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AVANOS RECENTES EM BIOLOGIA CELULAR E
MOLECULAR, QUESTES TICAS IMPLICADAS E SUA ABORDAGEM
EM AULAS DE BIOLOGIA NO ENSINO MDIO: um estudo de caso.
Taitiny Krita BonzaniniOrientador: Prof. Dr. Fernando BastosMestrado em Educao para a CinciaPrograma de Ps-Graduao em Educao para a Cincia UNESP Campus de Bauru
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SUMRIO
Resumo........................................................................................................................8
Abstract ......................................................................................................................9
CAPTULO I
1.INTRODUO......................................................................................................10
1.1Objetivos ..............................................................................................................17
CAPTULO II
2. METODOLOGIA...............................................................................................19
2.1.Estruturao dos referenciais tericos.................................................................20
2.2 Caracterizao da escola, grupo de alunos e professor observados.................20
2.2.1 A escola............................................................................................................20
2.2.2 A turma de alunos.............................................................................................21
2.2.3 A professora de biologia...................................................................................21
2.2.4 Carga horria e aulas ministradas.....................................................................22
2.3 A pesquisa qualitativa.......................................................................................23
2.4 Procedimentos de coleta e anlise de dados.....................................................27
CAPTULO III
3. CONHECIMENTOS EM GENTICA GERAL, GENTICA MOLECULAR E
BIOLOGIA CELULAR: CONSIDERAES HISTRICAS.................................31
3.1 A gentica de Mendel .........................................................................................35
3.2 Consideraes histricas sobre o desenvolvimento da gentica no sculo XX..40
3.3 Avanos recentes em biologia celular e molecular.............................................49
CAPTULO IV
4. O ENSINO DE GENTICA NA ESCOLA MDIA .........................................64
4.1 Pesquisas sobre o ensino de Gentica.................................................................72
4.2 O ensino de Gentica nas propostas curriculares e nos livros didticos.............82
2
CAPTULO V
5. REFERENCIAIS TERICOS...........................................................................95
5.1 A formao docente............................................................................................95
5.2 A prtica docente..............................................................................................104
CAPTULO VI
6. RESULTADOS E DISCUSSO....................................................................118
6.1 O questionrio de pr e ps-teste....................................................................120
6.2 Descrio e anlise das observaes..............................................................122
6.3 Episdios de ensino selecionados...................................................................134
6.4 Anlise de documentos...................................................................................150
6.4.1 Trabalhos elaborados pelos alunos.................................................................150
6.4.2 Planejamento curricular..................................................................................155
6.4.3 Livros didticos utilizados..............................................................................155
6.5 Entrevista realizada com a professora............................................................157
CAPTULO VII
7. CONSIDERAES FINAIS..............................................................................162
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS....................................................................166
3
4
5
6
BONZANINI, T. K. AVANOS RECENTES EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR, QUESTES TICAS IMPLICADAS E SUA ABORDAGEM EM AULAS DE BIOLOGIA NO ENSINO MDIO: um estudo de caso.
RESUMO
7
O trabalho corresponde a um estudo de caso (Bogdan & Biklen, 1994) em que aulas de
biologia de uma turma de alunos do 2 ano do ensino mdio foram sistematicamente
observadas com o intuito de verificar de que forma surgem e so trabalhadas questes
relativas aos avanos recentes em biologia celular e molecular (organismos
transgnicos, clonagem, experincias com clulas tronco, projeto genoma etc.). Ateno
especial foi dada s demandas formativas que esse aspecto do ensino de biologia suscita
junto aos professores, tanto em nvel de aprofundamento de conhecimentos em biologia
celular e molecular, quanto em nvel de decises sobre como organizar a abordagem e
discusso de temas polmicos e implicaes ticas subjacentes. O referencial terico
para o desenvolvimento da pesquisa e anlise de dados foi estruturado com base em
literatura especializada sobre formao de professores (Schn & Costa, 2000;
Perrenoud, 2000; Zaballa, A.,1998; Carvalho e Gil-Prez, 1995; entre outros).
Palavras-chave: Ensino de Biologia, Ensino de Gentica, Avanos Recentes em Biologia Molecular.
BONZANINI, T. K. RECENT ADVANCES IN MOLECULAR AND CELLULAR BIOLOGY, ETHIC QUESTIONS IMPLICATED AND ITS APPROCH IN BIOLOGY CLASSES IN HIGH SCHOOL: a study of case.
ABSTRACT
8
The work corresponds to a study of case (Bogdan & Biklen, 1994) in which biology
classes in a group o students from second year in high school were systematically
observed on propose to verify how the questions relating to the recent advances in
molecular and cellular biology (transgenic organisms, clonating, experiments with stem-
cells, genome project, etc.) appear and worked. A special attention was given formative
demands that this aspect of the teaching in biology rouse among the teachers, both
making deeper in the knowledge in molecular and cellular biology and the decisions
about how organize the approach and discussion relating to the polemic subjects and
ethic implications underlying. The theoretic reference to the development of the
research and data analysis was based on specialized literature about teachers graduation
(Schn & Costa, 2000; Perrenoud, 2000; Zaballa, A.,1998; Carvalho e Gil-Prez, 1995;
et al.).
9
CAPTULO I
1. INTRODUO
medida que iniciamos um novo sculo, a educao surge como a
preocupao fundamental em todos os pases do mundo, inclusive tendo em vista o
futuro da humanidade e do planeta. Os desafios do novo sculo com vistas
eliminao da pobreza e garantia de um desenvolvimento sustentvel e de uma paz
duradoura recaem sobre os jovens de hoje. Educ-los para enfrentar esses desafios
tornou-se um objetivo prioritrio para qualquer sociedade.
Deste modo, entendemos a escola como um local de
desenvolvimento de conhecimentos, idias, atitudes e pautas de comportamento que
permitam ao aluno uma incorporao eficaz ao mundo contemporneo, no mbito
da liberdade do consumo, da liberdade de escolha e participao poltica, da
liberdade e responsabilidade na esfera da vida familiar (GIMENO SACRISTN e
PREZ GMEZ, 1998).
A maior parte dos pases do mundo valoriza o ensino cientfico como
um fator para o progresso da economia nacional, principalmente na formao de
10
profissionais altamente qualificados. Mais fundamental ainda, talvez, notar que
esses conhecimentos tambm tm um papel na construo de uma sociedade
democrtica, uma vez que podem ser aplicados para entender e participar de debates
relacionados a diversos temas.
Para abordar a cincia e a tecnologia como se apresentam hoje, os
indivduos necessitam de um certo grau de conhecimentos cientficos para que
possam entender a cincia como patrimnio cultural das sociedades
contemporneas.
Os Parmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1999), quanto s
Cincias Naturais, sugerem que no ensino fundamental o aluno desenvolva
competncias que lhe permitam compreender o mundo em que vive e atuar como
indivduo e como cidado, utilizando conhecimentos de natureza cientfica e
tecnolgica. Destacam que, numa sociedade em que se convive com a
supervalorizao do conhecimento cientfico e com a crescente interveno da
tecnologia no cotidiano, no possvel pensar a formao de um cidado crtico
margem do saber cientfico.
H alguns anos, clonar seres humanos e mapear os genes existentes
nas clulas eram assuntos de fico cientfica, mas, durante a ltima dcada vem
ocorrendo um grande avano no conhecimento em gentica, e esse assunto j est
sendo abordado at mesmo em novelas de televiso. Os genomas de diversos
organismos tm sido minuciosamente investigados mediante tcnicas que permitem
o seqenciamento do DNA (cido desoxirribonuclico) e outros resultados
similares. H uma crescente quantidade de pesquisas envolvendo experimentos de
clonagem. Alm disso, estamos rodeados de produtos alimentcios e medicamentos
provenientes de organismos geneticamente modificados e de uma infinidade de
11
outros resultados da investigao cientfica. Tais novidades de natureza cientfico-
tecnolgica espantosas, diga-se de passagem - no ocorrem, porm, num cenrio
de aceitao pacfica, mas em meio a intensas controvrsias sobre aspectos ticos e,
tambm, em meio a poderosos interesses econmicos e polticos. Deste modo, com
o avano da engenharia gentica e as atuais pesquisas neste campo, praticamente
impossvel admitir que os alunos permaneam alheios a estas descobertas.
crescente a necessidade da escola e, conseqentemente, do professor oportunizar a
discusso destes assuntos cada vez mais presentes no cotidiano das sociedades
contemporneas.
Os estudantes de hoje cada vez mais formam parte de uma sociedade
na qual as tecnologias genticas esto inseridas. Chegar o momento em que se
exigir decises pessoais relacionadas aos resultados destas tecnologias, e tais
decises sero cruciais nas respostas da sociedade.
Apesar da gentica molecular produzir uma infinidade de novos
dados sobre os mecanismos de hereditariedade, pesquisas relevam (Wood-Robinson
et al.,1998; Bonzanini, 2002) que a maioria das pessoas ainda possui escassas
informaes sobre os conceitos bsicos desta rea; esses autores, durante o
desenvolvimento de suas pesquisas, constataram ainda que, quando indagados, os
alunos revelam desconhecer o que seria e quais as tcnicas utilizadas em pesquisas
como o Projeto Genoma Humano e produo de organismos geneticamente
modificados. Alm disso, apontam tambm, que nos jornais e revistas para o grande
pblico, esses temas so geralmente tratados de maneira superficial, confusa e
incompatvel com um nvel mnimo de rigor cientfico.
Sendo assim, percebe-se a necessidade de explicitar tais conceitos e
buscar caminhos para articular o Ensino de Cincias ao cotidiano das pessoas, j
12
que, a escola no pode ignorar o que se passa no mundo; e embora esses temas
(Projeto Genoma Humano, clonagem, organismos transgnicos, pesquisas com
clulas tronco) estejam amplamente abordados pelos meios de comunicao,
conforme as pesquisas citadas acima, a sociedade brasileira no possui
conhecimento necessrio para entender e interpretar esses avanos e assumir uma
posio consciente diante de assuntos sobre os quais precisar opinar. Neste
contexto, a responsabilidade de discutir os avanos da gentica de forma inteligente,
clara e acessvel aos alunos recai sobre os educadores.
Diante dessas colocaes surgem, ento, certas indagaes: estariam
os professores de hoje preparados para abordar e discutir tais temas no intuito de
instrumentalizar os educandos para que possam participar de processos de tomada
de deciso a respeito das recentes pesquisas na rea de biologia celular e molecular?
As propostas curriculares e os livros didticos abordam satisfatoriamente o estudo
de conceitos relacionados a estas temticas? Esses assuntos despertam o interesse
dos alunos?
Quanto ao estudo de gentica, uma pesquisa realizada por Justina et
al. (2000) verificou, por meio de entrevistas, que a maioria dos professores declaram
apresentar dificuldades tanto para ensinar como para fazer com que seus alunos
compreendam satisfatoriamente as novas abordagens em gentica. Esta pesquisa
revelou tambm a preocupao dos professores com as temticas atuais que no
aparecem nos documentos oficiais ou nos livros didticos. Outras pesquisas revelam
(Justina e Barradas, 2003; Fvaro et al., 2003) que os professores continuam
distantes das inovaes que acontecem, e repassam a seus alunos conceitos estticos
e errneos contidos nos livros didticos.
13
Apesar dos avanos da Biologia moderna despertarem o interesse da
maioria dos alunos (Wood-Robinson et al.,1998; Bonzanini, 2002), no esto
presentes nos currculos escolares, e, nos livros didticos, quando citados, trazem
muitos erros conceituais (Fracalanza, 1985; Malaguth, 1997; Fvaro, 2003).
Diante disso, surge a necessidade de uma atualizao dos contedos
das disciplinas cientficas adequando-as aos currculos e programas atualizados para
educar as geraes do sculo XXI, que esto constantemente recebendo informaes
sobre temas biolgicos vinculados nos meios de comunicao.
Amorim (1995) ressalta a importncia de um novo contexto para o
ensino de Cincias no qual se destaque a relevncia social, os alcances e as
limitaes da Cincia. Trivelato (1995) complementa descrevendo a importncia de
se pensar as disciplinas cientificas como elemento formador de cidados crticos,
de reconhecermos sua importncia e, at mesmo, sua ineficincia.
Krasilchik (1987) cita a importncia de uma contextualizao mais
abrangente do currculo de Cincias, uma vez que vrios fatores se
incompatibilizam com os currculos escolares, como a expanso rpida do
conhecimento, a necessidade de atualizao, a ampliao dos meios de
comunicao, entre outros.
Alm disso, desejvel que exploremos a Biologia a partir de
assuntos atuais, polmicos, que motivem os alunos a buscar leis e teorias que
respondam suas dvidas. Por exemplo, as controvrsias relacionadas aos avanos
recentes em biologia celular e molecular podem servir como temas geradores que
despertem o interesse por conceitos de gentica bsica (CANAL, 2002).
Sendo assim, um novo contexto para o ensino de Biologia, que prev
a incorporao de temticas atuais, que motivem o aluno a aprender determinados
14
conceitos, precisa levar em considerao tambm o uso de estratgias e recursos
para instigar, motivar, surpreender os estudantes levando-os a participar dessas
discusses. Para isso, faz-se necessrio que o professor disponha de diversos
instrumentos para que as aulas sejam mais interessantes e menos montonas,
promovendo discusses nas quais oua o ponto de vista de cada aluno e no
somente exponha o seu como uma verdade absoluta, fazendo com que possam
relacionar isso ao seu dia a dia, aos benefcios e prejuzos que podem trazer, bem
como analisar criticamente e opinar sobre questes polmicas de uma maneira
coerente. Segundo Arroyo (2000) ao motivar o aluno evita-se sua marginalizao e
excluso.
A maneira como temas como clonagem, organismos transgnicos e
Projeto Genoma Humano sero tratados em aula, ou seja, a didtica utilizada pelo
professor poder provocar o interesse ou a recusa por parte dos alunos, e os
processos de tomada de deciso e at mesmo a compreenso de tais temas
dependem de uma base slida de conhecimentos que podem ser oferecidos pela
escola.
Uma vez que esses temas so de grande importncia para a formao
do educando, sua abordagem precisa ter em vista o favorecimento de uma
aprendizagem significativa, da a importncia de uma prtica educativa diferenciada
que coloque o aluno em contato com experincias fecundas para ele.
preciso que o educador promova uma educao cientfica que
divulgue os avanos da cincia, pois, alm de necessidade, um dever social.
imprescindvel que se transmita para os alunos uma cincia mais atual, histrica,
social, crtica e humana. Segundo Trivelato (1995), os professores ainda transmitem
15
aos seus alunos idias errneas sobre a cincia, sobre os cientistas e sobre a
elaborao do conhecimento cientfico.
Uma educao cientfica democrtica, voltada para a cidadania, visa
preparar os educandos para assimilar informaes de qualidade, aprimorando o juzo
crtico e solidificando uma verdadeira sociedade atuante.
Ao abordar contedos significativos atravs de uma perspectiva
transformadora, pode-se propiciar aos alunos a oportunidade de ampliarem a leitura
da realidade, e tal conscientizao poder lev-los a aes que promovam
transformaes sociais.
Entretanto, no podemos ignorar as dificuldades enfrentadas pelo
professor, como as precrias condies de trabalho, a escassez de material e de
recursos, a falta de tempo para elaborar materiais didticos e at mesmo uma
formao deficiente.
A partir dos aspectos aqui levantados, consideramos de extrema
importncia a realizao de pesquisas que focalizem o ensino de temas de biologia
celular e molecular no sentido de trazer subsdios para a formao de professores,
para a elaborao de propostas curriculares e materiais didticos e para a discusso
das questes da prtica docente.
Assim, esta pesquisa enfocou o ensino de gentica em uma escola tal
como se processa; propostas curriculares oficiais, planejamentos escolares
elaborados por professores e contedos de livros didticos adotados foram
considerados, mas a ttulo de referncia, pois, muitas vezes, os materiais didticos
utilizados e as declaraes de inteno registradas nos planos de ensino no refletem
exatamente as convices que os professores possuem, e que so reveladas atravs
de suas aes, j que, segundo Cunha (1989), o estudo "do professor em seu
16
cotidiano, tendo-o como ser histrico e socialmente contextualizado pode auxiliar
na definio de uma nova ordem pedaggica e na interveno da realidade no que
se refere sua prtica e sua formao.
1.1 Objetivos
Tendo em vista os questionamentos relacionados acima, importante
perguntarmos: Temas de biologia contempornea esto sendo efetivamente
introduzidos e estudados na escola bsica? De que maneira? Que estratgias de
ensino so utilizadas pelos professores para favorecer a aprendizagem desses
contedos pelos alunos? Que obstculos surgem e tm que ser enfrentados?
O presente trabalho pretende oferecer uma pequena contribuio
nesse sentido e, deste modo, toma como ponto de partida os seguintes objetivos de
pesquisa:
1- Verificar se temas como cincia genmica, clonagem,
organismos transgnicos etc. esto sendo efetivamente abordados em
aulas de Biologia na Escola Mdia, e de que maneira essa abordagem
ocorre. Ateno ser dada aos seguintes aspectos, entre outros:
(a) Os referidos temas so parte integrante do plano de ensino do
professor/escola ou surgem durante as aulas de maneira acidental,
por exemplo, apenas quando o professor interpelado pelos alunos?
(b) As aulas de biologia limitam-se a enfocar produtos finais da
atividade cientfica na rea ou tambm enfocam o fazer cientfico, os
mtodos de pesquisa, os interesses econmicos e polticos
subjacentes, as questes ticas suscitadas etc.?
17
(c) O professor prope atividades de ensino que permitam a
explorao desses contedos de forma inteligente e aberta,
contemplando os diferentes ngulos de cada questo?
(d) At que ponto a formao anterior e material de apoio de que o
professor dispe sustentam ou no o trabalho com esses temas?
2- Verificar de que forma temas contemporneos de biologia
celular e molecular aparecem e so trabalhados nos materiais de
apoio utilizados por professores e alunos em aulas de Biologia na
escola mdia (por exemplo, livros didticos);
3- Identificar obstculos que dificultam a abordagem desses
temas na escola mdia, para, a partir disso, oferecer subsdios que
permitam novas aes no mbito da formao de professores e
produo de material didtico.
18
CAPTULO II
2. METODOLOGIA
Conforme j mencionado, a presente pesquisa tem como objetivo
investigar de que maneira a temtica relativa aos avanos recentes em biologia
celular e molecular surge e abordada em aulas de biologia para o ensino mdio.
Tal objetivo, da forma geral como est aqui colocado, poderia ter dado origem a
uma pesquisa em extenso, isto , a uma pesquisa que buscasse mapear aspectos do
problema em um grande nmero de salas de aula. Entretanto, nossa opo foi por
realizar uma pesquisa com outras caractersticas, ou seja, uma pesquisa que,
focalizando episdios de ensino subseqentes ocorridos em uma nica turma de
alunos, permitisse analisar, de modo mais detalhado e aprofundado, as diversas
interaes ocorridas entre os sujeitos envolvidos (alunos e professores), bem como
interpretar as perspectivas desses sujeitos e sua possvel evoluo. Assim, o grupo
que, mediante nosso convite, aceitou estar participando da pesquisa foi composto
por uma turma de alunos de uma dada escola de ensino mdio e sua professora, da
maneira como especificaremos a seguir.
19
2.1 Estruturao dos referenciais tericos
Tendo em vista os objetivos da pesquisa, consideramos importante
organizar captulos que proporcionassem ao leitor um breve panorama sobre os
seguintes temas:
(a) conhecimentos em gentica geral, gentica molecular e biologia
celular e sua evoluo nos ltimos 150 anos;
(b) pesquisas e propostas referentes ao ensino de gentica e questes
correlatas;
(c) pesquisas e propostas referentes formao de professores e
referentes estruturao da prtica pedaggica no contexto do ensino de cincias e
biologia.
Esses captulos foram elaborados com base em pesquisa bibliogrfica
e constituram referncias para a anlise e discusso dos dados coletados. Esses
referenciais, portanto, foram utilizados para a anlise da prtica pedaggica e
nortearam nossos trabalhos.
2.2 Caracterizao da escola, grupo de alunos e professor observados
2. 2.1 A escola
A escola objeto desse estudo, escolhida graas equipe escolar ter
sido receptiva idia de que uma coleta de dados fosse ali desenvolvida, uma
escola pblica de ensino fundamental e mdio da regio de Bauru (SP).
O prdio, construdo h cerca de 58 anos, possui 16 salas de aula, um
laboratrio, uma biblioteca, uma sala de informtica, um teatro (salo nobre), o
20
ptio, a quadra poliesportiva, sala de professores e instalaes para servios
administrativos. Apesar de ser uma construo antiga, o prdio da escola bem
conservado.
A escola est situada no centro da cidade e atende toda a clientela do
ensino mdio do municpio (zona urbana e rural).
2.2.2 A turma de alunos
A pesquisa foi realizada com uma turma do 2 Ano do Ensino
Mdio, composta por, inicialmente 45 alunos. No decorrer dos bimestres, esse
nmero variou devido algumas transferncias, chegando ao final do ano letivo
com 40 alunos. Essa turma foi escolhida por razes ligadas ao planejamento
curricular, j que na escola investigada, o contedo de gentica ministrado no 2
Ano.
2.2.3 A professora de Biologia
Concluiu, no ano de 1983, o curso de Licenciatura em Cincias
pela Universidade de Bauru (Bauru, SP), instituio extinta em 1987, ano de sua
incorporao pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Obteve, ainda, ao
retornar a essa universidade, Habilitao em Biologia em 1989. Integra o corpo
docente efetivo da escola h 20 anos, ministrando 33 aulas semanais, alm de
trabalhar em uma escola particular do municpio.
Revelou que tem participado de atividades de capacitao
oferecidas pelo Governo do Estado e mostrou-se muito receptiva. Aceitou que
21
suas aulas fossem observadas e concordou em colaborar com o levantamento de
dados para esta pesquisa.
2.2.4 Carga horria e aulas ministradas
A carga horria destinada Biologia nas Escolas da Rede Estadual
de Ensino compreende 2 aulas semanais com durao de 50 minutos cada aula. Ao
todo foram observadas 41 aulas, sendo realizada a observao de uma aula na
segunda-feira e outra na quinta-feira, de um total de 50, pois 9 dessas aulas
coincidiram com feriados e programaes da escola que implicaram em dispensa
dos alunos, como, por exemplo, campeonato de futebol municipal, idas ao cinema
ou teatro. Para melhor descrio, as aulas foram numeradas de 1 a 50, sendo que a
nmero 1 foi a primeira aula observada na qual ocorreu a aplicao do
questionrio de pr-teste (anexo 1) e a nmero 50 a ltima aula observada na qual
aplicou-se o questionrio ps-teste.
As aulas que implicaram em dispensa dos alunos acarretaram em
diminuio do tempo disponvel e, conseqentemente, na reduo dos assuntos
abordados, fato este que foi, inclusive, comentado pela professora.
2.3 A pesquisa qualitativa
22
Buscando realizar os objetivos estabelecidos para esta pesquisa,
utilizamos uma abordagem de investigao de natureza qualitativa, pois a fonte
direta de dados foi o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento
principal (Bogdan & Biklen, 1994). A investigao qualitativa favorece que os
investigadores interessem-se mais pelo processo do que simplesmente pelos
resultados ou produtos.
No processo qualitativo, ocorre uma espcie de dilogo entre os
investigadores e os sujeitos da investigao, com o objetivo de perceber o que estes
sujeitos experimentam, como as experincias so interpretadas e como estruturam o
mundo em que vivem (Psathas, 1973)1.
A denominao pesquisa qualitativa conforme Alves (1991, p. 54)
uma expresso que: apresenta abrangncia suficiente para englobar mltiplas
variantes. Segundo esse autor, a pesquisa qualitativa parte do pressuposto de que as
pessoas agem em funo de suas crenas, percepes, sentimentos e valores, portanto
seu comportamento tem sempre um sentido, um significado no reconhecido
imediatamente, precisando ser revelado. Reafirmando essa posio, este autor cita
Patton (1986, p. 22) que indica trs caractersticas indispensveis aos estudos
qualitativos:
1- Viso holstica: parte do princpio que a compreenso de um
significado de um comportamento ou evento s possvel em funo da
compreenso das interrelaes que surgem de um dado contexto;
1 PSATHAS, G. Phenomenological sociology. New York: Wiley, 1973.
23
2- Abordagem intuitiva: definida como aquela em que o pesquisador
inicia suas observaes mais livremente deixando que as categorias de interesse
emerjam progressivamente durante o processo de coleta e anlise de dados;
3- Investigao naturalstica: investigao na qual a interveno do
pesquisador no contexto observado reduzida ao mnimo.
Bogdan e Biklen (1994) apresentam cinco caractersticas bsicas que
configuram a pesquisa qualitativa: (a) a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural
como sua fonte principal de dados e o pesquisador como seu principal instrumento;
(b) os dados coletados so predominantemente descritivos; (c) a preocupao com o
processo muito maior do que com o produto; (d) o foco de ateno especial do
observador o significado; (e) a anlise de dados tente a seguir um processo
indutivo.
As caractersticas apontadas acima possuem vrias implicaes para
a pesquisa. Entre outras podemos destacar o fato de se considerar o pesquisador
como o principal instrumento de investigao e a necessidade do contato direto e
prolongado com o objeto pesquisado. Essas caractersticas apontam tambm para a
natureza predominante dos dados qualitativos: descries detalhadas de situaes,
eventos, pessoas, interaes e comportamentos observados; citaes literais do que
as pessoas falam sobre suas experincias, atitudes, crenas e pensamentos; trechos
ou integras de documentos, atas ou relatrios de casos(Patton, 1986, p. 22 apud
Alves, 1991, p.54).
Para Alves (1991, p.55), os investigadores qualitativos compreendem
a realidade como uma construo social da qual devem participar observando o
todo, considerando os componentes de uma dada situao em suas interaes e
24
influncias recprocas, o que exclui a possibilidade de se fazer generalizaes do
tipo estatstico. Sendo assim, segundo esta autora: no se pode, no processo de
investigao, deixar de valorizar a imerso do pesquisador no contexto, em
interao com os participantes, procurando apreender o significado por eles
atribudo aos fenmenos estudados.
O foco da pesquisa qualitativa deve emergir por um processo de
induo, do conhecimento do contexto e das mltiplas realidades construdas pelos
participantes em suas influncias recprocas. O foco do estudo ser
progressivamente ajustado durante a investigao, e os dados dela resultantes sero
predominantemente descritivos e expressos atravs de palavras (ALVES, 1991).
Alves (1991) cita que para Lincoln e Guba (1985) a focalizao
atende a dois objetivos principais: estabelece os limites da investigao e orienta os
critrios de incluso e excluso, auxiliando o pesquisador a selecionar informaes
relevantes. Estes autores revelaram que no processo de focalizao se faz muito
importante o conhecimento tcito, ou seja, refere-se aquilo que o professor sabe
embora no consiga expressar sob forma proposicional.
Alm da focalizao do problema, importante a imerso do
pesquisador no contexto com uma viso geral e no enviesada do problema
considerado (ALVES, 1991).
Aps estabelecer questes relevantes para o estudo, o pesquisador
inicia a coleta sistemtica dos dados, que pode ou no ocorrer com o uso de
instrumentos auxiliares, com questionrios, roteiros de entrevistas, formulrios de
observao entre outros. Alves (1991) considera que a observao, a entrevista em
25
profundidade e a anlise de documentos so os principais instrumentos de coleta de
dados em pesquisas qualitativas.
A terceira etapa, desse tipo de pesquisa, compreende a anlise dos
dados, da qual emerge a teoria. Geralmente as pesquisas qualitativas geram uma
grande quantidade de dados que precisam ser organizados e compreendidos; isso
pode ocorrer at mesmo durante a coleta de dados, pois o pesquisador pode escolher
temas, criar interpretaes. Muitas vezes os dados da pesquisa contm citaes de
falas para ilustrar e incrementar a apresentao. Alm das citaes, os dados
podero englobar ainda, transcries, fotografias, vdeos, documentos pessoais,
entre outros registros (BOGDAN e BIKLEN, 1994). O pesquisador precisa planejar
seu estudo de modo a obter credibilidade, transferibilidade, consistncia e
confirmabilidade (ALVES, 1991).
O pesquisador para Ldke e Andr (1986) deve exercer o papel
subjetivo de participar e o papel objetivo de observador, colocando-se em uma
posio mpar para compreender e explicar o comportamento humano. Partindo de
um esquema geral de conceitos, o pesquisador procura testar constantemente suas
hipteses com a realidade observada diariamente; e, por estar inserido na realidade,
o pesquisador est apto a detectar as situaes que provavelmente lhe fornecero
dados que corroborem com suas conjecturas.
A partir dos primeiros contatos com os participantes, o pesquisador
deve-se preocupar com sua aceitao pelos sujeitos da pesquisa e decidir, at
mesmo, como e quanto se envolver nas atividades (LDKE e ANDR, 1986).
A pesquisa qualitativa, segundo Ldke e Andr (1986), pode assumir
vrias formas; o presente trabalho pode ser considerado como um estudo de caso2,
2 Pesquisadores consideram o estudo de caso como uma pesquisa etnogrfica.
26
pois contempla as caractersticas bsicas destacadas por estes autores para esse tipo
de pesquisa, uma vez que:
visam descoberta (...) enfatizam a interpretao em contexto (...)
buscam retratar a realidade de forma completa e profunda (...) usam uma
variedade de fontes de informao (...) revelam experincia vicria e
permitem generalizaes naturalsticas e (...) procuram representar os
diferentes e s vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situao
social.
Portanto, o estudo de caso, na realidade, o estudo de um caso, bem
delimitado, com contornos bem definidos ao desenvolver do estudo. No estudo de
caso, o pesquisador utiliza uma amostragem pequena, no representativa, e pode
proceder a coleta de dados utilizando instrumentos e tcnicas mais ou menos
estruturados.
A tcnica utilizada na presente pesquisa foi a observao participante,
considerada por Bogdan e Biklen (1994) uma tcnica ou um mtodo da pesquisa
qualitativa. Neste estudo o foco centra-se numa organizao particular e num caso
especfico dentro dessa organizao, ou seja, em uma professora e uma turma de
alunos do 2 Ano do Ensino Mdio.
2.4 Procedimentos de coleta e anlise de dados
Com o objetivo de investigar de que maneira as pesquisas recentes
em biologia celular e gentica molecular so abordadas em situaes de ensino e
aprendizagem, a estratgia geral de coleta de dados consistiu no acompanhamento,
durante trs bimestres, de todas as aulas de Biologia ministradas turma de alunos
27
mencionada acima, uma turma de 2 Ano do Ensino Mdio de uma escola pblica
da regio de Bauru.
A professora da referida turma foi convidada a participar da pesquisa
com sua anuncia explcita, tendo recebido, no incio, apenas informaes gerais
sobre a pesquisa (por exemplo, uma pesquisa sobre ensino de gentica), a fim de
minimizar a influncia da pesquisa sobre o seu modo de proceder; isso foi colocado
abertamente, fazendo parte integrante da negociao para obter permisso de
observao de suas aulas (antes de fazer as observaes eu no posso explicar em
detalhes o que que eu vou observar, seno te influencio, mas depois voc pode ter
acesso a todo o material - voc concorda?). Alm disso, foi garantido o anonimato
dos participantes, substituindo seus nomes por siglas do tipo P(para o professor) e
as trs primeiras letras dos nomes como NAT, MAR, etc. (para os alunos).
A anlise do processo de ensino foi baseada nas anotaes escritas
realizadas durante as aulas observadas, em questionrios de pr-teste e ps-teste
(anexo 1), em trabalhos escritos produzidos pelos alunos, tais como atividades
solicitadas pela professora e avaliaes (anexo 2), em discusses com a professora
da turma acerca de episdios de ensino selecionados, em conversas e
questionamentos realizados pelos alunos, e em entrevistas semi-estruturadas
realizadas com a professora (anexo 3).
Utilizamos, portanto, os seguintes procedimentos de recolha de dados
(Bogdan & Biklen, 1994):
observao participante, na qual o investigador introduziu-se no
mundo das pessoas que pretendia estudar no intuito de conhec-las e deixar-se
conhecer; elaborando um registro sistemtico de tudo que ouviu e observou e este
material foi complementado posteriormente com outros dados como, por exemplo,
28
registros escolares, materiais disponibilizados aos alunos pela professora,
avaliaes, fotografias. No caso do trabalho de observao de aulas, a maior parte
das anotaes foi feita durante o prprio perodo de observao, principalmente
quando se tratavam de anotaes descritivas; outras anotaes (como, por exemplo,
observaes de natureza mais reflexivas) eram feitas logo aps o trmino da aula.
entrevista em profundidade, na qual o investigador procurou
compreender, com bastante detalhe o que professores e alunos pensam sobre
determinados assuntos e como desenvolveram seus quadros de referncia; isto fez
com que o investigador passasse um tempo considervel com os sujeitos da
investigao em seu ambiente natural, elaborando questes abertas e registrando as
respostas. Pelo carter reflexivo, esse tipo de abordagem permitiu que os sujeitos
respondessem de acordo com sua perspectiva pessoal.
Nas pesquisas qualitativas, as entrevistas surgem com um formato
prprio de cada situao e podem ser utilizadas de duas formas: podem constituir a
estratgia dominante para a recolha de dados, ou podem ser utilizadas em conjunto
com a observao participante, anlise de documentos ou outras tcnicas; o
importante utilizar a entrevista para recolher dados descritivos na prpria
linguagem do sujeito. Essas entrevistas podem centrar-se em tpicos determinados
ou serem guiadas por questes gerais, o importante deixar o sujeito livre para
expor seu ponto de vista. Deve-se evitar perguntar respondidas apenas por sim
ou no (BOGDAN e BIKLEN, 1994).
No se descartou a possibilidade de se entrevistar tambm alunos,
caso a pesquisa assim o sinalizasse.
anlise documental: na qual buscou-se identificar informaes
factuais nos documentos a partir dos objetivos estabelecidos pela pesquisa. Neste
29
caso, considerou-se documentos os questionrios respondidos pelos alunos, as
avaliaes realizadas, os trabalhos escritos dos alunos e o planejamento curricular
elaborado pela professora.
De acordo com Ldke e Andr (1986, p. 39):
Os documentos constituem uma fonte poderosa de onde podem ser
retiradas evidncias que fundamentam afirmaes e declaraes do
pesquisador. Representam ainda uma fonte natural de informaes. No
so apenas uma fonte de informao contextualizada, mas surgem num
determinado contexto e fornecem informaes sobre esse mesmo
contexto.
Preparou-se a coleta de dados a partir da elaborao de um roteiro
contendo diversos aspectos para os quais desejava-se obter informaes (anexo 4).
A pretenso no era de que tal instrumento fosse um roteiro rgido a ser seguido
para a observao, mas sim possibilitar uma maior objetividade na tarefa de registrar
novas observaes.
Os dados foram analisados qualitativamente aps organizao,
categorizao e interpretao fundamentada em teorias provenientes de pesquisas
recentes sobre o ensino de Gentica e, as propostas curriculares e sobre formao
de professores discutidos nos captulos IV e V respectivamente.
30
CAPTULO III
Conforme j adiantado na Introduo, optamos por inserir no
trabalho um captulo que focalizasse brevemente a evoluo dos conhecimentos
sobre hereditariedade nos sculo XIX e XX, acreditando que um texto com tais
caractersticas forneceria uma sntese de algumas questes que podem ser objeto de
estudo dos alunos do Ensino Mdio, a fim de que estes compreendam melhor a
Cincia, seu desenvolvimento histrico, seu alcance e seus limites.
Assim, apresenta-se neste captulo um breve histrico da Gentica,
suas descobertas, a rapidez com que se processaram, sua evoluo at a Engenharia
Gentica e as implicaes nos dias atuais.
3. CONHECIMENTOS EM GENTICA GERAL, GENTICA
MOLECULAR E BIOLOGIA CELULAR: CONSIDERAES HISTRICAS
31
O surgimento da vida um tema que desperta o interesse e a
curiosidade de muitas pessoas; diversas hipteses foram formuladas por filsofos e
cientistas na tentativa de explicar como a vida surgiu no planeta Terra: at o sculo
XIX, imaginava-se que os seres vivos poderiam surgir do cruzamento entre si ou a
partir da matria bruta ou inanimada, de forma espontnea, hiptese conhecida por
abiognese ou gerao espontnea.
Mas, a teoria da abiognese foi profundamente abalada pelos
experimentos de Francesco Redi (1626-1698) em meados do sculo XVII. Este
bilogo italiano colocou pedaos de carne no interior de frascos, deixou alguns
abertos e outros fechou com uma tela; observou que as moscas eram atradas pela
carne em decomposio e essas entravam e saiam dos frascos abertos, nestes frascos
surgiram larvas que logo mais se transformaram em moscas. Concluiu, ento, que a
fonte de vida eram os seres vivos e no a matria inanimada. Este experimento
favoreceu a teoria de biognese, segunda a qual a vida se origina somente de outra
vida preexistente.
Alguns anos aps o experimento de Redi, Van Leeuwenhoeck (1632-
1723) aperfeioou o microscpio e descobriu o mundo dos microorganismos.
Observou que os microorganismos aumentavam rapidamente em nmero quando em
contato com solues nutritivas, e imaginou que a gerao espontnea fosse a
responsvel por tal proliferao. A partir disso, os adeptos da teoria da abiognese
passaram a supor que solues nutritivas poderiam gerar espontaneamente
microorganismos.
A abiognese perdurou, ento, at o sculo XIX, quando o cientista
francs Louis Pasteur (1822-1895) elaborou experimentos fortemente sugestivos da
32
inviabilidade da gerao espontnea de microorganismos, os quais tiveram grande
impacto na comunidade cientfica. A partir da, a hiptese da gerao espontnea ou
abiognese declinou rapidamente, e os cientistas convergiram para a idia de que a
vida sempre surge de uma vida preexistente.
Porm, esse modo de ver implicou que o surgimento de novos seres
obedeceria a um programa: a reproduo, que comandaria a constncia das espcies
e a variabilidade dos indivduos.
Mas de que forma a constncia das espcies era mantida? Como
ocorria a variabilidade entre indivduos de uma mesma espcie? Surge, ento, a
Gentica: a cincia da hereditariedade, o ramo da Biologia que estuda os
mecanismos de transmisso dos caracteres de uma espcie, passados de uma gerao
para outra. Esta cincia obteve um grande progresso durante o sculo XX e incio do
sculo XXI; entre seus feitos pode-se citar: a descoberta do cido
desoxirribonuclico (DNA) em 1927, esclarecimento de sua funo em 1944 e de
sua estrutura em 1953; o surgimento das bactrias manipuladas em 1970; e os
primeiros passos da terapia gentica humana em 1986.
Porm, a influncia de uma nova descoberta cientfica sobre a vida
do pblico em geral nem sempre prontamente reconhecida. Em 1953, quando
Watson e Crick elucidaram a estrutura do DNA, tal descoberta foi considerada
importante somente para aqueles cientistas diretamente envolvidos com o estudo
dessa molcula. Ainda assim esse grupo restrito no pde vislumbrar a revoluo
que, algumas dcadas depois, essa descoberta provocaria em vrias reas do
conhecimento humano. E, para a populao em geral, as aplicaes dessa nova
descoberta eram ainda menos evidentes.
33
A gentica vem, ultimamente, ocupando lugar de destaque no
apenas em clnicas ou consultrios mdicos; a possibilidade de clonar rgos, por
exemplo, desperta a ateno de juristas preocupados com os aspectos legais desses
experimentos.
Neste cenrio, podemos dizer que a Biologia deixou de ser uma
cincia puramente acadmica e passou a atrair o interesse de vrios ramos da
sociedade. A Engenharia Gentica chama a ateno de industriais, investidores,
agropecuaristas e governantes, devido a possibilidades tais como lucros rentveis ou
desequilbrios ambientes.
As discusses atuais sobre as aplicaes da tecnologia do DNA
recombinante no envolvem somente os possveis riscos casuais de acidentes
biolgicos, mas tambm concentra-se nos problemas e nas decises ticas que
devero ser discutidos e assumidos. Somente uma sociedade bem informada sobre o
assunto ser capaz de assegurar que essa tecnologia seja empregada de maneira tica
e humana.
Para Chaui (1996, p. 340) tica e moral referem-se ao conjunto de
costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, so considerados valores
e obrigaes para a conduta de seus membros; e Aurlio Buarque de Holanda
Ferreira, citado por Farah (2000, p. 237) define tica como:O estudo dos juzos de
apreciao referentes conduta humana suscetvel de qualificao do ponto de
vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo
absoluto.
A quantidade de informao produzida ao longo desses anos, a
respeito dos avanos atuais da biologia molecular, foi to grande que algum que
esteja interessado em se atualizar sobre o assunto encontrar dificuldades em
34
localizar textos compreensveis e com linguagem acessvel. Por essa razo, mesmo
entre a comunidade universitria, os conceitos bsicos da Engenharia Gentica no
foram suficientemente disseminados. Portanto, para se obter uma boa informao
sobre esse assunto preciso conhecer um pouco da histria e do contexto das
descobertas e feitos cientficos ocorridos na Gentica.
3.1 A gentica de Mendel
Yohann Mendel nasceu em 22 de julho 1822 num vilarejo, na
Moravia do Norte, em uma famlia de camponeses muito pobres; sofreu privaes
excessivas na infncia, caindo doente vrias vezes. A falta de dinheiro e sade quase
o impediu de realizar seus estudos superiores. Para contornar essas dificuldades,
resolveu ingressar no mosteiro agostiniano de So Toms de Brnn, na ustria
(atualmente Repblica Tcheca), em 1843. Ao ser admitido foi rebatizado, passando
a se chamar Gregor Mendel (RONAN, 1987).
A direo do mosteiro exigia que seus membros ministrassem aulas
nas instituies de ensino superior de Brnn, para isso, muitos monges realizavam
pesquisas cientficas com o objetivo de ilustrar suas aulas. Assim que Mendel entrou
no mosteiro, foi enviado para a Universidade de Viena a fim de terminar sua
formao. Viveu nessa cidade de 1851 a 1853, onde teve a oportunidade de conviver
com professores ilustres. Ao regressar ao mosteiro em 1854, iniciou um estudo com
o objetivo de entender as leis da hibridao das variedades de vegetais. Assim, o
monge Mendel, aos 34 anos comeou uma srie de experincias com ervilhas, as
quais durariam oito anos e envolveriam o cultivo de trinta mil plantas diferentes
seis mil s em 1860 (MASON, 1964).
35
Para realizar os experimentos, ele cruzou, em seu jardim no mosteiro,
diferentes variedades de ervilhas. Ridley (2001) relata que Mendel no era um
jardineiro amador, brincando de cientista; ele realizara experimentos slidos,
sistemticos e cuidadosamente elaborados. Seu sucesso deve-se a vrios fatores: ele
trabalhou com plantas que apresentavam caractersticas distintas e assim podiam ser
facilmente reunidas em grupos bem definidos; as ervilhas se reproduziam
rapidamente e geravam grande nmero de descendentes; havia coletado muitos
dados e utilizava a estatstica para analisar seus resultados. Alm disso, segundo
Gardner e Snustad (1987), Mendel observou que as condies do tempo, do solo e a
umidade afetavam as caractersticas de crescimento das ervilhas, mas a
hereditariedade era o principal fator sob as condies de suas experincias.
Mendel escolheu sete pares de variedades de ervilhas para cruzar.
Cruzou ervilhas lisas com rugosas, cotildones verdes com amarelos, sementes de
casca marrom com sementes de casca branca, entre outros. Em todos os casos, os
hbridos resultantes eram sempre semelhantes a um dos pais, e a natureza intrnseca
do outro genitor parecia ter desaparecido. Ento, o monge permitiu que os hbridos
se autofertilizassem, e as caractersticas que haviam desaparecido na segunda
gerao reapareceram em aproximadamente um quarto dos descendentes da terceira
gerao. Apesar disso, ele no ficou satisfeito e realizou novas experincias,
trocando as ervilhas por brincos-de-princesa, milho e outros vegetais, e encontrando
os mesmos resultados; assim, percebeu que havia verificado algo profundo sobre a
hereditariedade: as caractersticas no se misturavam, dado esse que deu origem,
anos mais tarde, lei da segregao3.
3 Lei da segregao: dois ou mais pares de fatores (genes) segregam-se independentemente durante a formao dos gametas, nos quais se recombinam ao acaso (GRIFFITHS, 2001).
36
Assim, Mendel isolou caractersticas discretas cuja hereditariedade
pde ser estudada ao longo de vrias geraes. Estas caractersticas se mostraram
governadas por unidades de hereditariedade ou fatores, os quais so atualmente
conhecidos como genes. Atravs desses trabalhos Mendel realizou uma de suas
maiores descobertas, a do gene recessivo.
O monge cientista descobriu, por exemplo, ao isolar e estudar certos
fatores (genes), que duas criaturas com as mesmas caractersticas fsicas
(fentipo), no possuam necessariamente o mesmo conjunto de fatores
(gentipo); uma destas criaturas pode ter herdado um gene diferente que no tenha
um trao visvel, mas que pode reaparecer em geraes posteriores.
Mawer (1987) relata que Mendel apresentou o resultado cientfico de
suas investigaes em duas conferncias para a Sociedade de Histria Natural de
Brnn nos dias 8 de fevereiro e 8 de maro de 1865. Existem duas verses para
esses acontecimentos. A primeira relata que as conferncias foram assistidas por um
pblico muito pequeno, o que fez com que o monge se limitasse leitura de seus
manuscritos, e, portanto, sua apresentao teria sido considerada pouco interessante.
Uma segunda verso relata que o pblico era numeroso, e ele no s apresentou seus
dados como tambm os demonstrou com frmulas matemticas.
Segundo Cruz e Silva (2002), os textos das duas conferncias foram
publicados em 1866 na revista Relatrios dos Trabalhos da Sociedade Natural de
Brnn, e algumas cpias foram enviadas para Alemanha, ustria, Estados Unidos e
Inglaterra, porm, a distribuio fora limitada e grandes cientistas da poca, como o
naturalista Charles Darwin, no tiveram acesso publicao.
Divergindo do relato acima citado, Mawer (1997) descreve que os
resumos das conferncias no passaram desapercebidos a importantes naturalistas de
37
sua poca e cpias foram enviadas para Berlim, Viena, Estados Unidos e Londres
(Royal Society e Linneam Society). Nesta mesma poca, Darwin apresentava a sua
Teoria da Seleo Natural, que atrara todas as atenes dos pesquisadores, na qual
detalhava o funcionamento do mecanismo de seleo natural. Darwin acreditava que
as caractersticas j existentes eram selecionadas pelo ambiente e, deste modo,
tentava explicar como surgiam as variaes em populaes ou como essas
caractersticas poderiam ser transmitidas de uma gerao para a seguinte.
Praticamente no mesmo ano da publicao de A origem das espcies, em 1859,
Mendel testava suas descobertas.
Alm de Mawer, muitos autores concluem que no se pode afirmar
que Darwin no possua nenhum conhecimento dos trabalhos de Mendel; na
verdade, possvel que Darwin enxergasse a teoria mendeliana como uma
explicao fixista (as mudanas de uma gerao de indivduos para outra eram
apenas aparentes, pois as caractersticas no desapareciam, ficavam apenas
ocultas em fatores que, mais adiante, voltavam a se manifestar).
Ridley (2001) relata que durante quatro anos, a partir de 1866,
Mendel enviou seus artigos e suas idias a Karl-Wilhelm Ngeli, professor de
botnica em Munique. Com nfase cada vez maior, ele tentou mostrar a importncia
do que havia descoberto. Mas, durante quatro anos, Ngeli no se deu por
convencido, e respondeu ao monge cartas educadas, condescendes, e aconselhou
Mendel a cultivar chicrias, o que fora um conselho muito prejudicial, pois,
chicrias so aponncias, ou seja, precisam de plen para se reproduzir, mas no
incorporam os genes do parceiro de polinizao e, portanto, as experincias de
cruzamento produzem resultados imprevisveis. Aps muitos esforos com chicria,
38
Mendel desistiu e voltou-se para as abelhas, mas os resultados desses experimentos
nunca foram encontrados.
Ngeli, que tinha sido aluno de Darwin, publicou um imenso tratado
sobre hereditariedade e no somente deixou de mencionar a descoberta de Mendel,
mas mencionou um exemplo como se fosse seu. Ele sabia que, se cruzasse um gato
angor com um gato de outra raa, a pelagem angor desaparecia completamente na
gerao seguinte e ressurgiria inata nos filhotes da terceira gerao; era um exemplo
muito claro de uma caracterstica condicionada por um gene recessivo. Seu livro
sobre hereditariedade foi publicado em 1884, e no cita uma nica vez Mendel, nem
mesmo no captulo dedicado hibridao. Entretanto, segundo Baptista (1989), os
trabalhos de Mendel tiveram uma certa divulgao e foram citados e analisados na
tese de doutoramento de um botnico sueco, A. Blomderg (1872), e na tese de
doutoramento de um botnico russo, I. Schmalhausen (1874); tambm so citados
na IX edio da Encyclopaedia Britnica (1881) no trabalho do botnico alemo W.
O. Focke, As plantas hbridas, de 1881; e atravs dessa obra De Vries, Correns e
Tschermak reencontraram os trabalhos de Mendel.
Gregor Mendel considerado hoje um notvel cientista, e pai da
gentica. De acordo com Gardner e Snustad (1987), Mendel no foi o primeiro a
realizar experimentos de hibridao, porm, foi o primeiro a considerar os
resultados em termos de caractersticas individuais. Seus predecessores
consideravam todos os organismos e todas as suas caractersticas observando as
diferenas dos pais e de sua prole e esqueciam-se do significado das diferenas
individuais. O monge empregou os experimentos necessrios, contou e classificou
as ervilhas resultantes dos cruzamentos, comparou as propores com modelos
matemticos e formulou hipteses para explicar os resultados que obteve.
39
Ao ser eleito abade, em 1868, foi obrigado a abandonar gradualmente
as experincias de cruzamento de plantas e muitos dos seus outros interesses. Alm
da hereditariedade, Mendel se interessou profundamente por botnica, horticultura,
geologia, meteorologia e pelo fenmeno das manchas do sol; deixou contribuies
notveis para o estudo dos tornados. Porm, as tarefas administrativas aps 1868
mantiveram-no to ocupado que ele no pode dar continuidade as suas pesquisas e
viveu o resto da vida em relativa obscuridade, morrendo em 6 de janeiro de 1884.
Em 1900 a obra do monge cientista foi revista, adquirindo a
importncia que lhe era devida. Essa valorizao ocorreu graas a trs bilogos: o
holands Hugo de Vries (1848-1935), o alemo Carls Correns (1864-1933) e o
austraco Erich Tschermak (1871-1962), que obtiveram resultados idnticos aos de
Mendel em seus experimentos e, atravs de consultas bibliogrficas, verificaram que
o trabalho do monge sobre hereditariedade tinha sido publicado 35 anos antes de
seus prprios estudos. Em sua homenagem, batizaram as leis da hereditariedade de
Leis de Mendel, que so tidas como um marco inicial de uma nova cincia que, em
1905, Willian Bateson (1861-1926) denominou Gentica, a partir de uma palavra
grega que significa gerar. Segundo Gardner e Snustad (1987), este bilogo ingls
repetiu e apoiou os princpios de Mendel e introduziu a gentica mendeliana no
mundo de lngua inglesa. A partir de ento, vrios pesquisadores se voltaram para
essa rea de estudo e fizeram com que a mesma evolusse at o nvel de
conhecimento atual.
3.2 Consideraes histricas sobre o desenvolvimento da gentica no sculo
XX
40
A cada dia a gentica enriquecida por novas descobertas e as
tcnicas de engenharia gentica apresentam um campo promissor de pesquisas.
Esses contedos recentes so de grande relevncia para a Educao Cientfica e
podem ser interessantes temas a serem abordados no Ensino Fundamental e Mdio,
pois, a partir de relatos histricos e discusses sobre conceitos cientficos, pode-se
auxiliar os alunos a melhorar suas idias sobre a cincia e mostrar que o
conhecimento cientfico no definitivo, j que as teorias aceitas hoje podero ser
substitudas amanh, e que o conhecimento cientfico construdo coletivamente e
no por alguns poucos crebros privilegiados (TRIVELATO, 1995).
As primeiras teorias a respeito da constituio das espcies e sobre a
hereditariedade comearam a ser esclarecidas aps a descoberta dos gametas
masculinos e femininos no sculo XVII. Foi o holands Van Leeuwenhoeck, em
1675, que identificou o gameta masculino atravs de uma anlise microscpica
observando, no smen de vrios animais, pequenos seres que apresentavam cabea
e cauda e se movimentavam, e os denominou animlculos, julgando-os os animais
do smen (RONAN, 1987). A partir dessas observaes, foi postulada a teoria da
preformao segundo a qual os organismos se encontravam completamente pr-
formados no interior dos gametas, eram os homnculos, ou seja, miniaturas de um
indivduo adulto (MASON, 1964).
Aps esta teoria, e substituindo-a, surgiu a teoria da epignese a
partir de afirmaes de Baer (1792-1876) sobre o surgimento dos rgos atravs de
sries graduais de transformaes originando tecidos cada vez mais especializados.
A teoria da epignese, aceita at os dias atuais prope que os tecidos e rgos so
formados ao longo do perodo de desenvolvimento embrionrio, e que o indivduo
no se encontra pr-formado no interior dos gametas.
41
Charles Darwin (1809-1882) tambm formulou uma teoria sobre a
hereditariedade, a teoria da pngenese, segundo a qual todos os rgos e
componentes do corpo humano produzem suas prprias cpias em miniatura
infinitamente pequenas, as gmulas ou pangenes. Galton (1822-1922), aps alguns
experimentos, concluiu que os pangenes no existiam e, baseando-se na idia da
herana atravs do sangue, props a teoria da herana ancestral que dizia que as
caractersticas eram transmitidas atravs do sangue e diludas em propores
definidas ao longo das geraes (RONAN, 1987).
Conforme j apontado anteriormente, uma das maiores contribuies
para a Gentica foi dada pelo monge Gregor Mendel (1822-1884). Pela escolha
criteriosa de seu material de estudo, a ervilha, que permitiu a utilizao de grandes
populaes e, portanto, o uso da estatstica, e pela expresso clara de seus resultados
e rigor matemtico, estes estudos forneceram dados que deram origem, anos mais
tarde, a Gentica Clssica. Atravs de um trabalho exaustivo, foi possvel
estabelecer que as caractersticas transmitidas hereditariamente so determinadas
por fatores presentes nas clulas sexuais que agem ao longo de toda a vida para
que o caractere se manifeste. Segundo Gurin-Marchand (1999), atravs dos
experimentos com ervilhas, Mendel havia compreendido que todas as clulas do
organismo contm dois exemplares de cada caractere hereditrio, um advindo do pai
e o outro da me, e que a cada gerao estes dois exemplares se repartem ao acaso
nas clulas sexuais. Tais descobertas revolucionariam o mundo da Biologia, porm,
esses trabalhos foram valorizados somente aps a morte do monge cientista.
Segundo Bizzo (1994) a redescoberta dos trabalhos de Mendel, em
1900, trouxe um grande incentivo para as pesquisas que procuravam localizar
experimentalmente as partculas hereditrias e, apesar da descoberta dos
42
cromossomos em 1880 e da descrio da mitose4 por Walter Flemming em 1879,
somente em 1902 Walter Sutton relaciona, pela primeira vez, o comportamento dos
cromossomos na meiose e o fenmeno da hereditariedade descrito por Mendel
cinqenta anos antes. Ele constatou que as clulas germinativas traziam apenas um
grupo de cromossomos e que estes carregariam as informaes hereditrias, ento os
gametas dos pais forneceriam, cada um, um grupo de cromossomos para formar um
ser. Sutton descreve os passos da meiose5 relacionando-os aos fenmenos de
distribuio das caractersticas descritos por Mendel (RONAN, 1987).
Para Bizzo (1994), a gentica clssica teve incio em 1908, quando
Thomas Hunt Morgan (1866-1945), considerado o pai da gentica norte-americana,
realizou estudos sobre a mosca do vinagre ou drosfila (Drosophila melanogaster),
apurando as leis de Mendel. Ele elucidou que a transmisso de alguns caracteres
genticos era determinada pelo sexo. Seus experimentos enfocavam as mutaes
que surgiam dentre as numerosas moscas de suas criaes e a transmisso dos
caracteres novos em sua descendncia, e investigaes desse tipo foram cruciais
para o estudo dos genes (GROS, 1991).
Davies (2001) descreve que as pesquisas de Morgan foram levadas
adiante por seus discpulos Alfred Sturtevant, Calvin Brigdes e Hermann Muller,
que nos cinco anos a partir de 1910, combinaram os mtodos estatsticos rigorosos
de Mendel com a anlise microscpica minuciosa de Morgan; Sturtevant, inclusive,
produziu o primeiro mapa de genes num nico cromossomo e este mapa ajudou a
estabelecer os fundamentos do Projeto Genoma Humano 75 anos mais tarde.
4 Processo de diviso celular que origina duas clulas filhas geneticamente idnticas clula me.5 Processo de diviso celular capaz de formar clulas reprodutivas que contm a metade do nmero de cromossomos das clulas somticas.
43
A partir de 1914, segundo Bizzo (1994), a teoria cromossmica j era
aceita pela maioria dos bilogos como um suporte fsico indispensvel para a
compreenso dos fenmenos hereditrios.
A publicao do livro de Morgan em 1926, The Theory of the Gene
(A teoria do Gene), assegura que a herana devida a unidades transmitidas de
genitor para filho, que se comportavam de modo ordenado e regular (BAPTISTA,
1989).
Richard Goldschimidt, em 1937, tentou definir o gene baseando-se
na ao fisiolgica de desenvolvimento do olho da Drosophila e concluiu que os
genes existiam como pontos em um cromossomo e estariam dispostos em uma
ordem certa para controlar o processo normal de desenvolvimento do olho. Deste
modo, as mutaes que resultavam em desenvolvimento ocular anormal seriam
causadas por perturbaes do arranjo correto dos genes nos cromossomos (BURNS
e BOTTINO, 1991).
Segundo Gardner e Snustad (1987), foi na dcada de 1930 que G. W.
Beadle, B. Ephurussi, E. L. Tatum, J. B. S. Haldane e outros forneceram uma base
para o entendimento das propriedades funcionais dos genes e sugeriram extenses
funcionais para o conceito clssico de gene, afirmando que os genes seriam
instrues codificadas no DNA para a sntese de protenas
A tcnica de colorao, que permitiu localizar na clula o cido
desoxirribonuclico (DNA), foi inventada em 1927 por um bilogo chamado R.
Feulgen, porm, somente em meados da dcada de 1940 que o DNA foi
identificado como portador da herana. Antes disso, acreditava-se que eram as
protenas cromossmicas que transportavam a informao gentica, pois sabia-se
44
que eram molculas complexas e biologicamente importantes, e pensava-se que o
DNA fosse uma molcula curta e simples (BURNS e BOTTINO, 1991).
Nesta mesma dcada um fsico alemo, Max Delbrck, deu incio s
pesquisas fsico-qumicas sobre os genes, fundando a gentica molecular. Ele lanou
a hiptese de que as molculas constituintes dos genes apresentavam propriedades
que permitiam a reproduo idntica dos genes. Ento, em 1944, Oswald Theodore
Avery, Colin Macleod e Maclyn MacCarty, atravs de experincias com linhagens
de bactrias, demonstraram que o DNA seria o suporte da informao gentica, ou
seja, a mensagem da herana era transportada por cidos nuclicos e no por
protenas.
Em 1948, Erwin Chargaff estudou o DNA profundamente e
demonstrou que a composio de nucleotdeos variava de uma espcie para outra, e
em todas as espcies havia uma relao quantitativa entre adenina(A) e timina (T),
citosina (C) e guanina(G) (BAPTISTA, 1989).
O DNA era, portanto, o suporte da hereditariedade, a matria dos
genes, mas faltava estabelecer a estrutura exata desta molcula, como ela se
replicava e como comandava as protenas.
Tambm em 1948, Boinvin, Vendrely e Vendrely analisaram os
ncleos das clulas de vrios rgos de boi e descobriram que o ncleo de todas as
clulas continham o mesmo contedo em DNA, que se reduzia a metade nos
espermatozides (GROS, 1991).
Em 1950, Linus Pauling e Corey criaram o modelo alfa-hlice para
representar a estrutura molecular de uma protena, tambm representaram um
modelo de estrutura do DNA com trs cadeias polinucleotdicas enroladas em torno
45
de um eixo, com as bases nitrogenadasvoltadas para o exterior da molcula
(RIDLEY, 2001).
O mistrio da replicao comeou a ser resolvido na dcada de 1950,
quando James Watson e Francis Crick, que partilhavam a convico de que o DNA
era mais importante para a hereditariedade que as protenas, e estavam obcecados
por descobrir as propriedades dos genes, elucidaram a estrutura em dupla hlice do
DNA e construram um modelo exato desta molcula, graas a estudos anteriores de
seus amigos Maurice Wilkins e Rosalind Franklin sobre o espectro de difrao de
raios X sobre filamentos de DNA.
A partir de modelos das bases nucleotdicas em cartolina, Watson
arranjou as bases em diferentes permutaes, percebeu que a timina (T) fazia par
com a adenina (A), e a citosina (C), com a guanina (G); esses pares poderiam ser
unidos por duas ligaes qumicas fracas e se juntavam dentro das colunas metlicas
torcidas do modelo da dupla hlice sugerido por Crick, de maneira que formavam
um molde para a sntese de uma nova cadeia, permitindo replicar o material gentico
(DAVIES, 2001).
Em 25 de abril de 1953, James Watson, Francis Crick, Maurice
Wilkins e Rosalind Franklin publicam na revista Nature artigos que sustentavam a
estrutura em dupla hlice para o DNA (TEIXEIRA, 2000).
Segundo este modelo, o DNA seria uma longa molcula filamentosa
formada por duas cadeias que se torciam uma sobre a outra, formando uma dupla
hlice, como uma escada em caracol. Cada cadeia (ou fita) da dupla hlice seria
constituda pelo encadeamento de unidades nucleotdicas formadas por um acar (a
desoxirribose), um grupo fosfato, e uma base nitrogenada (adenina, citosina,
46
guanina e timina); as duas cadeias se uniriam atravs de pontes de hidrognio que
estabeleceriam a coeso das duas fitas.
Segundo Ridley (2001) muitos anos de confuso seguiram
descoberta da estrutura do DNA; tinha-se a certeza que a afirmao estava
armazenada num cdigo de quatro letras (A, T, C, G), mas no se sabia como o gene
se expressava. Crick queria deduzir o cdigo gentico e tentou isso de vrias formas,
at que props que um cdigo de quatro letras resultava em um alfabeto de vinte
letras, porm, relatou que os argumentos empregados nesta deduo eram precrios
e puramente tericos. Logo mais se verificou que haveria um intermedirio entre a
seqncia de aminocidos ao longo da protena e a seqncia de nucleotdeos
encontrada no DNA, e esse foi o primeiro passo para a compreenso da complexa
sntese de protenas (RIDLEY, 2001).
Em 1956, Jo Hin Tjio e Albert Levan anunciaram que os seres
humanos possuam 46 cromossomos; esses e outros pesquisadores desenvolveram
mtodos aperfeioados que tornaram possveis as observaes dos cromossomos
humanos ao microscpio, e isso muito auxiliou na compreenso de distrbios
genticos humanos; assim, em 1959, Jrme Lejeune e Marthe Gauthier mostraram
pela primeira vez que os portadores da sndrome de Down possuam 47
cromossomos.
Ainda no se sabia se eram os genes que sintetizavam diretamente as
protenas. Ento em 1961 Brener e seus colaboradores reconheceram que as
instrues no cdigo gentico eram transportadas para fora do ncleo da clula por
uma cadeia transitria de cido ribonuclico (RNA); este RNA seria um mensageiro
que transportava a informao para o ribossomo, onde seria lida para gerar uma
protena. O RNA seria formado por uma nica fita e cada nucleotdeo seria
47
composto por um acar (a ribose), um fosfato e uma base nitrogenada (adenina,
guanina, citosina e uracila). A identificao do RNA mensageiro forneceu a chave
para decifrar o cdigo gentico. Utilizando esses dados, Nirenberg produziu o
primeiro RNA sinttico, feito inteiramente da base uracil, que usada no RNA
sempre que encontra a adenina no DNA, produzindo uma protena composta
inteiramente de um nico aminocido, a fenilalanina.
Nessa mesma poca, os bilogos Sidney Brenner, James Watson,
George Gamov e Marshall Nirenberg, liderados por Francis Crick, estabelecem o
princpio: segundo o qual DNA produz RNA que produz protena.
A partir da observou-se uma verdadeira revoluo tecnolgica na
Biologia Molecular, tendo incio, segundo Wilkie (1994), quando Hamilton Smith
da Universidade de Johns Hopkins, em Baltimore, isolou na bactria Hemophilus
influenzae uma enzima que agia como uma tesoura molecular, reconhecendo uma
seqncia especfica de pares de base e cortando os fragmentos de DNA sempre no
mesmo local. Nesta mesma poca, foi criada a tcnica de eletroforese em gel que
permitia ordenar os fragmentos de DNA segundo seu comprimento. Assim, os
cientistas passaram a dispor de uma forma de identificar um trecho especfico de
DNA.
Andr Lwoff, Franois Jacob e Jacques Monod descreveram, em
1965, os mecanismos relacionados com a ativao de genes (GROS, 1991).
O primeiro DNA recombinante foi construdo em 1970, ano de incio
da revoluo tecnolgica da biologia molecular, por Paul Berg, da Universidade de
Standford na Califrnia, auxiliado por David Jackson e Robert Symons. Eles
emendaram um pedao de DNA bacteriano ao de um pequeno vrus animal,
produzindo um DNA quimrico. Essa construo foi um sucesso, mas eles no
48
sabiam como multiplic-la e mant-la em grandes quantidades. Esse problema foi
resolvido, em 1973 quando Stanley Cohen, da Universidade de Standford,
Califrnia, e Herbert Boyer, de So Francisco, criaram novas possibilidades para a
construo de uma molcula de DNA recombinante em um tubo de ensaio. Desta
forma, seria possvel isolar um trecho de DNA, inseri-lo em uma bactria para
multiplic-lo e obter grande quantidade de exemplares idnticos ao fragmento de
origem, os clones (POLLACK, 1997).
A tecnologia do DNA recombinante ou Engenharia Gentica
permitiria otimizar e incrementar caractersticas presentes nos organismos ou for-
los a produzir novas substncias de interesse.
3.3 Avanos recentes em biologia celular e molecular
A engenharia gentica foi definida, no comeo da dcada de 1970,
como sendo tcnicas de transferncia de um gene de um organismo a outro por meio
de um vetor com a possibilidade de replicao e expresso; assim formava-se um
DNA recombinante.
Conforme mencionado anteriormente, em 1973, Stanley Cohen da
Universidade de Standford, na Califrnia, juntamente com Herbert Boyer, de So
Francisco, constroem um DNA recombinante com fragmentos de dois plasmdeos
(DNA circular encontrado em bactrias) e o introduz em clulas da Escherichia coli.
medida que estas clulas se multiplicavam, o DNA recombinante era multiplicado
juntamente com o DNA bacteriano - surge, ento, a tcnica do DNA recombinante
(POLLACK, 1997). A partir disso foi possvel inserir genes de insulina humana em
bactrias Escherichia coli, desenvolv-las em cultura e colher a insulina humana
49
pura (FARAH, 2000). Esta insulina foi liberada para o consumo humano pelo
Ministrio da Sade dos Estados Unidos da Amrica em 1982.
A primeira protena obtida pela expresso de um DNA recombinante
foi a somatostatina, em 1976, produzida pelos cientistas Keiich Itakamuta, Herb
Boyer, Francisco Bolvar e colaboradores. Esses cientistas montaram em Genebra
uma das principais companhias de biotecnologia, a Gentech, e dois anos depois
anunciaram xito na produo do hormnio do crescimento (WILKE, 1994). Isto
tornou o uso da biologia molecular na indstria uma realidade. Em 1984 foi
aprovada para ser produzida em escala industrial, por meios de tcnica de
engenharia gentica, a insulina humana, utilizada no tratamento de diabetes.
Atualmente, as tcnicas de DNA recombinante ou engenharia
gentica so utilizadas como base em muitas indstrias, na produo de raros e
valiosos frmacos - muitos deles baseados em receitas tomadas diretamente do DNA
humano -, no diagnstico de vrias doenas genticas ou na produo de gneros
alimentcios.
Tais tcnicas passaram a ser intensamente utilizadas a partir de 1978,
quando uma equipe de pesquisadores liderada por Tom Maniatis anunciou que havia
criado uma biblioteca de genes humanos, cortando o DNA humano com enzimas
de restrio, inserindo os fragmentos em bacterifagos vetores e cultivando-os em
Escherichia coli.
A partir de 1980, o processo de seqnciamento do DNA foi
automatizado inicialmente por Leory Hood, do Instituto de Tecnologia da
Califrnia, e uma nova tcnica permitiu produzir bilhes de cpias de um nico
fragmento de DNA, sem o incmodo de introduzi-lo num vetor por meio de
engenharia gentica e multiplic-lo em bactrias (BURNS e BOTTINO, 1991). Tal
50
fato favoreceu o interesse em se tentar obter a seqncia completa do genoma
humano. Em 1986, o Projeto Genoma Humano foi proposto, sendo lanado
oficialmente em outubro de 1990, com os objetivos de mapear e seqenciar todos os
genes presentes no genoma humano (FARAH, 2000).
Em 26 de junho de 2000, cinco anos antes do previsto, ocorreu o
anncio conjunto, entre a empresa privada norte-americana Celera, o governo norte-
americano e o governo ingls, do seqenciamento completo de DNA humano.
A engenharia gentica possibilitou tambm a modificao, ou a
manipulao gentica, de plantas e animais, uma prtica to antiga quanto a prpria
civilizao. Antes da existncia dessas tcnicas, um organismo era melhorado por
meio de selees longas e caras. Selecionar as sementes mais convenientes para o
plantio na prxima safra no deixa de ser um experimento gentico, mesmo antes
que os agricultores tivessem conscincia disso.
Das mutaes que ocorrem casualmente em plantas e animais, o
homem tem selecionado aquelas que lhe so teis ou interessantes e, por meio de
engenhosos esquemas de cruzamento, essas caractersticas tm sido preservadas e
estabelecidas. Dessa forma, a manipulao gentica dos seres vivos tem sido
realizada pela seleo de determinados fentipos. A seleo cumulativa de
caractersticas desejveis, gerao aps gerao, originou a diversidade hoje
observada nos animais domsticos e nas plantas cultivadas. A batata, o milho, o
feijo e outros tipos de alimentos foram sofrendo processos de melhoramento ou
aperfeioamento gentico que permitiram torn-los no s mais agradveis ao
paladar, como tambm mais nutritivos e, em alguns casos, transform-los em
alimentos ricos e saudveis, como o caso da batata e do feijo.
51
Segundo Farah (2000), inicialmente o processo de melhoramento
gentico era realizado de modo emprico. Entretanto, aps a Segunda Guerra
Mundial, a melhor compreenso dos princpios genticos de plantas e animais
atingiu um nvel profissional e, com isso, inmeros sucessos foram alcanados.
Surgiram, ento, as plantas e animais geneticamente modificados e os organismos
transgnicos. importante ressaltar que nem todos os produtos geneticamente
modificados so considerados produtos transgnicos, pois podem apenas ter sofrido
alterao no seu DNA sem ter tido a incorporao de genes de uma espcie distinta.
De acordo com Farah (2000, p. 271): Transgnico um termo usado para designar
um organismo que carrega um gene exgeno incorporado de forma estvel em seu
genoma, tanto nas clulas somticas como germinativas, o qual se expressa em um
ou mais tecidos, e transmitido para as geraes futuras segundo as leis de
Mendel. O termo transgnico foi utilizado pela primeira vez por Jon Gordon e
Frank Ruddle em 1982.
O primeiro organismo transgnico espetacular foi um camundongo
gigante criado por Palmitter, Brinster e Hammer nos Estados Unidos, em 1982, e a
primeira planta transgnica data de 1983. Experimentos liderados pelo Dr. Roger
Beachy, da Universidade de Washington, em 1986, em plantas de tabaco, visavam
criar plantas transgnicas resistentes a vrus.
Em maio de 1994, foi lanado, no mercado americano, um fruto da
biotecnologia, desenvolvido pela companhia Calgene: o tomate Flavr-Savr, que
amadurecia mais lentamente que o tomate natural; este produto foi considerado to
seguro que no exigia uma etiqueta que o discriminasse como sendo um produto
criado pela engenharia gentica (FARAH, 2000). Somente em 1997, treze milhes
de hectares foram cultivados com plantas geneticamente modificadas em todo o
52
mundo e, no ano de 1998, aproximadamente cinqenta dessas plantas receberam
autorizao para serem comercializadas.
Segundo Farah (2000), apesar da grande campanha contrria
realizada pelos ambientalistas, a biotecnologia de plantas continua se
desenvolvendo. Apenas nos Estados Unidos, no ano de 1994, existiam 486 campos
de testes de plantas transgnicas e, no Canad, no incio de 2000, 43 produtos
agrcolas criados pela engenharia gentica, como milho, canola, batata, tomate,
abbora, soja e algodo, receberam aprovao para serem comercializados.
Alm de estudos com plantas e animais, reina hoje uma intensa
atividade na rea da transferncia de genes para o homem: a terapia gnica e
diversas tecnologias que tm, em comum, um novo conceito teraputico, ou seja, a
introduo de material gentico para atuar na causa fundamental da doena, o gene.
Tais processos se baseiam no reparo ou substituio de um gene defeituoso visando
o tratamento e a cura de uma doena atravs da transferncia de genes s clulas
somticas, ocasionado apenas modificaes no transmissveis descendncia.
Embora esta seja a possibilidade terica mais promissora para o tratamento das
doenas genticas, muitas dificuldades tcnicas ainda devero ser superadas antes
que a transferncia de genes para clulas somticas humanas, com fins teraputicos,
torne-se uma rotina.
As primeiras tentativas de transferncia de genes, audaciosas e
ilegais, foram realizadas nos Estados Unidos a partir de 1973. Elas fracassaram, mas
tiveram o mrito de evidenciar a complexidade do empreendimento, assim como a
necessidade de estabelecer relaes multidisciplinares e leis que protegessem os
pacientes contra protocolos teraputicos precipitados e pouco rigorosos. Foi
decidido, desde ento, que todos os projetos seriam submetidos a instncias
53
encarregadas de analisar a qualidade dos protocolos e as condies de sua aplicao.
Essa preocupao iniciou-se no ano de 1975, quando foi organizada a Conferncia
de Asilomar, proposta pelo bioqumico Paul Berg, da Universidade de Stanford,
realizada no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Essa Conferncia reuniu
cientistas do mundo todo no Centro de Convenes de Asilomar, com a finalidade
de se debaterem exausto os riscos e as medidas de preveno, entre outros,
quanto possibilidade de "criao de novos bitipos nunca antes vistos na
natureza", em experimentos de manipulao gentica.
Esta reunio cientfica decorreu da proposta de moratria nas
pesquisas que envolvessem manipulao gentica, realizada em 1974 por um grupo
de pesquisadores, proposta esta que foi publicada simultaneamente nas revistas
Nature e Science.
Durante esta conferncia, ficou decidido que as experincias
envolvendo tcnicas de DNA recombinante deveriam se enquadrar em severas
medidas de segurana (FARAH, 2000).
A reunio de Asilomar um marco na histria da tica aplicada
pesquisa, pois foi a primeira vez em que se discutiram os aspectos de proteo aos
pesquisadores e demais profissionais envolvidos nas reas onde se realizava a
pesquisa. Alm disso, foi ali promulgada a necessidade de se manterem sob
rigorosas condies de proteo e de isolamento todos os experimentos de
recombinao gentica e organismos deles resultantes, pelo tempo necessrio
produo de certezas de que no seriam nocivos humanidade e ao meio ambiente.
A partir dessa Conferncia, foram estabelecidos novos modelos e
procedimentos normativos, visando o controle de possveis riscos advindos desta
nova tecnologia. Foram estabelecidas tambm as primeiras regras para o controle de
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riscos da tecnologia do DNA recombinante estabelecidas pelo Instituto de Sade dos
Estados Unidos (National Institute of Health- NIH). Essas regras foram norteadoras
dos procedimentos de avaliao de risco para novos produtos biotecnolgicos e
estabelecidas, posteriormente, em todo o mundo, objetivando o desenvolvimento
seguro desta tecnologia e a incorporao de seus benefcios pela sociedade.
Igual regulamentao ocorreu em relao s plantas e animais
transgnicos a fim de minimizar os possveis riscos sade humana ou impactos
indesejados ao ambiente. Uma vez que o transgnico criado no laboratrio, so
necessrios testes de campo para comprovar sua segurana antes da liberao do
produto para fazendeiros e criadores.
As restries s plantas transgnicas variam de pas para pas. A
Europa, por exemplo, mais resistente a aceitar a biotecnologia de plantas do que os
Estados Unidos. A Comunidade Europia, em dezembro de 1994, votou a favor de
serem realizados testes de alguns produtos em escala limitada, porm baniu o uso
comercial desses produtos at 1999.
Em decorrncia disso, promoveu-se uma moratria ao uso dos
processos da engenharia gentica at a obteno de tcnicas que no trouxessem
riscos ao homem e ao meio ambiente. No Brasil, aps intensos debates, foram
propostas normas e leis de biossegurana, estabelecidas pela Comisso Tcnica
Nacional de Biossegurana (CTNBio).
Segundo Farah (2000), os testes de campo apontaram riscos muito
baixos, porm, as pesquisas sobre segurana encontram-se no incio e muitas
questes ainda no foram respondidas. Entretanto, de acordo com a autora, em
alguns pases a preocupao com o meio ambiente est relegada a um segundo plano
diante das necessidades de aumento da produo, como o caso da China, que tem
55
se declarado disposta a assumir alguns riscos, e realiza testes em milhares de
hectares com plantas transgnicas