136
A VIDA DE GALILEU Bertolt Brecht 1

Bertolt Brecht=.=A-VIDA-DE-GALILEU

Embed Size (px)

DESCRIPTION

A vida de galileu

Citation preview

  • A VIDA DE GALILEU

    Bertolt Brecht

    1

  • Quem, hoje em dia, quiser combater a mentira e a ignorncia e escrever a verdade tem de vencer, pelo menos, cinco obstculos. Tem de ter coragem de escrever a verdade, muito embora por toda a parte ela seja encoberta; tem de ter a arte de a tornar manejvel como uma arma; tem de ter capacidade para ajuizar, para selecionar aqueles em cujas mos ela ser eficaz; tem de ter o engenho de a difundir entre estes.

    Famoso por sua concepo inovadora do teatro, Bertolt Brecht coloca nessas palavras as coordenadas que orientaram todo seu trabalho artstico. Para ele, a poesia e o teatro no eram simplesmente maneiras de expressar a sensibilidade especfica de um indivduo, mas elementos ativos e dinmicos dentro do processo social, cuja funo seria determinar a verdade de cada acontecimento. Mas, por outro lado, Brecht no empregava o termo verdade como algo abstrato, no qual se deve crer em virtude da f, e sim como uma demonstrao da maneira pela qual os fatos ocorrem. Assim, o teatro seria um meio de levar as pessoas a raciocinar sobre o mundo que as cerca e de chegar s verdades sociais mais amplas.

    A formao desse pensamento crtico levaria, de acordo com Brecht, a uma participao consciente do indivduo na vida da coletividade. E essa participao implicaria uma adequao ao processo de mudana das coisas. Acreditando que a humanidade est constantemente evoluindo e transformando suas instituies mesmo nos perodos histricos em que tudo parece imutvel Brecht via na busca da verdade o nico caminho para uma arte consciente. Verdade que, afirma ele em um de seus artigos, estaria ligada transformao das coisas e ao surgimento de uma nova era, pois no h de pr em dvida que, no pas onde vivo, se trabalha para a modificao do mundo, para a modificao do convvio dos homens. E talvez estejam comigo quanto a haver necessidade de uma transformao do mundo.

    A CRTICA AO EXPRESSIONISMO

    Poeta e teatrlogo, Bertolt Brecht nasceu em Augsburg, na Alemanha, a 10 de fevereiro de 1898. Estudou Medicina e Cincias Naturais em Munique e, j em 1914, publicou seus primeiros poemas. Em 1924, mudou-se para Berlim, onde se engajou no Deutsches Theater, trabalhando com diretores como Max Reinhardt (1873 - 1943) e Erwin Piscator (1893 - 1966).

    Sua formao artstica foi bastante influenciada pelo movimento expressionista, que ele, entretanto, captou de forma especialmente crtica. Essa crtica vinculava-se a suas concepes polticas, que viam no expressionismo uma forma de alienao. Na verdade, os expressionistas ligavam-se ao momento histrico bastante complexo vivido pela Alemanha. Com a reconstruo do pas aps a Primeira Guerra Mundial, as mais diversas foras sociais permeavam as vrias camadas da populao alem, provocando diferentes concepes de vida e expectativas contraditrias quanto ao futuro. Vivendo num constante clima de caos poltico, muitos voltavam-se para a experincia russa ento no incio , que buscava edificar uma nova ordem social. Outros encontravam no passado e

    2

  • no desejo de reviver o Santo Imprio Romano Germnico a esperana para um presente tumultuado. Mas havia tambm os que se refugiavam num cinismo sardnico, assumindo uma atitude de desprezo e rebelio total.

    Acreditando na salvao do homem por meio do desenvolvimento espiritual, os expressionistas afirmavam, de acordo com as palavras de um de seus basties, Theodor Dauber, que nossa poca possui um grande desgnio: uma nova erupo da alma. Caracterizando dessa forma os anseios de alguns setores da sociedade alem, os expressionistas possuam uma crena em comum: a f no eu absoluto.

    De acordo com eles, as coisas nada significariam por si mesmas, mas somente em funo do que cada indivduo acredita que elas sejam. Segundo o crtico Anatol Rosenfeld, o autor exprime suas vises profundas propondo-as como mundo. Este apenas expresso de uma conscincia que manipula livremente os elementos da realidade, geralmente deformados segundo as necessidades expressivas da alma que se manifesta. A idia profunda plasma sua prpria realidade.

    Os teatrlogos expressionistas passam a dedicar-se construo de heris, que simbolizam o homem como entidade abstrata. Em sua histria, o heri encarregado de mostrar tanto sinais do apocalipse como a esperana que deposita num futuro utpico.

    Essa tendncia tornou-se ntida quando o teatro expressionista passou a colocar personagens cada vez menos individualizados em cena. E, na medida em que representava idias abstratas, o heri expressionista terminou por viver, no palco, uma derrota temporal e uma vitria espiritual ante uma sociedade imutvel. Formalmente, as peas passaram a se caracterizar por uma estrutura tpica: o Stationendrama.

    Brecht, que via a histria da humanidade como um processo dialtico de transformao, baseado nas foras econmicas, no aceitava essa perspectiva abstrata de apresentao da realidade humana. E viu o expressionismo atravs de um filtro critico j visvel em suas obras de juventude.

    A primeira delas, Baal, escrita em 1918. possui a estrutura de um Stationendrama. Mas a pea mais uma pardia das obras expressionistas do que propriamente uma pea escrita nesse estilo. Assim, enquanto as personagens expressionistas buscavam a contnua exaltao do esprito, Baal se revolve na matria com um deleitoso horror: (. . .) era um lugar em que algum pode se sentir satisfeito de ter em cima as estrelas e embaixo os prprios excrementos. (. . .)

    Sua segunda pea, Tambores na Noite (Trommeln in der Nacht, 1922). tambm mostra essa reflexo crtica em relao ao expressionismo, com personagens individualizados e um tempo historicamente determinado. A pea narra a tomada do bairro dos jornalistas por um grupo de trabalhadores fato de repercusso na poca. Relacionada com a prpria participao poltica de Brecht que chegou a integrar um conselho de trabalhadores e soldados de Augsburg , Tambores na Noite desmitifica os heris expressionistas, que buscavam

    3

  • valores transcendentes e mostravam um apego animal aos valores burgueses.Em 1921, viajando para Berlim, Brecht dedica-se a uma nova obra, de carter

    experimental. Ao buscar, de acordo com suas afirmaes, formas teatrais que correspondessem ao esprito de nossa poca, criou Na Selva das Cidades (Im Dickicht der Stdte, 1922), concebida com a estrutura de um combate de boxe. Nessa pea, George Garga, um pequeno empregado de livraria em Chicago, e Shlink, um homem rico, lanam-se a uma luta sem quartel, na qual o segundo procura comprar a opinio do primeiro. Logo em seguida, Brecht inicia uma fase de produo bastante fecunda, com a adaptao, em 1923, de uma pea de Christopher Marlowe, Vida de Eduardo II da Inglaterra (Leben Eduards des Zweiten von England); trabalhou numa encenao de Macbeth, de Shakespeare, e na criao de quatro peas em um ato: O Mendigo, A Expulso do Diabo, Lux in Tenebris e O Casamento. Nessas obras, gradativamente, Brecht se distancia dos dramas expressionistas, formulando concepes estticas j bastante inovadoras. Como, alis, soube perceber ento o crtico Herbert lhering: . . . Bertolt Brecht, um poeta de vinte e quatro anos, mudou o rosto da poesia alem. Com Bert Brecht nasceu um novo tom, uma nova melodia, uma nova forma de ver.

    UM TEATRO BUMERANGUE

    Por volta de 1926, com a estria de Um Homem um Homem (Mann ist Mann), j se percebem novas e profundas transformaes no teatro brechtiano. O palco deixa de ser um local onde sobretudo se conta uma histria, para se tornar tambm o espao onde se efetua uma mudana. Assim, em Um Homem um Homem, o personagem central, Galy Gay, levado a transformar-se num soldado e, mais tarde, torna-se um deus por seus atos durante a guerra. Na obra, cresce a idia do homem como um ser transformvel, capaz de ser montado e desmontado vrias vezes. Assim demonstrado que o mundo muda e que o homem tambm modificado pelo mundo.

    Mas com Sermes Domsticos, livro de poesia editado por Brecht em 1926, que se pode entender suas novas idias estticas e a interao dessas com suas concepes polticas. Sobre esse aspecto, comenta Walter Benjamim: . . . a fonte de inspirao a sociedade burguesa (. . .), se reina a anarquia, se esta dirige a existncia burguesa, h que cham-la por seu nome. E as formas poticas com que a burguesia se adorna lhe parecem ainda bastante aceitaveis para expressar seu domnio de classe.

    Tambm no teatro Brecht passa a traar o caminho que vai dos sonhos realidade burguesa. Para isso, usa duas vezes uma das mais tradicionais formas teatrais da burguesia: a pera. Em 1928 estria A pera dos Trs Vintns (Die Dreigroschen oper), adaptada da pera dos Miserveis, de John Gay, e escreve Ascenso e Queda da Cidade de Mahagonny (Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny). Na primeira delas traa, alm de uma crtica social contundente, uma crtica ao prprio teatro. Destinada ao consumo do pblico habitual dos teatros, a pea , segundo Brecht, tanto (. . .) uma espcie de resumo do que o

    4

  • espectador deseja ver da vida no teatro (. . .) quanto (. . .) outras coisas que no desejava ver, como v seus desejos criticados (. . .). Assim, de acordo com essa proposta, a pera e Mahagonny agiriam como uma espcie de bumerangue, na medida em que receberiam os sonhos da platia burguesa e os devolveriam imersos numa realidade muito menos rsea.

    A partir de Mahagonny, Brecht e seu colaborador, o compositor Kurt Weill (1900-1950), acabam por criticar a prpria pera como forma esttica e rompem definitivamente com o teatro tradicional.

    Dessa maneira, a obra teatral de Brecht volta a mudar de rumo: ela deixa de destruir o teatro tradicional a partir de seu interior e passa a situar-se fora dele, procurando uma nova forma capaz de por si s levar o espectador a defrontar-se consigo mesmo e sua prpria realidade.

    Essa mudana pode ser sentida nos textos seguintes do autor, que j trazem os germes daquilo que desabrocharia numa expresso teatral completamente nova. A Me (Die Mutter, 1933), adaptao teatral do romance de Gorki, e A Santa Joana dos Matadouros (Die Heilige Johanna der Schlachthfe, 1930) so peas inovadoras na dramaturgia da poca. j que, como explica o crtico Bernard Dort: (. . .) no nos propem um conflito (como nos dramas clssicos), nem um processo (. . .), mas uma sucesso de contradies: o itinerrio de um heri imerso num mundo, que atua sobre este mundo, e influenciado por ele. Mas a concluso das duas obras oposta: em A Me, esse itinerrio desemboca num final feliz a revoluo e o nascimento de um novo mundo; em Santa Joana, os caminhos evoluem para o desastre: o fracasso de Joana e a recada em uma situao pior que a situao inicial.

    Nessa poca, porm, a situao poltica alem piorava sensivelmente, intensificando-se a permanente crise econmico-institucional. Buscando uma expanso economica cada vez maior, os grandes industriais passaram a facilitar a ascenso do nazismo ao domnio do aparelho estatal. Contrapondo-se a esse movimento totalitrio, que via como uma arma da burguesia alem, Brecht procurou tornar seu teatro um meio de crtica radical aos valores defendidos pela sociedade da poca, expressando, por outro lado, a confuso da classe operria e a traio da pequena burguesia que passara a apoiar os nazistas. Afinal, colocado em uma lista negra por suas idias, Brecht obrigado a fugir da Alemanha e a refugiar-se no exterior durante quinze anos. Nesse intervalo, percorre vrios pases da Europa e os Estados Unidos, escrevendo, alm de poemas, textos tericos e novelas. Nesses anos, desenvolveu sua teoria do teatro pico.

    O TEATRO PICO

    Brecht sempre partiu do princpio de que o homem altervel na medida que conduz e conduzido pelo processo histrico. Encontrar um mecanismo teatral capaz de mostrar ao pblico seu papel dentro desse processo passa a ser ento um objetivo do autor.

    lnicialmente, ele se contrape a todos os grandes tericos do teatro clssico

    5

  • tradicional, no qual a ao o produto de conflitos de interesses e sentimentos entre as personagens. De acordo com isso, toda ao deveria necessariamente conduzir a um desenlace, por meio do qual seria estabelecida uma determinada ordem. Para o filsofo Hegel (1770- 1831), que advogava essas concepes, . . . o conflito principal, aquele em torno do qual gira a obra, deve encontrar no desenlace desta seu apaziguamento definitivo. . . j que . . . o pblico tem o direito a exigir que, de forma trgica ou cmica, a ao dramtica culmine na realizao do racional e do verdadeiro em si.

    Para o teatro clssico, todo ele derivado das concepes da potica de Aristteles (384-322 a.C.), a ao dramtica deve ser dirigida instaurao de uma ordem vlida para todos e que apresenta um valor simblico. O palco a voz e o reflexo da verdade da sala. As obras expressionistas tinham utilizado esse tipo de perspectiva teatral. Ao critic-las, Brecht afirmou que, nelas, a ao teatral termina por perder seu valor simblico em proveito de declaraes ideolgicas individuais que valorizam o particular contra o geral. Para ele, quando os expressionistas falavam do homem em si, procurando simbolizar toda a humanidade num heri, estariam apenas tratando dos destinos de indivduos excepcionais.

    Mas, por outro lado, existia tambm outro tipo de dramaturgia, interessado em dar peso e realidade ao mundo. A ao de suas obras definida como estritamente scio-econmica, e o homem nao seria mais nada que o produto da sociedade em que vive. A verdade estaria no palco, pronta para ser aceita ou rechaada pelo espectador.

    A opinio de Brecht sobre esse tipo de teatro realista ficou bastante clara quando participou, por volta do ano de 1934, das discusses a respeito do realismo na literatura e a arte engajada na Rssia. Discordando do filsofo Lukcs, que defendia o realismo como um sistema esttico em que a significao poltica est estritamente ligada ao emprego de certos mtodos de expresso, Brecht afirmou que tal concepo pecaria pelo formalismo: o realismo na arte no se colocaria como um conceito artstico ou esttico, mas sim como uma exigncia poltica de demonstrao da realidade.

    Na verdade, ao participar dessas polmicas, Brecht estava duvidando do valor da representao simblica de um conflito e da exigncia de uma concluso definitiva no final do drama. Para ele, o importante no teatro era que este retornasse vida social como uma entidade viva e at contraditria, capaz de conter um valor didtico.

    Entretanto, esse valor didtico no estaria presente simplesmente no contedo das obras. Seria necessrio tambm pesquisar a prpria forma de representao teatral. De acordo com Brecht, o teatro deveria evoluir, assim como a sociedade outrora relativamente esttica havia evoludo e perdido a homogeneidade e a estabilidade.

    Tratava-se ento de captar esse processo de mudana e reconstituir as relaes entre palco, pblico e mundo. A partir desses dados, Brecht passa a trocar a forma dramtica do teatro pela forma pica, no somente no plano da dramaturgia

    6

  • propriamente dita como no da prpria representao teatral.A matria-prima do teatro pico no o indivduo ou a sociedade

    considerados como entidades, mas as relaes que os homens mantm entre si. Assim, Brecht afirma que o teatro pico se interessa antes de tudo pelo comportamento dos homens entre si, na medida em que esse comportamento apresenta uma significao histrico-social; dito noutra forma, naquilo que ele tem de tpico. O que aparece no so os sentimentos ou idias dos indivduos, mas aquilo que redunda numa ao.

    A noo de conflito, caracterstica no teatro tradicional, transformada na noo de contradio. As personagens de Brecht no afrontam a sociedade num corpo decisivo e os encontros entre personagens fundamentais no levam a explicaes definitivas. Na verdade, a cadeia dos comportamentos e palavras nunca implica uma deciso.

    A pea, no teatro pico, passa a constituir-se numa narrativa, O espectador deve perder a iluso de realidade, desmitificar o que ocorre no palco e aceit-lo como teatro. Assim, afirma Brecht a propsito da montagem da Vida de Galileu (Leben des Galilei, 1937): . . . a decorao do palco no deve ser de molde a fazer o pblico julgar que se encontra num quarto da Itlia medieval ou do Vaticano, O pblico deve ser mantido na convico de que se encontra num teatro.

    A essa concepo de texto e encenao acrescenta-se uma noo de interpretao, inspirada nos espetculos chineses vistos por Brecht em Moscou. Interessando-se pelo jogo esttico do teatro oriental, carregado de uma simbologia facilmente compreendida em seu local de origem, Brecht viu no distanciamento criado entre palco e platia uma forma de trabalho aplicvel no teatro do Ocidente. E criou um outro tipo de distanciamento, o Verfrem-dungseffekt, ou seja, . . . novos efeitos destinados a retirar o selo familiar de acontecimentos suscetveis de serem modificados pela sociedade.

    Distanciar no significa alijar o ator da personagem, o palco do espectador. Brecht prope uma nova forma de compreenso e colaborao. O distanciamento, no teatro pico, resultaria da interveno de todos os nveis de representao teatral. Mas o principal seria a perfeita adequao do ator: para o ator difcil e cansativo provocar em si, todas as noites, determinadas emoes ou estados de alma; em contrapartida, mais fcil revelar os indcios externos que acompanham e denunciam essas emoes (. . .). O efeito de distanciamento no se apresenta como uma forma despida de emoes, mas, sim, sob a forma de emoes bem determinadas, que no necessitam encobrir-se com as das personagens.

    INFELIZ O PAS QUE NECESSITA DE HERIS

    Apesar de todo esse trabalho de reflexo sobre o teatro, e principalmente de sua rejeio ao ilusionismo, Brecht cria ainda duas obras com bastante fora de expresso mas que, como ele mesmo reconhece, lanam mo de alguns artifcios

    7

  • do teatro ilusionista. So as cenas bsicas de Esplendor e Misria do Terceiro Reich (Furcht und Elend des III Reiches), em 1935, e Os Fuzis da Senhora Carrar (Die Gewehre der Frau Carrar), em 1937, sobre a guerra civil na Espanha. Ambas so peas de circunstncia, destinadas propaganda imediata, embora posteriormente tenham conseguido transcender esse objetivo para se tornarem obras importantes da dramaturgia contempornea.

    Mas com a primeira verso da Vida de Galileu que Brecht encontra definitivamente o caminho do teatro dialtico, no ilusionista. Considerado por muitos crticos o melhor texto da obra brechtiana, Vida de Galileu foi originalmente escrita durante o exlio do autor na Dinamarca. Sua verso mais conhecida, porm, a terceira, feita em 1955, e responsvel pela forma definitiva da pea. O interesse de Brecht por Galileu datava de anos antes dessa primeira verso, j que a problemtica do intelectual frente sociedade em que vive sempre o interessou particularmente. Afirma Bernard Dort a respeito desse primeiro texto: . . .Galileu foi escrita, pelo menos originalmente, para servir de exemplo e de conselho aos sbios alemes tentados a abdicar seu saber nas mos dos chefes nazistas.

    Em seguida a essa primeira verso da Vida de Galileu, Brecht iniciou uma fase bastante fecunda. Surgem Me Coragem (Mutter Courage und ihre kinder), em 1939, A Alma Boa de Setsuan (Der Gute Mensch von Szechuan), entre 1939 e 1941, A Resistvel Ascenso de Arturo Ui (Der Aufhaltsame Ausftieg), tambm em 1941.

    Ao escolher um personagem histrico para heri de Vida de Galileu, Bertolt Brecht procurava a explicao da atualidade buscando razes no passado. Em todas as trs verses da pea permanece o problema do intelectual em conflito com a sociedade em que vive. Na verso definitiva, terminada em 1955 a histria comea com Galileu vivendo em Pdua, onde lhe davam liberdade para pesquisas, mas baixos salrios. Para sobreviver, Galileu obrigado a dar aulas particulares, o que lhe tira o tempo destinado pesquisa. Apropriando-se de uma luneta, at ento desconhecida na Itlia, passa por seu inventor e recebido com honras em Florena, onde passa a residir.

    Mas as observaes de Galileu fazem com que ele volte a considerar como verdadeiro o sistema de Coprnico, segundo o qual a Terra e os astros girariam em torno do Sol, que seria imvel. Como essa teoria contradizia todo o sistema defendido pela Igreja Catlica, que afirmava ser a Terra o centro do universo e em torno da qual tudo giraria, o sistema de Coprnico colocado no ndice da Inquisio. Galileu pressionado a deixar de crer nessa teoria. Decidido, Galileu afirma: Quem no sabe a verdade simplesmente um cretino. Mas quem a sabe e diz que ela mentira, esse ento mesmo criminoso! Temerosos de que o fato de a Terra no ser mais o centro do universo pudesse abalar a f crist, os religiosos procuram forar Galileu, j conhecido internacionalmente, a desistir dessa linha de pesquisa. Galileu acaba por discutir com o noivo da prpria filha, que o quer dissuadir das pesquisas, e faz com que ele rompa o casamento. Perseguido pela Inquisio, Galileu v o Cardeal Barverini, sbio, matemtico e

    8

  • seu amigo pessoal, subir ao trono papal, com o nome de Urbano VIII. Pressionado pela Inquisio para permitir que Galileu seja processado e torturado at abjurar sua doutrina, Urbano VIII termina por permitir que somente mostrem os instrumentos de tortura a Galileu. o quanto basta. Galileu abjura, afirmando que o sistema de Coprnico um monte de falsidades. A pea termina com Galileu vivendo num regime de semiprisao e vigilncia constante, enquanto recebe a visita de seu discpulo Andrea Sarti. Este foge da Itlia levando o livro de Galileu debaixo do brao, esperando difundi-lo pelo mundo.

    A histria do processo de Galileu revestia-se, para Brecht, de profundas implicaes. Afinal, abjurar seus princpios ou colocar seus conhecimentos a servio de uma causa que leve guerra ou destruio no so opes do sbio moderno? Alm da significao histrica do fato, ele no se revestiria de uma capa extremamente atual? justo que um homem como Galileu, consciente da verdade, tenha que ser rechaado?

    Mas o Galileu de Brecht possui caractersticas muito concretas: um bon vivant, gosta de comer bem, de ter dinheiro. E teme a dor, ao ver os instrumentos de tortura. O personagem surge to completo e to integrado em sua prpria histria que o espectador solicitado a compreender e julgar Galileu segundo os critrios fornecidos pelo mundo em que este viveu. E sua debilidade torna-se inseparvel da estrutura social, como afirma o critico Maurice Regnaut: . . . a Vida de Galileu uma desmitificao da moral. A falsa moral , na verdade, um erro poltico, isso o que Brecht ensina. A estrutura social deste momento, o estatuto filial da cincia, a debilidade do homem Galileu tornavam possvel esse erro.

    Mas Galileu tambm o homem que sabe que de suas investigaes depende o surgimento de uma nova era. E a luta por manter o seu trabalho, as suas pesquisas, que ele trava ao longo de toda a pea. Ao colocar Galileu em cena, Bertolt Brecht colocava tambm todos os cientistas de hoje, que desvinculam os seus conhecimentos dos fins a que se destinam. Crime? Julgamento? Mesmo considerando o personagem um traidor de sua prpria histria, Brecht no deixa de dar a ele a dimenso exata de seu problema, quando Andrea Sarti diz: Desgraado o pas que tem heris e Galileu responde: Desgraado o pas que necessita de heris.

    Mas o verdadeiro centro da pea nao est simplesmente no personagem Galileu. Transcendendo a prpria histria narrada, o autor coloca em cena o surgimento de um novo tempo, exemplificando, com a histria, todos os percalos e contradioes dos momentos em que as mudanas ocorrem num ritmo radical e acelerado. Brecht ps no palco a prpria transformao da histria por intermdio da ao dos homens.

    Compreender o processo da histria, compreender a atitude de Galileu, para que se possa, eventualmente, continu-la e modific-la, tarefa que Brecht deixa a cargo do espectador. J que, de acordo com as palavras do prprio Brecht aos espectadores: . . . ns os convidamos para que venham aos nossos teatros e lhes pedimos que no se esqueam de suas ocupaes (alegres ocupaes), para que

    9

  • nos seja possvel entregar o mundo e a nossa viso do mundo s suas mentes e aos seus coraes, para que eles modifiquem o mundo a seu critrio.

    Escrita em trs verses diferentes, a Vida de Galileu teve praticamente trs estrias. A da primeira verso foi em Zurique, em 1943, sob direo de Leonard Steckel, que tambm fez o papel principal. Mudando-se para os Estados Unidos, em 1945, Brecht decide trabalhar com o ator Charles Laughton numa adaptao da pea, que estreou em 1947, com direo do prprio Brecht e de Joseph Losey, em Los Angeles, no Coronet Theatre. Laughton desempenhou o papel-ttulo.

    Essa segunda montagem foi fortemente influenciada pela exploso da bomba atmica no final da Segunda Guerra Mundial. O fato afetou bastante a sensibilidade de Brecht, como mostra esta sua afirmao: . . passara a ser vergonhoso descobrir fosse o que fosse. A contribuio de Laughton foi essencial para o desenvolvimento da encenao, na qual Galileu aparecia comoum homem moderno, frente de seu tempo, capaz de rir de tudo e de transformar em fsseis os monges romanos.

    Finalmente, pressionado a abandonar os Estados Unidos devido a suas concepes polticas (foi acusado pelo Unamerican Activities Committee do Senado dos EUA), Brecht vai para a Sua e posteriormente retorna Alemanha Oriental. Em 1949, funda o Berliner Ensemble e cria seu prprio elenco, com o qual trabalharia at sua morte, em 14 de agosto de 1956. L, decide encenar a Vida de Galileu pela segunda vez a estria da pea no pas fora em Colnia, na Alemanha Ocidental. Inicia os ensaios, mas, com seu falecimento, a pea s foi retomada meses depois por Erick Engel, tendo estreado em 1957.

    Texto sempre atual, Vida de Galileu foi montado no Brasil em 1968 por Jos Celso Martinez Corra, com Claudio Corra e Castro no papel principal. Segundo o prprio Jos Celso, seu interesse nessa montagem era mostrar que uma revoluo cultural sozinha no resolve absolutamente nada. Integrando elementos de seus trabalhos anteriores, Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda e O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, que seguiam uma linha bastante criativa, o Galileu de Jos Celso teve uma montagem mais sbria que aqueles espetculos. Na verdade, a direo do texto identificava-se bastante com as propostas de Brecht, na medida em que procurava descobrir e entender os entraves do mundo atual, para que todas as barreiras fossem superadas e surgisse um homem novo.

    10

  • PERSONAGENS

    GALILEU GALILEIANDREA SARTI

    DONA SARTI, govrnanta de Galileu e me de AndreaLUDOVICO MARSILI, moo de famlia rica

    PROCURADOR DA UNIVRSIDADE DE PDUASENHOR PRIULI

    SAGREDO, amigo de GalileuVIRGINIA, filha de Galileu

    FEDERZOI, operrio-oculista, colaborador de GalileuO DOGE

    CONSELHEIROSCOSMO DE MEDICIS, gro-Duque de Florena

    O MESTRE-SALAO TELOGOO FILSOFO

    O MATEMTICOA DAMA DE COMPANHIA MAIS VELHAA DAMA DE COMPANHIA MAIS NOVA

    LACAIO DO GRO-DUQUEDUAS FREIRAS

    DOIS SOLDADOSA VELHA

    UM PRELADO GORDODOIS ESTUDIOSOS

    DOIS MONGESDOIS ASTRNOMOS

    UM MONGE, muito estpidoO CARDEAL, mais velho

    PADRE CRISTVO CLVIO, astrnomoO PEQUENO MONGE

    O CARDEAL INQUISIDORCARDEAL BARBERINI, mais tarde Papa Urbano VIII

    CARDEAL BELLARMINODOIS SECRETRIOS ECLESISTICOS

    DUAS JOVENS SENHORASFILIPPO MUCIO, um estudioso

    SENHOR GAFFONE, reitor da Universidade de PisaO JOGRAL

    A MULHER DO JOGRALVANNI, um fundidorUM FUNCIONRIO

    UM ALTO FUNCIONRIO

    11

  • UM INDIVDUOUM MONGE

    UM CAMPONSUM GUARDA-FRONTEIRAS

    UM ESCRIVOHOMENS, MULHERES E CRIANAS

    I

    GALILEU GALILEI, PROFESSOR DE MATEMTICAEM PDUA, QUER DEMONSTRAR O NOVOSISTEMA COPERNICANO DO UNIVERSO

    O fogo no rabo da Idia pegouNo ano de mil seiscentos e nove:O cientista Galileu por a + b calculouQue o Sol no se mexe. Que a Terra se move.

    Quarto de estudo de Galileu, em Pdua; o aspecto pobre. de manh. O menino Andrea, filho da governanta, traz um

    copo de leite e um po.

    GALILEU (lavando o trax,fungando alegre)Ponha o leite na mesa, mas no feche os livros.

    ANDREASeu Galileu, minha me disse que, se ns no pagarmos o leiteiro, ele vai dar um crculo em volta de nossa casa e no vai mais deixar o leite.

    GALILEUEst errado, Andrea; ele descreve um crculo.

    ANDREAComo o senhor quiser, seu Galileu. Se ns no pagarmos, ele descreve um crculo.

    GALILEUJ o oficial de justia, o seu Cambione, vem reto pra cima de ns, escolhendo qual percurso entre dois pontos?

    12

  • ANDREA (rindo)O mais curto.

    GALILEU Bom. Eu tenho uma coisa para voc. Veja atrs dos mapas astronmicos.

    (Andrea pesca atrs dos mapas, de onde tira um grande modelo do sistema ptolomaico,feito de madeira.)

    ANDRESO que isso?

    GALILEU um astrolbio; para mostrar como as estrelas se movem volta da Terra, segundo a opinio dos antigos.

    ANDREAComo?

    GALILEUVamos investigar, e comear pelo comeo: a descrio.

    ANDREANo meio tem uma pedra pequena.

    GALILEU a Terra.

    ANDREAPor fora tem cascas, uma por cima da outra.

    GALILEUQuantas?

    ANDREAOito.

    GALILEUSo as esferas de cristal.

    ANDREATem bolinhas pregadas nas cascas.

    GALILEUAs estrelas.

    13

  • ANDREATem bandeirinhas, com palavras pintadas.

    GALILEUQue palavras?

    ANDREANomes de estrelas.

    GALILEUQuais?

    ANDREAA bola embaixo a Lua, o que est escrito. Mais em cima o Sol.

    GALILEUE agora faa mover o Sol.

    ANDREA (move as esferas) bonito. Mas ns estamos fechados la no meio.

    GALILEU (se enxugando), foi o que eu tambm senti, quando vi esta coisa pela primeira vez. H mais gente que sente assim. (Joga a toalha a A ndrea para que ele lhe esfregue as costas.) Muros e cascas, tudo parado H dois mil anos a humanidade acreditou que o Sol e as estrelas do cu giram em torno dela. O papa, os cardeais, os prncipes, os sbios, capites, comerciantes, peixeiras e crianas de escola, todos achando que esto imveis nessa bola de cristal. Mas agora ns vamos sair para fora, Andrea, para uma grande viagem. Porque o tempo antigo acabou, e agora um tempo novo. J faz cem anos que a humanidade est esperando alguma coisa.As cidades so estreitas, e as cabeas tambm. Superstio e peste. Mas agora. veja o que se diz: se as coisas so assim, assim no vo ficar. Tudo se move, meu amigo.Gosto de pensar que tudo tenha comeado com os navios. Desde que h memria, eles vinham se arrastando ao longo da costa, mas, de repente, deixaram a costa e exploraram os mares todos.Em nosso velho continente nascia um boato: existem continentes novos. E agora que os nossos barcos navegam at l, a risada geral nos continentes, O que se diz que o grande mar temido uma lagoa pequena. E surgiu um grande gosto pela pesquisa da causa de todas as coisas: saber por que cai a pedra se a soltamos, e como sobe a pedra que arremessamos. No h dias em que no se descubra alguma coisa. At os velhos e os surdos puxam conversa para saber das ltimas novidades.

    14

  • J se descobriu muita coisa, mas h mais coisas ainda que podero ser descobertas. De modo que tambm as novas geraes tm o que fazer.Em Siena, quando moo, vi uma discusso de cinco minutos sobre a melhor maneira de mover blocos de granito; em seguida, os pedreiros abandonaram uma tcnica milenar e adotaram uma disposio nova e mais inteligente das cordas. Naquele lugar e naquele minuto fiquei sabendo: o tempo antigo passou, e agora um tempo novo. Logo a humanidade ter uma idia clara de sua casa, do corpo celeste que ela habita. O que est nos livros antigos no lhe basta mais.Pois onde a f teve mil anos de assento, sentou-se agora a dvida. Todo mundo diz: , est nos livros mas agora ns queremos ver com nossos olhos.As verdades mais consagradas so tratadas sem cerimnia; o que era indubitvel, agora posto em dvida. Em consequncia. formou-se um vento que levanta as batinas brocadas dos prncipes e prelados, e pe mostra pernas gordas e pernas de palito, pernas como as nossas pernas. Mostrou-se que os cus estavam vazios, o que causou uma alegre gargalhada.Mas as guas da terra fazem girar as novas rocas, e nos estaleiros, nas casas de cordame e de velame, quinhentas mos se movem em conjunto, organizadas de maneira nova.Predigo que a astronomia ser comentada nos mercados, ainda em tempos de nossa vida. Mesmo os filhos das peixeiras querero ir a escola. Pois os habitantes de nossas cidades, sequiosos de tudo que novo, gostaro de uma astronomia nova, em que tambm a terra se mova. O que constava que as estrelas esto presas a uma esfera de cristal para que no caiam. Agora juntamos coragem. e deixamos que flutuem livremente, desancoradas e elas esto em grande viagem, como as nossas caravelas, desancoradas e em grande viagem.E a Terra rola alegremente em volta do Sol, e as mercadoras de peixe, os comerciantes, os prncipes e os cardeais, e mesmo o papa, rolam com ela.Uma noite bastou para que o universo perdesse o seu ponto central; na manh seguinte, tinha uma infinidade deles. De modo que agora qualquer um pode ser visto como centro, ou nenhum. Subitamente h muito lugar. Nossos navios viajam longe. As nossas estrelas giram no espao longnquo, e mesmo no jogo de xadrez, agora a torre atravessa o tabuleiro de lado a lado. Como diz o poeta: manh dos incios! . . .

    ANDREA manh dos incios!. . . sopro do ventoQue vem de terras novas!

    O senhor devia beber o seu leite, porque daqui a pouco chega gente.

    GALILEUVoc acabou entendendo o que eu lhe expliquei ontem?

    15

  • ANDREAO qu? Aquela histria do Quiprnico e da rotao?

    GALILEU.

    ANDREANo. Por que o senhor quer que eu entenda? muito difcil, e eu ainda nao fiz onze anos, vou fazer em outubro.

    GALILEUMas eu quero que tambm voc entenda. para que se entendam estas coisas que eu trabalho e compro livros caros em lugar de pagar o leiteiro.

    ANDREAMas eu vejo que o Sol de noite nao est onde estava de manh. Quer dizer que ele no pode estar parado! Nunca e jamais.

    GALILEUVoc v! O que que voc v? Voc no v nada! Voc arregala o olho, e arregalar o olho no ver. (Galileu pe a bacia de ferro no centro do quarto.) Bom, isto o Sol. Sente-se a. (Andrea se senta na nica cadeira, Galileu est de p, atrs dele.) Onde est o Sol, direita ou esquerda?

    ANDREA esquerda.

    GALILEU Como fazer para ele passar para a direita?

    ANDREAO senhor carrega a bacia para a direita, claro.

    GALILEUE no tem outro jeito? (Levanta Andrea e a cadeira do cho,faz meia-volta com ele.) Agora, onde que o Sol esta?

    ANDREA direita.

    GALILEUE ele se moveu?

    16

  • ANDREAEle, no.

    GALILEUO que que se moveu?

    ANDREAEu.

    GALILEU (berrando)Errado! Seu burro! A cadeira

    ANDREAMas eu com ela!

    GALILEU Claro. A cadeira a terra. Voce esta em cima dela.

    DONA SARTI (que entrou para fazer a cama e assistiu cena)Seu Galileu, o que o senhor est faiendo com o meu menino?

    GALILEUEu o estou ensinando a ver.

    DONA SARTIArrastando o menino pelo quarto?

    ANDREADeixa. mame. Voc nao entende disso.

    DONA SARTIAh, ? Mas voc entende, isso? Est um moo a fora, ele quer aulas particulares. Muito bem vestido, e trouxe uma carta de recomendaao. (Entrega a carta.) Com o senhor, o meu Andrea ainda acaba dizendo que dois mais dois so cinco. Ele confunde tudo o que o senhor diz. Ontem noite ele me provoui que a Terra d volta no Sol. Est convencido de que isso toi calculado por um tal Quiprnico.

    ANDREASenhor Galileu, o Quiprnico no calculou? Diga a ela o senhor mesmo!

    DONA SARTIMas verdade mesmo que o senhor ensina essas bobagens? Depois ele vai e fala essas coisas na escola, e os padres vm me procurar, porque ele fica

    17

  • dizendo coisas que so contra a religio. O senhor devia ter vergonha, Senhor Galileu

    GALILEU (tornando caf)Dona Sarti, com base em nossas pesquisas e depois de violenta disputa. Andrea e eu titemos descobertas que no podemos mais ocultar ao mundo. Comeou um tempo novo, uma grande era, em que viver ser um prazer.

    DONA SARTISei. Eu espero que neste tempo novo, Senhor Galileu, a gente possa pagar ao leiteiro. (Apontando a carta de recomendao) O senhor me faa um favor, e no mande embora esse tambm. Eu estou pensando na conta do lei teiro. (Sai.)

    GALILEU (rindo)Vai, vai, me deixe ao menos acabar o meu leite! (Voltando-se para Andrea) Alguma coisa ontem ns sempre compreendemos, hein?

    ANDREAEu s falei para ela se espantar. Mas no est certo. A cadeira onde eu estava, o senhor a virou s de lado, e no assim. (Faz um movimento com o brao, de cima para baixo.) Seno eu tinha cado, e isso um fato. Por que o senhor no virou a cadeira para a frente? Porque da ficava provado que eu cairia da Terra, se ela virasse assim. Isso que .

    GALILEUMas, se eu lhe demonstrei. . .

    ANDREAMas esta noite eu descobri que toda noite eu ficaria pendurado de cabea para baixo, se a Terra virasse como o senhor diz. E isso um fato.

    GALILEU (pega uma ma na mesa) Bom. Isto a Terra.

    ANDREAAh, no, seu Galileu, no pegue esses exemplos. Assim o senhor sempre se sai bem.

    GALILEU (pondo a ma no lugar outra vez) Voc quem sabe.

    ANDREACom exemplos a gente sempre se sai bem, sendo esperto. Mas eu no posso carregar a minha me na cadeira como o senhor me carrega. O senhor est

    18

  • vendo que o exemplo ruim. E se a ma for a Terra, o que acontece? No acontece nada.

    GALILEU (ri)Voc no quer saber.

    ANDREAPegue a ma de novo. Como que noite eu no fico pendurado de cabea para baixo?

    GALILEUBom, isso a Terra, e voc est aqui. (Tira uma lasca de um toro de lenha e finca na ma.) E agora a Terra gira.

    ANDREAE agora eu estou de cabea para baixo.

    GALILEUPor qu? Olhe com ateno. A cabea, onde est?

    A NDR EA (mostrando)Aqui, embaixo.

    GALILEUOqu? (Gira em sentido contrrio, at a primeira posio.) A cabea no est no mesmo lugar? Os ps no esto mais embaixo? Quando eu viro, voc acaso fica assim? (Tira e vira a lasca.)

    ANDREANo. E por que que eu no percebo que virou?

    GALILEUPorque voc vai junto. Voc e o ar que est em cima de voc e tudo o que est sobre a esfera.

    ANDREAE por que parece que o Sol que sai do lugar?

    GALILEU (gira novamente a ma com o graveto)Debaixo de voc, voc v a Terra, sempre igual, que fica embaixo e para voc no se move. Mas agora, olhe para cima. Agora a lmpada que est em cima da sua cabea. Mas agora, se eu giro, agora o que que est sobre a sua cabea e portanto no alto?

    19

  • ANDREA (acompanha o giro)A lareira.

    GALILEUE a lmpada onde esta?

    ANDREAEmbaixo.

    GALILEUTa.

    ANDREAEssa boa; ela vai ficar de boca aberta.

    (Entra Ludovico Marsili, moo rico.)

    GALILEUIsto aqui parece a casa da sogra.

    LUDOVICOBom dia, meu senhor. O meu nome Ludovico Marsili.

    GALILEU (examinando a sua carta de recomendao)Osenhor esteve na Holanda?

    LUDOVICOOnde ouvi falar muito no senhor.

    GALILEUA sua famdia tem propriedades na Campanha?

    LIJDOVICOMinha me queria que eu me arejasse um pouco, visse o que se passa pelo mundo, etc.

    GALILEUE na Holanda o senhor ouviu dizer que na Itlia, por exemplo, me passo eu?

    LUDOVICOE como minha me deseja que eu me oriente um pouco nas cincias. . .

    GALILEUAulas particulares: dez escudos por ms.

    20

  • LUDQVICOMuito bem, senhor.

    GALILEUQuais so os seus interesses?

    LUDOVICOCavalos.

    GALILEUHum...

    LUDOVICOEu no tenho cabea para as cincias, Senhor Galileu.

    GALILEUHum. Nesse caso, so quinze escudos por ms.

    LUDOVICOMuito bem, Senhor Galileu.

    GALILEUAs aulas sero de manh cedo. Vai ser s suas custas. Andrea, no vai sobrar tempo. Voc entende, voc nao paga.

    ANDREAJ estou saindo. Posso levar a ma?

    GALILEULeve.

    (A ndrea sai.)

    LUDOVICOO senhor vai precisar de pacincia comigo. Principalmente porque nas cincias tudo diferente do que manda o bom senso. O senhor veja, por exemplo, aquele tubo estranho que esto vendendo em Amsterdam. Eu examinei com cuidado. Um canudo de couro verde e duas lentes uma assim (representa uma lente cncava) e uma assim (representa uma lente convexa). Ouvi dizer que uma aumenta e a outra diminui. Qualquer pessoa razovel pensaria que se compensam. Errado. O tubo aumenta as coisas cinco vezes. Isso que a cincia.

    21

  • GALILEUO que que o tubo aumenta cinco vezes?

    LUDOVICOTorres de igrejas, pombas; tudo o que esteja longe.

    GALILEUOsenhor mesmo viu essas coisas aumentadas?

    LUDOVICOSim, senhor.

    GALILEU E o tubo tinha duas lentes? (Galileu faz um esboo no papel.) Era assim? (Ludovico faz um gesto que sim.) De quando essa invenao?

    LUDOVICOQuando viajei da Holanda acho que no tinha mais que uns dias ao menos de venda.

    GALILEU (quase amvel.)E por que que precisa ser a fsica e no a criaao dc cavalos?

    (Entra Dona Sarti, sem que Galileu perceba.)

    LUDOVICOMinha me acha que um pouco de cincia necessrio. Hoje todo mundo toma o seu vinho com cincia, o senhor sabe.

    GALILEUOsenhor podia escolher uma lngua morta ou teologia. mais fcil. (V Dona

    Sarti.) Bom, nos veremos tera feira de manh.

    GALILEUNo precisa me olhar desse jeito. Eu vou dar as aulas.

    DONA SART1S porque voc me viu a tempo. O procurador da universidade est ai fora.

    GALILEUFaa-o entrar, que este importante. Podem ser quinhentos escudos. Da eu no preciso de alunos.

    22

  • (Dona Sarti faz entrar o procurador. Galileu aproveita para acabar de se vestir e rabiscar nmeros num papel.)

    GALILEUBom dia, me empreste meio escudo. (Entrega a Dona Sarti a moeda que o procurador havia pescado em sua bolsa.) Dona Sarti, mande Andrea ao oculista para comprar duas lentes; as medidas esto aqui.

    Dona Sarti sai com o pape!.)

    PROCURADOREu vim tratar do seu pedido de aumento; o senhor quer ganhar mil escudos. Infelizmente, o meu parecer no ser favorvel. O senhor sabe que os cursos de matemtica no garantem frequncia universidade. A matemtica, por assim dizer, no uma arte nutritiva. No que a Repblica no a tenha na mais alta conta. Embora ela no seja to necessria como a filosofia, nem tao til quanto a teologia, aos conhecedores ela proporciona infinito prazer!

    GALILEU (mexendo em seus papis)Meu caro amigo, com quinhentos escudos eu nao vivo.

    PROCURADORMas, Senhor Galileu, o senhor tem duas horas de aula, duas vezes por semana. O seu extraordinrio prestgio lhe traz quantos alunos quiser, gente que pode pagar aulas particulares. O senhor no tem alunos particulares?

    GALILEUSenhor, eu tenho demais! Eu ensino e ensino, e quando que estudo? Homem de Deus, eu no sei tudo, como os senhores da Faculdade de Filosofia. Eu sou estpido. Eu no entendo nada de nada. De modo que sou forado a preencher os buracos do meu saber. E quando que tenho tempo? Quando que fao pesquisa? Meu senhor, a minha cincia ainda tem fome de saber!Sobre os maiores problemas ns ainda no temos nada que seja mais do que hiptese. Mas ns exigimos provas. E como eu vou fazer progresso, se para sustentar a minha casa sou forado a me dedicar a qualquer imbecil, desde que tenha dinheiro, enfiar na cabea dele que as paralelas se encontram no infinito?

    PROCURADOREm todo caso, o senhor no esquea que a Repblica talvez no pague tanto quanto certos principes, mas garante a liberdade de pesquisa. Ns em Pdua admitimos at mesmo alunos protestantes. E lhes damos o diploma de doutor. Quando provaram provaram, Senhor Galileu que Cremonini dizia coisas contra a religio, ns no s no o entregamos a Inquisio, como aumentarnos o salrio dele.

    23

  • At na Holanda se sabe que Veneta a Repblica onde a Inquisio no manda. E isso tem um certo valor para o senhor, que astrnomo, que trabalha numa disciplina em que h muito tempo a doutrina da Igreja no encontra mais o devido respeito!

    GALILEUMas Giordano Bruno os senhores entregaram a Roma. Porque defendia a doutrina de Coprnico.

    PROCURADORNo porque ele difundisse a doutrina do Senhor Coprnico, que alis est errada, mas porque ele no era veneziano, nem tinha emprego aqui. De modo que o senhor deixe o queimado-vivo fora do jogo. E, entre parnteses, por maior que seja a liberdade, prudente no falar tanto nem to alto nesse nome, que antema oficial para a Igreja; nem mesmo aqui, sim senhor, nem mesmo aqui.

    GALILEUEsta vossa proteo liberdade do pensamento no mau negcio, hein? Vocs sugerem que noutra parte a Inquisio reina e queima, e vocs arranjam, assim, professores bons e mal pagos. A garantia contra a Inquisio, vocs se pagam dela, pagando os piores salrios.

    PROCURADOR injusto! Injusto! De que lhe serve o tempo livre, o seu tempo de pesquisa, se um monge ignorante da Inquisio for livre tambm de proibir as suas idias? No h rosas sem espinhos, Senhor Galileu, no h prncipes sem monges!

    GALILEUE de que serve a pesquisa livre sem o tempo livre para pesquisar? E com os resultados, o que acontece! Quem sabe um belo dia o senhor mostra aos cavalheiros do Conselho esta pesquisa sobre a lei da queda dos corpos (mostra um mao de papis), e pergunta se isto no vale uns escudos a mais.

    PROCURADORVale infinitamente mais, Senhor Galileu.

    GALILEUInfinitamente no, senhor, quinhentos escudos.

    PROCURADORVale escudos somente o que rende escudos. Se o senhor quer dinheiro, precisa produzir outras coisas. O senhor no pode cobrar mais pelo saber que vende, do que ele rende a quem o compra. Por exemplo, a filosofia que o Senhor

    24

  • Colombo vende em Florena rende pelo menos dez mii escudos anuais ao prncipe. A sua lei da queda dos corpos levantou poeira, verdade. O senhor aplaudido em Paris e em Praga. Mas as pessoas que o aplaudem no pagam o que o senhor custa a Universidade de Pdua. A sua desgraa, prezado Galileu, est na sua especialidade.

    GALILEUEu entendo: liberdade de comrcio, liberdade de pesquisa. Liberdade de comerciar com a pesquisa, isso?

    PROCURADORMas, meu caro Galileu, que maneira de ver as coisas! O senhor me permita dizer que no entendo bem as ironias. Eu no vejo por que desprezar a prosperidade comercial da nossa Repblica. E como procurador da universidade que sou, h muitos anos, no acompanho tambm essa maneira, digamos frvola, de falar da pesquisa. (Galilcu lana olhares nostlgicos a sua mesa de trabalho.) O senhor considere a situao l fora! Pense no chicote que escraviza a cincia em certas cidades! Nessas cidades, rasgaram o couro de velhos livros para isto, para fazer chicotes. No querem saber como a pedra cai, mas o que Aristteles escreveu a respeito. Os olhos, a gente os tem s para ler. Para que estudar a queda dos corpos, se conta s o jeito de cair dc joelhos? No outro prato da balana, o senhor ponha alegria infinita com que a nossa Repblica acolhe as suas idias, por mais ousadas que sejam Aqui o senhor pode pesquisar! O senhor pode trabalhar! Ningum vigia os seus passos, ningum o oprime. Os nossos comerciantes, que lutam contra a concorrncia florentina, sabem quanto vale um pano de melhor qualidade, e, em consequncia, ouvem-no com simpatia quando o senhor reclama uma fsica melhor. Alis, a prpria fisica deve muito ao clamor por um tear melhorado! Os nossos cidados mais eminentes tm interesse pelas suas pesquisas, vem visitar o senhor, pedem que lhes demonstre as suas descoberta, gente cujo tempo precioso. Meu caro Galileu, no despreze o comrcio. Aqui no se admite interferncia alguma em seu trahalho, nenhum incompetente lhe cria dificuldades. Admita,. Galileu, que aqui o senhor pode trabalhar!

    GALILEU (desesperado)Como no?

    PROCURADORE quanto s condies materiais: o senhor faa outra coisinha bonita, como aquele seu excelente compasso proporcional, que mesmo ao leigo em matemtica permite (conta nos dedos) tirar linhas, determinar o juro do juro de um capital, reproduzir em escala ampliada ou diminuda a planta de um imvel, estabelecer o peso das balas de canho.

    25

  • GALILEU uma besteira.

    PROCURADORO senhor chama besteira uma coisa que encantou e espantou os cidados mais eminentes e rendeu dinheiro a vista. Eu ouvi dizer que o prprio marechal Stefano Gritti capaz de tirar uma raiz quadrada com o seu instrumento!

    GALILEUDe fato, milagroso! Em todo caso, o senhor me fei pensar. Talvez eu tenha alguma coisa do gnero que lhe interessa.

    PROCURADOR? Seria a soluo. (Levanta-se.) Galileu, ns sabemos que o senhor um grande homem. Grande, mas insatisfeito, se me permite dizer.

    GALILEUSou, sou insatisfeito, uma razo para vocs me pagarem mais, se fossem mais inteligentes! Pois eu estou insatisfeito comigo mesmo. Mas em vez disso, voces fazem tudo para que eu fique insatisfeito com vocs. verdade, meus senhores de Veneza, que eu gosto de usar o meu engenho no vosso famoso arsenal, nos estaleiros e na fundio de canhes. O arsenal pe questes minha cincia, que a levariam mais adiante, mas vocs no me do tempo de especular. Vocs amarram a boca ao boi que est trabalhando. Eu tenho 46 anos e no fiz nada que me satisfizesse.

    PROCURADORNesse caso, eu nao vou incomod-lo mais.

    GALILEUObrigado.

    (O procurador sai. Galileu fica sozinho por alguns instantes e comea a trabalhar. Andrea entra correndo.)

    GALILEU (trabalhando)Por que voc no comeu a ma?

    ANDREA pra ela ver que ela gira.

    GALILEUAndrea, oua aqui, no fale aos outros de nossas idia.

    26

  • ANDREAPor que?

    GALILEUPorque as autoridades proibiram.

    ANDREAMas a verdade.

    GALILEU Mas proibiram. E nesse caso tem mais. Ns fsicos ainda no conseguimos provar o que julgamos certo. Mesmo a doutrina do grande Coprnico ainda no esta provada. Ela apenas uma hiptese. Me passe as lentes.

    ANDREAO meio escudo no deu. Deixei o meu casaco de penhor.

    GALILEUVoc vai passar o inverno sem casaco?

    (Pausa. Galileu arruma as lentes sobre a folha em que est o esboo.)

    ANDREAO que uma hiptese?

    GALILEU quando uma cosa nos parece provvel, sem que tenhamos os fatos. Veja a Felcia, l em baixo, na frente do cesteiro, com a criana no peito. uma hipotese que ela d leite a criana e que no seja o contrrio; uma hiptese enquanto eu no puder ir l, ver de perto e demonstrar. Diante das estrelas, ns somos como vermes de olhos turvos, que vem muito pouco. As velhas doutrinas, aceitas durante mil anos, esto condenadas; h mais madeira na escora do que no prdio enorme que ela sustenta. Muitas leis que explicam pouco, enquanto que a hiptese nova tem poucas leis que explicam muito.

    ANDREAMas o senhor provou tudo isso para mim.

    GALILEUNo. Eu s mostrei que seria possvel. Voc compreende, a hiptese muito bonita e no h nada que a desminta.

    27

  • ANDREAEu tambm quero ser fsico, Senhor Galileu.

    GALILEUAcredito, considerando a infinidade de questes que resta esclarecer em nosso campo. (Galileu foi at a janela, e olhou atravs das lentes. O seu interesse moderado.) Andrea, d uma olhada.

    ANDREAVirgem Maria, chegou tudo perto. O sino do campanrioi, pertinho. D para ler at as letras de cobre: Gratia Dei.

    GALILEUIsto vai nos render quinhentos escudos.

    II

    GALILEU GALILEI ENTREGA UMA NOVAINVENO REPBLICA DE VENEZA

    Um grande homem no grande por igual.Mais vale comer bem que comer mal.Esta a histria mais que claraDo telescpio de Galileu,Que ele inventou que inventara.

    Conselheiros, sua frente o doge. Mais ao lado Sagredo, amigo de Galileu, e Virginia Galilei, moa de 15 anos; ela segura uma almofada de veludo, sobre a qual est uma luneta de uns sessenta centmetross, metida num estojo de couro carmesim. Galileu est sobre urna tribuna. Atrs dele. a armao para o telescpio, a cuidado de Federzoni, o operrio-oculista.

    GALILEUExcelncia, Venerveis Conselheiros. Como professor de matemtica na vossa Universidade de Pdua, e como diretor de Vosso Grande Arsenal, aqui em Veneza, considero que a nobre tarefa docente, que me foi confiada, no a minha nica misso. Procuro tambm proporcionar vantagens excepcionais a Repblica Veneziana, atravs de invenes com aplicaao prtica. Com alegria profunda e com toda humildade devida, estou em condies de apresentar e

    28

  • entregar-vos hoje um instrumento inteiramente novo, o meu tubo tico, o telescpio, construdo em vosso famosssimo Grande Arsenal, segundo os princpios mximos da cincia e do cristianismo, fruto de dezessete anos de paciente pesquisa de vosso dedicado servidor.

    (Galileu desce da tribuna e vai postar-se ao lado de Sagredo. Palmas. Galileu se curva.)

    GALILEU (baixinho, a Sagredo)Tempo perdido!

    SAGREDOMeu velho, voc vai pagar o aougue.

    GALILEU, vai dar dinheiro para eles. (Inclina-se outra vez.)

    PROCURADOR (sobe tribuna)Excelncia, Venerveis Conselheiros!Os caracteres venezianos iro cobrir mais uma das pginas gloriosas do grande livro das artes.

    (Aplauso corts.)

    Um sbio de renome mundial vos entrega aqui, e somente a vs, um tubo de grande interesse comercial, para que o fabriqueis e o lanceis no mercado como melhor vos aprouver.

    (Aplauso mais vigoroso.)

    PROCURADOR (continuando)E tereis refletido, senhores, que em caso de guerra este instrumento permitir que reconheamos, duas horas antes que o inimigo nos reconhea, a espcie e o nmero das suas embarcaes, de modo que, sabedores de sua fora, decidiremos pela perseguio, pela luta ou pela fuga?

    (Aplauso fortssimo.)

    E agora, Excelncia, Venerveis Conselheiros, o Senhor Galileu vos pede que aceiteis este instrumento de sua inveno, esta prova de sua intuiao, das mos de sua encantadora filha.

    (Msica. Virginia avana,faz urna reverncia e entrega a luneta ao procurador, que a entrega a Federzoni. Federzoni monta o instrumento no trip e ajusta as lentes. O doge e os conselheiros sobem tribuna e olham atravs

    29

  • do tubo.)

    GALILEU (baixinho) muita palhaada para se aguentar at o fim. Estes a pensam que esto ganhando um brinquedo lucrativo, mas muito mais. Ontem eu apontei o tubo para a Lua.

    SAGREDOO que voc viu?

    GALILEUEla no tem luz prpria.

    SAGREDOO qu?

    CONSELHEIROEstou vendo a fortaleza de Santa Rosita, Senhor Galileu. Naquela barca ali esto almoando. E peixe frito. Estou com fome.

    GALILEU o que lhe digo. A astronomia parou h mil anos porque no havia telescpio.

    CONSELHEIROSenhor Galileu!

    SAGREDOEle est falando com voc.

    CINSELHEIROCom esse negcio a gente v bem demais. Eu vou proibir o m ulherio l em casa de tomar banho no telhado.

    GALILEUVoc sabe do que feita a Vialctea?

    SAGREDOEu sei.

    CONSELHEIROUma coisa dessas, Senhor Galileu, vale bem dez escudos.

    (Galileu faz uma curvatura.)

    30

  • VIRGINIA (trazendo Ludovico)Papai, Ludovico quer cumpriment-lo.

    LUDOVICO (vexado)Meus curnprimentos, senhor.

    GALILEUEu melhorei o aparelho.

    LUDOVICOPerfeitamente. O senhor fez um estojo vermelho. Na Holanda era verde.

    GALILEU (vira-se para Sagredo)Eu me pergunto at se com essa coisa eu no posso provar uma certa doutrina.

    SAGREDONo seja inconveniente.

    PROCURADOROs seus quiinhentos escudos esto garantidos, Galileu.

    GALILEU (sem da- lhe ateno) claro que desconfio de concluses precipitadas.

    (O doge, um homem gordo e modesto, aproxima-se de Galileu e tenta falar-lhe, com dignidade.)

    PROCURADORSenhor Galileu, Sua Excelncia, o Doge.

    (O doge aperta a mo de Galileu.)

    GALILEU verdade, os quinhentos! Sua Excelncia est satisfeito?

    DOGEEm nossa Repblica, infelizmente, s damos alguma coisa aos sbios quando h pretextos para os nossos senadores.

    PROCURADORMas, se nao fosse assim, onde ficaria o estmulo, o senhor nao acha, Galileu?

    31

  • DOGE (sorrindo)Precisamos de pretextos.

    (O doge e o procurador conduzem Galileu em direo dos Conselheiros, que logo o cercam. Virginia e Ludovico saem deivagar.)

    VIRGINIAEu me sa bem?

    LUDOVICOFoi perfeito.

    VIRGINIAMas o que foi?

    LUDOVICONada. Um estojo verde talvez no fosse pior.

    VIRGNIAEu acho que esto todos satisfeitos com papai.

    LUDOVICOE eu acho que estou comeando a entender alguma coisa de ciencia.

    III

    10 DE JANEIRO DE 1610. SERVINDO-SE DOTELESCPIO, GALILEU DESCOBRE

    FENMENOS CELESTES QUE CONFIRMAMO SISTEMA COPERNICANO. ADVERTIDO POR

    SEU AMIGO DAS POSSVEISCONSEQUNCIAS DE SUA PESQUISA. GALILEU

    AFIRMA A SUA F NA RAZO HUMANA

    Dez de janeiro de mil seiscentos e dez:Galileu olhava e no via, e o cu se sumia.

    Quarto de estudos de Galileu, em Pdua.Noite. Galileu e Sagredo, metidos em grossos capotes, olham pelo telescpio.

    32

  • SAGREDO (olhando pelo telescpio, a meia voz)Os bordos do crescente estao irregulares, denteados e rugosos. Na parte escura, perto da faixa luminosa, h pontos de luz. Vo aparecendo, um depois do outro. A partir deles a luz se espraia, ocupa superfcies sempre maiores, onde conflui com a parte luminosa principal.

    GALILEUE como se explicam esses pontos luminosos?

    SAGREDONo pode ser.

    GALILEU Pode, so montanhas.

    SAGREDONuma estrela?

    GALILEUMontanhas enormes. Os cimos so dourados pelo sol nascente, enquanto a noite cobre os abismos em volta. Voc est vendo a luz baixar dos picos mais altos ao vale.

    SAGREDOMas isto contradiz a astronomia inteira de dois mil anos.

    GALILEU. O que voc est vendo, homem nenhum viu, alm de mim. Voc o segundo.

    SAGREDOMas a Lua no pode ser uma terra, com montanhas e vales, assim como a Terra no pode ser uma estrela.

    GALILEUA Lua pode ser uma terra com montanhas e vales e a Terra pode ser uma estrela. Um corpo celeste qualquer,um entre milhares. Olhe outra vez. A parte escura da Lua inteiramente escura?

    SAGREDONo, olhando bem eu vejo uma luz fraca, cinzenta.

    GALILEUEssa luz o que ?

    33

  • SAGREDO?

    GALILEU da Terra.

    SAGREDONo, isso absurdo. Como pode a Terra emitir luz. Com suas montanhas, suas guas e matas, e sendo um corpo frio?

    GALILEUDo mesmo modo que a Lua. Porque as duas so iluminadas pelo Sol e por isso que elas brilham. O que a Lua para ns, ns somos para a Lua. Ela nos v ora como crescente, ora como semicrculo, ora como Terra cheia e ora nao nos v..

    SAGREDOPortanto no h diferena entre Lua e Terra?

    GALILEUPelo visto, no.

    SAGREDONo faz dez anos que, em Roma, um homem subia fogueira. Chamava-se Giordano Bruno e afirmava exatamente isso.

    GALILEUClaro. E agora estamos vendo. No pare de olhar, Sagredo. O que voc v que no h diferena entre cu e Terra. Hoje, dez de janeiro de 1610, a humanidade registra em seu dirio: aboliu-se o cu.

    SAGREDO terrvel.

    GALILEUE ainda descobri outra coisa, quem sabe se mais espantosa.

    DONA SARTI (de fora)O procurador.

    (Entra o procurador, agitado.)

    PROCURADORO senhor perdoe a hora. Seria um favor se eu pudesse falar ao senhor em particular.

    34

  • GALILEUPrezado Priuli, tudo o que eu posso ouvir, o Senhor Sa gredo tambm pode.

    PROCURADORMas talvez no lhe seja agradvel que esse senhor oua o que aconteceu. lamentvel, uma coisa inteiramente incrvel.

    GALILEUPor Isso no, que o Senhor Sagredo est habituado a ver o incrvel em minha companhia.

    PROCURADOREu lamento, lamento. (Apontando o telescpio) Ei-lo, o objeto extraordinrio. O senhor pode jogar fora esse objeto, que d no mesmo. No serve para nada, absolutamente nada.

    SAGREDO (que andava para baixo e para cima, inquieto) Mas como?

    PROCURADORO senhor sabe que este seu invento, este seu fruto de dezessete anos de pesquisa pode ser compado em qualquer esquina da Itlia por um par de escudos? E que a fabricao holandesa? No porto, neste instante, h um cargueiro holands, descarregando quinhentos telescpios.

    GALILEUNo diga!

    PROCURADOREu nao entendo a sua calma, meu senhor.

    SAGREDOMas de que o senhor est falando? Permita-me contar que nestes dias, e por meio deste instrumento, o Senhor Galileu fez descobertas inteiramente revolucionrias a respeito do mundo das estrelas.

    GALILEU (rindo)D uma olhada, Priuli.

    PROCURADORO senhor que vai me permitir, pois a mim me basta a descoberta que fiz quando arranjei a duplicao do salrio de Galileu, em troca desse trambolho. boi mero acaso se os senhores do Conselho, quando olharam pelo telescpio, achando que garantiam Repblica um instrumento que s se produziria aqui,

    35

  • no viram na esquina, sete vezes ampliado, um vendedor ambulante vendendo este mesmo telescpio pelo preo de um po com manteiga.

    (Galileu d uma risada sonora.)

    SAGREDOMeu caro Senhor Priuli, talvez eu no saiba julgar o valor desse instrumento para o comrcio, mas o seu valor para a filosofia to imenso que. . .

    PROCURADORPara a filosofia! O Senhor Galileu matemtico, o que ele tem que mexer com a filosofia? Senhor Galileu, o senhor inventor de uma bomba de gua muito til cidade, e o sistema de irrigao que o senhor projetou funciona. Tambm os teceles elogiam a sua mquina. Como que eu podia esperar uma coisa dessas?

    GALILEUMais devagar, Priuli. As rotas martimas continuam longas, arriscadas e caras. Falta uma espcie de relgio seguro no cu. Uma balisa para a navegao. Pois bem, eu tenho razes para supor que certas estrelas, de movimento muito regular, podem ser acompanhadas pelo telescpio. Com mapas novos, meu caro, a marinha poderia economizar milhes de escudos.

    PROCURADORDeixe disso. J lhe dei muito ouvido. Em troca de minha boa vontade, o senhor me fez de palhao para a cidade inteira. Eu vou passar a histria como o procurador que caiu no conto do telescpio. O senhor tem por que rir, agarrou os seus quinhentos escudos, mas eu lhe digo uma coisa, e um homem honesto quem diz: esse mundo me d nojo! (Sai, batendo a porta.)

    GALILEUAssim furioso, ele chega a ser simptico. Voc ouviu? Um mundo no qual no se pode fazer negcios da nojo.

    SAGREDOVoc sabia desse instrumento holands?

    GALILEU claro que sim, de ouvir falar. Mas o aparelho que eu constru para esses bolhas do Conselho muito melhor. Como que eu posso trabalhar com o oficial de justia na sala? E Virginia logo logo precisa de um dote, ela nao inteligente. Depois. eu gosto de comprar livros, e no so s livros de fsica, e gosto de comida decente. Quando como bem que me vem as melhores idias. poca miseravel!

    36

  • Eles me pagam menos que ao cocheiro que lhes transporta os barris de vinho. Quatro feixes de lenha por duas aulas de matemtica. Agora eu agarrei quinhentos escudos, mas no d para pagar as dvidas, algumas de vinte anos. Cinco anos de sossego para as minhas pesquisas, e eu provaria tudo! Quero que voc veja outra coisa ainda.

    SAGREDO (hesita, antes de voltar ao telescpio)O que eu sinto quase como medo, Galileu.

    GALILEUVou lhe mostrar uma das nebulosas brancas e brilhantes da Via lctea. Me diga do que ela feita!

    SAGREDOSo estrelas, incontveis.

    GALILEUS na constelao de Orion so quinhentas estrelas fixas. So os muitos mundos, os incontveis outros mundos, as estrelas distantes de que falava o queimado-vivo, que ele no chegou a ver, mas que ele esperava!

    SAGREDOMas, mesmo que esta terra seja uma estrela, h muita distncia at as afirmaes de Coprnico, de que ela gira em volta do Sol. No h estrela no cu que tenha outra girando a sua volta. Mas, em torno da Terra, gira sempre a Lua.

    GALILEUEu duvido, Sagredo. Desde anteontem que eu duvido. Olhe Jpiter (acerta o telescpio), junto dele esto quatro estrelas menores, que s se vem pelo telescpio. Eu as vi na segunda feira, mas no fiz muito caso da sua posio. Ontem, olhei outra vez. Eu jurava que todas as quatro tinham mudado de lugar. Eu tomei nota. Esto diferentes outra vez. O que isso? Se eu vi quatro. (Agitado.)Olhe voc!

    SAGREDOEu vejo trs.

    GALILEUA quarta onde est? Olhe as tabelas. Vamos calcular o movimento que elas possam ter feito.

    (Excitados, sentam se e trabalham. O palco escurece, mas no

    37

  • horizonte continua-se a ver Jpiter e seus satltes. Quando o palco clareia, ainda esto sentados, usando capotes de inverno.)

    GALILEU Est provado. A quarta s pode ter ido para trs de Jpiter, onde ela no vista. Est a uma estrela que tem outra girando sua volta.

    SAGREDOMas a esfera de cristal, em que Jpiter est fixado?

    GALILEU De tato, onde que ela ficou? Como pode Jpiter estar fixado, se h estrelas girando em volta dele? No h suporte no cu, no h ponto fixo no universo outro sol!

    SAGREDOCalma, voc pensa depressa demais!

    GALILEUQue depressa nada! Acorda, rapaz! O que voc est vendo nunca ningum viu. Eles tinham razo.

    SAGREDOQuem, os copernicanos?

    GALILEUE o outro! O mundo todo estava contra eles e eles tinham razo. Andrea que vai gostar. (Fora de si corre para a porta e grita) Dona Sarti! Dona Sarti!

    SAGREDOGalileu, voc precisa se acalmar!

    GALILEUSagredo, voc precisa se animar! Dona Sarti!

    SAGREDO (desvia o telescpio)Voc quer parar de gritar como um louco?

    GALILEUVoc quer parar de fazer cara de peixe morto, quando a verdade foi descoberta?

    SAGRED0Eu no estou fazendo cara de peixe morto, eu estou tremendo de medo que seja mesmo verdade.

    38

  • GALILEUO qu?

    SAGREDOMas voc no tem um pouco de juzo? No percebe a situao em que fica, se for verdade o que est vendo? Se voc andar por a gritando pelas feiras que a Terra e uma estrela e que nao o centro do universo?

    GALILEUSim senhor, e que no o universo enorme, com todas as suas estrelas, que gira em torno de nossa Terra, que nfima o que alis era de se imaginar.

    SAGREDOE que, portanto, s existem estrelas! E Deus, onde que fica?

    GALILEUO que voc quer dizer?

    SAGREDODeus, onde que fica Deus?

    GALILEU (em fria)L no! Do mesmo jeito que ele no existe aqui na Terra, se houver habitantes de l que queiram ach-lo aqui!

    SAGREDOE ento onde que ele fica?

    GALILEUEu sou telogo? Eu sou matemtico.

    SAGREDOAntes de tudo voc um homem, e eu pergunto: onde est Deus no teu sistema do mundo?

    GALILEUEm ns, ou em lugar algum.

    SAGREDO (gritando)A mesma fala do queimado-vivo?

    SAGREDOPor isso ele foi queimado ! No faz dez anos

    39

  • GALILEUPorque ele no podia provar nada! Porque ele s afirmava ! Dona Sarti!

    SAGREDOGalileu, eu sempre o conheci como homem de juzo. Durante dezessete anos em Pdua, e durante trs anos em Pisa, pacientemente, voc ensinou a centenas de alunos o sistema de Ptolomeu, que adotado pela Igreja e confirmado pela Escritura, na qual a Igreja repousa. Voc, na linha de Coprnico, achava errado, mas voc ensinava, no obstante.

    GALILEUPorque eu no podia provar nada.

    SAGREDO (incrdulo)E voc acha que isso faz alguma diferena?

    GALILEUFaz toda a diferena. Veja aqui, Sagredo! Eu acredito no homem, e isto quer dizer que acredito na sua razo! Sem esta f eu no teria a fora de sair da cama pela manh.

    SAGREDOEnto eu vou lhe dizer uma coisa: eu no acredito nela. Quarenta anos entre os homens me ensinaram, com constncia, que eles no so acessveis razo. Voc mostra a eles a cauda vermelha de um cometa, voc mete medo neles, e eles saem de casa e correm at acabarem as pernas. Mas voc faz uma afirmao racional, prova com sete argumentos, e eles riem na sua cara.

    GALILEUIsso inteiramente falso, uma calunia. Eu no entendo como voc possa amar a cincia, acreditando nisso. S o morto insensvel a um bom argumento!

    SAGREDOComo pode voc confundir a esperteza mais miservel, que essa eles tm, com a razo!

    GALILEUEu no estou falando da esperteza. Eu sei que na hora de vender o povo chama o burro de cavalo, e chama o cavalo de burro na hora de comprar. Essa a sua esperteza. A velhinha sabida, que d mais capim sua mula porque na manh seguinte vo viajar: o navegador que prov seu barco pensando na tempestade e na calmaria: a criana que bota um bon se lhe provaram que pode chover, so esses a minha esperana. Eles usam a cabea. Sim senhor, eu acredito na fora suave da razo. A longo prazo, os homens no lhe resistem, no aguentam.

    40

  • Ningum se cala indefinidamente (Galileu deixa cair uma pedra de sua mo), se eu disser que a pedra que caiu no caiu. No h homem capaz disso. A seduo do argumento grande demais. Ela vence a maioria, todos, a longo prazo. Pensar um dos maiores prazeres da raa humana.

    DONA SARTI (entrando)O senhor quer alguma coisa, seu Galileu?

    GALILEUQuero, quero Andrea.

    DONA SARTIAndrea? Ele est na cama, dormindo.

    GALILEUSer que ele no pode acordar?

    DONA SARTIO senhor est precisando dele?

    GALILEU para mostrar uma coisa, uma coisa de que ele vai gostar. Ele vai ver uma coisa que, fora ns, ningum viu, desde que a Terra existe.

    DONA SARTI esse tubo outra vez?

    GALILEU o meu tubo, Dona Sarti.

    DONA SARTIE para isso eu vou acordar o menino no meio da noite? O senhor est bom da cabea? De noite ele precisa dormir. Mas nem por sonho eu vou acordar o menino.

    GALILEUDe jeito nenhum?

    DONA SARTIDe jeito nenhum.

    GALILEUDona Sarti, ento a senhora mesma talvez me ajude. A senhora veja, h uma questo aqui, e ns no conseguimos chegar a um acordo, provavelmente

    41

  • porque lemos livros demais. uma questo sobre o cu, uma questo a respeito das estrelas. a seguinte: o que mais provvel: que o grande gire em torno do pequeno, ou que o pequeno gire em torno do grande?

    DONA SARTI (desconfiada)Eu com o senhor nunca sei. O senhor esta perguntando a srio, ou est fazendo troa comigo?

    GALILEUEstou perguntando a srio.

    DONA SARTIBom, a resposta fcil. Sou eu que trago a comida para o senhor ou o senhor que traz para mim?

    GALILEU a senhora que traz. Ontem estava queimada.

    DONA SARTIE por que queimou? Porque o senhor pediu os sapatos enquanto eu estava cozinhando. No fui eu quem trouxe os sapatos?

    GALILEU provvel.

    DONA SARTIJustamente. Porque o senhor quem estudou e pode pagar.

    GALILEU

    Estou vendo. De modo que no h dificuldade. Bons dias, Dona Sarti. (Sarti sai, dando risada.)

    GALILEUE gente assim no havia de entender a verdade? Eles tm fome da verdade

    (O sino anuncia a missa das seis. Entra Virginia, de capote, carregando um lampio com quebra vento.)

    VIRGINIABom dia, pai.

    GALILEUVoc j esta de p?

    42

  • VIR GINJAVou missa das seis, com Dona Sarti. Ludovico tambm vai. Como foi a noite, pai?

    GALILEUClara.

    VIRGINIAPosso olhar a?

    GALILEUPra qu? (Virgnia no sabe o que responder.) Isso no brinquedo.

    VIRGINIANo, pai.

    GALILEUAlm do mais, esse tubo uma decepo, voc vai ouvir isso em toda parte. Custa trs escudos a pela rua, j o tinham inventado na Holanda.

    VIRGINIAVoc no viu com ele nada de novo no cu?

    GALILEUNada para voc ver. S umas manchinhas escuras no lado esquerdo de uma estrela grande para as quais eu preciso dar um jeito de chamar a ateno. (Galileu fala a Sagredo, por cima da cabea de sua filha.) Acho que vou batiz-las de estrelas medicias , em homenagem ao Gro Duque de Florena. (Falando sua filha) Uma coisa que a interessa, Virginia: provavelmente nos mudaremos para Florena. Eu escrevi uma carta para l. vendo se o gro-duque me quer para matemtico da corte.

    VIRGINIA (radiante)Na corte?

    SAGREDOGalileu!

    GALILEUMeu caro, eu preciso de sossego. Eu preciso de provas. E eu quero comer carne. L me dispensam de enfiar Ptolomeu na cabea de alunos particulares, e terei tempo, tempo, tempo, tempo, tempo! para elaborar as minhas provas, porque o que tenho agora no basta. Isto aqui no nada. um msero fragmento de trabalho. No coisa com que eu possa me apresentar ao mundo. Ainda no h

    43

  • prova alguma de que algum corpo celeste gire em torno do Sol. Mas eu vou arranjar as provas, vou provar a todos, de Dona Sarti ao papa. Meu nico medo que no me queiram na corte.

    VIRGINIAQuerem sim, meu pai, com as estrelas novas e tudo.

    GALILEUVai para a missa.

    (Virginia sai.)

    GALILEUEu raramente escrevo a. grandes personagens. (Passa uma carta a Sagredo.) Voc acha que a carta est bem?

    SAGREDO (l em voz alta o fim da carta que Galileu lhe entregou)Pois a nada aspiro tanto como estar mais prximo de vs, do sol nascente que iluminar nosso tempo. O Gro-Duque de Florena tem nove anos de idade.

    GALILEU isso. Eu estou vendo que voc achou a carta servil. Eu me pergunto se ela no devia ser mais servil ainda, se no est muito formal, como se me faltasse a dedicao autntica. Uma carta comedida pode escrever quem confirma Aristteles, quem tenha esse mrito; eu no posso. Um homem como eu s de cara no cho chega a uma posio passavelmente digna. E voc sabe que eu desprezo pessoas que no tm o crebro necessrio para encher a barriga.

    (Dona Sarti e Virgnia passam pelos dois, vo missa.)

    SAGREDOGalileu, no v para Florena.

    GALILEUPor que no?

    SAGREDOPorque l os padres mandam.

    GALILEUNa corte de Florena h sbios de grande reputao.

    SAGREDOLacaios.

    44

  • GALILEUPois eu vou peg-los pela cabea e botar o olho deles no telescpio. Tambm os padres so gente. Sagredo. Tambm eles sucumbem seduo das provas. Coprnico, no esquea disso, queria que eles acreditassem no clculo dele. Eu, eu quero apenas que eles acreditem nos prprios olhos. Quando a verdade fraca demais para se defender, ela precisa passar a ofensiva. Eu vou peg-los pela cabea e vou for-los a olhar por esse telescpio.

    SAGREDOGalileu, Vejo voc num caminho terrvel. uma noite desgraada a noite em que o homem v a verdade. de cegueira o momento em que ele acredita na razo da espcie humana. Quando dizemos que algum caminha lucidamente? Quando se trata de algum que caminha para a desgraa. Os poderosos no podem deixar solto algum que saiba a verdade, mesmo que seja sobre as estrelas mais distantes! Voc acha que o papa vai ouvir a sua verdade, quando voc disser que ele errou, e que no vo ouvir que ele errou? Voc acha simplesmente que ele abre o dirio e escreve uma nota: 10 de janeiro de 1610 aboliu-se o cu? Voc no entende? Sair da Repblica, com a verdade no bolso, para entrar na ratoeira dos padres e dos prncipes, de telescpio na mo ! Dentro da sua cincia voc desconfiado; mas quanto as circunstncias que possam favorecer o exerccio dela, voc crdulo como uma criana. Voc no acredita em Aristteles, mas acredita no Gro-Duque de Florena. Ainda h pouco eu o olhava quando voc olhava as novas estrelas pelo telescpio, mas o que eu via era voc de p, sobre um monte de lenha. E quando voc disse que acredita em provas, eu senti o cheiro de carne queimada. Eu amo a cincia, porm mais a voc, meu amigo. No v para Florena, Galileu!

    GALILEUSe eles me aceitarem, vou.

    (A ltima pgina da carta aparece sobre uma cortina.)

    Se dei o nome egrgio da casa de Medicis s novas estrelas que descobri, no me escapara que deuses e heris conquistam o cu estrelado para fixar a prpria glria, enquanto que aqui, bem ao contrrio, o) egrgio nome da casa de Medicis ir garantir vida imortal s estrelas. Eu, entretanto, que reputo grande honra ter nascido sdito de Vossa Alteza, me recomendo como um de vossos servidores mais fiis e dedicados. Pois a nada aspiro tanto como estar mais prximo de vs, do sol nascente que iluminar o nosso tempo.

    Galileu Galilei

    45

  • IV

    GALILEU TROCOU A REPBLICA DE VENEZAPELA CORTE FLORENTINA, CUJOS SBIOS

    NO DO CRDITO S SUASDESCOBERTAS, FEITAS PELO TELESCPIO

    O que velho diz: fui, sou, serei assim.O que novo diz: caia fora o que ruim.

    Casa de Galileu em Florena. Dona Sarti arruma o quarto de estudos de Galileu para a chegada dos estudantes. O seu filho Andrea, sentado, arruma os mapas estelares.

    DONA SARTIDesde que chegamos a esta decantada Florena os salamaleques e a puxao no param mais. A cidade inteira desfila diante desse canudo, e quem limpa o cho depois sou eu. E no vai adiantar nada! Se estas descobertas prestassem, os padres seriam os primeiros a reconhecer. Eu passei quatro anos trabalhando em casa de Monsenhor Filippo, e no acabei de limpar toda a biblioteca dele. Eram livros de couro ate o teto, livros que no eram de poesia! O bom monsenhor tinha um quilo de hemorridas, de tanto ficar sentado por causa da cincia, e um homem assim no havia de saber? E essa grande visita de hoje vai ser um fiasco, de modo que amanh, para variar, no tenho coragem de olhar o leiteiro na cara. Eu que estava certa quando disse que ele devia preparar um bom jantar, oferecer um bom pedao de carneiro, antes de mostrar o telescpio. Mas no! (Ela imita Galileu.) O que eu vou mostrar a eles melhor.

    (Batem porta, embaixo.)

    DONA SARTI (olha pela fresta da janela)Meu Deus, o gro-duque j chegou. E Galileu ainda est na universidade!

    (Desce a escada correndo, e faz entrar o Gro-Duque de Toscana, Cosmo de Medicis, seguido pelo mestre sala e por duas damas de companhia.)

    COSMOEu quero ver o telescpio.

    O MESTRE SALAVossa Alteza h de ter pacincia, at que o Senhor Galileu volte da universidade com os outros senhores. (Voltando-se para Dona Sarti) O Senhor Galileu quer que os astrnomos examinem as estrelas que ele descobriu e batizou de Medicias.

    46

  • COSMOEles no acreditam no telescpio nem um pouco. Onde que est?

    DONA SARTIL em cima, no quarto de estudo.

    (O menino balana a cabea, olha a escada e, quando Dona Sarti faz que sim, sobe correndo.)

    OMESTRE-SALA (um homem muito velho)Alteza! (Volta-se para Dona Sarti.) A senhora acha necessrio subir? Eu estou aqui s porque o preceptor est de cama.

    DONA SARTIDeixe, que no acontece nada ao jovem senhor. O meu menino est l em cima.

    COSMO (entrando)Boa noite.

    (Os meninos se inclinam cerimoniosamente. Pausa. Andrea volta ao seu trabalho.)

    ANDREA (muito semelhante ao seu professor) Isto aqui parece a casa da sogra.

    COSMOMuita visita?

    ANDREAMexem em tudo, arregalam o olho e no pescam nada.

    COSMOEu entendo. esse o . . . ? (Aponta o telescpio.)

    ANDREA, esse. Mas no para botar o dedo.

    COSMOE isso, o que ? (Aponta para o modelo do sistema de Ptolomeu.)

    ANDREAEsse o ptolomaico.

    COSMOEle mostra o movimento do Sol nao ?

    47

  • ANDREAE o que dizem.

    COSMO (senta-se numa cadeira e pe o modelo sobre as pernas)Hoje eu sa mais cedo porque o meu professor esta resfriado. gostoso esse lugar.

    ANDREA (andando para baixo e para cima, inquieto e incerto, examina o outro menino com olhar desconfiado; finalmente, incapaz de resistir a tentao, pesca um modelo copernicano que est detras dos mapas)

    Mas na verdade assim.

    COSMOO que assim?

    ANDREA (apontando o modelo nas mos de Cosmo) Dizem que assim, mas (apontando para o seu) assim que . A Terra gira em torno do Sol, o senhor compreende?

    COSMOVoc acha mesmo?

    ANDREAEst provado.

    COSMONo diga. Eu quero saber por que no me deixam mais ver o velho. Ontem ele ainda apareceu para o jantar.

    ANDREAO senhor parece que no acredita, hein?

    COSMOComo no? Acredito sim.

    ANDREA (indicando subitamente o modelo sobre os joe lhos de cosmo)D c, nem esse voc entende!

    COSMOMas voc no precisa dos dois.

    ANDREAD c, isso no brincadeira pra criana.

    48

  • COSMOEu devolvo, mas voc devia ser um pouco mais educado, sabe?

    ANDREAEducado, educado, voc um bobo, e d c senao vai ter.

    COSMOTire a mo, viu!

    (comeam a brigar e logo rolam no cho.)

    ANDREAVoce vai ver como se trata um modelo. Pede gua!

    COSMOPartiu ao meio. Voc est me torcendo a mo.

    ANDREAVoc vai ver quem tem razo e quem no tem. Diz que ela gira, seno eu bato!

    COSMONo digo. A, seu cabea chata! Voc vai aprender a ser bem-educado.

    ANDREACabea chata? Quem cabea chata?

    (Lutam silenciosamente. Embaixo, entram Galileu e alguns professores da universidade; atrs deles, Federzoni.)

    O MESTRE-SALAMeus senhores, um leve mal-estar impediu o preceptor de Sua Alteza, Senhor Suri, de acompanhar Sua Alteza at aqui.

    O TELOGOEu espero que no seja grave.

    O MESTRE-SALA No grave.

    GALILEU (desapontado)Sua Alteza no est aqui?

    O MESTRE SALASua Alteza subiu. No se prendam, senhores. A corte est ansiosssima,

    49

  • esperando a opinio da ilustre universidade a respeito do extraordinrio instrumento do Senhor Galileu e das suas maravilhosas estrelas novas.

    (Sobem. Os meninos, cados no cho,ficam quietos. Ouviram o barulho.)

    COSMOChegaram. Deixe-me levantar.

    (Levantam depressa.)

    OS SENHORES (enquanto sobem)No, no, est tudo perfeitamente bem. A epidemia na cidade velha no de peste, a Faculdade de Medicina excluiu esta hiptese. Com o frio que est fazendo, os miasmas nao resistiriam. O pior desses casos sempre o pnico. No h nada alm de resfriados, que so comuns nessa estao do ano. No h dvida possvel. Tudo perfeitamente bem.

    (Saudaes no primeiro andar.)

    GALILEUAlteza, tenho a felicidade de expor, em vossa presena e aos senhores de vossa universidade, as inovaes mais recentes.

    (Cosmo faz curvaturas muito formais para todos os lados, tambm para Andrea.)

    O TELOGO (vendo no cho o modelo ptolomaico partido)Parece que aqui h alguma coisa quebrada.

    (Cosmo abaixa-se rapidamente e apanha o modelo, que entrega a Andrea com gesto corts. Enquanto isso, disfarando, Galileu d sumio ao outro modelo.)

    GALILEU (junto ao telescpio)Como Vossa Alteza certamente sabe, j faz algum tempo que ns, astrnomos, encontramos grandes dificuldades em nossos clculos. Ns nos baseamos num sistema muito antigo, que est de acordo com a filosofia, mas infelizmente no parece estar de acordo com os fatos. Segundo esse velho sistema, o ptolomaico, supe-se que o movimento das estrelas seja muito complicado. O planeta Vnus, por exemplo, descreve um movimento, do tipo seguinte. (Galileu desenha num quadro o trajeto epicclico de Vnus, de acordo com a suposio ptolomaica.) Mas, mesmo admitindo esses movimentos complicados, no somos capazes de calcular com preciso a posio futura das estrelas. No as

    50

  • encontramos no lugar em que deveriam estar. E, alm disso, h movimentos no cu para os quais o sistema ptolomaico no tem explicao alguma. Me parece que algumas estrelas pequenas, descobertas por mim, descrevem esse tipo de movimento a volta do planeta Jpiter. Se os senhores estiverem de acordo, poderamos comear examinando os satlites de Jpiter, as estrelas Medicias.

    ANDREA (indicando a banqueta diante do telescpio) favor sentar aqui.

    O FILSOFOMuito obrigado, meu filho. Mas eu receio que isso tudo no seja to simples. Senhor Galileu. antes de aplicarmos o seu famoso telescpio, gostaramos de Ter o prazer de uma disputa. Assunto: possvel que tais planetas existam?

    O MATEMTICOUma disputa formal.

    GALI LEUEu achava mais simples os senhores olharem pelo telescpio para terem certeza.

    ANDREAAqui, por favor.

    O MATEMTICOClaro, claro. O senhor naturalmente sabe que segundo a concepo dos antigos no possvel uma estrela que gire em volta de um centro que no seja a Terra, assim como no possvel uma estrela sem suporte no cu?

    GALILEUSei.

    O FILSOFOE mesmo sem considerar a possibilidade de tais estrelas, que ao nosso matemtico (faz urna mesura em sua direo) parece duvidosa, eu gostaria de perguntar com toda a modstia e como filsofo: seriam necessrias tais estrelas? Divini Aristotelis universum. . .

    GALILEUSe for possvel, eu preferia que continussemos na lngua comum. O meu colega, o Senhor Federzoni, no entende o latim.

    O FILSOFO importante que ele nos entenda?

    51

  • GALILEU.

    O FILSOFOO senhor me perdoe, pensei que ele fosse o seu operrio-oculista.

    ANDREAO Senhor Federzoni operrio-oculista e um estudioso.

    O FILSOFOObrigado, meu filho. Se o Senhor Federzoni insiste.

    GALILEUSou eu quem insiste.

    O FILSOFOO argumento perder em brilho, mas a casa sua. O universo do divino Aristteles, com as suas esferas misticamente musicais e as suas abbadas de cristal e os movimentos circulares de seus corpos e o ngulo oblquo do trajeto solar e os mistrios da tabela dos satlites e a riqueza estelar do catlogo da calota austral e a arquitetura iluminada do globo celeste, forma uma construo de tal ordem e beleza, que deveramos hesitar muito antes de perturbar esta harmonia.

    GALILEUVossa Alteza no quer ver as impossveis e desnecessrias estrelas atravs deste telescpio?

    O MATEMTICONo seria o caso de dizer que duvidoso um telescpio no qual se v o que no pode existir?

    GALILEUO que o senhor quer dizer?

    O MATEMTICOSeria to mais proveitoso, Senhor Galileu, se o senhor nos desse as suas razes, as razes que o movem quando supe que na esfera mais alta do cu imutvel as estrelas possam mover-se e flutuar livremente.

    O FILSOFORazes, Senhor Galileu, razes!

    52

  • GALILEUAs razes? Mas se os olhos e as minhas anotaes mostram o fenmeno? Meu senhor, a disputa est perdendo o sentido.

    O MATEMTICOSe houvesse a certeza de que o senhor nao se irritaria mais ainda, seria possivel dizer que o que est no seu tubo e o que est no cu so coisas diferentes.

    O FILSOFO impossvel exprimir esse pensamento de maneira mais corts.

    FEDERZONIO senhor acha que as estrelas Medicias esto pintadas nas lentes?

    GALILEUO senhor est me acusando de fraude?

    O FILSOFOMas de maneira alguma! Em presena de Sua Alteza?

    O MATEMTICOO seu instrumento, no sei se o chamo de seu filho, ou de filho adotivo, extremamente engenhoso, quanto a isso nao h dvidas!

    O FILSOFOE estamos inteiramente convencidos, Senhor Galileu, de que nem o senhor nem ningum ousaria dar o nome egrgio da casa reinante a uma estrela cuja existncia nao estivesse acima de qualquer dvida.

    (Todos se inclinam profundamente diante do gro-duque.)

    COSMO (pergunta s damas de companhia)Aconteceu alguma coisa com as minhas estrelas?

    A MAIS VELHA DAS DAMAS (ao gro-duque,)No aconteceu nada s estrelas de Vossa Alteza. O que estes senhores querem saber se elas existem, se elas existem de fato.

    (Pausa.)

    A MAIS JOVEMDizem que esse instrumento mostra at os dentes da Ursa Maior.

    FEDERZONIMostra tambm as partes do Touro.

    53

  • GALILEUMeus senhores, vamos ou no vamos olhar?

    O FILSOFO Claro, claro.

    O MATEMTICO Claro.

    (Pausa. De repente, A ndrea faz meia-volta e a passo rgido atravessa o quarto inteiro para sair. D de encontro com a me, que o segura.)

    DONA SARTIO que foi?

    ANDREAEles sao burros. (Livra o brao e sai correndo.)

    O FILSOFOPobre criana.

    O MESTRE-SALAAlteza, meus senhores, peo recordar que em menos de uma hora ter incio o baile da corte.

    O MATEMTICOEnfim, que adianta danar sobre ovos Mais cedo ou mais tarde, o Senhor Galileu se hibituar aos fatos. A esfera de cristal seria furada pelos planetas de Jpiter. simplssimo.

    FEDERZONIO senhor no vai acreditar, mas no existem as esferas de cristal.

    O FILSOFOExistem, qualquer manual ensina isto, meu rapaz.

    FEDERZONINesse caso, preciso escrever manuais novos.

    O FILSOFOAlteza, o meu ilustre colega e eu nos apoi