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história economica
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Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 5
Histria Econmica: consideraes sobre um campo disciplinar
Jos DAssuno Barros1
1.Histria Econmica: atualidade de um campo histrico
A historiografia tem passado, nas dcadas recentes, por
uma sistemtica reviso de seus pressupostos, e ao mesmo
tempo por uma expanso de seus objetos, de suas
abordagens, de seus aportes tericos, de seus dilogos
interdisciplinares. Dentro da Histria, enquanto campo de
conhecimento mais amplo, vrias das mais antigas
modalidades historiogrficas tm passado por esta
redefinio de seus fazeres e fronteiras. Tem sido assim com a
Histria Poltica, com a Histria Social, ou com a Histria
Econmica. O presente artigo pretende discutir este ltimo
campo historiogrfico, os seus deslocamentos temticos, a
reviso dos seus fazeres e de seus modos de examinar a
dimenso econmica das sociedades historicamente
localizadas. Aborda-se a questo de dentro da perspectiva
da prpria historiografia, e no da Economia, que, destarte,
a disciplina fundamental com a qual dialoga esta
modalidade historiogrfica.
De modo bastante evidente, as ltimas dcadas
historiogrficas assistiram a um claro crescimento da rejeio
idia de que a vida social e cultural seja direta e
1 Doutor em Histria Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Professor Visitante da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Professor titular da Universidade Severino Sombra (USS) de Vassouras, nos Cursos de Mestrado e Graduao em Histria, onde leciona disciplinas ligadas ao campo da Teoria e Metodologia da Histria. Entre suas publicaes mais recentes, destacam-se os livros O Campo da Histria (Petrpolis: Vozes, 2004), O Projeto de Pesquisa em Histria (Petrpolis: Vozes, 2005) e Cidade e Histria (Petrpolis: Vozes, 2007).
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linearmente determinada pelas dimenses da Economia e da
vida material uma crtica que se estabelece inclusive no
interior de algumas das correntes do prprio marxismo, a partir
da admitindo que processos culturais podem ser igualmente
determinantes, inclusive agindo ou reagindo sobre a dimenso
econmica de uma Sociedade2. Ao mesmo tempo, patente
tambm que os modelos quantitativos de levantamento e
anlise de dados tambm tm sido criticados
significativamente nos ltimos anos, o que refora o fato de
que vem se enunciando j h algumas dcadas a tendncia
rejeio de uma certa Histria Econmica linear, redutora
e tambm a proposta de novos mtodos para alm das
tcnicas quantitativas, que j no so compreendidas
necessariamente como a nica base de legitimidade de uma
histria cientfica, ou mesmo garantia desta ltima.
Posto isto, consideraremos que, de todo modo, a Histria
Econmica j se constitui efetivamente em um campo
histrico bastante antigo antigo, porm, muito longe da
possibilidade de ser taxado de inatual. Esta combinao de
antiguidade com atualidade tem a sua histria. parte as
trilhas epistemolgicas que possuem um traado anterior ao
prprio mbito da Economia Histrica tal como a entendemos
hoje isto , parte aqueles caminhos que j desde o sculo
XIX vinham sendo percorridos pelos Economistas que se
interessaram pela Histria como meio para solucionar alguns
problemas do seu prprio campo disciplinar3 datam pelo
2 Sobre isto, ver os posicionamentos de E. P. Thompson relativos a uma rejeio do determinismo de via nica (THOMPSON, E. P. Tradicin, revuelta y conscincia de clase: estudios sobre la crisis de la sociedad pre-industrial. Barcelona : Editorial Critica, 1979, p.64.3 Sobre esta questo, bastante oportuno o seguinte trecho escrito por Witold Kula no primeiro captulo de seu livro Problemas e Mtodos da Histria Econmica: En cambio, desde su nacimiento la economa poltica busc las leyes y las vinculaciones constantes, llegando hasta sobreestiomar em principio esa
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menos da terceira dcada do sculo XX os investimentos mais
decisivos dos historiadores em constituir a Histria Econmica
como um campo historiogrfico especfico, ou como uma
disciplina j bem constituda no interior de uma Histria de
novo tipo4. Neste empreendimento, que em diversos focos
diferenciados da Europa e das Amricas comeam a ter
explicitadas as suas primeiras realizaes em torno de 1930,
freqentemente se misturaram economistas e historiadores em
uma empresa mista. Mais ainda, freqentemente economistas
se fizeram historiadores, e historiadores se fizeram economistas.
Diante deste domnio historiogrfico em comum, no qual
se encontram em incessante dilogo tanto os economistas por
formao como os historiadores que se apropriaram de um
conhecimento significativo pertinente s cincias
econmicas, foroso admitir que a Histria Econmica um
daqueles setores intradisciplinares da Histria que exige dos
seus praticantes certos conhecimentos e tcnicas bastante
especficas, possivelmente mais do que qualquer outro campo
histrico. Alm disto, convm lembrar que, se a Histria
Econmica j uma das modalidades historiogrficas mais
antigas em atual vigncia, isto se d porque conjuntamente
constancia. Ello fue causa de que la naciente ciencia econmica no le bastara la observacin de un corto lapso de tiempo, denominado presente. Para ampliar su campo de observacin, para asegurarse de que la relacin comprobada era una vinculacin constante, deba explorar el pasado. De esta manera abri por otra parte un camino a la historia econmica. En este aspecto la piedra miliaria es la aparicin de La Riqueza de las Naciones de Adam Smith (1776) (KULA, Witold. Problemas y Mtodos de la Historia Econmica. Barcelona: Ediciones Pennsula, 1973).
4 Na verdade, tal como ressalta Witold Kula, j desde a primeira metade do sculo XIX sobretudo na Inglaterra e Alemanha a histria econmica j se apresenta como uma clara esfera de interesse, ainda que distante de estar plenamente conformada como uma disciplina independente (KULA, Witold. op.cit. p.14). Os temas de interesse e motivaes nesta poca so bastante especficos: Na Inglaterra, os direitos dos pobres e a liberdade de comrcio; na Alemanha, a poltica aduaneira. Quanto a mtodos, estamos aqui, obviamente, ainda muito distanciados das possibilidades de leituras seriais de grandes massas documentais que se desenvolveriam posteriormente na segunda metade do sculo XX.
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com a Histria Social ela foi das primeiras que na primeira
metade do sculo XX comearam a ser empunhadas como
bandeiras a se agitarem contra a velha Histria Poltica que
at ento se fazia bem de acordo com o modelo do sculo
XIX, esta histria essencialmente preocupada com fatos
polticos relacionados aos grandes Estados-Nacionais, e que
quase sempre se apresentava como uma histria
essencialmente factual, narrativa no mau sentido, pouco
problematizada.
contra este padro historiogrfico extremamente
antigo este sim francamente inatual que se insurgiu a seu
tempo a moderna Histria Econmica conjuntamente com a
Histria Social seja atravs das realizaes inauguradas pela
Escola dos Annales, seja atravs das primeiras obras mais
propriamente historiogrficas desenvolvidas no mbito do
Materialismo Histrico, filosofia da Histria que havia sido
fundada ainda no sculo XIX por Marx e Engels mas que s
ento, no sculo XX, comeava a render realmente seus
primeiros frutos em forma de historiografia5.
O nosso objetivo em seguida ser refletir sobre a Histria
Econmica como campo intradisciplinar da Histria
examinar seu estatuto epistemolgico, seus aportes tericos e
possibilidades tcnicas, seus objetos preferenciais.
5 Ante todo es preciso hacer notar que en la poca inicial, tanto Engels como Kautsky y toda una serie de marxistas no se solan ocupar de la problemtica histrico-econmica. Sus principales afanes investigadores y propagandsticos iban por otro camino, es decir, tendan a demostrar el condicionamiento clasista de los fenmenos ideolgicos y polticos. Es verdad que al investigar el condicionamiento clasista de cualquier fenmeno tuvieron que reflexionar respecto a la estructura de clases de una poca determinada y al mismo tiempo sobre el carcter de la economa de una sociedad concreta. Sin embargo, esto no altera el hecho de que stos no fueron los fenmenos que constituyeron el objeto preciso de sus exploraciones (KULA, Witold. op.cit. p.18). J seria praticamente na virada do sculo que surgiriam as primeiras duas obras marxistas que tematizariam diretamente dois processos histricos especficos: O desenvolvimento do capitalismo na Rssia, de Lnin (1899), e O Desenvolvimento Industrial da Polnia, de Rosa Luxemburgo (1899) [id.ibid., p.19].
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Eventualmente, falaremos de algumas correntes especficas
tanto as inseridas no seio das Cincias Econmicas como as
originadas no prprio seio da Historiografia que atravessaram
ou tm atravessado esse campo intradisciplinar que
passaremos a chamar de Histria Econmica. Mas no
estaremos nos utilizando da expresso Histria Econmica
para remontar a correntes historiogrficas ou economicistas
especficas, a no ser entre aspas, e nos casos especficos em
que a designao for de uso de grupos que empregam a
palavra como uma auto-referncia (por exemplo, o grupo da
New Economic History, nos Estados Unidos a partir dos anos
1960). Via de regra, Histria Econmica estar sendo
abordada aqui como um campo histrico definido que abriga
muitas correntes, que acumulou certo repertrio de discusses
conceituais e potencialidades metodolgicas, que se volta
para determinados objetos especficos que adquirem sentido
no entrecruzamento das questes econmicas e das questes
histricas.
Um ponto de partida ser discutir algumas noes
fundamentais que fundam esta modalidade historiogrfica
desde suas origens, e outras noes que se desenvolveram
posteriormente no seio dos estudos de Histria Econmica
como noes e conceitos importantes. A primeira destas
noes, no caso uma noo fundacional, a prpria noo
de sistema econmico j que freqentemente os
historiadores e economistas que se irmanam em torno do
interesse pelos objetos mais habituais da Histria Econmica
esto interessados em desvendar conjuntos coerentes que so
referidos como sistemas econmicos de uma poca ou
outra, de uma determinada espacialidade social. Ou seja,
como estes historiadores e economistas esto interessados em
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examinar um sistema integrado no interior do qual os diversos
fatos econmicos adquirem algum sentido relativamente a
uma determinada sociedade historicamente localizada, o
conceito clama aqui por uma reflexo atenta acerca de suas
principais implicaes.
2. Algumas noes fundamentais da Histria Econmica
Considerando que o primeiro conceito a ser
oportunizado pela Histria Econmica o de Sistema
Econmico, tomaremos de emprstimo a definio proposta
por Witold Kula um historiador polons que j um clssico
tanto entre historiadores como entre economistas historicistas:
Um sistema econmico , pois, um conjunto de dependncias econmicas reciprocamente ligadas que, pelo fato de estarem vinculadas, surgem mais ou menos ao mesmo tempo e se desfazem, tambm, aproximadamente no mesmo momento. Datar empiricamente a sua apario e desapario fixar os limites cronolgicos de um dado sistema econmico. E elaborar a teoria econmica de um sistema econmico dado determinar (e ainda empiricamente) a lista mais completa possvel das relaes de dependncia que o mesmo admite e determinar as vinculaes recprocas que fazem deste conjunto de relaes um sistema nico6
Em primeiro lugar, Kula admite falar em um Sistema
Econmico como um conjunto maior que integra de maneira
coerente certos fatos econmicos que de outra maneira
estariam dispersos, ressaltando que este sistema possui uma
historicidade definida esta definida por um conjunto de
relaes recprocas que os fatos econmicos de determinado
tipo estabelecem entre si. Assim surgem em uma determinada
6 KULA, Witold. Thorie conomique du systme fodal. Paris : Mouton, 1970.
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sociedade historicamente localizada estas interaes
especficas de fatos econmicos, relacionadas a um certo
padro que pode ser identificado e decifrado por
historiadores e economistas, estas relaes se desfazem a
certa altura. Vale dizer, um sistema econmico no uma
realidade nem esttica e eterna ele de um lado tem uma
dinamicidade prpria e uma tendncia a se transformar, e de
outro lado as transformaes podem conduzi-lo, a certa
altura, a adquirir uma outra identidade que j pouco tem a
ver com a situao inicial do sistema. Em uma palavra, um
sistema econmico possui uma historicidade.
Os alertas e conselhos implcitos na definio proposta
por Kula so bem evidentes: o historiador s deve elaborar a
teoria geral que lhe permitir examinar determinada realidade
econmico-social depois de estudados os casos concretos, e
no o contrrio. Sobretudo, mostra-se aqui fundamental a
idia de que preciso construir a teoria dos diversos sistemas
econmicos a serem analisados porque no h um s, como
de resto propem algumas correntes da Histria Econmica
que buscam transplantar uma determinada racionalidade
econmica que tpica do Capitalismo mesmo para
sociedades pr-industriais.
contra este tipo de anacronismo muito especfico, por
vezes pouco percebido por economistas de algumas
correntes especficas que se dispuseram a estudar a Histria
Econmica, que Maurice Godelier, num alerta bastante similar
ao de Kula, pretende contrapor a idia de que cada
sociedade produz a sua prpria racionalidade econmica,
no sendo esta diretamente aplicvel ou mesmo vlida em
relao a uma outra sociedade no tempo e no espao.
Godelier nos traz um exemplo muito esclarecedor ao dar a
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.12
perceber que a motivao de maximizar a produo e
minimizar os custos somente tem algum sentido no mbito de
uma hierarquia de necessidades e valores que se impem
aos indivduos no seio de determinada sociedade e que tm
seu fundamento na natureza das estruturas desta
sociedade7. Ou seja, a racionalidade tpica da economia
capitalista no de modo nenhum transplantvel para as
sociedades pr-industriais, ou mesmo para outras
espacialidades j no perodo moderno porm mais afastadas
do capitalismo europeu.
Para j mencionarmos um exemplo relacionado
Histria Econmica Brasileira, h um interessante aspecto
examinado por Joo Fragoso e Manolo Florentino com
relao a um movimento aparentemente paradoxal que se
d no Rio de Janeiro da passagem do sculo XVIII para o
sculo XIX8. Aps duas geraes de contnua acumulao no
mercado, os dois historiadores brasileiros verificaram uma
mudana de atividade econmica em uma parcela bastante
significativa das famlias que haviam constitudo a elite
empresarial mercantil. Estas abandonavam seus negcios e
passavam a se dedicar a atividades rurais e rentistas, que
eram de modo geral muito menos lucrativas que suas antigas
atividades mercantis.
Este paradoxo aparente s pode ser compreendido
quando recolocamos no contexto histrico examinado uma
adequada racionalidade econmica. Vive-se aqui em uma
sociedade onde a ascenso social aparece diretamente
7 GODELIER, M. Racionalidad e irracionalidad em la Economia. Mxico: Siglo XXI, 1967. p.303.
8 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo. Arcasmo como Projeto. Rio de Janeiro: Diadorin, 1993. p.104-105.
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ligada aquisio de terras e cativos, que neste caso so os
bens que identificam o prestgio. Desta maneira, um aspecto
relacionado cultura e s relaes de sociabilidade que
estaria comandando o deslocamento de atividades
econmicas, que se mostraria incompreensvel se o
analisssemos a partir de uma racionalidade econmica
alicerada na obsessiva busca por lucros to tpica da
mentalidade capitalista.
Kula d-nos diversos exemplos como este para o caso
da economia polonesa de perodos mais recuados. Assim, em
uma de suas anlises dos latifndios poloneses nos sculos XVII
e XVIII, procura demonstrar que o comportamento econmico
dos proprietrios de terras parecia ser o oposto do que
preveria a economia clssica. Quando aumentava o preo
de seu principal produto, o do centeio, produziam menos, e
quando o preo abaixava, produziam mais. A explicao
deste paradoxo tambm deveria ser encontrada no mbito
da cultura, ou das mentalidades. Os aristocratas poloneses,
neste caso, no estavam interessados em lucros, mas em
manter um estilo de vida, um status quo, da maneira a que
estavam acostumados, e a sua forma de racionalidade
econmica os levava a controlar as variaes na produo
como tentativas de manter uma renda padro.
Neste como em outros exemplos, Kula mostra como as
relaes e comportamentos econmicos em sociedades
diversas, que no podem ser assimiladas ao modelo
capitalista previsto pela economia clssica, se acham
atravessadas por fatores diversos que pertencem ao mundo
da cultura entre os quais os mecanismos formadores de
identidade de classe, as relaes de parentesco, os sistemas
de dotes, as estratgias culturais de incluso ou excluso
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social. Para alm da indicao de que no h uma, mas sim
diversas racionalidades econmicas, casos como estes
tambm demonstram que o mundo econmico no pode ser
explicado apenas atravs dos fatos econmicos, sendo esta
uma questo igualmente importante qual retornaremos
oportunamente.
Alm de oferecer inmeros exemplos concretos que
ajudam a compreender a singularidade das economias social
e historicamente localizadas, Kula mostra no apenas que nos
diversos perodos histricos as prticas so distintas,
freqentemente contrrias a uma prtica e racionalidade
capitalista que no pode ser tomada como modelo universal,
como tambm d a perceber a diversidade de sentidos e
conotaes que, nestas sociedades, adquirem expresses
como cmbio, investimento, consumo9. Por outro lado,
no se trata de cair no absoluto relativismo. Kula mostra que
haveria algumas dimenses inerentes s diversas realidades
econmicas que poderiam ser tomadas como aspectos
irredutveis, como por exemplo o fato de que nenhum grupo
humano pode sobreviver consumindo mais do que produz ou
do que consegue se apropriar de outras realidades produtivas.
Uma sociedade que colhe menos que semeia, deve
encontrar uma soluo que re-equilibre a produo e o
consumo sob o risco de sua prpria sobrevivncia. Esta uma
lei que paira acima da diversidade de racionalidades
econmicas. H, portanto, questes importantes a serem
compreendidas pelos historiadores no confronto de certos
imperativos associados s dimenses econmicas ou mesmo
biolgicas, com as mltiplas formas de racionalidade
9 KULA. Witold.Da Tipologia dos Sistemas Econmicos in FOURASTI (org.). Economia. Rio de Janeiro: FGV, 1979. p.97.
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econmica, conforme as vrias sociedades historicamente
localizadas.
A questo das racionalidades econmicas merece ser
refletida com cuidado, pois no tem sido encarada de forma
unnime entre economistas e historiadores no decurso da
histria da Histria Econmica. Teremos aqui duas questes
interligadas: de um lado a indagao acerca da
universalidade ou no de uma possvel teoria sobre os
desenvolvimentos econmicos; de outro, uma antiga questo
a qual devem se preocupar todos os historiadores, sejam os
associados Histria econmica ou a outras modalidades
historiogrficas a questo do anacronismo.
Estes problemas bsicos aparecem amide quando o
historiador toma a si a tarefa de levantar e analisar
economicamente os fatos relativos a uma sociedade cujos
prprios critrios para constituio de uma massa de dados
esto presos a uma especificidade temporal, diferindo
particularmente dos critrios que presidem a prpria realidade
econmica do historiador. Em uma palavra, alguns problemas
comeam a surgir quando o historiador impe a si a tarefa de
fazer uma anlise econmica retrospectiva.
O problema no novo, pois ele tem tocado tanto os
historiadores econmicos como, antes deles, os economistas
histricos (isto , aqueles que partem da formao de
economistas para empreenderem uma anlise econmica de
perodos do passado). As atitudes bsicas, de um lado ou de
outro, oscilam neste caso entre duas posies extremas,
admitindo inmeras intermediaes e posicionamentos
tericos-metodolgicos. Em um extremo estariam os
historiadores e economistas que partem de uma teoria
econmica em seu estado atual, tomada aqui como universal
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.16
(isto , aplicvel a todas as sociedades e sistemas econmicos
de modo absoluto). No outro extremo estaria esta posio
que poderia configurar um relativismo radical: aquela que
considera que cada sistema econmico tem suas leis prprias
(ou, dito de outra forma, parte-se aqui do pressuposto de que
os mecanismos econmicos so distintos em cada sistema). A
primeira posio pode ser representada pelos economistas de
Chicago da dcada de 1930, articulados em torno de Earl
Jefferson Hamilton. A outra encontra sua representao mais
amide entre os historiadores, ou entre os economistas que se
fizeram historiadores em meio torrente de estmulos por uma
renovao historiogrfica desde os anos 1930, sendo que dela
pode ser dado como um nome bastante representativo o de
Ernest Labrousse.
Hamilton queria aplicar ao estudo de todas as
economias do passado a teoria econmica em seu estado
atual, ou seja, produzida na e pela sociedade regida pela
economia capitalista da sua poca. Haveria, nesta maneira
de ver, uma teoria econmica que em tese seria aplicvel
para sociedades to diversificadas no espao e no tempo
como todas aquelas da Europa situadas entre o sculo XVI e o
sculo XX, mesmo que de fato se relacionem a nuances
distintas dentro do capitalismo, como o capitalismo comercial
(patrimonial ou annimo) ou como o capitalismo industrial
(patrimonial, annimo, financeiro, tecnocrtico, apenas para
citar algumas variantes). J nem tocaremos na questo ainda
mais delicada que concerne s economias da Antiguidade
Clssica e dos perodos medievais.
Os historiadores, de modo geral, reagiram ou tm
reagido mais enfaticamente a posies como esta que
advoga a universalidade de uma moderna teoria econmica,
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e estas crticas incluem nomes que vo desde Pierre Vilar10 at
Jean Meuvret11 ou o prprio Labrousse12. Este ltimo, por
exemplo, em clebre estudo sobre as crises do Antigo Regime
Econmico13, apresentou como pedra de toque para uma
aproximao verdadeiramente consciente do problema o
fato de que, se as crises cclicas do capitalismo industrial so
crises de superproduo industrial, j as crises do Antigo
Regime so sempre crises de subproduo agrcola (seu
universo de anlise, no caso, a Frana da poca).
Haveria tambm estdios intermdios entre as posies
da teoria econmica de validade absoluta e a teoria do
relativismo econmico de acordo com cada sociedade
histrica. Pode-se, por exemplo, advogar que embora no haja um sistema econmico ou uma teoria a ser exportada na
sua integralidade para todos os perodos anteriores existiriam certos mecanismos fundamentais que a princpio
apareceriam para o caso de todas as sociedades, ou pelo
menos para um grande nmero delas. Esta tendncia
tambm apareceu com os economistas de Chicago, mas a
partir da dcada de 1950, tendo entre alguns de seus nomes
mais remarcveis os de Milton Friedman e Oskar Lange (o
primeiro exps suas idias nos seus Ensaios de Economia
10 VILLAR, Pierre. Desenvolvimento econmico e anlise histrica. Lisboa: Editorial
Presena, 1982. Para considerar um estudo econmico mais especfico de Pierre Villar, ver Ouro e Moeda na Histria (So Paulo: Paz e Terra, 1980).
11 MEUVRET, Jean. La Production de Crales et la Socit Rurale. 2vols. Paris: Ecole Des Hautes tudes en Sciences Sociales, 1987.12 LABROUSSE, Ernst. Histoire conomique et sociale de la France. Paris: Puf, 1979. Para considerar os estudos mais especficos de Labrousse, ver (1) LABROUSSE, Ernst, La crise de lconomie franaise la fin de lancien rgime e au dbut de la Revolution. Paris: 1944, e (2) LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France du XVIII sicle. 2 vol. Paris: 1932. 13 LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France du XVIII sicle. 2 vol. Paris : 1932.
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Positiva)14. A idia matriz que anima esta posio
intermediria precisamente a de que existiriam certos
mecanismos fundamentais concernentes a determinadas
variveis que deveriam ser o objeto de estudo do historiador
econmico. Ainda que, em relao a sistemas mais
complexos, estes mecanismos fundamentais sejam capazes
de combinar-se em propores variveis e diversificadas, seria
possvel descobrir estes fundamentos, e nisto consistiria a
tarefa do historiador econmico ou do economista historiador.
Discute-se, por exemplo, o fundamento da tendncia
pressupostamente presente na maior parte das sociedades de
obter a chamada vantagem mxima, o que consistiria em
uma determinada atitude que se faz constante tanto em
sociedades capitalistas desenvolvidas como
subdesenvolvidas. Existiriam fundamentos que se relacionam
com a tecnologia (a produo do ferro necessita de
determinada quantidade de carvo), ou com as tcnicas
contbeis (os balanos da contabilidade clssica resistem ao
tempo).
Poder-se-iam discutir fundamentos mais ou menos
universais para modelos econmicos de um mesmo tipo (ou
seja, fundamentos que se aplicassem a todas as sociedades
submetidas ao padro capitalista, por exemplo,
independentemente do recorte espacial ou cronolgico
dentro do Capitalismo). Aqui se enquadraria, no caso, a atrs
citada lei da procura do lucro mximo, que poderia ser
validvel para todas as sociedades capitalistas (embora no
pudesse ser verificada para as sociedades medievais). a
possibilidade de discutir fundamentos mais ou menos perenes
14 FRIEDMAN, Milton. The Methodology of Positive Economics. Chicago: University of Chicago Press, 1953.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 19
como estes que habilitaria falar naquilo que Franois Perroux
chamou de cincia econmica generalizada15. O
importante para o historiador, naturalmente, seria trabalhar
com a conscincia dos limites de sua generalizao (cada
tipo de funda-mento pode implicar em uma aplicabilidade
relativa a um mbito ou universo menos ou mais extenso).
As posies atrs referidas com relao
universalidade possvel ou relatividade radical de toda
teoria econmica apenas ilustram o terreno pantanoso que,
ainda no campo das tomadas de posio conceituais, o
historiador econmico precisa enfrentar16. Abordar os
aspectos econmicos da Histria no pode significar apenas
um trabalho de coleta quantitativista. Este tipo de trabalho,
para no recair na coleta anacrnica de fatos econmicos
do passado, deve estar vinculado a uma posio que
tambm filosfica, terica, metodolgica.
Outro mbito de parmetros basilares para a Histria
Econmica refere-se ao tipo de modelos explicativos com os
quais o historiador econmico trabalha. De um lado,
mencionaremos o par que ope as explicaes endgenas
em oposio s explicaes exgenas. De outro lado,
registraremos o par que ope as explicaes dedutivas em
contraste com as explicaes empricas. Busquemos
esclarecer estes parmetros, ressaltando contudo o fato de
que diversas das explicaes que tm sido elaboradas para
os desenvolvimentos histricos de economia, particularmente
15 Acerca das generalizaes possveis de serem consideradas para as sociedades capitalistas, ver os desenvolvimentos propostos por Franois Perroux em Capitalisme et communaute de travail. (Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1937). Relativamente a ao recorte do capitalismo mais avanado, ver PERROUX, Franois, A economia do sculo XX . Lisboa: Herder, 1967.16 Para um balano mais detalhado das posies que atrs descrevemos ver Frdric MAURO, Nova Histria e Novo Mundo, So Paulo: Perspectiva, 1969. p.44-51 [original: 1968].
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as explicaes mais plausveis, procuram na verdade
contrabalanar no seu processo de argumentao e
demonstrao fatores exgenos e endgenos, bem como
elementos dedutveis e empricos.
Uma explicao exclusivamente exgena aquela que
prope como fatores de esclarecimento para a Histria da
Economia fatores exgenos isto , vindos de fora. Guerras,
epidemias, fatores meteorolgicos eis aqui uma srie de
fatores, todos externos economia, que as teorias exgenas
evocam para explicar as flutuaes econmicas. So estas
excitaes e motivaes externas que acionariam o processo
de transformao econmica, ou mesmo presidiriam seus
ritmos e encaminhamentos. Um curioso exemplo de
explicao exgena foi dado pelo economista ingls Jevons,
que em alguns artigos escritos entre 1875 e 1878 chegou a
deslocar para as alteraes nas manchas solares o ponto de
partida de sua explicao para a regularidade aproximada
dos ciclos econmicos. De acordo com Jevons, os efeitos de
intensidade decorrentes da atividade solar influenciariam as
colheitas, e conseqentemente ditariam o ritmo da economia
com seus ciclos marcados por movimentos de expanso e
contrao17. Conforme podemos ver nesta explicao, a
excitao externa e a influncia continuada de fatores
exteriores francamente utilizada para explicar os
desenvolvimentos econmicos. 17 Os textos nos quais Williams Stanley Jevons desenvolve estas idias so respectivamente The Solar Period and the Prince of Corn (1875); The Periodicity of Commercial Crises and Its Physical Explanation (1878), e, finalmente, Commercial Crises and Sun-Spots (Crises Comerciais e marcas solares), publicado na prestigiosarevista Nature em novembro de 1878. Este ultimo ensaio foi republicado pelo autor em seu livro Investigations in Currency and Finance (London: Macmillan, 1884). Mais tarde, o filho de W.S. Jevons H. S. Jevons ainda insistiria nas mesmas proposies em um artigo intitulado Trade fluctuations and solar activities (Contemporary review, August, 1909), terminando por escrever, no ano seguinte, um livro mais completo sobre a questo (JEVONS, H. S. The Sun's heath and trade activity. London: 1910).
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Ainda com relao possibilidade de considerar fatores
exgenos em uma explicao econmica, pode-se evocar
uma situao ainda mais sutil. Por vezes, a explicao opera-
se dentro do mbito da dimenso econmica (isto , sem
convocar fatores oriundos do plano poltico, cultural,
demogrfico). Contudo, o fator econmico que produz a
transformao vem de fora da sociedade que est sendo
examinada. Este o caso, por exemplo, das explicaes de
Pirenne acerca da passagem do Mundo Carolngio para a
Idade Feudal, ou desta para a Modernidade, pois neste caso
o Comrcio externo que funciona como uma espcie de
excitao externa que produz as transformaes18. Tambm
se situa a o cerne da clebre querela entre Dobb e Sweezy,
pois este ltimo tambm sustentou sua explicao sobre a
passagem para a Modernidade evocando o comrcio
externo de longa distncia como excitao transformadora,
enquanto Dobb procurava sustentar sua argumentao
evocando exclusivamente fatores internos prpria
sociedade examinada, no caso atribuindo uma importncia
central mudana das prprias necessidades das elites
senhoriais19.
18 As teses de Henri Pirenne sobre a transio do Feudalismo para o Capitalismo foram enunciadas em 1922 na Revue Belgue de Philologie et Histoire e publicada na sua forma definitiva em 1935; mais tarde, foi includa nos ltimos captulos da obra de Pirenne sobre a Histria da Europa (Historia de Europa, desde las invasiones al siglo XVI. Mxico: Fondo de Cultura, 1981).19 Foi no final dos anos 40 e na primeira metade da dcada de 1950 que se estabeleceu esta interessante polmica sobre o Feudalismo que ficaria registrada na histria da historiografia econmica. Ela envolveu predominantemente autores marxistas da Inglaterra, mas tambm de outros pases, que se ocuparam de discutir os aspectos tericos daquilo a que se referiam como Modo de Produo Feudal, bem como os aspectos tericos envolvidos na transio deste modo de produo para um outro, o Modo de Produo Capitalista. O ponto de partida da polmica foi a obra elaborada por Maurice Dobb em 1946 com o ttulo Studies in the development of Capitalism (1946), sendo que a partir de crticas vigorosas de Sweezy a polmica tomou a forma de uma rede de rplicas e comentrios publicados em forma de artigos em algumas revistas especializadas como a Economic History Review e a Science and Society. Os principais ensaios que constituem a aludida polmica foram posteriormente reunidos em HILTON, Rodney
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.22
Contrastando com as explicaes exgenas que
evocam fatores de ordem externa para solucionar questes
econmicas freqentemente ressaltando fatores polticos,
culturais, climticos ou demogrficos como detonadores do
processo de transformao j uma explicao endgena,
no primeiro sentido que vnhamos considerando, aquela que
procura esclarecer um certo desenvolvimento histrico
relacionado Economia exclusivamente no interior dos
prprios fatores econmicos. Por exemplo, consideremos as
explicaes de Histria Econmica que costumavam ser
desenvolvidas por Juglar o famoso economista francs do
sculo XIX que estabeleceu como unidade operacional para
a identificao dos movimentos econmicos os ciclos
decenais20. Juglar tendia a fornecer suas explicaes
exclusivamente atravs de fatores endgenos como as
variaes de juros, as polticas dos bancos centrais e as
modificaes no estoque dos metais. Assim, inteiramente
baseada em fatores endgenos, notadamente na questo do
monetarismo, a sua explicao para a Histria da Economia
no sculo XVI este sculo que no quadro de tendncias
seculares constitui sabidamente a um padro de expanso
econmica, alis marcado por uma subida vertiginosa nos
preos. Do mesmo modo as flutuaes econmicas que se
expressam atravs dos ciclos da economia capitalista, por ele
estudados pela primeira vez de maneira sistemtica
merecem uma explicao exclusivamente em termos
(org.). A Transio do Feudalismo para o Capitalismo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. Particularmente sobre as consideraes de Sweezy acerca dos fatores exgenos envolvidos na passagem da economia europia para a Modernidade, ver Uma Trplica (Science and Society. Londres: spring, 1953), que responde a um artigo anterior de Dobb (Uma Rplica, Science and Society. Londres: spring, 1950).20 JUGLAR, C. Des crises comerciales. Paris: 1889. 2 edio.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 23
monetrios, considerando como elementos centrais as
modificaes nos estoques de metais preciosos, a poltica dos
bancos centrais e as variaes de juros. No entram
elementos exgenos nesta explicao.
Consideremos, por exemplo, uma explicao que leve
em conta para sua elaborao fatores exclusivamente
econmicos que pudessem ser desdobrados uns dos outros
(veremos logo que, alm de ser uma explicao endgena,
aqui tambm teramos um tipo de explicao exclusivamente
dedutiva, j que para ser produzida no leva em
considerao dados empricos recolhidos atravs de fontes
diversas que so submetidos a anlises estatsticas). A ttulo de
exemplificao, vejamos a seguinte cadeia argumentativa:
uma populao que revele a tendncia a aumentar a sua
poupana em determinado perodo produz como
conseqncia uma reduo do consumo; com isto, as vendas
caem e aumentam os estoques. Com o aumento dos
estoques h diminuio na fabricao dos produtos que j
no apresentam a mesma demanda, o que ocasiona uma
dispensa de mo-de-obra e uma diminuio nos lucros dos
grandes capitalistas. Com a reduo dos salrios, o processo
tender mais tarde a estabelecer um equilbrio entre o
consumo e os estoques acumulados. Nesta explicao21, no
entraram elementos externos, e na verdade o sistema
dedutivo tambm operou por si mesmo sem necessitar da
comprovao emprica, o que nos coloca diante da questo
do segundo par de fatores a ser examinado nas questes
21 O exemplo proposto, a ttulo de ilustrao para uma anlise endgena, por Ciro Flamarion Cardoso em Os Mtodos da Histria (CARDOSO, Ciro Flamarion e BRIGNOLI, Hctor Prez. Os Mtodos da Histria. Rio de Janeiro: Graal, 1990, p.278-279).
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.24
econmicas: a deduo em oposio induo atravs de
dados empricos.
J uma explicao emprica apia-se ou deve se
apoiar diretamente nos dados empricos observveis,
procedendo por uma generalizao a partir de casos
concretos, normalmente base de dados levantados e
analisados criteriosamente atravs de mtodos estatsticos.
Um exemplo est nas obras de Claphan sobre a Histria da
Economia na Inglaterra Moderna22, ou nos trabalhos de
Mitchell sobre os ciclos da economia financeira23.
Outra dicotomia importante a ser considerada no jogo
de parmetros explicativos disposio dos historiadores
econmicos a relao entre equilbrio esttico e
dinamicidade. At a dcada de 1930 predominaram os
sistemas econmicos dirigidos para o equilbrio esttico,
tendncia que foi fortemente abalada pelo impacto da
Grande Depresso e por um novo contexto que passa a
estimular os economistas e historiadores econmicos a
compreenderem melhor o dinamismo das transformaes
econmicas em alguns casos visando inclusive a proposta
de polticas anticclicas. Desde ento os problemas centrais
da histria econmica se deslocaram preferencialmente para
indagaes que levavam em conta sobretudo a
transformao na temporalidade. A Cliometria, entre outros
campos de possibilidades, surge j neste novo quadro de
motivaes. Mas tambm surge uma Histria Econmica-
Social profundamente preocupada com a repercusso dos
fatos econmicos da vida social. De uma Histria Econmica
cujos objetos preferenciais relacionavam-se ao problema do
22 CLAPHAM, J. H. An Economic History of Modern Britain. 3 vol. 1926-1938.23 MITCHELL, W. C. Business Cycles. The Problem and its Setting. 1927.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 25
equilbrio geral de um mercado de bens e servios, passa-se a
problemas como as relaes entre os desenvolvimentos da
economia monetria e o pleno emprego, o custo de vida, o
empobrecimento populacional e outras questes mais.
A tendncia da historiografia econmica, a partir da
metade do sculo XX tornar-se mais complexa e equilibrada
com relao considerao de uma srie de fatores. Atribui-
se importncia tanto a fatores exgenos como a fatores
endgenos, ao mesmo tempo em que as explicaes tendem
a entremear de forma equilibrada a deduo terica e a
demonstrao emprica, com ampla utilizao de
metodologias estatsticas mas sem dispensar as anlises
qualitativas. Ao mesmo tempo, considera-se tanto o equilbrio
do sistema econmico como a sua dinamicidade, para alm
de se lanar problematizaes que indagam mais
profundamente pela interao entre economia e sociedade.
Os prprios dados aparecem mais problematizados. Os
historiadores econmicos no se contentam apenas em
levantar criteriosamente os dados que estaro expressos em
uma curva de preos e salrios, mas procuram indagar que
significado tero aqueles preos e salrios para a sociedade
sobre a qual eles incidem. Vo mais alm, investigando as
repercusses econmicas nos diversos grupos sociais. A
Histria Econmica, assim, torna-se mais complexa.
Exemplo de tratamento complexo da Histria
Econmica pode ser encontrado quando o analista
compreende o prprio fato econmico como produto de
uma complexidade que transcende a dimenso econmica
propriamente dita. Rigorosamente, disto cada vez mais se
acerca a moderna Histria Econmica, no existe o fato
econmico propriamente dito, isolvel de outros fatores, de
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.26
modo que cada vez mais os pensadores e estudiosos da
Economia tm recolocado a questo de que os fatos
econmicos freqentemente acham-se imbricados com fatos
polticos, sociais, culturais, institucionais, ou mesmo ligados s
mentalidades.
A esse respeito, ser oportuno registrar a contribuio
da Nova Economia Institucional de Douglass North24. Aqui, no
mbito de uma leitura institucional da histria econmica de
cada sociedade, mostra-se precisamente ressaltada a
importncia dos aspectos institucionais e, mais ainda, polticos,
na constituio dos processos econmicos. Assim, tal como
observa North ao considerar os desenvolvimentos do
Capitalismo, sobretudo nas suas ltimas fases, os sistemas
polticos trazem ou devem trazer eles mesmos uma
contribuio fundamental para a constituio dos sistemas
econmicos, e, de certo modo, pode-se dizer que em muitos
casos quem institui as regras do jogo econmico a Poltica.
Recolocar nestes termos o papel dos sistemas polticos e das
instituies para o desenvolvimento dos processos
econmicos examin-los, na tica da Economia
Institucional, a partir de uma perspectiva mais rica, complexa,
interdisciplinar.
As Instituies so aqui vistas tambm na sua dimenso
de estruturas de incentivo, que interferem nos mercados, e
no como estruturas que so meramente criadas para ajustar-
se a certas funes deste mercado, tal como propunha o 24 (1) NORTH, Douglass. Empirical Studies in Institutional Change (Political Economy of Institutions and Decisions). New York: Lee J. Alston, 1996 e (2) Institutions, Institutional Change and Economic performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. Antes destas obras, uma referncia tambm fundamental Structure and Change in Economic History (NORTH, 1981), na qual North j se prope a analisar a histria econmica, da pr-histria contemporaneidade, atravs de uma leitura das transformaes institucionais. Vale ressaltar ainda, como integrantes importantes da corrente que ficou conhecida como Nova Economia Institucional, os nomes de Oliver Williamson e Ronald Coase.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 27
institucionalismo funcionalista25. Recupera-se, assim, a
perspectiva de uma dinmica de reciprocidade entre
Instituies e sistemas econmicos, de modo que as idias de
North orientam-se no sentido de perceber que h uma
interrelao entre o crescimento econmico sustentado e o
fortalecimento institucional. A solidez das instituies
constituiria precisamente um estmulo produtividade, ao
investimento tecnolgico, ao aprofundamento da inovao
e aqui seria preciso atentar tanto para as instituies formais
(leis impostas pelo governo e instituies reguladoras) como
para as instituies informais, que constituiriam normas e
cdigos de conduta formados pela prpria sociedade26.
Neste contexto, o Estado, ou o sistema poltico, tambm teria
seu papel fundamental, no sentido de assegurar o ambiente
de formao e manuteno das instituies formais.
Uma tal abordagem da Histria Econmica, atenta s
transformaes institucionais e polticas que se do no seio das
diversas sociedades, permitiria examinar e esclarecer as
diferenas de desenvolvimento econmico que se expressam
entre as histrias econmicas dos diversos pases, notando-se
que, ainda segundo North, seria possvel explicar com base
nas diferenas de desenvolvimento institucional a partir do
sculo XIX os distintos nveis de desenvolvimento econmico
alcanados pelos Estados Unidos em comparao com os
25 importante ressaltar que, para North, as instituies incluem uma legislao capaz de assegurar os direitos de propriedade e o cumprimento das obrigaes contratuais, bem como um sistema judicirio eficaz e diversas outras agncias destinadas regulamentao em diversos nveis da vida social. Importante ressaltar que, para a questo econmica, as instituies desempenhariam um papel fundamental no sentido de atenuar a incerteza fator que afeta a possibilidade de transao econmica entre pessoas e que por isso geraria, concomitantemente, o que North denomina custos de transao. Instituies fortes facilitariam a coordenao do sistema econmico ao reduzir os custos de transao e amenizar as incertezas (NORTH, 1990, p. 27).26 NORTH, Institutions, Institutional Change and Economic performance, p.36.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.28
pases da Amrica Latina27. Para alm disto, uma outra
coordenada importante a ser aqui considerada refere-se s
diferenas de recepo que cada sociedade historicamente
localizada apresentou em relao implantao e
transformaes de cada modelo institucional28. As
explicaes proporcionadas pela anlise de North, por outro
lado, vinculam-se s discusses e polmicas que se do em
torno do pensamento econmico liberal contemporneo. Eis
aqui, de todo modo, questes que mereceriam certamente
um desenvolvimento mais aprofundado em outro artigo.
Por fim, para alm da complexidade dos processos
econmicos como produtos de interaes entre aspectos
para alm do econmico propriamente dito, h que se
considerar a complexidade rtmica dos processos
econmicos. Assim, outro aspecto fundamental sobre o qual
deve refletir o historiador econmico que se lana a uma
investigao refere-se ao questionamento acerca da
sincronicidade de fatos econmicos relativamente a uma
determinada unidade de observao. Deve-se considerar a
possibilidade de que haja diferenas de ritmo entre distintos
27 Para North, teria sido precisamente a fragilidade de suas instituies, desde os processos de Independncia, o que teria bloqueado para pases com amplos recursos naturais como o Brasil, Mxico e Argentina a possibilidade de que estes viessem a se tornar naes ricas como os Estados Unidos da Amrica, nao extraordinariamente fortalecida no aspecto institucional. Por outro lado, as diferenas de modelos institucionais implantados nas colnias remeteriam s heranas recebidas das prprias metrpoles, que j apresentavam profundos contrastes perceptveis na comparao entre o modelo institucional ingls e o modelo institucional ibrico, este ltimo caracterizado por instituies ineficientes. Estes contrastes remetem, concomitantemente, a aspectos polticos que no limite expressam-se na contraposio entre o poder absoluto dos reis ibricos e o poder de mediao econmica exercido pelo Parlamento para o caso da Inglaterra. Em uma palavra, na Inglaterra as finanas pblicas eram controladas por instituies fortes, e no por mera deciso rgia.28 Vale lembrar ainda o diagnstico de North para a histria dos pases da Amrica Latina, que desde a poca colonial teriam apresentado uma tendncia da personalizao das relaes comerciais entre indivduos, afastando estas sociedades da criao de mecanismos formais eficientes (isto , do fortalecimento institucional).
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 29
setores econmicos de um mesmo pas ou regio, por
exemplo, em contraste com a idia de que na economia de
uma determinada sociedade todos os seus elementos
evoluem ou desenvolvem-se consoante ritmos idnticos.
De igual maneira, em se tratando de estudos nacionais,
as diversas pesquisas realizadas por historiadores econmicos
regionais tm mostrado que no possvel enquadrar os
desenvolvimentos econmicos nas diversas regies de um pas
no mbito de um nico perfil econmico. Os antigos modelos
explicativos que buscavam dar conta da totalidade da
economia ao nvel nacional comearam, em muitos pases, a
serem confrontados pela realizao de trabalhos empricos
realizados ao nvel regional, que obrigaram a srias revises
relativamente a modelos generalizantes que antes eram
admitidos sem contestao.
Foi o que ocorreu no Brasil a partir dos anos 1980, e
sobretudo, dos anos 1990, com uma srie de trabalhos sobre a
Sociedade Escravocrata no Brasil, onde foi confrontado o
antigo modelo da Monocultura Agro-Exportadora voltada
nica ou preponderantemente para o mercado externo29, e
na qual o escravo desempenhava um papel especfico de um
tipo de unidade produtiva e de hierarquia que parecia
dicotomizar as posies entre senhores e escravos30. As
29 Em um artigo de 1985 no qual analisa a economia mineira da segunda metade do sculo XIX, Robert Slenes chama ateno para a diversificao econmica daquela regio, para a produo de gneros voltada para o mercado interno, e para o dinamismo da economia no-exportadora (SLENES, Robert. Os mltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no sculo XIX. Cadernos ICHL/UNICAMP, Campinas, n. 17, 1985). De igual maneira, no mbito de pesquisas que evidenciam a diversificao da economia colonial, podemos citar, entre outros, o trabalho de Hebe Castro, que, ao analisar um municpio fluminense do sculo XIX, pde perceber para os maiores produtores locais uma diversificao de produo especificamente voltada para o mercado local (CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao Sul da Histria. So Paulo: Brasiliense, 1987).30 Assim, por exemplo, a tese de Mary Karasch sobre a vida dos escravos no Rio de Janeiro (1988) j chama ateno para a presena importante de pequenos senhores que, na sociedade escravocrata, possuam apenas um ou dois escravos,
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.30
investigaes ao nvel regional permitiram que se verificassem
inmeros fatores importantes como a importncia do
mercado interno, a eventual diversificao de culturas, o
papel dos homens livres pobres na economia e na sociedade
escravocrata31, as estratgias de negociao dos escravos no
interior da sociedade que os oprimia e do sistema econmico
que os incorporava como fora de trabalho32. Para alm
disto, estas mesmas monografias tambm revelaram toda
uma diversidade inter-regional que os grandes modelos
econmicos explicativos nem sempre previam.
3. Fontes e Mtodos
Relativamente s fontes e mtodos disponveis aos
historiadores econmicos, destaca-se o notvel advento da
Quantificao e da Serializao como caminhos para o
levantamento e anlise das fontes e dados da Histria
Econmica. A noo de srie ser aqui fundamental. Uma
srie um determinado conjunto de fontes estabelecido pelo
historiador com vistas quantificao e serializao de
dados, sendo estas fontes necessariamente assinaladas por
o que permitia confrontar o modelo dicotmico que aos escravos opunha apenas o grande latifundirio proprietrio de inmeros escravos, ignorando todo um contingente de pequenos senhores (KARASCH, Mary. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro. So Paulo: Companhia das Letras, 2000). Pesquisas como esta, e tambm a de Stuart Schwartz para o Recncavo Baiano, confrontavam a idia de que a propriedade escrava apresentava-se radicalmente concentrada no nas mos de grandes proprietrios de terras (SCHWARTZ, Stuart. Padres de propriedades de escravos nas Amricas: nova evidncia para o Brasil, Estudos Econmicos, XIII, n1, 1983, p.259-287).31 Uma referncia j clssica para este aspecto a obra de 1969 produzida por Maria Sylvia de Carvalho Franco sobre os Homens Livres na Ordem Escravocrata(So Paulo: UNESP, 1994), certamente um trabalho pioneiro que j chamava ateno para uma questo que seria cada vez mais abordada nas dcadas seguintes.32 A esse respeito, tem-se um marco importante com o livro Campos da violncia de Slvia Lara (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988). Mais ainda, fundamental a referncia obra conjunta de Joo Jos REIS e Eduardo SILVA intitulada. Negociao e conflito: a resistncia negra no Brasil escravista (So Paulo: Companhia das Letras, 2005).
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 31
uma relao de continuidade e, freqentemente,
abundantemente disponveis para o historiador (pelo menos
em modalidades como a Histria Econmica e a Histria
Demogrfica). Alm deste requisito de que as fontes
constitutivas da srie conservem uma relao de
continuidade (isto , sem lacunas que afetem a constituio
da srie), estas devem ser ainda homogneas isto , de
uma mesma natureza.
No caso em que a srie ser utilizada com vistas a
uma quantificao de dados, como ocorrer habitualmente
com a Histria Econmica, teremos um encontro fortuito entre
a Histria Serial e a Histria Quantitativa. Estas expresses no
so sinnimas, embora possam estar relacionadas,
particularmente quando estabelecem uma conexo com a
Histria Econmica. A Histria Serial refere-se ao uso de sries;
a Histria Quantitativa remete a um levantamento e anlise
de dados. Esta, inclusive, freqentemente se valer das
abordagens estatsticas, pois atravs delas o historiador
buscar compreender uma grande quantidade de dados
que se coloca sua disposio de forma globalizada,
identificando tendncias.
O tratamento quantitativo em histria, no que se refere
a uma exposio de suas tcnicas e recursos operacionais, j
conta com algumas obras especficas que procuram
disponibilizar metodologias quantitativas para historiadores. Tal
o objetivo, por exemplo, da obra de Roderick Floud
intitulada Uma Introduo aos Mtodos Quantitativos para
Historiadores33. J em um mbito mais especfico de crtica
33 FLOUD, Roderick. An Introduction to Quantitative Methods for Historians. Londres : Methuen, 1973. Ver tambm CARMAGNANI, Marcello. La Historia Econmica en America Latina. I : Situacin y mtodos. Mxico: Sep/Setentas, 1972. p.253-264.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.32
historiogrfica, textos terico-metodolgicos importantes sobre
Histria Serial e Histria Quantitativa seriam elaborados em
meados do sculo XX por Franois Furet34 e Pierre Chaunu35,
sendo que este foi autor de uma das teses mais
impressionantes sobre o Comrcio Atlntico, ao ter lanado
mo de uma quantidade monumental de fontes e dados que
foram expostos em um trabalho que ocupa nada menos que
onze volumes. Mas antes de chegarmos monumental obra
de Histria Econmica e Serial de Pierre Chaunu, produzida
nos anos 1950, ser preciso pontuar o princpio de tudo: as
realizaes de historiadores econmicos como Labrousse,
Simiand e Hamilton em torno dos anos 1930.
Atravs destes autores, a aplicao da Quantificao
Histria Econmica faz a sua entrada na historiografia atravs
do estudo da Histria dos Preos. Os grandes historiadores
econmicos da primeira metade do sculo XX mostraram que
o historiador podia dispor, neste caso, de dois tipos de fontes
basicamente fundamentais: de um lado as estatsticas oficiais
de preos de um determinado perodo fontes conhecidas
como mercuriais para perodos anteriores e de outro lado
os livros contbeis referentes aos registros administrativos de
instituies, hospitais, mosteiros, casas nobilirquicas, fazendas.
Para dar dois exemplos j clssicos de usos destes dois tipos de
fontes em um trabalho de Histria econmica de natureza
Quantitativa-Serial, Labrousse fez amplo uso das mercuriais em
seu estudo sobre o movimento de preos na Frana do sculo
34 FURET, Pierre. O Quantitativo em Histria in Histria novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.35 (1) CHAUNU, Pierre. Histoire quantitative et histoire srielle in Cahiers Vilfredo Pareto. Genebra: Droz, 1964. n3. p.165-175. / (2) CHAUNU, Pierre. LHistoire Srielle in Revue Historique. Paris : PUF, 1970. abril-jun.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 33
XVIII36. Earl Hamilton valeu-se de registros contbeis de vrios
tipos em seu estudo sobre Moeda e Preos em Valena,
Arago e Navarra37. Entre estes dois tipos de fontes
fundamentais as estatsticas oficiais e os registros contbeis
ao nvel das unidades produtivas ou de circulao h ainda
que considerar uma srie de outras fontes disponveis Histria
dos Preos, como documentos aduaneiros, jornais que
apresentem em algum momento cotaes de determinados
produtos, registros cartoriais que permitam apurar preos de
bens de raiz, testamentos, sries de documentos de compra e
venda, e assim por diante.
Nos anos 1950, para alm da j mencionada
contribuio de Chaunu com sua obra sobre Sevilha e o
Atlntico, surge na Amrica do Norte uma corrente que se
denominou a si prpria como Histria Quantitativa a partir
dos trabalhos de Kuznets e, j na Frana a partir dos anos
1960, com os trabalhos de Jean Marczewski38. Tratava-se de
uma Histria Econmica preocupada em classificar ano a
ano, para diversos perodos histricos, os fluxos aqui incluindo
tanto as produes como os intercmbios e os estoques,
intencionando resumir a atividade econmica em seu
conjunto. Por outro lado, o enfoque concentrava-se em
aspectos como a demanda de bens e servios, a produo
interna, a receita total familiar de uma sociedade, e outros
fatores que muitas vezes pareciam excluir a presena mais
efetiva dos homens e das foras econmicas de base, de
acordo com algumas crticas que partiram de setores 36 LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France du XVIII sicle. 2 vol. Paris : 1932.37 HAMILTON, Earl. Money, Prices and Wages in Valencia, Aragon and Navarra, 1351-1650. Cambridge: 1936.38 MARCZEWSKI, Jean. Buts et mthods de lhistoire quantitative in Cahiers Vilfredo Pareto. Genebra : Droz, 1964. n3. p.125-164.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.34
historiogrficos contra esta Histria Econmica que era
habitualmente realizada por economistas, mais do que por
historiadores.
Em 1957 constitui-se tambm a New Economic History,
uma corrente que compartilhava entre seus membros certas
prticas e concepes acerca do que deveria ser a Histria
Econmica. Esta Escola, desenvolvendo o que passou a se
chamar Econometria, trouxe a novidade de trabalhar com
contrafactuais simulaes histricas para verificar a
importncia de determinados elementos no desenvolvimento
de uma dada Economia abstraindo-os do processo e
projetando como seria o desenvolvimento econmico sem
tais elementos. Um exemplo pode ser visto com as obras de
Fogel39 e Fishlow40, que para verificar a importncia da
construo de ferrovias na histria econmica dos Estados
Unidos produziram simulaes de uma histria americana que
no tivesse contado com a construo destas ferrovias.
De qualquer modo, considerando todas estas correntes
inseridas no interior da Histria Econmica que tem utilizado
francamente a quantificao, podemos concluir que a
serializao e a quantificao incorporaram-se
definitivamente como aspectos importantes do metier do
historiador econmico nos dias de hoje. Poucas vezes
possvel explorar adequadamente esta rea sem algum
domnio destas possibilidades. Em seguida, examinaremos os
vrios riscos, limites e aspectos a serem contornados ou
evitados em um trabalho de Histria Econmica.
39 FOGEL, R. W. Railroads and American Economic Growth: Essays in Econometric History. Baltimore: 1964.40 FISHLOW, A. American Railroads and the Transformation of the Ante-Bellum Economy, Harvard Economic Studies. Vol.127. Cambridge, Mass: 1965.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 35
4. Limites, riscos e objetos privilegiados da Histria Econmica
J mencionamos alguns dos riscos mais graves contra os
quais devem se prevenir os historiadores econmicos. O
primeiro deles aquele que ronda o trabalho de todos os
historiadores, nas diversas modalidades da Histria: o
anacronismo. Em Histria Econmica, o principal tipo de
anacronismo fundador de todos os outros o de importar
indevidamente para uma determinada sociedade
historicamente localizada um sistema ou uma racionalidade
econmica que so os de nosso tempo. A racionalidade
econmica tpica do mundo Capitalista, enquanto modelo de
comportamento para os fatos econmicos a serem
examinados, pode no ter nenhuma congruncia em relao
ao mundo histrico que o historiador est examinando. Assim,
nada implica em que a obsesso pela busca do lucro seja
um fator que v ditar as normas em todas as sociedades ou
situaes histricas.
Tambm j mencionamos a iluso da sincronicidade
ou seja, a idia de que em uma determinada economia
nacional, por exemplo, todos os fatores progridem ou
regridem juntos. Os fatores integrados em um determinado
sistema econmico podem ter cada qual o seu ritmo prprio.
De maneira anloga, as diversas regies ou sub-unidades
espaciais de um mesmo pas podem no se comportar da
mesma maneira em uma determinada realidade histrica: a
economia das pequenas unidades pode apontar,
eventualmente, para especializaes econmicas e
desenvolvimentos diferenciados. O historiador, aqui, deve
estar pronto para se afastar da iluso do modelo globalizador
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.36
nico, da generalizao que busca submeter indevidamente
todas as regies e prticas inseridas em uma determinada
sociedade, como ocorreu na historiografia brasileira de certa
poca, por exemplo, com a generalizao de um Modo de
Produo escravista-Colonial baseado quase que totalmente
em uma monocultura exportadora, sem considerar seja as
especificidades de cada regio, seja os mercados internos ou
as interaes entre os elementos internos da economia
colonial da Amrica Portuguesa. Neste caso, a louvvel
tentativa de entender a histria econmica brasileira como
uma totalidade tpica de uma historiografia que vai desde
Caio Prado Jnior nos anos 1930 at Ciro Flamarion Cardoso e
Jacob Gorender em tempos mais recentes41 terminou por se
confrontar com limites que s seriam contornados pelas teses
de ps-graduao brasileiras que comeam a surgir nas
ltimas dcadas do sculo XX, voltadas para as realidades
locais dos perodos colonial e imperial.
Estes, enfim, so os riscos tericos da Histria Econmica:
totalizao sem apoio emprico, reducionismos vrios. Por
outro lado, agora que j discutimos algumas tcnicas
presentes no trabalho de Histria Econmica, particularmente
a Quantificao, poderemos discutir outros riscos. O primeiro
deles o que poderia ser chamado de fetiche da
quantificao, a saber, a quantificao por ela mesma, no
como meio mas como fim. Uma Histria Econmica que se
limite descritivamente a enunciar informaes quantificadas
seria anloga, na histria narrativa, mera factualidade. Uma
curva de preos no pode ter valor por si mesma. Ao
contrrio, seu valor estaria em servir para uma interpretao
histrica que a considerasse como material de anlise, e no 41 Ver nota n 42.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 37
como finalidade a ser atingida. Ernst Labrousse, um dos
pioneiros da quantificao na Histria, postulava que a
quantificao, destinada a desvelar uma determinada
realidade conjuntural, deveria contribuir para a realizao de
uma Histria Total que esclarecesse a dinmica das estruturas,
das crises sociais e institucionais, e assim por diante. Quando
ele elaborava uma curva de preos, tinha em vista
compreender uma realidade scio-econmica mais
complexa, para cuja compreenso a curva de preos
funcionaria como um sinalizador privilegiado.
Esta postura, de fundar toda uma explicao histrica
complexa apenas no trabalho quantitativo ou, mais ainda,
em um nico aspecto quantificado pode eventualmente
conduzir a um problema diverso: o da supervalorizao da
quantificao. Acreditar por exemplo que uma curva de
preos pode dar conta da explicao de todo um
desenvolvimento histrico-social, sem o concurso de outros
fatores e recursos historiogrficos, pode produzir resultados to
questionveis quanto a mera descrio quantitativa.
Com relao aos objetos de estudo privilegiados pela
Histria Econmica, dificilmente pode haver maiores dvidas.
Estuda-se qualquer um dos trs aspectos envolvidos pelas
atividades econmicas: a Produo, a Circulao ou o
Consumo. O campo da Produo foi objeto de interesse
primordial da historiografia marxista. Neste sentido, aqui
encontra o seu espao o conceito de modo de produo,
que procura dar conta de toda a produo da vida material
de uma sociedade a partir da apropriao do trabalho
humano e da utilizao dos meios de produo (matrias
primas, instrumentos). Fora da teoria marxista, pode-se falar
em sistemas de produo, o que apenas uma outra
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.38
maneira de se referir a este mbito produtivo que constitui o
ponto de partida da vida econmica de uma sociedade.
Naturalmente que, notadamente com a historiografia
marxista e outras preocupadas com a dimenso social da
Histria, considera-se que o sistema de produo est em
inseparvel interface com a organizao social e poltica de
uma sociedade. Da que, para este tipo de histria
econmica, imprescindvel caminhar conjuntamente com a
Histria Social e com a Histria Poltica. Qualquer grupo social
ocupa uma posio central ou perifrica, ativa ou
parasitria, consciente ou alienada no sistema de produo
de uma sociedade, e todos estabelecem entre si relaes
que, alm de sociais, so relaes polticas. Para o
materialismo histrico, por exemplo, a Histria a histria dos
modos de produo e tambm a histria das lutas de classe.
Uma coisa est sobre-posta outra, pois se os modos de
produo vo se desenvolvendo e derivando em outros no
decurso de uma durao mais longa, a luta de classes aflora
cotidiana e conjunturalmente sobre estas grandes estruturas
em mutao. Percebe-se assim que, nesta linha de
perspectivas, a Histria Econmica est em permanente
interface com uma Histria Poltica e uma Histria Social.
Por outro lado, o enfoque do historiador econmico
tambm pode se dirigir para a esfera da Circulao (ou da
distribuio). Sero estudados aqui os ciclos econmicos, os
preos, as trocas, o sistema financeiro. O interesse no estudo
dos ciclos econmicos, por exemplo, tornou-se muito
marcante a partir da dcada de 1930, com historiadores da
economia associados Escola dos Annales (mas neste caso
tambm ao marxismo) como Ernst Labrousse. Destaca-se uma
interface evidente da nova Histria Econmica com os
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 39
diversos desenvolvimentos na cincia social da Economia. Na
verdade, o estudo dos ciclos, das conjunturas, da flutuao
de preos e salrios (e tantos outros aspectos) tornou-se
possvel a partir do dilogo com a Estatstica. Estes novos
campos da Histria Econmica tornam-se precisamente
possveis com a quantificao com aquela abordagem que logo passaria a ser chamada de Histria Quantitativa.
Fechando o circuito de interesses da Histria Econmica
aparece a esfera do Consumo, com objetos que podem ir
desde os aspectos relativos aos salrios (poder de compra)
at os hbitos de consumo dos vrios grupos sociais. Estudar o
consumo estudar os modos como a riqueza apropriada
pelos vrios grupos e foras sociais que se encontram em
interao no interior de uma determinada sociedade. As
tenses sociais, enfim, tambm se expressam nas relaes de
consumo, nas ostentaes, nas carncias, nos contrastes que
do a revelar a riqueza apropriada e que a colocam em
contraposio riqueza produzida. Esta ponta do tringulo
econmico, portanto, estabelece uma interface com a
Histria Social.
Por outro lado, tambm da Histria Econmica estudar
os modos ou estruturas de produo nas suas linhas gerais, no
mbito de temporalidades diversificadas como a Economia
Antiga, a Economia Medieval ou a Economia Capitalista.
Neste campo, o interesse do historiador desloca-se das
especificidades quantitativas para os aspectos relacionados
interao entre Economia e Sociedade, surgindo aqui as
clebres e polmicas questes concernentes ao tipo de
interao que nesta interface se produz (determinao linear
e direta, determinao em ltima instncia, reciprocidade,
relativa autonomia?).
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.40
5. A Histria Econmica no Brasil
No Brasil, a Histria Econmica tem sido desde os anos
1930 um campo bem freqentado pelos historiadores. Os
objetos e interesses de estudo se diversificam. Entre 1930,
mencionaremos, ao lado de outras temticas, as tentativas de
elaborar modelos econmicos globais, que dessem conta de
entender a histria econmica brasileira como uma
totalidade. Surgiram ento grandes modelos explicativos para
a realidade colonial, para a sociedade escravista-colonial,
para a economia no Estado Novo ou do perodo
desenvolvimentista, atravs de autores que vo de Caio
Prado Jnior, um pioneiro na rea, at historiadores,
economistas ou socilogos como Fernando Novais, Celso
Furtado, Ciro Flamarion Cardoso, Jacob Gorender42. As ltimas
dcadas do sculo XX assistem ecloso de trabalhos mais
monogrficos, interessados em perceber atravs de
investigaes locais muitas vezes com o apoio da Histria
Serial precisamente aquelas especificidades e
complexidades que os grandes modelos explicativos
deixavam escapar, por vezes em frmulas ou modelos
reducionistas.
Desta lavra, e das dcadas seguintes, so alguns dos
mais importantes trabalhos sobre a economia brasileira nos
seus perodos histricos. H desde as investigaes regionais
ou mais localizadas sobre o perodo escravocrata, como a
42 (1) PRADO JNIOR, Caio. Formao do Brasil Contemporneo. So Paulo: Brasiliense, 1977. (2) NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial. So Paulo: Hucitec, 1983, 2 ed. (3) FURTADO, Celso. Formao Econmica do Brasil. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. (4) CARDOSO, Ciro Flamarion. Observaes sobre o dossier preparatrio da discusso sobre o modo de produo colonial in PARAIN, C (org). Sobre o Feudalismo. Lisboa: Estampa, 1973, p. 71-ss. (5) GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. So Paulo: tica, 1978, 2 ed.
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obra de Ktia Matoso intitulada Bahia: a cidade de Salvador
e seu mercado no sculo XIX (1978)43, ou a obra de Douglas
Libby sobre a Transformao e Trabalho em uma economia
escravista Minas no sculo XIX (1988)44, at as investigaes
de recorte mais extenso sobre o processo de industrializao
brasileiro, como a pesquisa de Wilson Cano sobre as Razes
da Concentrao Industrial (1981)45 ou a obra de Geraldo
Beauclair sobre as Razes da Indstria no Brasil46. No mbito
dos estudos sobre a Escravido ou ambientados na Economia
Colonial, a massa crtica de trabalhos regionais e a
possibilidade mais concreta de lanar mo da Histria Serial
passou a permitir tambm novas vises de conjunto, mais
fundamentadas e sem os reducionismos das generalizaes
anteriores aos anos 1970. Aparecem aqui obras importantes
como o estudo de Joo Fragoso e Manolo Florentino intitulado
Arcasmo como Projeto 47, e posteriormente o estudo de
Joo Fragoso sobre a economia local do Rio de Janeiro que,
conforme veremos adiante, avana pela trilha que comeara
a ser percorrida por autores como Ktia Mattoso nos anos
1970 e 1980.
A ttulo de exemplo, examinaremos alguns
desenvolvimentos historiogrficos em torno da temtica da
economia colonial, mostrando como foi precisamente um
olhar mais atento para a realidade local, alicerado em
sistemticas pesquisas empricas, o que permitiu uma
43 MATTOSO, Ktia de Queiroz. Bahia: a cidade de Salvador e seu mercado no sculo XIX. So Paulo: Hucitec, 1978.44 LIBBY, Douglas. Transformao e Trabalho em uma economia escravista Minas no sculo XIX . So Paulo: Brasiliense, 1988.45 CANO, Wilson. Razes da Concentrao Industrial. So Paulo: T. A. Queiroz, 1981.46 BEAUCLAIR, Geraldo. Razes da Indstria no Brasil. Rio de Janeiro: Studio F & S Editora, 1992.47 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo. Arcasmo como Projeto. Rio de Janeiro:Diadorin, 1993.
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verdadeira reviso dos modelos generalizantes que, antes dos
anos 1970, vinham sendo elaborados para a compreenso da
economia brasileira no perodo colonial. Ao lado do j
mencionado trabalho de Ktia Mattoso sobre a Bahia,
traremos o exemplo de uma obra que representa certamente
um marco para a historiografia econmica brasileira mais
recente: o estudo de Joo Fragoso intitulado Homens de
Grossa Aventura acumulao e hierarquia na praa
mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830)48. Esta obra, como a
de Ktia Mattoso e outras, permitiu precisamente nova
historiografia econmica brasileira examinar os ritmos internos
da economia colonial, suas assincronias em relao ao
mercado internacional, suas diversidades regionais, suas
complexidades irredutveis ao desgastado e generalizador
modelo que retratava a economia colonial como um sistema
exclusivamente escravista-agro-exportador, diretamente
dependente dos centros europeus.
Objetivando examinar as formas de acumulao que
perpassam a economia colonial brasileira em fins do sculo
XVIII e primeiras dcadas do sculo XIX, Fragoso elege como
lcus privilegiado de observao o funcionamento do
mercado do Rio de Janeiro e suas formas de produo. Mas,
sobretudo, o que aqui se empreende mais uma contribuio
vigorosa crtica em relao aos antigos modelos explicativos
da economia colonial brasileira, alcanada atravs da
exposio de uma srie de novas complexidades que se
tornam bastante claras a partir de uma bem fundamentada
48 FRAGOSO, Joo. Homens de Grossa Aventura acumulao e hierarquia na praa mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998.
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pesquisa emprica amparada em anlises seriais de uma vasta
documentao.
A primeira complexidade a ser examinada a de que a
economia colonial brasileira apresenta atravs dos nmeros
levantados um complexo jogo de ajuste e desajuste em
relao ao ciclo econmico internacional. Ao invs de uma
economia inteiramente atrelada ao ritmo internacional, o
autor vem mostrar que ainda que esta sintonia se expresse
em algumas oportunidades a economia colonial brasileira
tambm tem seus ritmos prprios. A conscincia de que os
ritmos coloniais no se ajustam inteiramente e em todos os
momentos s tendncias internacionais j vinha sendo
expressa atravs das pesquisas de Ktia Mattoso, que
examinara atravs de uma sistemtica metodologia
quantitativa os preos na Bahia do mesmo perodo,
demonstrando seu comportamento de acordo com ritmos
prprios49. Assim, enquanto os preos europeus haviam sofrido
uma inflexo geral para cima entre 1810 e 1815, at atingir
neste ano a crise mundial que inaugura uma fase depressiva,
esta inflexo s ocorreria na Bahia a partir de 1822.
O objetivo de Fragoso seguir nesta mesma trilha:
demonstrar que tambm o Rio de Janeiro tinha seus ritmos
prprios. O recorte da pesquisa situa-se no enquadramento de
um ciclo de Kondratieff que tem uma fase A positiva entre
1792 e 1815, e uma fase negativa (B) entre 1815 e 1850.
Contudo, se por um lado verifica-se a sintonia entre uma
expanso econmica brasileira e a ampliao do comrcio
no plano internacional, j para o perodo seguinte (a fase B)
esta sintonia no se verifica. Entre 1815 e 1817, ocorre uma
49 MATTOSO, Ktia de Queiroz. Os preos na Bahia de 1750 a 1930 in LHistoire quantitative du Brsil de 1800 a 1930, CIVRS 1973, p.167-182.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.44
crise mundial que se expressaria sob a forma de uma
depresso econmica at 1850, afetando diretamente os
preos do acar e do algodo. Conforme a interpretao
clssica, a montagem da economia cafeeira apresenta-se
como uma resposta ao declnio destes produtos e
conjuntura econmica internacional desfavorvel.
O modelo confrontado e criticado pelo autor (e mais
especificamente considerando o contexto especfico das
transformaes que se do na passagem do sculo XVIII para
o sculo XIX) o da economia colonial exclusivamente
fundada na monocultura exportadora, destinada a fornecer
excedentes para as economias centrais europias. Segundo
este modelo, no haveria lugar na colnia para um mercado
interno suprido por produes locais, nem para possibilidades
de acumulaes endgenas, e tampouco para ritmos
econmicos prprios, desvinculados das economias que
dominavam o mercado internacional50. Contudo, so
precisamente estes aspectos que Fragoso verifica, mostrando
por exemplo que o comportamento da economia colonial
no pode ser medido apenas pelo desempenho do setor
exportador. Assim, contra uma queda de preos de produtos
ligados ao setor exportador, como o acar branco, Fragoso
demonstra uma realidade diferente relativa aos produtos
coloniais de abastecimento que desembarcam no porto do
Rio de Janeiro51. Sintetizando a questo, o mercado interno
colonial produz os seus prprios ritmos, que interagem de
muitas maneiras com os ritmos ditados pelo mercado
internacional, respondem ou resistem a eles. O mercado
interno, portanto, uma realidade efetiva, importante para a
50 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p.16-17.51 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p.20.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008. 45
compreenso da histria econmica. Conforme as palavras
de Fragoso, a economia colonial um pouco mais complexa
do que uma plantation escravista, submetida aos sabores das
conjunturas internacionais52. todo um antigo modelo
interpretativo, demasiado simplificador, que aqui se questiona.
Mais ainda, diante da verificao emprica de uma
verdadeira flexibilidade da economia colonial que a permite
confrontar-se queda de preos internacionais e retrao
da exportao, Fragoso identifica a possibilidade de
realizao de acumulaes endgenas no espao colonial,
um dos objetivos centrais de seu estudo. Questiona-se,
tambm, as postuladas relaes de estrita dependncia que,
segundo antigos modelos explicativos, estariam
necessariamente presentes nas relaes da economia
colonial com a Metrpole.
Vale ressaltar, por outro lado, que o trabalho de Joo
Fragoso se refere mais especificamente virada do sculo
XVIII para o sculo XIX um perodo de crise do antigo sistema
colonial. Para os trs sculos anteriores de colonizao da
Amrica portuguesa, decerto, o modelo de anlise
econmica proposto por Caio Prado Jnior e seguido de
perto por Celso Furtado e Fernando Novaes conserva
considervel poder explicativo. De todo modo, as obras de
Joo Fragoso e Ktia Mattoso foram aqui evocadas apenas
como suporte exemplificativo. Elas constituem sintomas claros
de uma historiografia brasileira em pleno desenvolvimento e
renovao, que se liberta de modelos fechados e irredutveis,
que busca novas complexidades e que, sobretudo,
empreende um trabalho sistemtico sobre as fontes a partir do
52 FRAGOSO, Joo. Op.cit. p.21.
Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 11, janeiro de 2008.46
uso de uma metodologia quantitativa e serial que mostra
perfeita vitalidade. A Histria Econmica, particularmente no
Brasil, est longe de estar em crise. Outras obras poderiam ser
citadas, mas estas j podem dar uma idia da fecundidade
deste campo que, mesmo que tenha cedido espao no
conjunto de preferncias dos historiadores em favor de outras
modalidades em ascenso, permanece francamente
atualizado e produtivo.
A Histria Econmica, ser oportuno finalizar, tem se
apresentado como um campo que se renova e atualiza.
Desenvolve-se no sentido da complexidade, da superao
das vises simplificadas que habitualmente isolam os fatos
econmicos de outras dimenses importantes para a Histria
das Sociedades como a Poltica ou a Cultura. De igual
maneira, os historiadores econmicos mostram-se cada vez
mais atentos questo de que em cada perodo histrico, ou
em cada sociedade historicamente localizada, deve-se
buscar uma racionalidade econmica prpria e especfica do
perodo examinado, e no simplesmente transplantar uma
racionalidade capitalista para perodos anteriores nos quais
esta racionalidade no existia. Avana-se tambm na
superao dos antigos modelos explicativos nacionais
monolticos, medida que se desenvolvem estudos regionais
capazes de esclarecer a singularidade de cada regio em um
contexto mais amplo.
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Referncias Bibliogrficas
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BEAUCLAIR, Geraldo. Razes da Indstria no Brasil. Rio de Janeiro: Studio F & S Editora, 1992.
BEVERIDGE, William. Prices and Wages in England from the Twelfth to the Nineteenth Century. Londres: Longmans, 1939.
BRAUDEL, Fernando. Histria e Cincias Sociais: a longa durao in Escritos sobre a Histria. So Paulo: Perspectiva, 1978. p.49-50.
CANO, Wilson. Razes da Concentrao Industrial.