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bartok
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CENTRO DE ARTES - CEART
LICENCIATURA EM MÚSICA
ALLAN MEDEIROS FALQUEIRO
BÉLA BARTÓK:
UMA ANÁLISE DO QUARTETO DE CORDAS Nº3
FLORIANÓPOLIS
2009
ALLAN MEDEIROS FALQUEIRO
BÉLA BARTÓK:
UMA ANÁLISE DO QUARTETO DE CORDAS Nº3
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Licenciatura em Música como requisito parcial para obtenção do grau de licenciado em música.
Orientador: Prof. Dr. Acácio Tadeu de Camargo Piedade.
Florianópolis 2009
ALLAN MEDEIROS FALQUEIRO
BÉLA BARTÓK:
UMA ANÁLISE DO QUARTETO DE CORDAS Nº3
Trabalho de conclusão de curso apresentdo ao curso de Licenciatura em Música
como requisito parcial para obtenção do grau de licenciado em música.
Banca Examinadora
Orientador: _______________________________________________
Prof. Dr. Acácio Tadeu de Camargo Piedade
UDESC
Membro: _______________________________________________
Prof. Dr. Marcos Tadeu Holler
UDESC
Membro: _______________________________________________
Prof. Dr. Gulherme Sauer Bronn de Barros
UDESC
Florianópolis, 03/07/2009
Para a Prof. Dr. Maria Ignez Cruz Mello, que teve papel fundamental para a minha formação como músico.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que me ajudaram a fazer este trabalho. Como não
conseguiria nomear a todos em um curto espaço.
À minha família, que sempre me apoiou. Principalmente após a escolha
do curso de música, que, infelizmente, ainda sofre com o preconceito de que músico
não precisa estudar e que música não é profissão.
Aos professores e funcionários do departamento de música da UDESC,
que são verdadeiros mestres e fizeram com que eu tivesse uma ótima estadia
durante o curso. Principalmente ao professor Acácio, por toda a sua ajuda em
pesquisas e por sempre ter me apoiado.
Aos colegas do curso de música, tanto licenciatura ou bacharelados, por
toda a amizade criada e felicidade que me concederam.
À Camila Costa Zanetta, que mesmo quando não está por perto, está
sempre comigo.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo principal a análise do terceiro quarteto de
cordas de Béla Bartók com o auxílio da teoria dos conjuntos e dos métodos
propostos por teóricos que analisaram este quarteto e a música de Bartók em geral.
Após apresentar uma breve biografia da vida de Bartók e uma análise de sua
carreira como pianista, etnomusicólogo e compositor, proponho um estudo de
processos composicionais de Bartók utilizando livros de suma importância para a
compreensão da música de Bartók. Antes de iniciar a análise do terceiro quarteto de
cordas, exponho breves análises de todos os seus quartetos para uma maior
compreensão da escrita de Bartók neste gênero musical, procurando relações entre
as obras. A análise do terceiro quarteto está fortemente baseada em artigos de
teóricos como Straus, Bernard, Berry e Antokoletz. Utilizo a teoria dos conjuntos
para a compreensão da expansão motívica da obra. Para a compreensão da
Seconda Parte, uma análise dos modos e escalas utilizadas por Bartók foi
fundamental.
Palavras-chave: Béla Bartók; Análise; Teoria dos conjuntos; Quarteto de cordas.
ABSTRACT
This work has as main objective the analysis of the Third String Quartet of
Béla Bartók using Pitch-set Theory and methods created by theorists that analyze
this quartet and Bartók’s music. Afterwards a brief biography of his life and an
analysis of his career as pianist, ethnomusicologist and composer, I propose a study
of Bartók’s compositional processes using important books to understand his music.
Before an analysis of his Third Quartet, I expose short analysis of all the others
quartets for a better comprehension of his write in this genre, searching for relations
between the works. The analysis of the Third Quartet is strongly based on articles
from theorists like Straus, Bernard, Berry and Antokoletz. I make use of Pitch-set
Theory for the motívica expansion comprehension. For a better understand of the
Seconda Parte, an analysis of the modes and scales used for Bartók was
fundamental.
Keywords: Béla Bartók; Analysis, Pitch-set Theory; String Quartet.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Béla Bartók e seu filho Béla Bartók Junior, 1915 (GILLIES, 1994) .............13
Figura 2 Béla Bartok, sua esposa Ditta e filho Péter, 1944-45 (GILLIES, 1994) .......15
Figura 3 Bartók coletando canções eslovacas (GROUT & PALISCA, 1996) ............18
Figura 4 Melodias folclóricas eslovacas coletadas por Bartók (GILLIES, 1994)........19
Figura 5 Rascunho do sexto quarteto de cordas (SUCHOFF, 1967) ........................23
Figura 6 ciclo de quintas (LENDVAI, 1979) ...............................................................24
Figura 7 Sistema de eixos (LENDVAI, 1979) ............................................................25
Figura 8: Proporção áurea AB : AC = AC : CB = AB : DB .........................................26
Figura 9 Quarteto nº1, citação de Csak egy szép lány (Kárpáti, 1994) .....................30
Figura 10 Quartet nº1, influência de Beethoven ( Kárpáti, 1994) ..............................31
Figura 11 Quarteto nº1, proporções 1:2, 1:3 e 1:5 ( Antokoletz, 1989) .....................32
Figura 12 quarteto nº2, 11 alturas presentes ( Kárpáti, 1994)...................................33
Figura 13 Quarteto nº2, células Z ( Antokoletz, 1989)...............................................34
Figura 14 exemplo de canção africana ( Karpáti, 1994)............................................36
Figura 15 Quarteto nº2, aplicação de música africana..............................................35
Figura 16 Conjuntos X (a), Y (b) e Z (c e d) ( Antokoletz, 1989) ...............................37
Figura 17 Quarteto nº4, conjuntos X, Y e Z ( Antokoletz, 1994)................................38
Figura 18 Quarteto nº4, conjuntos X, Y e Z ( Antokoletz, 1994)................................39
Figura 19 Quarteto nº4, diferença entre rascunho e versão final (Antokoletz, 1989) 40
Figura 20 Quarteto nº6, cromatismo com 12 alturas (GILLIES, 1994c).....................42
Figura 21 Quarteto nº6, ampliação do cromatismo (GILLIES, 1994c).......................42
Figura 22 cc.1-6 ........................................................................................................44
Figura 23 cc.2-6 (STRAUS, 2008).............................................................................46
Figura 24 cc.7-12 ......................................................................................................47
Figura 25 cc.13-20 (viola e violoncelo)......................................................................47
Figura 26 cc.13-20 (violinos) .....................................................................................48
Figura 27 cc.21-27 ....................................................................................................49
Figura 28 cc.28-32 ....................................................................................................50
Figura 29 cc.27-33 (BERRY, 1979)...........................................................................51
Figura 30 cc.31-34 ....................................................................................................52
Figura 31 cc.35-37 (viola e violoncelo)......................................................................52
Figura 32 c.37 (STRAUS, 2008)................................................................................53
Figura 33 cc.38-39 (violinos) .....................................................................................53
Figura 34 c.40-42 (viola e violoncelo)........................................................................54
Figura 35 cc.35-42 (BERRY, 1979)...........................................................................54
Figura 36 cc.40-42 (violinos) .....................................................................................55
Figura 37 cc.43-46 ....................................................................................................55
Figura 38 cc.35-46 (BERNARD, 2008)......................................................................56
Figura 39 cc.47-53 ....................................................................................................57
Figura 40 cc.54-59 ....................................................................................................58
Figura 41 cc.54-58 (Berry, 1979)...............................................................................59
Figura 42 cc.60-64 ....................................................................................................59
Figura 43cc.60-62 (Berry, 1979)................................................................................60
Figura 44 cc.64-69 ....................................................................................................61
Figura 45 70-77 .........................................................................................................62
Figura 46 cc.76-83 ....................................................................................................63
Figura 47 cc.84-87 ....................................................................................................64
Figura 48 cc.88-92 ....................................................................................................65
Figura 49 cc.93-99 ....................................................................................................66
Figura 50 cc.100-105 ................................................................................................67
Figura 51 cc.106-112 ................................................................................................68
Figura 52: c.113-121 .................................................................................................69
Figura 53 cc.123-125 ................................................................................................70
Figura 54 cc.138-156 ................................................................................................71
Figura 55 cc.157-167 ................................................................................................72
Figura 56 cc.-168-178 ...............................................................................................73
Figura 57 cc.183-205 ................................................................................................74
Figura 58 cc.206-214 ................................................................................................75
Figura 59 cc.216-221 ................................................................................................76
Figura 60 cc.224-229 ................................................................................................76
Figura 61 cc230-237 .................................................................................................77
Figura 62 cc.238-246 ................................................................................................78
Figura 63 cc.247-260 ................................................................................................79
Figura 64 cc.261-286 ................................................................................................81
Figura 65 cc-287-288 ................................................................................................82
Figura 66 cc.294-297 ................................................................................................82
Figura 67 cc.287-297 ................................................................................................83
Figura 68 cc.306-311 ................................................................................................84
Figura 69 cc.312-316 ................................................................................................84
Figura 70 cc.324-330 ................................................................................................85
Figura 71 cc.331-344 ................................................................................................86
Figura 72 cc.247-260 ................................................................................................87
Figura 73 sujeito da fuga...........................................................................................88
Figura 74 contra-sujeitos da fuga ..............................................................................88
Figura 75 cc.354-396 (Bernard, 2008) ......................................................................89
Figura 76 cc.397-402 ................................................................................................90
Figura 77 cc.403-412 ................................................................................................90
Figura 78 cc.414-429 ................................................................................................92
Figura 79 cc.430-441 ................................................................................................93
Figura 80 cc.442-507 - ciclo de conexões (STRAUS, 2008). ....................................94
Figura 81 cc.513-530 ................................................................................................95
Figura 82 cc.531-542 ................................................................................................97
Figura 83 cc.543-547 ................................................................................................98
Figura 84 Melodia inicial - motivo recapitulação........................................................98
Figura 85 cc.552-559 ................................................................................................99
Figura 86 cc.560-578 ..............................................................................................100
Figura 87 cc.579-585 ..............................................................................................101
Figura 88 cc.595-600 ..............................................................................................103
Figura 89 cc.601- 622 (violoncelo) ..........................................................................104
Figura 90 cc.623-634 ..............................................................................................105
Figura 91 cc.623-642 ..............................................................................................106
Figura 92 cc.643-655 (violoncelo) ...........................................................................107
Figura 93 cc.655-663 ..............................................................................................108
Figura 94 cc.664-665e cc.668-669 (primeiro violino) ..............................................108
Figura 95 cc.671-676 ..............................................................................................109
Figura 96 cc.671-676 (violinos) ...............................................................................110
Figura 97 cc.684-690 (coda) - cc.191-196 (seconda parte) ....................................111
Figura 98 cc.709-720 ..............................................................................................112
SUMÁRIO
SUMÁRIO .................................................................................................................13
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................10
2 BÉLA BARTÓK .....................................................................................................12
2.1 BIOGRAFIA.........................................................................................................13
2.2 O PIANISTA ........................................................................................................16
2.3 O ETNOMUSICÓLOGO......................................................................................17
2.4 O COMPOSITOR ................................................................................................20
3 TÉCNICAS COMPOSICIONAIS DE BÉLA BARTÓK ...........................................23
3.1 SISTEMA DE EIXOS...........................................................................................23
3.2 SEÇÃO ÁUREA ..................................................................................................25
3.3 SÉRIE DE FIBONACCI .......................................................................................27
3.4 SIMETRIAS INVERSIONAL E TRANSPOSICIONAL..........................................27
4 QUARTETOS DE CORDAS DE BARTÓK ............................................................29
5 O QUARTETO DE CORDAS Nº3 ..........................................................................43
5.1 PRIMA PARTE CC.1-112....................................................................................43
5.1.1 cc.1-6................................................................................................................44
5.1.2 cc.6-12..............................................................................................................46
5.1.3 1 cc.13-20 ......................................................................................................47
5.1.4 2 cc.21-27 ......................................................................................................48
5.1.5 3 cc.28-32 ......................................................................................................49
5.1.6 Sostenuto cc.33-34 ..........................................................................................51
5.1.7 4 cc.35-39 ......................................................................................................52
5.1.8 5 cc.40-42 ......................................................................................................53
5.1.9 cc.43-46............................................................................................................55
5.1.10 6 cc.47-53 ....................................................................................................57
5.1.11 7 cc.54-59 ....................................................................................................57
5.1.12 8 cc.60-64 ....................................................................................................59
5.1.13 Più Lento cc.64-69 .........................................................................................60
5.1.14 cc.70-77..........................................................................................................61
5.1.15 10 cc.76-83 ..................................................................................................62
5.1.16 11 cc.84-87 ..................................................................................................63
5.1.17 Tempo I cc.88-92 ...........................................................................................64
5.1.18 12 cc.93-99 ..................................................................................................65
5.1.19 13 cc.100-105 ..............................................................................................66
5.1.20 cc.106-112......................................................................................................67
5.2 SECONDA PARTE..............................................................................................68
5.2.1 cc.113-122........................................................................................................68
5.2.2 1 cc.123-137 ..................................................................................................69
5.2.3 3 cc.138-156 ..................................................................................................70
5.2.4 6 cc.157-167 ..................................................................................................71
5.2.5 7 cc.168-182 ..................................................................................................72
5.2.6 9 cc.183-205 ..................................................................................................73
5.2.7 cc.206-215........................................................................................................74
5.2.8 13 cc.216-223 ................................................................................................75
5.2.9 14 cc.224-229 ................................................................................................76
5.2.10 15 cc.230-237 ..............................................................................................76
5.2.11 16 cc.238-246 ..............................................................................................77
5.2.12 17 cc.247-260 ..............................................................................................78
5.2.13 19 cc.261-286 ..............................................................................................79
5.2.14 22 cc.287-293 ..............................................................................................82
5.2.15 23 cc.294-298 ..............................................................................................82
5.2.16 24 cc.299-305 ..............................................................................................82
5.2.17 25 cc.306-311 ..............................................................................................83
5.2.18 26 cc.312-323 ..............................................................................................84
5.2.19 28 cc.324-330 ..............................................................................................84
5.2.20 cc.331-344......................................................................................................85
5.2.21 30 cc.247-260 ..............................................................................................86
5.2.22 31 cc.354-396 ..............................................................................................87
5.2.23 36 cc.397-402 ..............................................................................................89
5.2.24 cc.403-412......................................................................................................90
5.2.25 38 cc.414-429 ..............................................................................................91
5.2.26 40 cc.430-441 ..............................................................................................92
5.2.27 40 cc.442-513 ..............................................................................................93
5.2.27 49 cc.513-530 ..............................................................................................94
5.3 RICAPITULAZIONE DELLA PRIMA PARTE.......................................................95
5.3.1 cc.531-539........................................................................................................96
5.3.2 1 cc.543-546 ..................................................................................................97
5.3.3 2 cc.552-559 ..................................................................................................99
5.3.4 3 cc.560-578 ..................................................................................................99
5.3.5 5 cc.579-585 ................................................................................................100
5.3.6 6 cc.586-594 ................................................................................................101
5.3.7 7 cc.595-600 ................................................................................................102
5.4 CODA ................................................................................................................103
5.4.1 cc.601-623......................................................................................................103
5.4.2 3 cc.623-6 ....................................................................................................104
5.4.3 4 cc.623-642 ................................................................................................105
5.4.4 5 cc.643-654 ................................................................................................106
5.4.5 cc.655-663......................................................................................................107
5.4.6 8 cc.664-670 ................................................................................................108
5.4.7 9 cc.671-676 ................................................................................................108
5.4.8 10 cc.671-676 ..............................................................................................109
5.4.9 11 cc.684-708 ..............................................................................................110
5.4.10 13 cc.709-720 ............................................................................................111
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................113
REFERÊNCIAS.......................................................................................................117
ANEXOS .................................................................................................................119
ANEXO A: UMA ANÁLISE PROPORCIONAL DA PRIMA PARTE DO QUARTETO
N°3 DE BÉLA BARTÓK ..........................................................................................119
10
1 INTRODUÇÃO
Meu objetivo com este trabalho é estudar a música do compositor Béla
Bartók, tendo como foco principal o seu Terceiro Quarteto de Cordas. Bartók foi um
compositor húngaro do início do século XX e tem como característica principal de
sua música o uso da música folclórica do leste europeu, não a utilizando de forma
simples, mas sim fundindo-a com elementos da nova arte musical de sua época,
beirando o atonal. Dentre suas obras, os seus seis quartetos de cordas sintetizam
todo o percurso de Bartók como compositor, sendo o terceiro quarteto uma peça que
se localiza temporalmente no meio da carreira de Bartók.
O trabalho está dividido em quatro seções, sendo que a primeira trata da
vida de Bartók. Este capítulo é iniciado com uma breve análise de como Bartók é
abordado nos livros de história da música do século XX, seguida de uma breve
biografia de sua infância e formação musical. Sua carreira como músico é tratada
em três sub-capítulos, cada um sob um aspecto diferente: sua vida como pianista,
como etnomusicólogo e como compositor, as três áreas que tornaram Bartók
conhecido.
Continuo o trabalho mostrando alguns processos composicionais
característicos da música de Bartók, utilizando como material principal os livros
seminais de Lendvai (1979) e Antokoletz (1989), essenciais para a compreensão do
gênio musical de Bartók. Estas técnicas unem duas paixões de Bartók: a música
folclórica e simetria. A música de Bartók não deve ser encarada como uma fuga do
tonal, pois tem em sua raiz diversos elementos tonais. O sistema de eixos é um
destes elementos, sendo fonte para organização dos centros tonais da música
bartokiana, envolvendo a substituição de notas, entradas canônicas, entre outros
elementos. Já a proporção áurea e a série de Fibonacci são materiais matemáticos
presentes na natureza e que Bartók utiliza largamente em suas composições. Por
fim, trato da simetria inversional e transposicional de conjuntos de classes de altura,
características que os conjuntos mais utilizados por Bartók possuem.
Sigo com uma breve análise de cada um dos seis quartetos de Bartók,
procurando exprimir as características principais de cada um deles e o que o
compositor estava vivendo na época da composição, e também mostrando
elementos comuns a alguns dos quartetos, tais como a utilização de determinados
conjuntos ou de simetria para a construção estrutural da peça.
11
O último capítulo, o mais importante de todos, contém a análise do
Terceiro Quarteto de Cordas. Uma das peças mais expressionistas de Bartók e do
período mais experimentalista de seus quartetos, esta obra tem um único
movimento, dividido em três partes (Prima Parte, Seconda Parte e Ricapitulazione
della Prima Parte) e uma Coda. Tenho como base as análises de Berry (1979),
Antokoletz (1994), Straus (2008) e Bernard (2008), e procuro encontrar coerência
através da teoria dos conjuntos, principalmente na Prima Parte e Ricapitulazione
della Prima Parte. Já para a Seconda Parte e a Coda, a análise tem como objetivo o
mapeamento das escalas utilizadas, tanto modais quanto octatônicas ou de tons
inteiros.
12
2 BÉLA BARTÓK
A carreira musical de Bartók é tratada em praticamente todos os livros de
história da música do sec. XX. Sua importância nesta área é inquestionável, mas o
modo como está representada nos livros lidos é. Geralmente, Bartók está presente
nos trechos que tratam de folclore ou nacionalismo, com exceção de Morgan (1991),
que o coloca no capítulo sobre neoclassicismo. Grout & Palisca (1996) são os únicos
que criam um sub-capítulo específico para Bartók e Kodály, denominado “contexto
étnico”, fora do sub-capítulo sobre nacionalismo, o qual trata principalmente sobre a
Rússia, além de outras nações que possuíram compositores nacionalistas, como
Finlândia, Espanha, Inglaterra, Polônia. Talvez esta abordagem de Grout & Palisca
seja a mais correta, já que Bartók, mesmo utilizando muito material húngaro, talvez
não fosse nacionalista, já que tinha como intenção principal a coleta de material
folclórico que ele considerava interessante, incluindo material tanto do leste europeu
como do norte africano1.
No geral, nenhum tratado de história da música pesquisado traz
informações detalhadas sobre a vida de Bartók, pincelando superficialmente seu
método composicional e principalmente sua prática como etnomusicólogo. Em livros
como Copland (1969) e Paz (1976), ambos sobre música do século XX, há mais
opiniões dos autores sobre Bartók do que sobre suas obras ou fatos históricos de
sua vida. Paz (ibid) parece falar sobre Bartók somente para depois falar que
Prokofiev foi um compositor melhor, sendo o único autor a relacionar estes dois
compositores. Alguns autores fazem breves análises de composições de Bartók,
como Simms (1996) e Samuel (1965).
A vida pessoal de Bartók é muito bem retratada no artigo de seu filho mais
velho no livro Bartók Companion (GILLIES, 1994), mostrando que Bartók era uma
pessoa descontraída por trás da aparente seriedade que transmitia (BARTÓK,
1994). Segundo este artigo, Bartók era apaixonado pela natureza, e esta é uma das
principais alegações de Lendvai (1979) sobre sua teoria dos processos
composicionais de Bartók, conforme desenvolverei adiante.
1 Esta é uma minha opinião, Bartók sempre foi considerado nacionalista e é um dos primeiros nomes que surgem em qualquer discussão sobre nacionalismo.
13
Figura 1 Béla Bartók e seu filho Béla Bartók Junior, 1915 (GILLIES, 1994)
Sobre suas composições há os trabalhos de seus compatriotas Lendvai
(1979) e Antokoletz (1989), obras de suma importância para a compreensão da
música (linguagem musical) de Bartók. Cada um trabalha sobre uma determinada
característica da música de Bartók2.
Uma biografia mais detalhada do compositor só pode ser encontrada em
livros específicos, como Citron (1994), Gillies (1994) e Gillies (2009). Seguirei o
presente trabalho com o que pode ser considerada uma resenha do verbete “Bartók”
no Grove Dictionary of Music (GILLES, 2009).
2.1 BIOGRAFIA
Bartók nasceu em 1881 na cidade de Nagyszentmiklós e morreu em Nova
York em 1945. Nagyeszentmiklós atualmente localiza-se na Romênia, mas na época
2 Mais detalhes sobre as teorias destes autores podem ser encontrados no capítulo que trata sobre os processos composicionais de Bartók.
14
fazia parte da província de Torontál do império Austro-Húngaro (GILLIES, 2009).
Torontál era, e ainda é, uma província com diversas etnias, romênos, húngaros,
germânicos e sérvios (GILLIES, 1994a, p.4). Filho de professores, Bartók sofria de
doenças contagiosas quando criança, fazendo com que ficasse recluso e sem poder
manter relações de amizades (GILLIES, 1994a, p.5). Seus pais eram músicos
amadores e o desenvolvimento musical do jovem Bartók se deu rapidamente,
podendo tocar cerca de 40 músicas no piano com apenas quatro anos. Começou
aulas de piano com a mãe aos cinco e aos sete descobriu possuir ouvido absoluto
(GILLIES, 2009). Aos sete anos, com a morte de seu pai, a família passou a sofrer
dificuldades econômicas e morou em diversas cidades húngaras por seis anos, até
sua mãe encontrar trabalho num lugar onde os filhos pudessem ter uma educação
boa, Pozsony3 (GILLIES, 1994a).
As primeiras composições de Bartók eram frequentemente danças que
recebiam nome de amigos ou familiares, destacando-se entre suas primeiras 31
composições para piano a obra A Duna Folyása (O Curso do Danúbio), que integrou
sua primeira performance pública juntamente com obras de Grünfeld, Raff e
Beethoven em 1892 (GILLIES, 2009). Após o estabelecimento da família na
província de Pozsony, Bartók ocupou o cargo de organista da capela de sua escola
e entrou em contato com a música de câmara, compondo seu primeiro quarteto de
cordas, em dó menor, mas a partitura acabou não sendo publicada e foi perdida4,
entre outras peças, com estilo e harmonias características do período clássico ao
início do romantismo (GILLIAN, 2009). A formação inicial de Bartók é completada
com sua entrada na Academia de Música de Budapeste em 1899, cujo primeiro
presidente fora Franz Liszt, com o intuito de ter aulas com os mesmos professores
de Dohnányi, famoso pianista húngaro contemporâneo de Bartók.
A partir de então, a carreira de Bartók como músico pode ser dividida em
três áreas: etnomusicologia, composição e performance (GROUT, 1996, p.696;
SIMMS, 1996, p.210). Como intérprete, Bartók passou a atrair atenção durante seus
estudos acadêmicos, mas sua carreira sempre foi ofuscada por Dohnányi.
O interesse de Bartók sobre música folclórica influenciou toda sua carreira
musical. Após conhecer Kodály (1882-1967) em 1905, nascera uma intensa
amizade, sendo que os dois acabaram tornando-se professores da academia,
3 O percurso completo feito pela família pode ser encontrado em Gillies (2009). 4 Logo, este quarteto não é considerado parte dos quartetos de Bartók.
15
parceiros em projetos etnográficos e críticos de suas composições. Kodály havia
produzido uma dissertação de doutorado sobre a estrutura da poesia da música
folclórica húngara um ano antes do encontro.
No âmbito composicional, Bartók iniciou sendo influenciado por Richard
Strauss, mas, após o interesse por música folclórica, todas suas composições
passaram a ter um vínculo com suas pesquisas, sendo um dos exemplos básicos a
utilização de escalas pentatônicas. Infelizmente, Bartók não costumava falar sobre
suas composições, evitando até que seus alunos de piano tocassem suas músicas
em aula (GILLIES, 2009), apenas poucos comentários acerca de suas intenções e
sobre a utilização de temas folclóricos podem ser encontrados. Desta forma, Bartók
não criou uma nova "escola" como Schoenberg ou Stravinsky. Copland (1969, p.65)
acredita que a genialidade de Bartók não era compreendida pelo público durante sua
vida e que talvez isto se deva por ele não ter uma obra que tenha se destacado
como o Pierrot Lunaire de Schoenberg ou a Sagração da Primavera de Stravinsky.
Figura 2 Béla Bartok, sua esposa Ditta e filho Péter, 1944-45 (GILLIES, 1994)
Bartók viajou para os Estados Unidos da América em 1940 somente após
a morte de sua mãe em 1939. Em 1942 a saúde de Bartók foi afetada por doenças
16
crônicas, tendo os custos de tratamento e de sua recuperação pagos pela
Sociedade Americana de Compositores, Autores e Editores, da qual ele era membro.
De acordo com seu filho Béla Bartók Junior (1994), pouco antes de morrer Bartók
escreveu em uma de suas cartas o desejo de retornar para a Hungria
permanentemente, afirmando que isto quebra o mito de que Bartók havia imigrado
para os EUA. Em New York, no dia 26 de setembro de 1945, Bartók faleceu depois
de um período de um mês de grande recaída na sua saúde.
2.2 O PIANISTA
Para Demény (1994, p.64), o piano sempre foi o grande companheiro de
Bartók, desde seu prematuro aprendizado do instrumento, seu período como
organista da capela de sua escola e de professor de piano na Academia de Música
de Budapeste. Em suas composições, o piano também foi um dos instrumentos mais
utilizados. Bartók começou a atrair atenção como intérprete ainda durante sua
formação na Academia, enquanto seu desenvolvimento composicional era lento. A
crítica de seu primeiro concerto acadêmico em 1901, no qual ele interpretou a
sonata para piano em B menor de Liszt, foi muito positiva e ele foi considerado o
aluno com maior possibilidade de construir uma carreira como a de Dohnányi, o que
realmente era um dos objetivos de Bartók (GILLIES, 2009).
Bartók também foi notícia no final de 1902, com apresentações privadas e
um concerto de sua transcrição para piano da obra Ein Heldenleben de Richard
Strauss. A brilhante performance da Rhapsodie espagnole de Liszt em seu recital de
formatura aumentou sua reputação (GILLIES, 2009).
Entre 1903 e 1906, Bartók viveu de forma itinerante, aproveitando
oportunidades como pianista e compositor, morando em Berlim, Pozsony, Budapeste
e, pelo período de um mês, em Paris, onde participou do concurso Rubinstein. Em
1903 foi convidado para ser solista do concerto “Imperador” de Beethoven em Viena,
sendo esta considerada sua grande estréia (DEMÉNY, 1994, p.67). Bartók passou
por um momento difícil em sua carreira pianística internacional após uma turnê na
Espanha e Portugal com o violonista húngaro Ferenc Vecsey em 1906, mas acabou
sendo convidado para substituir seu professor na Academia de Musica de
Budapeste, onde permaneceu como professor até 1934.
17
Demény (1994) procura entender a carreira de Bartók como pianista
analisando seus programas de concerto para encontrar quais compositores eram
tocados por Bartók e em que fase de sua vida. Os compositores mais recorrentes na
carreira de Bartók foram Bach e Beethoven. Entre os compositores modernos,
Bartók interpretou Debussy, Kodály, Ravel, Manuel de Falla, mas com ênfase
especial em obras de Schoenberg e Stravinsky.
Em abril de 1936, Bartók e Dohnányi, considerados os dois mais ilustres
pianistas húngaros, realizaram um concerto contendo músicas para dois pianos,
possibilitando para Bartók a oportunidade demonstrar toda sua genialidade como
pianista para a platéia (DEMÉNY, 1994, p.66).
2.3 O ETNOMUSICÓLOGO
A relação de Bartók com o folclore da Europa oriental é imensa. Em 1903,
Bartók estava sendo influenciado pelo movimento nacionalista que estava em alta na
Hungria, causando nele o que Kovács considera uma esquizofrenia, já que ele,
como compositor, não achava as melodias inspiradoras, enquanto o Bartók patriota
se sentia obrigado a utilizá-las em sua música (1994, p.51).
Isto mudou durante sua estadia em um hotel na cidade húngara de
Gerlice Puszta (atual Ratkó, Eslováquia): ao ouvir Lili Dósa, camareira do hotel
originária da Transilvânia, cantar uma canção em um quarto adjacente, o modo de
pensar de Bartók mudou. Assim escreveu para sua irmã:
Agora eu tenho um novo plano: coletar as mais agradáveis canções folclóricas húngaras e promovê-las, adicionando os melhores acompanhamentos possíveis para piano, ao nível de música de concerto (BARTÓK apud KOVÁCS, 1994, p.51).
Suas primeiras obras com esta perspectiva são datadas de 1905,
possuindo acompanhamento de piano seguindo padrões românticos, mas já
contendo certa tendência a blocos de acordes e ritmos que mais escurecem do que
complementam a melodia (GILLIES, 2009). Kovács acredita que estas suas
primeiras obras folclóricas são escolásticas (1994, p.52).
As coletas de Bartók foram, inicialmente, pequenas. Mesmo conseguindo
doação do Ministro da Religião e Educação Pública, adiou jornadas para poder se
18
preparar para o concurso Rubinstein em Paris, coletando apenas algumas canções
de trabalhadores da cidade de Sziladpuszta durante passeio com a família da irmã
(Kovács, 1994, p.52).
Um fato decisivo na vida de musicólogo de Bartók foi seu encontro com
Zoltán Kodály em 1905. Juntos fizeram um apelo para o povo húngaro para dar
suporte a uma coleta de uma completa coleção de canções folclóricas. A publicação
de 20 canções com acompanhamento de piano escrito por Bartók e Kodály, 10 para
cada, no final de 1906, mas a edição acabou não tendo muitos compradores
(Kovács, 1994, p.53).
Bartók passou a coletar canções de diversas cidades rurais e publicar
artigos sobre música camponesa. Seu nacionalismo acabou sendo modificado, ao
invés de se interessar por canções húngaras para procurar material de sua nação,
passou a coletar música de minorias étnicas.
Figura 3 Bartók coletando canções eslovacas na cidade de Zobordarázs (GROUT & PALISCA, 1996)
Sua imagem original de uma nação húngara ideal foi trocada por uma vila ideal. Uma vez, por volta de 1906, ele expressou sua aversão pela “frivolidade” urbana, e embora que esta antiurbana, essencialmente anticapitalista atitude era menos proeminente em seus últimos anos de vida, ela nunca desapareceu completamente (KOVÁCS, 1994, p.55).
19
Em seu livro de 1921, podendo ser traduzido como “A Música Folclórica
Húngara” (“The Hungarian Folk Song”), publicado em 1924 na Hungria, com
tradução para alemão em 1925 e inglês em 1931, Bartók classificou as canções em
três classes: antigas, novas e mistas. Esta idéia está baseada na análise de material
estrangeiro que foi sendo incorporado na música folclórica (KOVÁCS, 1994, p.57).
De acordo com Gillies (2009), as músicas antigas eram caracterizadas pela
performance em estilo parlando, poco rubato, uma forma mais declamatória do
canto, sem rigor rítmico, possuindo forma não arquitetônica, como ABCD, e modais
ou pentatônicas, sendo os modos principais eólio e dórico. Já as músicas novas
tinham como estilo o tempo giusto, prevalecendo o modo menor ou maior e com
forma arquitetônica, como ABBA, AABA. Já as mistas são as músicas que ficam
entre estas duas classes anteriores. A presença destas três classes foi determinada
por Bartók pela porcentagem: 9% antigas; 30% novas e 61% mistas (GILLIES,
2009).
Figura 4 Melodias folclóricas eslovacas coletadas por Bartók (GILLIES, 1994).
20
Para Bartók, a música dos camponeses era considerada uma forma
natural de música, uma expressão da natureza. “Ela é criada impulsivamente por
uma comunidade de homens que não tiveram nenhuma escolaridade; ela é um
produto natural como são as várias formas de vida animal e vegetal” (BARTÓK apud
KOVÁCS, 1994, p.58).
Bartók coletou e catalogou inúmeras canções folclóricas, gerando
transcrições de 1115 músicas instrumentais e 1440 vocais (KOVÁCS, 1994, p.62).
2.4 O COMPOSITOR
O legado de Bartók como compositor é inegavelmente importante, seja
para analistas, intérpretes ou apenas apreciadores de música. Esta é a área de
atuação de Bartók que é mais reconhecida atualmente (GILLIES, 2009). Bartók
pouco falou sobre sua própria música, limitando-se apenas a questões relacionadas
à utilização de temas folclóricos em música ou ao uso de modos e cromatismo
(HOWAT, 1983, p.84).
Suas primeiras composições do início da década de 1890 eram
frequentemente peças de danças, como valsas, mazurcas e principalmente polcas,
geralmente nomeadas com nomes de familiares (GILLIES, 2009). Seu professor de
composição na Academia de Música de Budapeste foi Koessler, pupilo de
Rheinberger. Entretanto, Bartók não se adequou ao professor, o considerando
radical e tradicional demais, chegando ao ponto de considerá-lo não inspirador,
causando um bloqueio composicional em Bartók (op.cit.). Seus exercícios de
composição durante o período de 1899 a 1902 não chegavam a ser extraordinários
e nem sugeriam sua posterior genialidade.
Entretanto, o contato com a música de Richard Strauss ofereceu a Bartók
as soluções composicionais que ele tanto procurava. Em 1902 esboçou uma sinfonia
de quatro movimentos em Eb seguindo técnicas motívico-temáticas de Strauss, mas
orquestrou apenas o terceiro movimento, Scherzo. Esta atração de Bartók pela
música de Strauss não agradava Koessler e nem a Hanslick, que escreveu: “então,
ele deve ser um gênio musical a qualquer padrão, mas é uma pena que ele vá por
Strauss” (HANSLICK apud GILLIES, 2009).
21
Após sua formação acadêmica, Bartók começou a compor sobre temas
da música camponesa do leste europeu devido à influência nacionalista e sua
paixão pelo camponês e rural, como visto no subcapítulo anterior.
Bartók terminou em 1908 o concerto para violino para a violinista Stefi
Geyer. Entretanto, ela terminou a relação amorosa com Bartók uma semana após o
término do concerto, se recusando a tocar o concerto. Neste concerto, Bartók utilizou
o chamado motivo “Geyer”, um movimento ascendente em terças, D-F#-A-C#. Bartók
então utilizou o primeiro movimento da obra e, junto com uma versão orquestrada da
última de suas 14 bagatelas que também era baseada no motivo “Geyer”, para criar
a peça orquestral Két portré (“Dois retratos”), nomeando os dois movimentos como
“Um ideal” e “Um grotesco” (op.cit).
De 1908 a 1911 a confiança de Bartók no uso de material folclórico foi
aumentando, juntamente com a utilização de uma crescente utilização do motivo
“Geyer”. Em suas 14 Bagatelas, de 1908, Bartók iniciou seu novo idioma
composicional, mas foi recusado para publicação por Breitkopf & Härtel, com o
pretexto de ser uma obra “muito difícil e moderno para o público” (apud GILLIES,
2009). A peça foi logo publicada pela editora húngara Károly Rozsnyai.
Em 1910 a carreira de Bartók como compositor começou a crescer,
principalmente com a ópera A Kékszakállú herceg vara (“O castelo de Barba Azul”),
praticamente mudando o curso da ópera Húngara (GILLIES, 2009).
Bartók não parou de compor durante a primeira guerra mundial, tendo
como principal obra do período o balé em um ato A fából faragott királyfi (“O príncipe
de madeira”), composto entre 1914 e 1916. A peça foi dividida por Bartók em três
movimento, contendo padrões simétricos, como a utilização no último movimento de
material que foi apresentado no primeiro, mas em ordem reversa (op.cit).
Com a composição de A csodálatos mandarin (“O mandarim miraculoso”),
Bartók entrou em sua fase mais expressionista, citando Schoenberg em um ensaio
da época e reconhecendo a necessidade de igualdade entre as doze notas (op.cit.).
Após o fim da guerra, Bartók teve a oportunidade de mostrar seu trabalho
como compositor realizando mais de 300 concertos em 15 países distintos. Em
1925, após um longo período sem compor, Bartók se autodenominava um “ex-
compositor” (op.cit.). Entretanto, em quatro visitas a Itália entre março de 1925 e
março de 1926, Bartók passou a se interessar pela música pré-clássica e passou o
22
ano de 1926 compondo exclusivamente peças para piano. Nestas composições,
Bartók “promoveu uma prévia de várias das qualidades que estariam completamente
maduras no seu ‘período de ouro’, 1934-40” (GILLIES, 2009).
Entre 1927-28 Bartók tornou sua atenção para música de câmara,
compondo o seu terceiro quarteto de cordas, obra escolhida para análise neste
trabalho, e em 1928 o quarto quarteto, ambos retratando a fase mais experimental
dos seus quartetos. Seu interesse pela simetria, já presente no quarto quarteto,
passa a ser cada vez mais presente em suas composições (op.cit.).
Uma das obras mais conhecidas de Bartók, o Mikrokosmos, foi planejado
e iniciado em 1932, quando, durante o verão, Bartók compôs 35 peças em ordem de
dificuldade, que mais tarde estariam presentes na coleção da nº32 a nº145 (op.cit).
O período de 1934-40 foi o mais importante na carreira de Bartók como
compositor, produzindo obras importantes em todos os gêneros que costumava
compor, câmara, orquestral, vocal e pianístico. Com o destaque de cinco obras de
câmara: seus dois últimos quartetos (1934 e 1939), Sonata para dois Pianos e
Percussão (1937), Contrasts (1938) e a Música para Cordas, Percussão e Celesta
(1936), sendo a última a mais significante de todas (op.cit.).
Enquanto compunha estas peças de câmara, continuava a compor peças
para o Mikrokosmos. Após a publicação deste e do sexto quarteto, passou por um
período de quatro anos sem compor. Em 1943, Bartók foi convidado pela Harvard
University para produzir ensaios sobre a música húngara recente, principalmente
sua e Kodály, constituindo a mais completa explicação de seus sistemas
composicionais (op.cit.).
Suas últimas obras foram compostas durante sua permanência em
hospitais para recuperação de suas doenças, entre eles o Concerto para Orquestra
(1943), Concerto para Violino nº2 (1943), Sonata para Violino Solo (1944), Concerto
para Piano nº3 (1945) e Concerto para Viola (1945). Estas duas últimas peças não
foram concluídas. Para o Concerto para Piano nº3 restavam apenas os 17
compassos finais, completados por seu colega Tibor Serly, enquanto o Concerto
para Viola permaneceu apenas em rascunhos.
23
Figura 5 Rascunho do sexto quarteto de cordas (SUCHOFF, 1967)
3 TÉCNICAS COMPOSICIONAIS DE BÉLA BARTÓK
Dentre os diversos teóricos que produziram textos sobre os processos de
composição de Bartók, podemos considerar os húngaros Ernö Lendvai e Elliott
Antokoletz como os mais importantes. Como já foi comentado, Béla Bartók escreveu
pouco a respeito de suas composições. Se Lendvai (1971) expõe os processos de
composição de Bartók como baseados em funções tonais e na utilização da seção
áurea e série de Fibonacci, além de questões de forma musical e também intervalar,
Antokoletz (1984) enfatiza a questão da simetria de conjuntos de notas e o caráter
inversível destes conjuntos. Cohn (1988) amplia esta questão mostrando também o
caráter transposicional destes mesmos conjuntos apontados por Antokoletz e Perle.
Mesmo possuindo diversas técnicas e processos composicionais, os
sistemas utilizados por Bartók são diversos. Desta forma, Brailou afirma que Bartók
utilizou praticamente todos os modelos de sua época, como politonalidade,
atonalismo (BRAILOU apud GILLIES, 2009).
3.1 SISTEMA DE EIXOS
24
Segundo Lendvai (1979, p.1), o sistema tonal de Bartók se origina na
própria música funcional, sendo que o sistema de eixos possui seis propriedades da
harmonia clássica: as afinidades funcionais do quarto e quinto grau; a relação entre
tonalidades relativas; as relações de sons harmônicos; o papel das sensíveis; a
tensão opositora da dominante e subdominante; a dualidade entre tonal e distância.
Entretanto, se estas propriedades estão presentes no sistema de eixos é porque
podem ser consideradas elementos da formação deste sistema.
O sistema de eixos é baseado nas três funções harmônicas projetadas
no ciclo de quintas. Lendvai (op.cit, pp.2-3) assume C como tônica, fazendo F
subdominante e G dominante. Completando o ciclo teremos: C(T), G(D), D(S), A(T),
E(D), B(S), F#(T), Db(D), G#(S), Eb(T), Bb(D), F(S).
Figura 6 ciclo de quintas (LENDVAI, 1979)
Desta forma, Lendvai afirma que acordes baseados nas fundamentais
C, Eb, F# e A têm função tônica, em E, G, Bb e Db, função dominante, e em D, F, Ab
e B, função subdominante. Além da relação entre as quatro notas, uma relação mais
forte se dá entre as notas opostas no ciclo, denominadas como pólo e contra-pólo
(op.cit, p.4). Desta forma, o eixo é dividido em dois ramos de níveis diferentes:
principal e secundário (op.cit, p.5).
25
Figura 7 Sistema de eixos (LENDVAI, 1979)
A aplicação deste sistema se dá em diversos níveis, tanto
estruturalmente como em notas chaves de cada movimento de uma obra, na
mudança da nota inicial de um tema, na substituição de um acorde por outro ou até
mesmo na substituição das notas de um determinado acorde.
3.2 SEÇÃO ÁUREA
A seção áurea é a divisão de um comprimento em dois sendo que a parte
maior é proporcional ao todo da mesma forma que a parte menor é proporcional à
maior. Esta proporção é de aproximadamente 0,618 para a parte maior e 0,382 para
a menor. Howat (1983, p.69) ainda ressalta que esta característica especial é
contínua, sendo que se colocarmos a divisão com a parte menor primeiramente, isto
também gera uma proporção com a parte maior do exemplo anterior e, assim, “o
sistema pode ser acumulado e estendido, formando uma rede de sessões áureas e
divisões simétricas - algo que nenhuma outra proporção fará.” (HOWAT, 1983, p.69).
Na imagem a seguir, o ponto C é a seção áurea de AB, da mesma forma
como o ponto D é a seção áurea de AC. Como a proporção áurea é cumulativa, o
ponto D também é o ponto de proporção áurea entre AB e C é o ponto entre DB.
26
Figura 8: Proporção áurea AB : AC = AC : CB = AB : DB
Segundo Lendvai (1979, p.18), a utilização da seção áurea em questões
formais e harmônicas de Bartók tem a mesma significância da harmonia e forma em
períodos e sentenças da música clássica. O primeiro exemplo de Lendvai (op.cit ,
pp.18-21), trecho de 16 compassos da Sonata para dois Pianos e Percussão (c.2-
17), mostra a seção áurea sendo utilizada amplamente, formando uma rede lógica
de eventos. Lendvai também classifica, a partir deste exemplo, a seção áurea em
positiva e negativa, sendo que a primeira se forma quando a parte maior inicia a
seção e a segunda quando a menor é a inicial. Mesmo encontrando uma única
discrepância ao examinar esta análise de Lendvai, Howat afirma que este autor
“achou um excelente exemplo para estabelecer sua causa” (HOWAT, 1983, p.74).
A seção áurea pode ser calculada a partir de compassos, por unidade de
pulsação ou até mesmo pelo tempo de execução. Howat (op.cit, p.71) afirma que a
utilização do tempo de gravações ou indicações de metrônomo não são indicados
para a análise da música de Bartók. A explicação para isso viria do próprio
compositor, no prefácio da edição do Concerto para Violino de 1938 (primeiro), em
que Bartók declara que as indicações de andamento são “sugeridas apenas como
guias para os executantes” e “notadas a partir de um performance real” (op.cit, p.71).
Lendvai ressalta:
pode parecer contraditório que os pontos de seção determinados pelas leis da seção áurea possam permanecer sem serem afetados pela mudança de andamento. Este fenômeno é fácil de entender se considerarmos que a música respira em pulsações métricas e não em medidas absolutas de tempo. Em música, o passar do tempo se torna compreensível por pulsos ou compassos que o papel é mais enfático do que a duração da performance (LENDVAI, 1979, p.26).
Howat acredita que “é evidente a necessidade de um critério mais firme,
mesmo que provisório, com a intenção de determinar se a análise proporcional
revela qualquer coisa significante sobre a música, ou sobre as intenções ou intuições
27
do compositor” (1983, p.70). Ressalta ainda a incapacidade da utilização da seção
áurea perfeitamente em compasso ou pulso devido ao valor irracional da proporção,
sendo necessária alguma aproximação dos valores (op.cit, p.71). Desta forma, o
sistema proporcional deve se encaixar em uma estrutura musical, gerando a
pergunta: “se uma imprecisão ocorre em um sistema proporcional, isto pode ser
levado em conta como uma necessidade musical?” (op.cit, p.72).
3.3 SÉRIE DE FIBONACCI
Duas séries geométricas de números inteiros podem ser construídas a
partir da proporção áurea, sendo formadas pelos números inteiros mais próximos do
valor irracional da proporção. A primeira é a amplamente conhecida série de
Fibonacci (1,2,3,5,8,13,21,34,55,89,...), sendo o número seguinte a soma de seus
dois antecessores. A segunda é a série de Lucas (1,3,4,7,11,18,29...), que possui a
mesma característica, mas começa por (1,3). Lendvai (op.cit, pp.27-29) utiliza
apenas a série de Fibonacci em seu livro, sem mencionar a existência da série de
Lucas, e demonstra como a Fibonacci está presente na fuga (1º Movimento) da
Música para Cordas, Percussão e Celesta, que contém estruturas de 8,13,21,34,55
e 89 compassos.
Segundo Lendvai (op.cit, p.29), a série de Fibonacci reflete a lei do
crescimento natural, por exemplo, o crescimento de galhos em uma árvore. Lendvai
ainda afirma que Bartók era colecionador de plantas, insetos e minerais e que tinha
o girassol como sua planta favorita, sendo esta flor uma das representações mais
claras da série de Fibonacci na natureza. “Seguimos o natural na composição”
(Bartók apud Lendvai, op.cit, p.29).
3.4 SIMETRIAS INVERSIONAL E TRANSPOSICIONAL
Perle foi o primeiro a propor o sistema de simetria inversional em Bartók e
outros compositores do século XX no ano de 1955, sendo expandido por diversos
pesquisadores, mas desenvolvido de forma mais forte e compreensiva por
Antokoletz, aluno de Perle (COHN, 1988, p.19). De acordo com Toorn (1987), o livro
de Antokoletz sobre a música de Bartók, mesmo sendo de leitura complicada, é de
extrema importância para a compreensão do sistema musical de Bartók.
28
Segundo Antokoletz (1984, p.67-8), o sistema tonal é dividido em partes
não equivalentes, como a divisão da quinta justa em terça maior e a terça menor
numa tríade. Em contrapartida, a música de Bartók é baseada em divisões iguais da
oitava, esta sendo dividida em 1 ciclo de segundas menores, 2 de segundas
maiores, 3 de terças menores, 4 de terças maiores e 6 de trítonos5.
Níveis de simetria não se dão somente entre uma oitava. Simetria está
sempre presente entre apenas duas notas, basta se pensar as duas possuindo a
mesma distância de um eixo presumido. O estudo de Antokoletz (op.cit., p.69) se dá
sobre conjuntos de quatro notas que possuem equidistância de um determinado
eixo, afirmando que a música de Bartók possui esta simetria de quatro notas como
uma das bases de sua música, principalmente no Quarto Quarteto.
Para que um conjunto possua simetria inversional, ele precisa conter dois
subconjuntos que são relacionados por inversão a partir de um eixo. Como o
conjunto 4-21(0246), que Perle e Antokoletz chamam de Y. Assumindo a nota 3
como eixo, a nota 0 e a nota 6 estão a uma distância de 3 deste eixo, enquanto a
nota 2 e a nota 4 estão a uma distância de 1. Uma notação que ajuda a
compreender tal simetria é a utilizada por Berry (1979), na qual ele numera a
distância entre as notas de um conjunto. O conjunto 4-10(0235) seria notado como
2112, ficando clara a relação, já que 12 é a inversão de 21.
Simetria, então, é o “conceito fundamental implícito neste sistema de
divisão igualitária” (ANTOKOLETZ, op.cit., p.xii). Este autor acredita que mesmo
possuindo muito material não simétrico em sua obra, a simetria surge na
composição como segmentos de formações simétricas.
Simetria inversional cumpre o papel de poder secreto por trás do trono de Bartók, uma espécie de eminência parda, apenas ocasionalmente aparecendo em publico, mas provendo uma unidade estrutural para todo o reinado das composições de Bartók (COHN, 1988, p.20).
Dentre os conjuntos de alturas utilizados por Bartók e trabalhados por
Antokoletz, três recebem mais atenção deste autor, e são nomeados de X, Y e Z6. O
conjunto X (0,1,2,3) tem característica cromática, o Y (10,0,2,4) é parte de uma
5 Já o intervalo de quarta justa não divide uma oitava, gerando um ciclo contendo todas as 12 notas, sendo que existem diversas oitavas entre a nota inicial e a final. 6 O primeiro a nomear estes conjuntos foi George Perle em seu artigo de 1955 (ANTOKOLETZ, 1983. p.69).
29
escala de tons inteiros e o Z (8,1,2,7) possui apenas intervalos de quarta entre seus
componentes. Estes conjuntos de alturas são fundamentais no sistema
composicional de Bartók; por exemplo, eles são a base do Quarto Quarteto de
Cordas (ANTOKOLETZ, op.cit.).
Outro sistema simétrico possível é trabalhado sobre a idéia de
transposição, conforme proposto por Cohn (1988). A diferença entre os dois
sistemas, inversional e transposicional, é apenas a troca de relação de inversão
sobre um eixo para a de transposição. Cohn (1988) utiliza a abreviatura IC para
combinação inversional e TC como transposicional e afirma que existem 223
conjuntos de alturas7, sendo que 137 possuem propriedades TC, 94 IC e 72 ambas.
De acordo com Cohn (op.cit.), todos os conjuntos considerados mais significantes na
análise musical de Bartók possuem as duas características.
4 QUARTETOS DE CORDAS DE BARTÓK
Os seis quartetos de Béla Bartók, considerados por Abraham (1945) como o
conjunto de quartetos mais importantes desde os quartetos de Beethoven, são obras
sintetizam diferentes fases compositivas de Bartók (BABBITT, 1949). Bartók
escreveu sete quartetos de cordas durante sua vida, mas o primeiro, uma de suas
primeiras obras, nunca foi publicado e acabou perdido (ABRAHAM, 1945; GILLIES,
2009), resultando em um legado de apenas seis quartetos, assim datados: 1º - 1908;
2º - 1915-17; 3º - 1927; 4º - 1928; 5º- 1934 e 6º - 1939. Um espaço de tempo
considerável entre cada quarteto é claramente visível, exceto entre o 3º e o 4º. Esta
dispersão no tempo é um dos motivos para os quartetos de cordas serem
considerados como conjunto de obras que resumem as diferentes fases de Bartók.
Uma divisão pode ser efetuada, separando os quartetos em duplas, gerando três
fases distintas. Os quartetos partem gradativamente da simplicidade para a
complexidade, com auge nos Terceiro e Quarto Quartetos de Cordas, seguido de um
retorno para a simplicidade. Em 1927, Bartók assistiu a uma interpretação da Suíte
Lírica de Alban Berg, um ano antes da composição do 3° e do 4° quartetos,
acarretou em certas similaridades entre as peças, que podem não possuir as
7 Entretanto, Allen Forte classifica e nomeia apenas 220 conjuntos (1973, p.5).
30
mesmas características estilísticas, mas compartilham de diversos efeitos
interpretativos (ANTOKOLETZ, 1994).
O primeiro quarteto, composto em 1908, expressa o lamento de Bartók após
ser rejeitado por sua amada Stefi Geyer, sendo descrito por Kodály como um
“retorno à vida” (KÁRPÁTI, 1994, p.226). Para Gillies (2009), essa é uma peça de
transição estilística e contém evidências claras de influências do alto-romantismo,
tendo como modelo Wagner, contendo semelhanças com prelúdio de Tristão.
Também possui influência de Beethoven, Ravel e Kodály, sendo uma peça eclética
entre os melhores exemplos para se caracterizar o art nouveau em música
(KÁRPÁTI, 1994, p.227). Há a citação de uma canção popular húngara, Csak egy
szép lány (título que pode ser traduzido como “Apenas uma garota justa”), na
introdução do violoncelo, como paródia (GILLIES, 2009; kárpáti, 1994).
Figura 9 Quarteto nº1, citação de Csak egy szép lány (KÁRPÁTI, 1994)
Kárpáti (1994) relaciona os motivos do segundo movimento, construído sobre
a forma sonata, com tendências monotemáticas dos últimos quartetos de Beethoven,
com temas caracterizados por um movimento inicial de passo seguido por um salto e
passo em movimento contrário.
31
Figura 10 Quartet nº1, influência de Beethoven (KÁRPÁTI, 1994)
Para Antokoletz (1984), o crescimento orgânico dos temas deste quarteto
pode ser considerado seguindo padrões de desenvolvimento motívico da música
tonal tradicional, mas o autor acredita que a interpretação celular por formações
intervalares é mais adequada. Antokoletz (ibid) ainda afirma que há a presença do
conjunto Z (ver acima), que é “sistematicamente e extensivamente explorado nos
quartetos nº2, nº4 e nº5” (ibid). A presença de tetracordes baseados em proporções
1:2, 1:3 e 1:5 são recorrentes.
32
Figura 11 Quarteto nº1, proporções 1:2, 1:3 e 1:5 (ANTOKOLETZ, 1989)
O segundo quarteto data de aproximadamente uma década após o
primeiro e não há registro que confirme uma data exata, apenas o período entre
1915-17, escrito no final da partitura (KÁRPÁTI, 1994, p.234). Para Perle (apud
KÁRPÁTI, 1994, p.234), os três movimentos desta obra formam uma prévia da forma
“ponte” simétrica de suas obras posteriores. A dissolução da tonalidade é muito mais
consistente do que a já presente no primeiro quarteto que, mesmo não sendo uma
obra dodecafônica ou serial, é para Kárpáti uma peça com caráter preparatório para
esta fase, sendo que este autor ressalta a presença de 11 alturas diferentes na
introdução da peça (1994, p.235).
33
Figura 12 quarteto nº2, 11 alturas presentes (KÁRPÁTI, 1994)
Antokoletz (1984) diz que “em larga estrutura do segundo quarteto, conjuntos
funcionam tanto como fontes primárias para integração melódica e harmônica e
como meio de associação ou transformação temática” e afirma que a linha temática
principal é “exclusivamente baseada no conjunto Z-2/8, D-G-G#-C#8, sendo
apresentado em todas as suas seis transposições possíveis.
8 Esta nomenclatura, Z-2/8, é utilizada para representar as notas D (2) e G# (8) como eixo do conjunto.
34
Figura 13 Quarteto nº2, células Z (ANTOKOLETZ, 1989)
Segundo Gillies (2009), Bartók mantém o caráter introspectivo e nervoso do
primeiro, buscando inspiração para segundo movimento na música norte-africana
que ele havia pesquisado anteriormente. Kárpáti (1994) afirma que o caráter folk-
dance deste movimento demonstra certo parentesco com o “Allegro barbaro” (1911),
mas contendo material folclórico não proveniente da Hungria, e sim da música
folclórica árabe. Entretanto, Bartók só deixou explícito o uso de material norte
africano em duas obras, mas influências disto são perceptíveis no segundo e quarto
quartetos. Para Kárpáti, um exemplo da presença da música folclórica árabe está
entre os cc.12-24 do segundo movimento, com o primeiro violino executando uma
melodia em colcheia enquanto o segundo violino o acompanha também com
colcheias (1994). Os exemplos a seguir são de música folclórica coletada em Biskra,
norte da África, e sua aplicação na peça.
35
Figura 14 Quarteto nº2, aplicação de música africana
36
Figura 15 exemplo de canção africana (KARPÁTI, 1994)
Segundo Kárpáti, o ostinato de terça menor da música coletada em Biskra
ocorre em outras peças de Bartók, praticamente sempre contendo o que chama de
caráter bárbaro ou camponês. (1994, p.238)
Cerca de uma década após a composição do segundo quarteto, depois
de um período de três anos compondo apenas uma peça para sua nova esposa, se
auto-denominando um “ex-compositor”, Bartók compôs seu terceiro quarteto
(GILLIES, 2009). Esta será a peça analisada posteriormente neste trabalho, portanto
detalhes analíticos não estarão presentes neste presente capítulo. O quarteto possui
um único movimento, dividido em três partes: Prima Parte, Seconda Parte e
Recapitulazione della Prima Parte. “Nesta obra ele alcançou a compreensão final de
seu material formal, intervalar e rítmico” (GILLIES, 2009). A peça contém muitos
efeitos interpretativos, como glissando, pizzicato, sul tasto, ponticello, o que, para
Gillies (2009), resulta numa “ardência chocante”. Para Adorno (apud Bernard, 2008),
Bartók quebra o uso de materiais folclóricos de suas peças anteriores, resultando
num retorno para o que entende como sua verdadeira identidade. Antokoletz (1994)
acredita que o caráter de compressão da forma sonata-allegro em um movimento é
um dos fatores a deixá-la intensamente expressionista.
O quarto quarteto de cordas mantém a mesma característica
expressionista do terceiro, mas com base em questões de simetria. Para Antokoletz
(1983), o quarteto tem como base principal três tetracordes, denominados de X, Y e
Z9.
9 Aspectos destes tetracordes já foram tratados no capítulo sobre processos composicionais de Bartók.
37
Figura 16 Conjuntos X (a), Y (b) e Z (c e d) ( Antokoletz, 1989)
Gillies (2009) ressalta o acréscimo de um movimento (quarto movimento)
para a formação de uma estrutura simétrica de cinco movimentos, ressaltando que
pensamento simétrico em questões formais já era visível em obras anteriores.
Segundo Bartók:
A peça contém cinco movimentos. Com caráter correspondem à forma sonata clássica. O movimento lento é o núcleo da obra; os outros movimentos são como que arranjados em camadas ao redor dele. O movimento IV é uma variação livre do II, e o I e V possuem o mesmo material temático; isto é, ao redor do núcleo (movimento III), falando metaforicamente, I e V possuem a camada externa, II e IV a camada interna (BARTÓK apud ANTOKOLETZ, 1994, p.266).
Antokoletz (1994) encontrou no quarteto progressões harmônicas em
forma X-Y-Z, e demonstra em dois quadros como elas ocorreram na exposição e
desenvolvimento do primeiro movimento.
38
Figura 17 Quarteto nº4, conjuntos X, Y e Z ( Antokoletz, 1994)
A essência de vários estilos de música folclórica do leste europeu é absorvido e transformado em um altamente integrado sistema de relações intervalares nos quartetos intermediários, ambos baseados em formas classicamente orientadas que permeiam uma forma em arco. O último (Quarteto nº4) aparenta ser a primeira manifestação do interesse de Bartók pelo desenvolvimento orgânico e transformação de materiais, onde ele sistematicamente movimenta entre construções intervalares concentradas ou não por meio de expansões diatônicas (cíclicas) ou compressão cromática dos temas. Conjuntos X, Y e Z, que aparecem compreensivamente no quarteto nº4 e de forma menos presente no quarteto nº3, são a maior manifestação sistemática deste procedimento (ANTOKOLETZ, 1994)
39
Na análise abaixo, realizada por Antokoletz (1994), fica clara a
importância destes três tetracordes na estrutura do início do primeiro movimento do
quarteto. A nomenclatura utilizada por Bartók para denominar os conjuntos utiliza o
termo sum como a soma da primeiro com a última classe de nota do conjunto, como
podemos ver abaixo, o conjunto X-3 inicia-se na nota 3 (Eb) e termina com a nota 6
(F#), somando 9.
Figura 18 Quarteto nº4, conjuntos X, Y e Z ( Antokoletz, 1994)
Antokoletz (1984) apresenta em seu livro duas versões de um trecho do
quarteto, uma sendo a versão final e outra o esboço. Ele encontrou semelhança
entre os dois trechos, aparentemente diferentes. No esboço, a escala de B maior em
forma de sucessões diatônicas vem depois de uma extensão do modo lídio,
enquanto na versão final, Bartók inicia o trecho com a escala de B maior presente
40
em um ciclo de quintas em movimento paralelo de segunda, seguido pela quarta
aumentada, nota característica do modo lídio.
Figura 19 Quarteto nº4, diferença entre rascunho e versão final (Antokoletz, 1989)
O quinto quarteto, composto em 1934, possui a mesma forma espelho do
quarto quarteto e, para Gillies (1994c, p.288), é o exemplo definitivo da paixão de
Bartók por simetria. O quarteto foi composto num período de apenas quatro
semanas, em resposta para uma comissão de Elizabeth Sprague-Coolidge
(GILLIES, 1994c). A preocupação de Bartók com a estrutura simétrica gerou a
acusação errônea de sua música ser “formalista” ou “construtivista”, presumindo que
a estrutura estava pré-estabelecida, mas estas concepções formais foram formadas
a partir de sucessivas fases de crescimento musical (BABBITT, 1949, p.384). Hocke
(1987, p.323) afirma que o quinto quarteto é conhecido como parceiro do quarto,
possuindo alguns esquemas invertidos, como a sucessão de movimentos lentos ou
rápidos.
De acordo com Gillies (1994c), o primeiro e último movimento são em
andamento rápido e estão na tonalidade de Bb. Além de compartilhar elementos
41
temáticos, o primeiro está em forma sonata e o segundo em uma espécie de forma
rondó. Da mesma forma, o segundo e quarto movimentos compartilham a mesma
forma ternária, além de motivos e temas, mas possuem diferentes tonalidades, D e
G. Segundo o próprio Bartók, o quarto movimento é uma variação livre do segundo
(BARTÓK apud GILLIES, 1994c). O movimento central é um Scherzo e Trio em C#.
Antokoletz (1984) afirma que esta peça, como o Quarteto nº4, também
possui o princípio de simetria como fonte para o esquema formal. Os conjuntos X, Y
e Z também são amplamente utilizados.
De acordo com Gillies (1994c), o primeiro movimento, em forma sonata,
possui o seguinte esquema formal: Exposição com primeiro tema em Bb; transição
em C; segundo tema em D; desenvolvimento em E; Recapitulação com segundo
tema em F#; transição em A#; primeiro tema em Bb e coda. Salientando a presença
do segundo tema iniciando a recapitulação, gerando uma simetria formal. Mas
também podemos perceber a presença da escala de tons inteiros (Bb-C-D-E-F#-Ab-
Bb).
O quinto movimento é outro movimento que possui simetria interna.
Também possui uma relação entre as tonalidades dos temas, sendo todos
pertencentes ao eixo dominante da teoria de Lendvai10. Em forma “ponte”11, possui
as seguintes tonalidades: A em Bb; B em C#; C em E; B’ em G e A’ em Bb.
O sexto e último quarteto quebra este sistema simétrico dos anteriores e
possui quatro movimentos, é “estilisticamente retrospectivo e até mesmo nostálgico”
(GILLIES, 2009) e possui procedimentos harmônicos e contrapontísticos
“relativamente conservadores comparados com a prática recente de Bartók”
(GILLIES, 1994c, p.296). Características dos dois primeiros quartetos são notáveis.
O primeiro movimento é em forma sonata em D; o segundo em forma ternária em B;
terceiro também em forma ternária em F e o último não possui forma e tonalidade
explícita, mas sugere uma forma ternária terminando em D12 (ibid). Babbitt (1949,
p.385) acredita que certa exaustão está presente na forma de composição de Bartók
e que o sexto quarteto é “em vários aspectos uma fuga da posição do quarto e
quinto quartetos”. Segundo Abraham (1945, p.194), o sexto quarteto representa,
10 Ver capítulo sobre processos composicionais de Bartók para maiores detalhes sobre esta relação. 11 O termo “forma ponte” é utilizado para retratar a característica simétrica deste movimento, ABCBA. 12 Todas estas tonalidades estão relacionadas pelo sistema de eixos e caracterizam o eixo subdominante (F, D, B, Ab), com a ausência apenas do Ab. Para maiores detalhes, olhar o sub-capítulo sistema de eixos do capítulo sobre os processos composicionais de Bartók.
42
juntamente com o concerto para violino composto na mesma época, um estágio de
composição em que Bartók retorna à simplicidade clássica.
Todos os quatro movimentos do quarteto iniciam com um mesto de 13
compassos, que, segundo Suchoff (1967), recebeu muita atenção pelos escritores
sobre Bartók, recebendo termos como “motto theme”, “idée fixe”, “signature theme” e
“ritornello” para sua descrição, indicando uma quebra do padrão formal simétrico dos
seus últimos quartetos. De acordo com Gillies (1994c), a idéia de Bartok para este
trecho seria um novo cromatismo com todas as 12 notas, tendo como resultado
inicial foi uma melodia ancorada em D.
Figura 20 Quarteto nº6, cromatismo com 12 alturas (GILLIES, 1994c)
Este material passou por um processo de expansão e variação antes de
ser concluído (figura 21). A base em D foi retirada e a melodia iniciada em seu
trítono, G#, e a última nota a dominante de G#, Eb. O tema possui muita enarmonia, o
que é explicado por Gillies (1994c) pela intenção de Bartók de, ao escrever tantos
sustenidos e dobrados sustenidos, criar um plano tonal para cada trecho.
Figura 21 Quarteto nº6, ampliação do cromatismo (GILLIES, 1994c)
43
5 O QUARTETO DE CORDAS Nº3
Dentre os quartetos de Bartók, os quartetos intermediários representam o
auge do abstrato em suas composições, onde a ligação entre material folclórico e
processos da nova arte composicional do século XX é utilizada com enorme
maestria por Bartók. O quarteto foi composto para ser tocado sem interrupção e é
dividido em três partes (Prima Parte, Seconda Parte e Recapitulazione della Prima
Parte) e uma Coda.
Algumas análises deste quarteto foram publicadas em revistas
acadêmicas, como as de Berry (1979), Straus (2008) e Bernard (2008), mas todas
tratam de aspectos composicionais de pequenos trechos da obra. Bernard (2008)
ainda comenta a impossibilidade de se realizar uma análise profunda do quarteto no
texto curto de um artigo devido à grande complexidade da peça. No livro Bartók
Companion (1994) há análises de todos os quartetos e diversas outras obras de
Bartók, sendo que a análise deste quarteto em questão foi realizada por Antokoletz.
Rápidas referências analíticas também estão presentes em dois livros que tratam de
música do século XX, Lester e Simms.
Referências a estas análises já publicadas serão realizadas no decorrer
de minha análise, na tentativa de integrar, compreender e debater os resultados que
cada um dos autores propõe. Infelizmente, todas as análises tratam de poucos
momentos da peça, sendo a melodia inicial o único trecho presente em todas,
principalmente por ser uma parte marcante e altamente necessária sua
compreensão para o entendimento geral da peça.
5.1 PRIMA PARTE CC.1-112
Minha análise da prima parte será estruturada seguindo as marcas de
ensaio presentes na edição miniatura13, visto que estas marcações geralmente
determinam uma mudança no caráter interpretativo e também uma seção
composicional. A utilização destas marcas como estrutura da análise também pode
13 BARTÓK, Béla. Streichquartett III (1927). London: Philharmonia/Universal Editions (PH 169/UE9597) 1929/1932, pocket score, 39 pgs. (Re-impressão: London: Boosey & Hawkes (B. & H. 9042), 1939).
44
ser reforçada por resultados obtidos durante minha pesquisa no período de 2008/2 e
2009/1, também sob orientação do prof. Dr. Acácio, que resultaram no artigo por nós
produzido contendo uma análise proporcional da peça, descobrindo forte presença
da seção áurea na Prima Parte, com divisões exatamente nas marcas da edição14.
5.1.1 cc.1-6
Os compassos iniciais desta obra são muito importantes para a
compreensão da peça, por possuírem um caráter expressivo muito forte e grande
parte do material motívico. Este é único trecho analisado por todos os autores acima
referidos. Ele tem como característica principal um tetracorde cromático no segundo
violino, viola e violoncelo, todos com surdina. No primeiro violino, uma melodia
claramente separada em duas frases inicia-se no segundo compasso. A primeira
frase possui apenas saltos presentes na série de Fibonacci15 e também forma um
conjunto cromático de seis notas. A segunda frase inicia-se uma quinta acima da
anterior, resultando num salto de trítono (B-E#) entre a última nota do primeiro
segmento e a primeira do segundo, e não possui exclusivamente intervalos da série
de Fibonacci (fig 1).
Figura 22 cc.1-6
Para Simms (1996, p.215), este trecho melódico do primeiro violino
combina cromatismo modal na primeira frase e pentatonismo na segunda.
Antokoletz (1994, p.260) afirma que a frase inicial pode ser dividida em A-A#-B# e G-
G#-A#-B, implicando numa expansão diatônica seguida de uma octatônica.
14 Algumas leves discrepâncias de um compasso de diferença entre a seção áurea e a marca foram encontradas, mas são exceções. 15 Ver anteriormente capítulo X.
45
Berry (1979, p.291) caracteriza a nota G#, última nota do trecho do
primeiro violino, como a quinta da fundamental C# do acorde cromático gerado pelos
outros instrumentos (nota grave do cello). Straus (2008, pp.25-8) encontrou diversas
conexões motívicas relacionadas por retrógrado (R), retrógrado da inversão (RI),
transposição (T) e inversão (I) neste trecho. A conexão R16 está presente nas cinco
primeiras notas da segunda frase (E#-F×-A#), que formam o conjunto 3-7(025)17.
Imediatamente após o A# o conjunto é reapresentado em seu retrógrado,
caracterizando uma forma espelho (fig 3a). O outro conjunto analisado por Straus é
o 3-2 (013), que possui as outras três conexões possíveis, I entre os conjuntos A#-
B#-A e A-G-A# (fig 3b), RI entre A-G-A#, G-A#-G# e A#-G#-B (fig3c) e T entre A-G-A# e
A#-G#-B (fig 3c).
16 O termo conexão é usado para nomear a junção entre dois conjuntos de notas que possuem notas em comum, no caso da conexão R (de retrógrado) é apenas a utilização do conjunto em forma retrógrada começando na última nota. 17 Neste trabalho utilizarei a nomenclatura proposta por Allen Forte (1973), que numera as formas primas de acordo com sua quantidade de notas e sua primeira aparição, seguido da forma prima escrita por extenso para facilitar o entendimento do conjunto.
46
Figura 23 cc.2-6 (STRAUS, 2008)
Bernard (2008, p.4-6) faz uma análise intervalar do trecho, demonstrando
a recorrência de grupos intervalares como [1][2], [2][3], [2][5]18.
5.1.2 cc.6-12
Este trecho ainda pode ser considerado como parte da melodia inicial,
mas ele introduz o motivo principal. Para os autores que consideram esta primeira
parte como uma forma sonata, este motivo é o tema A (ANTOKOLETZ, 1993). O
motivo contém uma quarta justa ascendente seguida por uma terça menor
descendente (G-C-A), formando o conjunto (025) que já fora apresentado na
segunda frase do primeiro trecho, mas com outro contorno melódico. Como veremos
no decorrer da análise, há uma enorme recorrência deste motivo, tanto na utilização 18 Todos os intervalos que caracterizam grupos deste trecho são números presentes na série de Fibonacci, mas Bernard não fala nada sobre este detalhe.
47
do conjunto 3-7(025) como de seu contorno melódico, realizando expansões e
compressões dos saltos. Como podemos ver na fig.4, Bartók já utiliza variações do
motivo no violoncelo e segundo violino, dois dos instrumentos que fizeram o acorde
cromático inicial.
Figura 24 cc.7-12
5.1.3 1 cc.13-20
Enquanto todos os instrumentos estão em pp, a viola retorna, com a
retirada da surdina, executando em mf o motivo principal levemente modificado,
formando o conjunto 3-4(015). O violoncelo também fará a mesma variação motívica
sob as mesmas circunstâncias.
Figura 25 cc.13-20 (viola e violoncelo)
O motivo principal está também presente no segundo violino com outras
duas variações, a expansão da quarta justa para um quinta justa no conjunto A-D-E,
formando o conjunto 3-9(027), e também com a compressão da quarta em uma terça
48
menor e segunda maior em menor E-D-F, 3-2(013). O primeiro violino executa uma
nova linha melódica formando conexões R entre o conjunto 3-8(026) duas vezes,
este conjunto em dois novos contornos melódicos, o motivo principal na compressão
3-2(013) e, por fim, um conjunto de tons inteiros 3-6(024).
Figura 26 cc.13-20 (violinos)
5.1.4 2 cc.21-27
Este trecho tem o primeiro violino como instrumento principal, tem
andamento mais lento do que o início da peça e é iniciado após o fechamento do
motivo principal em forma 3-2(013). Há aqui a mesma melodia do segundo
compasso da peça, uma sexta menor abaixo (D-E-C#-B-D-C-D#). Continua o
conjunto 3-8(026), seguido pela mesma melodia, remetendo ao início da peça, com
o conjunto (025) em forma de conexão R espelho, que então vai se dissipando. É no
c.21 que o glissando, elemento técnico que tem grande recorrência nesta peça, é
utilizado pela primeira vez no violoncelo.
49
Figura 27 cc.21-27
5.1.5 3 cc.28-32
Este trecho é iniciado por uma anacruse contendo o motivo principal como
no c.6, mas desta vez na viola. O segundo violino executa repetidamente as notas G
e Ab, representando a divisão entre notas brancas e notas pretas19, estas presentes
no primeiro violino e viola, enquanto as notas brancas são tocadas pelo violoncelo.
Este diálogo entre notas brancas e pretas será explorado esporadicamente na peça.
A presença do motivo principal no violoncelo é clara, formando um ostinato com sua
repetição na forma 3-9(027). Já o primeiro violino e a viola entram em forma
canônica iniciando com o motivo na forma original 3-7(025), mas uma das alturas é
omitida, enquanto as outras duas notas são exploradas em diversas oitavas. No
primeiro violino ocorre um fato interessante, a nota C# é omitida é omitida do motivo
(F#-G#-C#) e a nota A# é adicionada dois compassos depois, formando o conjunto de
tons inteiros 3-6(024).
19 Tal característica será mais clara na análise da Seconda Parte.
50
Figura 28 cc.28-32
Berry explicita a relação pentatônica entre notas brancas e pretas com um
gráfico mostrando que o trecho possui duas pentatônicas relacionadas por espelho
com eixo no salto de terça maior entre A-C# (1979, p.324).
51
Figura 29 cc.27-33 (BERRY, 1979)
5.1.6 Sostenuto cc.33-34
Estes compassos foram considerados, na minha pesquisa, o momento
divisor entre duas seções áureas que estruturam a Prima Parte (ver FALQUEIRO e
PIEDADE, 2009)20. Contêm três acordes quartais em ff, seguidos de um compasso
com uma Grande Pausa. Cada acorde possui apenas duas classes de alturas21
diferentes em diversas oitavas. Destacados por Simms (1996), estes acordes
formam a escala pentatônica de notas brancas (C-D-E-G-A).
20 Ver artigo em anexo. 21 O termo classe de altura é utilizado a partir da definição de Forte, na qual cada classe contém uma altura em qualquer oitava (1973, p.3).
52
Figura 30 cc.31-34
5.1.7 4 cc.35-39
Este trecho remete a “Night Music”, peça pertencente à obra Szabadban
(“Out of Doors”), composta por Bartók em 1926 com o intuito de reprodução do som
noturno da Hungria. Esta peça se tornou representação musical comumente
presente em obras de Bartók (cf. SIMMS, 1996, p.215; ANTOKOLETZ, 1994, p.261).
A viola e o violoncelo iniciam um acompanhamento ostinato, a viola em notas pretas
e o violoncelo em brancas, com uma defasagem de uma colcheia em relação à viola.
Este acompanhamento é totalmente baseado no motivo principal, com a repetição
contínua das três notas.
Figura 31 cc.35-37 (viola e violoncelo)
Os violinos apresentam o segundo tema da possível forma sonata
(ANTOKOLETZ, 1994, p.261; STRAUS, 2008, p.34) após uma quintina de nota
repetida numa diferença de nona menor entre as notas. O tema B “consiste de uma
idéia cromática de quatro notas apresentada simultaneamente pelo primeiro violino
e, por inversão, pelo segundo violino” (STRAUS, 2008, p.34).
53
Figura 32 c.37 (STRAUS, 2008)
O tema continua com uma ascensão cromática nos violinos, que a iniciam
juntos, mas a segunda nota do segundo violino é atrasada de forma a soar após a
última nota do primeiro violino. As duas vozes continuam em uma nona menor de
distância e executam a primeira parte do tema duas vezes, em inversão, mas
diferentemente da versão antes apresentada, terminam com um glissando para uma
sétima menor. Os conjuntos formados são todos 4-1(0123).
Figura 33 cc.38-39 (violinos)
5.1.8 5 cc.40-42
O acompanhamento da viola e violoncelo mantém o mesmo padrão, mas
com troca na pentatônica de notas brancas e pretas.
54
Figura 34 c.40-42 (viola e violoncelo)
Berry associou os dois trechos com uma forma de X entre os
instrumentos, assim encontrando a mesma relação dos compassos 27-33 (1979,
p.324). As notas iniciais das duas pentatônicas (A-D#) são pólos opostos no sistema
de eixos22.
Figura 35 cc.35-42 (BERRY, 1979)
Os violinos recapitulam o tema B, iniciando na distância de sétima menor
produzida pelo glissando do fim do c.39 (G#-F#), e executam movimentos paralelos,
ao invés de invertidos como no c.37. O movimento final volta ser invertido e termina
novamente com um glissando para uma sétima menor.
22 Para maiores detalhes sobre o Sistema de Eixos, ver o item 2.1 deste trabalho.
55
Figura 36 cc.40-42 (violinos)
5.1.9 cc.43-46
Há aqui um retorno ao tempo inicial da peça e o tema B é desenvolvido
em vários tetracordes cromáticos 4-1(0123) com divisão dos quatro instrumentos em
dois grupos: primeiro e segundo violinos; viola e violoncelo. Estes dois últimos, que
estavam realizando o ostinato comentado anteriormente com surdina, retiram as
surdinas para esta passagem.
Figura 37 cc.43-46
O diagrama criado por Bernard (2008, p.9) demonstra o que vem
acontecendo desde o compasso 35, como o conjunto 3-7(025) no acompanhamento
e os tetracordes cromáticos dos violinos. O eixo horizontal se refere ao tempo da
música, já o eixo vertical, das alturas, indo de C na primeira oitava a C na sexta
oitava. O trecho entre os cc.43-46 pode ser visto no diagrama a partir da indicação
“Tempo 1”.
56
Figura 38 cc.35-46 (BERNARD, 2008)
57
5.1.10 6 cc.47-53
Bartók utiliza de entradas canônicas neste trecho, no qual o motivo
principal é trabalhado invertido no formato 3-9(027) e 3-7(025). Entretanto, o 3-7 está
com aparência diferente, com a segunda (D) sendo alcançada por salto ascendente
e a quarta (F), por um descendente, gerando um salto de sexta maior entre estas
notas (D-F). O motivo principal também é trabalho na forma do conjunto 3-8(026) no
trecho, já que o 3-9 representa a quinta, o 3-7 a quarta e o 3-8 o trítono. O
movimento é quebrado pelo conjunto 3-7 no violino. O motivo reaparece dividido
entre a viola e o violoncelo levando a um grande acorde em ff com dois conjuntos 3-
11(037), com os violinos em notas brancas e viola e violoncelo em notas pretas. Este
conjunto havia acabado de ser introduzido na peça no c.47 no violoncelo como uma
expansão do motivo.
Figura 39 cc.47-53
5.1.11 7 cc.54-59
Este trecho da obra é o inicio de condução em dinâmica forte para o
clímax entre os cc.35-112, exatamente no ponto indicado pela seção áurea, c.6423.
Segundo Antokoletz, este serial o desenvolvimento da forma sonata (1994, p.261). O
material do c.53 é trabalhado intensamente, com o motivo sendo seguido por um
23 A análise proporcional da peça está presente no artigo anexado ao trabalho.
58
acorde ff. O motivo é utilizado no c.54 na forma original 3-7(025) e seguido por uma
conexão RI. No c.56 ele aparece com uma anacruse e está expandido para a forma
3-9(027). No c.57 há um trabalho interno de um contorno melódico parecido com o
do violino no c.15.
Figura 40 cc.54-59
Berry fez uma redução do trecho, demonstrando a expansão diatônica da
pentatônica de notas brancas, com a adição de B e F, enquanto as notas pretas
continuam pentatônicas. Portanto, o trecho contém todas as 12 alturas.
59
Figura 41 cc.54-58 (Berry, 1979)
5.1.12 8 cc.60-64
O clímax continua a ser preparado como os seis compassos anteriores. O
motivo principal aparece comprimido na forma 3-5(016) e uma 3-9(027) como RI.
Figura 42 cc.60-64
60
Berry reduziu os cc.61-62 e encontrou uma relação espelho com
intervalos 51115, 14141 ou 4111424 no conjunto formado pelas notas destes
compassos (1979, p.368).
Figura 43cc.60-62 (Berry, 1979)
5.1.13 Più Lento cc.64-69
Uma nova seção é iniciada com a indicação de tempo lento (70bpm) e um
glissando no violoncelo. Entradas canônicas são exploradas novamente com a
utilização do motivo principal em forma 3-5(016) conectado com um em forma 3-
9(027), concluindo com um acorde de notas pretas (C#-F#-G#), formando o conjunto
3-5(027). Conjuntos 3-3(014) acompanham este acorde em todos os instrumentos,
mas o violoncelo executa o conjunto 3-5(016) antes do acorde e o 3-3 após.
24 A notação utilizada por Berry é referente ao intervalo entre cada nota do conjunto, utilizada para facilitar a visualização da simetria. O intervalo sublinhado é o eixo simétrico do conjunto.
61
Figura 44 cc.64-69
No artigo que escrevi juntamente com meu orientador25, descobrimos
duas possibilidades estruturais para esta parte do quarteto: uma considerando os
cc.33-34 como divisores entre duas estruturas e outra levando em conta a parte
como um todo (Falqueiro e Piedade, 2009). Nesta última possibilidade, o corte
principal utilizando a seção áurea se dá exatamente no c.69. Nossa conclusão no
artigo foi que este compasso é o final de uma seção, mas não tão importante quanto
o c.64, ponto da proporção áurea da possibilidade estrutural que divide a parte em
duas, sendo este um dos motivos para a maior aceitação desta hipótese..
5.1.14 cc.70-77
O trecho a seguir é muito cromático, sendo que a anacruse para o acorde
3-9(027) no c.71 já é uma aproximação cromática, descendente para os violinos e
ascendente para viola e violoncelo. Uma subida piramidal do conjunto 3-7(025) é
balanceado por uma queda das notas E-E#. Em seguida há a queda do conjunto 3-
3(014), sendo que a viola executa apenas as duas últimas notas, G-G#. Entre os
cc.73-77 há a utilização das notas G-Ab-A-Bb, que formam o tetracorde cromático 4-
1(0123).
25 Anexado ao trabalho.
62
Figura 45 70-77
5.1.15 10 cc.76-83
A forma comprimida do motivo 3-2(013) é trabalhada neste trecho,
aparecendo inicialmente no primeiro violino, Bb-Ab-G, e invertido na viola, F-Gb-Ab.
Em seguida ele recebe uma nota de passagem Bb-C-Bb-Ab-G. Em seguida ele é
ornamentado com repetições. Antes de acabar, violoncelo e viola fazem uma escala
em uníssono D-E-F-G-A-B-C#-D-D#-E, que pode ser divida em duas partes, D-E-F-
G-A-B diatônica e C#-D-D#-E cromática. O acorde final é o mesmo que iniciou a
seção.
63
Figura 46 cc.76-83
5.1.16 11 cc.84-87
Este curto trecho tem como característica principal a entrada canônica
dos instrumentos em forma descendente no âmbito de altura, mas não na
instrumental, já que inicia com a viola e o violoncelo em clave de sol, servindo como
ponte para a sequência da obra. O motivo se encontra expandido, iniciando com um
salto de terça menor ascendente seguido de uma sétima maior descendente,
formando o conjunto 3-3(014). Quase todas as entradas iniciam com um glissando
de terça maior, sendo exceção as duas últimas efetuadas pelo violoncelo. O
64
segundo violino executa o motivo apenas uma vez e, por estar abaixo da tessitura
do instrumento, a última nota é omitida (E#). O segundo motivo da viola é alterado,
formando o conjunto 3-5(016).
Figura 47 cc.84-87
5.1.17 Tempo I cc.88-92
Com o retorno ao tempo inicial da peça, Bartók apresenta o motivo
principal com uma roupagem completamente nova, enquanto o primeiro violino e
violoncelo executam notas longas nas extremidades da grade, juntamente com
pizzicatos em cordas soltas, o segundo violino e a viola oitavam o motivo dentro de
uma melodia pentatônica sobre as notas brancas, como se este fosse o motivo na
forma original, camponesa e extremamente cantalibe. Antokoletz afirma que o
acorde cromático inicial da peça é substituído pelas notas C#-G# do violoncelo e
denomina este trecho como uma “estendida afirmação diatônica do primeiro tema”
(1994, p.262).
65
Figura 48 cc.88-92
5.1.18 12 cc.93-99
A partir deste momento, a escala pentatônica branca C-D-E-G-A é
quebrada com o Eb nos instrumentos intermediários que realizam a melodia,
enquanto há a troca entre os instrumentos de ponta, violoncelo executando notas
brancas e o primeiro violino, as alteradas. A partir do c.95, o primeiro violino passa a
efetuar aproximações cromáticas de Eb-Ab e o violoncelo de F#-G a partir do c.96.
Strauss afirma que há a quebra do diatonismo e o começo da expansão para todas
as doze notas, além de um grande aumento no vocabulário motívico (2008, p.34).
Como podemos ver na figura abaixo, o motivo aparece em quatro formas na
melodia, indo da forma 3-4(015), 3-3(014) e 3-8(028) para chegar à original, 3-
7(025).
66
Figura 49 cc.93-99
5.1.19 13 cc.100-105
Os instrumentos intermediários continuam a expandir o motivo principal
sobre as formas 3-11(037), 3-7(025) e 3-9(027). Um elemento novo surge nos
instrumentos de ponta, enquanto duas notas permanecem soando, F e G, outras
duas são tocadas repetidamente, A-G# no primeiro violino e B-A no violoncelo. O
conjunto formado é o 5-8(02346), F-G-G#-A-B, um conjunto simétrico (conforme a
notação de Berry, 21112, o que facilita a visualização de sua simetria). Estes dois
instrumentos voltam a executar, no c.104, o acompanhamento do c.88, com a
substituição da nota D, no primeiro violino, pela nota G.
67
Figura 50 cc.100-105
5.1.20 cc.106-112
Ocorre um retorno para elementos do c.88, mas desta vez as notas da
melodia não são somente da escala pentatônica e o motivo não está somente na
forma básica 3-7(025), pois se apresenta inicialmente neste conjunto, mas depois
varia para 3-11(037), 3-5(016) e 3-4(015). Já o primeiro violino e violoncelo
permanecem no mesmo padrão, contendo apenas a alteração mencionada
anteriormente no c.104. Por fim, uma prévia da forma espelho utilizada por Bartók
em seus próximos quartetos surge ao final desta Prima Parte, com a utilização do
mesmo tema de abertura como conclusão da seção, transposto uma quinta abaixo
da sua primeira aparição: o tema conduz para a nota Eb, que terá suma importância
no início da Seconda Parte.
68
Figura 51 cc.106-112
5.2 SECONDA PARTE
A Seconda Parte tem caráter completamente diferente da Prima Parte,
melodias cantabile são trocadas por escalas rápidas, extremamente virtuosísticas. A
mudança de fórmula de compasso ocorre de forma muito mais intensa. Para Simms
(1996, p.217), esta mudança representa o tempo estrito da música camponesa
húngara. Longas seções e entradas canônicas são fortes características desta parte.
5.2.1 cc.113-122
A melodia inicial que termina a Prima Parte conduz para a nota Eb na viola e
para o trinado do segundo violino. De acordo com Antokoletz (1994, p.262), este
trinado tem como característica principal possuir as notas pedais de duas escalas
modais, D e Eb dórico, que suportam os dois temas iniciais desta parte. O tema em
D dórico é iniciado no c.117 no violoncelo após um movimento cromático para a nota
Eb e verticaliza o motivo principal da parte anterior em tríades paralelas. Entretanto,
a nota F#, terça maior de D, se faz presente na parte intermediária do tema para não
haver o trítono com a nota B.
69
Figura 52: c.113-121
5.2.2 1 cc.123-137
O trinado permanece presente no segundo violino para a apresentação do
segundo tema no primeiro violino. Este tema é caracterizado por ter apenas quatro
notas da escala de Eb dórico tocadas em semicolcheia ascendentemente, seguida
do mesmo movimento, mas continuado descendentemente até a nota C para o
retorno a nota Eb. Antokoletz (1994, p.262) ressalta a formação de um segmento
octatônico ao se juntar a nota D com as quatro primeiras notas deste segundo tema
(D-Eb-F-Gb-A). Utilizando a notação intervalar de Berry para este tema, encontramos
as seguintes configurações simétricas: 212 (Eb-F-Gb-A) e 1221 (Gb-F-Eb-Db-C). Em
seguida o primeiro tema é exposto novamente, mas desta vez expandido,
continuado pelo segundo tema com troca de instrumentos durante sua execução.
70
Figura 53 cc.123-125
5.2.3 3 cc.138-156
A partir desta marca, os dois temas são apresentados juntamente
enquanto o segundo violino continua o trinado nas notas D-Eb, mas o segundo tema,
tocado pelo primeiro violino possui ritmo modificado, se assemelhando mais com
música camponesa e terminando na repetição da nota Eb. O primeiro tema é
executado pelo violoncelo e a viola fortalece as notas D-Eb as tocando em pizzicato.
A partir da marca 4, a viola passa a oitavar o tema do primeiro violino, concluindo
nos cc.150-151 em uma exploração das notas pedais nos três instrumentos
superiores, restando apenas o violoncelo a executar o primeiro. Este trecho acaba
com uma sequência contendo o segundo tema invertido no primeiro violino.
71
Figura 54 cc.138-156
5.2.4 6 cc.157-167
O primeiro violino passa a executar o trinado característico do início deste
movimento, mas com as notas F-G. O primeiro tema aparece em forma de um
acorde quartal 3-4(016) no violoncelo que possui a nota F como nota mais grave,
enquanto o segundo tema surge no segundo violino e viola no modo de G mixolídio.
No c.161 o motivo retorna para o primeiro violino, oitavado pelo segundo,
no modo A eólio, enquanto o violoncelo executa a escala de C# eólio descendente,
72
iniciando na nota A. Estas duas escalas possuem o pedal acentuado pela viola, que
executa a sexta menor C#-A. O trecho termina com a utilização dos dois temas
reduzidos em um jogo de pergunta e resposta, com o início do primeiro tema nos
violinos e acordes na viola e violoncelo.
Figura 55 cc.157-167
5.2.5 7 cc.168-182
73
Ocorre uma queda na intensidade da obra, indo de mf para p. O segundo
tema aparece na viola, retornando para o Eb dórico, enquanto o violoncelo executa
as notas Eb-A em acordes, relembrando o primeiro tema. No c.170, os violinos
interrompem para apresentar o segundo tema, sendo que o primeiro executa em Eb
dórico, enquanto o segundo em D jônio invertido. Ambos acabam na nota pedal de
seu modo com uma expansão da repetição da sua última nota por quatro
compassos, mas o segundo violino também contém a nota Eb junto com D.
Figura 56 cc.-168-178
5.2.6 9 cc.183-205
Um elemento muito importante da Seconda Parte é apresentado a partir
do c.187, precedido por acordes quartais. Este novo elemento tem como
característica principal a execução de um acorde sf no tempo forte de cada
compasso, seguido por semicolcheias. Estas semicolcheias também formam um
acorde quartal, que contém as duas notas que veem sendo permanentemente
utilizadas por Bartók, D-Eb, e a nota Ab. Inicialmente, o acorde sf é igual às
semicolcheias que o precederam, mas a nota superior dele troca de D para E de
74
tempos em tempos, retornando para D sem seguir padrões. O violoncelo e a viola
executam um tema que Antokoletz (2004) considera ser o segundo tema da parte,
afirmando estar num modo folclórico não diatônico (C-D-E-F-Gb-Ab-Bb), seguido por
sua versão com terça menor (C-D-Eb-F-Gb-Ab-Bb). Como o primeiro violino toca E-Eb
em alguns compassos, isto reforça esta dualidade entre as duas escalas.
Figura 57 cc.183-205
5.2.7 cc.206-215
Bartók reutiliza a díade D-Eb para depois mudar completamente de região.
O violoncelo executa um ostinato sobre o conjunto Z26 e a viola permanece a fazer o
elemento de semicolcheias levando a um sf no tempo forte com as notas G-F#. O
primeiro violino e o segundo executam um cânone que tem como característica
escalas de tons inteiros ascendentes seguidas de uma tríades descendentes.
26 Este conjunto foi tratado no item 3.4.
75
Figura 58 cc.206-214
5.2.8 13 cc.216-223
Uma queda de andamento e dinâmica ocorre para este trecho que
contém um stretto nos violinos, acompanhado por notas longas descendentes na
viola e violoncelo. De acordo com Antokoletz (2004, p.263-4), os violinos estão na
escala folclórica não diatônica E-F#-G#-A#-B-C#-D, que seria um E lídio com a sétima
menor. Entretanto, a ocorrência da nota D# (circulado no exemplo abaixo) no topo da
melodia caracteriza o modo lídio completo. Antokoletz ainda afirma haver dois
segmentos de seis notas referentes a duas escalas octatônicas nas notas
descendentes, uma para cada instrumento, os segmentos seriam C#-(D)-E-F-(G)-G#-
A#-B27 na viola e C-C#-D#-E-(F#)-G-(A)-A# no violoncelo. Entretanto, ao analisar as
notas superiores do trinado da viola, descobri um novo segmento octatônico: C-D-
(Eb)-F-Gb-(Ab)-A-B. Toda a complexidade deste trecho dá a ele uma sonoridade
muito dissonante.
27 As notas em parênteses são as notas que não estão presentes no segmento, mas que fazem parte da escala.
76
Figura 59 cc.216-221
5.2.9 14 cc.224-229
O mesmo tema do trecho anterior é imitado na viola, com stretto no
violoncelo, mas na escala de A lídio com sétima menor, também com o G# no topo,
caracterizando o modo lídio completo. Enquanto isso, os violinos executam as notas
A-Bb-C, do modo A frígio. Esta sobreposições de modos geram choques cromáticos
(Bb-B e C-C#), resultando naquilo que é chamado de cromatismo polimodal.
Figura 60 cc.224-229
5.2.10 15 cc.230-237
77
Este novo tema escalar passa a ser desenvolvido em constantes
ascensões. Antokoletz (1994, p.264) considera o inicio deste novo stretto como uma
superposição de duas escalas de tons inteiros, D-E-F#-G# e A-B-C#-D#, sendo que
esta última é continuada diatonicamente, acrescentando E-F#-G. A viola se junta ao
stretto no c.233 e possui a mesma característica escalar do anterior, mas iniciando
em G. No c.234 esta versão em G também é iniciada no segundo violino, terminando
antecipada na nota A para poder iniciar o stretto seguinte que fará com o primeiro
violino.
Figura 61 cc230-237
5.2.11 16 cc.238-246
O modo C lídio é executado ascendentemente em stretto no primeiro e
segundo violinos, reiniciando ao chegar em C no primeiro violino e em G no
segundo. Na terceira vez, em vez de retornar a C, a escala é iniciada em E,
culminando na nota E5. Enquanto isso, o violoncelo e a viola fazem um stretto da
escala octatônica F#-E-D-C#-B-A#-G#, sendo que a viola só vai até o B. Um novo
stretto de outra escala octatônica é realizado em seguida, com a escala A-G-F#-E-
D#-C#-B#. Para conduzir ao acorde final desta parte, o violoncelo repete o início da
escala octatônica anterior e a viola um pedaço de C lídio. O acorde alcançado é um
acorde simétrico com as notas C-C#-E-E#, 131.
78
Figura 62 cc.238-246
5.2.12 17 cc.247-260
Bartók continua a trabalhar sobre a escala de C lídio no primeiro violino,
mas desta vez descendente. O início de cada escala é aumentado a cada repetição,
tendo como início mais alto a nota A (A6) no c.258. O segundo violino inicia sua
escala descendente com C lídio, mas com uma modificação octatônica a partir de E,
resultando em C-B-A-G-F#-E-D#-C#-C. Somente após a marca 18 (c.254), o segundo
violino passa a executar o modo C lídio sem a alteração final. Enquanto isso, a viola
e o violoncelo fazem escalas octatônicas ascendentes em dobramento de terça. As
únicas partes não octatônicas destes dois instrumentos se dá na viola nos cc.249-
250 e no c.255, onde o octatonicismo é trocado por um final em tons inteiros.
79
Figura 63 cc.247-260
5.2.13 19 cc.261-286
Bartók utiliza um elemento novo. Os dois violinos fazem o mesmo ritmo,
mas com escalas diferentes, com a distância inicial de uma terça e em movimentos
opostos, com exceção do último movimento de cada célula. Entre os cc.261-272, o
primeiro violino permanece a maior parte do tempo nas notas A-B, sendo expandido
para a escala de A eólio em alguns trechos. Já o segundo violino executa as notas
Ab-G-F#, conjunto cromático 3-1(012), com claro eixo de simetria na nota G, sendo
expandida para a escala de F# lócrio, que poderia ser considerada E eólio, não
80
fosse a falta da nota E no trecho. A viola e o violoncelo, por sua vez, também
dialogam através de movimentos contrários, com exceção do primeiro compasso.
Neste primeiro compasso, as notas da viola são E-F-E e do violoncelo C-D-C. A
partir de então, a viola muda para F-E-F e o violoncelo para D-Eb-D. Na primeira
expansão escalar, a viola permanece na escala de E frígio e o violoncelo faz um
segmento octatônico D-C-B-A-G#. As notas pretas passam a ser cada vez mais
presentes, até a escala de B jônio ser estabelecida nos violinos no c.275. Um jogo
de pergunta e respostas entre violinos e instrumentos graves é iniciado, na qual um
elemento dobrado em terça é realizado na forma 4-10(0235), que pode ser notado
como 121, e o outro é uma escala ascendente também dobrada em terça, nos
violinos de B jônio e na viola e violoncelo de B menor melódica.
81
Figura 64 cc.261-286
82
5.2.14 22 cc.287-293
A partir deste momento há um retorno para a dualidade Eb-D, explorada
com a repetição da nota Eb com o acorde de C maior no violoncelo e viola até o
c.290, representando o acorde de C maior-menor.
Figura 65 cc-287-288
5.2.15 23 cc.294-298
Na marca 23 (c.294), a escala de Eb dórico retorna para o primeiro violino,
com o violoncelo executando A-Eb com pizzicato, remetendo ao primeiro tema.
Figura 66 cc.294-297
5.2.16 24 cc.299-305
83
O elemento da marca 12 da seconda parte reaparece aqui um pouco
modificado, desta vez, a escala do primeiro violino é octatônica e seguida por tons
inteiros, e não somente de tons inteiros. A viola faz usando o modo G lídio com
sétima menor e o violoncelo invertido usando D dórico e, depois da tríade, tons
inteiros. O segundo violino toca Eb, com algumas aparições de D e C no tempo forte
do compasso.
Figura 67 cc.287-297
5.2.17 25 cc.306-311
O modo Eb dórico retorna e a dicotomia entre D-Eb continua sendo
material para algum dos instrumentos, iniciando com o segundo violino executando
Eb enquanto os outros instrumentos fazem um acorde que, junto com Eb, forma o
conjunto simétrico Eb-E-G-G#, de forma prima 4-7(0145), que já aparecera na marca
16 desta parte. Seguido por um col legno na qual os instrumentos fazem o tricorde
cromático 3-1(012).
84
Figura 68 cc.306-311
5.2.18 26 cc.312-323
A alusão ao primeiro tema, em D dórico, está presente no violoncelo, que
toca as notas D-A em pizzicato. Já o segundo tema, em Eb dórico, é trabalhado nos
outros instrumentos em forma de escalas e a repetição da nota Eb. A única mudança
da escala se dá na viola ao fazer o movimento ascendente, com uma mudança no
topo para a transformação em uma escala octatônica, como na viola no primeiro
compasso da marca, que toca Eb-F-Gb-Ab-Bbb ao subir e Ab-Gb-F-Eb-Db-C-Bb ao
descer.
Figura 69 cc.312-316
5.2.19 28 cc.324-330
Este trecho tem como característica principal a superposição dos modos
D dórico e D lídio. O lídio está presente principalmente em acordes da viola e
85
violoncelo, enquanto o D dórico é característica dos violinos, que fazem escalas em
semicolcheia, contendo apenas duas alterações, F# e G#. A partir do c.329, notas do
modo Eb dórico começam a aparecer lentamente.
Figura 70 cc.324-330
5.2.20 cc.331-344
Antes do retorno para Eb dórico por completo, o elemento octatônico se
faz presente na continuação de uma escala que iniciou no modo Eb dórico,fazendo
com que o A se torna-se bequadro. Somente na anacruse para a marca 29 (c.334) o
modo Eb dórico num stretto entre os violinos, mas logo o D dórico vai tomando forma
na viola e violoncelo, com dinâmica aumentando a cada ponto que vai se formando
o D dórico. No c.337 só resta a nota Eb de seu modo dórico nos violinos. Por fim, no
final do c.341 o conjunto 3-5(016) é executado em forma de acorde quartal por todos
os instrumentos.
86
Figura 71 cc.331-344
5.2.21 30 cc.247-260
Este trecho possui um stretto de um segmento octatônico, E-F#-G-A-Bb,
nos violinos e uma escala também octatônica em uma forma piramidal é feita pela
viola e violoncelo em movimento de tritono paralelo, sendo que cada instrumento
toca apenas quatro notas da escala C-C#-Eb-E-F#-G-A-Bb. Terminando com a
mudança para o compasso binário, que permanecerá sem mudança até o final da
fuga a seguir, e a repetição do acorde de conjunto 3-5(016) em pizzicato. O segundo
violino também dá falsas entradas da fuga com a nota A.
87
Figura 72 cc.247-260
5.2.22 31 cc.354-396
Após tantas entradas imitativas, geralmente em stretto, Bartók inicia uma
fuga a quatro vozes que, segundo Bernard (2008), é a passagem imitativa mais
famosa desta peça. Também afirma que, como a fuga do primeiro movimento da
Música para Percussão e Celesta, esta contém ampla tessitura e inversão do sujeito.
Um efeito utilizado por Bartók nesta fuga é a mudança de indicação a cada entrada
do sujeito, sendo que todos os sujeitos de cada exposição tenham a mesma
indicação: leggerissimo; a punta d’arco e sul ponticello. O sujeito é caracterizado por
uma ascensão da escala octatônica (0,2,3,5,6,8), seguida de movimento
descendente até a segunda nota da escala, ascendente até a quinta, descendente
até a primeira para sua repetição até o final.
88
Figura 73 sujeito da fuga
A primeira exposição da fuga é iniciada em A e possui dois contra-
sujeitos, o primeiro com três tríades pertencentes à escala octatônica do sujeito e o
segundo duas formações do conjunto 3-3(014) e uma do 3-2(013) na resposta do
sujeito e dois conjuntos 3-3(014) e um 3-5(016) no sujeito.
Figura 74 contra-sujeitos da fuga
O diagrama feito por Bernard (2008, p.14) explicita todas as entradas
desta fuga e demonstra a amplidão que ela ocupa no espaço de notas. Linhas
preenchidas significam a mudança de região, enquanto as pontilhadas relações
entre as entradas dos sujeitos.
89
Figura 75 cc.354-396 (Bernard, 2008)
5.2.23 36 cc.397-402
90
Ao retornar da fuga, o segundo violino continua a executar o início de seu
sujeito enquanto o primeiro violino e violoncelo retornam ao tema de pizzicatos, mas
desta vez em D# lócrio. No c.400, o segundo violino inverte a entrada do sujeito da
fuga em um segmento octatônico B-A-G#-F#-E#, repete o E# e executa o segmento
final do sujeito da fuga, também octatônico E#-Fx-G#-(A#)-B-C#, com a substituição do
A# pelo C#, passando a repetir este movimento até o final do trecho.
Figura 76 cc.397-402
5.2.24 cc.403-412
A viola toma o lugar do primeiro violino para fazer os pizzicatos, para que o
primeiro violino passe a executar o final do sujeito da fuga repetidamente no modo E
frígio. No c.408, enquanto viola e violoncelo continuam a fazer o primeiro tema, os
violinos executam a escala de E dórico ascendente, terminando com o modo E frígio.
No c.413 o violoncelo e a viola tocam a escala de Eb dórico comprimida em acordes.
Figura 77 cc.403-412
91
5.2.25 38 cc.414-429
A complexidade da obra vai aumentando gradativamente, neste trecho há
um padrão intervalar complexo, onde trechos de tons inteiros são conectados por um
movimento cromático no topo da melodia e, na hora do movimento descendente, o
salto de dois tons e o retorno para o tom intermediário. Entretanto, há uma exceção
em duas aparições do deste padrão, a primeira na viola e a primeira do primeiro
violino, elas são modificadas para que a nota Ab esteja presente para completar o
cromatismo polimodal entre as escalas de F lídio e F dórico. O violoncelo é o único
instrumento a fazer o padrão apenas uma vez, repetindo as últimas notas por nove
compassos.
92
Figura 78 cc.414-429
5.2.26 40 cc.430-441
Neste momento, Bartók usa a escala cromática completa em todos os
quatro instrumentos. As escalas não são simplesmente numa única direção, hora a
melodia volta um passo ou dois para depois continuar, mas nunca dando um salto
maior do que um semitom. Os violinos fazem, no geral, a escala de forma
ascendente. Já a viola e o violoncelo, ascendente. Cada instrumento conduzindo
para uma das quatro notas do conjunto do acorde seguinte.
93
Figura 79 cc.430-441
5.2.27 40 cc.442-513
O clímax da seconda parte tem muitos elementos da primeira parte, entre
eles o glissando do violoncelo, que vai de C#-E na marca 43. Outro elemento,
encontrado por Straus (2008), é a conexão entre dois tricordes para a formação dos
acordes deste trecho. A análise de Straus mostra a fusão entre acordes 3-2(013) e
3-7(025), sendo este último o conjunto do motivo principal da prima parte. O
resultado de sua análise é um ciclo de conexões a partir de transposições dos
94
conjuntos. O numero indicado acima de cada conjunto é referente a ordenação dos
acordes. Sob a indicação T, de transposição, está a distância da transposição. As
transposições que possuem uma estrela significam que apenas três das quatro
notas foram transpostas, isso se dá pelo fato de ser uma transposição para um
conjunto diferente. No diagrama, o termo RICH significa conexão em retrógrado da
inversão.
Figura 80 cc.442-507 - ciclo de conexões (STRAUS, 2008).
5.2.27 49 cc.513-530
O final da seconda parte é como uma ponte para a recapitulação, uma
célula de movimento cromático em dois conjuntos 4-1(0123) vai sendo repetida em
oitavas descendentes até alcançar a nota C# no violoncelo. Por fim, o violoncelo
executa uma melodia ascendente que, de acordo com Antokoletz (1994, p.264),
95
apresenta com o tetracorde inicial com a omissão da nota D# e é seguido pelo
motivo na forma original G-A-C. A partir do c.525 a viola dobra o violoncelo. Para
Antokoletz, a nota inicial da ricapitulazione della prima parte é o D# que fora omitido
anteriormente.
Figura 81 cc.513-530
5.3 RICAPITULAZIONE DELLA PRIMA PARTE
Esta parte não é uma repetição literal da prima parte, sendo muito mais
curta, contendo apenas 69 compassos. A principal recapitulação é a linguagem
musical, um retorno ao estilo cantabile, lembrando o ritmo parlando rubato das
canções camponesas. O motivo principal da primeira parte também volta a ser
material recorrente desta recapitulação, contando também com variações do tema
inicial do quarteto (cc.2-5).
96
Esta “recapitulação” certamente não é literal e muito mesmo uma repetição aproximada de qualquer coisa que aconteceu na prima parte. Ela é, por sua vez, um tipo de paráfrase construída a partir de fragmentos daquela música anterior – algumas vezes radicalmente alterados, mas continuando, em níveis variados, reconhecível (BERNARD, 2008, p.17)
Entretanto, a análise a seguir mostra que todo elemento da recapitulação
é baseado em motivos da prima parte, contendo até a repetição de um trecho quase
que de forma literal, apenas trocando a instrumentação e repetindo alguma parte
deste trecho. Tudo isto parece comprovar a forma proposta por Simms para esta
peça, A (prima parte) B (seconda parte) A’ (ricapitulazione della prima parte) B’
(coda) (1996, p.214).
5.3.1 cc.531-539
Após a ascensão melódica do violoncelo no final da seconda parte, o
motivo principal da prima parte, por conseguinte desta recapitulação também, é
apresentado na forma original 3-7(025) no violoncelo e logo começa a se
transformar, passando por diversas formas, a princípio próximas, como 3-9(027) e 3-
8(025), para só depois aparecer expandido nas formas 3-4(015), 3-2(013), 3-
11(037), 3-3(014) e 3-1(012). Podemos compreender este curto trecho como uma
recapitulação comprimida de todas as variações motívicas presentes na prima parte.
Bernard (2008, p.17) acredita que este trecho faz referência à marca 6 da prima
parte (cc.47-52).
97
Figura 82 cc.531-542
5.3.2 1 cc.543-546
Enquanto o violoncelo executa a nota B# durante cinco compassos, com
um glissando para D# no centro e um glissando de oitava no final, entradas
canônicas do motivo principal ocorrem da viola ao primeiro violino, nas formas 3-
7(025) e 3-8(026), conectadas com os conjuntos 3-10(036), viola e segundo violino e
dois conjuntos 3-11(037) no primeiro violino, sendo este último um arpejo do acorde
B maior-menor. Em seguida, a repetição em semicolcheia da nota final de cada
instrumento gera o conjunto 4-4(0125), uma fusão entre o tricorde cromático 3-
1(012) e o motivo principal 3-7(025).
98
Figura 83 cc.543-547
Uma modificação motívica do tema inicial da obra é apresentada invertida
no primeiro violino e na forma original no violoncelo. Este novo motivo é
caracterizado pela repetição de duas notas cromáticas. Duas coisas o assemelham
com o tema inicial, a repetição da primeira nota e o resultado final dos dois saltos, já
que antes ele dava um salto de segunda maior descendente (2) e um de terça
menor descendente (3), resultando em uma segunda menor descendente (1). Este
motivo passará a ser denominado motivo da recapitulação, ou apenas sua
abreviação, motivo rec.
Figura 84 Melodia inicial - motivo recapitulação
99
5.3.3 2 cc.552-559
Este trecho é iniciado com uma entrada canônica do motivo principal nas
formas 3-7(025) e 3-8(026. O violoncelo apenas faz uma aproximação cromática
ascendente, formando o conjunto 3-1(012), que também está presente após a
entrada do segundo violino. A viola executa ainda a versão comprimida 3-2(013) do
tema, conectada com o seu retrógrado. O motivo da recapitulação surge em cânone,
conduzindo os instrumentos para a nota inicial de glissandos, formando o acorde de
conjunto 4-10(0235), que contém o conjunto 3-7(025) como seu subconjunto. O
mesmo movimento é repetido, mas com a troca entre as notas do segundo violino e
viola. Por fim, o acorde F maior-menor é alcançado a partir de notas de passagem.
Figura 85 cc.552-559
5.3.4 3 cc.560-578
Enquanto o violoncelo antecipa a nota E que iniciará a entrada canônica
de motivos do c.562, os outros três instrumentos retornam a fazer aproximações
cromáticas para um acorde maior-menor, mas desta vez para Ab maior-menor, cujo
100
baixo Ab pertence ao mesmo eixo de F no sistema de eixos proposto por Lendvai
(1979). O trecho é continuado com entradas canônicas do motivo principal,
principalmente na forma original 3-7(025) e na variação 3-2(013), com um grupo de
conjuntos 3-11(037) conectados no c.569 e apenas duas formações do motivo na
forma 3-8(026).
Figura 86 cc.560-578
5.3.5 5 cc.579-585
101
A partir deste momento, o tempo passa a cair pouco a pouco, até o Lento
do c.597 para só aumentar bruscamente na coda. O acorde resultante de todo o
trabalho motívico do trecho anterior é o acorde de F maior-menor. O motivo da
recapitulação reaparece em entradas canônicas do primeiro violino ao violoncelo,
conduzindo para a formação de um acorde maior-menor, mas desta vez o acorde é
o de D maior-menor, que também faz parte do sistema de eixos e é contra-pólo de
Ab. Em seguida, o motivo da recapitulação é usado invertido e de forma ascendente
na instrumentação para o retorno ao acorde de D maior-menor.
Figura 87 cc.579-585
5.3.6 6 cc.586-594
O motivo da recapitulação é explorado ao máximo neste, a princípio com
repetições diatônicas no primeiro violino e repetições invertidas na viola, entretanto,
o último motivo é o contrário do que o instrumento havia executando, com a omissão
da última nota do motivo. Em seguida, a parte central do motivo é trabalhada em
repetições entre pausas. No c.589, o violoncelo executa o motivo invertido enquanto
102
os outros continuam a repetir o centro do motivo até ser alcançado novamente o
acorde de D maior-menor na mesma disposição do compasso anterior ao início
deste trecho, c.585. O motivo novamente aparece em semicolcheias entre pausas,
mas completo. Por fim, dois acordes quartais são executados sendo que primeiro
destes acordes é o conjunto Z, que é comum em outros quartetos de Bartók. Usando
o sistema de Berry, podemos perceber a simetria destes dois conjuntos: 151 e 161.
5.3.7 7 cc.595-600
Somente no final da recapitulação é que Bartók inseriu algo que já
aconteceu na prima parte de forma mais explícita, mas nem tão perceptível, pois a
instrumentação está trocada e possui últimas notas diferentes, já que conduz a uma
região diferente. O material a ser re-exposto é da marca 11, entre os cc.84-87, na
qual Bartók utiliza o motivo nas compressões 3-3(014) e 3-5(016) em entradas
canônicas. Entretanto, na recapitulação há uma antecipação da viola seguida das
entradas na mesma ordem, mas de forma descendente na instrumentação, e não
sortida como a prima parte. Além desta, há duas outras semelhanças, o único motivo
com omissão ocorre no segundo violino e o violoncelo executa a mesma linha
melódica, mas conduzindo para C, ao invés de C#.
103
Figura 88 cc.595-600
5.4 CODA
A coda pode ser considerada uma recapitulação de elementos da
seconda parte, completando a forma A B A’ B’. A principal referência para a seconda
parte está na utilização de escalas virtuosísticas, entradas canônicas e,
principalmente, a reutilização do modo Eb dórico.
5.4.1 cc.601-623
A nota Eb é logo executada em repetição por todos os instrumentos,
menos violoncelo. O violoncelo inicia um grande cânone de escalas, com movimente
que remete ao sujeito da fuga da seconda parte. A escala vai sendo expandida em
uma ascensão gradativa. A primeira entrada é da escala octatônica C-D-Eb-F-Gb-Ab,
que terá o D substituído por Db depois de duas entradas e notas acrescentadas, que
virão na seguinte ordem: Bbb; B; C# e D; E e F; G. Com a mudança de D para Db no
segmento inicial, só falta a nota Bb para formar a escala de Eb dórico. Da mesma
forma, resta apenas a nota Bb para ter todas as notas neste trecho.
104
Figura 89 cc.601- 622 (violoncelo)
5.4.2 3 cc.623-6
O segundo tema da seconda parte surge nos violinos em sua variação na
escala de E frígio, passando para E dórico no c.628. O violoncelo executa a escala
de C# menor harmônica em notas descendentes. De acordo com Antokoletz (1994
p.265), a partir do c.631 o violoncelo executa uma escala que comprime diatonismo,
octatonicismo e tons inteiros.
105
Figura 90 cc.623-634
5.4.3 4 cc.623-642
O retorno para Eb dórico é preparado por três compassos, entrando no
primeiro violino com o começo em Bb e no segundo violino com Eb. Desta forma, os
violinos permeiam a nota Eb, um abaixo e outro acima da nota. O violoncelo executa
somente a quarta B-E e depois o trítono B-F. Já a viola permanece em E frígio.
106
Figura 91 cc.623-642
5.4.4 5 cc.643-654
O modo Eb dórico é logo dissolvido e, enquanto os violinos e a viola tocam
o segundo tema da seconda parte principalmente nas escalas de E frígio e E dórico,
o violoncelo executa o que Antokoletz (1994, p.264) chamou de “quintas e sextas
desconexas”. Esta linha do violoncelo gera diversas tríades relacionadas por passo
no baixo.
107
Figura 92 cc.643-655 (violoncelo)
5.4.5 cc.655-663
O primeiro violino inicia o movimento descendente do segmento
octatônico Eb-D-C-B, que começa a ser dobrado por todos os instrumentos,
culminando em sua execução por todos em ff. No c.658 (marca 7), a dinâmica volta
para p e a escala de Eb dórico é explorada em movimentos ascendentes e
descendentes, remetendo ao início da coda. O segmento octatônico é re-exposto
para conduzir a uma repetição quase literal dos três últimos compassos, com apenas
uma mudança na viola e segundo violino no segundo compasso e o término em um
acorde diferente.
108
Figura 93 cc.655-663
5.4.6 8 cc.664-670
As mesmas modificações que ocorreram no início da coda estão
presentes na próxima repetição deste trecho, com a inserção da nota Bbb no primeiro
violino e violoncelo. A repetição é preparada novamente e a nota B é acrescentada.
Figura 94 cc.664-665e cc.668-669 (primeiro violino)
5.4.7 9 cc.671-676
109
Depois da preparação para a repetição do padrão que vinha acontecendo
há uma pausa para os violinos, a viola permanece a tocar o segmento octatônico Eb-
D-C-B e o violoncelo executa o segmento invertido. Os segundo violino entra com o
segmento F#-G-A-Bb, seguido pelo primeiro violino com F-E-D-C#.
Figura 95 cc.671-676
5.4.8 10 cc.671-676
Duas escalas octatônicas ascendentes são iniciadas pelos violinos
acompanhadas por glissandos na viola e violoncelo. As escalas começam em Eb e
D, duas notas que tiveram grande importância na seconda parte como pedais de
modos. As únicas quebras do octatonicismo se dão nas últimas notas da primeira e
segunda execução do segundo violino, com um segmento de tons inteiros e depois
diatônico acrescentado. Somente na última ascensão que ele fará a escala
octatônica sem modificações. A escala vai aumentando de tamanho até alcançar as
notas D e C, que serão passa para o acorde da seção seguinte, D#-C#.
110
Figura 96 cc.671-676 (violinos)
5.4.9 11 cc.684-708
O ultimo elemento da seconda parte a ser utilizado na coda são as
oitavas em semicolcheia que levam a um sf no tempo forte do compasso. Desta vez,
não há indicação de dinâmica e está na escala de E jônio, tendo a nota A# em
alguns momentos, caracterizando a fusão com E lídio. A nota a ser alcançada no
tempo do compasso continua sendo E, mas as semicolcheias possuem a nota D#, já
que desta vez a escala é maior.
111
Figura 97 cc.684-690 (coda) - cc.191-196 (seconda parte)
5.4.10 13 cc.709-720
O início do trecho final da peça tem somente as notas G-F em fusa nos
violinos e viola e um acorde quartal 3-9(027) na cabeça dos tempos como
acompanhamento no violoncelo e viola. No c.712 dois segmentos octatônicos são
executados, um pelos violinos, F-G-G#-A, e outro pela viola e violoncelo, D-E-F-G,
terminando num glissando do centro para os extremos, alcançando um acorde só de
notas pretas que forma o conjunto 4-23(0257). Este conjunto é a conexão por
inversão do conjunto 3-7(025) e 3-9(027), a forma original do motivo principal da
prima parte e uma de suas variações. Bartók ainda explora este acorde por mais três
compassos, terminando com um ff.
112
Figura 98 cc.709-720
113
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A primeira impressão que eu tive após estudar a música e a vida de
Bartók foi a incapacidade de se resumir a complexidade de seu legado musical em
poucas palavras, e mesmo livros importantes como Lendvai (1979) e Antokoletz
(1989) tratam apenas de aspectos específicos de suas composições. Acredito que,
mesmo nos tempos atuais, a música de Bartók ainda não é completamente
compreendida. Talvez isso se dê por culpa, em certo nível, do próprio Bartók, que
pouco falou de suas composições. A fusão de elementos musicais nelas é muito
complexa, mas ao se escutar suas obras, a impressão que dá é que nenhuma nota
está errada.
Se sua carreira como compositor foi assim sem muitas palavras, sua
carreira como pianista foi em parte ofuscada por seu compatriota Dohnányi, mas
Bartók passou grande parte de sua vida como professor de piano na Academia de
Música de Budapeste, onde se graduou, e fez turnê em diversos países. O interesse
de Bartók pela música folclórica do leste europeu iniciou-se como influência do
movimento nacionalista, mas, com o tempo, acabou utilizando e pesquisando
”fontes” de outras nações:
Acredito na irmandade entre as pessoas, irmandade apesar de todas as guerras e conflitos. Eu tento – com toda minha competência – atender esta idéia em minha música: em vista disso, não rejeito nenhuma influência, seja esta eslovaca, romena, arábica ou de qualquer outra fonte. A fonte apenas deve ser limpa, pura e saudável (BARTÓK apud GILLIES, 2009).
Como compositor Bartók teve uma formação acadêmica que não o
agradou, pois achava seu professor muito tradicional. Acabou tendo como influência
inicial a obra de Strauss, seguida pela da música folclórica. A produção de Bartók é
imensa, entre elas há obras marcantes, como a ópera o Castelo de Barba Azul
(1911), o balé O Príncipe de Madeira (1914-16), O Mandarim Miraculoso (1918-19),
Música para Piano Percussão e Celesta (1936), entre outras, suas obras sendo de
diversos gêneros, de obras para piano solo a obras orquestradas. Os seus seis
quartetos são peças fundamentais para o entendimento de toda a evolução de sua
música.
114
Bartók não tinha interesse de romper com a música tonal, nem de
continuar a sua dissolução como os pós-românticos alemães, mas sim de explorar
suas barreiras ao máximo. Um elemento tonal muito utilizado por Bartók e teorizado
por Lendvai (1979) é o sistema de eixos, que atribui semelhança entre notas em três
eixos, de tônica, dominante e subdominate, provenientes da harmonia da música
tonal. A utilização da seção áurea e da série de Fibonacci, uma série que possui
proporção áurea, também foi explorada por Bartók.
Na área pós-tonal e na teoria dos conjuntos, os principais trabalhos sobre
a música de Bartók tratam da utilização de acordes simétricos, como os de
Antokoletz (1989) e Berry (1979). Estes acordes são considerados simétricos por
terem a propriedade da inversão ou transposição a partir de um eixo imaginário. O
uso da divisão da oitava em unidades proporcionais também é elemento comum na
música de Bartók, como a proporção 1:2 (escala octatônica).
A pesquisa sobre todos os quartetos de Bartók clarearam muito o meu
pensar sobre sua música e suas influências. A divisão de seus quartetos em três
grupos é inegável, visto que eles, mesmo que diferentes, contém diversas
características em comum. Entretanto, há elementos que unem quartetos de épocas
diferentes, como a forma simétrica do quarto e quinto quartetos e a utilização de
determinados conjuntos, denominados célula X, Y e Z em três quartetos, segundo,
quarto e quinto. Durante minha análise do terceiro quarteto, encontrei algumas
ocorrências destes três conjuntos, mas não são os materiais principais da peça.
Mesmo sendo considerada uma obra na qual Bartók deixou de lado a
influência da música folclórica, sendo um exemplo disso a opinião de Adorno (apud
BERNARD, 2008, p.3), diversos elementos que remetem à música dos camponeses
estão presentes na peça. Um destes elementos é o motivo principal da prima parte,
que pode ser considerado como um excerto da escala pentatônica. Já a seconda
parte tem como principal atributo da música folclórica o uso de escalas modais,
como Eb dórico e escalas não diatônicas. Simms (1996) afirma que a seconda parte
é uma referência ao ritmo estrito da música folclórica, devido a suas escalas rápidas
e de ritmo preciso. Acredito que uma referência possível se dê na prima parte, muito
mais cantabile, remetendo ao estilo parlando rubato de algumas canções do leste
europeu. Esta dicotomia é expandida para a ricapitulazzione della prima parte e
coda, que se relaciona com a seconda parte.
115
O motivo principal da prima parte é um tricorde, um conjunto de três
notas, expandido e comprimido de várias formas, com clara ênfase da forma original
3-7(025). Os cinco primeiros compassos da peça introduzem vários elementos a
serem explorados, possuindo até mesmo o motivo principal no início de seu segundo
fragmento. Este motivo é trabalhado extensivamente, com conexões entre suas
aparições, sendo este o foco da análise de Straus (2008). Após três acordes
quartais com notas apenas da pentatônica de notas brancas e um compasso de
pausa, o segundo tema de uma possível forma sonata é apresentado, com o
acompanhamento da viola e violoncelo executando um ostinato baseado no motivo
principal. Este novo tema é baseado no tetracorde cromático, que também fora
apresentado na introdução da peça na forma de acorde. O conjunto formado é o
chamado de célula X.
A reaparição do motivo principal dentro de uma melodia pentatônica,
como se esta fosse o motivo em sua forma original. A prima parte acaba com o tema
inicial uma quinta abaixo, conduzindo para a nota Eb, que pode ser considerada a
nota mais importante de toda a seconda parte.
A seconda parte não pôde ser analisada somente com a teoria dos
conjuntos, pois este método não cumpria todas as necessidades para o entender os
procedimentos composicionais. Por ter clara exploração de escalas e modos,
analisei a utilização destas em variações temáticas. Diversos trechos com a conexão
entre as escalas octatônicas, diatônicas e tons inteiros foram encontrados. A
presença de polimodalidade e cromatismo polimodal é um procedimento presente
em praticamente toda a parte. Entretanto, a escala de Eb dórico cumpre papel
central em toda a parte, sendo recorrentemente utilizada.
A obra inteira está repleta de entradas canônicas, mas é na seconda
parte que este elemento é mais importante, culminando em uma fuga a quatro vozes
com duração de quarenta e dois compassos. Cada exposição da fuga tem como
característica uma forma diferente de se tocar, como leggerissimo, a punta d’arco e
sul ponticello.
O clímax da seconda parte contém a utilização de elementos da prima
parte, como a conexão entre conjuntos 3-2(013) e 3-7(025) em formas de acordes e
um glissando entre C#-E no violoncelo, os limites do tetracorde cromático inicial da
peça.
116
A ricapitulazione della prima parte não pode ser nem um pouco
considerada uma repetição literal da prima parte. O retorno do motivo principal para
o foco composicional é claro, expressado já nos primeiros compassos. Toda a
variação do motivo é rapidamente exposta no início da parte, somando ao todo oito
formas diferentes em onze compassos. Um novo motivo surge nesta parte, uma
variação do tema inicial. Outro elemento recorrente desta parte é o acorde maior-
menor, que toda vez que é utilizado está no eixo subdominante do sistema de eixos.
O final da ricapitulazione é o único trecho copiado da prima parte, mas
não de forma integral. São entradas canônicas iniciadas com glissando em todos os
instrumentos, terminando numa melodia no violoncelo, que conduz para a nota
inicial da coda. Na prima parte, este trecho conduzia para a apresentação do motivo
principal dentro da melodia pentatônica e estava exatamente num ponto da seção
áurea. A principal mudança foi a ordem de entrada dos instrumentos, que antes
eram sortidas e passaram a ser ordenadas do primeiro violino ao violoncelo,
mantendo as notas de sua ordem inicial. Ou seja, na prima parte o primeiro a dar
entrada foi a viola, a melodia que ela fez foi executada pelo primeiro violino na
ricapitulazione. Outra mudança foi efetuada na melodia do violoncelo, já que na
prima parte conduzia para C#, e a primeira nota da coda é C.
A coda é uma referência à seconda parte, com o retorno das escalas
virtuosísticas e expansões diatônicas, octatônicas e de tons inteiros, sem contar com
o retorno da nota Eb para o foco das atenções e do modo Eb dórico. Pouco antes do
final da peça, as notas pretas vão sendo introduzidas, terminando com o acorde de
notas pretas.
Com a análise do Terceiro Quarteto de Cordas, consegui encontrar todos
os processos composicionais característicos de Bartók. A seção áurea no artigo que
produzi durante a minha bolsa de pesquisa, estruturando toda a prima parte da
peça. O sistema de eixos, com o eixo subdominante nas aparições do acorde maior-
menor da recapitulação. E principalmente o uso de simetria em diversos momentos
da peça.
Por fim, mesmo sendo uma peça que contém todo o caráter
expressionista de Bartók, a música folclórica está muito presente, o que também foi
comprovado pela análise. Acredito que um estudo mais fundo dos textos de Bartók
sobre a música camponesa do leste europeu e sua utilização em suas composições,
juntamente com o estudo das canções por ele coletadas e catalogadas poderia
117
causar o descobrimento de diversos outros elementos destas músicas neste
quarteto.
REFERÊNCIAS
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118
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ANEXOS
ANEXO A: UMA ANÁLISE PROPORCIONAL DA PRIMA PARTE DO QUARTETO
N°3 DE BÉLA BARTÓK
Allan Medeiros Falqueiro
Acácio Tadeu de C. Piedade
Resumo: Nesta comunicação propomos uma análise do Quarteto n°3 de Béla Bartók
sob o ponto de vista das proporções formais levando em conta a seção áurea. Após
apresentarmos uma síntese de análises já publicadas deste quarteto,
apresentaremos duas estruturas diferentes, relacionando-as e buscando concluir
qual delas seria a mais importante para a compreensão da obra.
Palavras-Chave: Análise Musical; Bartók; Sessão áurea.
Abstract: In this communicatio, we propose an analysis of the 3rd Quartet of Béla
Bartók under the perspective of formal proportions, especially focusing the Golden
Section. After presenting a synthesis of already published analyses of this Quartet,
we present two different structures, putting them in relation and trying to conclude
which one would be more appropriate for the comprehension of the work.
Keywords: Music Analysis; Bartók; Golden Section.
Os seis quartetos de Béla Bartók são considerados obras primas que
sintetizam diferentes fases compositivas do compositor28 (BABBIT, 1949). Para
Abraham, os quartetos de Bartók são os mais importantes após a série de quartetos
de Beethoven (1945, p.185). Os quartetos foram assim datados: 1º - 1908; 2º - 1915-
17; 3º - 1927; 4º - 1928; 5º- 1934 e 6º - 1939. Eles são usualmente divididos em 3
28 Na verdade Bartók compôs 7 quartetos de cordas, mas o primeiro, de 1899, não foi publicado, e então apenas 6 quartetos são considerados (ABRAHAM, 1945, p.185).
120
fases, 2 quartetos para cada uma. O auge do expressionismo bartokiano se dá nos
quartetos intermediários, de 1927 e 1928, onde o elemento folclórico, característica
principal de sua obra, é substituído por uma linguagem musical única e original
(ANTOKOLETZ, 1993, p.257). Para Antokoletz, o fato de Bartók ter conhecido a
Suíte Lírica de Alban Berg antes da composição do 3° e do 4° quartetos é um fato
significativo, dadas certas similaridades entre as peças, apesar das diferenças
estilísticas (op. cit, p.258).
O Quarteto n°3 é especial neste grupo na medida que representa a
referida fase bastante abstrata de Bartók, onde o compositor se afasta de elementos
folclóricos para se apoiar mais em estruturas matemáticas, e possui um único
movimento, dividido em três partes: Prima Parte, Seconda Parte e Recapitulazione
della Prima Parte. Este quarteto foi objeto de investigações analíticas importantes,
como Berry (1979), Straus (2008) e Bernard (2008). Em sua obra seminal sobre a
música de Bartók, Antokoletz também realizou uma análise da obra juntamente com
Quarteto n°4, em seu capítulo sobre os quartetos do período médio (1989). Vamos
comentar estas análises.
Berry inicia sua análise falando que, mesmo geralmente possuindo
funções explicitamente problemáticas, a idéia de tonalidade está presente em
praticamente toda a obra de Bartók. No caso do Quarteto n°3, o autor atribui
significância a C#, afirmando que esta altura é a “raiz de sonorizações cadenciais
conclusivas da primeira parte e da peça como um todo” (BERRY, 1979, p. 289).
Assim como o centro tonal é C#, Berry afirma que há tonicizações, como por
exemplo nos primeiros compassos, na melodia do primeiro violino, que orbita em
torno de G# como nota principal, quinta de C#, que é a altura raiz do acorde
cromático do acompanhamento (op.cit., p.291). Outro exemplo de tonicização é o
fugatto da segunda parte, que possui A como tônica (op.cit., p.293). Berry afirma
que, apesar da maior parte da estrutura de alturas da obra ser problemática em
termos de tonalidade, a ambigüidade tonal tem uma relativa claridade em partes
cadenciais, o que confere à obra um aspecto de estrutura tonal. A partir de então,
Berry passa a tratar do caráter intervalar das estruturas e sua simetria, muitas vezes
inversível.
Straus analisa conexões motívicas no Quarteto n°3, afirmando que estas
podem ser de quatro tipos: transposição, inversão, retrógrado e retrógrado da
inversão (STRAUS, 2008, p.25). Tais conexões se dão em forma de sobreposições
121
de conjuntos de três alturas, sendo que as duas últimas são as iniciais do conjunto
seguinte. As conexões motívicas podem aparecer na dimensão harmônica, isto na
forma de sobreposições de conjuntos em acordes. Straus destrincha os 12 primeiros
compassos afirmando que sãoconstituídos de conexões que combinam conjuntos
013/012, 013/025, 025/037 e 025/027 (op.cit., p.31). O autor também analisa o que
ele denomina o Tema B da primeira parte, e mesmo sendo contrastante com o Tema
A, é uma conexão inversível entre os conjuntos 012/013, a mesma que está
presente no início da obra em forma de acorde cromático, na melodia conclusiva da
primeira parte, assim comprovando relações com o tema inicial (op.cit., p.34). Straus
ainda analisa a melodia conclusiva da primeira parte e os acordes no clímax da
segunda parte, sempre procurando comprovar sua teoria de conexões entre
conjuntos.
A análise de Bernard (2008) tem como objetivo principal examinar quatro
aspectos do Quarteto n°3: desenvolvimento melódico, desenvolvimento
contrapontístico, imitação em cânone ou “fugal” e recapitulação de eventos. Bernard
enfoca as relações intervalares nas suas análises, constatando certas recorrências
de certos saltos. Bernard é o único dos analistas aqui comentados que busca
entender a Recapitulazione della Prima Parte, ali reconhecendo características da
marca 629, com a presença da exploração de intervalos [2][7].
Antokoletz (1993, pp.259-266) realiza uma análise formal da peça,
afirmando que ela esstá em forma sonata. Além de utilizar sua teoria de análise da
música de Bartók com base em simetria inversional, o autor analisa a relação entre
segmentos que ele denomina “notas pretas”, juntamente com segmentos em “notas
brancas”,. A utilização de uma escala que combina grupos octatõnicos, diatônicos e
de tons inteiros é comentada pelo autor.
Propomos nesta comunicação uma outra abordagem analítica do 3º
Quarteto de Bartók: a análise proporcional, que envolve a busca da seção áurea na
obra.
A seção áurea é uma divisão de um comprimento em dois, sendo que a
parte maior é proporcional ao todo da mesma forma que a parte menor é
proporcional à maior. Esta proporção é de 0,618 para a parte maior e 0,382 para a
menor. Howat (1983, pg.69) ressalta que esta característica especial é contínua,
29 Chamaremos de Marca as marcações numéricas (números quadriculados) conforme estão na partitura, que julgamos terem sido criadas pelo compositor.
122
pois se colocarmos a divisão com a parte menor primeiramente, isto também gera
uma proporção com a parte maior do exemplo anterior e, assim, “o sistema pode ser
acumulado e estendido, formando uma rede de seções áureas e divisões simétricas
- algo que nenhuma outra proporção fará.” (Howat, 1983, pg.69).
Ilustração 1 - AB : AC = AC : CB = AB : DB
Segundo Lendvai, a utilização da seção áurea nas questões formais e
harmônicas em Bartók tem a mesma significância dabordagem da harmonia e da
forma em períodos e sentenças na música clássica (op.cit, p.18). O primeiro
exemplo de Lendvai a respeito, um trecho de 16 compassos da Sonata para Dois
Pianos e Percussão (cc.2-17), mostra a seção áurea sendo utilizada amplamente,
formando uma rede lógica de eventos (op.cit pp.18-21). A partir deste exemplo,
Lendvai classifica a seção áurea em positiva e negativa, sendo que a primeira se
forma quando a parte maior inicia a seção, e a segunda quando a menor é a inicial.
Mesmo achando uma única discrepância ao examinar esta análise de Lendvai,
Howat afirma que este autor “achou um excelente exemplo para estabelecer sua
causa” (Howat, 1983, p.74).
A seção áurea pode ser calculada a partir pelo número de compassos, por
unidade de pulsação ou até mesmo pelo tempo de uma execução. Howat afirma que
a utilização do tempo de gravações ou indicações de metrônomo não são indicados
para a análise da música de Bartók (op.cit, p.71). A explicação para isso viria do
próprio compositor, no prefácio da edição do Concerto para Violino de 1938
(primeiro), onde Bartók declara que as indicações de andamento são “sugeridas
apenas como guias para os executantes” e “notadas a partir de um performance
real” (op.cit, p.71). Lendvai ressalta:
pode parecer contraditório que os pontos de seção determinados pelas leis da seção áurea possam permanecer sem serem afetados pela mudança de andamento. Este fenômeno é fácil de se entender se considerarmos que a música respira em pulsações métricas e não em medidas absolutas de tempo. Em música, o passar do tempo se torna compreensível por pulsos
123
ou compassos que o papel é mais enfático do que a duração da performance (op.cit, p.26).
Howat acredita que “é evidente a necessidade de um critério mais firme,
mesmo que provisório, com a intenção de determinar se a análise proporcional
revela qualquer coisa significante sobre a música, ou sobre as intenções ou intuições
do compositor” (op.cit, p.70). E ressalta a incapacidade da utilização da seção áurea
perfeitamente em compasso ou pulso devido ao valor irracional da proporção, sendo
necessária alguma aproximação dos valores (op.cit, p.71). Desta forma, o sistema
proporcional deve se encaixar em uma estrutura musical, gerando a pergunta: “se
uma imprecisão ocorre em um sistema proporcional, isto pode ser levado em conta
como uma necessidade musical?” (op.cit, p.72). Assim apresentada a base teórica,
vamos para a análise proporcional do 3° Quarteto.
Dentre várias análises de seção áurea na música de Bartók, nenhuma
menciona o Quarteto nº3, da mesma forma como nenhuma análise do Quarteto nº3
trata deste aspecto. Verificamos que o quarteto completo não possui divisões
significativas pela proporção áurea, entretanto, a utilização da sessão áurea na
Prima Parte é muito clara. Durante a análise da proporção, encontramos a
possibilidade de se pensar a sessão áurea de duas formas: na Prima Parte como um
todo e na divisão desta em duas partes. Estas duas possibilidades se relacionam e
se completam de forma interessante, com vários pontos em comum e algumas leves
discrepâncias, mas que também são justificáveis em questão de separação de
estruturas.
Segundo Straus (2008) e Antokoletz (1993), o segundo tema da Prima
Parte inicia-se na marca 4 (c.35). A divisão que propomos se encontra exatamente
neste ponto, separando esta parte em: cc.1-32 e cc.35-112. Como veremos a seguir,
o c.33, além de ser o ponto de divisão entre as duas sessões, faz parte da sessão
áurea da peça como um todo e contém 3 acordes sem terça, em fortíssimo e
sostenuto, e o c.34 é uma Grande Pausa.
O primeiro tema tem a seção áurea no c.21, exatamente na marca 2,
formando uma seção positiva. A parte maior, por sua vez, é dividida no c.13 (marca
1), gerando um novo positivo, este dividido no c.6, que marca o fim da melodia
introdutória e a apresentação do tema A. A parte menor possui um positivo com
seção áurea no c.28 (marca 3).
124
Ilustração 2 - cc.1-32
O tema B tem início no c.35 (marca 4) e, por ser maior do que o primeiro
corte, possui mais divisões de seção áurea. É uma seção negativa com o corte no
c.65, onde há a mudança para um andamento mais lento após um acorde ff que
encerra a estrutura anterior. A primeira seção é dividida por um positivo no c.53, um
compasso antes da marca 7, mas o novo caráter e a mudança de estrutura ocorrem
no compasso de corte. Entre os cc.53-64, a seção áurea ocorre no c.60 (marca 8) e
é positiva. No trecho cc.35-52, ocorre uma quebra da seção áurea. Estes 18
compassos deveriam estar divididos em 11 e 7, já que 18 x 0.618 = 11,124, mas
está dividida em 8 e 10, havendo portanto uma discrepância de um compasso.
Entretanto, os 8 primeiros compassos podem ser divididos em 5 e 3 (positiva), com a
divisão no c.40 (marca 5), enquanto os 10 compassos seguintes são divididos em 4
e 6 (negativo), com corte no c.47 (marca 6.
A seção maior (cc.65-112) é um negativo, equilibrando o positivo da
seção menor. O corte ocorre no c.84 (marca 11). No trecho menor (cc.65-83), a
seção áurea está no c.77, um após a marca 10, mas a marca coincide com um ff,
que tem o papel de encerramento da seção anterior, e não no começo da estrutura
seguinte. Este trecho pode ser seccionado no c.70, formando um pequeno negativo.
O trecho dos cc.84-112 é um negativo com corte no c.95, que até o final do
movimento gera um positivo com seção áurea no c.106.
125
Ilustração 3 - cc.35-112
A análise realizada até agora trata da Prima Parte com duas seções
áureas distintas, do c.1-32 e do c.35-112. Agora vamos analisá-la como uma única
seção: podemos tomá-la como um grande positivo, com corte no c.70. O trecho
menor é negativo, sendo dividido no c.87, onde se retorna ao tempo 1 e o primeiro
violino e o violoncelo iniciam o pizzicato. Um corte de seção áurea ocorre então no
c.77, formando um negativo. Entre os c.87 e c.112, há uma seção positiva com corte
no c.103, sendo que a parte maior é um negativo com corte no c.93 (marca 12).
Já a seção maior não é tão preenchida como a analisada anteriormente: o
seu corte está no c.43, significando que é positiva. O trecho menor é negativo e tem
corte no c.53. As duas partes geradas formam seções negativas, a primeira com
corte no c.47 (marca 6) e a segunda no c.60 (marca 8). Entretanto, entre os cc. 1 e
43, só existem duas divisões áureas, a primeira no c.27, um antes da marca 3, e o
trecho menor criado dividido no c.33.
126
Ilustração 4 - cc.1-112
Como resultado final de nossa análise, sobrepusemos as duas estruturas,
e pudemos observar várias semelhanças entre elas, mas há também discrepâncias
(veja Ilustração 5). Outro fato interessante é o encaixe mais perfeito da primeira
estrutura com as marcas indicadas por Bartók.
Ilustração 5 - Sobreposição de estruturas
"Sobrepondo as duas estruturas, podemos observar várias semelhanças
entre elas, mas há diversas discrepâncias. Outro fato interessante é o encaixe mais
perfeito da primeira estrutura com as marcações indicadas por Bartók. A primeira
estrutura também trabalha melhor o balanço entre positivo e negativo que a
segunda, sendo que a única quebra se dá no cc.1-12 e cc.13-32, sendo os dois
positivos. Já a segunda possui 4 negativos no seu nível mais interior."
127
Conclusão
A presença de proporção áurea na música de Bela Bartók vem sendo
discutida por muitos teóricos, principalmente por Lendvai (1979, 1993). Se o
Quarteto n°3 não possui de maneira alguma proporção áurea em sua totalidade, a
Prima Parte pode ser perfeitamente estruturada a partir de duas seções áureas
distintas. Estas duas análises se completam, mas a estrutura baseada na divisão da
parte em duas acaba sendo mais precisa, pois seus cortes proporcionais quase
sempre incidem em compassos marcados pelo compositor. O intrigante é o c.33,
compasso divisor entre os temas, aparecer como uma pequena seção do movimento
como um todo. Apesar de acreditarmos que dificilmente esta estruturação da Prima
Parte poderia ocorrer por coincidência, não pretendemos inferir aqui se a proporção
áurea foi usada intencionalmente pelo compositor, mas se nos basearmos nas obras
analisadas desta fase, esta possibilidade se mostra bastante plausível.
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