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www.bea.aero 1/5 1. O voo planejado O Airbus A330-200, de matrícula F-GZCP, voo 447, partiu do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, em 31 de maio de 2009 às 22h29min (1) com destino ao aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, onde deveria chegar após 10 horas e 34 minutos de voo. O avião transportava 216 passageiros de 32 nacionalidades, 9 comissários de bordo e três pilotos, sendo um comandante e dois copilotos (2) . O combustível a bordo da aeronave dava uma autonomia estimada superior a 11 horas e 30 minutos de voo. Durante o voo, o avião deveria passar pelo espaço aéreo controlado pelo Brasil, Senegal, Cabo Verde, Espanha (Ilhas Canárias), Marrocos, Espanha (Madrid) e França. Parte dos espaços controlados pelos centros oceânicos do Atlântico (Brasil) e de Dakar (Senegal) está fora do alcance de comunicações via rádio VHF. As comunicações com estes dois últimos centros são feitas principalmente através de rádio HF (3) que é o meio de comunicação primário. A aeronave deveria atravessar a Zona de Convergência Intertropical fora da costa do Brasil. Esta Zona apresenta, com frequência, fenômenos tempestuosos caracterizados por turbulências e precipitações. A situação meteorológica nesta Zona, no dia do acidente, não era incomum para o mês de junho. 2. A perda de contato com a aeronave e o acionamento dos serviços de emergência À 01h35min, a tripulação confirmou ao controlador do Centro de Controle de Área Atlântico o recebimento de uma mensagem, tendo sido este o último contato entre o controle de voo e a aeronave. A tripulação deveria contatar o controle de Dakar antes de entrar em seu espaço aéreo, previsto para o ponto TASIL às 02h20min (4) . (4) O acidente ocorreu às 02h14min28seg. Investigação de segurança sobre o acidente ocorrido em 01 de junho de 2009 Resumo Le Bourget, 5 de julho 2012 (1) Os horários estão expressos em tempo universal coordenado. Devem ser acrescentadas 2 horas para obter o horário de Paris no dia do voo e subtrair 3 horas para obter o horário do Rio de Janeiro. (2) A tripulação técnica consiste normalmente em 2 pilotos, mas aqui é reforçada levando-se em conta a duração do voo. (3) As ligações por HF são frequentemente perturbadas por fenômenos ionosféricos.

BEA july AF447

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BEA July AF447

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  • www.bea.aero

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    1. O voo planejado

    O Airbus A330-200, de matrcula F-GZCP, voo 447, partiu do aeroporto do Galeo, no Rio de Janeiro, em 31 de maio de 2009 s 22h29min(1) com destino ao aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, onde deveria chegar aps 10 horas e 34 minutos de voo.

    O avio transportava 216 passageiros de 32 nacionalidades, 9 comissrios de bordo e trs pilotos, sendo um comandante e dois copilotos(2). O combustvel a bordo da aeronave dava uma autonomia estimada superior a 11 horas e 30 minutos de voo.

    Durante o voo, o avio deveria passar pelo espao areo controlado pelo Brasil, Senegal, Cabo Verde, Espanha (Ilhas Canrias), Marrocos, Espanha (Madrid) e Frana. Parte dos espaos controlados pelos centros ocenicos do Atlntico (Brasil) e de Dakar (Senegal) est fora do alcance de comunicaes via rdio VHF.

    As comunicaes com estes dois ltimos centros so feitas principalmente atravs de rdio HF(3) que o meio de comunicao primrio.

    A aeronave deveria atravessar a Zona de Convergncia Intertropical fora da costa do Brasil. Esta Zona apresenta, com frequncia, fenmenos tempestuosos caracterizados por turbulncias e precipitaes. A situao meteorolgica nesta Zona, no dia do acidente, no era incomum para o ms de junho.

    2. A perda de contato com a aeronave e o acionamento dos servios de emergncia

    01h35min, a tripulao confirmou ao controlador do Centro de Controle de rea Atlntico o recebimento de uma mensagem, tendo sido este o ltimo contato entre o controle de voo e a aeronave. A tripulao deveria contatar o controle de Dakar antes de entrar em seu espao areo, previsto para o ponto TASIL s 02h20min(4).

    (4)O acidente ocorreu s 02h14min28seg.

    Investigao de segurana sobre o acidente ocorridoem 01 de junho de 2009

    Resumo

    Le Bourget, 5 de julho 2012

    (1)Os horrios esto expressos em

    tempo universal coordenado. Devem

    ser acrescentadas 2 horas para obter o horrio de Paris

    no dia do voo esubtrair 3 horas

    para obter o horrio do Rio de Janeiro.

    (2)A tripulao tcnica consiste

    normalmente em 2pilotos, mas

    aqui reforada levando-se em conta

    adurao do voo.

    (3)As ligaes por HF so frequentemente

    perturbadas por fenmenos

    ionosfricos.

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    s 03h45min o centro seguinte ao de Dakar, o Centro Sal (Cabo Verde), no tendo a visualizao do AF 447 no radar, chamou o controlador de Dakar. Em seguida, comeou uma confusa troca de informaes entre os diferentes centros de controle envolvidos na rota da aeronave, os centros de busca e salvamento associados e ocentro operacional da Air France. s 05h23min, a fase inicial de busca, que consiste em coletar informaes sobre o voo, foi iniciada pelo Centro Atlntico, mas o Centro Brest no acionou a Fase de Perigo, que disparou as operaes de busca e salvamento, apenas s 09h09min, mais de seis horas e meia aps o acidente.

    O primeiro avio de busca brasileiro decolou s 11h04min. Ele foi seguido, s12h14min, pela aeronave Brguet Atlantic lotado em Dakar e colocado disposio das autoridades senegalesas pela Frana.

    Os corpos das primeiras cinquenta pessoas e os destroos do avio foram encontrados entre 6 e 18 de junho de 2009.

    3. A investigao at a leitura dos gravadores de voo(5)

    Os nicos itens disponveis para os investigadores desde a descoberta dos destroos no mar at a leitura dos gravadores de voo, em maio de 2011, vieram de:

    Informaes sobre o avio e tripulao recolhidas na empresa; Informaes contidas nas 24 mensagens de manuteno (ACARS) automaticamente

    transmitidas pelo avio; Uma mensagem dando a posio do avio s 02h10min; Anlise dos destroos.

    Estes elementos iniciais permitiram aos investigadores concluir que:

    A aeronave estava inteira no momento do impacto; A aeronave colidiu com a superfcie da gua em atitude de nariz elevado, pequena

    inclinao lateral e elevada velocidade vertical; No houve preparao para o pouso forado na gua; No houve despressurizao; Ocorreu uma inconsistncia nas velocidades medidas logo aps as 02h10min; Esta inconsistncia havia provocado a perda de alguns sistemas automticos; O acidente ocorreu entre 02h14min26seg e 02h15min14seg.

    A obstruo das sondas Pitot por cristais de gelo foi identificada como o primeiro de uma srie de eventos que levaram ao acidente. No entanto, nesta fase, as informaes disponveis no permitiam determinar as circunstncias do acidente. A localizao dos destroos e a recuperao dos gravadores foram essenciais para a continuao da investigao.

    Somente em 2 de abril de 2011 os destroos foram localizados, prximo da ltima posio conhecida, a 3.900 m de profundidade, durante a quarta fase de buscas submarinas. Os gravadores de voo foram recuperados em 01 e 03 de maio de 2011 e foram lidos em 12 e 13 de maio de 2011 nas instalaes do BEA. Suas leituras permitiram conhecer as circunstncias exatas do acidente. A investigao se concentrou nas ltimas duas horas de voo, que foram subdivididas em trs fases(6):

    Fase 1: do incio da gravao de voz at a desconexo do piloto automtico; Fase 2: da desconexo do piloto automtico at a ativao do alarme de estol; Fase 3: da ativao do alarme de estol at o final do voo.

    (5)O histrico da busca de superfcie

    e submarinas realizadas entre a data do acidente

    e maio de 2011 foi objeto de relatrio

    em separado.

    (6)Conforme relatrio da etapa n 3.

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    Atitude do avio nos ltimos segundos do voo

    4. As causas do acidente

    poca do acidente, a obstruo das sondas Pitot por cristais de gelo, emcruzeiro, jera um fenmeno conhecido pela comunidade aeronutica, mas no era entendido como possvel contribuinte para um acidente. Do ponto de vista operacional, aconsequente perda de todas as informaes de velocidade era uma falha identificvel. Havia a presuno de que, aps as reaes iniciais que envolvem habilidades bsicas de pilotagem, a obstruo dos pitots pudesse ser corretamente diagnosticada pelos pilotos, e gerenciada atravs de aes conservadoras no controle da atitude e da potncia da aeronave, conforme previsto nos procedimentos de emergncia da aeronave.

    A tripulao do voo AF447 foi totalmente pega de surpresa pela ocorrncia da falha em voo de cruzeiro. As dificuldades aparentes em manejar a aeronave em turbulncia em elevadas altitudes resultou em comandos exagerados de rolagem e um repentino comando de nariz para cima, pelo piloto que estava no controle da aeronave. A desestabilizao, resultante da trajetria de subida, bem como da mudana na atitude de arfagem e na velocidade vertical, somou-se indicao errnea de velocidade e s mensagens do ECAM, no ajudando os tripulantes a desenvolver um diagnstico da situao.

    No minuto seguinte desconexo do piloto automtico, a falha nas tentativas de entender a situao e a quebra na cooperao entre a tripulao exauriu cada um dos tripulantes at a perda total de controle cognitivo da situao. As hipteses de comportamento que levaram classificao da perda das informaes anemomtricas como maior no foram verificadas no contexto do acidente. A confirmao desta classificao, portanto, requer um trabalho adicional em termos de feedback operacional de forma a modificar, quando necessrio, o treinamento da tripulao e a ergonomia das informaes disponveis para eles, assim como a concepo dos procedimentos.

    A aeronave entrou em um estol pronunciado, alertado pelo alarme de estol e um forte buffet. Apesar destes sintomas persistentes, a tripulao nunca compreendeu que a aeronave estava em uma situao de estol e, por isso, nunca aplicou qualquer manobra de recuperao. A combinao entre a ergonomia do sistema de alarme, ascondies em que os pilotos so treinados e expostos condio de estol durante seu treinamento profissional e o processo de manuteno das habilidades de pilotagem no resultou no comportamento esperado em qualquer grau de confiabilidade.

    Atualmente, o reconhecimento do alarme de estol, mesmo quando associado ao buffet, pressupe que a tripulao atribua um mnimo grau de legitimidade ao alarme. Isto, por sua vez, pressupe uma experincia anterior suficiente sobre

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    as condies de estol, ao menos algum preparo cognitivo e a compreenso dasituao, alm doconhecimento da aeronave (seus modos de proteo) e da fsica do voo. Uma reviso do treinamento de pilotos na empresa no apresentou uma evidncia convincente de que as devidas habilidades tenham sido corretamente desenvolvidas e mantidas.

    Genericamente, a dupla falha dos procedimentos esperados mostram os limites domodelo de segurana atual. Quando uma ao da tripulao esperada, sempre se supe que ela ter a capacidade de inicialmente controlara trajetria de voo e rapidamente diagnosticar e identificar a atitude correta a ser tomada na lista de procedimentos. Uma tripulao pode encontrar uma situao imprevista que cause uma momentnea, mas profunda, perda de compreenso. Se, nestes casos, apresumida capacidade de inicialmente controlar e depois diagnosticar perdida, o modelo de segurana passa a ser classificado como falha comum. Nesta ocorrncia, a incapacidade de inicialmente controlar a trajetria de voo tambm tornou impossvel compreender asituao e encontrar a soluo apropriada.

    Portanto, o acidente resultou da seguinte srie de eventos:

    A temporria Inconsistncia entre as velocidades medidas, presumivelmente como resultado da obstruo das sondas Pitot por cristais de gelo, o que, entre outras coisas, resultou na desconexo do piloto automtico e na reconfigurao para Alternate Law;

    Os inapropriados comandos aplicados nos controles, o que desestabilizou a trajetria de voo;

    A falta de qualquer ligao estabelecida, pela tripulao, entre a perda das informaes de velocidade indicada e o procedimento previsto;

    A identificao tardia, pelo PNF, do desvio da trajetria de voo e a correo insuficiente comandada pelo PF;

    A falha da tripulao em identificar a aproximao do estol, a falta de resposta imediata e a sada do envelope de voo;

    A falha da tripulao em identificar a situao de estol e, por consequncia, a ausncia de comandos que permitissem a recuperao da aeronave.

    Estes eventos podem ser explicados pela combinao dos seguintes fatores:

    Os mecanismos de feedback de todos os envolvidos que tornaram impossvel: Detectar e remediar a recorrente falta de aplicao do procedimento previsto em panes de indicao de velocidade,

    Garantir que o modelo de risco para tripulaes em voo de cruzeiro inclusse ocongelamento dos tubos de Pitot e suas consequncias;

    Falta de treinamento prtico de pilotagem manual em altitude elevada, e no procedimento previsto para falhas de indicao de velocidade;

    Trabalho em equipe da tripulao enfraquecido por: Incompreenso da situao quando do desligamento do Piloto Automtico, Mau gerenciamento do efeito surpresa, que resultou em alto nvel de estresse dos dois copilotos;

    A falta de uma indicao clara, na cabine de pilotagem, da inconsistncia na indicao de velocidades, identificada pelos computadores;

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    A falha da tripulao em levar em considerao o alarme de estol, que pode ter sido devido:

    falha na identificao do alarme sonoro, Ao surgimento, no incio da ocorrncia, de alarmes acionados transitoriamente, que poderiam ser considerados como esprios,

    falta de informao visual que permitisse confirmar a aproximao do estol aps a perda de indicao de velocidade,

    confuso possvel com uma condio de sobre velocidade, na qual o buffet tambm considerado como sintoma,

    s indicaes dos diretores de voo que podem ter confirmado tripulao que seus comandos estavam corretos, apesar de inapropriados,

    dificuldade em identificar e compreender as implicaes da reconfigurao em alternate law, sem nenhuma proteo do ngulo de ataque.

    5. reas de aprimoramento recomendadas pelo BEA

    Alm das 16 recomendaes j feitas nos relatrios preliminares n 2 e n 3, 25 novas recomendaes de segurana de voo foram agora emitidas pelo BEA.

    Elas incluem:

    Formao e treinamento das tripulaes: Para aprimorar os conhecimentos das tripulaes sobre os sistemas da aeronave e a modificao de suas caractersticas em situaes degradadas ou incomuns,

    Para completar a formao prtica e aprimorar a assimilao dos fundamentos tericos bsicos da tripulao, inclusive sobre desempenho e mecnica do voo,

    Para desenvolver e manter uma capacidade de gerenciamento de recursos da tripulao (CRM),

    Para aprimorar a fidelidade dos simuladores, a fim de reproduzir cenrios realistas de situaes anormais;

    Ergonomia da aeronave, para fornecer um guia s tripulaes, a fim de ajud-los a reconhecer e gerenciar situaes inusitadas;

    Mecanismos de feedback, para melhor analisar os riscos operacionais relacionados aos fatores humanos e aprimorar os procedimentos e o contedo dos treinamentos;

    Monitoramento do operador para aprimorar a eficcia de sua organizao;

    Acionamento dos servios de emergncia e localizao dos destroos: Para acelerar a implantao de meios de comunicao confiveis, inclusive em reas inspitas,

    Para rever a organizao das operaes de busca e salvamento em caso de acidente ocorrido sobre o mar.

    As investigaes do BEA so realizadas em conformidade com as disposies do regulamento 996/2010

    do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de outubro de 2010 sobre as investigaes e a preveno de

    acidentes e incidentes na aviao civil.

    O BEA a autoridade francesa de investigao de acidentes da aviao civil. Suas investigaes destinam-se

    apenas a aprimorar a segurana da aviao e no se destina a atribuir culpa ou responsabilidade. Suas

    investigaes so independentes, distintas e sem prejuzo de quaisquer processos judiciais ou administrativos

    que visem determinar as culpas ou responsabilidades.