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191 CAPÍTULO 10 BEXIGA NEUROGÊNICA JOSÉ AILTON FERNANDES SILVA 1 - Fisiopatologia do Trato Urinário Inferior As fases de enchimento e esvaziamento da bexiga são controladas através da interação entre os sistemas nervoso autônomo simpático, parassimpático e somático eferente (Fig. 1), incluindo a modulação pelo sistema nervoso central. Figura 1 – Inervação do trato urinário inferior O enchimento passivo da bexiga é função do sistema nervoso simpático. Os nervos simpáticos originam na medula espinhal dos segmentos de T1 a L2, e através dos nervos hipogástrico e plexo pélvico inervam a bexiga. Estes nervos conduzem impulsos que estimulam receptores alfa e beta adrenérgicos localizados na uretra e bexiga. A estimulação dos receptores beta adrenérgicos, locali- zados no corpo da bexiga, causa o relaxamento da musculatura lisa e como consequência o relaxa- mento da parede vesical. Por outro lado, o estímulo dos receptores alfa adrenérgicos, localizados na

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CAPÍTULO 10

BEXIGA NEUROGÊNICAJOSÉ AILTON FERNANDES SILVA

1 - Fisiopatologia do Trato Urinário Inferior

As fases de enchimento e esvaziamento da bexiga são controladas através da interação entre os sistemas nervoso autônomo simpático, parassimpático e somático eferente (Fig. 1), incluindo a modulação pelo sistema nervoso central.

Figura 1 – Inervação do trato urinário inferior

O enchimento passivo da bexiga é função do sistema nervoso simpático. Os nervos simpáticos originam na medula espinhal dos segmentos de T1 a L2, e através dos nervos hipogástrico e plexo pélvico inervam a bexiga. Estes nervos conduzem impulsos que estimulam receptores alfa e beta adrenérgicos localizados na uretra e bexiga. A estimulação dos receptores beta adrenérgicos, locali-zados no corpo da bexiga, causa o relaxamento da musculatura lisa e como consequência o relaxa-mento da parede vesical. Por outro lado, o estímulo dos receptores alfa adrenérgicos, localizados na

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base da bexiga (trígono vesical) e uretra prostática no homem, causa contração do esfíncter interno e ao mesmo tempo contração da musculatura lisa da próstata que causa elevação da resistência do colo vesical e uretra prostática. O neurotransmissor pós-ganglionar primário para o sistema nervoso autônomo simpático é a norepinefrina.

O sistema nervoso autônomo parassimpático é o principal suprimento nervoso da bexiga e é feito pelos nervos pélvicos (via excitatória). Esses nervos pélvicos se conectam à medula espinhal pelo plexo sacral, principalmente pelos segmentos medulares S2 e S3. Estes nervos contêm � bras sensoriais e motoras. As � bras sensoriais detectam o grau de distensão da parede vesical e as mo-toras são responsáveis pelas contrações do músculo detrusor. O sistema nervoso autônomo paras-simpático é responsável pelo esvaziamento vesical. Quando ativado pelo comando central causa contração do músculo detrusor provocando eliminação de urina pela uretra. O neurotransmissor principal para ambas as � bras pré e pós-ganglionar parassimpático é a acetilcolina.

O sistema nervoso somático é formado por nervos ganglionares eferentes originados dos seg-mentos sacrais de S2 a S4 na região do corno anterior da medula espinhal. Através do nervo puden-do, estes nervos emitem impulsos para o esfíncter estriado externo e a musculatura do assoalho pélvico, modulando contração destas estruturas (Thor K. B., 1989).

A inervação aferente também é importante. Estas � bras nervosas conduzem informação da bexiga até a medula espinhal através dos nervos periféricos pélvico, hipogástrico e pudendo. Este sistema, sob condições normais, monitora a pressão vesical e a amplitude das contrações da bexiga. Dois tipos de � bras aferentes foram identi� cadas, as mielinizadas A delta e as � bras não mielini-zadas C. As � bras A delta são ativadas pela distensão normal da bexiga e parecem ser o principal mecanismo aferente de ativação durante a micção. Por outro lado, as � bras C são polimodais e res-pondem aos estímulos mecânicos, térmicos e químicos (nocicepção) sendo que a maioria dessas � bras é inativa durante a micção normal (Fall M., 1990; Habler H. J., 1990). Entretanto, durante certos estados patológicos, como por exemplo, in� amação, lesão da medula espinhal suprasacral, o re� exo medular mediado por essas � bras parece desempenhar um papel importante na patogênese da bexiga neurogênica (De Groat W. C., 1990).

1.1 - Centros Miccionais

A inibição e a facilitação da micção estão sob o comando de três centros importantes, o centro sacral de micção, o centro pontino de micção e os centros superiores (córtex cerebral).

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O centro sacral de micção (S2 – S4) é primariamente um re� exo central no qual os impulsos eferentes do parassimpático para a bexiga causam a contração vesical e os impulsos aferentes do centro sacral proporcionam informações referentes à sensação vesical de enchimento.

O centro pontino de micção por sua vez é o responsável pelo relaxamento coordenado do esfíncter urinário (esfíncter estriado externo) durante a contração da bexiga. A lesão suprasacral da medula espinhal interrompe os sinais do centro pontino de micção, razão pela qual é comum a dissinergia detrusor esfíncter (o esfíncter que deveria estar relaxado durante a contração vesical, permanece contraído) nos pacientes com lesão medular suprasacral. Como consequência também desta interrupção de impulsos do córtex cerebral para o centro sacral, frequentemente se observa nestes pacientes bexigas de baixa capacidade e presença de contrações involuntárias do detrusor.

2 - Doenças Neurológicas – Bexiga Neurogênica

A função normal da bexiga é armazenar e expelir a urina de forma coordenada e controlada. Esta atividade é regulada pelo sistema nervoso central e periférico. O termo bexiga neurogênica é aplicado a qualquer disfunção do trato urinário inferior cuja causa é uma doença ou lesão neuroló-gica.

2.1 - Lesões suprapontinas

Lesões suprapontinas referem-se às lesões do sistema nervoso central envolvendo a área aci-ma da ponte, como por exemplo: acidente vascular cerebral, tumor cerebral, Doença de Parkinson e paralisia cerebral.

2.1.1 - Acidente vascular cerebral

Após um acidente vascular cerebral, o cérebro pode entrar em uma fase de choque cerebral aguda temporária. Durante este tempo, a bexiga pode apresentar um comportamento acontrátil, semelhante ao que ocorre na fase de choque medular. Quase 25% dos indivíduos afetados desenvol-vem retenção urinária aguda depois de um acidente vascular cerebral, necessitando esvaziamento vesical através de cateter Foley ou cateterismo vesical intermitente limpo.

Depois da fase de choque cerebral, a manifestação mais comum no paciente são os sintomas de frequência urinária aumentada, urgência e incontinência de urgência. O padrão urodinâmico ob-servado é a hiperatividade detrusora com sinergismo detrusor esfíncter. Isso ocorre porque o centro

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pontino de micção é liberado do controle inibitório dos centros corticais superiores.

2.1.2 - Tumor cerebral

O comportamento vesical nas lesões suprapontinas se caracteriza principalmente por sinto-mas de armazenamento (Fig. 2). Aumento de frequência urinária, urgência e incontinência de ur-gência são as principais queixas em pacientes com tumor cerebral. Da mesma maneira, o achado urodinâmico característico é a hiperatividade detrusora coordenada com o relaxamento do esfíncter uretral. O tratamento recomendado é o uso de medicação antimuscarínica ou agonistas Beta 3.

Figura 2 – Correlação lesão neurológica X Disfunção vesical (From The EAU Neuro-Urology Guidelines, 2016)

2.1.3 - Doença de Parkinson

A Doença de Parkinson é um distúrbio degenerativo dos neurônios da substância negra que

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resulta na de� ciência de dopamina e no aumento da atividade colinérgica no corpo estriado.

Os pacientes com doença de Parkinson manifestam sintomas de bradicinesia, tremor muscular e rigidez em roda dentada. Os sintomas especí� cos do trato urinário incluem aumento de frequência urinária, urgência, noctúria e incontinência.

Os achados urodinâmicos típicos são a hiperatividade detrusora e a bradicinesia do esfíncter uretral externo, caracterizada por atraso no relaxamento ou contração sustentada fraca. Semelhante a outras lesões suprapontinas, o tratamento da disfunção vesical na Doença de Parkinson é o de promover o adequado armazenamento da bexiga através de agentes anticolinérgicos ou agonistas Beta 3.

Se os pacientes do sexo masculino com sintomas da doença de Parkinson apresentarem tam-bém sintomas da fase de esvaziamento, o estudo urodinâmico está recomendado no sentido de afastar obstrução infravesical pela próstata.

Após ressecção de próstata, a causa mais comum de incontinência urinária no paciente com Doença de Parkinson é a hiperatividade detrusora.

2.1.4 - Paralisia cerebral

O termo paralisia cerebral descreve um grupo de doenças permanentes do desenvolvimento do movimento e da postura que causam limitações na atividade e são atribuídas a distúrbios não progressivos que ocorrem no cérebro fetal ou infantil em desenvolvimento (Boone T. B. et al, 1998). Os distúrbios motores de paralisia cerebral são frequentemente acompanhados por perturbações na sensação, percepção, cognição, comunicação e comportamento, bem como a epilepsia e problemas musculoesqueléticos secundários (Boone T. B. et al, 1998).

Os sintomas urinários são comuns em crianças com paralisia cerebral. As queixas mais co-muns que motivam à avaliação urológica são infecções urinárias (56,7%) e incontinência (40,5%) de acordo com o nosso estudo (Silva J. A., et al., 2009). Sintomas de urgência, incontinência de urgência e enurese também são frequentes. Nesse mesmo estudo, observamos que as principais alterações urodinâmicas são capacidade vesical reduzida e hiperatividade detrusora. Exame urodi-nâmico normal foi observado em quase um terço dos pacientes (Tabela 1). Em função dos sintomas e achados urodinâmicos mais frequentes, o tratamento se baseia no uso de agentes antimuscarínicos e alfabloqueadores (pacientes com aumento do resíduo pós miccional). Como a paralisa cerebral é

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uma lesão suprapontina, a presença de dissinergia detrusor esfíncter é incomum, assim como são poucos os casos que têm indicação de cateterismo vesical intermitente. A incontinência urinária é mais frequente em pacientes com severo comprometimento motor e cognitivo (Van Laecke E., et, 2001).

Embora a disfunção miccional seja comum nos pacientes com paralisia cerebral, o risco de lesão do trato urinário superior é baixo. A avaliação urodinâmica pode ser evitada na maioria dos casos.

Tabela 1 - Queixas urinárias que motivaram a investigação urológica

2.2 - Lesão medular traumática

A lesão medular, especialmente quando se instala de forma súbita, é frequentemente uma das lesões mais devastadoras, com consequências para todos os sistemas do corpo. A lesão medular traumática se apresenta como um grande problema de saúde pública no Brasil, com prevalência de 8,6%, sendo a maioria pacientes jovens com idade média de 30,3±1,1 anos, no auge de sua produtividade, e com predomínio do sexo masculino em relação ao feminino; 3,9:1 (Da Paz, 1992). A nível mundial, estudos têm mostrado incidência entre 10,4 a 83 por 1.000.000 de pessoas ao ano com idade média de 33 anos e distribuição de sexo (homem/mulher) de 3,8:1 (Wyndaele M., 2006).

Após uma lesão medular aguda, a resposta inicial do sistema nervoso é o choque medular. Esta fase caracteriza-se por paralisia � ácida abaixo do nível da lesão e atividade re� exa somática su-primida ou ausente. Os re� exos bulbocavernoso e anal geralmente estão ausentes. Como a atividade

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autonômica também está suprimida, retenção urinária e constipação são comuns. Os achados uro-dinâmicos são consistentes com arre� exia detrusora. A fase de choque medular geralmente dura 6 a 12 semanas, no entanto pode se estender por até 6 meses em alguns casos. Durante este tempo, é recomendado o esvaziamento da bexiga através de cateterismo vesical intermitente ou cateterismo de demora na impossibilidade do intermitente. Após a fase de choque medular, o detrusor retoma sua atividade de contração que deve ser mensurada já que o nível de lesão pode determinar contra-ção de alta amplitude associada à dissinergia es� ncteriana. O cateterismo vesical intermitente está recomendado bem como avaliação urodinâmica a � m de avaliar o comportamento do detrusor e do esfíncter uretral.

A medula espinhal é o principal conduto através do qual o impulso motor e sensitivo trafega entre o cérebro e o corpo. A lesão medular traumática afeta a condução motora e sensitiva ao longo da topogra� a da lesão. Através do exame neurológico, é possível determinar os segmentos afetados, o nível neurológico, sensitivo e motor da lesão.

O termo tetraplegia se refere ao comprometimento ou perda motora e/ou sensitiva da função dos segmentos cervicais da medula espinhal devido à lesão dos elementos neurais dentro do canal medular. Paraplegia é o comprometimento ou perda motora e/ou sensitiva ao nível torácico, lombar ou sacral (mas não cervical) dos segmentos da medula espinhal, secundário a lesão dos elementos neurais dentro do canal medular. Na paraplegia, a função dos membros superiores está preservada, mas, dependendo do nível da lesão, o tronco e membros inferiores podem estar envolvidos.

2.2.1 – Lesão medular acima da sexta vértebra torácica

Lesão medular completa acima da sexta vértebra torácica (T6) na maioria das vezes apresen-tará como achado urodinâmico hiperatividade do detrusor associada à dissinergia do esfíncter es-triado externo (Fig. 2). Esse comportamento vesical determina, no longo prazo, risco importante para deterioração do trato urinário superior. Complicações como infecções do trato urinário, re� uxo vesicoureteral e hidronefrose podem ocorrer e levar à perda de função renal. Nas lesões completas, o manejo vesical padrão é através do cateterismo vesical intermitente associado à medicação anti-muscarínica.

A disrre� exia autonômica, que caracteriza por uma resposta simpática exagerada a quaisquer estímulos abaixo do nível da lesão, é uma complicação original e frequente na lesão medular acima de T6. Isso ocorre mais comumente com lesões da medula cervical. Distensão vesical, instrumen-tação da bexiga, infecções do trato urinário, constipação intestinal ou estímulos dolorosos abaixo

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do nível da lesão são causas comuns de disrre� exia autonômica. Os sintomas de disrre� exia auto-nômica incluem sudorese, dor de cabeça, hipertensão e bradicardia re� exa. O tratamento consiste em corrigir fatores desencadeantes. Uso de alfabloqueadores pode ser utilizado como medida de pro� laxia. Procedimentos de instrumentação do trato urinário e do reto devem ser realizados sob anestesia geral, visando prevenção da disrre� exia autonômica.

2.2.2 - Lesão medular abaixo de T6

Lesão medular abaixo do nível T6 caracteriza por achados urodinâmicos de hiperatividade do detrusor, dissinergia do esfíncter estriado em graus variáveis, mas não apresenta manifestação clíni-ca de disrre� exia autonômica. Na avaliação neurológica observa-se espasticidade muscular esque-lética, com re� exos profundos hiperativos.

Estes pacientes apresentam esvaziamento incompleto da bexiga secundário à dissinergia de-trusor esfíncter. A avaliação urodinâmica é importante para monitoração do risco para lesão do trato urinário superior. O tratamento da bexiga envolve cateterismo vesical intermitente limpo associado a agentes antimuscarínicos.

2.2.3 – Lesão medular sacral

Na região sacral não há medula espinhal, apenas os nervos sacrais que se originam da coluna lombar. Danos causados às raízes sacrais e às raízes da coluna lombar inferior podem apresentar sintomas semelhantes.

As lesões ao nível da região sacral podem deixar o paciente com pouco ou nenhum controle da bexiga ou intestino. As principais alterações urodinâmicas são alta complacência e detrusor acon-trátil (Fig. 2). Entretanto, em pacientes com lesão incompleta, a acontratilidade pode estar acompa-nhada de elevação progressiva da pressão vesical durante o enchimento, resultando em diminuição da complacência. A combinação de detrusor acontrátil com esfíncter competente (intacto) contribui para distensão e descompensação da bexiga. O cateterismo vesical intermitente limpo está indicado nos pacientes que cursam com resíduo pós miccional elevado.

Lesão das raízes de S2 a S4 pode comprometer a invervação somática eferente (nervo puden-do) determinando hipoatividade do esfíncter estriado com repercussão na continência urinária.

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2.3 - Esclerose múltipla

A esclerose múltipla é uma doença neurológica, crônica e autoimune caracterizada por lesões desmielinizantes focais do sistema nervoso central, cérebro e medula espinhal. Envolve, de forma mais comum, as colunas lateral e posterior da medula espinal cervical.

Os sintomas urinários mais frequentes são aumento de frequência, urgência, incontinência, hesitação e di� culdade de esvaziamento pleno da bexiga. Normalmente, existe fraca correlação en-tre os sintomas clínicos e os achados urodinâmicos.

O achado urodinâmico mais comum é a hiperatividade detrusora, ocorrendo em até 50 a 90% dos pacientes. A hiperatividade detrusora associada à dissinergia detrusor esfíncter pode ocorrer em até 50% dos casos. Detrusor acontrátil ocorre em 20 a 30% dos casos. O tratamento da disfunção vesical deve ser individualizado e com base nos sintomas e nos achados urodinâmicos.

2.4 - Mielomeningocele

A mielomeningocele, também conhecida como espinha bí� da aberta, é uma malformação congênita da coluna vertebral da criança em que as meninges, a medula e as raízes nervosas estão expostas. Mielomeningocele é o tipo mais comum e também a mais grave de espinha bí� da. Esse defeito do fechamento do tubo neural normalmente se dá após 1 mês de gestação e as causas mais comuns são fatores genéticos e ambientais, como histórico familiar de malformações da coluna ver-tebral e de� ciência de ácido fólico.

A incidência de espinha bí� da em todo o mundo varia de 0,3-4,5 por 1.000 nascimentos. Apro-ximadamente 50% das crianças com mielomeningocele e 25% das crianças com disra� smo oculto apresentam dissinergia detrusor esfíncter que, por conta das altas pressões vesicais, é um fator de risco importante para lesão do trato urinário superior além de infecções urinárias. Neste cenário de risco, o dano renal é precoce e pode ocorrer nos primeiros 6 meses de vida (Greig J. D., et al., 1991). Dessa forma, o manejo adequado da bexiga neurogênica deve iniciar de forma precoce, ou seja, logo após o nascimento. O tratamento recomendado é através de cateterismo vesical intermitente associado a agentes antimuscarínicos. Essa medida reduz as complicações do trato urinário superior bem como a necessidade de ampliação vesical no futuro de forma signi� cativa.

2.5 - Cistopatia diabética

A cistopatia diabética ocorre devido a neuropatia autonômica e periférica. Normalmente, a

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disfunção da bexiga ocorre 10 anos ou mais após o início do diabetes mellitus.

Os primeiros sintomas são a perda da sensação de enchimento da bexiga, seguido por perda da função de esvaziamento. Os achados urodinâmicos clássicos associados a esta condição são vo-lume residual elevado, diminuição da sensibilidade da bexiga, detrusor hipocontrátil, e, por � m, detrusor acontrátil. Paradoxalmente, hiperatividade detrusora também foi observada nestes pa-cientes (Kaplan S. A., et al., 1995). O tratamento recomendado é o esvaziamento vesical através de cateterismo intermitente limpo.

2.6 - Cirurgia pélvica

Pacientes submetidos a grandes cirurgias pélvicas, como histerectomia radical, ressecção ab-dominoperineal, colectomias, ou exenteração pélvica podem apresentar disfunção vesical no pós--operatório.

Como resultado da denervação, detrusor acontrátil é a manifestação mais comum. No entanto, boa parte dos pacientes afetados apresentará recuperação espontânea da função dentro de seis meses após a cirurgia.

3 - Seguimento longitudinal

A abordagem da bexiga neurogênica deve se iniciar logo após a instauração da lesão neuroló-gica e ser mantida ao longo de toda a vida do paciente. Os objetivos do manejo vesical são: preservar o trato urinário superior; minimizar as complicações do trato urinário inferior, proporcionar conti-nência urinária e ser compatível com o estilo de vida do paciente.

Não há consenso claro sobre a maneira mais adequada de seguimento urológico no longo prazo dos pacientes com bexiga neurogênica.

Os exames para avaliação da bexiga são feitos sob demanda, na medida em que se observam alterações clínicas ou para acompanhamento de medidas de tratamento instituídas. Os exames de avaliação urológica devem investigar o trato urinário inferior e superior. Dentre estes exames, são importantes a ultrassonogra� a, a tomogra� a computadorizada, a urodinâmica (e eventualmente a videourodinâmica) e a cistogra� a. Em situações especiais, urogra� a excretora e cistoscopia podem ser indicadas.

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• Função renal

Embora de uso rotineiro, a creatinina sérica não é sensível para a detecção precoce da dete-rioração da função renal em pacientes com lesão medular. Nestes casos, a depuração da creatinina, determinada por amostra de urina de 24 horas e a cistatina-C são os marcadores mais � dedignos.

• Exame de urina e urocultura

A colonização vesical, caracterizada pelo crescimento bacteriano na urina é comum e não deve ser tratada. O tratamento está recomendado apenas na vigência de sintomas tais como piúria, febre, disrre� exia, aumento dos espasmos musculares, aumento das perdas urinárias, ou seja, evidências clínicas de infecção.

• Diário miccional

O diário miccional é um registro diário de atividade da bexiga do paciente. É uma documen-tação objetiva do padrão de esvaziamento, episódios de incontinência, e eventos que precipitam à incontinência urinária. Deve ser solicitado tanto aos pacientes com micção voluntária quanto para aqueles que realizam cateterismo vesical intermitente.

• Ultrassonogra� a

A ultrassonogra� a dos rins e das vias urinárias é um método não-invasivo que deve ser reali-zado de rotina no longo prazo visando detectar alterações principalmente do trato urinário superior em pacientes com bexiga neurogênica. Outro parâmetro importante que é avaliado pela ultrasso-nogra� a é o volume pós-miccional. Nossa recomendação é que o exame seja realizado anualmente.

• Estudo urodinâmico

O estudo urodinâmico é a ferramenta mais importante para a determinação da disfunção ve-sical e deve ser realizado após a fase de choque medular nas lesões medulares. Seu objetivo é avaliar as sequelas e, juntamente com os sintomas clínicos bem como o diário miccional, de� nir o melhor método de tratamento da bexiga neurogênica. Também é importante na avaliação de resultados após medidas de tratamento.

Dentre os testes urodinâmicos, a uro� uxometria pode ser utilizada como exame de triagem nos pacientes que apresentam baixo risco para lesão do trato urinário superior, como nas lesões

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suprapontinas. O � uxo baixo é indicativo de obstrução infravesical ou detrusor hipocontrátil.

A eletromiogra� a adicionada ao estudo urodinâmico ajuda a determinar a presença de micção coordenada ou não coordenada. A ausência de relaxamento do esfíncter estriado durante micção resulta em micção descoordenada (dissinergia detrusor esfíncter).

A frequência a ser realizado o estudo urodinâmico não é consensual. A recomendação é de se fazer um exame de base, e no seguimento longitudinal realizar sob demanda, anual ou bianual, de acordo com a evolução dos sintomas e o risco de deterioração do trato urinário superior.

• Videourodinâmica

A videourodinâmica, que combina os achados urodinâmicos com os radiológicos da uretrocis-togra� a, é o “padrão ouro” para a avaliação de pacientes neurogênicos com incontinência urinária. O exame permite documentação da anatomia do trato urinário inferior, divertículo de bexiga e re� uxo vesicoureteral, bem como a relação funcional da pressão de � uxo entre a bexiga e a uretra.

• Cistogra� a

A cistogra� a estática (anteroposterior e lateral) ajuda a con� rmar a presença da incontinência de esforço, o grau de movimento uretral, e a de� ciência intrínseca do esfíncter (colo vesical aberto). A presença de fístulas vesicais e divertículos também podem ser observados.

A cistogra� a miccional pode avaliar o colo da bexiga e a função uretral (esfíncter interno e externo) durante as fases de enchimento e esvaziamento. A cistogra� a miccional pode identi� car divertículo uretral, obstrução uretral e re� uxo vesicoureteral.

4 - Manejo e tratamento da bexiga neurogênica

As opções atuais de tratamento da bexiga neurogênica consistem, em primeiro lugar, no es-vaziamento e� caz da bexiga. Para isso, em grande parte dos pacientes é necessário a realização do cateterismo intermitente limpo e associação de medicação antimuscarínica para reduzir a pressão da bexiga e aumentar sua capacidade (Abrams P., 1999). O objetivo é proporcionar uma vida mais saudável com baixa morbidade e com mínima in� uência nas atividades de vida diária.

Sob condições normais, a drenagem de urina do ureter para a bexiga é facilitada pela baixa pressão da bexiga, o que evita a dilatação ureteral. No entanto, em bexiga com baixa complacência,

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situação frequente em pacientes com bexiga neurogênica, pequenos aumentos de volume resultam num grande aumento da pressão do detrusor causando di� culdade à drenagem ureteral. Pressão in-travesical de enchimento elevada, seja devido à baixa complacência ou à hiperatividade detrusora, é o maior fator de risco para deterioração do trato urinário superior (McGuire E. J., 1981; Weiss R. M., 1983; Jequier S., 1987).

4.1 - Cateterismo intermitente

Cateterismo intermitente ou auto-cateterismo é um modo de drenagem da bexiga em inter-valos regulares de tempo. Um pré-requisito para o auto-cateterismo é a capacidade do paciente para usar suas mãos e braços; no entanto, em uma situação em que um paciente está � sicamente ou mentalmente prejudicado, um cuidador ou pro� ssional de saúde pode realizar o cateterismo intermitente para o paciente. Das opções possíveis de drenagem da bexiga, ou seja, cateter vesical, cateter suprapúbico e cateterismo intermitente, o cateterismo intermitente é a melhor solução para o esvaziamento vesical efetivo.

A bexiga deve ser drenada numa base regular a cada 3-6 horas durante o dia, e antes de dor-mir. Outro parâmetro é baseado no volume da bexiga, porém evitando volumes superiores a 400-500 ml de urina. De uma maneira geral, a média de cateterismo vesical gira entre 4 e 6 vezes ao dia, de acordo com particularidades de cada caso.

O cateterismo intermitente pode ser realizado utilizando um cateter estéril ou não estéril (lim-po). A técnica limpa é realizada com lavagem das mãos com água e sabão. Luvas estéreis não são ne-cessárias. Cateterismo intermitente limpo resulta em menores taxas de infecção do que os cateteres permanentes. O cateter utilizado pode ser de plástico rígido (policloreto de polivinila – PVC – Fig. 3) ou mais recentemente de material hidrofílico, que proporciona maior praticidade, menor risco de le-são e menor incidência de infecção urinária. A recomendação para adutos é usar cateter de 12 a 16fr.

O uso rotineiro de antibióticos pro� láticos no longo prazo em pacientes com cateterismo inter-mitente limpo não é recomendado na medida em que pode predispor a bactérias resistentes.

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Figura 3 – Cateter uretral (PVC)

4.2 - Cateter vesical de demora ou supra-púbico

Cateterismo vesical de demora pode ser uma medida temporária ou uma solução permanente para a incontinência urinária. Cateterismo de demora e, em menor grau, cistostomia suprapúbica estão associados a uma variedade de complicações (hematúria, fístulas, erosão uretral, etc), assim como um risco aumentado para infecções do trato urinário. Ambos os procedimentos devem, por-tanto, ser evitados quando possível.

Situações em que o cateterismo de demora pode ser usado:

- medidas de conforto para os doentes terminais

- evitar a contaminação ou para promover a cicatrização das úlceras de pressão graves

- em casos de obstrução uretral inoperável

- pacientes que vivem sozinhos, sem condições de autocateterismo e sem cuidador disponível

- pacientes com doença aguda que necessitam de monitoração precisa da diurese

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No entanto, quando há indicação do uso a longo prazo de um cateter uretral, o cateter supra-púbica é a alternativa.

5 - Medicações – bexiga neurogênica

O tratamento padrão para a bexiga neurogênica é a combinação de cateterismo intermitente e agentes antimuscarínicos visando prevenção de danos ao trato urinário, particularmente em pa-cientes com lesão medular, mielomeningocele e esclerose múltipla.

5.1 - Agentes antimuscarínicos

Os agentes antimuscarínicos são a primeira linha de tratamento para hiperatividade detrusora neurogênica. Eles aumentam a capacidade da bexiga e reduzem os episódios de incontinência atra-vés da inibição das contrações involuntárias do detrusor. Todos os medicamentos antimuscarínicos têm per� s de desempenho similares. Os potenciais efeitos adversos de todos os agentes antico-linérgicos incluem visão turva, boca seca, palpitações cardíacas, sonolência e rubor facial. As opções atualmente usadas no Brasil são a oxibutinina, a tolterodina, a solifenacina e a darifenacina. O uso transdérmico ou intravesical, como ocorre com a oxibutinina (em pacientes que realizam cateteris-mo vesical), pode reduzir os efeitos colaterais. Melhores resultados terapêuticos podem ser obtidos com doses mais elevadas ou com a combinação de antimuscarínicos (Blok B., et al., 2016), entretan-to aumenta a possibilidade de abandono por conta dos efeitos colaterais. Os antimuscarínicos não devem ser usados por pacientes que apresentam glaucoma de ângulo estreito.

5.2 - Agonistas Beta 3

Assim como os antimuscarínicos, os agonistas Beta 3 têm sido usados como opção de segunda linha no tratamento de bexiga hiperativa. No entanto, a experiência na bexiga neurogênica ainda é limitada. Dependendo dos resultados de estudos, talvez a combinação com antimuscarínicos seja uma opção atrativa.

5.3 - Imipramina

O cloridrato de imipramina é um antidepressivo tricíclico que facilita o armazenamento por diminuir a contratilidade da bexiga e ao mesmo tempo aumenta a resistência uretral através do efeito agonistas nos receptores alfa localizados no colo vesical mediada pela serotonina. Geralmente é usado na dose de 10 a 50 mg/dia em combinação com os agentes antimuscarínicos.

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5.4 – Alfa bloqueadores

Os alfa bloqueadores parecem ser e� cazes para diminuir a resistência uretral e assim contri-buem para a redução do resíduo pós miccional. Podem ser uma alternativa nos pacientes que cur-sam com micção voluntária e resíduo pós-miccional. Também estão recomendados como medida preventiva para disrre� exia autonômica (Blok B., et al., 2016).

6 - Tratamento da bexiga neurogênica refratária

No manejo da bexiga neurogênica, em caso de ine� cácia ou efeitos colaterais graves dos agen-tes antimuscarínicos, procedimentos invasivos como a toxina botulínica, ampliação vesical e deriva-ções urinárias devem ser considerados.

6.1 - Toxina Botulínica

A toxina botulínica foi isolada pela primeira vez por em 1897 (van EE, 1979). É uma potente neurotoxina produzida pela bactéria anaeróbica gram-positiva Clostridium botulinum. Do ponto de vista estrutural, a toxina é um 150-kD de aminoácidos de cadeia dupla, composta por uma molécula leve (50 kD) e outra pesada (100 kD), conectados por uma ligação dissulfeto. Existem sete sorotipos de toxina botulínica, designados A, B, C, D, E, F e G (Comella C. L., 2004). Atualmente, os sorotipos A e B estão disponíveis para uso clínico. O papel da toxina botulínica na junção neuromuscular consiste na inibição da liberação do neurotransmissor acetilcolina, resultando em relaxamento da muscula-tura estriada (Montecucco C., 1995).

Vários estudos têm demonstrado que o uso das injeções de toxina botulínica tipo A no músculo detrusor de pacientes com bexiga neurogênica reduz a hiperatividade detrusora, trata a incontinên-cia urinária, reduz o risco de lesão para o trato urinário superior, aumenta a capacidade da bexiga, e melhora a qualidade de vida (Schurch B., 1996; 2000; 2007). A injeção de toxina botulínica no detru-sor tem sido indicada como opção de tratamento de segunda linha para pacientes com intolerância ou refratariedade aos medicamentos antimuscarínicos.

Em adultos com bexiga neurogênica os efeitos da injeção intravesical de toxina botulínica ocorrem dentro de 1 a 2 semanas e o efeito máximo é atingido em 4 a 6 semanas após a aplicação, com duração média de 8 a 9 meses. A redução ou interrupção da medicação antimuscarínica depen-de da efetividade da resposta.

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6.1.1 - Técnica cirúrgica de Injeção Intravesical

A injeção intravesical de toxina botulínica é realizada através de procedimento endoscópico sob sedação ou anestesia geral (pacientes com lesão medular). O material necessário é o cistoscópio rígido ou � exível, ótica de 30o e agulha de 23 gauge. De acordo a técnica de Schurch et al (2000), 300 U são diluídas em 30ml de solução salina e injetados em 30 pontos, na dose de 1,0 mL por ponto, ao longo do músculo detrusor (profundidade de 3,0mm) preservando a região do trígono ve-sical. A dose mais comumente usada é de 300 U, no entanto a dose de 200 U mostra benefícios com redução signi� cativa dos episódios de incontinência urinária, melhora dos parâmetros urodinâmicos e da qualidade de vida (Schurch et al., 2005). Estudos tem demonstrado que a aplicação no trígono vesical é segura e não causa re� uxo vesicoureteral (Schulte-Baukloh H., et al., 2006).

6.2 - Neuromodulação sacral

Neuromodulação sacral pode ser efetiva no tratamento da disfunção vesical neurogênica, porém existem poucos estudos com número pequeno de pacientes e grupos heterogêneos, o que limita sua indicação para esse grupo de pacientes.

6.3 – Ampliação vesical

O manejo adequado da bexiga neurogênica é fundamental para evitar lesões ao trato uriná-rio superior e preservar a função renal. A introdução do cateterismo vesical intermitente associado ou não a agentes antimuscarínicos tem contribuído de forma signi� cativa para esse propósito. Na maioria das vezes, a bexiga neurogênica pode ser controlada adequadamente através do cateteris-mo intermitente limpo e drogas antimuscarínicas, além de outras medidas minimamente invasivas como a aplicação endoscópica da toxina botulínica no detrusor (Schulte-Baukloh, H., et al., 2002)

Em alguns casos, a despeito de um tratamento adequado, existe a evolução para uma bexiga de baixa complacência, que põe em risco o trato urinário superior, além de causar incontinência urinária. McGuire et al (1981) demonstraram que pressão detrusora de perdas (DLPP) acima de 40 cmH2O leva à hidronefrose e re� uxo vesicoureteral em 68% dos casos. A cirurgia de ampliação vesical pode ser indicada para os casos refratários de incontinência urinária, baixa complacência, hiperatividade detrusora e na presença de complicações do trato urinário alto, como por exemplo, hidronefrose e re� uxo vesicoureteral.

A ileocistoplastia é, de longe, o procedimento de ampliação vesical mais usado, embora vá-

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rios outros segmentos intestinais possam ser usados, incluindo o estômago, o ceco e o sigmoide ascendente. A técnica, que foi popularizada por Couvelaire no início da década de 1950, consiste dos seguintes passos (Fig. 4):

- dissecção da bexiga, separando o peritôneo do seu domo;

- isolamento de cerca de 30 cm de íleo, proximalmente a partir de 20 cm da válvula íleo-cecal

- detubularização deste segmento de íleo, confecção de “U” invertido com sutura das bordas centrais,

- abertura longitudinal da bexiga e sutura da placa em “U” na bexiga aberta;

- mantido dois cateteres vesicais, um por via uretral e outro por cistostomia a � m de proteger a anastomose íleovesical;

- dreno sentinela na cavidade deve ser mantido nos primeiros dias de pós operatório.

O cateter da cistostomia é retirado após 8 dias e o cateter uretral 2 dias depois. Em um período de 30 dias após a retirada dos cateteres vesicais, o cateterismo intermitente limpo deve ser realizado a cada 3 horas além de irrigação vesical com solução salina para remover o muco, que é comum após a ampliação. Após esse período de 30 dias, o cateterismo intermitente pode ser realizado na frequência padrão, ou seja, 5 vezes ao dia, sendo em intervalos de 4 em 4 horas durante o dia de 6 horas no período noturno. A frequência da irrigação vesical deve ser proporcional à quantidade de muco produzida. Nos casos de realização simultânea da derivação urinária continente (Mitrofano� ou Tubo de Monti), o cateter de nelaton 10 Fr ou 12 Fr deve ser mantido na derivação por 14 dias. O implante do conduto cateterizável na bexiga pode ser através de duas técnicas: extra-vesical à Lich-Gregoir ou intravesical pela Politano-Leadbetter.

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Figura 4 – Técnica cirúrgica de Ileocistoplastia

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