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Bebop Dois

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Segunda edição do jornal narrativo Bebop, produzido pelos alunos da Turma A do quarto ano do curso de Jornalismo da Unicentro.

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O conteúdo da segunda edição do Bebop: Carta

ao leitor, Gay and Pround, da Lays,

página três; Crônica Viagem, da

Camila Barp, na qua-tro; matéria Entre os números

3.047 e 3.477, do Cristi ano, na seis; Amor da minha vida daqui até a eternidade, da Lays,

14; matéria Fecha, Raul, de Taysa, na 17;

poesias de Hélvio Campos na página 21; matéria A Menina que Caçava Sorrisos, da Maíra, na 22; matéria 90 é Só um Número,

da Natacha, na 26; projeto Guarapuava pelo tempo, da página trinta em diante.

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Ano 1 . Ed 2 . 2013

Beba

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Mesmo com cada vez mais esta-dos autorizando a união civil homos-sexual, ainda existe contrariedade e repulsa por parte da população em

relação a esse assunto.Parte destas pessoas leva o caso

para a questão religiosa, esquecendo que independente da religião que se siga, o ser humano tem antes, garan-

ti do por lei, os seus direitos. Antes de ser branco, negro, asiáti -

co, católico, homossexual, nós deve-mos lembrar que somos todos seres humanos e alguns valores devem ser mais importantes do que o precon-

ceito que se vê nas ruas.Mas este fato não fi ca restrito a

religiosidade, mesmo em um am-biente como a universidade, será que os jovens homossexuais estão sendo bem recebidos? Estão tendo chance

de provar que seu caráter e sua índo-le não são melhores ou piores devido

ao fato de serem gays?Eu acredito que não. Mesmo em

um universo de etnias, sotaques,

culturas e tradições, nós ainda pode-mos nos deparar com piadinhas de

mau gosto, com olhares atravessados e comentários maldosos, mesmo

aqui, onde ser ‘diferente’ deveria ser completamente ‘normal’. Onde ter

cabelo colorido é legal, usar chapéu e bota também, mas camisa rosa é gay,

como assim gay? Como se existi sse um padrão para se encaixar. Como se o rapaz que é homossexual sem uma roupa extravagante deixasse de ser

gay. Ele ‘tem’ de parecer gay! Quanto rótulo.

Ser homossexual não é uma ten-dência de moda, nem uma tradição

de família. Não é questão de ser melhor ou pior que um heterossexual,

muito menos de ser mais ou menos exagerado em relação às vesti mentas.

Ser homossexual é ser quem se é, é assumir as responsabilidades como

qualquer um e ainda ter que enfren-tar uma sociedade, inclusive universi-tária, criti cando e desmerecendo sem

ao menos conhecer.

Gay and Proud

POR LAYS PEDERSSETTI

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Guarapuava Motor Show 2013Foto: Anderson Costa

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CRÔNICA POR CAMILA GERMANO BARP

Já com o corpo fati gado, confere a chave – duas voltas completas – e abandona a maleta na cadeira mais próxima. O fôlego des-regulado pelos lances de escada clama por água e pela horizontalização do corpo, confor-tável.Perpassa o olhar por alguns vinis, escolhe uma boa companhia para um dia cheio de improba-bilidades. A agulha, bem envelhecida e visivelmente necessitada de manutenção, pula os primeiros segun-

dos. Um pouco incomodati vo sim, mas o esforço necessário para os ajustes é tão improvável

quanto sua efi cácia. O Sofá mal se mo-difi ca com o peso do corpo largado

sobre ele. Depois de instantes, uma sala sem movimento sofre com o ajuste da silhueta nas almofadas, o desamarrar dos sapatos e um estralo nos joelhos. Abrir os botões e zíperes para expandir-se num alívio.A ordem dos sons, há muito

tempo decorada, chama atenção em seus momentos mais altos, fa-

zendo cócegas ao tí mpano, perpas-sando todo o ambiente e se refl eti ndo

diretamente no pé, que suavemente batuca o chão, acariciando-o.A percepção retorna quando, já escuro, o cômodo ecoa os ruídos que anunciam o fi m do pequeno espetáculo. O som de um suspiro, cheio de signifi cados, se junta ao estalido do fi m da ul-ti ma faixa. Uma viagem inteira em aproxima-damente quinze minutos. Como vão longe os pensamentos... Os olhos, mimados, reclamam da míngua luz, as mãos esfregam o rosto mecanica-mente. Que óti mo en-tardecer!

Viagem

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Entre os núUmeros3.047 e 3.477UMA DAS RUAS MAIS ANTIGAS E TRADICIONAIS DE GUARAPUAVA, LOCALIZADA NO CORAÇÃO DA CIDADE, A GUAÍRA CONSERVA UM TIPO DE COMÉRCIO QUE RESISTE ÀS MUDANÇAS DO TEMPO. BARES, TABACARIA, HOTEL, FLIPERAMA E ATÉ UM VENDEDOR AMBULANTE PERUANO COMPÕEM ESSA PAISAGEM AO MESMO TEMPO SEDUTORA E TRANSGRESSORA. SE SÃO PAULO TEM O CIRCUITO “BAIXO” AUGUSTA, GUARAPUAVA TEM A QUASE BICENTENÁRIA GUAÍRA Quem narra e fotografa:

CRISTIANO MARTINEZ

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São oito horas da manhã e a rua acorda, abrindo, não os olhos, mas sua infinidade de portas de aço sanfo-nadas. Um acordar pontual e objetivo, preocupado com mais um dia de tra-balho. Horas antes, era o movimento de carros e ônibus, pulsando a cami-nho de destinos traçados. A rua é um organismo vivo que não para nunca; quando muito, diminui seu ritmo com o cair da noite.

Mesmo quase dois séculos depois, a Guaíra continua lá, firme e forte, acompanhando o movimento de pe-destres e veículos por vezes apressa-dos. Vruuuuummmmm, ttssssshiiiiiiii, bibiiiiiiiiiip, cuidado! A rua corta de ponta a ponta a cidade de Guarapu-ava, servindo de porto de passagem obrigatório para quem vai ou vem (no caso dos carros, para quem apenas

vai). Sem disputas ou intrigas, dezenas de outras vias cortam a Guaíra ou a acompanham, tanto em direções contrárias quanto iguais.

Uma delas, por exemplo, é a XV de Novembro, rua de referência com suas lojas de marcas, bancos e o famoso Calçadão. Quando se fala na XV, todos visualizam uma via ordena-da, espaçosa e atrativa. É um metro quadrado valioso e cobiçado.

Já a Guaíra, é mais do povão, com seu comércio à moda antiga e alterna-tivo. Prostitutas, bêbados, tatuadores, tabaqueiros, todos têm seu espaço garantido na Guaíra. Paralelas que nunca se cruzam, a Guaíra e a XV são dois universos distintos separados por dois quarteirões.

Mesmo com tanta proximidade, a Guaíra resiste às mudanças do tempo

e ainda mantém suas raízes e sua identidade. Principalmente no trecho de 500 metros de extensão que vai do número 3.047 ao 3.477.

De seu início até a ponta mais distante, essa rua não se constitui apenas de portas de aço, artigos de venda e troca e movimento pulsante. De casas simples e residenciais, ela segue abaixo, mudando à medida que avança pelo centro nervoso de Guarapuava.

Até chegar a dois quarteirões que antecedem o Terminal da Fonte. Ali, no número 3.047, começa a viagem a um universo intenso e particular, que destoa da parte alta. É a Baixo Guaíra, composta de bares (de bebidas e me-ninas), tabacaria, fliperama, estúdio de tatuagem, lojinhas, sebo, móveis usados e até mesmo uma igreja evangélica.

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PRIMEIRA PARADA: TAÇAS ERGUIDAS DA MESA DO BAR

No primeiro quarteirão da parte bai-xa, uma edificação verde de duas portas que transpira álcool e libertinagem trasvestida de aparente boteco. Quem entra em busca de uma bebida para matar sua sede pode encontrar três me-ninas disponíveis para programas, quer dizer, outro tipo de programa.

Uma delas é a Lucíola*, loira de 28 anos. Depois de um casamento de dez anos e um filho, ela ficou solteira e resolveu arriscar na vida de garota de bar. “Com meu trabalho, estou construindo três casas para alugar”, confessa, projetando um futuro próximo em que não vai mais precisar trabalhar atrás do balcão, num quarto dos fundos com um de seus clientes.

Entre uma cuba libre e outra, bebi-da preferida das meninas e paga pelos frequentadores, Lucíola conta que está nessa vida há apenas três anos. Mas tem um ritmo puxado, trabalhan-do das dez da manhã às dez da noite, quase todos os dias da semana.

Apesar da falta de nome na facha-da, o bar é conhecido como Parati e é personagem da Guaíra há 18 anos. Lucíola conta que a dona, conhecida pelo apelido de Lila, comercializava o próprio corpo antes de começar a negociar o de suas garotas.

Alguns metros à frente, no mesmo quarteirão e com apenas uma porta, o Adriana’s Bar (com apóstrofe e tudo). Um balcão, uma mesa de sinuca, um jukebox moderninho, dois banquinhos e 15 anos habitando a rua. Além, é claro, do sorriso de duas meninas.

Há seis anos nessa vida, Lúcia*, de 33 anos, tem mais uma comum com Lucíola do que possa parecer: separada, filho e o trabalho intenso (das 10 às 19h). Por enquanto, ela ainda não traçou um modo de deixar a profissão.

“Propostas de casamento não faltam. Mas não confio na palavra dos clientes. Não os conheço, né”.

Sem namorado ou marido, tem apenas a companhia efê-mera dos clientes. “Não sei se daria certo um compromisso fixo com homem. É difícil conciliar com essa minha vida”.

SEGUNDA PARADA: A VELHA FICHA

No quarteirão seguinte, no número 3.174, uma simples porta esconde um mundo de códigos numéricos e imagens coloridas. É o portal para uma dimensão povoada de mons-tros, vilões, donzelas em apuro e heróis imbuídos do bem.

E você pode ser qualquer um deles. Basta comprar uma ficha de jogo das mãos de Plínio Erine Basso Filho, 54 anos, e botar numa das três máquinas de fliperama que sobrevi-veram aos novos tempos. Como totens, elas ficam a maior

- Com meu trabalho, estou construindo três casas para alugar

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parte do tempo desligadas, à espera de alguém que ainda queira divertimento eletrônico à moda antiga, com coman-dos e botões analógicos movidos a ficha.

“Hoje em dia, a molecada não quer mais saber dessas máquinas antigas. Nos bons tempos, tinha um monte dessas máquinas. Mas vendi quase tudo”, conta Plínio, o proprie-tário do Videorama. Ele se recorda do tempo em que sua loja, o único fliperama da Guaíra, era maior e tinha diversas máquinas do tipo. “Cheguei a alugar máquinas para várias cidades da região: Imbituva, Prudentópolis etc.”.

Com 33 anos de experiência no ramo, e há 13 no mesmo endereço da Guaíra, Plínio é sobrevivente de um tempo no qual não havia tantos aparelhos de videogame modernos

e populares. Inclusive, ele tem sua maior renda em gabinetes com PlayS-tation 2 e TV. “Quando o pessoal entra aqui e se depara com essas máquinas antigas, ficam espantados. A garotada de hoje nunca havia visto isso”, acres-centando que vez ou outra alguém se interessa por jogar o fliper.

Com o tempo, o proprietário se viu obrigado a se desfazer delas, venden-do para outros interessados.

Numa das três máquinas, os heróis da Marvel (Capitão América, Hulk,

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Wolverine, entre outros) enfrentam perigosos vilões. Mas, no mundo real, já não são mais capazes de desper-tar o mesmo interesse de antes. Por enquanto, a velha ficha sobrevive. Só não se sabe até quando.

TERCEIRA PARADA: NUMA TABACARIA

À tabacaria do outro lado da rua, no mesmo quarteirão. E à sensação de um mundo de sonhos contidos na fumaça de um charuto, no qual o cachimbo, às vezes, é somente um simples cachimbo. Como aqueles na vitrine de Carlos Roberto Robin Marti-nes, de 62 anos.

Ele não é um heterônimo de Fernando Pessoa, mas bem que podia ser. Tamanha a simpatia e a vocação para poetizador. Ex-barbeiro e antigo dono de lanchonete, está no negócio de casa de fumos há 12 anos, todos vividos no mesmo corredor estreito de sua loja da Guaíra. Só em Guara-puava, já são 40 anos de história de um gaúcho vindo de São Borja para trabalhar no exército e que acabou dono de uma tabacaria. “Essa casa de fumos tem pelo menos 30 anos de existência. Eu sou o quarto dono do comércio, que no início era uma relo-joaria. Mas a tabacaria funcionava ao lado. Depois, ela passou para o local onde funciona hoje”.

De cliente, ele pulou o balcão e passou a proprietário. “Com o meu antigo negócio, que era a lanchonete no exército, a tabacaria tinha em comum somente o fato de ser no ramo do comércio. Isso eu sabia fazer, só não entendia muito de fumo”. Por isso, no início foi importante a figura de um senhor que tinha acabado de encerrar uma tabacaria naquela época. Carlos conta que essa pessoa ensinou muita coisa do ofício.

Hoje, na Guaíra, existe apenas a casa de fumos de Carlos e, segundo ele, outras três na cidade. “Dá pra se manter. Se o cara acha que vai crescer no ramo, é meio complicado. Não dá pra ganhar horrores”, e acrescenta que o público geralmente é bem diversificado e concentra bastante gente do interior que vai para a cidade e confia mais na tabacaria para comprar seu produto.

Pequena, mas aconchegante, a tabacaria de Carlos já viu muita coisa durante esses 12 anos. Só não viu muitas mu-danças no comércio do Baixo Guaíra. Segundo o tabaqueiro, daqui pelo menos 30 anos vão continuar a existir as lojas de comércio popular e os barzinhos. “Tem um bar ao lado de uma loja de móveis que funciona há 40 anos. Esse trecho da Guaíra dificilmente vai mudar”.

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Nem se americanizar a rua? “Eu achei que as Lojas Americanas, por ser uma rede grande, iam pegar um ponto melhor, com estacionamento [a filial abriu de frente para os famosos barzinhos da rua, no centro do Baixo Guaíra]. Ela ficou num lugar aperta-do”, teorizando que a melhor região da Guaíra é justamente onde atinge seu pico na parte baixa, até chegar no cruzamento com a Saldanha Marinho, já que do Terminal em diante é que o fluxo de pessoas se concentra.

Portanto, quem estava preo-cupado com “limpeza” da Guaíra, pode ficar tranquilo. Carlos garante que ainda vai demorar muito para a parte baixa mudar seu perfil.

QUARTA PARADA: DE BAR EM BAR

Entre uma baforada e outra, um trago de uísque ou um monte de cerveja. Além de coxinhas, pastéis, rissoles, bolinhos de carne, ovos em conserva e o que mais vier. De frente para o Terminal, o cheiro de salgados encharcados e o aroma de cervejas atiçam o paladar e convidam para um bar que funciona há 20 anos no mesmo lugar.

Bancos com assentos de plásti-co branco e encosto, vários balcões formando uma estranha arquitetura, mesas de metal, ovos guardados num

vidro de conserva, doces e bombons espalhados por divisó-rias de vidro, uma TV posicionada em cima de uma pilha de engradados de cerveja, algumas migalhas de salgado orna-mentando o chão, uma vitrine com salgadinhos em exibição. Parece que o bar de Messias e esposa parou no tempo. Junto com a Guaíra. Messias garante que essa “essa rua mudou pouco em 200 anos. Acho que só a mão da rua”.

Aberto quase todos os dias até 19h, o bar testemunhou um comércio com poucas alterações: barzinhos, lojas anti-gas, público. “Vem muitos fregueses do interior, que preci-sam usar o banheiro e depois consomem alguma coisa. Na churrascaria aqui perto, cobra-se R$ 1,50 pelo banheiro”.

Mesmo sendo um bar que vende bebida alcoólica, Messias garante que nunca sai confusão. “A gente mantém o respeito”.

ÚLTIMA PARADA: UMA NOITE NA GUAÍRA

São oito horas da noite e a rua sente o sono chegar, fechando, não os olhos, mas sua infinidade de portas de aço. Mas o ritmo não se reduz por completo, pois as luzes dos postes se acendem, mantendo uma claridade difusa e entorpecedora. Cenário perfeito para os habi-tantes da noite que tomam o lugar daquela gente apres-

- Eu achei que as Lojas Americanas, por ser uma rede grande, iam pegar um ponto melhor, com estacionamento - a filial abriu de frente para os famosos barzinhos da rua, no centro do Baixo Guaíra -. Ela ficou num lugar apertado

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sada e preocupada com o horário de chegada e partida.

Nos barzinhos um pouco adiante do comércio de Messias, aqueles que estiverem com sede vão encontrar o pouso perfeito, pelo menos até as dez, onze da noite.

Mais ao longe, o Parati continua com suas portas abertas, como um convite ao frequentador que precisa de um pouco de álcool e da compa-nhia de meninas de fino trato.

O tempo passa rápido e agora já são dez horas. A Guaíra fica ainda mais deserta, restando o protagonis-mo a carros e ônibus.

Ao lado e acima da tabacaria de Carlos, tomando toda a esquina do quarteirão, o Hotel Ouro Verde. Na

fachada desbotada e surrada, um pouco da história de mais de 60 anos desse prédio, nas contas de Carlos, o vizinho ilustre que conheceu a família pioneira no ramo hoteleiro.

Desde 2009, os primeiros donos não administram mais o empreendimento. No entanto, os corredores amplos e a ar-quitetura labiríntica de banheiros coletivos e quartos escondi-dos testemunham a história do Ouro Verde.

Pelos 60 quartos, passam diariamente viajantes e represen-tantes comerciais, gente simples que conta com a comodidade de um hotel situado na esquina do Terminal e no coração da Guaíra, ou melhor, da parte baixa.

- Já a Guaíra, é mais do povão, com seu comércio à moda antiga e alternativo. Prostitutas, bêbados, tatuadores, tabaqueiros, todos têm seu espaço garantido

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E se a fé falhar, num dos andares um Cristo feito de armação de ferro está afi xado acima de um sofá de descanso. No refeitório, a proteção se completa com uma pintura de Jesus e Maria feita em 1964.

É meia-noite e mais um dia se fi nda na Guaíra.

*Para preservar a identi dade das entrevistadas, optou-se por nomes fi ctí cios. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

- Na fachada desbotada e surrada, um pouco

da história de mais de 60 anos desse prédio, nas contas de Carlos,

o vizinho ilustre que conheceu a família

pioneira no ramo hoteleiro

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Amorda minha vida Daqui até a eternidade

Para mim, autora deste texto, tudo começou quando vi um compartilha-mento de um vídeo em uma dessas re-des sociais. Como adoro assistir esses pedidos de casamento criativos que estão sendo feitos ultimamente, não hesitei nem um momento em clicar no Flash Mob de Pedido de Casamento.

Sentimentalista e chorona como sou, senti meus olhos marejados ao ver alguns jovens dançando coreogra-ficamente a canção do eterno Cazuza, exagerado. A bela apresentação foi realizada em uma calçada em frente a um bar em Maringá, e como em um conto de fadas, rosas brancas foram jogadas ao público enquanto Cazuza cantava “te trago mil rosas roubadas”.

O ápice da apresentação é quando Gabriel ao final da música passa por um túnel de braços estendidos, pegaas alianças, se ajoelha em frente ao Daniel e quando os olhos já disseram tudo um ao outro, se abraçam e se beijam. O público, tanto quem sabia quanto quem não sabia da surpresa, aplaude de pé a demonstração de amor que acabaram de ver.

Para Gabriel, o idealizador do plano, tudo começou bem antes. “Sempre sonhei com um pedido me-morável, mas não sabia como fazê-lo!

Na verdade, sempre quis me casar. Várias coisas se passaram pela minha cabeça. Lugares, viagens, situações. Surgiu então a ideia do flash mob”.

Depois da ideia já em mente, che-gou a hora de por em prática. Gabriel contou com a fundamental ajuda da irmã e das primas, que tem uma academia de dança. Depois disso, a escolha da música também foi suges-tão da irmã, que viu na letra a história dos dois e também sabia que Gabriel era fã de Cazuza.

“Escolhemos a música em janei-ro e tínhamos um mês para juntar a galera e fazer todos os ensaios. Nosso grande problema era que muitos ami-gos do Daniel não eram de Maringá, então minhas primas arrumaram um grupo de flash mob e juntos monta-ram a coreografia”.

Para que desce tudo certo no dia, eles ensaiaram nos fins de semana, e chegaram a gravar os ensaios e a

Quem narra: Lays Pederssetti

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mandar para todos os participantes para que pudessem praticar em casa. Gabriel recebeu muito apoio da famí-lia e dos amigos desde o início, inclu-sive do dono do bar. “Conversei com o dono do bar e ele adorou a ideia e deu todo apoio possível. Os amigos do Daniel, então, adoraram a surpresa, e estavam ansiosos para o grande dia”.

E quando lhe questionei se ficou com receio de sofrer preconceito das demais pessoas que estivessem no bar, ele resumiu em uma frase toda a discussão:

“É claro que receber uma sur-presa dessas foi marcante. Por mais que sejamos realistas e sabemos que contos de fadas não existem, no fundo, gostamos de ter um momento especial na nossa vida. Para alguns, basta algo simples. Para outros, algo grandioso. O importante é termos essa noção de que somos amados, queridos. Então ao ver que toda aquela dança era para mim - e eu confesso que até cair a ficha demo-rou um pouco, porque eu imaginava que era pra outra pessoa - eu falei: ‘Caramba, é pra mim isso tudo. Pra mim!’. Você se sente especial. Quan-do eu vi o Gabriel dançando, eu pen-sava: como ele sabe essa dança? Por que ele tá tenso? Daí ele apontou pra mim e eu gelei! A partir daí qualquer coisa que viesse, já estava valendo, pois só de imaginar que ele bolou isso tudo e um monte de gente se mobilizou para isso, me faz ter aque-la sensação de ‘É, estou realmente vivendo um conto de fadas’. Para a nossa realidade, isso é mágico”.

Esse conto de fadas tocou o coração do mundo. Pessoas de vários países assistiram ao vídeo, que hoje soma 182.347 acessos. Além disso, o vídeo ganhou inúmeras postagens em sites ingleses.

Daniel diz que não esperavam tamanha repercussão: “Eu achei que fosse ficar restrito à Maringá. Entre-tanto, foi parar no mundo todo. Rece-bemos muitas mensagens positivas, dizendo que somos a esperança pra uma geração. Mensagens bonitas, pessoas emocionadas. Eu fico feliz em saber que enxergam além de nossa orientação sexual, conseguem ver o essencial ali que é justamente o amor, o companheirismo. Viram que não es-tamos preocupados com o que possa ser ruim, porque justamente estamos fazendo o oposto, divulgando o amor.

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Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.

“Nós não fizemos nada, apenas demonstramos o nosso amor”.

Então, resolvi deixar esse papo de preconceito pra lá, pois o que me interessava mesmo era saber mais sobre a surpresa. Foi aí que o Daniel entrou na conversa e contou como foi o furação de sensações e pensamen-tos que passaram pela mente dele naquele momento.

Isso que gosto de passar pros ou-tros. Mas o que me tranquiliza é que, definitivamente, temos bem mais comentários positivos”.

“Procuro ser uma pessoa livre de preconceitos e enxergar apenas o ser humano”.

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Como os destinos foram traçados...

Gabriel e Daniel se conheceram pelo facebook. Naquela época, Daniel morava no Rio de Janeiro, e como ambos iam para o Rock in Rio, estava marcado o local do primeiro encon-tro. Desde então, todo mês eles se encontravam, até que, no início de 2012, passaram a morar juntos em Maringá. Toda essa história já faz um ano e meio.

E desde então tem sido assim, um completa o outro. Para o Daniel, Gabriel é mesmo O cara. “Ele tem um jeito de ser, de agir

na vida, de cuidar do outro, de se preocupar, de lidar com as pessoas, que é raro hoje em dia. Eu me apaixonei pelo jeito que ele me olha. Pelo carinho que ele tem comigo. Pela segurança que ele me passa. Por todo o companheirismo que achei que fosse ser muito difí cil de encontrar atual-mente. E principalmente, pelo ser humano que ele é”. E para Gabriel, o Daniel é uma das pessoas que tem a melhor índole. “Ele não vê maldade em nada! Sempre sincero, amigo, companheiro, amante! Uma

pessoa sem igual. Sempre disponível para ajudar os outros. Realmente, a pessoa com quem quero passar o resto de minha vida”.

Pois é, diante desta bela história a gente até consegue imaginar um roteiro de conto de fadas. Mas se você ainda não encontrou a sua metade da laranja, alma gêmea ou príncipe encantado, não se preocupe, nada está perdido.

Fotos: arquivo pessoal

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Como os destinos foram traçados...

Fecha,Raul!Ele abre e fecha 45 portas do

Vigilante + Porteiro

comércio guarapuavano, todas as

manhãs e noites; e faz isso há 31 anos.

Quem narra

taysa santos

e fotografa:

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São 19h, cuidadosamente a porta de aço começa a esconder uma das maio-res e mais antigas vitrines da rua XV de novembro. Três quadras dali, chega a hora dos manequins, que durante o dia posaram com as novas tendências da co-leção outono/inverno, dormirem. Luzes são apagadas, mais uma vitrine é fecha-da. De loja em loja, até o final da noite, as portas são abaixadas com a delicade-za de quem faz isso há muito tempo.

É difícil encontrar alguém que nunca tenha visto Seu Raul e sua beagle, an-dando durante a noite pelas ruas da ci-dade. Sempre com uma jaqueta para se proteger das madrugadas geladas, há 31 anos ele desempenha o trabalho de fechar todas as noites e abrir todos os inícios de manhã as portas de aços que cobrem as vitrines das lojas. “De dez anos pra cá eu não parei mais de traba-lhar, nem tirei férias. É muita confian-ça, eu trabalho aqui há muito tempo”.

Simpático e muito conversador, boas histórias são o que não faltam em sua vida. Durante as várias conversas que tivemos ele me falou um pouco sobre tudo, contou da sua rotina, de seus ir-mãos, filhos, netos, sobre sua esposa, sua fé em Deus e principalmente sobre como ele é feliz com tudo o que conquis-tou apenas abrindo e fechando portas.

Aposentado, com 65 anos recém-completos, Raul Correa Almeida é ca-sado há 46 anos, tem sete filhos e doze netos. O amor que sente por eles foi per-ceptível em seu olhar em quanto falava.

Sorrindo, ele me dis-se que o segredo para construir uma família e uma vida digna é não apenas reclamar, mas sim trabalhar muito e dar valor para tudo o que se tem. “Eu não me queixo de nada nessa vida, eu sai de casa com 12 anos, eu me criei em Guarapuava. Com essa idade já comecei a tra-balhar numa serraria e com o meu trabalho consegui criar minha fa-mília, dar estudo e boas condições para meus fi-lhos e também para os meus netos”.

Atualmente Seu Raul abaixa cerca de 45 por-tas de lojas centrais da cidade. Seu trabalho co-meça às seis e meia da tarde e segue até sete da manhã, depois de doze horas de trabalho é hora de ir pra casa des-cansar. “Chego em casa lá por oito horas, tomo um banho, um copo de chá e depois passo o dia inteiro dormindo”.

Dono de uma saúde invejável, diariamente Seu Raul pedala sete

A gente pega amor no bicho e agora eu não consigo ficar sem ela“

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kilômetros para chegar ao trabalho e depois de passar a maior parte da noite em pé, pela manhã enfrenta de bicicleta o caminho de volta para casa.

Além disso, Seu Raul tem uma companheira de madrugada. “Eu considero ela minha, pois fui eu que criei. Ela é um amor, sempre me de-fende”. Assim ele descreve Tina, uma cachorrinha da raça beagle que, ape-sar de oficialmente ser do seu chefe, o acompanha durante as noites desde que ela era filhote. E agora, com qua-se quatro anos, é sua fiel escudeira. “Quando eu fiquei sete dias sem tra-balhar, a Tina chorava a noite inteira. Quando ela me viu só faltava me abra-çar, latia, pulava sem parar. Acho que ela pensava que eu não ia voltar mais. A gente pega amor no bicho e agora eu não consigo ficar sem ela”.

Quem passa a noite no centro da cidade tem muitas histórias para con-tar. “Esses dias mesmo tinham dez rapazes batendo em um, eu tive que intervir se eu não fosse lá eles iam matar o piá, para mim isso é prevale-cimento. Hoje são dez para matar um, é muita covardia”. Fatos como esse fazem parte da rotina de trabalho de Seu Raul. “Eu toda a vida fui um cara muito bom de chegar e conversar antes de qualquer coisa. Mas agora está mais complicado, existem muitas gangues durante as noites e também muito consumo de droga”.

Quem passa a noite no centro da cidade tem muitas histórias para contar.

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Seu Raul acredita que todo mundo, independente da idade ou clas-se social, pode conquistar o que deseja. O grande segredo para isso acontecer é correr atrás e se esforçar o máximo possível. “Todo mun-do é capaz, tem que ter muita força e vontade de aprender. Todos os serviços ensinam muito as pessoas, eu gosto muito do que eu faço”.

Para terminar, nada melhor do que falar sobre a vida, principal-mente quando se trata de uma história de quem criou uma família e conseguiu tudo o que tem com o seu trabalho, que segundo ele é um dos grandes moti vos para sua felicidade. “A vida não é fácil, mas tam-bém não é tão difí cil assim como o pessoal fala. Eu sempre escuto as pessoas jovens reclamando, mas temos que ter coragem e enfrentar. Tenho orgulho em dizer que tudo o que conquistei foi trabalhando honestamente, eu nunca peguei nada de ninguém”.

O sol nasceu. O dia promete ser quente. Os carros começam rodar pela XV. As pessoas colocam a rua em movimento. Vitrines abertas. Seu Raul termina seu turno. Para ele chega a hora de descansar.

Tenho orgulho em dizer que tudo

o que conquistei foi trabalhando

honestamente, eu nunca peguei nada

de ninguém“

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IMPEssoaLIDaDE

um casaco jogado à margem da ruadeitado em superfície áspera

mexia-se aos empurrões descontínuos da ventania

abrigado por um teto escuro e sem perspectiva

um homem próprio de nome próprio pisa-o de passagem sem caso

pensado

somente um chão para apoio dos pés mais macio, porém impessoal

o sol olhapor pálpebras opacas

e o seu piscar é um lento baixar de cortinas

a noite é palco do ensaio de outro dia

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**

Helvio Campos é formado em história e funcionário público. Como poeta, publicou o livro o Pó e suas poesias (2012). os dois textos aqui publicados são inéditos e produzidos especialmente para esta edição do Bebop.

www.facebook.com/opoesuaspoesias{

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Quando um sorriso fala você deve parar pra ouvir

Quem narra: MAÍRA MACHADO

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Dez horas de uma manhã ensolarada. Eu estava curiosa. Que histórias teria para me contar a menina dos sorrisos? Peguei meu bloquinho, testei meu gravador e fui ao seu encontro. Ela estava no lugar marcado. Talvez um pouco adiantada. A observei por alguns segundos. Com um copo de chá quente nas mãos, ela olhava ao redor, talvez procurando um sorriso a ser fotografado, eu imaginei.

Sentei ao seu lado e me apresentei. Imediatamente me deu um sorriso de presente. Partimos para um ambiente mais silencioso e então iniciamos, de fato, a nossa conversa. Mariana Arboit, estudante de Arte-Educação, caçadora de sorrisos. Descobri seu ofício por meio de um compartilhamento nas redes sociais.

O projeto, que ganhou o título de 365 Dias Sorrindo traz sorrisos diferentes, um a cada dia. Perguntei o motivo que a levou a escolher

fotografar esse tema. “Tinha que ser algo que me fizesse ter contato com seres humanos. Tinha que ser algo que me desse a oportunidade de chegar em um estranho e dizer ‘Oi, posso tirar uma foto sua?’”.

Criativa e encantadora de essência, a jovem pensou em algo que pudesse ser motivo para chegar até as pessoas e quem sabe começar uma amizade. “Queria uma foto por dia de pessoas diferentes. Mas o que elas vão estar fazendo? Pensei. Busquei algo que estivesse presente no cotidiano de todo mundo. E então decidi. Serão 365 sorrisos. Não quero fotos artísticas, quero foto do dia a dia. O importante é o sorriso. É sobre isso que eu falo”.

Assim iniciou a caçada. Começou com uma foto de si mesma, com um sorriso nos lábios e o livro do Peter Pan nas mãos. Na legenda, uma prece. “Deus, Você que tem meu

coração no Teu coração, traga os sorrisos de 2013 e quebre todas as minhas expectativas. Amém!”.

A cada dia uma experiência diferente, um rosto, um sorriso, uma história. Para cada foto tirada, uma descrição. Sempre um verso ou um agradecimento a quem gentilmente alegra o dia de Mariana com um sorriso. “Tem sorrisos que me chamam pelo nome. Se estou em um lugar e dou sorte de estar com a câmera, começo a bater fotos. É engraçado ver a reação das pessoas, porque algumas se escondem, como se eu estivesse apontando uma arma, por isso eu digo que quando eu vou à caçada de sorrisos, eu levo a minha arma que é a minha câmera”.

Neste momento tive certeza de que a palavra certa para descrevê-la era caçadora. Acho que grande parte do sucesso do projeto vem da disposição e da simpatia de Mariana.

Quem narra: MAÍRA MACHADO

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Todo dia ela faz tudo sempre igual...Não. Fácil seria se realmente funcionasse desse jeito. Fácil seria se houvesse uma hora marcada, um modelo de sorriso escolhido, uma pessoa certa para a foto do dia.

Quando sai à caça, ela não faz ideia do que vai encontrar. “As pessoas desconhecidas são sempre um desafio. Eu estou tão dentro do projeto que agora eu saio e fico prestando atenção no sorriso de todo mundo. Têm pessoas que me dão um sorriso na hora, outras reagem como se

É impossível não prestar atenção na maneira leve que sorri. Não poderia ser diferente, afinal, disso ela entende.

“Uma das melhores coisas nesse projeto é a força de vontade que ele me traz para chegar nas pessoas e pedir um sorriso. É claro que elas estranham - e eu gosto do estranhamento, mas ter uma justificativa para fazer alguém sorrir é mais do que gratificante”, escreveu na descrição da foto do dia 77. E assim ela me disse “Esse é o meu objetivo. Inspirar as pessoas a sorrir”. Devo admitir que alcançou seu objetivo. Todas as vezes que olho as fotos, me percebo com um sorriso. Espontâneo, involuntário. Sorrisos que me deixam curiosa.

Quis saber, então, qual o significado de um sorriso para ela, que sorrindo, me respondeu: “É uma coisa tão simples. Todo mundo sorri. Ao mesmo tempo é uma coisa universal. Eu posso estar aqui sorrindo e sei que você vai me entender. Eu também posso sorrir pra alguém lá no Japão que ele também vai entender. É legal porque nenhum sorriso é igual ao outro, e então vou colecionando”.

Quando a caçadora

sai à caça

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O sorriso

“O meu melhor sorriso é aquele de quando estou fotografando. Quan-do eu pego a câmera e coloco nos olhos, começo a rir”.

Apesar de acostumada com o ofício de colecionar sorrisos, Mariana ainda sente aquele friozinho na barriga a cada caçada. Sorrindo ela diz que é difícil descrever o que sente quando sai fotografar. Em certas ocasiões sente medo de ser rejeitada por estar com uma câmera; em outras, se sente extremamente bem. “Ver o sorriso das pessoas me deixa mais feliz”.

Nossa conversa estava acabando e uma pergunta me inquietava. Para encerrar eu quis saber o que merecia um sorriso da caçadora. E ela, com

toda sua delicadeza, sorriu:“Um sorriso me faz sorrir. O fato de a vida existi r e de sorrir pra gente, é a minha maior alegria”.

Então eu pensei: ‘Pronto. Minha entrevista está fi nalizada.’ Me enganei. Quando percebi, Mariana ti rava da bolsa a sua câmera e genti lmente pediu se poderia colocar um sorriso meu em sua coleção. Era a foto 107, me posicionei, pensei em amor e dei a ela um sorriso de presente.

Foi assim que me tornei um dos 365 sorrisos de Mariana.

eu esti vesse realmente armada. Também fotografo pessoas conhecidas, as quais já me mostraram seus sorrisos, aqueles que eu já consigo reconhecer e saber o que querem dizer”.

Nem sempre é fácil sair por aí procurando sorrisos, até mesmo para uma especialista na ati vidade. Na descrição de uma das fotos do começo da jornada, Mariana colocou que pensou em desisti r, mas que outros tantos moti vos a fi zeram prosseguir a caminhada. “Tiveram dias que eu não ti nha fotos e nem vontade de sair fotografar. Acontece, tem dias que a gente não está bem. E não foi tão fácil quanto parecia que ia ser. Tem dias que parece que ninguém quer sorrir pra você. Hoje eu penso que se naquela vez eu ti vesse desisti do eu teria perdido muitos sorrisos”.

“PREPARE SEU SORRISO QUE EU VOU PASSAR COM MINHA CÂMERA

contagia

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Linhas, tricô e um emaranhado de histórias

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Certa vez ouvi que a esti mati va de vida do brasileiro aumentara.- Esti mati va de vida, pensei, essa frase me soava mais vaga do que

as palavras saudade e liberdade. Logo as esqueci quando me deparei com o enorme letreiro com a palavra SOS, seu tamanho e cor vermelha enfati zavam o termo.

Era uma tarde de visita no asilo municipal, carros e pessoas faziam com que o portão eletrônico branco permanecesse aberto. De seu longo jardim ouvia-se conversas e risos, que ora eram cortados pelo silêncio - a vaga palavra saudade parecia encaixar ali.

Dona Elvira estava sentada junto com os outros moradores do asilo, parecia fazer parte da casa.

- Podemos conversar? - perguntei logo após me apresentar.- É claro, vamos para um lugar mais tranquilo.A sala estava cheia de idosos e jovens falantes que os visitava. Com

passos curtos e lentos, dona Elvira me levou pelo longo corredor central, sua fi sionomia serena transmiti a confi ança, seus cabelos grisalhos e curtos me fez imaginar que a muito tempo os usava assim, mas agora ela estava na moda.

Quem narra:NATACHA JORDÃO

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Com calma se sentou e abriu um sorriso. Agora entendo porque todos a chamam de vó.

- Podemos começar.Com sua voz sempre baixa e palavras compassadas,

vó, ou no meu caso tia, pois assim ela me apresentou aos jovens idosos, quando seus olhares curiosos se depararam com minha conversa com Dona Elvira, mas nada disso a incomodava.

- Aqui somos uma grande família.Ela me contou das pessoas que faziam e já fi zeram parte

da sua vida, sendo interrompida ora por sorrisos, ora por brincadeiras que alguns de seus ‘parentes’ lhe dirigiam quando passavam pelo corredor.

- Eu venho aqui há 30 anos, já conheci muita gente, nestes dias o asilo está um pouco vazio, é uma pena, perdemos alguns amigos. Seus olhos miraram o vazio,

- Aqui somos uma grande família.

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relembrando quantas pessoas já haviam parti do desde que começara a trabalhar no asilo.

Ela se endireitou no comprido banco, e me contou sobre quanto tempo de sua vida dedicara para ajudar os idosos.

- Eu já fi z muita coisa como voluntária aqui. Agora com 90 anos não me deixam fazer muito, mas eu ainda ajudo no café da tarde.

Logo que dona Elvira pronunciou essas palavras, uma senhora de baixa estatura e passos apressados se sentou em nossa frente. Ela segurava uma boneca como se fosse sua própria fi lha. O brinquedo não era grande, mas no colo da pequena senhora, parecia enorme. A boneca vesti a roupas de crochê feitas sob medida por dona Elvira.

- Ela gosta de brincar, não larga a boneca nunca, se

tenho linha sempre faço alguma roupinha.Depois de me mostrar sua boneca e como a roupa

dela combinava com suas meias, a senhora de passos apressados nos deixou, mas não fi camos sozinhas, logo em seguida uma senhora que trabalha no asilo passou e, como já esperado, sorriu e começou a conversar. Dona Elvira logo lhe presenteou com um par de meias de trico feitas por ela.

- Eu já fi z para todas as irmãs, só faltava ela, vai mantê-la quente no inverno.

Ouvi várias histórias de dona Elvira, e ainda sem entender a frase ‘esti mati va de vida’, percebi que no asilo municipal de Guarapuava, ao lado de dona Elvira, ela signifi cava uma ter uma segunda família, alguém que lhe ajude quando os demais já se foram e ter algo para se manter quente no inverno.

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GUARAPUAVAPROJETO FOTOGRÁFICO

ONTEMHOJE

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Arquivo Histórico - Unicentro

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Lays Pederssetti

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Arquivo Histórico - Unicentro

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Lays Pederssetti

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Arquivo Histórico - Unicentro

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Maíra Machado

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Arquivo Histórico - Unicentro

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Cristiano Martinez

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Arquivo Histórico - Unicentro

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Cristiano Martinez

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Arquivo Histórico - Unicentro

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Taysa Santos

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Natacha Jordão

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