Benítez J J - Operação Glória da Oliveira

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  • 7/15/2019 Bentez J J - Operao Glria da Oliveira

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    OPERAO

    GLRIADA

    OLIVEIRAa diablica trama urdida por uma

    organizao secreta para materializar arenncia do Papa

    J. J. BENITEZ

    Traduo de Cludia Schilling

    MERCURYO

    A Ivn e Satcha Bentez Fornis, como recordao da uma viagem "casual" de Londres a Brighton.Por motivos bvios, a maior parte dos nomes que aparecem neste relato, bem como a trama demedidas de segurana e de vrios medicamentos, foram alterados de forma intencional.

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    NDICE

    Cidade do Vaticano"Gloria Olivae"EstocolmoRomaCoimbraRomaBdghtonHumennGenebraParisRomaNairbi

    Agradecimentos

    Mapa da cidade do Vaticano

    Mapa da Basl1ica de So Pedro

    CIDADE DO VATICANO

    04 horas 30 minutos

    Aquele era outro dos seus costumes. Um hbito que nem ela mea podia explicar satisfatoriamenteSentia-se segura sob o dintel das portas. E era assim que gostava de exercer sua autoridade. E com

    cada madrugada, desde que fora convocada para cuidar da alimentao do Papa, sor Joana dos Anjodeteve-se no umbral. Piscou inquieta e logo depois, aps um minucioso olhar de inspeo pela amplae imaculada cozinha, seus olhos cinzentos e puxados dulcificaram-se, recuperando a tonificantluminosidade que suas irms de congregao tanto agradeciam. Tudo parecia estar em ordem. primeira vista, tudo se achava sob controle, pelo menos naqueles arrastados aposentos da ala leste doPalcio Apostlico. Mas a nova jornada acabara de se iniciar. Dentro de uma hora - s 5h30 - ovelho, fiel e nacarado despertador de Cracvia alertaria o Santo Padre. O fugaz tilintar - que nuncultrapassara a fronteira dos dez segundos - precederia a quase simultnea iluminao da maior partdas janelas daquele terceiro andar: Aquele era o incio oficial do novo dia. Meia hora mais tarde por volta das seis -, o Papa celebraria a sua primeira "audincia". Sessenta minutos de recolhimentoSor Joana conhecia a importncia desta "hora com Deus" e da sua modesta porm vital contribuiopara que tudo na capela privada estivesse em harmonia e de acordo com os severos gostos do seuadmirado Pontfice. s 7 horas comearia a missa. Quanto aos convidados ao caf da manh, essaera decididamente uma batalha perdida. Apesar da sua tenaz e lgica insistncia, Siwiz, oprimeirosecretrio particular, continuava dando de ombros cada vez que era interrogado pelreligiosa. Na verdade, tanto sor Joana quanto o fiel polons, homem de confiana do Papa, sabiammuito bem que essa questo era uma das poucas que escapavam do rigor domstico que impregnavaa "casa" do Pontfice. Tudo dependia do humor, da curiosidade ou dos ntimos e inescrutveipensamentos do Santo Padre. Aps o encerramento da missa - por volta das 7 horas e 45 minutos -, o

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    prprio Papa, depois de cumprimentar e conversar brevemente com os cerca de trinta homens mulheres que o tinham acompanhado no Santo Sacrifcio, procedia a selecionar os convidados quedeveriam compartilhar a refeio. Mas esses momentos ainda no tinham chegado...E sor Joana, do umbral, foi concentrar sua ateno naquilo que realmente importava.Com a destreza de um malabarista, sem dvida, os rolios e rosados braos de sor Gabrielacontinuavam danando incansveis sobre as bandejas de madeira enfileiradas na mesa de pinhoavermelhada. E mentalmente, assinalando os pratos com rpidos e nervosos toques dos dedos, fo

    passando em revista os elementos que formavam o caf da manh do Santo Padre e dos seuimprevisveis acompanhantes: suco de uva preta, pezinhos que tinham acabado de sair do fornoleite, queijo, gelia e caf em abundncia. E como extra, uma pequena surpresa: jalkka w desfie zsokiem, uma torta de ma com caldo de frutas. Um importante "detalhe" , sugerido e confeccionadopela diligente e imaginativa "Gabi", a irm cozinheira. E fiel ao ritual de toda madrugada, soGabriela levantou sua cara de lua, buscando o assentimento da madre superiora. Da porta, sor Joanassentiu com uma grave e breve inclinao de cabea.Logo depois, com um gesto mecnico, a cozinheira virou-se, esfregando as mos na parte de baixodo interminvel avental azul. De uma das prateleiras extraiu meia dzia de guardanapos brancos dlinho. E como a refeio deveria permanecer na cozinha at as oito em ponto, as bandejas foramdelicadamente cobertas.

    A vivaz e incorrigvel irm F tambm fazia parte de tais prolegmenos. A proximidade de seuqinquagsimo aniversrio, em vez de moderar seu gnio, parecia arrast-la para uma segunda aloucada infncia. Era rara a jornada em que sor Joana no era obrigada a adverti-la. Mas esta e asdemais religiosas da reduzida comunidade desculpavam as suas inocentes extravagncias. Algumaat mesmo as agradeciam. No fundo era uma forma sadia e discreta de quebrar a rigidez e a tensoque flutuavam nos dezenove aposentos dos apartamentos papais.E sor F, a mais jovem das freiras polonesas, resgatou um ramo de flores de uma das piasgalvanizadas. Semicerrou os olhos e, aproximando-o do rosto plido e fino, foi perder-se nafragrncia daquele punhado de rosas brancas e vermelhas, ainda rgidas e prometedoras. Einevitavelmente, como em todas as madrugadas, os culos grossos escorregaram pelo nariz aduncoprendendo um par de cristalinas gotas d'gua. Aps um profundo suspiro, ela rodeou a mesa d

    pinho, dirigindo-se ao encontro do quase imperceptvel e familiar sorriso da superiora.Mas antes de dar passagem responsvel pelas flores, o olhar vigilante de sor Joana tornou examinar as quatro palavras escritas com giz na lousa pendurada entre dois armrios altos e antigoFicou satisfeita. Aquele cardpio, discutido e selecionado com sor Gabriela na noite anteriodeliciaria o Santo Padre. Como primeiro prato, kapusniak(uma sopa de couve fermentada). Depoioutra especialidade polonesa: zraz (um suculento fIl com molho de creme de leite) e grzyb(cogumelos fervidos ou talvez marinheira). A quarta e ltima palavra referia-se sobremesamazurek (torta de frutas). O problema, como quase sempre, residia no nmero de pores. E dmesma forma que os cafs da manh, essa situao to incmoda tambm tinha de esperar. Tentaconhecer de antemo a quantidade de talheres previstos para o almoo de Sua Santidade era umtrabalho ao qual sor Joana renunciara poucas semanas depois da sua chegada a Roma. A experincia

    porm, fora lhe ensinando que, devido s reduzidas dimenses da sala de jantar, os comensadificilmente eram mais de oito. Mesmo assim, sor Joana - e especialmente a irm cozinheira - ntinham conseguido acostumar-se aos angustiosos equilbrios gastronmicos de ltima hora.Sor F atravessou o umbral. Mas no terceiro passo ela parou, surpresa. Os hbitos pretos da superiorcontinuavam recortando-se na metade da porta. E o nico smbolo externo da sua autoridade molho de chaves cada vez mais volumoso pendurado em sua cintura - foi golpeado pela implacveluz fluorescente. A portadora do ramo de rosas vacilou. A atitude de sor Juana, plantada diante dcozinha e atrasando a inspeo obrigatria pelos aposentos ainda escuros e adormecidos, no tinh

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    precedentes. Alguma coisa fora do comum a retinha. E sor F, sem poder evitar, lembrou-se da ltimreprimenda. A reverenda madre repetira-lhe inmeras vezes uma ordem procedente do onipotentSiwiz: "Nada de marcas comerciais nos eletrodomsticos" . Elas tinham de ser retiradas. Mas sor Fpresa na esgotante dinmica de limpar, lavar e passar, tinha se esquecido. Por outro lado, para qutanta pressa? Desde que sara do convento do Sagrado Corao na sua amada Cracvia - e isto jfazia mais de trs anos -, nenhum jornalista fora autorizado a penetrar nos domnios da comunidadeDe qualquer forma, sor F reconheceu que a superiora tinha razo. E estava com o firme propsito d

    satisfaz-la ao longo dessa mesma manh.Se tivesse podido contemplar o rosto da superiora, sor F teria compreendido que o motivo ddemora to incomum no estava nos rtulos do lava-louas, do abridor de latas nem do fomo, masim na espigada silhueta de sor Eliza. No momento de abandonar a cozinha, o fino instinto dsuperiora a fizera reparar num silncio pouco comum. Atarefada no manejo do moedor eltrico, sempre cantadeira freira permanecia muda e abatida. No levantara os olhos nos ltimos minutoMas o mais desconcertante que, pela primeira vez em meses, a velha e querida balada polonesa -montanhs -, cantada sempre em coro pelas irms, parecia desterrada dos lbios da ajudante dcozinheira. A superiora sentiu-se tentada a fazer algo excepcional: ultrapassar o limiar da porta reunir-se com a religiosa. O corao de sor Eliza estava sem dvida ocupado por alguma preocupaque, naquele momento, no conseguia -recordar. Como responsvel por um grupo to especial d

    freiras, sor Joana conhecia at os seus problemas mais ntimos. Ela as selecionara e redigira ometiculosos relatrios exigidos pela Secretaria de Estado. Tambm sabia que cada um doexpedientes - secretamente verificados por um enviado especial da Cria ao convento de Cracviatinha ido parar nas mos do prprio Santo Padre, o qual, assessorado pelo seu primeiro-secretriparticular, tinha aceitado a escolha. Cada irm - de acordo com as estritas normas vaticanas - forescolhida em funo de cinco exigncias bsicas: "idade cannica" (isto , isenta da menor atrafsica), "provada espiritualidade", "sade de ferro", "competncia profissional" e, muiespecialmente, "extrema discrio". Deste gama de requisitos, o nico que obcecava a madrsuperiora era o da sade. Apesar da sua excelente memria no conseguia recordar um nico dia emque tivessem dormido mais de cinco horas. Mas deviam-se ao seu admirado Pontfice e ao juramentde fidelidade pronunciado em presena do glido e exigente Siwiz.

    Muito bem, no se esqueceria disso. E se ocuparia de sor Eliza no momento oportuno. Agora quemmandava era o seu segundo "amo": o relgio. E dando meia-volta, a superiora foi reunir-se com inquieta irm F. Enquanto permanecesse como "governanta" daquele terceiro andar, os sentimentopessoais deviam ocupar um remoto lugar na escala de prioridades. Ela no era sor Vincenza nemaquele seu belo papa polons um Albino Luciani, que admitisse a menor debilidade nos seuajudantes e subordinados...

    04 horas 40 minutos

    Aquela visita de inspeo sala de jantar privada figurava na invarivel "ordem do dia". E emsilncio, com passo decidido, as religiosas atravessaram os vinte metros que separavam a cozinha d

    refeitrio.Sor F, calculista, optou por no colocar lenha na fogueira. Se a superiora j estava preparando umnova e iminente reprimenda, o mais sensato era esperar e resignar-se.Sor loana apalpou o molho de chaves. A escassa iluminao do corredor, que se limitava s luzeambarinas situadas nos rodaps, no diminuiu a eficcia dos seus movimentos rotineiros. A chave deuma volta e a negra e pesada porta de carvalho foi empurrada com suavidade. A mo da superiortateou esquerda, roando com as pontas dos dedos o fino dourado que empapelava o aposentoAps ter ligado a luz e segundo seu costume, permaneceu sob o dintel, observando com um s olha

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    a totalidade da sala. Vigiou os passos da sua companheira e a delicada colocao da cestinha de rosano centro da grande mesa. A seguir, comeou a explorar com desconfiana a localizao da dzia dquadros, das nove cadeiras, do armrio, do equipamento de som, das cinco pequenas esttuas dmadeira, do tapete afego ti suas hipotticas rugas. Por ltimo, com zelo singular, comeou. repassar visualmente cada centmetro quadrado da poltrona do Papa. impossvel negar que aquela era uma das muitas e admirveis qualidades da madre superiora. Nema sor F nem as outras irms tinham conseguido descobrir como ela conseguia detectar a mais venia

    das anomalias... sempre sem sair das benditas portas.O estalo dos dedos de sor Joana indicava a localizao de uma falha. Sor F, como um autmatoseguiu a direo marcada pelos olhos da superiora. Rodeou a alva toalha de linho e, como um radaos culos apontaram para o veludo bordels do assento papal. L estava o "pecado". Ao inclinar-spara depositar as flores, uma das ptalas soltara-se, caindo sobre a augusta cadeira.Vermelha como uma papoula, F guardou a ptala branca e, mecanicamente, evitando o cinza-ao dolhar de sor Joana, apalpou alguns dos botes. Satisfeita, esboou um sorriso de desculpas. Mas ordem seguinte j estava presente no rosto impenetrvel da superiora. E levantando a poderosmandbula, ela apontou a janela.Segundos depois, pelos vidros entreabertos, penetrou a fresca brisa noturna de uma Roma emrepouso. E sor F, na ponta dos ps com os chinelos pretos de feltro, deixou-se acariciar pelo

    silncio. Como todas as madrugadas, a Cidade Leonina e a Porta Anglica estavam desertasEsticando o pescoo, a irm tentou descobrir a pequena caminhonete azul que a polcia estacionavregularmente diante da Porta de Santa Ana. Mas o peso dos inquisidores olhos de sor Joana sobre sua nuca obrigou-a desistir.

    04 horas 45 minutos

    Sor F sabia. E tambm suas irms em Cristo. Se a madre superiora mostrava-se escrupulosa emtudo o que dizia respeito ordem, limpeza e disciplina dentro dos aposentos papais, a capela privadarepresentava um permanente e doentio desafio pessoal para ela. Nenhuma das religiosasnaturalmente, duvidava da santa natureza do lugar. Todos estavam a par das freqentes e s vezes

    dilatadas visitas do Santo Padre ao pequeno templo, sabiamente reformado pelo seu antecessor PauloVI. Em vrias oportunidades tinham sido surpreendidas durante a manh quando se dedicavam limpeza de chos e paredes; ou ao entardecer, durante as oraes comunitrias - pela sbita irrupodo Pontfice, que, sem pronunciar nenhuma palavra, punha-se de joelhos no solitrio reclinatriocentral. E algumas pessoas afIrmam t-lo visto, a altas horas da noite, de bruos sobre o verde tapetepersa, orando ao estilo oriental. E compreendiam e aceitavam mudar diariamente os guardanaposagrados e a oferenda floral que alegrava a extremidade direita do tabernculo. Mas aquela obsessopor lustrar toda madrugada o pequeno esmalte com o rosto da Virgem de Czestocowa, situado a doimetros do solo e direita do grande Cristo de madeira que pendia sobre o altar, no era normal. Masque podiam fazer? Nas sufocantes sesses de passar roupa elas tinham discutido isso a meia vozQuase clandestinamente. Todas tinham concordado num ponto: algum deveria falar com

    superiora. Aquela absurda mania de lustrar diariamente o cone da Virgem negra roubava-lhes, pelomenos, meia hora de sono. Mas como comunicar-lhe to justo descontentamento?Era matemtico. Na mesma hora e no mesmo lugar, ao dobrar a esquina e avanar pelo corredor queleva aos aposentos do setor sul, sor F era assaltada por estes, talvez pouco caridosos, pensamentosTambm era verdade que to incmodas reflexes no floresciam durante mais do que vinte ou trintasegundos. Isto , durante o tempo consumido no breve trajeto entre a sala de jantar e a capela.Sor Joana, obsessiva, consultou novamente a fosforescncia do seu relgio de pulso. Estavam nolimite. Se agissem com diligncia e contando, obviamente, com a benevolncia divina, aps

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    realizarem as derradeiras incurses aos sales e ao gabinete privado, talvez pudessem descansar unsminutos. O suficiente para dobrar os aventais, arrumar as toucas, escovar os hbitos e colocar umagota de essncia de alfazema atrs das orelhas. Embora o servio do caf da manh obrigasse areverenda madre a retirar-se um pouco antes da bno final, por nada no mundo ela renunciaria glria secreta e diria de rezar, cantar e comungar junto com o Santo Padre. A missa das sete, pelomenos para ela, era muito mais que um sagrado ato de comunicao com Deus. L, entre os cerca detrinta convidados que dificilmente se repetiam, a cinco metros da poltrona e do reclinatrio papais,

    sor Joana transfigurava-se. Aqueles quarenta copiosos minutos, nos quais seus olhos e coraoenchiam-se com a figura galharda e segura de Sua Santidade, compensavam com abundncia amediocridade da sua permanente servido. E do seu discreto porm excelente "local de guarda" -sempre no umbral -, ela jogava a rede do seu olhar insubornvel, observando e processando at omenor detalhe. Nada escapava da sua singular e temida habilidade. A batina de seda branca doPontfice, cuidadosamente passada a ferro, a brancura prateada do solidu, a exatido milimtrica notamanho das velas ou o azul cristalino dos vitrais, entre a constelao de formas, luzes, silncios egestos que s ela percebia, eram verificados sem interrupo, enquanto a sua voz audaz juntava-senos cnticos com a do celebrante. Mas tudo isso fazia parte da ltima e inexpugnvel cidadela dasua alma.Sor F, fiel aos regulamentos, aguardou que a superiora girasse a fechadura que abria a porta dupla

    E como em toda madrugada, escutou atentamente, esperando reconhecer os longinquosintermitentes e inconfundveis roncos do padre Siwiz. Aquele quarto estratgico - no fundo docorredor - constitua um irritante enigma para a sua indomvel curiosidade. Especialmente desdaquela manh em que, junto com sor Eliza, enquanto asseavam e ventilavam o modesto aposentodescobriu entre os lenis umas chamativas gotas de sangue. Serque o primeiro-secretrio dormicilcio? A verdade era que daquele homem de quarenta e sete anos, permanentemente despenteadosempre esquivo e cujas mos faziam lembrar uma pederneira, era possvel esperar qualquer coisaSinceramente, ela no gostava dele. E no era a nica a sentir aquela rejeio quase natural. Seusquase trinta anos de servio, confidncias e lealdade quele que hoje era dono do selo do Pescadortinham-no convertido num desagradvel e s vezes odiado "filtro" que no respeitava cargossentimentos nem prioridades. Sua voz aflautada no admitia objees nem segundas consideraes

    Sua duvidosa humanidade seguia sempre em frente, entalhada em gelo, com olhos grotescamenteredondos e desproporcionais, que muito poucos tinham visto pestanejar. Ningum sabia se poiniciativa prpria ou por "encomenda", sua batina gasta, seus sapatos rangentes e a caixa de ossoque Deus lhe dera como suporte fsico eram freqentemente surpreendidos nos cantos maiimprovveis e nas horas mais intempestivas. Em plena noite era visto perambulando e escondendose entre a colunata de Bernini, talvez espionando as patrulhas de vigilncia. A mesma coisa ocorrianos nobres escritrios da Secretaria de Estado e no andar superior, nos domnios de sor Joana. Porvolta das quatro horas, ao se levantarem, mais de uma vez as religiosas tinham reparado numsombra fugidia e sinistra que escapava da cozinha ou deslizava pelos corredores, desaparecendohbil e velozmente por qualquer uma das trinta e oito portas dos apartamentos papais, antes depoderem alcan-la. Em diversas oportunidades a dupla de seguranas que monta guarda no segundo

    andar, cobrindo as escadas e o elevador privativo do Papa, sofrera os improprios e ameaas deSiwiz, ao ser descoberta pelo sibilino polons num dos espordicos cochilos que, at certo pontoeram normais nas aprazveis e tediosas noites do Palcio Apostlico. Os vinte e cinco italianos quvelam pela integridade fsica do Pontfice e que se revezam durante vinte e quatro horas parcustodiar o segundo andar, os acessos ao terceiro e a totalidade dos movimentos do Santo Padre exceto os mencionados aposentos privados, nos quais no podem penetrar salvo em casos muitograves e especficos - , no conseguiam compreender a ferina desconfiana da "caixa de ossos" . Apedido do prprio Papa, o general Chiesa, chefe da luta antiterrorista na Itlia, os recrutara entre o

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    melhores, formando assim um corpo de elite: o "SSSS" ou "Servio Secreto de Sua Santidade". Elesfalavam vrias lnguas e muitos eram formados pelas mais prestigiosas universidades europias enorte-americanas. Como atiradores seletos, podiam atingir um alvo com olhos vendados e guiandosapenas pelo rangido dos sapatos. Apesar dos seus modos impecveis e da esmerada aparncia doseus temos azuis, poderiam imobilizar um suspeito em cinco segundos ou detectar uma arma sob aroupa pelo simples estudo das pregas.Definitivamente, sor F no compreendia porque muitas das decises do Vigrio de Cristo na Terra

    eram controladas por um indivduo que evitava o dilogo, que nunca olhava nos olhos do seuinterlocutor e, alm de tudo isso, cujas mos suavam. Mas o Santo Padre chamava-o de "filho".E sor Joana, continuando com o ritual cotidiano, empurrou a porta dupla com as pontas dos seus dezdedos. E diante da resignada quietude de sor F, deixou que os solenes relevos em bronze deManfrini se abrissem escancaradamente.

    04 horas 47 minutos

    Foi um pressentimento? Sor F nunca soube. A verdade que, presa estrita obedincia devida, comos culos - como sempre na ponta do nariz e aguardando de esguelha o beneplcito para penetrar ncapela e proceder a sua ensima maquiagem, surpreendeu-se a si mesma, incomodada por um

    "palpite" que comeava a circular pelas artrias, advertindo-a.De repente acreditou intuir a razo de tal desassossego to inusitado. Saltava vista. Aqueleinesperado amarelo sobre o altar era algo inconcebvel na ordem espartana de to santa casa. Econfusa, procurou na sua memria.Mas a modesta luz no se encaixava com suas lembranas. H apenas cinco horas, ela mesma tinhsufocado os seis crios que escoltam o sacrrio. Aps a meia-noite, concluda a ltima e rotineirainspeo, a madre superiora - fazendo jus sua merecida condio de "governanta" - tinha dado duasvoltas na chave, fechando a capela.Mas ento...Sor F no teve tempo de formular a inevitvel pergunta. Foi sor Joana - imperativa e sem desviar olhar do crio consumido - quem exigiu uma rpida explicao. A religiosa, perplexa, pigarreou

    procurando um impossvel auxlio no reiterado ajuste dos culos danarinos.E para que teria servido o pedido de desculpas? Tudo conspirava contra ela. A no ser que...Rejeitou a idia. Aquele no era o estilo de Siwiz. Ademais, se a capela permanecera fechada, poonde...?No seu crebro borrascoso amanheceu uma segunda e no menos fraca teoria, desterrada comidntica velocidade. "Aquilo" era ridculo. S uma imaginao to frtil e mundana como a suapoderia conceber tamanho despropsito.Para que o primeiro e detestado secretrio tivesse acesso ao interior - acendendo assim a velasolitria - teria sido preciso violar o descanso do Pontfice. E por duas vezes. S existia umacomunicao discreta e camuflada com o flanco direito da abside. Mas, como narural, ela s erautilizada pelo Santo Padre.

    Tal desaforo - todos sabiam disso - no estava ao alcance nem sequer do poderoso Siwiz.

    04 horas 49 minutos

    Antes que pudesse pensar numa resposta, sor Joana ultrapassou o umbral, dissolvendo-se nas trevaque ameaavam engolir a tmida e fraca chama. Sor F, sentindo-se mal, foi incapaz de segui-la. Oinusitado gesto - quebrando o sacrossanto costume de permanecer sob o dintel - era suficientementeeloqente. Algum, em breve - certamente ela -, pagaria caro por este erro.

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    Mais do que ver, adivinhou a madre superiora caminhando sobre o mrmore verde e branco, rumoao altar. Acreditou distinguir sua figura esguia desviando-se pela esquerda da macia e recurvadpoltrona de bronze que complementa o reclinatrio papal. Finalmente, graas tnue luz da velmisteriosa, a negra silhueta da superiora tornouse medianamente perceptvel.Sor Joana subiu o degrau de vinte centmetros que praticamente divide a capela e, com a mesmadeciso com que sara do seu lugar na porta, foi diretamente ao encontro do crio. E, duranteescassos segundos, a freira magricela e sua altiva touca recortaram-se hierticas contra o halo branco

    amarelado. A proximidade de sor Joana foi acusada pela lngua de fogo que se contorceu. E o"palpite" de sor F aumentou inexplicavelmente.De repente a superiora girou a cabea, com a ateno atrada por algo existente a sua direita. O breveperfil de sor Joana ficou provisoriamente desenhado sobre a luz. E assim permaneceu por um oudois segundos. E sor F - acertadamente - imaginou que os seus privilegiados olhos cinzentos tinhamacabado de detectar uma segunda e desgraada anomalia.A partir desse instante, tudo se encadeou numa confusa desordem.Sor Joana rompeu a imobilidade e avanou um par de passos. Mas ao ultrapassar o centro dtabernculo, deteve-se. Inclinou o tronco, como se tentasse certificar-se de algo e, logo depois, ante perplexidade da vigilante irm F, pulou para trs, batendo os rins na ara. Parecia que algum a tinhempurrado violentamente. Naturalmente, essa seqncia to enigmtica - imprpria da imperturbve

    religiosa conseguiu desarmar os j debilitados nimos de sor F. E o medo de piorar as coisaconservou-a no seu lugar.Um gemido? Sim, poderia ser. Sor Joana abriu os braos, buscando apoio na borda do altar. E semdeixar de emitir aquele entrecortado e cavernoso som, foi deslizando insegura para a extremidade naqual piscava a nervosa vela. Mas antes de chegar altura dela, afastou-se do mrmore e, cobrindo orosto com as mos, cambaleou. Imediatamente sor F tornou a perd-la na escurido. Juraria que soJoana tinha desmaiado. Um suor frio comeou a escorrer por baixo da touca. Este foi o sinal. Eobedecendo ao instinto, precipitou-se em ajuda da superiora.Mas, quando apenas percorrera trs dos cinco metros que a separavam da poltrona curva, um alaridopregou-a ao cho. E o "palpite" tornou-se fogo, abrasando suas entranhas.Aterrorizada, lutou contra as trevas. Nunca escutara um grito to dilacerante. Que estav

    acontecendo? Que ocorrera com sor Joana? Empurrou os incorrigveis culos para trs e, contendo arespirao, tentou avanar, sem saber muito bem para onde olhar. Mas o tremor nas suas pernas aobrigou a renunciar.

    04 horas 51 minutos

    Um segundo. Silncio. Trs segundos. Silncio.A capela recuperou uma aparente normalidade. Mas aquele silncio... Sor F, molhada de suorinspecionou os difusos perfis. Seu corao, bombeando angstia e desconcerto, mudara de lugarAgora batia na sua garganta.Explorou as amplas horizontalidades do altar, detendo-se na verticalidade amarela da chama. E ness

    fugaz e tensa espera tornou a perceber os gemidos sufocados. Partiam do tabernculo ou de algumlugar muito prximo. Mas a escurido e o encosto da poltrona curva tinham amuralhado a zona. Slhe restava uma opo: desparafusar o medo dos seus ps e caminhar, rodeando o reclinatrio. Erapreciso eliminar as dvidas e, sobretudo, auxiliar a desaparecida sor Joana.E finalmente os chinelos comearam a deslizar sobre o piso. Mas um novo e sonoro lamentoarruinou os ltimos gramas de coragem. E, paralisada, pensou distinguir uma sombra, que emergirapor trs do reclinatrio. Lutou para articular o nome da superiora. Intil. Os lbios e a lngua - comose fossem de pano - no responderam. E um calafrio arrepiou os seus cabelos.

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    Tentou recuar. Pedir ajuda. Gritar. Impossvel. O terror a desmembrara.E antes de desmaiar, aquela sombra levantou-se e, entre gemidos roucos, jogou-se em sua direo.Estendeu as mos num gesto de proteo instintivo, mas o choque foi inevitvel. E a religiosamaterialmente amassada por uma mescla de hbitos e sons guturais animalescos, caiu de costasperdendo na queda a touca e os instveis culos. E ventre, peito e rosto afundaram sob uns pdescalos que, sem misericrdia, frenticos e poderosos, afastaram-se correndo.E o silncio - espesso como a sua mente - caiu de novo sobre a capela.

    04 horas 52 minutos

    O frio contato com o mrmore foi a sua primeira sensao coerente. Incapaz de alinhavar um spensamento, tentou incorporar-se. Teve de desistir. Sor F no contara com aquela insuportvel donas costelas. E com o zumbido do medo no seu crebro, optou por se arrastar. Agarrou-se ceraantideslizante com a qual lustrava regularmente o piso, impulsando o corpo em direo porta. E dcostas, com a embaada Viso do Cristo ressuscitado que presidia os vitrais do teto, comeou aganhar terreno. Nuca, cotovelos, mos, ndegas, ps e corao tomaram-se uma coisa sempurrados por uma idia obsessiva: fugir. E em cada palmo, seus lbios imploravam o socorro dSenhora de Czestocowa. Mas de que estava escapando? Do silncio? Das trevas? Daquele berro ou

    talvez do "ciclone" que a ferira e humilhara? E sor Joana?

    04 horas 54 minutos

    Foi um golpe seco. Mas a suave dor de cabea a confundiu. Se tivesse batido contra uma das quinada porta dupla, o machucado teria sido mais grave. Testando o lado dolorido, girou sobre si mesmaNo se enganara. Efetivamente, encontrava-se no umbral. Desconcertada, lutou para identificar obstculo que se interpunha no seu caminho. Mas apesar de ele estar a um palmo do seu rosto, onervos e a miopia galopante frustraram o reconhecimento. Ao apalp-lo, sua angstia explodiu. Eabraando os speros sapatos, caiu num pranto entrecortado e suplicante. Mas o muito humanodesabafo da religiosa foi breve. Imediatamente, mos suarentas e familiares tatearam o seu rosto e

    implacveis como ganchos, cravaram-se nos seus braos, levantando-a como uma pena. E sor Fsuspensa no ar, acusou o impacto daquela nova violncia. No pde mais conter as lgrimas. Massubitamente emudeceu. Algum acendera as luzes da capela e diante dela, como parte do caos que aenvolvia, apareceu um Siwiz descontrolado, com o cabelo em desordem, sem se barbear e com osolhos redondos fora das rbitas. Sor F tambm no entendeu por que sua batina s estava meioabotoada.Um segundo depois era empurrada violentamente. E a exausta religiosa teria cado se no fosse arpida e feliz interveno de sor Joana e das demais irms. A superiora, segurando-a pela cinturaarrastou-a at coloc-la numa das quarenta e seis cadeiras que enchiam uma tera parte da capela"Gabi" resgatou os seus culos e sor Eliza arrumou como pde o longo e negro vu da touca. Mas normalizao da viso, longe de serenar o seu esprito, aumentou ainda mais a confuso. A

    cozinheira e a irm ajudante precipitaram-se para o altar e a superiora, com o rosto plido e finocomo a proa de um navio, ajoelhou-se, enterrando a cabea no colo da atnita sor F. Durante brevesegundos, esta a sentiu estremecer. E o castigado corao da religiosa sofreu um novo golpe. Amos de sor Joana, apertadas entre o hbito, apresentavam estranhas manchas vermelhas. Abrindo odedos, confirmou a sua primeira impresso: sangue...

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    04 horas 57 minutos

    Talvez tenham sido os gritos estridentes de sor Gabriela. Ou as rezas monocrdias de sor Elizamisturadas com os histricos chamados do primeiro-secretrio, exigindo a presena de sor Joana. Aquesto que a madre superiora acabou abandonando o refgio momentneo. E esfregando os olhosmidos, obedeceu como um rob. As mas dos rosto e a face pintaram-se de sangue.A perplexa sor F a viu afastar-se, juntando-se ao grupo que clamava e gesticulava junto ao altar

    Aquele "palpite" inicial tornou a instalar-se nas profundezas da sua mida pessoa, obrigando-a reunirse com as suas transtornadas irms. E lentamente, medindo cada passo, desejando no chegarfoi aproximando-se das costas curvadas das trs religiosas.Seu primeiro olhar pelo meio das convulsas cabeas no serviu muito. E o que ela viu foinstantaneamente rejeitado pelo seu crebro. Era impossvel. Negava-se a aceit-lo. E vtima da suinata ingenuidade, atribuiu o problema aos malditos culos. Imvel, sem se atrever a baixar a vistatentou rezar. Mas, incompreensivelmente, no pde desgrudar os lbios. Na sua mente continuavviva aquela imagem impossvel: a parte inferior de uma batina - no sabia se branca ou vermelha - eumas mangas negras borrando a cena. Tinha certeza que os braos pertenciam a Siwiz e superioraE apertando os dentes e suplicando clemncia ao Todo-poderoso, jogou-se nos ombros de "Gabi"que estava ajoelhada, empurrando-a sem cerimnia.

    05 horas

    Sua boca foi se abrindo devagar. E aps um pestanejar nervoso e incontrolvel, quis tomar ar. Mano havia ar. Pelo menos para ela. Notou que as suas pernas estavam falhando. E diante da grandepoa de sangue sentiu uma pontada na boca do estmago. Uma primeira nsia ascendeu como umonda.Santssimo Padre!A voz suplicante de sor Joana chegou com dificuldade at a petrificada sor F. A segunda e a terceiransias de vmito estremeceram-na como uma boneca. Mas a religiosa continuou percorrendo com oolhar aquele corpo cado sobre o mrmore. Reconheceu a sempre luminosa gola eclesistica, agor

    encharcada de um vermelho cereja. O sangue cobria tudo: cabea, costas, faixa, batina, tapete, piso at o alto-relevo esverdeado estampado na parte frontal do reclinatrio. O velho Pontfice jazia dbruos, com a face direita em contato com o p semicircular do reclinatrio de bronze.Siwiz retirou os dedos indicador e mdio do pescoo do Papa. Procurando os olhos da superiorabalanou negativamente a cabea. A cartida no dera sinal de vida e as nsias de vmitoincontrolveis, dobraram a frgil silhueta de sor F. Os vmitos precipitaram-se sobre os sapatos deverniz do Papa inerte.

    05 horas 03 minutos

    Ento, ocorreu o milagre. Devagar, como se elas tivessem sido treinadas para isso, os lamentos da

    freiras cessaram. E durante um lapso que ningum saberia medir, deixaram-se agasalhar pelosilncio.Joana dos Anjos, ajoelhada diante do rosto ensangentado do seu amado Pontfice, lutava parcompreender. Ela o encontrara na penumbra do altar. Tinha faltado pouco para que tropeasse comele. No seu desespero, chegou a segurar a sua cabea, agitando-a e imaginando outro daqueledesmaios peridicos e preocupantes. Ao contato com o sangue, porm, pensou enlouquecer. E cega alterada tinha buscado a ajuda de Siwiz, arrancando-o da cama. Tudo fora to rpido e absurdo... E

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    agora, impotente, encontrava-se junto aos olhos vidrados e estranhamente espantados de um homemque considerava pouco menos que imortal.- Sor Joana...A voz do primeiro-secretrio - apenas um murmrio - devolveu-a realidade. A dureza habitual doseus lbios com forma de ferradura, fugazmente extinta pela surpresa, esculpiu-se de novo no rostode Siwiz. E sem afastar o olhar do cogulo montanhoso que atravessava a testa do seu pai e senhorordenou friamente:

    - Avise a Segurana.Ambos levantaram-se. Siwiz sem esforo. A superiora, cambaleante, como se tivessem lhe arrancadas entranhas.Aps um momento de dvida, com o queixo dobrado sobre o peito aberto e imberbe, a mo dprimeiro-secretrio apontou para a porta dupla, dando uma segunda e inapelvel ordem:- Saiam todas vocs.As religiosas, de p, olharam-se sem compreender. Sor Gabriela, procurando os olhos da superioraavanou um passo curto, demonstrando a inteno de intervir. Mas sor Joana, colocando o dedindicador nos lbios, concordou com a disposio.

    05 horas 07 minutos

    Siwiz pegou o molho de chaves. Sor Joana, resignada, limitou-se a observar. Mas na primeira voltaa mo do polons ficou imvel na fechadura. Seus olhos de coruja voaram ao encontro da freira. Nohouve palavras. A superiora, recordando a ordem, perdeu-se veloz pelo corredor. "Gabi", Eliza e soF, indefesas ante o inspito Siwiz, deixaram-no fechar a capela, precipitando-se atrs da madresuperiora. Os vus e os hbitos, naquela que seria a sua derradeira corrida por aquele terceiro andarfizeram piscar as luzes de emergncia rasantes.Na metade do escuro corredor, com cerca de vinte tilintantes chaves entre os dedos, o primeirosecretrio hesitou de novo, mas acabou optando pelo escritrio mais prximo: o gabinete particulade Sua Santidade.Desviando-se de trs cadeiras de couro preto que rodeavam a mesa repleta, sentou-se diante do

    telefones. A lista telefnica editada pelo Governatorato continuava aos ps do pequeno quadro dVirgem de Guadalupe. Folheou nervosamente as pginas azuis e procurou a extenso do secretriode Estado.... 5098Um tremor incontrolvel e atrasado obrigou-o a segurar o fone branco com ambas as mos. Como lhpareceu longnqua naquele momento a borrascosa reunio da tarde-noite anterior, em volta daquelagrossas pastas de couro trabalhado!No terceiro chamado, uma voz distorcida, bruscamente arrancada do sono, obrigou-o a peddesculpas, acrescentando em seguida:- Eminncia, suba imediatamente...Monsenhor Angelo Rodano consultou o relgio. Entre as brumas da sua mente adormecida acreditou

    reconhecer o timbre agudo de Siwiz. Incomodado, desconfiando de um engano imperdovel, exigiuque se identificasse.- Eminncia, pelo amor de Deus... - O polons no deu ouvidos ao pedido. Endurecendo o tom davoz e gaguejando, obrigou o monsenhor a afastar o telefone da orelha -. O Santo Padre... Oh Deuseminncia, foi encontrado na capela...Rodano ergueu seu corpo pesado... Sentou-se na cama, acendeu as luzes e procurou os culos. Aexcitao de Siwiz acabou de acord-lo. E o seu certeiro olfato de filho de camponeses abreviou seqncia.

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    - Outro desmaio?- No, eminncia. H sangue por todos os lugares.- Mas... .Siwiz emudeceu.- Morto?Aquele segundo silncio do fiel homem de confiana foi eloqente. Atropelado pelas prprias idiaSiwiz balbuciou:

    - No posso assegurar... Acho que sim... No compreendo... Por favor, suba...

    Rodano sentiu a tentao de desligar e precipitar-se escada acima. Seu quarto, no segundo andarestava a um par de minutos dos aposentos papais. Mas tentando controlar o imprevisvel primeirosecretrio, optou por segur-lo no telefone.- Quem mais est a par?- As freiras... Elas o descobriram. E agora, suponho, a Segurana. Angelo resmungou o sedesagrado, reforando o sotaque piemonts. Mas, recuperando o controle, foi breve e rotundo:- Chame os mdicos. Em primeiro lugar, Itenozzu. Eu me encarrego do camarlengo... E por favorque ningum toque em nada. .Entendeu?

    05 horas 12 minutos

    A luz azul, estrategicamente colocada no alto teto do corredor central, ps Siwiz em guarda. Tinhde agir com rapidez. Em questo de minutos, a capela e todo o terceiro andar escapariam do seucontrole.E ele no estava disposto a obedecer desumana ordem do secretrio de Estado. O seu veneradosenhor no seria alvo da curiosidade mrbida daqueles incompetentes prebostes vaticanosRepugnava-lhe a idia de cruzar os braos e esperar que outros autorizassem o levantamento docorpo. Que sabiam eles da sua longa e abnegada entrega? O Santo Padre era seu, de ningum mais...Mas seus pensamentos doentios e seu caminhar desajeitado foram bruscamente interrompidosObservando a cena com desconfiana, tentou adivinhar o motivo daquela agitao entre as religiosa

    e os dois italianos que, teoricamente, velavam pela segurana do Papa. Um dos agentes, ignorandos protestos das freiras, tentava desbloquear a porta dupla da capela, empurrando-a impetuosamentecom o ombro.Ao reconhec-lo no fundo do corredor, sor Joana correu ao seu encontro.- Padre, querem derrubar a porta!Siwiz no respondeu. Desviou-se da superiora e, babando, precipitou-se com os punhos levantadocontra a torre humana que tentava entrar.Na sua corrida enlouquecida trombou com sor Gabriela e, desequilibrado, rolou at os ps dosegundo homem de azul. Um dcimo de segundo depois, ao tentar se levantar, o primeiro-secretriosentiu a frieza redonda do cano de uma arma entre suas sobrancelhas espessas.O agente que empunhava a Beretta 92-SB-F examinou os olhos volumosos e brilhantes de Siwiz

    Mas a voz do seu colega, que renunciara demolio da porta, f-lo guardar a arma.- Quieto!... E o senhor, padre Siwiz tranqilize-se.Sor Joana veio para socorrer o sacerdote, porm foi impedida. - E agora, por favor... abra a porta.O primeiro-secretrio compreendeu que no tinha opo.

    05 horas 15 minutos

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    Siwiz deixou o par de guardas da Segurana preced-lo. Numa familiaridade incomum dirigiu-se superiora manifestando-lhe que preparasse tudo para o imediato asseio e transferncia do SantoPadre. Sor Joana no perguntou nada, limitando-se a concordar. E assumindo as aparentementhumanitrias intenes, enviou as religiosas em busca do necessrio.O primeiro-secretrio alcanou os agentes quando um deles, inclinado sobre o corpo, apalpava potrs da orelha esquerda, tentando confIrmar o que parecia evidente. A explorao foi breve. Aspirouprofundamente. Ergueu-se e olhou significativamente para o colega. Extraiu um leno do bolso

    direito da cala e, enxugando o suor, bufou como um bfalo encurralado. Balanou a cabeanegativamente e, com um desnimo mal dissimulado, pediu ao que apontara a arma para Siwiz quligasse para o comandante.Seu colega obedeceu em silncio. Embora sua face estivesse plida, aquele horror no parecia t-lafetado. Simplesmente, diante do fato consumado, limitara-se a exercer seu profissionalismoEstudou o cadver e seu entorno, partindo do geral para o particular. Em segundos as evidnciaforam dando forma a uma primeira e provisria hiptese. A posio do corpo, da cabea e dos braoera eloqente. Talvez o velho e castigado Pontfice tivesse escorregado ou sofrido outro desmaioquando se dirigia para o reclinatrio, batendo contra a slida e artstica pea de bronze. A queddevia ter ocorrido a um metro - talvez menos - do degrau que sustentava o altar. O ventre e as pernaestavam nessa zona. A profunda ferida na testa e a prpria disposio da cabea, sobre o p

    semicircular do reclinatrio, encaixavam-se com a sua teoria do lamentvel acidente. A escandalosmancha de sangue na pata direita da guia que decorava a parte frontal do mencionado reclinatrifalava por si s. primeira vista, aquele parecia ser o ponto de impacto. Um choque to brutal quprojetara o sangue em forma de "estrela", atingindo a quase totalidade do sinuoso relevo metlicoAs grandes asas abertas, o pescoo longo e curvo, a cabea e o bico, o peito e as patas da simblicave estavam tingidos por aqueles respingos espetaculares. At mesmo os dois filhotes esculpidos aop da "me protetora e solcita" estavam manchados de sangue.

    A morte - pensou ele - deve ter sido instantnea. Mas por enquanto estas apreciaes permaneceramno seu foro ntimo. Conhecendo como conhecia o intrincado e pantanoso proceder da cpulavaticana, o mais provvel que o bito e suas circunstncias fossem drstica e velozment

    "explicados", evitando a todo custo uma investigao profunda. Que outra coisa podia ser esperaddiante do desagradvel precedente que rodeou a morte do seu antecessor, o papa Luciani?Com nojo, deu meia-volta, apressando-se a comunicar a notcia. No fazia falta muita imaginaopara intuir o despertar de Camilo Chniv, seu comandante e chefe dos Servios de Segurana doVaticano. Amaldioou novamente seu desgraado destino...

    05 horas 19 minutos

    Desta vez, rompendo o seu proverbial distanciamento, Siwiz apressou-se a auxiliar as religiosas. Aov-las aparecer na capela, presa de um suspeito nervosismo, arrebatou a jarra de porcelana trazidapor sor Eliza e, em polons, ordenou que se colocassem em volta do Santo Padre. E, empurrando

    sem cerimnias o atnito agente, ajoelhou-se a um palmo do rosto quase irreconhecvel do Papa. Afreiras, com lenis, esponjas e bacias nas mos, no souberam como reagir. Estupefatas, assistirama outro gesto, inimaginvel naquele corao de gelo. Siwiz arregaou as mangas e, pegando uma dasesponjas, encharcou-a de gua. Decidido, dirigiu-a para o grande cogulo que dominava a zonfrontal. Mas no chegou a tocar o ferimento. Uma mo imensa e curtida. - que teria podido abrangeo seu pescoo - enroscou-se no seu antebrao direito. E puxando o primeiro-secretrio, forou-o erguer.- Padre, o que est pretendendo fazer? Ser que se esqueceu de minhas ordens?

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    Os minsculos lbios do sacerdote acentuaram sua curvatura, ningum sabe se pela dor ou pelafrustrao. E antes de elevar-se para os culos quadrados e esportivos que aguardavam uma respostasuas pupilas cinzentas detiveram-se na dourada cruz cardinalcia de doze centmetros que brilhavasob a batina preta. Na sua ascenso at o final daquela ofegante figura de 1,85 metro, tambmreparou nos trs botes vermelhos e na gola imaculada que apertava o inconfundvel pescoo dtouro do secretrio de Estado.Na verdade, monsenhor Rodano no esperava nem precisava de uma explicao. Havia ano

    conhecia e padecia com o rebelde chicote que se agitava naqueles olhos. Intuindo algummaquinao secreta e irreparvel do primeiro-secretrio, jogara-se da cama e, sem acabar de svestir, sem fazer a barba porm tendo o cuidado de colocar o solidu escarlate de seda e a cruz comas seis incrustaes de guamarinha, subiu de dois em dois os vinte degraus que o separavam doterceiro e nobre andar.- Retire-se... por favor.Aos sessenta e sete anos, apesar da quadrada fortaleza mais prpria de um ringue que de umdiplomata a servio do Esprito -, aquela corrida febril at a capela e o uso momentneo da coerfsica diminuram notavelmente as sempre generosas reservas de pacincia de Angelo Rodano. Suvoz, habitualmente repousada, profunda e varonil, precisou de tempo, esforo e concentrao parrecuperar o ritmo habitual.

    Dirigindo-se s abatidas freiras deixou claro que elas tambm deviam seguir os passos de SiwizCorrigiu rapidamente, porm, e pediu que a superiora ficasse. Sor Joana cochichou brevemente aoouvido de "Gabi. Logo depois, enquanto as religiosas cabisbaixas pegavam de novo os seuutenslios e se retiravam, cruzou as mos sobre o ventre, disposta a obedecer. Mas o piemontpareceu esquecer suas ltimas palavras, a madre superiora e tudo aquilo que o circundava. Situandose na beira do tapete persa avermelhado sobre o qual jaziam os braos e o tronco do Santo Padrecuidando para no pisar na imvel poa de sangue, permaneceu esttico, com a cabea baixa, amos desmaiadas ao longo da ampla batina e seus atraentes olhos velados por uma piedade infinitaE, pela primeira vez naquela infausta madrugada, algum se lembrou da alma daquele infelizDeixando-se cair lenta e respeitosamente, Rodano foi dobrando os joelhos at ocupar o lugar no quasurpreendera Siwiz. Juntou suas mos de lenhador, elevou-as at pressionar a ponta do nariz e

    fechando os olhos, isolou-se numa prolongada e intensa orao.Sor Joana, contagiada, imitou o monsenhor. Seus puxados olhos azuis encheram-se de lgrimas. S ohomem do temo azul permaneceu de p, inquieto e sem se atrever a violar com os seus passoimpacientes aqueles momentos de respeitoso silncio.

    05 horas 24 minutos

    Angelo abriu os olhos. Abaixou as mos e, aps uma segunda e comovida inspeo do cadverdecidiu enfrentar a caravana de perguntas que aguardava no seu subconsciente desde que foraacordado s 5h08. Os mdicos, o camarlengo, o chefe da Segurana e todos os outros nodemorariam. Era primordial manter a calma e agir com bom senso. Mas... por onde comear?

    Reparando nos dedos entrelaados da madre superiora, optou por ajustar-se ao que concebera poucoantes, quando rogou que sor Joana permanecesse ao seu lado. Nada mais longe da sua mentejesutica que abrir um inqurito em momentos to delicados. No entanto, necessitava de informaoAproximando-se da religiosa, convidou-a a se erguer. Segurando-a pelo brao, afastaram-sdiscretamente at a porta dupla, e ele a convidou a reconstituir o achado macabro. Com a vozquebrada e sufocada, sor Joana iniciou o relato, simplificando as primeiras inspees na cozinha e nsala de jantar.- Quer dizer ento que a senhora abriu a capela s 4h45?

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    A submisso militar daquela polonesa ao relgio era um segredo conhecido por todos no PalciApostlico. Por isso, monsenhor no duvidou da sua preciso.- Em que momento ela foi fechada?A superiora franziu a testa. A pergunta era desnecessria: Rodano era testemunha da sua severssimpontualidade. Ela replicou incomodada:- meia-noite. Vossa eminncia sabe muito bem...E tingindo as palavras com um azedume justificado, acrescentou: - Eu mesma, como sempre, de

    duas voltas na chave.- Sim, compreendo... Desculpe.O secretrio de Estado assimilou a resposta no velho estilo curial - sem deixar transparecer nenhumemoo - e prosseguiu com o que realmente interessava: a anlise minuciosa das declaraes datestemunha.Conforme a escutava, um sbito detalhe - no qual no reparara at aquele momento - foi polarizandoos seus pensamentos. No sabia bem por que, mas a imagem do corpo do Papa, com a roupa queusava habitualmente, fizera soar seu alarme interno. Alguma coisa no estava se encaixando. Elepelo menos, como bom conhecedor dos costumes domsticos do Pontfice, no conseguia explicaessa indumentria to incomum para uma suposta visita noturna capela. Conhecia perfeitamenteessas assduas visitas. Neste, como em outros aspectos, o seu "servio de informao" especial o

    mantinha a par da menor alterao detectada no teoricamente inviolvel terceiro andar. No Vaticanocomo em qualquer outro centro de poder, quase todas as lealdades, assim como o mercrio, eramsensveis ao calor do dinheiro.Sabia tambm que naquelas semanas crticas as "audincias" do Santo Padre com Deus tinham semultiplicado. Era rara a noite em que no abandonava o seu grosso colcho de l para refugiar-se noreclinatrio ou gemer tristemente ao p do altar, quase sempre prostrado, trmulo e gesticulador.Nao importava que a porta dupla estivesse trancada. Sua eminncia no ignorava a existncia dacesso secreto atravs da abside. Ele mesmo o inspecionara diversas vezes, durante as longaausncias do Papa viajante. E seu "informante" - taxativo - assegurava que as incurses noturnas- capela dificilmente se produziam com batina de linho, a incmoda faixa de seda e sapatos de usodirio. O normal que o Papa cobrisse o pijama com um dos seus apreciados roupes e calasse

    algum chinelo que combinasse com o mesmo. Era desta forma que ele se sentia mais cmodo.Mas admitindo que poderia estar enganado, eclipsou temporariamente essas elucubraesRepassando em voz alta a atropelada descrio de sor Joana, comentou:

    - Ento a senhora encontrou o corpo s 4h50...A freira, tensa e na expectativa, limitou-se a assentir.- Tem certeza de que a posio do Santo Padre era a mesma? Confusa, ela hesitou:- Aparentemente...O rosto do secretrio exigiu preciso.- Sim - acrescentou a "governanta" -, foi assim que o descobri, com a metade do corpo sobre o pisdo altar, a cintura na beira do degrau e a cabea no p do reclinatrio.- Mas a senhora disse que o segurou pelos ombros e tentou reanim-lo.. .

    - Sim... e no.Apesar do seu italiano fluente no captou a refinada sutileza do monsenhor.- No pude mov-lo. Pesava demais. Limitei-me ento a tatear seu rosto. Senti que ele estava mid

    e, como poderia dizer...O cinza dos seus olhos apagou-se. Inspirou e, reagrupando as foras, concluiu:- Talvez sujo. Uma sujeira anormal. Pegajosa. Muito assustada, balancei a sua cabea.- Por qu?- Pensei que fosse outro dos seus desmaios. O senhor sabe... Tentei acord-lo. .

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    Rodano, impassvel, repetiu a carga:- Isto , no o moveu...Embora tarde, sor Joana compreendeu a natureza da insistncia.Como resposta, sustentou o olhar de Rodano, desafiadora. Mas seu interlocutor descera profundezas de si mesmo. Continuava f e a observava. Sua mente, porm, corria pelo labirinto dmemria, caa das recordaes da noite anterior. Tinha de estar em alguma parte. Tinha de achar o"fragmento" que justificasse por que o Santo Padre no mudara de roupa.

    Rememorando, reconstruiu o perfil da sua ltima entrevista com o Pontfice. Pouco antes do jantarcumprindo as ordens do seu chefe,

    Siwiz o convocara ao gabinete privado. L, s 21 horas, reuniu-se com Sebastiano Bangio,camarlengo. A reunio, que se estenderia at as 22h30, contraiu seus nervos. E, impotente, teve deassistir uma azeda e lamentvel luta dialtica entre um Papa obstinado e um Bangio colrico eameaador. Como era de esperar, o impulsivo camarlengo ps um ponto final nas suas diatribes eexigncias com o estilo que o caracterizava: batendo a porta ao sair.A dilua-se a informao de Angelo Rodano. As 22h45, fiel ao seu hbito, o Papa trancou-se nacapela, finalizando a jornada de trabalho. Ao despedir-se no corredor, os seus olhos lanavamchamas. Era o pressgio da iminente execuo de desejos aos quais Bangio e ele mesmo se

    opunham. Ordens - mais do que desejos - de conseqncias imprevisveis para o mundo ocidental.De certa maneira comungava com o.impulsivo camarlengo, embora detestasse o seu comportamentoprimitivo.As 23 horas, o teimoso polons conversou brevemente com o primeiro-secretrio, fechando-se emseu quarto. Se suas informaes eram fidedignas, a partir desse momento ningum o tornara a verOs fatos, portanto, fossem eles quais fossem, tinham ocorrido entre a meia-noite e as 4h50.Por mera deduo, Rodano sentiu-se inclinado a pensar que o Papa no tinha chegado a trocar droupa. Vtima, sem dvida, da tenso acumulada na mencionada reunio secreta, possvel qutivesse tentado serenar o seu esprito atormentado nos espartanos muros do quarto. Como no oconseguira, numa reao compatvel com a sua visceral devoo mariana, ele pode ter penetrado dnovo no templo escuro com o propsito de encomendar-se sua inseparvel Czestocowa.

    Foi ento que ele desfaleceu, batendo contra o bronze? Ou teria escorregado ou tropeado, comconseqncias similares?Naturalmente, esta hiptese admitia outra varivel: que o Pontfice realmente tivesse mudado droupa. Ou at mesmo que tivesse chegado a se deitar. Mas neste caso, como explicar a indumentricom a qual fora encontrado? A nica resposta coerente forava-o a admitir que - talvez por causa dinsnia - sara do leito e, alta madrugada, tenha optado por se vestir, adiantando assim a sua primeire tradicional "audincia" com o Santssimo, prevista para as 6 horas. Ou seria melhor pensar numrepetio das suas crises emocionais?Inesperadamente, na memria do monsenhor tilintaram duas palavras. Devido fora doacontecimentos, quase as perdera na tormenta de areia que assolava seu crebro. ."Capela escura?"

    Aparentemente estava enganado. Sor Joana - de passagem - acabara de se referir a um pequeno pouco importante incidente que o forou a refletir: o achado de um crio aceso.Contrariado pela sua falta de ateno, saiu do mutismo no qual elaborara pensamentos e conjeturainterrogando a superiora sobre a chama misteriosa e intrigante.- No posso acrescentar grande coisa, eminncia...E ponto por ponto repetiu o que sabia. Mas o dilema, longe de resolver-se, criou asas, obscurecendo j lastimvel nimo de Rodano.

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    Se as cuidadosas freiras tinham apagado os seis crios do altar e o secretrio no desconfiou dpalavra da religiosa, quem era o responsvel por essa ao? O prprio Papa?A freira, decidida, rejeitou a sugesto lgica:- Ele nunca fazia isso. Sua Santidade gostava de orar no escuro. - Mas ento...

    05 horas 29 minutos

    O rudo de passos apressados o preveniu, e Angelo Rodano emudeceu. Logo aps, cinco rostotensos detiveram-se sob o umbral. Ofegantes, procuraram alguma resposta nos olhos do secretrio dEstado. Camilo Chniv, chefe da Segurana Vaticana, foi o primeiro a compreender que a pressa jera um luxo estril. Em dcimos de segundo - aps uma vertiginosa viagem s pupilas opacas dmonsenhor conscientizou-se da situao com a ajuda dos seus quarenta anos de comprovadsabedoria profissional. Ao seu lado, Renato Itenozzu, diretor do Servio Sanitrio do Vaticano e umdos mdicos que atendia ao Pontfice, com o cabelo molhado numa simulao de asseio, tinha incredulidade desenhada no seu rosto quadrado, bronzeado e venervel. Os cabelos brancos poucdomesticados diminuam o horizonte da sua testa larga e nobre, traindo a sua parcimnia habituaPor trs viam-se os ns das gravatas escuras dos homens da Segurana, tambm arrancados do sonoRespeitosos, sabedores de que aquele prelado que lhes impedia a passagem era, antes de mais nada

    o vice-pontfice, controlaram a sua ansiedade. Camilo, previdente, desabotoou a jaqueta. O doutormenos treinado, mudou nervosamente de uma mo para a outra a pequena maleta de "emergncias".Finalmente, a voz controlada de Rodano - navegando de um para o outro com uma suavidade que otonificou - anunciou:- Senhores, agora somos ns que necessitamos de paz e juzo... E afastando-se, deixou-lhes livre entrada.Seguido pelo agente que o informara da situao, Chniv foi diretamente ao encontro do policial queestava vigiando na extremidade esquerda do altar.

    Itenozzu titubeou. Deteve-se entre as fIleiras de cadeiras e colocou os culos. Ao descobrir no choa manga esquerda do Pontfice modificou o rumo, encaminhando-se para o flanco direito da

    poltrona curva.Os outros dois homens de azul colocaram as mos nas costas. Abriram as pernas e tomaramposio frente aos dintis, cobrindo a porta dupla. A ordem era terminante: o acesso estava proibidoat nova ordem.O secretrio de Estado, assegurando-se de no ser escutado pelos agentes espreita, inclinou-separa a touca da superiora, murmurando algumas palavras. Sor Joana entendeu. E aceitando acumplicidade do monsenhor, desapareceu pelo corredor, em direo ao quarto do Papa.Angelo consultou o relgio. Cinco e meia. Vociferando consigo mesmo diante da demora docardeal camarlengo, foi se reunir com Chniv e os outros. Minutos depois agradeceria Providnciao atraso de Bangio.O zper do velho estojo cor de azeviche interrompeu o colquio do comandante com os seus

    homens. E todos, incluindo Rodano, desviaram o olhar para o trmulo mdico, que se ajoelhara.Chniv ficou com pena dele. Paulo VI, Joo Paulo I e agora o polons... Era muito azar. Tinha sidoobrigado a auscult-los... depois de mortos.O agente da Beretta e o que quisera arrombar a porta concordaram num mesmo pensamento: ainutilidade da operao que estavam a ponto de presenciar. Na sua opinio, era suficiente atestar obito. As circunstncias que o rodeavam eram o que chamava a ateno. Mas eles eram apenasfuncionrios da mquina do Vaticano. Engrenagens que raras vezes giravam de acordo com o sentirdos comuns mortais.

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    Quanto ao piemonts, imvel aos ps do cadver, contentou-se com esperar. Seus longos anos natrincheira da diplomacia da Santa S tinham-no ensinado a pronunciar-se sempre em ltimo lugar.Observaria. Escutaria as impresses de Chniv e Itenozzu e depois - quem sabe - faria ou deixariafazer. Intimamente desejou que todos se mostrassem unnimes. E que aquele clice amargo fossebebido o quanto antes. O veredicto de "morte acidental" seria suficiente.Viu o mdico colocar os dedos no pulso esquerdo. No havia pulso. O comandante deixou queItenozzu colocasse o estetoscpio e seus olhos escuros movimentaram-se felinamente, saltando da

    primeira auscultao, no pescoo, para a segunda, abaixo da omoplata esquerda. Depois,mecanicamente, seu interesse transferiu-se para o rosto absorto do mdico. Itenozzu no ergueu avista. No era preciso. Chniv sabia que, se tivesse detectado algum sinal de vida, o estetoscpioteria pulado dos ouvidos do galeno. Aps o primeiro e embaraoso minuto,o chefe da Segurana alisou com ambas as mos sua cabeleira prateada. Tinha chegado a sua vezFiis s instrues recebidas, seus dois homens comearam a agir com incrvel lentido. O da pistolocupouse da inspeo ocular da rea do altar. O segundo, do fundo da capela. Por outro lado, o chefesentindo o peso do olhar discreto porm certeiro do prelado, deu uns passos tmidos. Desceu o degrae, como se estivesse distrado, comeou a rodear o tapete de 2 metros por 1,80, sobre o qual estavamo reclinatrio e a poltrona.Que deviam encontrar eles? Como bons profissionais, nem tinham formulado essa pergunta

    Possivelmente nada. Com duas olhadas, Chniv intuiu que, desta vez, a causa da morte no quebrariaa sua cabea como no caso "Luciani". Mesmo assim, da mesma forma que os seushomens, ps mos a obra. .Deteve-se a cinqenta centmetros do reclinatrio. Embora a sua invejvel memria fotogrficativesse acabado de registr-lo, quis examin-lo de perto. Dobrou o joelho esquerdo e concentrou-sna massa disforme e coagulada que cobria a coxa e o tarso direitos da guia. Partindo dessa manchaprincipal - metdico e inexorvel -, foi explorando a totalidade do artstico alto-relevo. Contouquinze rastilhos compridos, dezenas de trajetrias menores e um gotejamento perfeitamentsatelizado. A imagem global na parte frontal do reclinatrio no deixava lugar a dvidas. Sobre amencionada pata, a uns trinta e seis centmetros do tapete, produzira-se um nico e violento impactoEncadeando os pensamentos, deixou suas mos nervosas descansar sobre o joelho flexionado. E

    imerso na hiptese da queda fez seus olhos deslizar pelo bloco de bronze. Continuou por cima doPapa cado e, concluindo pelos sapatos, sua deformao profissional desenhou a figura do Pontficede p e perdendo o equilbrio. A seqncia seguinte to simples como a anterior - fortaleceu suassuspeitas. E "viu" o momento do golpe e o Santo Padre, morto instantaneamente, caindo. A posiodo corpo - decbito ventral -, com os braos rodeando o p semicircular do reclinatrio, eraeloqente. Tal como fora informado por telefone, as peas pareciam encaixar-se perfeitamenteConsiderando o peso, uma velocidade mnima de deslocamento, a distncia entre o ponto em queocorrera a infeliz perda de equilbrio e a natureza metlica do objeto contra o qual o corpo batera, oafundamento da zona frontal mdia e suas conseqncias fatais foram considerados logicamenteinevitveis por Chniv.O comandante - abandonando a invisvel arquitetura das hipteses - foi magicamente atrado pelo

    tenso e expectante Rodano. E embora a comunicao muda fosse excelente, nenhum deles caiu natentao de manifestar-se. O secretrio de Estado continuou espera, tentando decifrar os hierglifosesboados pelos tubos de borracha em cada atenta auscultao. Chniv, novamente de p, foreclamado em silncio pelo agente que circulava pelo altar, meio oculto pelas costas do prelado. E assobrancelhas agressivas e luciferinas do chefe da Segurana adquiriram vida. Mas logo depois asobrancelhas e as pulsaes voltaram ao normal. Devorou distncia o chinelo preto que aparecisuspenso entre os dedos do policial e, em dois passos, abordou o subordinado, fazendo desmoronar atranqilidade artificial do monsenhor.

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    O exame, vertiginoso, prendeu a imaginao das trs confusas testemunhas. Chniv fez o caladgirar e procurou sem saber o qu. O material, de feltro, no apresentava nenhuma particularidadeNo estava rasgado nem tinha vestgios de sangue...Instintivamente, o homem de azul e o seu chefe verificaram os ps do Pontfice. Tal como tinhamdetectado nos primeiros reconhecimentos, ele estava corretamente calado.- Parece de mulher...Chniv renunciou a comentar a sugesto sussurrante e verossmil do agente, mas no porqu

    discordasse. Mentalmente, tinha calculado o nmero em "trinta e sete ou trinta e oito". A razo do sesilncio foi outra. Aquela "pea" inesperada - como um macaco pneumtico - tinha acabado de abro seu crebro, desestabilizando a cmoda teoria de uma morte por queda.

    Em compensao, os pensamentos de Rodano iam em outra direo. Sem entender por que, chinelo levou-o quele outro enigma que ainda no mencionara Segurana: a solitria chama daltar, agora degradada pela claridade da capela. Pouco faltou para que relatasse a sua inquietaomas frustrando os vacilantes desejos do prelado, Chniv tomou a iniciativa. Devolveu o inoportuncalado ao agente e com uma leve indicao ordenou-lhe que o restitusse ao lugar onde o encontrarSem maiores comentrios, deu meia-volta e retomou seu trabalho.Tambm Angelo pareceu desligar-se do inslito achado, em benefcio do mdico. Concluda a sextaou stima auscultao, este abandonou lentamente o estetoscpio. Dobrou-o, colocou-o no estojo

    finalmente decidiu-se a falar:- Eminncia, no h dvida possvel.Chniv, entretido no exame do veludo verde-ma que amortizava a dureza do assento curvolevantou-se. E sem afastar os olhos da poltrona, registrou cada slaba, pausa e inflexo do brevdiscurso de Itenozzu.- No se detectam batidas cardacas...Ajoelhado, com o timbre de voz abaixo do seu nvel habitual, com a derrota humilhando a cabealtaneira e a vista perdida no rosto ensangentado, evitando o confronto direto com Rodano, umItenozzu perdido e irreconhecvel comeou a enumerar o fruto das suas primeiras observaes.

    - Os centros circulatrios e respiratrios carecem de atividade. O nico ferimento visvel, com

    afundamento do osso frontal, parece identificar a causa da morte...Itenozzu ficou em silncio. Estendendo os dedos at tocar a mo esquerda do Pontfice, isolou-senuma dramtica simbiose com a morte. Retirou as pontas dos dedos e repetiu a operao, apalpandodiversas vezes a nica face acessvel - a esquerda -, bem como os lbios, queixo, mandbula msculos do pescoo.Finalmente, aps um suspiro sonoro que deixou em suspense oabatido monsenhor, continuou seu veredicto:- Ainda est quente. No entanto, sem uma leitura adequada da temperatura retal impossvel estipulao grau de esfriamento...O secretrio de Estado, consumido pela impacincia e temendo que a exposio desembocasse nhermtica terminologia mdica, interrompeu-o sem cerimnia:

    - Por favor, doutor... Explique-se.Renato Itenozzu aproveitou a interrupo para afastar-se do cadver, demonstrando alvio. Observoo comandante acariciando a superfcie aveludada do solidu papal, aparentemente esquecido em cimdo assento da poltrona curva. Mas Chniv no olhou para ele. Colocando-se ento ao p do degrau, mdico tentou agradar o prelado.- Numa temperatura ambiente no extrema (como neste caso), um cadver vestido costuma esfriacerca de um grau e meio por hora durante as primeiras seis horas. Nas seis seguintes, esse ritmo dperda pode oscilar entre um e um grau e meio. Em outras palavras, de acordo com a temperatur

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    desta capela, o corpo do Santo Padre deveria estar totalmente frio aps doze horas. Neste momentocomo j disse, ainda est quente. No entanto, para medir com exatido preciso introduzir otermmetro no reto...- O senhor dispe de informao suficiente para precisar o momento do falecimento?O mdico esboou sorriso benevolente.- No, eminncia. .E antecipando-se pergunta seguinte, resumiu-lhe os parcos resultados do seu exame.

    - Neste momento no so observados sinais claros de rigidez cadavrica. Como o senhor certamentesabe, a rigidez cadavrica, numa situao como esta, geralmente surge cerca de cinco horas aps obito. Primeiro no rosto, maxilar inferior e pescoo...Rodano e o chefe da Segurana fizeram rpidos clculos mentais. S se a morte tivesse ocorrido porvolta da meia-noite agora estariam diante dos primeiros sintomas de rigidez cadavrica. Insatisfeitosrenunciaram s especulaes.

    - Quanto rigidez cadavrica - prosseguiu Renato -, sinceramente, difcil...O velho diplomata - atrado pelas explicaes do mdico - perdera de vista os movimentos dpaciente e indomvel Chniv em volta do reclinatrio papal. Se tivesse prestado ateno a eletambm teria ficado tenso. Porque subitamente seu queixo de buldogue cara, e as sobrancelha

    tinham se erguido.- Geralmente - simplificou Itenozzu - a lividez da pele comea uma ou duas horas aps a morteatingindo o seu apogeu em cinco ou seis horas..Rodano apressou-o.- Quero dizer, eminncia, que o exame e estudo das lividezes podem esclarecer sobre o momento emque se produziu o desenlace fatal e tambm sobre a posio do corpo naquele instante. Como estavadizendo essas manchas caractersticas so resultado da distenso passiva por sangue dos vasosinertes das partes baixas...- Renato, por favor...O mdico, acossado, deixou de lado, com mau humor, o seu academicismo habitual.- arriscado, eminncia. Parte do rosto apresenta uma sombra que, na minha opinio, pode esta

    ligada lividez. Mas h sangue demais..Como um junco, Chniv dobrou-se sobre o apoio de brao do reclinatrio. Desta vez a bruscmanobra entrou totalmente no campo de viso do prelado. Surpreso, desviou o olhar, deixandItenozzu sem interlocutor. O chefe da Segurana imobilizara a proa do seu nariz a pouco mais dquinze centmetros do veludo cor de ma que recobria o reclinatrio. .- A forte hemorragia e os cogulos dificultam a explorao...Preso ao perfil ptreo do comandante, Rodano ouviu porm no escutou.Chniv recobrou a verticalidade. Alisou o cabelo e, durante um segundo, manteve a forte pressosobre os parietais. E seu queixo caiu pela segunda vez.O monsenhor intuiu alguma coisa.- Levando em considerao a posio do crnio, com a face direita pressionando sobre o bronze,

    muito possvel que a falta de lividez nesse ponto confirme aquela que suspeitamos ser a posturoriginal do corpo...Era intil. As palavras do mdico soavam como zumbidos de mosca nos ouvidos do prelado.O secretrio de Estado presumia conhecer as pessoas que o rodeavam. E sua vinculao com o chefda Segurana e Vigilncia Vaticana - estreita, longa e confidencial - colocava-o numa posiprivilegiada na hora de "ler" e interpretar os gestos, silncios, distncias e at a imobilidade dCamilo Chniv. O comandante - e Rodano no o ignorava -, tanto por temperamento quanto poprofissionalismo, era econmico em palavras e gestos. At numa situao limite como aquela, su

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    robusta silhueta procurava sempre a discrio. S alguns tiques muito particulares do rosto e damos podiam alertar aqueles que o conheciam bem. E Angelo Rodano era um destes privilegiados...- importante, eminncia, que eu seja autorizado a remover o cadver.. .Itenozzu interrompeu suas palavras. Os olhos e os pensamentos do cardeal tinham-no abandonado...Chniv deu as costas ao monsenhor e, com pressa, voltou para trs, detendo-se no lado oposto doreclinatrio. Angelo esforou-se em vo para entender aquela absurda mudana de lugar. Na suopinio, os setenta centmetros de estofado do apoio de brao podiam ser perfeitamente abrangido

    de qualquer uma das extremidades.- Eminncia, posso contar com a sua permisso?O chefe da Segurana tomou a inclinar-se.- Eminncia...O prelado ouviu o tmido chamado do mdico. Descruzou os braos e lentamente, sem deixar dobservar Chniv, abriu-os altura da cruz peitoral. E movendo as mos, transmitiu-lhe calma.Camilo colocou as mos nas costas e conteve a respirao. Seu rosto, mais uma vez, planou sobre oveludo do apoio de brao. E forando os msculos abdominais, abaixou-se at quase encostar nestofado.E mdico e prelado - estupefatos - viram-no colocar a lngua para fora. Durante segundos manteve-em contato com a superfcie do estofado macio. Evidentemente esperava algum tipo de confirmao

    Repetiu o gesto incomum duas vezes mais e, dando por concludo o teste, endireitou-se lenta preguiosamente. Seus olhos - absortos numa idia pouco agradvel - permaneceram fixos. Opacos.Rodano e Chniv interrogaram-se com o olhar.Dando um passo para trs, Chniv foi em busca do agente que continuava "passando um pente finona rea do altar.Foi inevitvel. O comandante ignorou Itenozzu, mas no pde evitar as facas lanadas pelo vicepontfice. Um negro relmpago saltou de um para o outro. Nesse instante, Rodano ficou sabendo qutudo mudara. Deviam preparar-se para enfrentar a descoberta do chefe da Segurana. Eprudentemente concedeu-lhe e se concedeu uma margem de tempo.O homem de azul reuniu-se com Chniv, e ambos caminharam ao encontro do agente que estavaexaminando as fIleiras de cadeiras. Conversaram brevemente e logo depois retomaram a

    reclinatrio, rodeando-o. E seus olhos, como falces, abateram-se sobre o apoio de brao verde.Depois disso, diante da expectativa crescente dos mudos espectadores, aquele que investigara ofundo da capela descalou-se. E cuidadosamente, caminhando na ponta dos ps sobre o tapetedeslizou pelo espao diminuto que separava a poltrona do reclinatrio. Imitando o seu chefeestabilizou o seu imponente corpanzil com o auxlio das mos estrategicamente comprimidas aojoelhos dobrados, e dobrouse em direo ao misterioso estofado. Passeou a vista pela estreita faixde tecido e levantando-se, aps uma breve meditao, confIrmou a descoberta e as suspeitas docomandante com um movimento afirmativo da cabea.Rodano estremeceu. Seu imperturbvel amigo Camilo Chniv tinha acabado de alisar a cabeleirbranca pela terceira vez...

    05 horas 40 minutos

    Foi uma deciso complicada. Mas Chniv - embora fosse obrigado a nadar entre as intrigas vaticanas- era acima de tudo um profissional honesto. Agora ele falaria. Se depois, como ocorrera com o papaLuciani, seu parecer fosse "silenciado", pelo menos ficaria livre de toda responsabilidade.O secretrio de Estado acedeu imediatamente, e em companhia do comandante iniciou um passeioque, como intura, escureceria ainda mais aquele turvo amanhecer. Disps-se a escutar o que, decerta forma, j imaginava.

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    As explicaes de Chniv - diretas e slidas - prolongaram-se durante um minuto e meio. Afundandoinexoravelmente nas areias movedias daquelas evidncias, Rodano limitou-se a apertar a grossacorrente de ouro pendurada no seu pescoo de lavrador.Quando o chefe da Segurana acabou de falar, imvel junto porta dupla, Rodano balbuciou a meivoz:- Tem certeza?A resposta de Camilo Chniv esboou-se primeiro na sua mandbula de buldogue. Ela caiu e, forado

    pelo desnimo, os lbios arquearam-se.- Noventa por cento, eminncia.E aproveitando o momento de confidncias, atreveu-se a acrescentar:- Com sua permisso, aconselharia a abertura imediata de um inqurito...Rodano, confuso, protegeu-se instintivamente:- Mas, Camilo... Uma investigao policial...As pupilas do comandante resistiram abordagem. E as longnquas imagens do "escndalo Lucianiressuscitavam nitidamente, sem necessidade de palavras, como um "Lzaro" que regressasse parasaldar contas. O esprito do prelado ficou tenso como um arco. Sem misericrdia, Chniv enfiou afaca at a bainha:- Eminncia, use a memria. Quer ser lembrado e desprezado como um segundo Villot?

    Mas o destino - piedoso - aliviou o j mortalmente ferido secretrio de Estado.Uma voz familiar trovejou do outro lado da porta. Os interlocutores trocaram um olhar de trgua.- Conceda-me alguns minutos - suplicou Rodano.Chniv deu de ombros, distanciando-se at o reclinatrio.Ao entreabrir a porta dupla, Angelo suspirou resignado. Ao v-lo, o cardeal Bangio cessou com suaimprecaes. Bufando, com a calva e as faces esponjosas ruborizadas de ira, empurrou os homenque impediam seu acesso, atravessando o umbral como um touro e quase derrubando o vicepontfice.Rodano empalideceu. Fechou a porta e, durante alguns instantes, com as largas costas encostadas namadeira, tentou desfazer-se sua hostilidade."Este maldito maom - disse para si mesmo entre os ltimos estertores de indignao - demorou para

    chegar. Quem sabe o que vai aprontar...Os rostos do mdico e dos membros da Segurana deram razo ao prelado. Todos experimentaramum sentimento de rejeio diante do aspecto premeditado do camarlengo. Batina e faixa, impecveispareciam recm-passadas. Quanto sua cabea de elefante, meticulosamente penteada e barbeadaexalava aquele insuportvel cheiro de perfume barato que o caracterizava e do qual todos fugiam.Enquanto caminhava em direo silhueta rechonchuda de Bangio, monsenhor Rodano perguntavase sobre a razo de uma demora de tanta desconsiderao. Como Chniv, Itenozzu e os outros, ocamarlengo residia a escassos trs minutos do Palcio Apostlico.Os temveis olhos de Sebastiano Bangio - aumentados pelas lentes dos culos - voaram com umacuriosidade insana que no passou despercebida a Chniv e seus homens. Observou cuidadosamenteo ferimento do Pontfice e, com uma frieza que indignou Itenozzu, inclinouse para a parte frontal do

    reclinatrio, examinando sem pudor os restos sanguinolentos do desastre. Faltou pouco para que, nbrusca aproximao, a oscilante cruz cardinalcia batesse contra o bronze.- Ento...

    O mdico, abordado sem aviso prvio pela voz subterrnea do camarlengo, no reagiu. Desviou oolhar das carnes inchadas de Bangio, solicitando a ajuda de Rodano. Autoritrio, porm, aqueltimbre de taverna exigiu uma resposta imediata.- Causa da morte?

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    Renato gaguejou:- primeira vista, eminncia...No concluiu. Os olhos de Chniv, como catapultas, bloquearam a sua vontade.

    - primeira vista - interveio o secretrio de Estado, obrigando Bangio a se virar - tudo faz pensanum infeliz acidente...Altivo, o camarlengo invadiu a falsa serenidade daquele rosto. Mergulhou nos olhos de Rodano pensou descobrir algo obscuro, secreto e ameaador. Mas, seguro de si mesmo, decidiu abrevia

    subestimando a nfase dada s trs primeiras palavras.- Procedamos ento...Virando-se, puxou a batina e ajoelhou-se junto poa de sangue na qual repousava o brao esquerdodo Pontfice. Abriu a maleta preta que trazia consigo e, ignorando todos os que o rodeavam, tirouuma pequena ampola. O chefe da Segurana, intuindo o princpio do fim, interrogou Rodano com aelevao mecnica das sobrancelhas. O prelado, colocando prova a pacincia do amigo, traouuma clandestina inclinao de cabea, pedindo tempo.Bangio destampou os santos leos, pressionando a ampola contra a ponta do dedo polegarSolenemente, com as speras conchas das plpebras semifechadas, iniciou o ritual:- Si vives, ego te absolvo a peeeatis tuis, in nomine Patris, et Filii et Spiritus Saneti... Amen.O instinto quase feminino do chefe da diplomacia vaticana agitou-se inquieto. "Algo" n

    camarlengo - no podia distinguir o que parecia estranho. Era uma mistura chamativa. Seu atrasodescarado e inexplicvel. Aquela ausncia de sentimentos diante do cadver. Sua nula curiosidadpelos detalhes e circunstncias da morte do Papa. E sobretudo, a pressa mal dissimulada por ativar a"mquina" e resolver o episdio. Melhor do que ningum, Rodano conhecia as cidas diferenas no se atreveu a rotul-las de dio - entre Bangio e o falecido. Mas aquela inimizade carecia desentido em momentos to dramticos. E, maravilhado diante dos "inescrutveis caminhos dosenhor", concentrou-se no paradoxo oferecido pelo destino.

    "Se vives, eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai..." Era sugestivo. A.absolvio era dadpelo seu pior inimigo... Lutando contra o ventre rolio, o camarlengo aproximou-se do Santo Padretraando no ar um sinal da cruz apressado, a dois dedos da testa ensangentada.

    - Per istam sanctam Unctionem, indu/geat tibi Dominus a quidquid... Amen.O procedimento frio, rotineiro e acelerado de Bangio desenterrou repentinamente a certeira aluso deChniv ao nefasto cardeal Villot. E as lamentveis decises do ento camarlengo e secretrio deEstado diante do cadver de Joo Paulo I desfilaram densas e implacveis pela mente torturada dRodano."Por esta santa uno, que Deus te perdoe os pecados que possas ter cometido. Amm."Sim, mas quem o perdoaria se casse no mesmo erro que Villot? Tinha o direito de desconsiderar descoberta do chefe da Segurana? Naturalmente, como vice-pontfice, possua as atribuienecessrias para puxar o tapete de Chniv. A batalha interna recrudesceu. E nas tmporas daquelereto filho de lavradores surgiram brilhantes gotas de suor.Encerrando a cerimnia, Bangio passou a ministrar a bno apostlica.

    - Ego facu/tate mihi ab Aposto/ica Sede tributa...Num esforo por afastar-se do seu destino, Rodano foi repetindo mentalmente as palavras dcamarlengo."Pela faculdade que me foi outorgada pela Sede Apostlica, eu te concedo indulgncia plenria remisso de todos os pecados... e te abeno. Em nome do Pai, e do Filho e do Esprito Santo.Amm.""Faculdade outorgada pela Sede Apostlica?" A frase fez disparar os alarmes internos do prelado. Euma idia diablica - imprpria de um homem a servio de Deus - pousou no seu corao

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    Envergonhado de si mesmo, optou por expuls-la. Mas o atraso, a pressa e o estranhcomportamento de Bangio comearam a encontrar um lugar dentro do irritante quebra-cabeasEvidentemente, o camarlengo parecia ter assumido unilateralmente a suprema chefia da IgrejaConfiante nesse discutvel poder, tambm parecia decidido a repetir o vergonhoso captulo escritopor ocasio da morte de Albino Luciani. Se no agisse com astcia, rapidez e firmeza, o maiprovvel que o no menos "estranho bito" do Papa polons fosse explicado e divulgado por meiode outra nota farisaica e tranqilizadora da Sala de Imprensa do Vaticano. Imerso naquela turbulent

    espiral, Rodano chegou a imaginar as manchetes dos jornais:"O Papa morre na sua capela privada. Um acidente fatal: causa do falecimento."Mas por qu? A que obedecia sua obsesso por adiantar-se aos acontecimentos e prejulgar apessoas? No era justo nem cristo. E se estivesse enganado?Neste momento, desequilibrando a balana do bom senso, lembrou-se da descoberta de Chniv. E nmeio daquela luta interna, as hipteses e contra-hipteses enroscaram-se, afogando-o.

    Como explicar a atitude de Bangio? O seu comportamento no era normal. Por que acreditara trapidamente na parca e insuficiente explicao de um recm-chegado? Por que no mostrara interessem interrogar a Segurana? Por que a necessidade de fazer a barba e enfeitar-se depois de receber notcia demolidora?

    Houve resposta, porm Rodano a afastou com repugnncia. Por muito "delicada" que fosse a situado Papado naquelas ltimas semanas, no podia admitir tal aberrao. E menos entre oaparentemente disciplinados membros da Cria que governava.Tinha de eliminar to penosas dvidas, e havia apenas um caminho. Se guardasse silncio, spermitisse que os dentes da "mquina" o triturassem, ento - infeliz dele! - a pesada laje do pecado domisso cairia sobre ele. Desembainhando a espada do seu valor, tomou a deciso de seguir oconselhos de Chniv. E com um profundo sentimento de alvio, procurou os olhos do chefe dSegurana. O comandante, porm, estava magnetizado pelas mos do camarlengo. Ao tampar ampola, seus dedos tremeram. E tambm quando a guardou na maleta...Finalmente, o angustioso chamado do prelado penetrou em Chniv, obrigando-o a levantar o rosto. ECamilo captou aquela cintilao de esperana. Com um leve movimento de cabea, Angelo lhe

    apontou a porta dupla. E o comandante obedeceu imediatamente.Mas Rodano, desafiando a prpria impacincia, manteve-se s costas do velho cardeal. Conhecia o"instrumentos" que - de forma to precavida - Bangio trouxera at a capela. Rodano quis assegurarsedos movimentos seguintes do camarlengo. E embora a ridcula cerimnia que este estava prestes ainiciar tivesse sido abolida por Paulo VI, no interrompeu o ortodoxo e recalcitrante camarlengoPrecisava de tempo.Efetivamente, o cardeal pegou o reluzente martelo de prata. Curiosamente, tratava-se do mesmo quVillot - ignorando, como Bangio, as disposies do falecido Montini - tinha manipulado emCastelgandolfo, por ocasio da morte de Paulo.Outra vez a imagem de Villot...Aquele nome - como uma advertncia ou uma maldio - tinha penetrado na alma de Rodano. Mas

    secretrio de Estado no vacilou. Sua deciso era irrevogvel. Lutaria at onde suas foras autoridade permitissem. "No haveria um segundo caso Villot." No se mentiria opinio pblicaNo se ocultariam os fatos, por mais vergonhosos ou dolorosos que pudessem ser ou parecer. Destvez as portas seriam abertas para a verdade. Uma investigao em regra seria autorizada. Uminvestigao honesta. Tranqila. Realizada por peritos que no tivessem nada a ver com os interessemesquinhos que comeavam a empestar aquele lugar sagrado... No estava disposto a consentir como sucedera na madrugada de 29 de setembro de 1978 no quarto do papa Luciani - que ningumtocasse ou manipulasse o cadver. Villot - que Deus o perdoe - apressou-se em retirar do aposento o

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    culos e os chinelos de Joo Paulo 1. Por qu? Continham restos de vmitos que, se tivessem sidanalisados, teriam revelado a presena de alguma substncia letal? Rodano no era Villot. Rodanno submeteria as freiras polonesas ao voto de silncio. No se apressaria a "desterr-las". Tambno faria isso com o primeiro-secretrio particular. E se os especialistas considerassem que a autpsiera necessria, haveria autpsia...Mas para transformar em realidade esses desejos to salutares e o prelado era consciente disso - erpreciso adiantar-se "mquina", introduzindo o ferro da surpresa entre os raios das suas roda

    infernais.Bangio dirigiu o martelinho para a testa do Pontfice, golpeandoa suavemente. Chamou-o pelo nomecompleto e, no mesmo e elevado tom - para que todos pudessem ouvi-lo - formulou a primeirapergunta:- Ests morto?Os membros da Segurana no podiam acreditar no que estavam vendo e escutando, mas ndeixaram transparecer a sua ironia corrosiva. Continuaram observando seriamente o ritual obsoleto seu grotesco feiticeiro. .Era o momento esperado. Rodano sabia que a pergunta seria repetida por trs vezes. E que, entrecada interpelao, Bangio guardaria um minuto de silncio obrigatrio, espera de uma mais quimprovvel resposta do defunto.

    Com especial sigilo, Rodano foi conversar com Chniv.- E ento?O prelado justificou a contida impacincia de Camilo Chniv e, medindo as palavras, perguntou:- J pensou no procedimento?O comandante gesticulou.- Eminncia, acho que j lhe expliquei... Diretamente ao ministro. - J sei, mas...Chniv apressou-o.- preciso agir logo. Como deve ter observado - e desviou o olhar para o camarlengo -, ele parecdecidido a aceitar as aparncias. - Ests morto?Segundo minuto de silncio.Os agentes tinham passado da consternao curiosidade. E espiaram com o canto do olho o

    encontro clandestino entre o monsenhor e seu chefe. Ajoelhado e de costas para a porta dupla dacapela, Bangio vivia a cerimnia, alheio maquinao decisiva.- De acordo. Telefone...E Rodano, nervoso, consultou o relgio.

    05 horas 55 minutos

    - E pelo amor de Deus - suplicou o vice-pontfice empurrando a porta delicadamente -, lembre-seque, a partir de agora, s dever acatar minhas ordens...Chniv concordou de forma protocolar. A recomendao era desnecessria. Se suas suspeitas fossemcertas, dentro de uma ou duas horas o Palcio Apostlico, os trs mil membros da Cria e toda a

    Cidade do Vaticano entrariam em erupo. Como explicara ao prelado, deviam jogar a carta darapidez e dos "fatos consumados". Se a sorte os favorecesse minimamente, o ingresso da Polcia dRoma no terceiro andar poderia ocorrer antes que a "mquina" eclesistica se reorganizasse eatacasse.Com a respirao descompassada e ruborizada pela ltima corrida, sor Joana deixou o comandanteatravessar o umbral. Rodano a contemplou indeciso. E chamando Camilo Chniv de novo, sugeriulhe que utilizasse o gabinete particular.- mais seguro...

  • 7/15/2019 Bentez J J - Operao Glria da Oliveira

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    Lanou um olhar vigilante ao confiante e satisfeito camarlengo e aguardou o derradeiro chamado.- Ests morto?Dispunha de um ltimo e providencial minuto.- Outra coisa...O comandante abotoou a jaqueta.- Avise o tenente-coronel Westermann. Que a Guarda Sua e seus homens reforcem os acessos aPalcio...

    - Est previsto, eminncia...- E no se esquea do elevador e das escadas do segundo andar.E coloque mais vigilncia nesta porta...Chniv foi concordando mecanicamente.- J sabe, Camilo. Ningum deve entrar a sem a minha autorizao expressa. Devemos agicoordenadamente.E apontando para o interior da capela, alertou-o sem ocultar seu pessimismo.- Tentarei persuadir Bangio. Espere-me. questo de minutos...Virando-se para a superiora, acrescentou sem alterar o sussurrante fio de voz:- Acompanhe-o. Por enquanto, a senhora e suas irms ficam sob as ordens de Camilo.- Mas eminncia...

    O secretrio de Estado interpretou mal as palavras da freira. Mas sor Joana, gil, apontando com indicador a direo do quarto do Papa, fez-lhe recordar seu recente pedido.- Ah, sim... desculpe. Diga-me...E a religiosa, evitando a proximidade dos homens da Segurana, ficou na ponta dos ps parconfessar-lhe ao ouvido o que descobrira. Surpreso, Chniv levantou ainda mais suas desordenadasobrancelhas. Sor Joana estava descala...

    05 horas 56 minutos

    Rodano precipitou-se para o centro da capela. Entre as batidas do seu corao tentou fazer umprimeiro balano. Mas aquele cenrio no era o seu tranqilo escritrio na Secretaria de Estado

    Agora tudo dependia da Providncia, da sua audcia e da sua sorte. Nesta ordem.Inspirou com fora, ajeitando as pregas da batina. Examinou os rostos dos presentes e esperou que camarlengo se erguesse. Estava decidido. Aps a concluso do ritual do martelo, pegaria o brao dBangio e, sossegada e amistosamente, lhe anunciaria a situao. Solicitaria sua ajuda e compreensoEsse era o caminho correto.O cerimonioso Bangio, desprezando os olhares, piscou seus olhos de cavalo. E absorto no seu papeclamou para o vcuo:- O Papa est realmente morto.Chegara a vez de Rodano. Estendendo o brao, pousou a mo no ombro do camarlengo.- Por favor, eminncia...A abordagem cordial foi bruscamente abortada. Inspito, o camarlengo desembaraou-se do gest

    amistoso. E como se tivesse adivinhado as pretenses de Rodano, respondeu-lhe com voz avinagrad- Ainda no terminei. Mas vossa eminncia, sim.E olhando para a sada, acrescentou arrogantemente:- V embora. Fale com os outros. Que o mestre de cerimnias e o prefeito da Casa Pontifcipreparem tudo para o traslado. J sabe: funerria, embalsamamento, familiares....E batendo a maleta na sua coxa direita, deu-lhe a entender que devia dobrar-se ante sua autoridadeRodeou a poltrona curva e dispsse a concluir a cerimnia.

  • 7/15/2019 B