus. – Ele não queria que

viéssemos esta noite?

 – Nada disso, ele está mal-humorado – disse Lacey, consciente de que aquele mauhumor logo passaria. – Tia Helena sempre me dizia que ele era um gênio, e que os gênios

são sempre difíceis. O problema é que ela o estragou. – Lacey não estava com nenhuma

 paciência aquela noite. – Vamos ouvir um pouco de música.

Conversaram e beberam. Estavam todos alegres, mas havia um brilho diferente nos

olhos de Lacey e Paul a olhou, desconfiado. Podia ser o vinho, mas de fato estava se

sentindo muito bem. O pai se aborrecera com ela, mas isso não a incomodava. Quando

estendeu a mão para encher sua taça mais uma vez, Paul comentou:

 – Espero que amanhã você não tenha uma ressaca.

Page 57: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 57/123

 – Eu também. Se o nobre Squire vai ser derrubado pela febre do feno, agora só falta

mesmo a Doce Alice ficar de cabeça pesada.

Ela bebera menos do que os outros, mas algo a deixava meio tonta. Sorriu, e pegou

a xícara de café, em vez do copo.

 – Está contente agora? – perguntou a Paul.

 – Assim é que faz uma boa menina – disse ele, com uma estranha sensação de que

Lacey estava mudando, e escapando a seu controle.

Maisie e Lacey foram para a cozinha lavar os pratos e expulsaram os homens de lá,

 para poderem conversar a sós.

 – O que há com seu pai? – perguntou Maisie. – Tem alguma coisa a ver com

Martin? – Ele está furioso porque eu estava no parque de diversões com Martin, a noite

 passada. – A história, contada assim, parecia infantil.

 – Ouvi você dizendo a Paul que Martin não é bem-vindo aqui – disse Maisie,

virando-se com um prato na mão, para observar a pressão da amiga.

 – É verdade. Meu pai era amigo do pai de Martin, e acha que ele não foi um bom

filho. Parece que o sr. Jackson costumava vir aqui falar sobre suas preocupações e a maior 

 parte delas se relacionavam a Martin. – Mas o que ele fez afinal? – perguntou Maisie, curiosa.

 – Sei lá – respondeu Lacey, com um leve movimento de ombros.

Havia o fato do sr. Jackson ter morrido pobre e o velho Allen insinuar que Martin

teria falsificado alguma assinatura, em cheques, talvez, o que teria sido um procedimento

mesquinho. Mas Lacey tinha a certeza de que aquilo não combinava com a maneira dele

agir.

“Não acredito nisso”, pensou Lacey, com convicção, enquanto continuava aenxugar os pratos. “Não me importa o que o sr. Jackson tenha dito a meu pai, eu não

acredito!”

 – Mas é só isso?! – perguntou Maisie, sem entender. – A maioria de nós pensa

completamente diferente de nossos pais. E também, isto aconteceu há muito tempo.

 – Quando meu pai forma uma opinião sobre qualquer coisa – disse Lacey – é

 preciso muito para fazê-lo mudar de idéia. Veja Paul: ele é o preferido do velho Laurence

Allen. Os dois se entendem às mil maravilhas, desde a primeira vez que ele veio aqui.

 – Bem, não é de estranhar – comentou Maisie. – Paul sempre concorda com tudo

Page 58: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 58/123

que o seu pai diz...

Era verdade, ele concordava com tudo, assim como ela também.

 – Ele não simpatiza muito com Porteus, não é? – continuou Maisie. Porteus não era

  pessoa de muito tato, e muitas vezes contrariara o velho. Mas Laurence Allen nunca

chegaria ao ponto de proibir a entrada dele em sua casa. A aversão que sentia por Martin

Jackson era bem mais forte e, agora que Lacey desprezara seus conselhos, ele estava

agindo como se ela o estivesse traindo.

Bem, com vinte e quatro anos, Lacey já estava mais do que em tempo de decidir 

que caminho seguir, e agir por conta própria. O pai fizera o possível para estragar sua

noite, e para irritá-la.

 – Foi um super jantar – disse Maisie. – E uma super noite. – Foi sim – concordou Lacey.

 – Você mudou sua maquilagem? – perguntou a amiga.

 – Não – respondeu ela.

 – Sua pele está linda – elogiou Maisie.

Lacey tinha uma pele clara e lisa. Mas estava especialmente luminosa naquela

noite, como se refletisse uma luz interna. Ela sorriu, agradecendo as palavras de Maisie.

Sentia-se mesmo diferente, mais viva, e a outra moça continuou a observá-la, porque era a primeira. vez que ouvia Lacey criticar o pai, mesmo brincando. E porque havia algo no

sorriso de Lacey, ao mesmo tempo temerário e perigoso.

Os três visitantes saíram juntos. Paul beijou-a nos lábios, e Lacey sabia que os seus

estavam frios, embora tivesse correspondido ao beijo, que fora carinhoso e doce mas

inexpressivo, se comparado aos beijos de Martin. Mas não pensaria mais em Martin!

 – Até amanhã – despediu-se ela. No dia seguinte se encontraria com os amigos no

Centro, e à tarde também com Paul, na encenação da Doce Alice.Viu-os se afastarem, Maisie e Porteus abraçados e Paul ao lado deles, alto e magro.

Do portão, eles acenaram para ela, que fechou a porta e entrou.

 Na sala, se espalhava ainda o perfume das rosas. Ela estivera consciente delas

durante toda a noite. A linda cor atraía seu olhar e o perfume a alcançava como se fosse

alguém sussurrando a seus ouvidos. Ajeitou algumas almofadas na sala, pôs os discos na

 prateleira, desligou a música, e depois olhou um pouco para as rosas, antes de apagar as

luzes.

Claro que aquilo não ia dar em nada, mas ela estava gostando das emoções de ser 

Page 59: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 59/123

 perseguida. Era envaidecedor. Apenas um jogo, mas ela nunca se esqueceria dele. Sacudiu

a cabeça, pensando na idéia de Martin de deixar as rosas e riu, de leve.

Ainda havia luz no quarto do pai, embora já fosse bem tarde e ele devesse estar 

dormindo. “Talvez ele tenha deixado a luz acesa para fazer com que eu me sinta culpada”,

disse a si mesma.

Mas ela não se sentiria culpada. Não faria nada que fizesse ele ou Paul sofrerem.

Além disso o dia seguinte seria movimentado para ela; enquanto seu pai poderia dormir o

quanto quisesse... Deitou-se entre os lençóis macios e se espreguiçou. Quase que

imediatamente começou a adormecer e seu último respirar consciente parecia estar 

 perfumado pelas rosas de Martin.

Acordou bem-disposta. Nada de ressaca. Tomou uma ducha ligeira e se vestiu.Tinha vontade de escancarar as janelas e cantar alguma música tola, depois descer as

escadas dançando, valsar pela cozinha e enfeitar os cabelos com uma flor.

O pai estava sentado na mesa da cozinha, lendo os jornais. Decidiu que não

 perguntaria a ele se dormira bem, porque na certa ele diria que não.

 – Bom dia – disse ela.

 – Está mesmo? – respondeu Laurence. O sol estava brilhando, e ela se sentia ótima.

 Não havia dúvidas de que o dia estava bom. – Quer o café?

 – Por favor – pediu ele.

O apetite do velho Laurence. Allen não estava abalado. Ela preparou tudo para ele,

e engoliu uma xícara de café preto, enquanto escutava o correio chegar. Ela agora fazia o

que antes era incumbência de tia Helena. Antes de sair recolhia a correspondência e

colocava as cartas sobre a mesa. Era assim que seu pai gostava: suas cartas sobre a mesa,

na hora do café. Naquele dia havia duas cartas para ele, e outra para Lacey, com o envelopeendereçado a máquina. Era de uma amiga, e ela se lembrou o quanto esperara por uma

carta semelhante, há cinco anos. Não gostaria de passar outra vez por toda aquela agonia.

 Não que acreditasse que isto iria acontecer. Agora estava mais esperta e não se deixaria

enganar.

 – Já estou saindo – disse ela e o pai nada respondeu. Lacey resistiu com dificuldade

ao impulso de repetir o que dissera, desta vez bem alto. Mas se conteve e acrescentou: – 

Apareça na peça, esta tarde, se tiver tempo. É em benefício de uma boa causa.

A renda das entradas iria ser revertida para a compra de mais um leito para o

Page 60: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 60/123

hospital local.

 – Quando esteve com o jovem Jackson avisou a ele que não iria cozinhar para ele?

 – perguntou Laurence, abruptamente.

 – Não, ainda não.

 – Entendo – disse o pai, secamente.

Era uma tolice brigar por causa disso, mas ela não ia ceder.

 – Até logo – Lacey repetiu. – Estou um pouco atrasada.

Ele não respondeu à sua despedida e ela pegou a bolsa e saiu correndo de casa.

Sentia-se radiante, como se estivesse escapado de uma prisão. “Você comprou uma prisão”,

Martin dissera, mas agora ela voava feliz para a prisão que tinha comprado. Não iria buscar 

Jet naquele dia, por causa da peça. Se Martin fosse buscar era problema dele.As portas da frente do Centro de Artes ainda não estavam abertas, mas lá dentro já

havia movimento. Martin estava na sala de entalhes em madeira. Lacey olhou para ele, ao

 passar por lá. Naquele dia, vestia jeans e uma camiseta verde-oliva, e parecia inteiramente

à vontade ali.

 – Oi – cumprimentou ele.

 – Não sabia que você gostava deste trabalho – disse ela, vendo que Martin segurava

a figura de um golfinho, e a polia com um trapo com óleo de peroba. Lacey pensou, então,em como seria se ele trabalhasse ali. Não aquele Martin! Não depois das duas semanas

terminarem. Hoje, porém, ele parecia ser um deles.

 – Pegue – disse ele, atirando um ovo de madeira, que instintivamente ela pegou. – 

 Não se preocupa nem um pouquinho comigo?

 – Por quê? A única preocupação que tenho hoje é com Porteus, que está com a febre

do feno – respondeu Lacey.

 – Mas ele não tem Maisie para se preocupar? – retrucou Martin. – É que ele está na peça. Fará o papel do vilão que me persegue no palco.

 – Já mandou encurtar sua saia? Senão ele vai pegar você, mesmo.

 – Tenho que fazer isso hoje de manhã. Não tive tempo até agora. Até logo – 

despediu-se, então.

 – Mas é claro. Até logo mais – respondeu ele, indicando que se veriam mais tarde.

Hoje Lacey se sentia cheia de juventude e aquela era uma sensação estonteante!

Ela, de fato, nunca fora jovem e despreocupada como as outras moças costumavam ser. Se

Martin tivesse lhe mandado flores há cinco anos, ela teria se sentido assim depois daquela

Page 61: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 61/123

noite de tempestade.

Porteus estava com os olhos vermelhos, o nariz inchado, sentado em frente aos seus

 potes de cerâmica.

 – Acha que deveríamos chamar Bart Keddy? – perguntou Maisie a Lacey. Bart era

alfaiate, e o substituto de Porteus na peça. Não era uma figura tão imponente quanto

Porteus, mas seria melhor do que um Porteus doente.

Era uma pena. A peça não era grande coisa, a representação era de amadores, mas

as roupas e os cenários eram bem cuidados, e todo pessoal da equipe trabalhara muito.

Pensando bem, Bart Keddy era franzino demais para dar um bom vilão.

 – Eu devo ser mesmo repulsivo, não? – perguntou Porteus, e Maisie suspirou.

Eles dariam seis espetáculos nas duas semanas seguintes e esperavam que osturistas que estivessem passando pela porta do teatro acabassem entrando. A setenta e cinco

centavos o ingresso, por noventa minutos de espetáculo, até que estava bem barato.

A manhã passou rapidamente. O Centro de Artes recebeu muitos visitantes e,

melhor do que isso, muitos compradores. Martin Jackson era uma grande atração, e logo

que os fãs sabiam que ele estava por perto, apareciam em grande número, assim como

amigos que queriam conversar sobre os velhos tempos.

Mesmo quando fora de sua vista, Lacey sabia que ele estava por lá. Era como seestivesse preso, e não tivesse forças para se afastar dali. Ele acabou chegando até o boxe

dela e sentou-se num banquinho, conversando com os visitantes. Não esperava que Paul

aparecesse. Naquela manhã ele estava no Pequeno Teatro, com a equipe que cuidava dos

cenários e da iluminação, preparando tudo para o espetáculo da tarde. Paul certamente

ouviria dizer que Martin parecia ter se mudado para o Centro de Artes, assim como seu pai,

e todos os outros. Lacey, entretanto, nada podia fazer.

Martin era bom nas vendas, e logo enchera-se de compromissos para o resto daquinzena, graças à sra. Pomeroy. Ele era uma celebridade, e estava ajudando o festival

gratuitamente.

Lacey pretendia não almoçar, mas Martin fora até a lanchonete mais próxima e

trouxera uma pilha de sanduíches de presunto e queijo. Embora, a princípio, ela não

estivesse com muito apetite, comeu sua parte rapidamente. Lacey começava a sentir-se em

 pânico por ter que enfrentar o palco. Desde a época de escola que não bancava mais a atriz

e, desta vez, iria representar para estranhos.

 – Bem que eu gostaria de ter febre do feno também. – confessou ela a Martin,

Page 62: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 62/123

 baixinho. – De repente não estou gostando nada disso.

 – Você vai ser uma sensação – assegurou ele.

  Na verdade, tudo aquilo era um brincadeira. Se ninguém aparecesse seria

decepcionante, nada mais. Além disso, se conseguissem, um bom público, seria difícil

representar mal num melodrama feito somente para fazer rir.

 – Lembra-se quando o clube de jovens encenou o Pigmalião? – perguntou Lacey, e

Martin riu.

 – Faz tanto tempo! – suspirou ele.

 – Você estava sentado na platéia, quando eu vi sua cara entediada, esqueci meu

 papel.

 – Sinto muito. Não sabia que a culpa tinha sido minha – disse Martin, com ar inocente.

 – Portanto, se você vier nos assistir, por favor bata palmas... Mas nas horas certas.

Acho que isso me encorajará um pouco – disse Lacey.

 – Eu a encorajarei a hora que você quiser – sussurrou ele ao ouvido dela, e Lacey

sorriu.

 – Seu causador de encrencas!

 – Eu não – respondeu ele, mas no íntimo sabia que sim. Lacey ainda não agradeceraas rosas naquela manhã. Havia sempre gente em volta, escutando tudo o que eles estavam

dizendo. Agradeceria quando estivessem sozinhos.

Sabia que eles acabariam por ficar a sós. Martin daria um jeito qualquer. Ela,

 porém, estava decidida a apenas conversar com ele, não iria mais longe. Mesmo assim,

sentiu um arrepio de prazer, um  frisson delicioso que percorreu seu corpo. Passear e

conversar com Martin, as mãos se tocando, conhecendo melhor um ao outro. Ela gostaria

muito, e que mal havia nisso?Decorara seu papel de Alice com perfeição. Já caracterizada de Alice, com a peruca

de cachos feitos de linha, ela colocou os longos cílios postiços, no camarim das mulheres.

 Não haveria mudança de vestimentas a não ser a de alguns aventais. Na primeira cena,

quando ela chegava à cabana, como a noiva do lenhador, usaria uma capa e teria uma

expressão de total estupidez no rosto, que era a marca registrada da personagem que

interpretaria.

O Pequeno Teatro estava com três quartos de platéia quando Martin sentou-se, dez

minutos antes da cortina subir. Todos que entravam o reconheciam. Ainda estava assinando

Page 63: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 63/123

autógrafos, quando a luz começou a diminuir. Um homem com um violão, empoleirou-se

num banco, ao lado do palco, para tocar a música de fundo:  Balada da Doce Alice, que

começava com a inevitável frase, “Ela era pobre, porém honesta...”

Alice surgiu, encantada com o novo lar, expressando sua alegria, enquanto seu

marido, também pobre porém honesto, seguia ao lado dela. O marido da  Doce Alice era

interpretado por um jovem fazendeiro chamado Freddy, muito loiro, e com a perfeita figura

de um herói vitoriano.

A brincadeira começava assim que o nobre vilão entrava no palco.

Todos vaiavam Porteus, e ele torcia os bigodes e olhava amorosamente para Alice.

Suas más intenções eram evidentes, desde o princípio.

Enquanto estava dando as boas-vindas à noiva de seu lenhador, olhavalascivamente para a jovem esposa. Ela continuava com seus trejeitos de felicidade,

aparentemente sem ter idéia do que estava acontecendo... Nem tampouco o marido, embora

este tivesse descrito o nobre, depois que Porteus saíra de cena, como um cruel patrão, dono

do teto sob o qual habitavam e que poderia jogá-los na neve a hora que bem entendesse.

As luzes diminuíram de intensidade, e o foco de luz caiu sobre Alice. Ela usava

outro avental, para mostrar que um ou dois dias tinham se passado. Segurava uma carta,

onde o nobre pedia a ela para que fosse se encontrar com ele no Carvalho Maldito. – Deve haver algum engano – dizia ela, para o público. – Esta carta não deve ser 

 para mim – e rasgou-a em pedacinhos.

A cortina baixou e o cantor com o violão continuou a balada, sobre a perseguição

de Alice pelo nobre. Ela, firme em sua pureza, conseguira até então fugir dele. Enquanto

isso, por trás das cortinas, estava sendo montada a grande cena.

Era um mercado. O pano de fundo estava retratando Chadsford.

As lojas tinham os nomes dos comerciantes atuais, e a cena era alegre emovimentada. Muitas artistas tinham que dizer suas falas, algumas cômicas, e enquanto

isso o nobre aparecia insistentemente perseguindo Alice. Cada vez que se tinha a impressão

de que ele iria agarrá-la, ela conseguia escapar. Além disso, como Porteus espirrava sem

 parar, o público não parava de rir.

Finalmente ele a encurralou numa loja de doces, e urrou:

 – Sabe que eu posso arruinar seu marido?

 – Não, não! – gritou Alice, escondendo-se atrás das tortas. – O céu nos protegerá! O

senhor não poderá nos fazer mal!

Page 64: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 64/123

Oh, mas ele podia. Chega, então, o marido, para quem ela corre em busca de

 proteção. O pobre, entretanto, não tinha qualquer proteção a dar, visto que o nobre agora o

ameaçava de desemprego.

A doce Alice não podia acreditar naquilo. Novamente apelou para os céus, depois

 para a platéia, e finalmente, à maneira idiota das heroínas de melodrama, decidiu que teria

que comparecer ao lugar do encontro. Esgueirou-se da cama, enquanto o marido dormia, e

saiu para apelar aos bons sentimentos do nobre.

Para a última cena, eles tinham reservado trovões e relâmpagos, um cenário onde

estavam pintados a floresta e um enorme carvalho todo torto. Porteus estava ótimo como

vilão, e Alice se ajoelhava implorava, como louca. Naturalmente, seus rogos haviam caído

e ouvidos moucos. O nobre vilão conseguiu o que queria, ou melhor quase conseguiu, poiso lenhador surgiu com seu machado e o nobre recebeu seu merecido castigo.

Alice desmaiou, a cortina baixou e o cantor entoou seu último verso.

A peça fora um grande sucesso e o público aplaudia, satisfeito. Havia lugares vagos

na platéia, mas a maioria estava ocupada.

 – Você esteve maravilhosa! – exclamou Paul, beijando-a, quando ela saiu do palco.

Ele assistira à peça dos bastidores, e nos camarins o clima era de alegria. Todos tinham se

divertido bastante, embora estivessem preocupados com a possibilidade de Porteus não ter condições de melhorar para o próximo espetáculo, na quarta-feira.

 – Barry e eu vamos dar uma festinha amanhã – Denice lhe falou sorridente. – 

Somente a turma antiga. Todos querem encontrar Martin novamente. Você virá, não é?

Lacey ainda estava retirando sua maquilagem. Estava diante do espelho, só de

calcinha e sutiã, a peruca no cabide, o rosto coberto com uma camada de creme. “Aqui

vamos nós!”, pensou ela, lembrando-se da eterna paixão de Denice por Martin, antes de se

casar com Barry. – Martin já sabe? – perguntou Lacey.

 – Claro. Você não ficaria com ciúmes, não? – indagou ela maliciosa, olhando para a

outra pelo espelho.

 – Absolutamente – respondeu Lacey, de imediato.

Era provável que ela tivesse outra coisa para fazer no dia seguinte, à noite. Não

tinha certeza se poderia ir, mas naturalmente não estava enciumada. Só um pouco

aborrecida porque, antes, Martin sempre tratara Denice friamente.

Estava aborrecida porque prevenira Martin, e já podia imaginar como seria a noite

Page 65: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 65/123

do dia seguinte. Uma reprise dos tempos passados, com Denice atrás de Martin. Pois ela

iria na festa. Não seria como nos velhos tempos. Ela não permitiria que fosse!

Tirou os grampos que prendiam seus belos cabelos loiros e escovou-os,

vigorosamente. Estava tão zangada, que tinha vontade de sair dali e perguntar a Martin se

ele estava disposto a destruir o casamento de Denice. Ele certamente teria se recusado a

comparecer. Não, ele não tivera como recusar. O que poderia ele ter dito, “Obrigado, mas

não quero rever os velhos amigos?”

De repente, ela entendeu. Parou de escovar os cabelos, e engoliu em seco. “Eu

estou com ciúmes! Não quero que ele sorria para Denice. Ou que a toque. Não quero que

ele encoste a mão em outra mulher, a não ser em mim. E tenho que esconder isso, porque

se ele descobrir...”

Capítulo V

Lacey vestiu a saia, e abotoou a blusa com os dedos trêmulos. Era ciúmes, puro e

simples. Sentia-se tão indefesa, quanto uma menina começando o primeiro namoro. Isso,entretanto, deveria ter acontecido cinco anos atrás, quando Martin ainda era estudante,

antes de tornar-se famoso. Agora era tarde demais.

  – Você virá então? – perguntou Denice outra vez. – Pode trazer Paul, é claro,

embora, na verdade, ele não faça parte da “velha turma”.

“Nós jamais formamos uma “turma””, pensou Lacey. “Somente crescemos juntos,

morando na mesma cidade.”

 – Ele vai ficar por duas semanas inteiras, não vai? – perguntou Denice, com umsorriso de satisfação.

 – Quem? Martin? – Aquela pergunta era desnecessária. Era evidente que Denice se

referia a Martin. – Ele disse que vai – confirmou Lacey.

Denice parecia disposta a tirar o máximo proveito daqueles dias, o que não era da

conta de Lacey. Esta estava decidida, porém, a prevenir Martin novamente, assim que o

encontrasse.

Tudo precisava ser deixado em ordem para o próximo espetáculo, pois o Pequeno

Teatro seria ocupado durante todo o festival. A cada noite, algum grupo local se

Page 66: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 66/123

apresentaria ali. Lacey colocou seu material de maquilagem numa caixa, e estava

 pendurando sua roupa quando Paul entrou.

A confusão ainda reinava nos camarins e ela era a única pessoa a já estar vestida

com sua roupa normal.

 – Você foi rápida – comentou Paul.

 – Tive que ser. Deixei Maisie tomando conta do meu boxe, e do dela também – 

explicou. Paul tirara a tarde de folga para assistir à peça; mas agora teria que correr de

volta à biblioteca. Ele elogiou mais uma vez a atuação da namorada na peça e ela retribuiu

as palavras dele com um sorriso.

 – Foi realmente muito divertido – comentou ela.

 – Vejo você esta noite? – perguntou Paul, ao despedir-se dela. Eles tinham entradas para O holandês voador, que seria encenado aquela noite pela Sociedade Operística de

Chadsford, no auditório da Prefeitura. Paul adorava óperas, mas Lacey sentiu, subitamente,

que não teria condições de ficar sentada, assistindo às cenas do desastre e da tempestade.

 – Ficaria zangado se eu não fosse com você? – perguntou ela, sabendo que Paul não

iria sozinho, uma vez que tinham combinado de ir com um grupo. – Tenho algumas

encomendas de aquarelas e gostaria de poder terminá-las.

Aproveitando-se da leve indecisão de Paul, ela se afastou dele, sem que o rapaztivesse tempo para reclamar. Caminhava tão depressa, que parecia estar fugindo de alguma

coisa.

Chegou quase sem fôlego ao Centro. Estava cheio de gente, e Lacey sentiu a

excitação no ar, como se as cores estivessem mais brilhantes, e as pessoas mais felizes.

Maisie sorriu quando Lacey apareceu no topo das escadas, e foi correndo ao

encontro dela.

  – Como foi o espetáculo? E como esteve Porteus? – perguntou a amiga, preocupada.

 – Coitado, estava com o nariz vermelho que mais parecia um tomate! – brincou

Lacey. – Mas a “Alice” foi um sucesso!

Seu coração começou a bater mais depressa quando viu Martin chegando. Aquela

quinzena serviria para colorir não somente a vida de Denice, mas também a sua. Era

 preciso, entretanto, que não se esquecesse de que aquele sonho terminaria depressa.

 – Oi! – disse Martin.

 – Alô – respondeu Lacey. Outra coisa estranha, era que todos os outros ruídos

Page 67: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 67/123

 pareciam desaparecer quando ele falava. Precisava tomar cuidado, ou começaria a acreditar 

que seria capaz de perceber a aproximação de Martin, sem ter sequer que erguer os olhos.

 – Vou à uma audição de música country no Tavern – disse ele. – Não quer vir 

também?

Era o grupo que se reunia sempre às segundas-feiras. Eles eram bons, mas fazia

algum tempo que Lacey não ia lá, pois Paul não apreciava música country. Bem que ela

gostaria de sair com Martin naquela noite, sentar numa mesinha, tomar alguma coisa

gelada, sorrir, entrelaçar a mão na dele e conversar um pouco. Poderiam depois apenas ir 

devagar até a casa dela, onde ele a deixaria no portão. Sim, aquilo seria bom demais.

Ela acabara, entretanto, de desmarcar um programa com Paul, e ele ficaria magoado

se soubesse que tinha saído com Martin. – Sinto muito, mas tenho que acabar alguns trabalhos – disse ela. – Recebi algumas

encomendas.

 – Mais paisagens locais? – perguntou Martin.

 – Claro. Ainda quer a velha escola?

Martin não a considerava uma artista. Nos velhos tempos, quando se comentava

sobre ela se matricular no curso de artes, Martin discordava da idéia, por nunca tê-la

considerado com grandes talentos.“Que condições você tem para bancar o crítico de arte?” ela costumava perguntar 

irritada, então. “Talvez exista algo que você não saiba!”.

  – Eu por mim preferiria a velha cabana – dizia ele agora, e ela teve o louco

 pensamento de que, se naquele momento eles voltassem, até lá, encontrariam aquele lugar 

como cinco anos atrás. Sabia, no entanto, que aquilo era fantasia, pois fora até a cabana na

sexta à noite, e vira que dela só restavam ruínas.

 – Eu disse a você, está mudada, não existe mais – insistiu Lacey. – E que história dereunião é essa, que Denice está planejando com a velha turma?

 – Que velha turma? – indagou Martin.

 – O seu fã-clube. Denice sempre foi a fã número um. – Não deveria ter sido tão

áspera. Pareceria estar falando por despeito. – Mas imagino que você saiba muito bem

disso – acrescentou com um sorriso.

 – Sei. Você ainda está com restos da Doce Alice nos cabelos.

Martin segurou o queixo dela mantendo-lhe o rosto levantado, passou a ponta do

dedo pela linha dos cabelos, e seu dedo ficou manchado de maquilagem rosa-claro.

Page 68: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 68/123

 – Tinha muita gente no camarim, e eu estava com pressa – explicou ela, confusa. – 

 Não foi fácil tirar toda aquela pintura. Olhe só para Porteus. Ele está ainda com o nariz

vermelho.

Ela não podia olhar para Porteus, no boxe ao lado, porque Martin ainda estava

segurando seu rosto, e esfregando sua testa, perto dos cabelos. Mas seus olhos fugiam do

olhar de Martin.

 – Isto não é maquilagem – disse Porteus, Com seu vozeirão. – Meu nariz está

mesmo vermelho. Sei que o espetáculo precisa continuar, mas estou me sentindo péssimo.

 – E deu um espirro.

 – Então já está resolvido! – exclamou Maisie. – Bart Keddy vai ter que fazer o

 papel.Martin deu uma gargalhada.

 – Bart? Só se ele cresceu desde a última vez que o vi. Lacey é maior do que ele!

 – Não sou, não! – exclamou Lacey. Agora, os dedos de Martin mal tocavam em seu

rosto. Ele não a segurava mais e só esfregava aqui e ali, onde ainda havia maquilagem. Era

um leve contato, mas a estava deixando enervada, e ela recuou. – Obrigada – disse Lacey,

e, pegando um lenço de papel na bolsa, começou a esfregar a testa com energia, para tentar 

apagar a sensação do toque da mão dele.Depois que Martin saiu com um velho amigo, Lacey ficou algum tempo ainda no

 boxe. Mais tarde, resolveu ir embora para casa. O que faria, pensou, era preparar um. bom

 jantar para o pai. Ficaria em casa trabalhando durante toda a noite, e contara a ele que o

espetáculo fora um sucesso. Não estava contente por tê-lo aborrecido.

Entendia que ele estivesse magoado, embora achasse que o velho estava fazendo

uma tempestade em copo d’água.

Comprou alguns belos filés, que pretendia cozinhar em molho de vinho. Aquelaseria uma oferta de paz. Entrou em casa e foi diretamente para a cozinha, a fim de deixar as

compras e começar os preparativos. Em seguida, foi procurar o pai.

Encontrou na mesa do hall um bilhete para ela: “Não voltarei para o jantar.

Chegarei tarde”. Talvez ele não soubesse naquela manhã que iria sair ou, quem sabe,

tivesse esquecido de mencionar o fato. Era possível, por outro lado, que ainda estivesse

zangado com ela, e não tivesse disposição para comentar a  Doce Alice. Ele tinha todo o

direito de ir aonde quisesse, sem se sentir obrigado a prestar contas à criadagem. Sim,

 porque era isso mesmo que Lacey sempre representara para ele: uma criada, sempre à sua

Page 69: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 69/123

disposição.

Tia Helena aceitara isso, e também Lacey, até a volta de Martin.

Ele fizera com que ela começasse a pensar se era aquela realmente a vida que

desejava para si.

Guardou a carne e pegou a lista telefônica. Encontrou o número de Cross Keys e

discou. Provavelmente ele ainda não voltara mas deveria passar por lá, para trocar de roupa

e sair novamente.

 – Posso deixar um recado para o sr. Martin Jackson, por favor? – pediu ela ao rapaz

da recepção.

 – Sinto muito, mas ele saiu do hotel esta tarde – informou ele.

 – Obrigada – agradeceu Lacey e colocou o fone no gancho.Uma porção de gente devia estar tentando entrar em contato com Martin. Muitos

amigos haviam oferecido hospedagem a ele, mas onde estaria? Se ela tivesse aceitado seu

convite para aquela noite, ele certamente lhe contaria. Entretanto, como poderia sair,

depois de ter dito a Paul que passaria a noite trabalhando?

Tinha pensado em pedir a Martin que telefonasse para ela, pois tinha a intenção de

convidá-lo para o jantar. Assim, só ficaria lhe devendo mais duas refeições. Se ligasse para

Paul, era possível que ainda o pegasse em casa. Mas Paul iria querer que ela passasse oresto da noite com ele, e ficaria ofendido com uma recusa. Lembrou-se, então, de que

ainda havia um companheiro que gostaria de comer seu jantar: Jet. Iria buscá-lo e depois

começaria a trabalhar.

Levá-lo para a cozinha era um ato de rebeldia, pois ele estava proibido de entrar 

dentro de casa. Como Martin. Parece que seu pai os considerava cachorros loucos!

Jet mal podia acreditar em sua sorte! Devorou seu prato, e ainda conseguiu algumas

sobras de Lacey. Depois se espichou num canto e dormiu.Lacey acabou de comer seu jantar, pensando em como teria sido bom se Martin

estivesse ali com ela. Podia imaginá-lo sentado no velho sofá, conversando sobre mil

coisas.

Depois de arrumar tudo, começou a trabalhar em suas aquarelas. A mesa da cozinha

era grande, com o tampo de madeira lavada. Algumas vezes ela trabalhava ali mesmo,

outras vezes em seu quarto. A maior parte do tempo, porém, preferia trabalhar no Centro.

 Não gostaria de solidão e até os roncos de Jet lhe faziam bem.

“Gostaria de ter feito um esboço da cabana”, pensou Lacey. Depois do silêncio de

Page 70: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 70/123

Martin, no entanto, ela não tivera mais coragem de voltar lá. Fechando os olhos, todavia,

 podia ver exatamente como fora a velha construção, e assim começou um desenho. As

cores teriam que ser escuras, pois tudo acontecera à noite. Não tinha ainda decidido se a

 pintaria no meio da tempestade.

De repente, o telefone tocou e Lacey foi atender. Sua surpresa foi tão grande que

quase perdeu o fôlego. Do outro lado da linha, Martin falava com ela.

 – Você telefonou tarde demais – advertiu Lacey, assim que se recuperou. – Jet e eu

comemos todos os filés. Tentei encontrar você, para convidá-lo para uma daquelas

refeições que lhe devo.

  – Você não vem? – perguntou ele, enquanto Lacey escutava a música, meio

abafada, vinda do ambiente onde ele estava. – Eu deveria ter ido à ópera, mas desmarquei porque queria terminar um quadro.

Assim, não vejo como...

 – Terei o dia todo ocupado amanhã. Se eu não puder ir ao Centro, verei você à

noite? – indagou Martin.

 – Em casa de Denice? Sim, eu irei lá. – Não perderia essa festa por nada deste

mundo!

 Naquele instante a porta da frente se abriu e seu pai apareceu, e cumprimentou-a,secamente.

 – O que está acontecendo? – perguntou Martin, que notou a repentina mudança no

tom de voz de Lacey.

Se corresse, teria ainda tempo de fechar a porta da cozinha, mas acabaria

assustando Jet. Decidiu, então, manter a calma.

 – Meu pai voltou e eu tinha trazido Jet para a cozinha – explicou ela, sem expressão

na voz. Martin riu do outro lado da linha. – Não tem graça nenhuma – disse ela –, acreditaque cachorros provocam urticária nele.

 – E será que ele também não provoca urticária no cachorro? – zombou Martin.

Ele ainda estava rindo quando ela desligara. No mesmo instante ouviu a voz mal-

humorada do pai.

 – Tire este animal daqui! – ordenava ele.

Lacey foi rápida. Laurence Allen estava na porta da cozinha, e, lá de dentro, Jet

rosnava para ele. Ela se pôs entre os dois, e tentou acalmar o cachorro.

 – Está tudo bem, está tudo bem – disse ela. – Ele é um amigo.

Page 71: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 71/123

Aquilo era como uma piada e não era verdade. Em seus vinte e quatro anos, Lacey

nunca vira o pai perder a calma. Entretanto, desde o início do festival, a zanga parecia ter-

se tomado o estado de espírito permanente do velho Laurence.

 – Pare de fazer tanto alarde! – pediu Lacey. – Vou levá-lo para a garagem.

 – Este cachorro está raivoso! – exclamou o velho, olhando para Jet, que ainda o

olhava feroz. A antipatia parecia ser mútua.

 – Não está, não – ela respondeu, segurando a coleira de Jet.

 – Quem mais está aqui? – indagou, suspeitando, evidentemente, de que Martin

estivesse ali. Na verdade, ele bem poderia ter estado. Em seguida, no entanto, o velho viu o

trabalho da filha sobre a mesa. – Vim buscar um livro – explicou. E em seguida ordenou: – 

Leve este cachorro para a daria dele! – Olhava tão zangado para a filha, que parecia ter por ela o mesmo sentimento que nutria pelo cachorro.

Lacey decidiu levar Jet, porém, só mais tarde. Quando a porta da frente se fechou

novamente, ela soltou Jet e sentou-se. “Não temos muita coisa em comum, eu e meu pai”,

 pensou, com tristeza.

Tia Helena tinha renunciado à própria vida, tentando agradar o irmão, e as pinturas

de Lacey eram como as tapeçarias de tia Helena: interessantes, mas sem arte.

Desde que empregara o dinheiro de sua herança na compra do Centro, Lacey.descobrira seu verdadeiro talento. Era uma excelente administradora! Gostava de dirigir o

Centro, tanto quanto de pintar seus quadrinhos. Sentia, entretanto que poderia fazer 

grandes coisas se se dedicasse aos negócios.

O que diria Martin se soubesse que ela não se considerava uma verdadeira artista?

Cinco anos atrás, teria contado a ele. Quando partiu, porém, sem nunca mais tentar entrar 

em contato com ela, Lacey preferiu se agarrar à segurança do caminho conhecido. Não

queria mais arriscar por medo de sofrer. Agora, todavia, estava certa de que Martin poderiater sido o amor de sua vida.

Pôs de lado o esboço da velha cabana. Deixaria para terminar aquilo em outra

ocasião. Não era conveniente reavivar aquelas memórias enquanto Martin estivesse por 

 perto, pois não desejava ter um caso com ele. Se o fizesse, seria uma grande loucura.

Finalizou um trabalho encomendado por outra cliente e ficou satisfeita com o

resultado. Depois resolveu levar Jet para casa. Ao chegar à garagem, porém, já tinha

mudado de idéia: iria levá-lo somente para um passeio e o deixaria, em seguida, na

garagem mesmo.

Page 72: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 72/123

Foi com o cachorro até os limites da cidade, onde ficava a Tavern.

 Não planejara ir até lá, mas acabou indo. Eram quase dez e meia e a cidade já

estava ficando deserta. A música no parque de diversões já tinha parado, mas ainda se

 podia ouvir o som country, vindo da Tavern. Provavelmente, Martin ainda estava lá.

  – Será que devemos entrar? – Lacey perguntou a Jet. Sabia que o cão se

comportaria bem em qualquer lugar. Ao ver um grupo alegre saindo do bar, no entanto,

recuou instintivamente.

De qualquer modo, seria tarde demais para procurá-lo. Era melhor voltar e

acomodar Jet, antes que o pai voltasse e fizesse outra cena.

Ao chegar à cozinha de sua casa, esquentou um pouco de leite. “O que estou

fazendo?”, pensou. “Queria ficar lá fora até que Martin aparecesse, mas em vez disso fugi.Estou agindo como uma verdadeira maluca.”

Tinha certeza, no entanto, que Martin não estava confuso da mesma forma por sua

causa. Ele, sim, sabia exatamente o que queria.

 No dia seguinte, Lacey acordou sentindo-se novamente calma e segura. Levou Jet e

o trabalho que terminara na véspera para o Centro, e a cliente ficou encantada.

A manhã passou lentamente. Lacey tivera esperança de que Martin aparecesse,embora soubesse que ele estaria comprometido, naquela manhã, na hora do almoço e

durante toda a tarde. Ele realmente não veio, mas, Paul, sim.

 – Nada de Martin Jackson? – perguntou ele, entre curioso e aborrecido.

 – Não esta manhã – respondeu, sem se abalar.

 – Quer ir almoçar? – convidou Paul.

 – Vamos – aceitou ela, e saíram em seguida. Enquanto desciam pela escada de ferro

fundido, Paul perguntou: – Terminou o trabalho, ontem?

 – Ficou lindo! A cliente veio buscar esta manhã e, graças a Deus, gostou muito.

 – Ninguém apareceu por lá? – interpelou, hesitante.

Ele estava seguindo sua pista, da mesma maneira que seu pai, pensou Lacey,

desconfiando de que Martin tivesse estado com ela.

 – O cachorro conta como companhia? Do contrario, posso dizer que eu estava só – 

e acrescentou: – na cozinha, em casa. Martin estava na Tavern, parece, embora eu não

 possa garantir.

Page 73: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 73/123

 – Não depois das nove horas – disse Paul.

 – Quem contou isso a você deve ter seguido Martin para depois lhe informar a

respeito dos passos dele – revidou Lacey, irritada.

 – Sinto muito – disse Paul –, mas está havendo muitos comentários.

 – Comentários sempre há, sobre uma ou outra pessoa! – exclamou ela. – Mas,

afinal, você veio me buscar para almoçarmos juntos, ou estava a fim de me interrogar?

Lacey não deveria sentir-se ofendida. Na verdade, fora à procura de Martin, na

véspera, e tinha que admitir, pelo menos para si mesma, que estava curiosa por saber onde

ele estivera depois das nove da noite. Provavelmente na casa onde estava hospedado, mas

que casa seria esta?

Paul continuava a resmungar e não parecia acreditar nela. Na realidade, porém, elanão se importava com o que se passava na cabeça do namorado.

 – Sanduíche ou um prato quente? – perguntou Paul.

 – Torta de carne – pediu ela, só para variar um pouco. Ele foi fazer o pedido no

 balcão do restaurante, enquanto ela se dirigia a uma mesa no gramado, de olho em Jet, para

que ele não avançasse na comida dos outros.

Paul voltou, logo depois, com uma bandeja.

 – Estamos de sorte com o tempo – comentou Lacey, despreocupada.Mas Paul não estava com vontade. Ele soubera que Martin passara toda a manhã do

dia anterior no Centro, com Lacey. Além disso, ela desmarcara um compromisso com ele

  para aquela noite e Jackson tinha desaparecido depois das nove. Aquilo tudo o fazia

suspeitar de que ela e Martin tivessem se encontrado.

 – Maisie está medicando Porteus – disse Lacey, repentinamente. – Ele está com o

nariz muito congestionado. Acho que talvez seja melhor falarmos com Bart. O que você

acha? – Não sei – respondeu Paul, que não estava nem levemente preocupado com a

 Doce Alice.

Cada vez que alguém aparecia no jardim do restaurante ele olhava ansioso, como se

esperasse que Martin aparecesse a qualquer hora, “Paul desconfia de que Martin está me

seguindo”, pensou Lacey.

Sabia que, se Jackson fosse até o Centro e contassem a ele onde estava, era bem

capaz que surgisse por ali. Por isso, também não conseguia evitar alguns olhares

disfarçados, à procura dele. Assim, no final do almoço, ambos estavam dando mais atenção

Page 74: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 74/123

a estranhos do que um ao outro.

Haviam comido em silêncio. Normalmente, tinham o hábito de conversar, mas

naquele dia Paul estava sombrio.

 – Irei à festa de Denice esta noite – comunicou Lacey. – Você quer vir também?

 – Não, obrigado – recusou ele.

Era possível que soubesse que a festa era em homenagem a Martin. Enquanto

Lacey tentava decidir entre contar ou não a ele sobre isso, Paul perguntou por seu pai.

 – Ainda não está conversando muito comigo – disse ela. – Acho que o festival não

fez muito bem a ele.

Tanto Paul quanto o velho Laurence Allen haviam deixado bem claro que ela os

estava decepcionando. Acabou de comer depressa e, Paul ainda estava na metade do prato,quando se levantou.

 – Se mudar de idéia quanto a hoje à noite, vejo você em casa de Denice, por volta

das oito – disse Lacey. Se ficasse mais por ali, ele a faria prometer coisas que não queria, e

ela se afastou rapidamente.

Seu pai não estava em casa, e ela deixou o jantar preparado para ele. Em seguida,

começou a se aprontar para a festa. Lacey tinha uma vida social movimentada. Sempre fora

uma garota popular, mas nos últimos dois anos só saía com Paul. Naquela noite, todosesperavam que ela chegasse com o namorado, embora ele não fizesse parte da “turma”,

como Denice dissera.

Se quisesse, Lacey o teria convencido, da mesma forma que teria acalmado o pai,

se prometesse evitar Martin.

Antes de sair, Lacey olhou seu rosto refletido no espelho, da mesma forma, que

fizera há cinco anos, tentando ver-se objetivamente, e imaginando o quanto teria mudado.

Escolhera para aquela noite, um vestido de seda pura azul, que moldavasuavemente seu busto, realçava a cintura, e caía suave, numa saia ampla, que facilitava seu

andar elegante. Usava como jóia somente uma argola fina e grande de prata e pulseiras.

Queria ser notada naquela festa, e era com ansiedade que esperava por ela.

A casa de Denice não ficava longe, por isso Lacey resolveu ir a pé. A festa já estava

animada quando chegou, e, como a porta estivesse entreaberta, entrou sem se anunciar.

Barry estava servindo o ponche, numa antiga bacia de prata, na mesinha do hall. Lacey foi

logo cercada por amigos e todos perguntavam por Paul, embora ela percebesse que

suspeitavam do porquê da ausência dele.

Page 75: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 75/123

As janelas francesas da sala, que davam para o jardim, estavam abertas. Martin

conversava, junto à lareira, com um grupo à sua volta, e Lacey teve novamente a impressão

de que a roda do tempo girava para trás. Aquela festa parecia com as de antigamente,

quando ambos tinham amigos comuns, mas sem tempo um para o outro. Quando entrava

numa sala onde Martin estava, ficava muito consciente dele; sentia crescer o antagonismo

dentro dela, e sempre o bombardeava com frases mordazes. Tinha que enfrentá-lo, embora

soubesse que não conseguiria vencê-lo: Black Jack, desde aqueles tempos, dominava-a,

enquanto que a pessoa que estivesse perto dela desaparecia imediatamente!

“Bem”, pensou com ironia, “ele continua o tal, fazendo com que todos os outros

 pareçam insignificantes, e talvez tenha sido bom eu não ter trazido Paul”.

 – Martin vai ficar conosco! – anunciou Denice a seu lado. Ouvindo aquilo, Laceyapertou seu copo com tanta força, quase despedaçando o fino cristal.

 – É mesmo? – ela conseguiu dizer, antes de caminhar em direção a Martin, que

também se dirigia ao encontro dela. No meio ele sorriu.

 – Teve um dia divertido? – ela perguntou.

 – Sim. E você?

 – Cuidando das minhas gravuras – disse ela.

 – Seu pai teve urticária? – indagou Martin, irônico.  – Se teve, está guardando segredo. O clima em minha casa está péssimo – 

respondeu ela, baixinho, para que, os outros não a escutassem. – Quero falar com você – 

 pediu, então.

Subitamente Martin ficou sério, assumindo a velha expressão de sacerdote asteca.

Ele pegou na mão de Lacey, e ambos começaram a dançar, indo em direção das portas-

 janelas, e depois para o jardim.

Outros estavam dançando em volta deles. Martin dançava exatamente como Laceyimaginara, com perfeita coordenação, agilidade e ritmo.

 – O que é? – perguntou Martin, quando já estavam sobre o gramado, bem longe de

ouvidos estranhos.

 – Que diabo você está planejando agora? – indagou Lacey.

 – Quem disse que eu estou planejando alguma coisa?! – retrucou ele. Não estavam

mais dançando. Agora, parados, um em frente ao outro, fitavam-se desafiadoramente. – Do

que você está falando?

 – Você não pode dormir aqui, não vê? – advertiu ela, mantendo a voz baixa, e

Page 76: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 76/123

falando para ele, como se estivessem brigando. – Denice acabou de me dizer que você vai

ficar nesta casa, e isso é uma atitude inconseqüente, porque você bem sabe o que pode

acontecer. Se está atrás de estada gratuita, existem dúzias de pessoas querendo hospedá-lo.

A não ser, lógico, que esteja louco por Denice, o que me parece pouco provável, depois do

que você me disse sobre ela...

 – Estou em casa dos Pomeroy – informou ele.

 – Ah! Bom.

 – Eu sempre tive um fraco por Edith – continuou ele, muito compenetrado.

  – Eu também – disse ela. Percebia, agora, que Denice estava apenas tentando

convencê-lo a ficar ali, e sentia-se aliviada.

 – Mas se você quiser me oferecer uma cama... – sugeriu Martin. – Se meu pai tem urticária por causa de Jet, imagine o que teria com você por 

 perto... – brincou Lacey.

 – Posso fazer uma idéia – concluiu Martin, e Lacey teve a impressão de que havia

uma ponta de melancolia na voz dele.

Ele gostava muito de seu pai, e leva muito a sério essa história de dever filial.

  – Não podemos deixar que Lacey monopolize você assim! – Denice apareceu

subitamente, agarrando o braço de Martin. Depois virou-se para Lacey: – Não está nada parecido com os velhos tempos!

  – Acha mesmo? – revidou Martin, e Lacey enrubesceu, pois o sorriso de

cumplicidade que ambos trocaram deixou a amiga boquiaberta.

Lacey gostou da festa. Martin e ela ficaram o tempo todo juntos e ela fez o prato

dele na hora da ceia.

 – Esta vale pela sua segunda refeição – disse a jovem, entregando-lhe o prato. – Só

faltam mais duas. – Esteja certa de que as próximas duas serão diferentes – prometeu ele, pois até

aquele momento ela apenas trapaceara.

Maisie e Porteus tinham vindo, embora o pobre rapaz tivesse ficado sentado o

tempo todo, sentindo-se indisposto. Bart, seu possível substituto, estava cada vez mais

 preocupado. Nunca esperara ter que substituir Porteus, e passara a noite inteira dizendo aos

outros que não tinha nem físico, nem memória para fazer o papel. Depois de alguns

drinques, acabou confessando à produtora da peça que não teria condições de representar.

 – E o que quer que eu faça agora? – resmungou a mulher. – É tarde demais para que

Page 77: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 77/123

outra pessoa decore o papel. Por que concordou em ser o substituto de Porteus se nunca

 pretendeu subir ao palco?

 – Eu farei o papel – disse Martin, repentinamente.

  – Você?! – exclamou Doreen, a produtora, sem poder acreditar no que estava

ouvindo. – Mas isto seria maravilhoso! Todos viriam ver você. Poderíamos pôr seu retrato

do lado de fora do teatro, o que atrairia ainda mais gente. Ontem, a platéia estava prestando

mais atenção em você do que propriamente na peça! Acha mesmo que conseguirá decorar?

Pode mudar algumas frases, se esquecer alguma coisa.

 – Dê-me o roteiro – disse Martin, e Bart se ofereceu para ir buscar o  script no

mesmo instante.

Aquela parecia a solução ideal. Todos concordavam em que o teatro ficaria lotadose Martin Jackson estivesse no elenco, e Lacey concluiu que deveria ter pensado nisso

antes. Ele aprenderia rapidamente, embora não houvesse tempo para ensaios.

 – Não há problema – disse Martin. – Eu irei ao Centro e você, e Porteus me darão

algumas explicações.

Paul era o único que não estava entusiasmado com o substituto.

 No dia seguinte, telefonou a Lacey, no Centro. Tinham lhe contado que Martin

Jackson faria o vilão do melodrama, e ele não sabia se deveria culpar Porteus ou Bart. – Por que, afinal, ele se ofereceu? – perguntou Paul.

 – Caridade – explicou Lacey.

 – Ele sabe representar? – indagou, enciumado.

 – Ora, Paul. Não se trata realmente de representação – argumentou Lacey. – g só

 brincadeira. Quer vir esta tarde nos assistir? – Não posso sair outra vez. Estou com poucos

funcionários.

Martin decorara o papel perfeitamente. Porteus e Maisie ajudaram-no a ensaiar lámesmo, no boxe da cerâmica. Quando Lacey voltou, comentou com ele:

 – Paul quis saber se você tinha alguma experiência em palco. Talvez você devesse

ter feito um teste – acrescentou, irônica.

Ela estava bem-humorada. Era possível que as notícias sobre a mudança de elenco

tivessem alcançado seu pai, e perguntava-se se ele viria assistir.

  Nem mesmo o velho Laurence Allen poderia objetar a uma manobra que

certamente lotaria o Pequeno Teatro. Todos pagariam para ver Martin Jackson como vilão,

e talvez o preço das entradas pudesse ser aumentado para uma libra.

Page 78: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 78/123

Realmente. A fila já estava grande, quando o elenco começou a chegar ao teatro, e

 já havia até mesmo reservas feitas para o espetáculo de sexta-feira. Nos camarins todos

estavam radiantes. Eles conseguiriam a maior renda do festival, se a casa ficasse sempre

cheia.

Lacey se maquilou com uma pintura rosa-claro, enquanto as moças, à sua volta,

também se preparavam. Às duas horas em ponto ela, de braço dado com William, “o

lenhador”, entrou no palco.

Alice e William diziam seu diálogo. O público, porém, estava ansioso, à espera do

vilão. Na segunda-feira, Porteus entrara em cena empoado e pomposo e recebera uma

tremenda vaia. Quando Martin entrou no palco, no entanto, todos ficaram em silêncio. Ele

estava com botas de montaria, culotes, e a camisa aberta no peito, e mais parecia o herói doque o vilão. Naquele momento a peça virou, e o sangue de Lacey começou a circular mais

depressa.

A ligação entre ela e Martin transcendia os diálogos. Alice não devia perceber que o

nobre a estava observando. Entretanto enquanto se movimentava no palco, Lacey olhava

 para ele, muitas vezes através das pestanas semicerradas, mas outras vezes diretamente,

como se não conseguisse desviar os olhos. Aquele olhar a envolvia, estava prisioneira dele.

Martin não fez nenhum dos trejeitos de Porteus, mas a cena estava eletrizante e podia-seescutar até um alfinete cair ao chão. Lacey, no papel de Alice, também estava diferente,

apesar de dizer as mesmas frases. Agora, porém, aquelas palavras eram mais uma cortina

de fumaça, pois era evidente, que ela sabia que o homem que acabara de chegar a desejava.

Sob a maquilagem, seu rosto estava corado e ela respirava mais rapidamente.

Martin mal se movia. Porteus tinha seguido Alice pelo palco todo, mas Martin mantinha-se

imóvel, com os braços cruzados no peito, dizendo suas falas com a bela voz, firme e

controlada, que o público já conhecia de seus programas de tevê.Aquela encenação diferia inteiramente da anterior. Era como se fossem duas peças

distintas: um melodrama pastelão quando Martin não estava em cena, e algo intensamente

erótico quando ele e Lacey se encontravam. Na cena do mercado, quando ela escapava de

Porteus por entre as barracas, podia-se dar boas risadas. Naquele dia, entretanto, Martin e

Lacey se enfrentavam como dois duelistas. As palavras nada significavam. O que contava

era a linguagem corporal, embora eles nem se tocassem. Na platéia, porém, todos

esperavam com o fôlego preso o momento em que isto aconteceria.

Mas nada aconteceu, no entanto, na cena do mercado. Quando Lacey saiu de cena,

Page 79: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 79/123

encontrou todo o pessoal do elenco atônito e a produtora Doreen esfregando as mãos de

alegria.

 – Mas está magnífico, garota – disse a mulher. – Afinal de contas esta era uma

história meio escabrosa. – E fazendo um gesto para a platéia: – Eles mal podem esperar 

 pela cena da sedução.

O cantor narrava mais um trecho da história, enquanto o cenário do mercado estava

sendo trocado pelo do Carvalho Maldito, à meia noite. Martin sorriu para Lacey!

 – Nós combinamos bem, não? A química funciona perfeitamente.

 – Mas não se esqueça de que o nobre fica sem cabeça no final da peça – lembrou

ela.

Aquilo era mera representação e Lacey pensou que não devia se deixar abalar tanto.Pegou a capa com capuz, e tirou a touca que usara para a cena do mercado. Logo as luzes

diminuíram de intensidade e a “música da tempestade” começou a tocar.

Felizmente aquela tempestade não era real. Era leve, falsa e em nada se parecia com

a tempestade que os forçara a se abrigar na cabana da floresta. Havia, entretanto, ali,

alguma semelhança, e ela ficou imaginando se ele também se lembrava.

Lacey pôs o capuz na cabeça e entrou em cena. Tinha que implorar ficar de joelhos,

mas esta Alice não se humilharia tanto. Ela falou com o manto apertado ao corpo, antes deir para os braços de Martin repetindo suas falas, enquanto ele dizia as dele:

 – “Por que não respondeu às minhas mensagens? O tempo para o recato já passou,

minha bela orgulhosa. E sabe o preço.”

A capa da jovem caiu, enquanto ela caminhava para ele. Na representação anterior,

assim que Porteus agarrava Alice, William entrava brandindo o machado, e Alice

desmaiava. No momento em que Lacey chegou junto de Martin, porém, ele baixou-lhe o

vestido no ombro e beijou-lhe a pele, sensualmente. Se William não tivesse entradonaquele instante, ela dificilmente teria se controlado. Agora devia desmaiar e cair. Ela o fez

e uma cortina de gaze velou a cena do crime enquanto o cantor encerrava a narração da

saga de Alice.

O público vibrava. Batiam palmas sem parar, enquanto o elenco agradecia. Quando

finalmente as cortinas desceram, todos estava eufóricos. Lacey foi a única a sugerir que

 provavelmente Porteus estaria bom para o espetáculo de sexta-feira.

 – E, se estiver, não vai se importar em ceder o lugar a Martin – declarou Doreen, e

era verdade. – Você vai continuar no papel, não, vai? – perguntou a mulher, dirigindo-se a

Page 80: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 80/123

Martin.

 – Se você quiser... – concordou ele.

Lacey foi para o camarim e Martin a seguiu.

 – Você se incomoda se eu continuar? – perguntou ele.

 – Por que haveria? Afinal, é uma caridade – respondeu Lacey.

 – Mas, da próxima vez, nada de abaixar minha blusa, se não for pedir muito.

Lembre-se de que é apenas uma peça.

Martin abriu a porta do camarim para ela.

 – O texto é fictício, mas a química é real – argumentou Martin. Ele teria conseguido

seduzi-la se o quisesse. Ali mesmo, no palco, ele teria feito com que Lacey se esquecesse

de toda aquela gente que os observava. O poder que Martin tinha sobre ela era assustador e, por mais que quisesse fingir e disfarçar, nada mudaria isso.

Os outros colegas estavam chegando e ele iria embora pelo corredor, até o camarim

dos homens.

 – Desta vez estou falando sério – ela ameaçou. – Deixe-me em paz. Fique longe de

mim, por favor!

Martin olhou firme para ela. Depois, sem discutir, respondeu simplesmente:

 – Muito bem. Se é isso o que você quer...

Capítulo VI

Desta, vez Martin parecia decidido a deixá-la em paz. Naquele instante resolvera

que ela não valia a pena. Ninguém desconfiava do papel de tola que fizera cinco anosantes, mas agora a cidade inteira estava comentando sobre ela e Martin. Se cedesse outra

vez, todos saberiam, e seria patético.

Outras colegas chegavam agora ao camarim. Comentavam sobre a peça e sobre o

aumento de reservas para os próximos espetáculos.

A renda seria bem maior do que haviam previsto.

 – Você esteve fantástica, garota – todas diziam a Lacey. – Sinceramente, eu senti até

arrepios na espinha! Vocês dois estiveram maravilhosos! – E outra moça, rindo, perguntou,

curiosa: – Está havendo alguma coisa entre você e Martin?

Page 81: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 81/123

 – Não – negou Lacey. –  Não!

Ela iria diretamente à biblioteca falar com Paul, antes que alguém fosse contar a

ele, com malícia, como fora o espetáculo daquela tarde.

Acabou de remover a maquilagem, tirou a roupa o mais depressa que pôde,

esgueirou-se pelos grupos que se amontoavam do lado de fora do palco, e saiu.

Mas Lacey não foi a primeira a levar as novidades ao namorado.

Uma das funcionárias da biblioteca, que claramente tinha uma queda por Paul,

assobiou baixinho, com um sorriso malicioso nos lábios, quando Lacey apareceu.

  – Disseram-me que, na semana que vem, vocês vão fazer  Lady Chatterley. – 

comentou ela.

  – Paul está aí? – perguntou Lacey, ignorando a insinuação da. mocinha, queassentiu com a cabeça.

Lacey caminhou até a porta do escritório de Paul e bateu. Em seguida, entrou.

 – Que pena, eu ter perdido a representação desta tarde – disse ele, com olhos

acusadores por trás dos óculos. – Contaram-me que foi bastante ousada.

Lacey conseguiu sorrir:

 – Bem, terminou em morte, portanto deve ter sido mesmo. Mas a casa esteve

repleta, e parece que os ingressos para sexta-feira já estão esgotados. – Ele fez o papel hoje... Mas o que vamos fazer com Porteus?

 – Você sabe que ele não vai se importar. As pessoas querem ir para ver Martin...

 – E quando você irá vê-lo outra vez? Esta tarde, no Centro? Esta noite?

Martin não visitaria o Centro novamente. Não telefonaria, nem a procuraria mais.

Tudo seria como daquela última vez, em que ele a abandonara.

 – No espetáculo de sexta – respondeu ela. – Provavelmente, não antes disso.

 – Sabe o que andam dizendo? – indagou Paul. – Estão todos enganados – revidou Lacey, irritada.

  – Então nos vemos hoje à noite? – ele perguntou, observando-a com olhos

desconfiados.

 – Venha até a minha casa, jantar – convidou Lacey. – Você poderá me ajudar a fazer 

as pazes com meu pai.

Se ela pretendia fazer as pazes, então sua pequena rebelião devia ter terminado, e

Paul concordou.

 – Tudo bem – disse ele.

Page 82: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 82/123

“Estarei novamente com os dois homens de minha vida”, pensou Lacey, “os que

sempre acham que sabem tudo. É possível que até saibam mesmo, porque o que sinto por 

Martin é tão forte que poderia me destruir”.

 No Centro de Artes todos a provocaram por causa da peça. Todos acharam que fora

o máximo... e as pessoas, que antes não tinham se interessado, agora estavam curiosas.

 – O tal strip-tease da última cena... – caçoou Porteus –... não tinha nada daquilo no

 script.

 – Não houve  strip-tease nenhum – discordou Lacey. – Foi só um centímetro de

ombro, nada mais. Além do mais, Paul irá assistir à peça na sexta-feira, portanto acho que

teremos que eliminar isso – acrescentou, ela, tentando levar tudo na brincadeira.

Paul apareceu para buscá-la às cinco horas da tarde, e Martin não veio.Paul e Laurence Allen ficaram conversando na sala enquanto Lacey preparava a

refeição para os três. Imaginava que o pai tivesse ouvido falar sobre  Doce Alice, e Lacey

tinha certeza de que os dois homens conversavam sobre isso, enquanto ela terminava o

 jantar.

O pai estava um pouco menos carrancudo quando se sentaram à mesa, embora suas

 primeiras palavras tenham sido cáusticas:

 – Então agora teremos o privilégio de ver Martin Jackson atuando na peça de seunoivo...

“Ele quer um pedido de desculpas de minha parte,” pensou Lacey.

“Mas eu não quero mais falar nisso, nem dizer ou ouvir o nome de Martin.” Ela se

recostou na cadeira, com as mãos sobre a beirada da mesa.

 – Ele é famoso e as pessoas pagam só para vê-lo, mas eu não quero discutir isso.

 Não é problema meu. – Depois olhou para o pai: – Sei por que você não gosta dele, e

respeito suas razões. Também sei por que você não gosta – continuou, dirigindo o olhar aPaul. – Mas eu estou aqui, e acabei de preparar um jantar para vocês. Além disso, para

deixá-los mais calmos, logo após o espetáculo, pedi a Martin que se afastasse de mim,

 pois, se ele não liga a mínima para as fofocas locais, vocês e eu ligamos. Ele me prometeu

que faria isso. Satisfeitos? E, agora, será que vamos poder comer em paz?

A explosão dela os deixou atônitos, mas também nitidamente aliviados. Era incrível

 pensar que Martin estava na cidade há apenas cinco dias, e já causava tanta confusão! Paul

ficou até quase a meia-noite, e foi preciso que Lacey alegasse estar exausta, para que ele

fosse embora. Ela, porém, demorou horas para dormir naquela noite.

Page 83: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 83/123

 Na quinta-feira pela manhã, Martin não apareceu no Centro. Todos estavam muito

atarefados e, na hora do almoço, Paul veio buscar Lacey. Conversaram sobre várias coisas,

mas não tocaram no nome de Martin.

 – Se eu conseguir o sábado livre – disse Paul –, que tal irmos passar o fim de

semana em Eastbourne, com meus pais?

Mas estavam no meio do festival, e o Centro ficaria aberto durante o sábado e o

domingo.

 – Eu poderia perder a chance de fazer algumas boas vendas – respondeu Lacey.

 – Foi só uma idéia – justificou-se Paul.

 – Logo que o festival terminar... – prometeu.

O nome de Martin era mencionado por toda parte. Lacey ouvira dizer que ele estavaajudando em uma porção de obras de caridade. Aquilo, entretanto, nada mais tinha a ver 

com ela.

Sexta-feira foi um dia memorável. Não somente por causa da matinée, mas também

 porque era o dia em que o semanário Chadsford Herald chegaria às bancas, com fotos e

comentários sobre a abertura do festival. A foto que mostrava Lacey e Martin saindo da

roda-gigante havia saído nítida, e ela parecia estar se levantando de um monte de feno. A

seu lado, Martin, composto e imperturbável, sorria, enquanto ela ainda estava em estado dechoque.

 No artigo, podia-se ler o comentário de Lacey: “A vista lá de cima é linda”, e o de

Martin: “Nós nem sentimos o tempo passar”. O artigo dizia, ainda, que Martin estava

substituindo Porteus na peça  Doce Alice, cuja renda seria revertida em favor do Manor 

Park Hospital.

Aquela fora uma ótima propaganda para a peça, mas Lacey teve vontade de gritar,

quando insistiram para colocar a foto dela e Martin do lado de fora do teatro. Acreditavamque Lacey parecia tão desnorteada no episódio do parque porque tinha levado um grande

susto, e ela só esperava que não percebessem que seu batom estava manchado.

Paul comentou ligeiramente sobre a foto, e uma repórter do Mercury apareceu no

Centro para perguntar a Lacey que tipo de relaciona mento existia entre ela e Martin.

 – Somos apenas amigos – insistiu Lacey.

A repórter contou, então, que Martin dissera a mesma coisa, e que alguns amigos

dele tinham chegado a Chadsford, naquela manhã, para assistirem ao espetáculo da tarde.

Eles logo se transformaram no assunto preferido das pessoas da cidade. Eram mais

Page 84: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 84/123

de dez, a maioria rostos conhecidos, entre os quais o de uma moça, que. vinha sendo a

companhia constante de Martin, nos últimos tempos. Era a primeira vez que Lacey ouvia

falar da tal moça, pois, sempre que possível, procurava evitar ler sobre Martin.

 – Agora você está me assustando – brincou ela, quando Maisie contou que a moça

era atriz de tevê. – Pode imaginar, profissionais nos assistindo!

Os amigos de Martin conseguiram lugares na primeira fila. Lacey olhou pelas

cortinas e viu a tal moça, com os cabelos crespos, cor de cobre. Ela sorria para Martin, que

estava de costas para o palco, e Lacey se afastou dali, como se tivesse presenciado uma

cena chocante.

Paul chegou ao teatro um pouco antes das cortinas subirem, e ficou assistindo dos

 bastidores quando Alice e William fizeram sua entrada. Quando foi a vez de Martin, nãohouve o mesmo silêncio da apresentação anterior, porque os amigos dele começaram a

 bater palmas. Mesmo assim, foi emocionante. Lacey esteve muito bem, como Alice, mas,

embora se esforçasse para lembrar que aquilo tudo era mera representação, o magnetismo

entre ela e Martin, cada vez que contracenavam, era uma coisa palpável.

O aplauso no final foi tão caloroso quanto o de quarta-feira e, quando as cortinas

 baixaram, os amigos de Martin vieram para os bastidores.

 – Se conseguir o dia de amanhã livre – Lacey disse a Paul – acho que gostaria de ir a Eastbourne.

Tudo acertado, Lacey foi até o Centro para avisar que se ausentaria por uns dias.

Foi com imensa satisfação que seu pai recebeu a notícia.

 – Por que não fica a semana toda? – sugeriu ele.

 Naquele momento, Lacey conscientizou-se; mais uma vez, de que seu pai não dava

o menor valor ao trabalho que ela realizava fora de casa.

 – Preciso estar aqui na segunda – respondeu Lacey. – Tenho muito a fazer.Durante o caminho, ela contou a Paul a sugestão do pai, e ficou surpresa ao

 perceber que a opinião dele não era diferente. Bem que gostaria de se afastar, até que

Martin fosse embora, em companhia de sua namorada. Mas, provavelmente, ele ficaria até

o final da outra semana.

 – No que você está pensando? – perguntou Paul, e Lacey disse que o sol estava

incomodando seus olhos.

Foi um fim de semana agradável e os pais de Paul não poderiam ter sido mais

amáveis. A casa ficava perto do mar, e passaram o sábado como verdadeiros turistas, indo à

Page 85: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 85/123

  praia, passeando e olhando vitrinas. Almoçaram com a irmã casada de Paul, e foram

novamente à praia, com o cunhado e os sobrinhos dele.

  – Quando vocês dois vão se casar? – perguntou Jennifer, irmã de Paul, que

simpatizara muito com Lacey.

 – Ela é quem resolve – respondeu Paul, hesitante.

De repente, porém, Lacey avistou um homem alto e moreno... com cabelos crespos,

e foi como se tivesse levado um soco no estômago.

Por um momento, pensou que fosse Martin. Mas não era. Aquilo, entretanto,

deixou-a profundamente abalada. Certamente, não podia pensar em casar-se com Paul,

enquanto qualquer coisa que a fizesse lembrar de Martin lhe causasse tanta perturbação.

Estava certa de que, muito tempo depois do festival terminar, a lembrança de Martin aindaa perseguiria.

Saíram da casa dos pais de Paul pela madrugada. Lacey deixou fumo para

cachimbo e um perfume de presente para eles. Mais de que uma forma de agradecimento,

aquilo era um pedido de desculpas. É por não amar o filho deles.

 Não era bem assim. Ela amava Paul. Se Martin não tivesse voltado, era provável

que ela se tivesse casado com ele. Agora, no entanto, Paul precisaria de uma boa dose de

 paciência. Esperava que aquela sua paixão passasse, como uma febre, mas não saberiaquanto tempo ainda levaria até isso acontecer.

Paul considerou o silêncio da jovem como conseqüência de seu cansaço. Eles

chegaram a Chadsford um pouco antes das nove horas.

 – Deixe-me no Centro – pediu Lacey, enquanto apanhava o casaco e a maleta, que

estavam no banco de trás. – Obrigada, eles foram mesmo ótimos. – Saltou e pôs a maleta

na calçada.

 – Estou contente de que tudo esteja bem outra vez, entre nós – disse Paul. – Vamosalmoçar juntos?

 – Não – recusou ela. – Provavelmente estarei muito ocupada. Vejo você amanhã.

O carro partiu para a praça, e Lacey ficou observando enquanto ele se afastava.

Como pudera pensar, um dia, que combinava com Paul? Era incrível ele achar que tudo

estava bem, quando ela sentia que tudo, na verdade, estava desmoronando.

Assim que pôs os pés no Centro, não teve mais tempo para divagações. Todos lhe

 perguntavam sobre o fim de semana, e Lacey respondia que tinha sido ótimo.

Escutou a voz possante de Porteus, na sala das cerâmicas, e dirigiu-se para lá, a fim

Page 86: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 86/123

de saber se ele iria retomar o papel de vilão naquela tarde. O rapaz soltou uma gostosa

gargalhada.

 – O público iria simplesmente me linchar – disse ele, alegremente. – E também a

turma do hospital. Não sei quem fez o maior favor, se fui eu ficando doente, ou Bart

ficando com medo.

 – Talvez eles coloquem uma placa em cada cama, como homenagem a vocês dois – 

 brincou Lacey.

 – Anotei alguns pedidos de encomenda para você – avisou Maisie.

 – Ótimo – agradeceu Lacey.

 – Gostou do fim de semana? – perguntou a amiga, em seguida.

 – Foi tudo bem – respondeu Lacey.Maisie largou a peça que estava decorando e, se aproximou da amiga.

 – Vai tudo bem, mesmo? – perguntou ela, preocupada.

 – Claro – respondeu Lacey.

  – Achei estranho você tirar dois dias de férias, bem no meio do festival – 

mencionou Maisie.

 – Bem, talvez o festival esteja sendo mais cansativo do que eu pensei que seria – 

explicou, enquanto examinava seus quadros, na parede. – Talvez eu esteja começando a mearrepender de ter ouvido falar daquelas malditas feiras de antigamente. – Depois se virou

 para a amiga e tentou sorrir. – Esqueça estas bobagens, sim?

 – Claro – disse Maisie. – Uma pessoa quer saber se você pode pintar o Poço dos

Desejos, mas um pouco maior. Ficou de voltar no final da, semana que vem.

 – Obrigada – agradeceu Lacey.

  – E, por falar em férias, Martin veio pagar pelas refeições que havia lhe

encomendado.Então ele a estava liberando do cumprimento da barganha! Envolvida nesse

  pensamento, começou a arrumar o boxe, e somente uma ou duas horas mais tarde

 perguntou, casualmente, se os amigos de Martin tinham ficado durante o fim de semana.

 – Alguns ficaram – respondeu Maisie. Naquele momento, entretanto, uma mulher 

interessada numa enorme travessa se aproximou e a conversa foi interrompida.

Lacey tinha que fazer compras, naquela manhã. Por volta de meio dia e meia,

desceu, e parou para telefonar para casa, antes de sair.

O velho Laurence disse que tinha sido muito bem cuidado durante a sua ausência, o

Page 87: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 87/123

que não a surpreendeu. Nada mais disseram um ao outro, mas ela sabia que as coisas entre

eles tinham voltado à normalidade. O pai estava mais seguro por causa do passeio que ela

fizera em companhia de Paul. Sua vida agora retomaria à morna rotina habitual.

O telefone tocou e, distraída, ela atendeu.

 – Centro de Artes Chadsford, no que posso ajudá-lo?

 – Ótimo, aposto que você teve aulas de dicção – respondeu a voz do outro lado da

linha.

 – Martin! – exclamou ela, sem conseguir conter o sorriso.

 – Lacey... – começou ele.

 – O que podemos fazer por você?

 – Sobre aquelas refeições – continuou Martin. – Soube que você já pagou.

 – O que acha então de vir almoçar com os Pomeroy? – convidou ele. – Você poderá

cozinhar algumas salsichas e depois iremos juntos para o teatro.

Parecia um convite inofensivo, mas ela hesitou.

 – Só eu e você?

 – Não, eu, você e Edith – esclareceu Martin. – Acha que ela poderá proteger você

eficientemente? – Sem dúvida – concordou Lacey.

 – Ótimo, nos encontremos, então, na cozinha.

Por dois minutos, ele a teria perdido. Se ela tivesse saído sem telefonar para casa,

não estaria mais no Centro quando ele telefonasse. Coincidências assim estavam sempre

acontecendo, mas parecia haver o dedo do destino no caso deles.

O sr. Pomeroy era um dos advogados mais importantes da cidade. Tinha uma bela

casa, cercada de jardins floridos, principalmente roseiras.O perfume das flores alcançava Lacey, enquanto ela se aproximava da entrada da

casa. Ao chegar à porta, esta se abriu e a sra. Pomeroy apareceu num belo vestido azul de

chiffon.

 – Entre, minha querida – saudou a mulher. – Espero que me desculpe, mas já estou

de saída.

 – A senhora não vai ficar? – perguntou Lacey, surpresa.

 – Infelizmente não será possível – disse a sra. Pomeroy. – Tenho um almoço no

Círculo Feminino. – Parou por um instante, para olhar melhor a recém-chegada. – Meu

Page 88: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 88/123

Deus! – exclamou a mulher. – Você está cada vez mais linda.

 – Ah... muito obrigada – agradeceu; lisonjeada.

Martin encontrou Lacey no hall, e os dois observaram a sra. Pomeroy, que se

afastava. Lacey virou-se, então, para Martin.

 – Você me disse... – começou a falar.

 – Você viria se eu não tivesse dito? – interrompeu Martin, com um sorriso irônico.

 – Não sei – disse Lacey.

 – O que acha que eu sou? Um maníaco sexual? – perguntou ele rindo. Lacey

acabou rindo também, sentindo-se uma grande tola. – Ótimo – disse ele. – Pois fique

sabendo que não sou nada disso. Apenas achei que as coisas entre nós estavam sendo super 

dramatizadas. Concorda?Ela assentiu com a cabeça e sorriu para ele. Martin não podia mesmo imaginar o

que ela sentia quando ele estava por perto. Não havia, portanto, razão para que não

almoçassem juntos.

 – Eu esquento as salsichas – prontificou-se Lacey.

 – Nada disso – recusou Martin. – Já está quase tudo pronto.

 – Você fez tudo sozinho? – indagou ela.

 – Não, foi a sra. Pomeroy que preparou as coisas – explicou Martin.Ele levou-a até a cozinha ensolarada, onde uma mesa estava posta para dois. Lacey

sentou-se e retirou alguns pratos de frios, além de patês variados, de dentro do pacote das

compras que fizera.

 – Comprei algumas coisas para nosso almoço – disse ela.

Conversaram animadamente enquanto preparavam o almoço, e continuaram a

conversar durante a gostosa refeição, regada a vinho branco. Seria agradável passar outros

momentos assim, pensou Lacey, ao menos, poder encontrar com ele, às vezes.Lacey sempre invejara a vida movimentada de Martin e sentiu-se tentada a pedir 

que ele lhe escrevesse, às vezes, contando o que estava fazendo na vida. Refreou, no

entanto, aquele impulso, ao lembrar-se da angústia que sentira, esperando pelas cartas dele,

que nunca chegaram, e mordeu os lábios.

 – O que seus amigos acharam da peça? – indagou ela, tentando mudar o rumo de

seus pensamentos.

 – Bem... – começou Martin, sorrindo.

 – Nem precisa continuar – ela emendou. – Será que Sandra Scott não gostaria de

Page 89: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 89/123

fazer o papel de Doce Alice em meu lugar?

 – Impossível. Ela teve que voltar para Londres – informou Martin.

 – É pena – comentou Lacey, sem poder encontrar nada mais para dizer, que não

 parecesse intromissão.

Mudando de assunto, ela mencionou a noite em que Jet ameaçara seu pai,

 parecendo perceber a intolerância do sr. Allen para com animais, em geral.

 – Seu pai não é uma pessoa muito amável – comentou Martin.

 – Geralmente ele é – afirmou Lacey. – Mas ele tem suas antipatias... e preferências.

Afinal, ele foi grande amigo de seu pai.

 – É verdade. Não devemos nos esquecer disso, não é mesmo? – disse Martin, e

Lacey sentiu que havia algo estranho no tom de voz dele, que ela não era capaz de definir. – Que tal tomarmos café na sala? – sugeriu ele, em seguida, levantando-se, e começando a

arrumar as xícaras numa bandeja.

 – Ótima idéia – concordou ela.

A sala de estar da sra. Pomeroy era tão elegante e agradável quanto o resto da casa.

Lacey, porém, não se sentia à vontade ali, pois atrás de um sofá verde estava pendurada a

célebre tapeçaria, que tia Helena bordara. Das outras vezes que estivera naquela sala, dera

um jeito para ficar de costas para ela. Naquele dia, no entanto, sentara-se em frente à tela eesta lhe avivava a lembrança das noites em que ela, ansiosa, rezava para que o telefone

tocasse. As palavras estavam em sua garganta: “Por que você não me escreveu?”

Aquela frase soaria, entretanto, muito emocional, e perturbaria o clima de

naturalidade que estava se instalando entre ela e Martin.

Além disso, depois de cinco anos, as desculpas estariam um bocado fora de época.

Era evidente que ele não escrevera porque não tivera vontade. Agora Martin estava

servindo o café. – Sem leite – pediu ela.

Observando-o, Lacey pensou que ele sabia muito bem tomar conta de si mesmo.

 Não precisava de ninguém para cuidar dele. Podia lembrar-se de queixa das moças, nos

velhos tempos: “A gente não pode fazer nada para Martin! Ele não deixa!” Sempre fora

assim, Martin nunca dependera de ninguém. Qual seria o relacionamento entre ele e

Sandra?, pensou Lacey. Teria se hospedado na casa dos Pomeroy? Onde teria dormido?

Quando Martin lhe estendeu a xícara, Lacey estremeceu, derrubando café no pires.

 – Que tal achou a foto no Mercury? – perguntou ela, de repente.

Page 90: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 90/123

 – Eu é que pergunto – brincou Martin.

Os dois riram.

 – Você não saiu mal – disse Lacey. – Mas eu fiquei horrível!

  – Bem, aquele foi um momento difícil, não foi? – comentou, com os olhos

 brilhando, maliciosamente. – Nós poderíamos ficar lá em cima a noite toda – acrescentou

ele.

 Novamente, Lacey sentiu que pisava em terreno perigoso.

 – A repórter foi me procurar no Centro. Não sei atrás de que tipo de história ela

estava, mas parece que desistiu. – E mudando de assunto: – Você teve um bom fim de

semana?

 – Sim, obrigado. E você? – perguntou Martin. – É sempre bom passar um dia à beira-mar – comentou Lacey. – Você esteve à

 beira-mar? – indagou ele, surpreso.

 – Estive em Eastbourne. A família de Paul mora lá – esclareceu Lacey.

 – Foi com Paul?

 – Claro!

Aquele era o tipo de conversa que poderiam ter numa sala cheia de gente.

 – O que foi que vocês fizeram? – perguntou Martin, ainda uma vez. – Fomos à praia – contou ela. – O tempo estava ótimo. A noite, fomos ao cinema.

 – Vocês fizeram amor? – indagou, inesperadamente.

Lacey quase deixou cair sua xícara, ao ouvir a pergunta de Martin.

Teve vontade de revidar: “E você fez?” Sentia-se ofendida, e decidiu ir embora.

Martin parecia estar querendo fazer com que ela perdesse a paciência, só para se divertir às

suas custas.

Ela pôs a xícara sobre o tapete, ao lado da cadeira, e levantou-se. – Muito obrigada pelo almoço, mas o que Paul e eu fazemos não lhe diz respeito. Já

disse a você que vou me casar com ele.

Martin também se levantou.

 – Venha cá – disse ele, com firmeza.

 Não mais que três passos os separavam e ela sentiu-se vacilar. Tinha medo de se

mexer, pois Martin estava com as mãos nos ombros dela, o rosto furioso perto do seu.

  – Por que não me deixa amar você? – perguntou ele, e agora os seus dedos

machucavam-na. – De que tem medo? Por que é tão covarde? Se está planejando passar 

Page 91: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 91/123

sua vida escondendo-se atrás de Paul, os próximos dias poderão mostrar se ele tem

condições de manter você longe de mim.

“Estou certa de que ele não tem”, Lacey pensou. “Tudo dependerá, de mim. Sou

covarde porque sei o que aconteceria se me entregasse a solidão estaria à minha espera.”

 – Você não quer Paul – continuou Martin.

A voz grave dele soara ainda mais profunda, e havia um terrível tom de ameaça

nela. Ele sacudiu-a de leve, e ela sentiu como se tivesse sido atirada contra a parede.

 – Como pode saber o que quero, o que valorizo? – indagou Lacey com voz abafada.

 – Isto não é nada... este desejo superficial.

 Nesse instante, Martin envolveu-a num beijo apaixonado, colando seu corpo ao

dela. Pele, sangue, nervos, tudo vibrava nela, despertando seu desejo. – Acha mesmo que o que sentimos é superficial? – perguntou ele, com os olhos

azuis, agora muito escuros e ardentes, e ela teve que fechar os dela, enquanto tentava

livrar-se daquele contato.

Quando Martin soltou-a, Lacey recuou.

 – Pois agora eu sou a Doce Alice e estou dizendo para você cair fora – ameaçou ela.

 – Por que não escuta o que estou dizendo?

 – Não fale tanta besteira! – gritou Martin, e ela saiu correndo para fora da casa,acreditando que ele estava tão zangado, que seria até capaz de cometer qualquer loucura.

 Nunca esperara que Martin perdesse o controle daquela maneira.

Mas era nisso que dava ser sempre o vencedor. Não podia aceitar que um dia

aparecesse alguma coisa que não conseguisse, especialmente quando se tratava de algo que

lhe caíra nas mãos, certa vez, como uma fruta madura.

Era como se uma máscara tivesse caído do rosto dele. Nunca associara Martin a

qualquer tipo de violência, embora ele convivesse com ela em sua vida profissional. Nuncao vira usar de força física contra quem quer que fosse, e estava abalada por ter visto como

ele chegara perto de empregá-la contra ela.

A cabeça de Lacey latejava, e ela desejava ardentemente não ter que representar 

naquele dia. Mas era tarde demais. Decidira, entretanto, que aquela seria a última

representação de que participaria. Perderia a voz, torceria o tornozelo, inventaria alguma

desculpa, e entregaria o papel de Alice a alguém que desejasse fazê-lo. Não contracenaria

mais com Martin. Aprendera sua lição e agora se afastaria dele.

A platéia estava começando a lotar, novamente. Lacey tirou suas roupas comuns e

Page 92: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 92/123

vestiu a saia rodada e a blusa decotada, com mangas bufantes, da personagem. Todos

 pareciam estar comentando sobre ela no camarim. Não ficaria surpresa se lhe dissessem

que Martin não aparecera. Ele, no entanto, devia ter vindo,.visto que ninguém dissera nada

a respeito. Assim, quando o relógio bateu duas horas, a voz do cantor se fez ouvir e as

cortinas se ergueram.

Ela procurou olhar o mínimo possível para Martin, mantendo distância dele. Era

improvável, entretanto, que ele a agarrasse no meio do palco. -Ele ainda parecia zangado e,

  por trás do rosto impassível, e dos olhos semicerrados, Lacey podia sentir uma raiva

contida.

Mal podia esperar pela cena final. Ela implorou que ele a deixasse, mas agora, um

em frente ao outro, Martin devia dizer: – “Por que não respondeu às minhas mensagens? O tempo para recato já passou,

minha bela orgulhosa! Você sabe o preço.”

Ele falara sempre com a voz alta e clara, para que mesmo as pessoas da última fila

  pudessem escutar. Agora, porém, inesperadamente, ele passara a falar tão baixo que,

certamente, nem mesmo as pessoas da primeira fila conseguiam entender:

 – Por que você nunca respondeu às minhas cartas? – perguntou Martin, quase num

sussurro.

Capítulo VII

 – O quê? – perguntou Lacey, mal conseguindo respirar.

 – Você ouviu muito bem – disse ele. Naquele instante Freddy-William entrou brandindo o machado, e Alice teve que

desmaiar. Ela caiu para um lado, enquanto os dois homens terminavam a pantomima. Em

seguida, todos os atores voltaram ao palco, para receber os aplausos da platéia. Freddy

segurando uma das mãos de Lacey, e Martin, a outra. Ela forçara um sorriso, mas Martin

nem mesmo conseguira fingir. Não olhava sequer para o público, seus olhos estavam

 presos em Lacey.

 – Você nunca me escreveu – cochichou para Martin.

 – Fiz isso duas vezes – afirmou ele.

Page 93: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 93/123

O resto do elenco sorria para a platéia, e assim ninguém notou o gesto surpreso de

Lacey.

Para onde ele teria escrito?, pensou ela. Seu endereço na época era o mesmo de

agora.

 – Não recebi nenhuma carta sua – repetiu ela, enquanto Martin a encarava com

cinismo.

 – Então por que me pediu para parar de escrever, quando eu telefonei? – indagou

ele.

 – Você telefonou? – perguntou a jovem, surpresa.

Ela não recebera telefonema algum e tampouco falara com ele. As palmas

continuavam, mas ela conseguia ouvi-lo perfeitamente no meio do barulho. – A srta. Allen disse-me que você não tinha nada a falar comigo – continuou

Martin.

 – Tia Helena?

Aquela história estava mal contada. Ele devia estar inventando coisas. Entretanto,

Martin sorriu, um sorriso que ela conhecia bem, com olhos sempre atentos.

 – Ela mesma – respondeu ele, então.

A cortina baixou finalmente. A cabeça de Lacey rodava tanto, que mal conseguia pensar. O que ele acabara de dizer deixava muitas perguntas sem respostas. Será que estava

mesmo dizendo a verdade?

Por outro lado, por que ele mentiria?, pensou consigo mesma.

Martin ainda estava segurando a mão de Lacey e, Doreen, que vivera na cidade a

vida toda, comentou, rindo:

 – Quem poderia imaginar que nos velhos tempos vocês não toleravam nem se ver?

 – comentou a mulher.Martin riu, levantou a mão que segurava, e beijou-a.

 – Vamos dizer a ela o que nós dois éramos, nos velhos tempos? – sugeriu ele.

O rosto de Lacey ficou vermelho sob a pintura branca e todo o seu corpo parecia

estar fervendo. Martin praticamente anunciara que tinham sido amantes, e Lacey teve a

impressão de que todos estavam olhando para ela e escutando. Seria melhor rir agora e

dizer alguma coisa espirituosa, qualquer coisa! Se não tivesse enrubescido, todos

 pensariam que Martin estava brincando. Ela, entretanto, era a imagem da culpa, embora

não houvesse razão para sentir-se culpada. Ninguém tinha sido magoado, a não ser ela

Page 94: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 94/123

mesma. Além disso, se tudo não tivesse sido tão inesperado, não teria causado toda aquela

sensação, tanto tempo depois.

Todos se haviam surpreendido com o desenvolvimento da amizade entre Martin e

Lacey. Desde o primeiro dia em que chegara à cidade, ele tinha estado atrás dela. Se eles

tivessem tido um caso secreto antes dele partir de Chadsford, então tudo ficaria explicado.

Lacey podia ler os pensamentos das pessoas, nos poucos segundos em que ficou

com os dedos entrelaçados nos de Martin. Se sua mente estivesse mais clara, ela

responderia que tudo era ridículo, e não confirmaria nada.

 – Um bocado de água passou debaixo da ponte desde então – ela disse, tentando

 justificar as coisas.

Quando sentou-se diante do espelho, uma porção de rostos curiosos a cercaram. – É verdade mesmo que Martin Jackson é um velho amor seu? – perguntou uma

delas.

  – Ele tem dúzias de “velhos amores” por aqui, e deve estar fazendo alguma

confusão – explicou ela, embora fosse um pouco tarde para negativas.

Tessa, uma das antigas fãs de Martin, comentou:

 – Ele nunca levou a sério nenhuma de nós.

“Ele nunca me levou a sério tampouco”, pensou Lacey. “Ele não escreveu, não podia ter escrito.” Começou a tirar a roupa, e percebeu como as pessoas já estavam se

ajustando à nova situação.

 – O festival foi idéia sua, não foi? – perguntou Tessa.

Deviam estar todas imaginando que ela planejara tudo aquilo, somente para trazer 

Martin de volta à Chadsford.

 – Bem, mas não foi minha idéia trazer Martin para fazer a abertura do evento – 

esclareceu Lacey. – Não, mas seria a escolha óbvia – contestou Tessa. – Mas imagino que não exista

nada de sério entre vocês.

 – Depois que ele partir, não acredito que venhamos sequer a nos ver novamente... – 

respondeu Lacey, honestamente – a não ser nos próximos cinco anos... – E todas

concordaram com ela.

 – Mas eu acho que, de qualquer forma, você teve muita sorte – comentou outra

garota. – Vai ter lembranças maravilhosas. Eu não me importaria de tê-lo, nem que fosse

somente por uma quinzena... Ele é terrivelmente sexy, não acha?

Page 95: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 95/123

Todas riram. A conversa tomou outro rumo, e Lacey se apressou para sair. Teria que

enfrentar momentos difíceis, desde provocações bem-humoradas até indiretas grosseiras.

Aquela noite com Martin ficara encerrada dentro dela, de tal maneira que se esquecera

dela.

 Nunca contaria a ninguém sobre o que acontecera, no entanto Martin o fizera diante

de todos, rindo.

Aquela era a maior prova de que não significara nada para ele. Se ele tivesse

telefonado, ou escrito, poderiam ter se tornado pelo menos amigos. Era tudo especulação

mas, se pudesse ter certeza sobre as cartas, iria sentir-se bem melhor.

Ele dissera que tia Helena falara com ele, e talvez então seu pai soubesse de alguma

coisa. Retirou depressa a pesada maquilagem, trocou de roupa e dirigiu-se para a porta. Asoutras garotas quiseram saber aonde ia com tanta pressa, mas ela não respondeu. Foi

correndo para casa. Decidira que, se seu pai não estivesse, o esperaria, e se o telefone

tocasse não atenderia.

Alguns amigos poderiam ligar, ainda não conseguindo acreditar no que tinham

ouvido: que Lacey e Martin tinham tido um caso há muitos anos. E provavelmente estavam

tendo agora também. Agora, entretanto, todos deviam estar convencidos de que o que

acontecia fora do palco era a razão para o clima erótico nas cenas de Doce Alice.

A maioria das mulheres ficaria com inveja dela, embora algumas pudessem fazer 

comentários maldosos. Seu pai ficaria chocado, e Paul, magoado. Ela desejou ter rompido

com Paul mais suavemente e não sob os olhares de todas as pessoas em Chadsford.Deveria

haver alguma maneira de proteger o orgulho de Paul. Tinha que pensar em alguma coisa,

mas, agora, a única coisa que tinha em mente eram as cartas de Martin.

A porta de trás não estava trancada, e ela andou de sala em sala à do procura do pai.

Seu ateliê também estava vazio, e ela ficou olhando em volta. Tudo aquilo lhe era familiar,o cheiro das tintas, as enormes janelas, o cavalete, as telas penduradas na parede. A mesa, o

sofá, as poltronas e a lareira, que logo no começo do outono era acesa. Laurence Allen não

gostava de aquecimento central, e desde os dez. anos de idade Lacey é quem carregara para

cima as pesadas achas.

Sempre desejara ir embora dali e tia Helena sabia disso. Martin era acusado de ter 

 partido, despedaçando o coração do pai, mas aquela cidadezinha tinha sido pequena demais

 para prendê-lo.

Lacey tornou a pensar nas cartas. Talvez a primeira delas tivesse sido aberta por 

Page 96: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 96/123

engano. Martin podia ter escrito a ela, contando sobre o mundo lá fora e talvez aquilo

tivesse soado como heresia para tia Helena. Quem carregaria a lenha para cima, afinal, se

Lacey fosse embora? Então houvera uma segunda carta e depois o telefonema.

Era assim que devia ter acontecido, e como Lacey desejava que tivesse sido! Era

 bom pensar que Martin pretendia manter contato com ela. Tia Helena sempre considerara o

trabalho do irmão como a coisa mais importante do que a felicidade pessoal de qualquer 

um, e não permitiria que qualquer tipo de aborrecimento o alcançasse. Lacey acreditava, no

entanto, que a tia tivesse conversado com seu pai antes de dizer uma mentira ao telefone.

 Nenhum dos melhores quadros de Laurence Allen estava ali agora. Estavam todos

expostos na galeria de artes local, e ele costumava ir até lá durante as tardes, pois os

elogios dos visitantes faziam bem ao seu ego.Lacey foi até o banheiro e tirou o resto da pintura. Penteou os cabelos, e estava

sentada na sala quando escutou a porta da frente se abrir. Aquilo seria desagradável, mas

tinha que ser feito. Ela dirigiu-se ao hall e quase deu um encontrão com o pai.

 – Não esperava você em casa tão cedo – disse ele, surpreso em vê-la.

 – Vim diretamente do teatro – explicou ela.

 – É, não tive ocasião de ver a peça ainda... – continuou o velho.

Ele usava um terno cinzento, uma gravata cinzenta, num tom um pouco mais claro,que combinava com os cabelos prateados. O pai vestia-se sempre impecavelmente.

 – Disseram-me que Martin Jackson está dando sua própria interpretação ao papel – 

acrescentou ele, passando por ela, e andando em direção à escada.

 – Estou preocupada por causa de algo que Martin me disse! – exclamou ela,

fazendo o pai parar imediatamente. – Ele disse que escreveu duas vezes para mim depois

de ter ido embora de Chadsford, mas eu nunca recebi as cartas.

 – E daí? – perguntou o pai. – Lembra-se de alguma coisa sobre elas?

 – Cartas? – Ele parecia não estar mesmo entendendo. – De Martin Jackson para

você? Por que ele escreveria a você?

 – Ele também me disse que telefonou e falou com tia Helena, e que ela lhe pediu

 para parar de escrever.

 – Helena disse isso? – Ele parecia novamente surpreso.

 – Pensei que tudo isso era improvável a princípio, mas depois comecei a pensar...

  – Por que ele estaria escrevendo para você? – indagou o pai, subitamente

Page 97: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 97/123

interessado. – Você e ele nunca foram amigos.

Tudo aquilo parecia ser novidade para ele. Assim, talvez sua tia houvesse agido por 

conta própria. O velho esperou pela resposta da filha e depois insistiu:

 – Ou foram?

 – Sim – respondeu ela, dando meia-volta, dirigindo-se para a sala, mergulhada em

seus pensamentos.

 – Até que ponto? – indagou o pai.

 – Muito íntimos – admitiu Lacey.

Laurence Allen engoliu em seco e depois foi atrás dela.

  – O que quer dizer com “muito íntimos”? Você sempre deu a impressão de

antipatizar com ele tanto quanto eu. Sei que tem havido falatório sobre vocês dois desdeque ele chegou aqui, mas agora você está me dizendo que já havia alguma coisa antes, que

você e ele eram... – ele parou de repente, como se a palavra fosse pesada demais para ele.

Se ela não dissesse a ele outra pessoa diria, talvez, até mesmo Paul.

 – Você e Martin Jackson?! – exclamou ele, atônito. – Não posso acreditar! O pai

dele costumava dizer que o filho tratava as moças como lixo, mas nem por um instante

desconfiei que minha própria filha fosse uma de sua lista. Você deixou que ele... Não tem

orgulho, não tem vergonha?Ela poderia responder a ele, estava furiosa o bastante. Procurou, entretanto, manter 

o controle, porque sabia que o choque fora muito forte para ele. O velho Laurence sempre

tivera profunda antipatia por Martin e agora Lacey estava admitindo ter tido um caso com

ele... se é que uma única noite poderia ser chamada “um caso”.

 – Ele disse que escreveu a você e você nunca recebeu as cartas? – repetiu ele. – Há

quanto tempo foi isso?

 – Quando a casa dele foi vendida – disse Lacey. – E o telefonema que supostamente sua tia atendeu?

 – Na mesma época.

 – Ele não escreveu carta nenhuma a você – afirmou Laurence Allen, com desprezo.

 – Sua tia nunca abriria a correspondência de outra pessoa, nem tampouco mentiria. Sabe

disso tão bem quanto eu.

Mas que outra explicação haveria, então?

 – Depois que partiu daqui ele não se preocupou mais com você – disse o pai. – E

agora, quando partir novamente, não se lembrará sequer que você existe. Você está

Page 98: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 98/123

impressionada por ele. Provavelmente foi o que aconteceu antes também. Quantos anos

você tinha na época? Dezoito? Dezenove? Naquela idade ainda havia desculpa para você.

Mas, pelo amor de Deus, menina, pensei que agora você tivesse um pingo de bom senso.

Ele saiu da sala, batendo a porta, e Lacey suspirou porque era provável que a

verdade fosse aquela mesma. Martin devia estar mentindo! Como tia Helena estava morta,

nada poderia ficar provado, e Lacey teria que chegar a alguma conclusão por sua própria

conta. Teria que seguir seu instinto, o que seu coração dizia.

As rosas que ele lhe mandara há uma semana permaneciam perfeitas. Seu pai não

sabia de onde tinham vindo, ou as teria jogado no lixo.. Aproximou-se delas e sentiu-lhes o

 perfume. Logo as pétalas cairiam, mas ela se lembraria daquelas flores pelo resto da vida.

Foi buscar Jet para levá-lo ao Centro, e a sra. Bowden convidou-a para uma xícarade chá.

 – Obrigada, mas tenho que voltar depressa – agradeceu Lacey. Depois olhou para

Jet: – Sentiu minha falta, amigo?

 – Não se preocupe – disse a mulher. – Martin Jackson levou-o ontem para dar uma

volta.

 – Ele estava sozinho? – perguntou Lacey.

 – Acho que havia alguém com ele, uma moça. Parece que é alguém da televisão.Era Sandra Scott, pensou Lacey, que logo voltará a fazer parte da vida de Martin.

“Gosto desta cidade”, disse Lacey a si mesma, quando saiu para a rua. “Não vou

 pensar na semana que virá, porque talvez ele tenha mesmo me escrito há cinco anos, e

quando tornar a partir nada me impedirá de escrever a ele”.

Chegando à praça, olhou para a biblioteca, imaginando como Paul reagiria à

novidade que Martin anunciara, naquela tarde. Provavelmente, o rapaz ficaria tão atônito

quanto seu pai ficara. O velho Laurence a acusara de não ter orgulho, mas estavaenganado. Tinha orgulho e fibra, e daquele dia em diante não se esconderia atrás de

ninguém.

Entrou no Centro de Artes pela porta lateral, e na primeira sala de trabalhos

encontrou duas moças pintando florzinhas em pires de porcelana.

 – Ei – gritou uma delas. – Ele estava brincando?

 – Ele quem? – perguntou Lacey.

 – Vocês eram mesmo... – continuou uma delas rindo e Lacey riu também.

 – Não está querendo perguntar se nós somos? – indagou Lacey, que parecia ter 

Page 99: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 99/123

dentro de si, agora, o germe da rebeldia.

 – É mesmo verdade? – perguntou Maisie, logo que teve ocasião.

 – Cinco anos depois... – comentou Lacey. – Que importância tem isso agora?

 – Nenhuma... – disse a amiga. – Se ele não tivesse voltado!

Mas Martin tinha voltado, e Lacey nunca sentira tanta atração por nenhum outro

homem em sua vida. Se acreditasse que ele mandara as cartas, e ela acreditava, então iria

viver um pouco naqueles dias que faltavam para o festival terminar.

Tinha certeza de que iria vê-lo naquela tarde. Sabia que Martin a procuraria. Duas

 pessoas telefonaram para ela, antes do Centro fechar, mas não Martin. Um telefonema fora

de negócios e o outro de Denice, que se mostrara surpresa e ofendida com a revelação que

Martin fizera. Denice ouvira dizer que não somente Lacey e Martin tinham tido um casoapaixonado e secreto, antes dele partir de Chadsford, mas também que tinham passado

várias férias juntos, nos lugares mais exóticos.

 – Taiti? – repetiu Lacey, atônita. – Tem certeza de que ouviu bem? Nunca estive

nem sequer a mil quilômetros do Taiti!

 – Foi a outro lugar com Martin? – insistiu Denice, em prantos.

 – Claro que não! Eu não o via há cinco anos.

 – Bem que eu achei esquisito o modo como vocês estavam sorrindo um para ooutro na minha festa – comentou Denice.

 – Ora, o que importa isso? Olhe, Denice, preciso desligar.

Martin subiu as escadas quase na hora de fechar, quando a maioria dos donos de

 boxes já tinham encerrado suas atividades e os últimos fregueses estavam saindo. Lacey

estava ocupada em seu canto, mas viu-o subindo as escadas e sentou-se no banquinho.

 Nada de pressa, resolveu ela, nada de correr atrás dele. Deixe que os outros fiquem em

dúvida e ele, também.Martin não podia ter certeza de como seria recebido. Houvera aquela discussão na

hora do almoço, e desde então mal tinham se falado, embora as poucas palavras trocadas

tivessem sido muito significativas. Lacey cruzou as pernas e manteve uma expressão

tranqüila, com as mãos no colo. Jet se levantou do tapete, abanando a cauda para Martin.

 – Você vem? – convidou Martin.

 – Andar por aí? – perguntou ela.

 – Isto mesmo.

Havia coisas que ela ainda precisava fazer antes de sair, e agora que ele estava ali

Page 100: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 100/123

ela podia começar.

 – Você provocou o falatório – reclamou Lacey. – Agora estão comentando que nós

dois andamos fazendo viagens secretas, durante todos estes anos...

Martin estava sentado nos degraus de uma plataforma, onde, antes, os magistrados

costumavam ficar olhando para o júri. Ele estava com as longas pernas dobradas,

observando-a arrumar seu boxe.

 – Por que nós estaríamos guardando segredo? – perguntou ele.

 – Eu não sei. Mas Denice telefonou dizendo que lhe haviam contando que eu tinha

ido com você ao Taiti! – Ela soltou uma exclamação divertida. – Taiti! Imagine só! Você já

esteve lá?

 – Na verdade, estive – confirmou Martin. – Fui com alguns amigos que tinham um barco.

Alguém da cidade devia saber disso e calculava que Lacey fizera parte da

tripulação. Aquilo teria sido maravilhoso, pensou ela, e ficou imaginando quem seriam

esses amigos. Qual a mulher que teria nadado com ele naqueles mares verdes?

 – Pois bem, eu nunca estive – disse ela. – É como nas fotografias?

 – Sim. E onde você esteve? – indagou Martin.

 – Nos últimos cinco anos? – disse, largando a vassoura e olhando para ele. – Estáfalando sério? Em lugar algum. Mas esta é a primeira vez que alguém sugere que eu levo

uma vida divertida.

Martin riu.

 – Você tem cara de levar mesmo. Há alguma coisa de libertina em você, srta. Allen,

mesmo quando está segurando uma vassoura. Deve ser seus cabelos.

 – Ainda acho difícil acreditar que você me escreveu e telefonou – declarou Lacey.

 – Xeque-mate – disse ele. – Pois eu também ainda não me convenci de que vocênão as recebeu.

Havia vozes lá embaixo, mas nada do. que os outros estivessem falando lhes

 poderia interessar.

 – Que tal se nós dois acreditássemos no que queremos acreditar? – sugeriu Martin.

 – Combinado – concordou ela.

Isto é o que iria fazer: pegar o que lhe era oferecido sem garantias.

 Nunca mais se apaixonaria da maneira como estava apaixonada e, pelo menos

assim, teria algo para se lembrar nas noites frias do inverno. Era possível também que

Page 101: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 101/123

Martin voltasse para o festival do ano seguinte. Uma dor profunda apertou seu coração e

ela começou a varrer o boxe vigorosamente.

 – Esta é uma de suas funções aqui? – perguntou Martin.

 – Esta noite é minha vez – respondeu ela, continuando a varrer. – O que você tinha

em mente, para mais tarde?

 – Pensei que poderíamos sair da cidade – disse Martin. – Pegar a estrada, e ir a um

lugar qualquer, longe daqui.

“E não voltar até de manhã”, completou ela, em silêncio. Nem precisava dizer, ela

 já tinha entendido. Por sorte estava com sua maleta.

 – Está certo, vamos fazer isso – aceitou ela, como se aquilo pudesse ser divertido,

mas nada arrebatador.Lacey não olhou para Martin, porque não queria ver nos olhos dele o brilho do

triunfo, como se tivesse ganho a parada. Se não olhasse, poderia fingir que aquilo não era

um jogo.

 – Posso ajudar em algo? – perguntou ele.

 – Sim. Pode passar um pano no ferro da escada – pediu. Martin pegou um pano,

limpou e deu brilho no ferro fundido do balaustre e Lacey riu ao vê-lo recuar, a fim de

avaliar o serviço feito. – Nada mau. Você cuida sozinho de sua casa? – Depende – respondeu ele. – Eu moro num apart-hotel em Londres, mas tenho um

chalé em Carra. Sempre que vou para lá; faço tudo sozinho.

Ela ficou tentando imaginar quem Martin levaria consigo para aquele litoral

rochoso.

 – Conte-me como é o chalé – pediu Lacey, e ele o descreveu tão bem, que ela podia

vê-lo.

O tempo devia ter passado, mas eles não tinham pressa. Ela fazia a limpeza comcuidado, porque gostava de ficar ali. Muitas vezes voltava para lá, à noite, só para ver se

tudo estava em ordem, ou para conversar um pouco com alguém que ainda estivesse

trabalhando.

 Naquela noite, com Martin ali, o salão enorme parecia mais aconchegante e quente.

Ele comprou algumas coisas, começando por um tapete feito a mão, que estava pendurado

numa das paredes.

 – Gosto dele – disse Martin.

Depois resolveu comprar um dos potes de cerâmica de Porteus, e algumas taças.

Page 102: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 102/123

Quando o telefone tocou lá embaixo, Lacey achou que alguém poderia atender. Seus

amigos ficariam satisfeitos com as com pras de Martin, e quanto mais ele comprasse tanto

mais difícil seria para ele esquecê-la.

Mas parece que ninguém estava interessado em atender o telefone, e Lacey disse,

relutante:

 – Acho que vou ter que atender, mas espero que não seja para mim.

Mais do que tudo, esperava que não fosse Paul. Não havia absolutamente nada que

 pudesse dizer a ele, naquele instante. Já estava no meio da escada quando alguém apanhou

o fone, e ela esperou para ver se a chamavam. Mas ninguém chamou.

Estava anoitecendo depressa, e lá embaixo tudo estava escuro e silencioso. Lacey

começou a abrir as portas das salas vazias. As portas que davam para fora estavamtrancadas, e ela subiu novamente.

 – Temos um pequeno problema – disse ela. – Estamos trancados aqui dentro.

 – Como?! – exclamou ele.

 – Aqui tem que ser um lugar perfeitamente seguro. Todos os que têm boxes têm

também uma chave da porta lateral. Depois das seis, cada um que sai tranca a porta.

Porteus e Maisie têm a chave do escritório e a da porta da frente, mas eles já saíram... Em

outras palavras todos já se foram e estamos trancados aqui dentro. – Perfeitamente seguros? – indagou Martin.

 – Naturalmente eu tenho todas as chaves. Mas deixei minha carteira na cozinha dos

Pomeroy.

Ele sacudiu a cabeça.

 – Sinto muito. E o telefone?

 – Fica no escritório. E também o cofre, onde o dinheiro ganho durante o dia fica

guardado. Podemos apenas sair para o pátio – disse Lacey. – Mas lá as paredes têm cinco metros de altura! – exclamou Martin.

 – Aproximadamente – confirmou ela.

 – Bem, ao menos podemos levar o cachorro para passear – sugeriu ele.

Lacey não sabia se aquela situação era engraçada ou desesperadora.

 – É possível que alguém volte – disse ela. – Aconteceu muitas vezes. Os artistas

entram e saem à hora que desejam, e muitos trabalham freqüentemente até depois da meia-

noite.

Martin olhou o relógio e viu que era mais tarde do que imaginava. Provavelmente

Page 103: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 103/123

ninguém mais voltaria naquela noite. Lacey deixara as luzes acesas no corredor, mas havia

no prédio um profundo silêncio. Podiam escutar ao longe a música do parque de diversões,

e Jet estava farejando alguma coisa.

 – E qual é a situação das janelas? – perguntou Martin.

 – A do escritório é a única janela que dá para a rua – explicou Lacey. – E a maioria

das janelas tem barras de ferro.

Aquilo fora uma prisão, e pela primeira vez a jovem teve a sensação de

claustrofobia naquele lugar. Muitas das janelas, estreitas e compridas, tinham aberturas

 para ventilação no topo, que eram puxadas por corda.

 – Podíamos jogar coisas pelas janelas para chamar a atenção das pessoas – sugeriu

Martin. – Você não vai querer arrebentar minhas vidraças, vai? – reclamou Lacey. – Afinal,

as coisas não estão assim tão desesperadoras.

 – Mas quem está desesperado? – perguntou ele, rindo. – Já que estamos trancados

aqui dentro, relaxe e aproveite.

 – Bem, eu adoro isto aqui – disse ela. – Este é o lugar onde mais gosto de ficar.

Entretanto, nunca passei uma noite aqui dentro. Não temos acomodação para dormir.

 – E espera mesmo dormir? – indagou Martin, olhando-a com malícia. Na verdade ela não esperava, mas podia fingir que sim.

 – O chão é duro – advertiu ela. – Quer usar o tapete de Jet?

 – Vamos comprar alguma coisa por aí, antes de sacrificá-lo – disse Martin, com os

 braços em torno dos ombros dela, numa atitude confortadora e absolutamente natural.

Qualquer coisa com ele seria boa, desde andar numa rua lado a lado, até fazer amor.

 – Este lugar não é bem o que eu tinha imaginado – continuou ele. – Mas é uma

cadeia muito bem equipada. – Alguém vai aparecer – disse ela.

Havia cinqüenta por cento de chance disso acontecer. Seria ótimo que viesse

alguém, pois ela gostaria que fossem a um lugar mais romântico e acolhedor. Preferiria que

  pudessem sair da cidade e encontrar um quartinho sossegado, onde ninguém viesse

 perturbá-los até de manhã.

 – Mas enquanto esperamos...

Martin virou-a para si e olhou-a nos olhos. Lacey levantou os braços e passou-os

em torno do pescoço de Martin, oferecendo-lhe os lábios entreabertos. Desta vez ele

Page 104: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 104/123

 beijou-a ternamente e ela começou a sentir um calor sensual amolecer-lhe o corpo.

De repente, porém, um barulho estridente quebrou o silêncio. Era Jet, arrastando

seu prato de zinco pelo chão. Lacey costumava alimentá-lo bem mais cedo, e ele estava

faminto.

 – Enquanto esperamos – disse ela, quase sem fôlego –, acho que poderíamos

 procurar alguma comida, pelo menos para Jet.

 – O que você costuma dar a ele? – perguntou Martin.

Só havia ali dois biscoitos de cachorro. Lacey pegou o pacote na gaveta e colocou-o

no prato.

 – Se sairmos daqui, vamos levá-lo para casa? – indagou Lacey.

 – Acho que podemos levá-lo conosco – disse Martin. – Ele está do nosso lado e nãovai nos trair.

Lacey também estava faminta. Alguém devia ter deixado alguma coisa comestível.

Muitas vezes traziam comida, para lá. Pelo menos um pacote de biscoitos.

Começou a procurar nas prateleiras, nas gavetas, nos armários. Aquilo era uma

emergência e pediria desculpas aos colegas pela manhã. Não teve, entretanto, muito

sucesso. Encontrou apenas alguns biscoitos, um pacote de balas, uma barra de chocolate

quase no fim, e um saquinho de sementes de girassol. – Tudo muito doce – comentou Martin.

 – Vamos tentar lá embaixo – disse Lacey. – Porteus costuma comer escondido de

Maisie. Depois ele sobe, com a barba toda cheia de migalhas.

Encontraram na sala das cerâmicas uma pequena fatia de torta de carne, que parecia

fresca. Lacey mostrou-a a Martin com um sorriso triunfante.

 – Dá três colheres para cada um. Se comermos devagar, será nosso prato principal.

Jet estava ao lado dela. Ele a seguira por toda a parte, e agora olhava fascinado parao pedaço de torta.

 – Acho que ele precisa mais do que nós – lembrou Martin.

 – Isto é a sua parte – disse Lacey para o cachorro, que devorou o alimento

imediatamente e continuou a segui-los como uma sombra.

Encontraram um pacote de salgadinhos com gosto de presunto, chicletes, um pote

de chutney e uma garrafa de refrigerante. Encontraram também uma garrafa de vinho de

ameixas feito em casa.

 – Eles não nos negariam um copo disso – disse Lacey.

Page 105: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 105/123

Page 106: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 106/123

trouxe pratos, e colocou neles o que tinham conseguido para comer. Martin abriu o vinho

de ameixas e serviu em dois copos de vidro verde.

 – De acordo com o rótulo esta bebida já tem quatro anos – contou Lacey. – Quatro

anos é bastante tempo? – perguntou depois, enquanto provava um pouquinho. Martin a

observava, desconfiado, e ela comentou: – É gostoso. Um pouco doce e espesso.

 – Acho que prefiro mesmo o refrigerante – disse Martin. Deixaram acesas a maioria

das luzes até ficar evidente que ninguém mais viria. Lacey tinha sua maleta, e assim pôde

escovar os dentes e tirar a pintura. Poderia até vestir uma camisola, se quisesse, mas não

quis. Vestiu, entretanto, o roupão porque durante a noite iria esfriar muito.

 – Ninguém mais virá até de manhã – disse ela.

 – Parece – concordou Martin. Não se escutava mais a música do parque de diversões. Eles já tinham comido os

  biscoitos e os salgadinhos de presunto, e conversado por mais de uma hora. Lacey

 perguntara mais sobre sua cabana, e ele, contara que fazia três anos que a tinha comprado.

Disse também que a encontrara por pura sorte, certa vez em que fora até as ilhas escocesas

fazer uma reportagem. Pareciam agora velhos amigos que se reviam depois de muitos

anos, e que, juntos novamente, tinham reencontrado a atração sexual, que era forte e

inegável entre eles. Era assim que Lacey se sentia. Sem nenhuma dúvida. Desejava Martincom todas as forças de seu ser.

Estava na hora de apagarem as luzes. Ela pegou a bolsa com suas coisas de toalete e

disse que ia até lá embaixo se arrumar. Ela mal se movera naquela última hora. Tinha se

acomodado confortavelmente entre as almofadas, beliscando, bebendo vinho de ameixa,

conversando e rindo. Sentia-se calma e feliz. Mas quando ficou de pé suas pernas não

agüentaram, e Martin levantou-se de um salto, ao vê-la vacilar.

 – Está se sentindo bem? – perguntou ele. – Claro que sim – respondeu Lacey, que caminhou até fora da cama de almofadas,

descendo em seguida, a escada, segurando firme mente no corrimão.

Ela estava  bem. Sabia exatamente o que fazia. Iria ao banheiro e depois escovaria

os dentes e lavaria o rosto com água fria. Poderia também aproveitar para ligar o fogo e

fazer um café bem forte.

 Não percebera que o vinho era forte, apenas que sentia-se progressivamente mais

feliz, conforme o tempo passava. Segurando nas paredes do corredor, caminhou até o

 banheiro e lavou novamente o rosto.

Page 107: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 107/123

Depois, olhou-se no espelho.

Estava feliz porque Martin estava ali com ela, mas sentia-se enjoada. Não poderia

fazer o café, pois não tinha coragem de pegar uma chaleira com água fervendo. Não ouviu

Martin chegar, e só o viu quando ele já estava a seu lado.

 – Acho que o rótulo estava errado – disse ela, brincando. – Deveria estar escrito que

era uma bomba de ação retardada.

 – Quer café? – perguntou Martin.

 – Só quero me deitar – confessou ela.

 – Ok, então vamos – concordou ele.

Ela subiu, sentindo tudo rodar à sua volta. Sabia que ele a estava ajudando a subir,

degrau por degrau, mas tudo estava difuso. Praticamente desmaiou em seu ninho dealmofadas. Fechando os olhos, tentava escapar da lassidão, porque naquela noite especial

queria ficar acordada.

As luzes se apagaram. Lacey tentava desesperadamente abrir os olhos, sem

conseguir. Sentia Martin ao seu lado. Se levantasse a mão poderia alcançá-lo. Mas não

 podia vencer o sono, por mais que se esforçasse para abrir os olhos. Antes de mergulhar no

esquecimento, porém, ainda balbuciou, sem muita consciência do que estava dizendo:

 – Sinto muito... eu te amo... – Beba isto – pediu Martin.

 – Eu não quero... – Percebeu então que estava claro agora.

 – Que horas são? – perguntou ela.

 – Quase oito – informou Martin.

As pessoas começariam a chegar a qualquer momento, e Lacey queria mesmo era

sumir! Pegou a xícara com mãos trêmulas.

 – Acho que estou morrendo – gemeu ela. – Quanto eu bebi daquela coisa? – Não muito – disse Martin. – Mas é muito forte.

 – Estou péssima – murmurou.

 – Dá para ver – disse ele, rindo.

 – Você precisa fazer a barba – ela lembrou.

Martin já retirara os pratos e a comida, e também a maioria das almofadas. Estava

também com uma xícara nas mãos e sentou-se num banquinho para beber o café. Jet estava

ao lado dele, alerta, e ela observou os dois.

 – Na cozinha há uma caixa com aspirinas, será que você poderia...

Page 108: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 108/123

Meia hora depois, chegou a primeira pessoa. Agora, porém, Lacey sentia-se melhor,

embora sua cabeça ainda doesse. Não teria condições para enfrentar brincadeiras naquela

manhã, pelo menos até a tarde.

 – Logo que alguém chegar, irei embora – avisou ela.

 – Está certo – concordou Martin.

Por coincidência, o primeiro a chegar fora Anton, de quem ela pegara o vinho. O

rapaz encontrou-a na cozinha, tomando café. Logo depois apareceu Martin, que estivera no

 pátio, com Jet.

 – Para onde agora? – perguntou Martin.

 – Preciso passar em casa, para descansar por uma ou duas horas. Vou precisar 

também das minhas chaves.O carro de Martin estava bem em frente ao Centro. Ele abriu a porta para ela, e

acomodou Jet no banco de trás. Fizera papel de boba. Tudo saíra errado, e as coisas

 poderiam ter sido completamente diferentes. Nada era engraçado, mas ela precisava fingir 

que era.

 – O que a sra. Pomeroy vai dizer quando eu aparecer por lá a estas horas e ver você

com essa cara? – indagou Lacey.

 – Se quiser, pode ficar no carro e eu pegarei a bolsa para você – ofereceu Martin.O sr. Pomeroy, entretanto, estava saindo de casa quando Martin estacionou o carro,

e a mulher estava se despedindo dele à porta.

 – Acabaram de lhe telefonar – ela disse a Martin. – Ligaram ontem à noite e

novamente agora há pouco. – Depois olhou para Lacey. – Como vai? Não quer entrar e

tomar um café conosco?

Lacey aceitou, e seguiu-a até a cozinha. Lá encontrou seu cesto e carteira.

 – Eu deixei aqui ontem – explicou Lacey. – Achei mesmo que deviam ser seus – disse a sra. Pomeroy.

A mesa ainda estava posta, o lugar de Martin também.

 – Minhas chaves estão aí dentro – explicou Lacey. – Nós passamos a noite presos

dentro do Centro de Artes.

 – Oh, querida! A noite toda? Vamos, tome um pouco de café.

Lacey já não agüentava nem mais olhar para café, mas engoliu tudo. Logo Martin

voltou para a cozinha.

 – Tenho que partir imediatamente – disse ele. – Voltarei sábado, se puder.

Page 109: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 109/123

Lacey engoliu em seco, sentindo uma profunda dor no peito.

 – Será ótimo se puder voltar – disse ela, tentando manter o controle.

 – Eu a levarei para casa – ofereceu ele.

 – Não se preocupe – murmurou Lacey, com medo de explodir em lágrimas.

 – Eu a levarei! – exclamou a sra. Pomeroy. – Não está fora do meu caminho – disse,

em seguida, pegando o casaco e a cesta de Lacey. – Vamos, querida.

 – Adeus – disse Martin, sorrindo para ela.

 – Bem... adeus... – balbuciou Lacey, cheia de melancolia.

 – Foi ótimo ver você novamente e... nunca mais tome vinho de ameixas, sim? – 

 brincou ele.

Ela mal podia acreditar. Estava tão frágil que não conseguiu dizer mais nada, como, por exemplo, “Por favor, volte!” ou “Precisa mesmo ir?” Já no carro da sra. Pomeroy,

lembrou-se de Jet.

 – Ele o deixará em casa da sra. Bowden – disse a mulher. – Não quero que volte.

 – Por que não? – perguntou Lacey, com o rosto já banhado por lágrimas.

 – Uma moça telefonou ontem à noite. E também esta manhã. O nome dela é

Sandra.

A sra. Pomeroy estacionou o carro em frente à casa de Lacey. Ela quis descer depressa, mas sentia-se como se tivesse cem anos de idade.

 – Tudo bem – disse ela. – Eu sei sobre Sandra.

 – Sua tia foi uma de minhas amigas mais queridas – falou a sra. Pomeroy. – E é só

 por isso que eu vou lhe contar uma coisa. Não é ético, e, na verdade, não é da minha conta.

 – Depois de uma evidente hesitação, continuou a falar: – Eu não gostaria que você se

apaixonasse por Martin, porque ele não vai se envolver com ninguém que se chame Allen.

 – Lacey olhava para ela, sem compreender. – Faz muito tempo, é verdade, mas foi uma boaquantia de dinheiro. Você é a filha de Laurence Allen, e ele não agiu corretamente.

 – Não tenho a menor idéia do que a senhora está falando – gritou Lacey.

A sra. pomeroy largou o volante, ergueu os braços e deixou-os cair, novamente.

 – Confidencialmente – disse ela, bruscamente. – Estou falando que o seu pai

trapaceou o velho Courtney Jackson.

Capítulo VIII

Page 110: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 110/123

 – Não acredito! – exclamou Lacey, que tinha vontade de rir e chorar ao mesmo

tempo.

A sra. Pomeroy, entretanto, a olhava com uma expressão de profunda seriedade.

 – Quando foi que aconteceu? – perguntou Lacey. – Quero dizer, como? – Depois

respirou fundo. – Não posso acreditar.

 – Mas deve – disse a mulher. – Pode acreditar em mim. Não são muitos os que

conhecem a história toda, mas Martin sabe, é claro. E, se está disposta a perguntar a seu

 pai, observe os olhos dele, porque provavelmente ele negará, aquela velha raposa.

Lacey sentia o enjôo voltando. Mordeu os lábios e olhou para sra. Pomeroy. – Isto é difamação, a senhora sabe.

 – Talvez o seu pai queira me processar – disse a outra, arrependendo-se logo em

seguida e colocando a mão no braço de Lacey. – Isto foi há muito tempo. Mas estou

contando a você porque provavelmente Martin não se esqueceu. Vocês dois têm se visto

muito desde que ele voltou, e tenho a impressão de que as coisas andaram muito depressa.

Aliás, é assim hoje em dia, não? Não sou puritana, mas quem sabe no seu caso seria

melhor procurar não vê-lo mais. Ele disse que talvez volte no sábado, mas eu não sei, não...Ela estava dizendo que Lacey poderia estar se apaixonando, mas Martin não. Ele

tinha partido, voltado para Sandra, e, se o pai dela tinha realmente defraudado o “amigo”

dos “velhos tempos”, era provável que Martin não voltasse mais mesmo. Lacey sempre

soubera que ele partiria, só que tudo acontecera mais cedo do que ela previra.

 – Obrigada por me dizer – agradeceu Lacey. – Mas nós dois sabíamos que não era

sério. Era só... brincadeira, a senhora entende.

 – Os tempos mudaram – disse a sra. Pomeroy. – Mas acho que deveria estar contente porque ninguém saiu magoado.

Lacey viu o carro da mulher se afastar antes de abrir o portão.

Sua cabeça latejava, e ela pensou: “Nada mudou, nada realmente”.

Abriu a porta do hall e seu pai apareceu. Estava barbeado, acabara de se banhar e

 provavelmente, descobrira apenas nos últimos cinco minutos que ela não estava em casa.

 – Onde esteve? – perguntou o velho.

 – Fiquei trancada no Centro – disse ela. – Não estava com as minhas chaves. – 

Tomou fôlego antes de perguntar: – Foi por sua causa que Courtney Jackson morreu

Page 111: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 111/123

 pobre?

 – Quem disse isso? Martin Jackson? – perguntou ele, vermelho de raiva.

Lacey nada respondeu, mas continuou a olhar para ele,! cega de dor.

 – Pretendíamos fazer um pequeno negócio juntos – explicou Laurence Allen. – Mas

não deu certo e a culpa não foi minha. Foi Martin quem pegou o dinheiro.

Lacey tinha certeza de que aquilo era mentira. Não podia ouvir mais nada. Na

verdade, mal podia enxergá-lo devido à dor de cabeça que sentia.

 – Estou com enxaqueca – disse ela. – Tenho que descansar um pouco.

Lacey arrastou-se escada acima, deixando seu pai gritando atrás dela. Entrou no

quarto, fechou a porta e jogou-se na cama.

Esta era, então, a razão por que seu pai fazia questão de mantê-la afastada deMartin. Seu pai jamais se interessara por problemas alheios e aquela história de tomar as

dores da pai de Martin fora pura mentira. Ele era um grande artista, egocêntrico. Ninguém

 jamais se queixara a ele de nada.

Estaria Martin se referindo a isso, ao dizer que tinha negócios inacabados em

Chadsford? Os Allen deviam a ele, de certo modo. “Não”, pensou ela, “não acredito que

Martin fosse capaz de me ferir por desejo de vingança. Não, ele gosta de mim, me acha

atraente. Gasta da minha companhia. Mas a sra. Pomeroy estava certa. Martin nunca seapaixonaria por uma Allen”. Ninguém de fato, falara em amor... até a noite da véspera. Ela

lhe dissera: “Eu te amo” e ele fora embora naquela manhã.

Aquelas palavras significavam muita na verdade! Ela o amava tanto, que nunca

mais haveria outro. Ficaria sozinha para sempre... Desiludida. Lacey chorou, um choro sem

lágrimas, entrecortado de soluços.

Por que não fizeram amor na noite passada? Por que Anton deixara lá aquele

maldito vinho? Mas, afinal, onde estava seu orgulho? Martin fora embora porque Sandratelefonara. Não suportava imaginar Martin nas braços de outra mulher, e ficaria doente

caso se entregasse daquela forma ao sofrimento.

Finalmente adormeceu.

Acordou com o telefone tocando, mas não se mexeu. A dor de cabeça tinha

diminuído. Sentou-se na cama e viu que tinha dormido por três horas. Sentia-se agora bem

melhor. A dor emocional ela controlaria, pois não havia outra saída. Martin já devia ter 

  partido ela precisava levantar-se e voltar ao Centro. Enfrentaria as brincadeiras, pois

 pretendia viver nesta cidade ainda por um bom tempo.

Page 112: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 112/123

Com dificuldade tomou um banho, escolheu um vestido branco, maquilou-se

cuidadosamente e olhou-se no espelho. “Nada mau”, pensou “ninguém imaginaria como

estou me sentindo”.

Engoliu um comprimido e saiu sem falar com o pai. Lá fora o sol brilhava e ela

sorria para todos, andando, com seus passos leves, em direção ao Centro.

 – Ficou trancada aqui a noite passada? – alguém logo perguntou.

 – É verdade – respondeu ela, com um sorriso malicioso. – Mas não recomendo a

ninguém. – Depois subiu as escadas correndo.

 – O que aconteceu? – perguntou Porteus logo que a viu.

 – Eu estava sem as minhas chaves, foi isso – explicou ela. – E vocês trancaram a

 porta da frente e a do escritório.Todos riam, e até mesmo os turistas olhavam interessados, sem entender o que

estava acontecendo.

 – Vocês estão achando engraçado – continuou ela. – Mas deviam experimentar uma

vez, só para ver o que é bom. Sabe o que tínhamos para comer? – perguntou ela, dirigindo-

se a Porteus e descrevendo os parcos achados que tinham conseguido fazer.

 – Você está mesmo um pouco pálida – concordou Maisie. – Como está Martin?

 – Ele não tomou vinho. Ficou só no refrigerante. – E acrescentou: – Ele teve quevoltar a Londres, mas vai tentar voltar no sábado.

Esperava que sua voz estivesse calma e tranqüila, e continuou contando o que tinha

acontecido.

 – E a Doce Alice? – perguntou Porteus. – O que vamos fazer?

 – Sinto muito, mas você vai ter que voltar – disse Lacey. – Alguém precisa retirar o

nome e o retrato de Martin da porta.

Paul apareceu na hora do almoço, e Lacey ficou aliviada por estar ocupada comuma freguesa.

 – Não vou poder sair agora – disse ela.

 – Voltarei às seis – avisou ele, depois de hesitar um pouco.

Aquilo somente contemporizava o rompimento. Sabia que todos na cidade estavam

comentando sobre Lacey Allen e Martin Jackson, que haviam ficado trancados no Centro

de Artes durante a noite toda...

Era realmente engraçado.

 Não houve jeito de evitar Denice. Ela foi ao Centro à tarde, rindo com ironia. A ela

Page 113: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 113/123

  pouco importava se Lacey estivesse com fregueses; precisava dizer-lhe o que estava

atravessado em sua garganta. Lacey não podia culpá-la. Denice muitas vezes chorara em

seu ombro por causa de Martin. Lacey a consolara, dizendo sempre ter profunda antipatia

 pelo rapaz. Agora todos diziam que ela tivera tido um caso com ele, quando Martin ;finda

morava em Chadsford.

 – Pobre, Lacey! – exclamou ela. – Você está com uma aparência horrível! Sei como

deve estar se sentindo.

 – Você também andou tomando aquele vinho? – perguntou a outra, sarcástica.

 – Não banque a boba – continuou Denice, com voz de veludo. – Ele foi embora,

não foi? E mais cedo ainda do que você esperava. – Lacey fingiu endireitar um quadro na

 parede, e Denice aproximou-se dela. – Mas você ainda tem Paul. Encontrar Martin me fezver como tenho sorte em ter Barry. Nossos rapazes são como rochas, em que podemos nos

apoiar.

Lacey teve vontade de rir. Comparados a Martin, Paul e Barry eram insignificantes.

Rochas? Pois sim, não passavam de pedregulhos.

 – Aceite o meu conselho – continuou Denice. – Agarre Paul.

 – Me amarrar a uma rocha?! – exclamou Lacey, levando o assunto na brincadeira, a

fim de esconder seu sofrimento. – Prefiro levar uma perigosa vida de aventuras!Paul a estava esperando à porta da entrada às seis horas.

 – Preciso falar com você – disse ele.

  – Não temos nada para conversar – murmurou ela, andando pelo corredor, em

direção ao escritório.

 – Sabe o que estão comentando? – perguntou Paul.

 – Sei – assentiu ela.

 – É verdade o que dizem? – Há cinco anos ou ontem à noite? – perguntou Lacey, sofrendo ao ver o sofrimento

de Paul. – Escute, sinto muito, mas estou começando a imaginar se eu também não faço

 parte dos espetáculos do festival. Gostaria que todos deixassem Martin Jackson e a mim

em paz.

 – Ele foi embora? – indagou Paul.

 – Foi – respondeu Lacey, secamente.

 – Mas vai voltar no sábado?

 – Não sei – disse ela, embora duvidasse que Martin pudesse voltar.

Page 114: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 114/123

Logo Paul começou a falar. Não queria mais nada com ela. Tinha sua reputação a

zelar. Lacey fizera papel de boba, e ele estava convencido de que agora ela estava

arrependida. Entretanto, querer que os outros caçoassem dele pelas costas, caso aceitasse a

namorada de volta.

“Uma rocha?”, pensou ela. “Eu diria antes areia movediça.”

 – Você teve sorte de escapar a tempo – concordou ela. – Não sou para você.

Dito isto, Lacey deixou-o ali mesmo e subiu para dizer a Maisie que aceitava seu

convite para uma reunião em seu apartamento.

Assim seriam seus dias dali para a frente, sem finalidade.

A festinha, à noite, transcorreu como muitas outras, absolutamente vazia. Laceycantou com os outros e respondeu a todas as perguntas sobre Martin com um sorriso.

Tinha, entretanto, a impressão de estar só. Não pensaria mais em Martin, nem por um

instante. Somente quando já estava em sua cama é que se lembrou do chalé dele, a beira-

mar.

Dormiu pesadamente, por causa das pílulas que tinha tomado. Pela manhã, lavou o

rosto com água fria, e se preparou para enfrentar o mundo. Fez o café do pai, e sentiu-se

surpresa ao ver que ele ainda estava deitado. – Leve a bandeja – disse o velho Laurence, quando ela entrou no quarto dele. Lacey

colocou a bandeja sobre a cômoda e encarou-o.

A sra. Pomeroy dissera que ele era uma velha raposa, e ele estava tentando fazer 

chantagem emocional com ela. Mas seria inútil.

 – Estou de saída – anunciou.

 – Então Jackson foi embora... – disse o pai, irônico.

 – A propósito, quanto ficou devendo ao pai dele? – perguntou Lacey, subitamente. – Nada – afirmou o pai, irritado. – Não me importa com o que Martin disse. Aquele

rapaz é um mentiroso!

Antes de sair de casa, Lacey olhou para o telefone. “Ele não vai telefonar, nem

voltar no sábado”, pensou. Sentia-se oca, entorpecida por dentro. Escutava sua voz

falando, viu-se fazendo coisas que tinha que fazer, mas nada parecia real. Era como se o

tempo todo estivesse representando.

  Doce Alice continuou em cartaz, com Porteus de volta ao papel de nobre.

 Naturalmente, ele não era uma atração como Martin, mas ninguém exigiu seu dinheiro de

Page 115: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 115/123

volta. Lacey fez seu papel sem falhas, e no camarim ninguém lhe perguntou mais nada,

 pois ignorava o paradeiro de Martin. Ela não deu demonstração de estar sofrendo. Foi até

 buscar Jet para passear.

Quando a última representação de a Doce Alice terminou, sexta-feira à tarde, Lacey

respirou aliviada. Financeiramente, a peça fora um tremendo sucesso, mas para ela tudo

não passara de um pesadelo.

Ao sair do teatro, dirigiu-se à casa dos Pomeroy. Tinha avisado que iria até lá, e a

sra. Pomeroy esperava-a na jardim, enquanto cuidava de suas rosas.

 – Tudo bem com você? – indagou a mulher, olhando desconfiada para Lacey, por 

debaixo de seu chapéu de abas largas.

Lacey sorriu para ela em resposta. – Então vamos entrar – convidou a sra. Pomeroy. – O chá está à nossa espera.

Lacey não planejara ficar para a chá e esperava que a coisa fosse muito simples.

Mas se enganara. Em vez disso, havia uma bandeja pronta, com finíssima porcelana Spode,

canapés, e um bolo à espera delas na sala de estar. A sra. Pomeroy pediu licença e foi até a

cozinha buscar o bule de prata.

Lacey procurou não olhar para a tapeçaria que sua tia dera para a amiga. Quando

 baixou o olhar, porém, notou uma mancha leve de café ao lado da poltrona, onde ela sesentara em companhia de Martin, na segunda-feira.

 – Leite ou limão? – perguntou a sra. Pomeroy.

 – Leite, por favor – pediu Lacey.

 – E uma fatia de bolo? – ofereceu a anfitriã.

Lacey não queria nada. Andava muita sem apetite, nada mais parecia ter gosto. Mas

a vida tinha que continuar e por isso devia comer e conversar sensatamente, agindo como

se estivesse viva.  – Sim obrigada – agradeceu Lacey. – Eu não queria dar todo este trabalho à

senhora. Só queria falar-lhe por um instante sobre certas coisas.

 – Estou satisfeita em vê-la tão bem-disposta – disse a sra. Pomeroy. – Tenho que

confessar que estava muita preocupada, imaginando se não teria falado demais. – Lacey

sorriu, enquanto mexia seu chá. – Martin não telefonou para você, telefonou? – Lacey

sacudiu a cabeça negativamente. – Não achei que telefonaria, e nem telefonou tampouco

 para cá. Naturalmente, é possível que ele esteja do outro lado do mundo. O trabalho dele é

realmente muito interessante.

Page 116: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 116/123

  – Mas é também possível que ele ainda esteja de férias, as últimas dias em

companhia de Sandra – completou Lacey, sorrindo corajosamente, e a sra. Pomeroy

suspirou, antes de mudar de assunto.

 – O que você quer de mim? – indagou, então, a mulher.

 – Quero falar sobre aquilo que a senhora me contou. Meu pai não quer discutir o

caso comigo. Contou que foi um negócio que não deu certo, e que tudo não passou disso.

Mas eu gostaria de saber a que ponto ele está envolvido. Quero restituir tudo – disse Lacey,

e a sra. Pomeroy, que estava resolvida a não contar mais nada mudou de idéia.

 – Minha querida, não acredito que conseguisse levantar todo aquele dinheiro!

Então tratava-se mesmo de muito dinheiro, e Lacey não possuía senão o prédio do

Centro de Artes. – Posso hipotecar o Centro, para conseguir o dinheiro – disse ela. – Bem, estive

 pensando nisso.

 – Esqueça isso, menina – disse a mulher, passando a falar sobre o festival, que

tivera tanto sucesso.

Sábado tudo terminaria. Lacey nunca mais seria a mesma, mas pelo menos as

 bandeiras deixariam os mastros, a música cessaria assim como toda a algazarra daqueles

dias. Tudo voltaria, enfim, ao normal.Haveria um grande baile no salão de gala da Prefeitura, para o encerramento do

festival, e a maioria dos moradores da cidade já tinham comprado seus ingressos. Todo o

 pessoal do Centro estaria presente, além de muitos outros amigos de Lacey. Ela deveria ir 

com Paul, mas não o vira mais desde a terça-feira. No sábado, pela manhã, Tessa, a

ajudante da biblioteca, informou-a de que Paul não pretendia comparecer ao evento, pois

considerava baile pura perda de tempo.

Tessa perguntou a Lacey se ela iria. Todos estavam curiosos para saber se ela e Paulse reconciliariam.

 – Claro que eu irei – disse ela.

 – Martin não voltou, não é? – perguntou Tessa.

Lacey já perdera a conta de quantas vezes lhe tinham feito esta mesma pergunta

naquele dia. Como uma idiota, repetira o que ele lhe dissera e, agora que o sábado chegara,

todos estavam ansiosos para ver se Martin voltaria.

 – Se voltou eu não o vi – respondeu Lacey.

Se Martin chegasse, saberia no mesmo instante. Ele não estava na cidade, mas ela

Page 117: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 117/123

iria ao baile daquela noite. Não queria que ficassem imaginando que estava em casa, ao

lado do telefone, esperando que tocasse.

Seu pai poderia ir ao baile, mas continuava fazendo o papel de vítima, calado e

ofendido, para que ela se sentisse culpada. Mas Lacey não o estava negligenciando;

contratara uma pessoa, que precisava de um dinheiro extra, para arrumar a casa e cozinhar 

 para ele. Laurence Allen esperava que o arroubo de independência de Lacey logo passasse,

mas evitava pressioná-la diretamente, pois temia que ela decidisse sair de casa. A seu modo

egoísta, o velho Laurence gostava imensamente da filha.

 – Não irei – disse o pai a Lacey, quando esta lhe perguntou se ele assistiria à festa

de encerramento. Permanecera sentado na sala, escutando música suave, com um cálice de

vinho do Porto a seu lado e um livro na mão.Eram quase sete horas, e Lacey passeara com Jet pelos campos por mais de uma

hora. Tinha a pele corada e os cabelos revoltos.

 – Achei as últimas duas semanas muito exaustivas – comentou Laurence Allen. – 

 Não estou com disposição de ir a baile algum!

 – Neste caso, importa-se de me dar sua entrada? – perguntou a filha.

Ele sabia que Martin Jackson deixara a cidade, mas era esperado para aquele dia.

 – Jackson voltou? – indagou o velho, curioso. – Ainda não, mas até a meia-noite ainda há esperança – respondeu Lacey.

 Não sabia bem por que dissera aquilo. Estava zangada com o pai, ali sentado, como

um gato bem alimentado. Estava envergonhada com ele, que sempre fora seu orgulho. Seu

 pai era ganancioso e egoísta e tinha roubado o pai de Martin, deixando-o com uma dívida e

o coração despedaçado. Pegou a entrada do baile numa gaveta e foi para seu quarto.

Pagaria nem que fosse uma parte daquela dívida. Insistiria nisso. Se Martin não

aceitasse o dinheiro, pediria que ele escolhesse alguma instituição de caridade para fazer adoação. “Como gostaria que essa noite já estivesse terminada!”, pensou ela. “Esta noite e

os próximos dez anos!”

Estava uma noite sufocante. Seu vestido era muito leve, em finíssima cambraia

 branca, com uma saia rodada, entremeada de rendas.

 – Quer que eu e Porteus passemos por sua casa? – Maisie oferecera, ao saírem do

Centro, à tarde.

 – Não, obrigada. Eu me encontrarei às oito lá mesmo, – respondeu Lacey, grata

 pelo apoio da amiga.

Page 118: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 118/123

Seriam apenas dez minutos de caminhada e isso ela faria sozinha. Teria que

enfrentar mais aquela noite, e então o festival estaria terminado. Aí, sim, ela teria a certeza

de que Martin não voltaria mais.

Às oito horas a cidade estava quase vazia, a não ser por alguns turistas nas

 proximidades dos hotéis. Lacey, em seu belo vestido branco, atraiu alguns olhares. Ela,

 porém, não lhes deu atenção. Ao passar pela antiga casa de Martin, olhou-a por um

instante. Na estava diferente de cinco anos atrás, mas Martin nunca mais sairia por aquela

 porta.

Porteus e Maisie estavam à espera dela. Lacey se atrasara alguns minutos, mas, no

saguão superlotado, Porteus logo a enxergara.

 – Conseguimos uma mesa – disse Maisie.Lacey logo se viu cercada pelos amigos, seguindo pela enorme escada curva até o

salão de baile. Sentou-se então numa cadeira, onde poderia observar confortavelmente a

festa.

 Na verdade, o baile não estava tão ruim. Ela conseguia disfarçar bem, no meio de

muita gente. O que temia era ter que ficar sozinha, porque então pensamentos que a faziam

sofrer vinham-lhe à cabeça.

Tinha uma enorme sensação de perda. Ali, entretanto, com todo mundo sorrindo,era mais fácil sorrir também.

  Na hora da “Feira de Empregos”, toda a comissão, que estivera presente à

inauguração do festival, estava ali novamente. Todos tinham pago, e os “serviços” haviam

sido satisfatoriamente cumpridos. No palco, ao lado da comissão, uma banda tocava. O

nome de Lacey foi chamado, enquanto o vigário segurava o cheque de Martin nas mãos.

Quatro refeições deveriam ter sido oferecidas, e ela sabia que todos especulavam,

 para saber onde e quando. Sim, tinham sido quatro: pipocas na roda-gigante, um prato do bufê de Denice, o almoço com salsichas em casa da sra. Pomeroy e biscoitos e chutney na

noite em que haviam ficado presos no Centro. Enquanto aplaudiam, as pessoas esticavam

os pescoços para verem se, afinal, Martin não tinha aparecido mesmo.

O bufê estava farto e o bar, muito movimentado. Lacey preferiu não comer nada,

 pois não tinha o menor apetite. Limitou-se a toma um copo de vinho branco gelado, e

dançou, sorrindo quando perguntavam sobre Martin.

 – Pode ser que ele volte, eu não sei – dizia ela.

Então ela o viu entrar no salão, e seu coração parou de bater.

Page 119: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 119/123

Estava dançando com Anton, e havia uma massa de gente entre ela e a porta.

Martin, entretanto, logo a viu.

 – Com licença – disse ela, começando a abrir caminho em direção a ele.

 Não importava mais que os outros a vissem, ou o que estariam pensando, e nem

mesmo se Sandra estava com ele. Não havia futuro nenhum para ela, mas Martin tinha o

 poder de atraí-la irresistivelmente.

 – Bem – disse ela, ao aproximar-se dele. – Então você veio!

Sentia-se voltar à vida e o mundo voltava a ter sentido.

 – Você vem? – indagou Martin.

 – Por que não? – respondeu Lacey.

Ela nem fingiu vacilar. Os dois saíram do salão, desceram as escadas eatravessaram o saguão, saindo pela enorme porta de entrada. Cada passo que davam era

observado, e quase todos os presentes conheciam Lacey. Se tivessem hesitado por um

instante, alguém certamente os teria detido, nem que fosse para dizer “Alô” a Martin. Mas

eles haviam sido rápidos, saindo simplesmente e deixando atrás deles um mar de rostos

atônitos e o rumor das vozes.

Lá fora, continuaram andando até pegar a primeira travessa, para sair da rua

 principal. – Como vai a ressaca? – perguntou ele.

 – Melhor, obrigada – respondeu Lacey.

Havia menos gente por ali. Algumas lojas ainda estavam iluminadas, mas as portas,

fechadas. Andaram lado a lado apenas, sem se tocar.

 – O que aconteceu com você, desde a manhã de terça-feira? – indagou Lacey.

 – Várias coisas – respondeu Martin.

 – Imagino. – Paul estava no baile? – perguntou, curioso.

 – Paul não gosta de dançar – explicou Lacey.

 – Vamos andar um pouco. – Estavam caminhando em direção aos montes.

 – Vamos. Como estava quente lá dentro! – exclamou Lacey.

Ainda fazia calor, mas não como naquela noite da tempestade. Lá fora a

temperatura estava agradável e o céu repleto de estrelas.

Caminharam como naquela outra noite. Para Lacey, bastava caminhar ao lado dele,

ainda que nem se falassem. “Acho que estamos indo para a cabana em ruínas”, pensou ela.

Page 120: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 120/123

“Mas, afinal, quem precisa de teto numa noite como esta? A vida dele não mudará, mas

também não será o fim do mundo. Ainda teremos muitas outras chances de um encontro.”

Seguiram por um atalho, e depois pisaram na turfa macia. Repentinamente, Lacey

 perguntou:

 – Foi muito dinheiro?

 – O quê? – Ele parou e olhou para ela. – Quem lhe contou? Certamente não foi seu

velho?

 – Foi a sra. Pomeroy, mas ela não quis revelar a quantia, a fim de que eu possa

restituí-la a você.

Martin riu.

 – Aposto que seu pai não é a favor... – comentou. – Não – Lacey teve que admitir. – Foi aquela galeria de arte não foi? Gostaria de

saber de tudo agora.

 – Não, você não tem nada a ver com isso – disse Martin, segurando a mão dela,

 para continuarem a caminhar.

 – Seu pai morreu na pobreza e todos ficaram surpresos. Você não está ressentido

 por causa disso? – indagou Lacey.

 – Mas claro que não! – disse ele, que não parecia mesmo estar ressentido. – Elecontava com uma renda vitalícia, de modo que sabia que sempre teria dinheiro para se

manter. Na verdade, durante toda a vida, meu pai não trabalhou um único dia. O velho

Laurence Allen foi mais esperto do que ele, o que não era muito difícil. Isso já acontecera

antes, com mais de cinqüenta outros negócios, embora seu pai tenha sido aquele que

obteve mais sucesso.

Ele falava com sincera tolerância. Lacey lembrava-se do pai de Martin: um homem

distinto, um perfeito gentleman. – Você se dava bem com seu pai? – ela perguntou.

 – Muito – respondeu Martin. – Em alguns pontos ele era muito parecido com seu

 pai: suas opiniões tinham que ser lei. Orgulho como ele só! Eu sabia que só podia contar 

comigo mesmo e isto nunca me aborreceu – concluiu.

 – Tia Helena sabia sobre o dinheiro? – inquiriu ela.

 – Acredito que sim. Se Edith Pomeroy sabia, era provável que sua tia também

soubesse. E, quanto à carta, sua tia deve ter aberto por engano, já que ambas assinavam

srta. Allen.

Page 121: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 121/123

 – Então você me escreveu mesmo? – quis saber a moça. Martin voltou-se para ela,

e Lacey continuou: – Lembra-se do que me dizia na carta?

O morro, atrás deles, escondia as luzes da cidade. Adiante, os campos de urzes se

estendiam. Eles pararam. e sentaram-se na grama.

 – Pedia para que você viesse até Cambridge, passar o fim de semana comigo, e para

conversarmos. Queria levar você para conhecer alguns lugares, e também meus amigos.

Quando não obtive resposta, escrevi uma outra vez, avisando que iria telefonar.

A voz de Martin estava calma e Lacey pensou que ele não se esforçara o suficiente.

Lembrava-se de sua agonia, esperando... Isto Martin não poderia compreender.

 – Foi sua tia quem respondeu – continuou ele.

 – Mas por que não ligou outras vezes, Martin? – ela indagou.  – E por que você não ligou, nem escreveu uma única vez?! – exclamou ele,

subitamente impaciente. – Poderia ter conseguido facilmente o meu endereço.

 – Tive medo – confessou Lacey.

 – E como acha que eu estava me sentindo? – perguntou Martin.

 – Com medo? Você? – indagou ela, incrédula.

 – Sim. Naquela noite em que você me encontrou saindo da velha casa, eu estava

completamente só. Sempre vivera sozinho. Nunca pensei que precisasse de alguém, tantoque quando vi você se aproximar nem cheguei a me surpreender. Somente percebi que

deveríamos passar a noite juntos. No dia seguinte, eu estava confuso. Não conseguia

entender bem o que tinha acontecido. Tive medo de ter estragado tudo entre nós. Pensando

melhor, eu achei que talvez você preferisse esquecer tudo que acontecera. Você tinha uma

 bela casa, e uma vida sem problemas. Não poderia culpá-la por não querer um sujeito

rebelde e violento atrapalhando sua vida.

Havia algo de animal e primitivo na força dele. Mas havia também a ternura e ocalor, que a tinham conquistado definitivamente.

 – E para ser sincero – prosseguiu ele – esperei ainda por muito tempo que você me

 procurasse.

 – Você nunca voltou – retrucou ela.

 – Não, até ter certeza de que poderia lhe enfrentar sem sentir nada. Entretanto, no

instante em que eu a vi, foi como se o tempo não tivesse passado para mim. Eu não

agüentava mais ficar longe de você. Quando você recusou ir àquela audição de música

country, eu fiquei do lado de fora de sua casa, esperando que saísse com o cachorro. – Fez

Page 122: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 122/123

uma pausa e continuou: – Vim passear com Sandra aqui pelos montes e trouxe Jet conosco,

mas não conseguia lhe tirar da minha cabeça – confessou Martin.

Ela estivera em Eastbourne pensando nele, e logo lhe contaria sobre isso. Agora, ali

sentada, somente escutava, esperando, de todo o coração, que ele estivesse dizendo a

verdade.

 – Eu descobri – continuou ele rindo – que nunca tinha me interessado por uma

garota que não tivesse algo que lembrasse você.

 – Você foi até a cabana na terça-feira? – perguntou Lacey.

 – Sim – respondeu.

 – Com Sandra?

 – Eu sempre vou até lá sozinho – disse ele. – Lá é meu refúgio. – Por que você foi embora? – perguntou ela, passando os dedos pela grama macia.

 – Pode ser que não se lembre – disse ele. – Mas, um pouco antes de apagar, você

disse que me amava.

 – Verdade? – indagou ela, surpresa.

 – Eu sabia que era o tal vinho de ameixas que a fizera dizer aquilo, mas eu estava

sóbrio e tive vontade de contar, ao mundo inteiro, o que você dissera. Desejava apertá-la

em meus braços, para que você nunca mais se afastasse de mim. Então, achei melhor meafastar e pensar seriamente em tudo, porque quando você está perto de mim não consigo

 pensar com lógica. Fui até a cabana, e decidi que se fosse capaz de me controlar eu

voltaria, e a faria desistir de Paul. Pensei “Ela será minha, porque eu sou o homem certo

 para ela, mesmo que ela ainda não tenha certeza disso. Não apressarei as coisas desta vez.

Darei todo o tempo que precisar”. Só espero que não sejam mais cinco anos.

O perfil dele estava nítido, à luz da Lua.

 – É assim que me sinto – disse Martin. – Nada vale a pena a não ser que você estejaa meu lado. Quero que se case comigo.

Ele tomou o rosto de Lacey entre as mãos, e ela sentiu que os dedos dele estavam

trêmulos e frios.

  – Não consigo encontrar palavras para dizer o quanto eu a amo, minha doce

Lacey...

Havia música no ar, e a grama estava macia sob eles. Lacey passou os braços em

tomo do pescoço dele.

 – Então me mostre – pediu ela.

Page 123: Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

8/14/2019 Bianca 224 - Jane Donnelly - Juventude Rebelde (A Fierce Encounter)

http://slidepdf.com/reader/full/bianca-224-jane-donnelly-juventude-rebelde-a-fierce-encounter 123/123

Fim