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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE HIDRÁULICA E SANEAMENTO CENTRO DE RECURSOS HÍDRICO E ECOLOGIA APLICADA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA ENGENHARIA AMBIENTAL GUILHERME CASONI DA ROCHA AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ESTROGÊNICA DAS ÁGUAS DO RIO PARAÍBA DO SUL São Carlos 2012

Avaliação Da Atividade Estrogênica Das Águas Do Rio Paraíba Do Sul - Tese Guilherme Casoni Da Rocha

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Avaliação de quais substâncias presentes na água, estão causando as alterações endócrinas nos peixes

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE SO CARLOS

    DEPARTAMENTO DE HIDRULICA E SANEAMENTO CENTRO DE RECURSOS HDRICO E ECOLOGIA APLICADA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA ENGENHARIA AMBIENTAL

    GUILHERME CASONI DA ROCHA

    AVALIAO DA ATIVIDADE ESTROGNICA DAS GUAS DO RIO PARABA DO SUL

    So Carlos

    2012

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    GUILHERME CASONI DA ROCHA

    AVALIAO DA ATIVIDADE ESTROGNICA DAS GUAS DO RIO PARABA DO SUL

    Tese apresentada Escola de

    Engenharia de So Carlos, da

    Universidade de So Paulo para

    obteno do ttulo de Doutor em

    Cincias da Engenharia Ambiental

    Orientadora: Profa. Dra. Eny Maria

    Vieira

    So Carlos

    2012

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    GUILHERME CASONI DA ROCHA

    AVALIAO DA ATIVIDADE ESTROGNICA DAS GUAS DO RIO PARABA DO SUL

    Tese apresentada Escola de

    Engenharia de So Carlos, da

    Universidade de So Paulo para

    obteno do ttulo de Doutor em

    Cincias da Engenharia Ambiental

    Orientadora: Profa. Dra. Eny Maria

    Vieira

    So Carlos

    2012

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    Autorizo a reproduo total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que

    citada a fonte.

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    ROCHA, G. C. AVALIAO DA ATIVIDADE ESTROGNICA DAS GUAS DO RIO PARABA DO SUL. Tese apresentada Escola de Engenharia de So Carlos, da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor

    em Cincias da Engenharia Ambiental

  • 5

    Dedico aos meus pais, Ivete e Jos por tudo o que fizeram por mim at hoje e por serem responsveis pela minha formao, aos meus irmos Gustavo e Mariana, minha av Maria, ao meu av Elvino (in memoriam), aos meus avs Joo e Ana Auta, minha grande namorada Paulinha por todo o apoio, pacincia, companheirismo e carinho e ao amigo Ozzy.

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    Dedico aos meus pais, Ivete e Jos por tudo o que fizeram por mim at hoje e por serem responsveis pela minha formao, aos meus irmos Gustavo e Mariana, minha av Maria, ao meu av Elvino (in memoriam), aos meus avs Joo e Ana Auta, minha grande namorada Paulinha por todo o apoio, pacincia, companheirismo e carinho e ao amigo Ozzy.

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    AGRADECIMENTOS

    Dra. Eny Maria Vieira, pela oportunidade, orientao, pacincia e dedicao. amiga Daniela Cordeiro por toda a ajuda com as anlises de gua. amiga Luciana Teresa Dias Cappelini pelas analises cromatogrficas. Ao amigo Egberto da Fonseca Casazza pela ajuda no desenvolvimento dos mapas. Renata Pereira pela amizade e horas e horas de laboratrio. Ao amigo Raphael Teixeira Verbinnen pela ajuda no laboratrio. Ao amigo Dr. Ricardo Luvizotto Santos pela grande colaborao. Dra. Adriana S. Marcantonio pelo auxlio na conduo do experimento no Laboratrio Experimental do Setor de Aquicultura do Polo Regional do Vale do Paraba. Dra. Katia Cristina Barbaro e Dra. Claudia Maris Ferreira Mostrio, por todo o ensinamento, desde a iniciao cientfica. Aos amigos da Rep. Morada do Escorpio: Ubarana, Maranho, Claudinei, Marcio, Kenji, Yuri, Ricardo, Mateus... A todos aqueles que de alguma forma colaboraram para a realizao deste trabalho. Ao Instituto de Qumica de So Carlos da Universidade de So Paulo pelo auxlio e colaborao. Ao Polo Regional do Vale do Paraba pelo auxlio e colaborao. Ao Programa de Ps-Graduao em Cincias da Engenharia Ambiental pela oportunidade. Fundao de Amparo Pesquisa (FAPESP) pela concesso da bolsa de doutorado e pelo auxilio financeiro. Ao CNPq pela concesso da bolsa de doutorado.

  • 7

    RESUMO

    ROCHA, G. C. Avaliao da Atividade Estrognica das guas do Rio Paraba do Sul. 2012. 173f. Tese (Doutorado em Cincias da Engenharia Ambiental) Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2012.

    A poluio da gua doce no estado de So Paulo ocorre por diversas causas. Entre

    elas est a ineficincia do servio de tratamento de esgoto sanitrio. Alguns

    componentes do esgoto sanitrio so desreguladores endcrinos, entre eles esto

    os hormnios naturais e sintticos excretados pelos seres humanos. Estas

    substncias causam modificaes no sistema reprodutivo como, por exemplo,

    cncer, feminizao, alteraes na transcrio gentica, alterao nas gnadas,

    induo sntese de vitelogenina, entre outros. O objetivo desse trabalho foi testar a

    atividade endcrina das guas do rio Paraba do Sul, em Pindamonhangaba, SP.

    Para tanto, amostras de gua do rio foram utilizadas para a quantificao dos

    hormnios, 17-etinilestradiol, 17-estradiol e levonorgestrel por meio da tcnica de

    cromatografia lquida de alta eficincia (HPLC). Alm disso, foram realizados testes

    crnicos com peixes (Danio rerio) no interior do rio e em laboratrio, e uma posterior

    quantificao de vitelogenina. Os resultados no indicaram concentraes

    detectveis dos hormnios pelo mtodo empregado. Entretanto, foi detectada a

    induo de vitelogenina nos machos de Danio rerio. Esse fato indica a atividade

    estrognica da gua utilizada. So necessrios outros estudos para a avaliao de

    quais substncias presentes na gua, esto causando as alteraes endcrinas nos

    peixes, entre eles a utilizao de ndices para priorizar o local inicial dessas

    pesquisas. Esses estudos so importantes para a conservao da biodiversidade

    aqutica do rio Paraba do Sul.

    Palavras-chave: Danio rerio. 17-etinilestradiol. 17-estradiol. Levonorgestrel. Vitelogenina.

  • 8

    ABSTRACT

    ROCHA, G. C. Evaluation of estrogenic activity in water samples from Paraiba do Sul River. 2012. 173f. Tese (Doutorado em Cincias da Engenharia Ambiental) Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2012.

    Freshwater pollution in So Paulo state, Brazil, occurs due a several reasons.

    Among them there is the inefficiency of the sewage treatment service. Some sewage

    components are endocrine disrupters, including natural and synthetic hormones

    excreted by humans. These substances cause modification on reproductive system

    such as cancer, feminization, gene transcription and gonad alterations, vitellogenin

    synthesis induction, among others. The aim of this work was to evaluate the

    endocrine activity of the river Paraba do Sul, at Pindamonhangaba city, Brazil. For

    this, river water samples were collected for the quantification of the hormones, 17-

    etinylestradiol, 17-estradiol and levonorgestrel by high performance liquid

    chromatography (HPLC). Furthermore, chronic assays were performed with fish

    (Danio rerio) into the river and in the laboratory, following quantification of biomarker

    vitellogenin. The studied hormones were not detected by employed methods.

    However, induction of vitellogenin in male of Danio rerio was detected indicating

    estrogenic activity of water. Further studies are necessary for the assessment of

    which substances into the water are causing the endocrine disruption in fish. These

    studies are important for the preservation of aquatic biodiversity of the Paraiba do Sul

    River.

    Keywords: Danio rerio. Hormone, 17-ethinylestradiol. 17-estradiol. Levonorgestrel. Vitellogenin.

  • 9

    SUMRIO 1 INTRODUO................................................................................... 1

    2 OBJETIVOS....................................................................................... 2

    3 REVISO DA LITERATURA............................................................. 4

    3.1 Poluio............................................................................................. 4

    3.2 Contaminantes emergentes............................................................... 9

    3.2.1 Desreguladores endcrinos............................................................... 10

    3.3 Estudos com desreguladores endcrinos em ambientes aquticos.. 13

    3.4 Hormnios sintticos e naturais e sua ocorrncia em ambientes

    aquticos...........................................................................................

    14

    3.4.1 Origem dos principais hormnios e naturais sintticos que ocorrem

    em ambientes aquticos....................................................................

    15

    3.5 Organismos teste e biomarcadores de desreguladores endcrinos. 19

    3.5.1 Vitelogenina....................................................................................... 20

    3.6 Efeitos dos desreguladores endcrinos nos organismos vivos......... 21

    3.7 Conservao da biodiversidade em guas continentais................... 26

    3.8 reas crticas..................................................................................... 28

    3.8.1 Mapeamento...................................................................................... 28

    3.8.2 reas potencialmente crticas no Brasil............................................. 29

    4 MATERIAIS E MTODOS................................................................. 35

    4.1 Validao de mtodo para a quantificao dos hormnios

    sintticos 17-etinilestradiol e levonorgestrel e do hormnio natural

    17-estradiol utilizando-se cromatografia liquida de alta eficincia

    (HPLC)...............................................................................................

    35

    4.1.1 Condies cromatogrficas para a determinao dos hormnios

    em estudo.........................................................................................

    35

    4.1.2. Validao do mtodo para determinao dos hormnios em estudo 36

    4.2 Identificao e quantificao dos hormnios sintticos 17-

    etinilestradiol e levonorgestrel e do hormnio natural 17-estradiol

    e de amostras do rio Paraba do Sul.................................................

    38

    4.3 Coleta das amostras de gua no rio Paraba do Sul......................... 40

    4.4 Testes com Danio rerio...................................................................... 45

    4.4.1 Aclimatao dos exemplares de Danio rerio utilizados nos testes

  • 10

    com gua do rio Paraba do Sul........................................................ 45

    4.4.2 Teste crnico in situ com Danio rerio em tanques rede mantidos no

    rio Paraba do Sul..............................................................................

    45

    4.4.3 Teste crnico ex situ com Danio rerio............................................... 46

    4.5 Determinao da concentrao de vitelogenina em peixes.............. 49

    4.6 Estudo de dados referentes potencial contaminao de gua

    com desreguladores endcrinos de 12 municpios localizados na

    bacia do rio Paraba do Sul...............................................................

    52

    4.6.1 ndice de Prioridade dos Municpios IPM....................................... 56

    5 RESULTADOS E DISCUSSO......................................................... 60

    5.1 Validao de mtodo analtico para a quantificao dos hormnios

    sintticos 17-etinilestradiol e levonorgestrel e do hormnio natural

    17-estradiol utilizando-se cromatografia liquida de alta eficincia

    (HPLC)...............................................................................................

    60

    5.2 Identificao e quantificao dos hormnios sintticos 17-

    etinilestradiol e levonorgestrel e do hormnio natural 17-estradiol

    e de amostras do rio Paraba do Sul atravs de anlise

    cromatogrfica...................................................................................

    72

    5.2.1 Levonorgestrel................................................................................... 72

    5.2.2 17-estradiol...................................................................................... 78

    5.2.3 17-etinilestradiol............................................................................... 82

    5.3 Testes com Danio rerio...................................................................... 88

    5.3.1 Aclimatao dos exemplares de Danio rerio utilizados nos testes

    com gua do rio Paraba do Sul........................................................

    88

    5.3.2 Teste crnico ex situ com espcie de peixe Danio rerio................... 89

    5.3.3 Teste crnico in situ com Danio rerio em tanques rede mantidos no

    rio Paraba do Sul..............................................................................

    94

    5.3.4 Determinao da concentrao da vitelogenina em Danio rerio

    utilizados nos testes crnicos ex situ e in situ...................................

    96

    5.3.5 Comparao dos testes in situ e testes ex situ................................. 125

    5.4 Estudo de dados referentes potencial contaminao de gua

    com desreguladores endcrinos de 12 municpios localizados na

    bacia do rio Paraba do Sul...............................................................

    127

  • 11

    5.4.1 Qualidade de gua............................................................................ 128

    5.4.2 Populao total, Razo de Sexos e Taxa Geomtrica de

    Crescimento Anual da Populao.....................................................

    135

    5.4.3 Produo Pecuria (bovinos, sunos e ovinos)................................ 137

    5.5 ndice de Prioridade dos Municpios IPM...................................... 145

    6 CONCLUSES.................................................................................. 149

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 151

  • 1

    1 INTRODUO Os seres humanos so expostos a milhares de produtos qumicos ao

    longo de sua vida. Esse contato se d em geral atravs do ar, gua e alimentos.

    Muitos desses compostos podem ser txicos e ter como efeito a alterao do

    sistema endcrino (SCHUG et al., 2011).

    Destaca-se a importncia da obteno do conhecimento com relao aos

    efeitos causados por substncias que possuem atividade estrognica e so

    constantemente utilizadas e lanadas ao ambiente atravs do esgotamento dos

    efluentes de atividades antrpicas, como o caso dos hormnios naturais e

    sintticos. Com isso pretende-se indicar efeitos provocados por substncias

    desreguladoras endcrinas na fauna aqutica e assim, contribuir com

    informaes que permitam identificar o problema.

    De acordo com a prpria legislao brasileira, Resoluo CONAMA 357,

    em seu captulo IV inciso 1: O efluente no dever causar ou possuir potencial

    para causar efeitos txicos aos organismos aquticos no corpo receptor, de

    acordo com os critrios de toxicidade estabelecidos pelo rgo ambiental

    competente (BRASIL, 2005). Alm dos possveis riscos sade da populao,

    outros problemas podem ser detectados em relao aos estoques naturais de

    peixes, devido ao processo de feminizao, que pode existir em locais

    contaminados.

    O Brasil tem a obrigao de cumprir as metas propostas pela Conveno

    sobre Diversidade Biolgica (UICN; WWF-BRASIL; IP, 2011). Portanto aes

    para que a Meta 08 (controle de poluio das guas) se concretize devem ser

    tomadas, dentre as quais o monitoramento dos cursos dgua.

    O desenvolvimento econmico do Brasil proporciona uma condio

    semelhante encontrada em pases ricos, a grande gerao de efluentes

    oriundos de aes antrpicas. Entretanto, h uma diferena importantssima

    entre as duas situaes, enquanto em pases desenvolvidos esse efluente

    devidamente tratado, no Brasil no ocorre o mesmo (LEUSCH et al., 2006). Por

    este motivo h uma grande contaminao de nossos corpos dgua com

    1

  • 2

    poluentes, muitos deles possuidores de ao endcrina mesmo que em

    pequenas quantidades.

    Quando se analisa essa situao, e se avaliam regies com grande

    concentrao populacional, conseqentemente tem-se a presena de

    hormnios, como o potente e mais abundante estrognio de ocorrncia natural

    nos seres humanos, o17-estradiol. Da mesma forma, devido aos mtodos

    anticoncepcionais utilizados em larga escala pela populao feminina, h a

    contaminao dos efluentes sanitrios pelos estrognios sintticos como, por

    exemplo, um dos mais consumidos, o 17-etinilestradiol (em muitos casos

    associado ao levonorgestrel), que produzido a partir do 17-estradiol, este

    hormnio tambm utilizado em terapias de reposio hormonal (KHANAL et

    al., 2006).

    Devido a essa contaminao contnua dos efluentes sanitrios por

    hormnios sintticos e naturais, associado aos baixos ndices de tratamento,

    necessrio que existam estudos referentes situao (qualidade) das guas dos

    rios onde esses contaminantes so despejados, como o caso do rio Paraba

    do Sul. At mesmo porque, a exposio da populao humana a essas

    substncias pode estar relacionada ao aumento dos casos de diversos

    problemas de sade publica tais como, sndrome de disfuno testicular, cncer

    nos testculos, criptorquidia, hipospadia, entre outros (SHARPE; IRVINE, 2004;

    SAFE, 2004, SLOWIKOWSKA-HILCZER, 2006). O municpio de

    Pindamonhangaba localiza-se jusante de 3 municpios com populaes

    expressivas (comparadas aos outros municpios do Vale do Paraba), Jacare,

    Taubat e principalmente So Jos dos Campos, sendo um local estratgico

    para se avaliar os efeitos causados pela poluio montante, gerada pelo

    efluente sanitrio lanado no rio Paraba do Sul e seus afluentes.

    2

  • 3

    2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral O presente estudo tem como objetivo avaliar a atividade estrognica das

    guas do rio Paraba do Sul em dois trechos localizados no municpio de

    Pindamonhangaba, Estado de So Paulo.

    2.2 Objetivos especficos

    Validar mtodo para a quantificao dos hormnios sintticos 17-etinilestradiol

    e levonorgestrel e do hormnio natural 17-estradiol;

    Identificar e quantificar os hormnios sintticos 17-etinilestradiol e

    levonorgestrel e o hormnio natural 17-estradiol em amostras de gua do rio

    Paraba do Sul;

    Realizar teste crnico com Danio rerio em tanques rede mantidos no rio Paraba

    do Sul;

    Realizar teste crnico com peixe Danio rerio, em laboratrio com a utilizao de

    amostras de gua do rio Paraba do Sul;

    Quantificao da protena vitelogenina (VTG) nos peixes da espcie Danio rerio;

    Estudo de dados referentes potencial contaminao de gua com

    desreguladores endcrinos de 12 municpios localizados na bacia do rio Paraba

    do Sul

    3

  • 4

    3 REVISO DA LITERATURA 3.1 Poluio

    A urbanizao em grande escala, em conjunto com o grande nmero de

    cidades, principalmente em pases em desenvolvimento econmico, traz em

    muitos casos, um desenvolvimento no ordenado dessas comunidades e

    conseqentemente, a elevao do risco sade de seus habitantes (GRAHAM

    et al., 2004). O crescimento no ordenado das cidades causa a elas grandes

    problemas decorrentes da falta de planejamento, essas dificuldades so de

    ordem administrativa e financeira. A adequao de servios essenciais como,

    por exemplo, saneamento bsico, distribuio de gua, coleta e destinao do

    lixo, sade, moradia, entre outros, feita de maneira pontual, o que eleva os

    riscos de problemas populao e ao meio ambiente (GOUVEIA, 1999).

    Entre as conseqncias da falta ou ineficincia dos servios bsicos

    anteriormente citados, destaca-se a poluio dos diversos ambientes, aqutico,

    terrestre e areo.

    De acordo com o regulamento da Lei Estadual 997, de 31 de maio de

    1976 (SO PAULO, 1976), que dispe sobre a preveno e o controle da

    poluio do meio ambiente no Estado de So Paulo, considera-se poluente toda

    e qualquer forma de matria ou energia lanada ou liberada nas guas, no ar e

    no solo:

    I - com intensidade, em quantidade e concentrao, em desacordo com os

    padres de emisso estabelecidos neste Regulamento e normas dele

    decorrentes;

    II - com caractersticas e condies de lanamento ou liberao, em desacordo

    com os padres de condicionamento e projeto estabelecidos nas mesmas

    prescries;

    4

  • 5

    III - por fontes de poluio com caractersticas de localizao e utilizao em

    desacordo com os referidos padres de condicionamento e projeto;

    IV - com intensidade, em quantidade e de concentrao ou com caractersticas

    que, direta ou indiretamente tornem ou possam tornar ultrapassveis os padres

    de qualidade do Meio Ambiente estabelecidos neste Regulamento e normas dele

    decorrentes;

    V - que, independente de estarem enquadrados nos incisos anteriores, tornem

    ou possam tornar as guas, o ar ou o solo imprprios, nocivos ou ofensivos

    sade, inconvenientes ao bem-estar pblico; danosos aos materiais, fauna e

    flora; prejudiciais segurana, ao uso e gozo da propriedade, bem como s

    atividades normais da comunidade (CETESB, 2000).

    Poluio do ar

    Segundo Sewell (1978), a poluio do ar pode ser definida como a

    presena de diversos materiais estranhos no ar atmosfrico. O ar considerado

    normal tem que possuir, em sua composio, mais de 99,99% de nitrognio

    (aprox. 78,09%), oxignio (aprox. 20,94%), argnio (aprox. 0,95%) e dixido de

    carbono (aprox. 0,03%), alm de outros diversos componentes que se

    encontram em quantidades baixssimas, excetuando-se esses componentes, a

    presena de outros compostos considerada poluio. Entretanto, o ar

    normalmente encontrado em centros urbanos contaminado por outros

    elementos, por exemplo, monxido de carbono, dixido de enxofre e metano,

    muitas vezes em quantidades excessivas. As principais fontes de poluio do ar

    so as indstrias e os automveis, essa contribuio vem com a volatilizao de

    alguns metais pesados dos combustveis (FULGNCIO, 2007)

    A via de absoro dos poluentes presentes no ar a que leva o poluente

    mais rpido corrente sangunea dos humanos. De acordo com Wang et al.

    (2003a), a queima de combustveis fsseis, como j comprovado, libera no ar

    5

  • 6

    substncias que possuem atividade estrognica (fenis), alm disso, podem agir

    negativamente sobre a atividade da progesterona (WANG et al., 2005a). Os

    contaminantes presentes no ar podem chegar, por deriva, ao solo e aos recursos

    hdricos.

    A poluio do solo De acordo com Snchez (1998), existem vrios termos utilizados como

    sinnimo de rea contaminada como, por exemplo, terreno contaminado, solo

    contaminado ou mesmo solo poludo. A definio de rea contaminada segundo

    Van Dyck (1995) a de um local onde, como resultado de atividades antrpicas,

    encontram-se resduos ou onde a poluio do solo ocorre ou ir ocorrer.

    A contaminao do solo pode ter como origem a poluio difusa ou por

    deposio atmosfrica (HANN, 2007; GIROTTO et al., 2007). A forma mais

    comum de contaminao ao homem a ingesto de alimento contaminado

    (REYS, 2001; AMARAL MENDES, 2002).

    A contaminao pode ser atribuda bioacumulao nos animais criados

    com a finalidade de alimentao. Esses animais recebem hormnios sintticos

    para estimular o crescimento que podem ficar acumulados e atingir o homem,

    alm disso, so eliminados no solo contaminando o mesmo (SHARPE, 2003). A

    presena de hormnios provenientes de sunos e de bovinos descrita por

    Lange et al. (2002), e a concentrao de hormnios da ordem de 2300 g/dia

    e 540 g/dia, respectivamente. Ainda destaca-se o fato de que muitas vezes

    esses dejetos com a presena de hormnios e outras substncias serem

    utilizados como adubo na agricultura.

    So muitos os problemas causados por reas contaminadas e Snchez

    (1998) indica quatro principais: risco segurana da populao ou das

    propriedades; riscos sade pblica e dos ecossistemas; impedimento do

    desenvolvimento urbano e a reduo do valor imobilirio de propriedades.

    Sabe-se que uma vez o poluente estando presente no solo o destino final

    poder ser os recursos hdricos e os organismos aquticos.

    6

  • 7

    Poluio da gua

    Geralmente a poluio da gua ocorre por meio da incluso de

    substncias ou formas de energia que alteram as caractersticas fsico-qumicas

    do corpo dgua de modo a limitar o seu uso. A poluio que ocorre em corpos

    dgua pode ter origem em diversos tipos de fontes: atmosfricas, pontuais,

    difusas e mistas (TUCCI, 1998).

    As fontes pontuais, identificveis no espao e no tempo, de poluio so

    caracterizadas pela forma concentrada que os contaminantes atingem o corpo

    dgua, enquanto a difusa indica a chegada da poluio ao longo da extenso do

    corpo dgua (VON SPERLING, 2005 e MAURCIO, 2008).

    Segundo Tucci (1998), os diversos poluentes apresentam caractersticas

    distintas, com diferentes graus de poluio, conforme destacado na Tabela 1.

    Tabela 1 - Caractersticas das fontes de poluio

    Fontes Bactria Nutrientes Pesticidas /Herbicidas

    MIcropoluentes Orgnicos Industriais

    leos/ Graxas

    Atmosfera 1 3-G 3-G Fontes Pontuais Esgoto domstico 3 3 1 3 Esgoto industrial 1 3-G 2 Fontes Difusas Agrcolas 2 3 3-G Dragagem 1 2 3 1 Navegao e Portos 1 1 1 3 Fontes Mistas Escoamento Urbano e depsitos de lixo 2 2 2 2 2

    Depsitos de cargas industriais 1 1 3 1

    (1) Fonte de significncia local; (2) de moderada significncia local/regional; (3) de significncia regional; (G) de significncia global. Fonte: Tucci (1998)

    Outra definio utilizada a de que a poluio das guas acontecer

    quando atingirem a elas, substncias que de algum modo possam causar algum

    tipo de risco, segundo Fiorillo (2007), a poluio da gua depende do

    lanamento, descarga ou emisso de substncias em qualquer estado qumico,

    7

  • 8

    de forma a comprometer, direta ou indiretamente, as propriedades naturais da

    gua.

    Quando a matriz poluda gua superficial, Dersio (2007) as classifica

    em cinco tipos:

    Poluio natural: no causada por atividades humanas, e sim por chuvas, salinizao, decomposio de matria orgnica.

    Poluio industrial: resultante dos processos industriais podem ser lquido, gases ou slidos.

    Poluio urbana: advinda do esgoto sanitrio

    Poluio agropastoril: tem origem na aplicao de defensivos agrcolas e fertilizantes, excrementos animais e eroso.

    Poluio acidental: decorrentes de derramamentos acidentais de substncias qumicas.

    Ocorre tambm, a classificao da poluio da gua como sendo poluio

    difusa, as do tipo natural e agropastoril, e como poluio concentrada a

    industrial, urbana e acidental. A poluio urbana pode ser considerada tambm

    como difusa por considerar os poluentes carreados pela gua de drenagem

    (PMSP, 1999).

    O lanamento de esgoto sanitrio sem tratamento prvio em cursos

    dgua implica na contaminao dessas guas por diversas substncias. Esses

    contaminantes so definidos como xenobiticos e podem ter origem natural ou

    antropognica (LIVINGSTONE, 1993; 1998). Substncias sintticas com ao

    estrognica podem ser chamadas de xenoestrgenos por alguns autores (CIRJA

    et al., 2008; JANEX-HABIBI et al., 2009; LIU; KANJO; MIZUTANI, 2009;

    RODGERS-GRAY et al., 2000; WISE; OBRIEN; WOODRUFF, 2011).

    Os xenobiticos fazem parte de um grupo de substncias que, em alguns

    casos, causam estresse aos organismos presentes no corpo dgua por eles

    8

  • 9

    contaminado. O estresse pode ser definido como uma condio na qual o equilbrio dinmico do organismo (homeostase) quebrado, como resultado de

    aes de um estmulo intrnseco e/ou extrnseco, chamado estressor

    (PICKERING, 1981). Indivduos submetidos a condies estressantes passam

    por mecanismos compensatrios quebra da homeostase, ou seja, do equilbrio

    dinmico do organismo do animal, segundo Adams (1990).

    3.2 Contaminantes emergentes

    Um dos recursos fundamentais para a sobrevivncia do homem a gua.

    Mais de 20% da gua doce acessvel tem o uso domstico, agrcola e industrial

    como destino. Entretanto, essas modalidades de uso, na maioria dos casos,

    trazem gua uma serie de contaminantes e por esse motivo a poluio est se

    tornando um dos principais focos do olhar do poder pblico em todo o mundo

    (SCHWARZENBACH et al., 2006).

    Um grupo de substncias encontradas em baixas quantidades no meio

    aqutico, chamadas de contaminantes emergentes, tem despertado cada vez

    mais interesse, uma vez que, em sua maioria, no so regulamentadas.

    Entretanto, com a ocorrncia de novos estudos, esses compostos tendem ter

    uma regulao dependendo de suas caractersticas de atuao junto ao

    ambiente nos quais so descartados (OLLER; MALATO; SNCHEZ-PREZ,

    2011).

    Os contaminantes emergentes abrangem produtos farmacuticos e de

    higiene pessoal, subprodutos industriais, hormnios naturais e drogas ilcitas,

    produtos da indstria qumica. Devido ao fato de serem detectados em

    pequenas quantidades (na ordem de ng L-1 e g L-1), so denominados micro

    poluentes, entretanto os mesmos podem se acumular, no solo, sedimento, gua

    e seres vivos. Esses contaminantes podem ser substncias potencialmente

    txicas, tanto para o ambiente, quanto para humanos; novos compostos

    9

  • 10

    desenvolvidos ou mesmo contaminantes recentemente classificados (JOBLING

    et al., 1998; KUMMERER, 2011).

    Esses contaminantes apresentam, em diversas escalas, risco ao equilbrio

    dos ecossistemas, esses riscos esto sendo conhecidos conforme estudos so

    desenvolvidos, mas ainda h uma grande lacuna relacionada a esse assunto. A

    falta de conhecimento devida entre outras causas complexidade dessas

    substncias, sua distribuio, seus nveis txicos, efeitos no ambiente. Os

    estudos realizados at a dcada passada consideravam os produtos

    convencionais (DAUGHTON; TERNES, 1999), mas agora os novos

    contaminantes (emergentes) esto comeando a receber a devida ateno.

    3.2.1 Desreguladores endcrinos

    Termo utilizado pela primeira vez por Theo Colborn e seus colaboradores

    em 1991, sendo que a primeira publicao que citou o termo data de 1992

    (MATTHIESSEN, 2003; GEROLIN, 2008).

    Algumas das substncias encontradas em ambientes naturais e que

    podem causar estresse aos animais, so conhecidas como desreguladores

    endcrinos (DE). Existem diversas definies para desreguladores endcrinos,

    uma delas, adotada pelo Programa Internacional de Segurana Qumica (IPCS),

    em conjunto com o Japo, os EUA, o Canad, a OECD e a Unio Europia,

    define da seguinte maneira: Um desregulador endcrino uma substncia ou

    um composto exgeno que altera uma ou vrias funes do sistema endcrino e

    tm, conseqentemente, efeitos adversos sobre a sade de um organismo

    intacto, sua descendncia, ou subpopulaes (CEC, 1999).

    De acordo com outra definio, desta vez com coautoria de Ribeiro et al.

    (2006), substncias de origem natural ou qumica com a capacidade de causar

    interferncia no sistema endcrino de organismos alterando sua sade,

    reproduo e crescimento so denominados desreguladores endcrinos, ou inda

    podem ser chamados de perturbadores ou interferentes endcrinos. As

    alteraes causadas por estas substncias ocorrem nos stios receptores das

    clulas, modificando os nveis de produo referentes a essa clula. Essa

    10

  • 11

    modificao pode aumentar ou diminuir a produo hormonal, o que leva a uma

    modificao na homeostase do organismo atingido. As modificaes ocorridas

    poder ser observada imediatamente no organismo, ou ao longo do tempo e at

    mesmo em suas futuras geraes (LIU; KANJO; MIZUTANI, 2009; DINIZ et al.,

    2010).

    Segundo Damstra (2002), desreguladores endcrinos possuem

    caractersticas de serem substncias que causam alteraes nas funes do

    sistema endcrino e que por conseqncia traz danos a um organismo sadio e

    em seus descendentes

    A ao dos desreguladores endcrinos d-se pelo bloqueio, mimetizao,

    estimulao, ou inibio da produo dos hormnios naturais (NIEHS, 2010,

    E.HORMONE, 2012). Os desreguladores endcrinos apresentam muitos

    mecanismos que facilitam a sua disperso e difuso no ambiente, alm de

    impedir ou ao menos dificultar sua eliminao dos organismos vivos. (WHALEY;

    KEYES; KHORRAMIL, 2001; RITTLER; CASTILLA, 2002; MAXIMIANO et al.,

    2005, AURIOL et al., 2008; DUARTE, 2008; LIU; KANJO; MIZUTANI, 2009;

    WISE; OBRIEN; WOODRUFF, 2011). Esses mecanismos podem ser descritos

    como:

    Bioacumulao/lipoflicos muitos desreguladores endcrinos apresentam a capacidade de se depositarem nos organismos, atingindo altos nveis de

    concentrao e que podem ser prejudiciais a esses organismos. A

    bioacumulao ocorre principalmente nos tecidos adiposos, leite e na gema do

    ovo, algumas substncias permanecem por um longo perodo de tempo nesses

    tecidos podendo ocorrer sua transferncia para outros indivduos atravs da

    cadeia alimentar, inclusive atingindo ao homem;

    Persistncia alguns desreguladores endcrinos demoram vrios anos para serem biodegradados;

    Sinergia habilidade de diversos compostos de interagirem, e em alguns casos, gerando efeitos maiores;

    11

  • 12

    Conjugao ligao entre desreguladores endcrinos e o organismo, o que impede a sua eliminao e conservando a sua concentrao por longo perodo

    de tempo.

    Existem alguns grupos de substncias com potencial ao desreguladora

    do sistema endcrino (STUART; LAPWORTH, 2012) como, por exemplo:

    Agrotxicos (componente principal, metabolitos)

    Produtos farmacuticos (de uso humano, veterinrio, ilcito)

    Compostos relacionados a hbitos da populao (ex. nicotina, cafena)

    Produtos de higiene pessoal (ex. filtros de raios ultravioleta, almscar, DEET

    utilizado em repelentes de insetos, triclosan componente de cremes dentais,

    detergentes e sabonetes)

    Aditivos industriais e subprodutos (ex. conservante dioxina, bisfenois,

    combustveis contendo MTBE)

    Aditivos de itens alimentares (antioxidantes BHA BHT)

    Subprodutos do tratamento de gua (THM, NDMA)

    Anti chamas, anti fogo (fosfato de quila, PBDE)

    Surfactantes (PFOS e PFOA, alquilfenis utilizados em veculos, mobilirio,

    tecidos, carpetes)

    Hormnios e esteris

    Lquidos inicos

    Estudos demonstram uma grande diversidade destas substncias

    encontradas em ambientes naturais, tais como: esterides naturais, produtos

    farmacuticos, produtos qumicos industriais, substncias tensoativas, polmeros

    de baixa massa molecular, alquifenois, hidrocarbonetos poli-aromticos (HPAs),

    nonilfenol, octilfenol, pesticidas, bisfenol A, surfactantes, ftalato, estireno, entre

    outras (GRAY et al., 2000; BIRKETT; LASTER, 2003; LINTELMANN et al., 2003;

    UNEP, 2003; HEINSTERKAMP; GANRASS; RUCK, 2004; SUZUKI et al., 2004;

    BARRA et al., 2005; MOZAZ; LOPEZ DE ALDA; BARCEL, 2005; PETROVIC et

    al, 2005; CHAPMAN, 2006, MCGOVERN; MCDONALD, 2003; GROSS et al.,

    12

  • 13

    2003; FENT; WESTON; CAMINADA, 2006; SERVOS; SERVOS, 2006;

    KHETAN; COLLINS, 2007, FALCONER et al., 2006; DINIZ et al., 2010).

    3.3. Estudos com desreguladores endcrinos em ambientes aquticos

    Durante anos os estudos tendo como objeto a gua, na maioria dos casos

    levavam em conta apenas a concentrao de oxignio, nitratos, fosfatos e

    slidos em suspenso presentes, para determinar a sua qualidade. Esse quadro

    vem mudando gradualmente e atualmente outras substncias como, por

    exemplo, os desreguladores endcrinos, tm sido estudadas (CIRJA et al.,

    2008). Contudo, ainda no so suficientemente estudadas as caractersticas de

    cada um desses compostos (BRAGA et al., 2005). Muitas dessas substncias

    que esto presentes nos recursos hdricos, contaminando-os, ainda no tm

    seus efeitos em longo prazo bem definidos (WISE; OBRIEN; WOODRUFF,

    2011).

    H aproximadamente duas dcadas os estudos que tem como alvo

    substncias com potencial de causar alteraes endcrinas tem aumentado

    gradativamente. Esses contaminantes so capazes de, mesmo em pequenas

    quantidades (na ordem de ng L-1 e g L-1), interagir e trazer danos a organismos

    que habitam o subsolo, sedimentos, mares, rios e lagos (WANG et al., 2003b;

    LAMBROPOULOU; ALBANIS, 2004).

    Entretanto, a ocorrncia da desregulao endcrina no novidade, pois

    nas dcadas de 1970 e 1980 foi comprovado que o dietilestilbestrol (DES),

    criado inicialmente para servir como medicamento antiabortivo causou

    problemas nos sistemas reprodutivos femininos e masculinos (SOTO;

    SONNENSCHEIN, 2002). Tambm na dcada de 80 pescadores britnicos

    observaram peixes da espcie Rutilus rutilus com alteraes sexuais,

    apresentando intersexo. Esses animais ocupavam uma lagoa que recebia a

    descarga de uma estao de tratamento de esgoto (SWEETING, 1981, apud

    TYLER; ROUTLEDGE, 1998).

    13

  • 14

    A exposio de animais e humanos a essas substncias tem

    demonstrado indcios de alteraes hormonais. Existem estudos que

    apresentam dados sobre a relao da contaminao com esses interferentes e a

    possibilidade de alterao no sistema reprodutivo de indivduos a eles expostos

    (MEYER; SARCINELLI; MOREIRA, 1999; RITTLER; CASTILLA, 2002;

    MAXIMIANO et al., 2005).

    Segundo Bila e Dezotti (2003), a presena de frmacos residuais na gua,

    como antibiticos e estrognios, pode causar efeitos adversos na sade

    humana, e de organismos presentes nas guas como, por exemplo, os peixes,

    por isso so motivo de grande preocupao por parte de estudiosos em todo o

    mundo (CIRJA et al., 2008; LEE et al., 2008).

    A seguir so citados hormnios naturais e sintticos, alguns dos

    principais desreguladores endcrinos que contaminam recursos hdricos,

    especialmente em locais onde a urbanizao intensa (RAIMUNDO, 2007).

    3.4 Hormnios sintticos e naturais e sua ocorrncia em ambientes aquticos

    Grandes centros urbanos e regies de intensa atividade agropecuria

    apresentam contaminao de seus corpos dgua com substncias qumicas

    componentes do grupo de desreguladores endcrinos (KOLPIN, et al, 2002).

    Sole et al. (2003) e Van den Belt et al. (2004) corroboram com a

    constatao de que a principal fonte de contaminao de guas superficiais por

    desreguladores endcrinos o lanamento de esgoto sanitrio e industrial

    tratado ou in natura. Essa uma importante fonte de poluio, pois, no h a

    remoo completa dessas substncias nas estaes de tratamento de esgoto.

    Os corpos dgua suportam o recebimento de determinadas carga de resduos,

    mas essa capacidade varia de acordo com o seu volume para ser eficiente em

    dilu-las. A Tabela 2 apresenta algumas das principais fontes pontuais e fontes

    difusas. (WANG et al., 2005b; ALUM et al., 2004; RUDDER et al., 2004;

    JEANNOT et al., 2002).

    14

  • 15

    Tabela 2 - Principais fontes de desreguladores endcrinos em guas superficiais

    Fontes Tipos de Fontes Desreguladores Endcrinos Encontrados

    Efluente Industrial Pontual

    Hormnios naturais e sintticos, alquilfenis,

    ftalatos, bisfenol A, frmacos, cafena,

    pesticidas, bifenilas policloradas (PCB),

    hidrocarbonetos policclicos aromticos

    (HPA), retardantes de chama, dioxinas

    Efluente Sanitrio Pontual Hormnios naturais e sintticos, alquilfenis,

    ftalatos, bisfenol A, frmacos, cafena

    Deflvio Pecurio Difusa Hormnios naturais e sintticos, antibiticos,

    frmacos veterinrios

    Natural Difusa HPA, estrognios naturais e fitoestrognios

    Fonte: Adaptado de Raimundo, 2007.

    A contaminao de corpos dgua por hormnios sexuais femininos

    ocorre principalmente pelo lanamento de esgoto sanitrio sem tratamento, ou

    quando seu tratamento ineficiente. Essa fonte de desreguladores endcrinos

    se deve pela excreo vinda da populao de maneira natural ou somada ao

    uso de anticoncepcionais orais ou injetveis (PONEZI; DUARTE; CLAUDINO,

    2006). Dados citados por Fernandes (2007) indicam que em 2000, no Brasil, o

    uso de anticoncepcionais era feito por 8 milhes de mulheres sendo que esse

    nmero poder chegar a 45 milhes em 20 anos.

    3.4.1 Origem dos principais hormnios naturais e sintticos que ocorrem em ambientes aquticos

    Guyton e Hall (2005) definem os hormnios como substncias qumicas

    que so produzidas por glndulas especficas e que interferem na funo de

    outras clulas em todo o corpo. O transporte dos hormnios endcrinos feito

    15

  • 16

    atravs do sistema circulatrio, e sua funo realizada quando os mesmos

    atingem seus respectivos receptores desencadeando uma srie de reaes.

    Dos hormnios naturais, o que apresenta maior potencial estrognico, o

    17-estradiol. Esse o principal hormnio secretado durante o perodo de

    atividade dos ovrios, e tem como metablitos a estrona, o estriol e seus

    conjugados. O 17-estradiol possui atividade biolgica 12 vezes maior do que a

    estrona e 80 vezes mais elevada do que o estriol (GENNARO, 2000, COLUCCI;

    BORK; TOPP, 2001; KASSAB, 2001; GILMAM; HARDMAN; LIMBIRD, 2003).

    Quando se trata de hormnios sintticos que so utilizados como

    contraceptivos e para a realizao de tratamento de reposio hormonal,

    destacam-se as suas estruturas moleculares que os torna mais potentes quando

    comparados aos hormnios naturais, possuindo a capacidade de alterar o

    sistema endcrino mesmo em baixas concentraes. O hormnio sinttico mais

    utilizado o 17-etinilestradiol, que tem sua estrutura semelhante do hormnio

    natural 17-estradiol, entretanto, possuindo uma atividade estrognica duas

    vezes superior. Para poder ser aproveitado pelo organismo humano o 17-

    etinilestradiol possui um agrupamento etinila que o protege da inativao pelo

    fgado (KHANAL et al., 2006, KASSAB, 2001). A Figura 1 ilustra a representao

    esquemtica da principal entrada dos desreguladores endcrinos no sistema

    aqutico (LINTELMANN et al., 2003).

    16

  • 17

    Figura 1 - Representao esquemtica da principal via de entrada de desreguladores endcrinos hormonais de origem humana (natural ou sinttico) em sistemas aquticos (LINTELMANN et al., 2003)

    O hormnio 17-etinilestradiol aps ser ingerido rapidamente absorvido

    pelo trato intestinal, e apresenta uma meia vida biolgica que varia de 13 a 27

    horas, sendo excretado atravs da urina e das fezes e permanecendo no

    ambiente aqutico de gua doce por um perodo que varia de 20 a 40 dias.

    Associado ao 17-etinilestradiol, o hormnio igualmente sinttico, levonorgestrel,

    utilizado para a obteno de melhores resultados. Assim como o 17-

    etinilestradiol, o levonorgestrel apresenta uma rpida absoro pelo organismo,

    permanecendo no organismo por mais tempo do que um hormnio natural e sua

    meia vida biolgica varia de 10 a 24 horas, sendo excretado principalmente pela

    urina e em menor parte pelas fezes (GENNARO, 2000 e GILMAN; HARDMAN;

    LIMBIRD, 2003; ENSP, 2002, FERREIRA, 2008; RUDDER et al., 2004; WISE;

    OBRIEN; WOODRUFF, 2011).

    17

  • 18

    Aps serem excretados os hormnios sintticos 17-etinilestradiol e

    levonorgestrel ainda se encontram na forma ativa em corpos dgua devido a

    ao de bactrias, especialmente a Escherichia colli, presente em grandes

    quantidades nas fezes (SOLE, et al., 2001).

    As caractersticas femininas, o controle do ciclo reprodutivo, gravidez,

    sistema cardiovascular, sistema imunolgico, entre outros so diretamente

    influenciados por estrgenos, dentre os quais se destaca o estradiol. Johnson e

    Sumpter (2001) indicam a necessidade da melhora das metodologias utilizadas

    em pesquisas relativas ao tema, principalmente na reduo dos nveis de

    deteco e aumento da preciso das anlises como aes prioritrias.

    De acordo com Ghiselli e Jardim, (2007), mulheres grvidas dependendo

    do estagio da gravidez podem excretar at 1000 vezes mais hormnios do que

    uma mulher em atividade normal (da ordem de 2 a 20 g estrona/dia, 3 a 65 g

    estriol/dia, e 0,3 a 5 g estradiol/dia).

    Em relao ao hormnio sinttico 17-etinilestradiol, o mais utilizado na

    composio de plulas contraceptivas em uma quantidade que varia de 25 a 50

    g por plula (ingerida diariamente), sabe-se que desse total, aproximadamente

    80% no aproveitado. A frao no utilizada liberada principalmente pela

    urina. (HENRIQUES, 2008; CAMPANI et al., 2010; GABET-GIRAUD et al., 2010;

    FERNANDES, 2007).

    A Tabela 3 apresenta a quantidade de hormnios excretados diariamente

    por humanos, por ambos os sexos e nas diferentes fases da vida (YING; BRIAN;

    KOOKANA, 2002).

    18

  • 19

    Tabela 3 - Excreo de estrognios pelos seres humanos (g/dia).

    Categoria 17-

    estradiol Estrona Estriol

    17-

    etinilestradiol

    Homens 1,6 3,9 1,5 --

    Mulheres frteis 3,5 8 4,8 --

    Mulheres na

    menopausa 2,3 4 1 --

    Mulheres grvidas 259 600 6000 --

    Mulheres -- -- -- 35

    Fonte: YING; BRIAN; KOOKANA, 2002

    Os hormnios que contaminam os corpos dgua tambm podem ter

    como origem, o escoamento de excretas de animais, principalmente quando

    criados em grande densidade. Isso ocorre, por exemplo, no caso dos bovinos e

    sunos utilizados com finalidade de alimentao humana (Tabela 4). J

    constatado nos EUA a contaminao de lagos por 17-Estradiol, sendo que a

    quantificao do hormnio na gua foi na ordem de 0,05 a 7,4 ng/l e foram

    suficientes para causar distrbios s tartarugas que habitam esses locais que

    recebiam dejetos bovinos (FURUICHI et al., 2006).

    19

  • 20

    Tabela 4 - Excreo diria de estrognio total estimada por diferentes espcies de animais (g/dia), (adaptado de WISE; OBRIEN; WOODRUFF, 2011)

    Espcie

    Total de estrognio

    excretado pela

    urina (g/dia)

    Total de

    estrognio

    excretado pelas

    fezes (g/dia)

    Total de estrognio

    excretado (g/dia)

    Bovino

    Bezerros 15 30 45

    Vacas 99 200 299

    Prenhes 320 104320 256 7300 576 111620

    Suno Porcos 82 21 103

    Prenhes 700 17000 61 -

    Ovino Ovelhas 3 20 23

    Carneiros 3 22 25

    3.5 Organismos teste e biomarcadores de desreguladores endcrinos

    Os estudos anteriormente descritos sobre a avaliao de efeitos

    fisiolgicos causados pelos desreguladores endcrinos presentes na gua de

    rios, foram possveis devido ao uso de biomarcadores e organismos teste, uma

    metodologia adotada recentemente.

    Os mtodos tradicionais de avaliao de qualidade da gua, baseadas em

    anlises fsicas, qumicas e bacteriolgicas, no conseguem fornecer

    informaes de como uma determinada substncia ir agir em um organismo

    sob o ponto de vista fisiolgico (CAIRNS; PRATT, 1993). Para uma anlise

    eficiente deve-se utilizar os mtodos analticos juntamente com os

    biomarcadores, que podem ser definidos como ferramentas utilizadas na anlise

    20

  • 21

    da organizao biolgica de um organismo (organismo teste) (ARIAS et al.,

    2007).

    Em outra definio os biomarcadores so vistos como qualquer resposta

    a um contaminante ambiental, medidos no organismo ou matriz biolgica,

    indicando um desvio do status normal que no pode ser detectado no organismo

    intacto. Diversos parmetros podem ser utilizados como biomarcadores como,

    por exemplo, medidas de fluidos corporais, clulas, tecidos ou medidas

    realizadas sobre o organismo completo que indicam, em termos bioqumicos,

    celulares, fisiolgicos, comportamentais ou energticos, a presena de

    substncias contaminantes ou a magnitude da resposta do organismo alvo

    (LIVINGSTONE, 1993, LARCHER, 2000).

    A definio de qual ser o organismo teste deve incluir uma gama de

    critrios, dentre eles a disponibilidade, manuteno e conservao da espcie

    em questo, a possibilidade do uso de determinada espcie para a obteno de

    resultados especficos condizentes ao objetivo do trabalho (BOHRER, 1995).

    Muitos organismos tm sido utilizados com esse fim, destacam-se espcies de

    moluscos, peixes e crustceos (COTELLE; FERARD, 1999), alm de algumas

    espcies vegetais. Entre as espcies mais utilizadas em todo o mundo como

    organismo teste esto: Artemia sp (SVENSSON et al., 2005), Daphnia magna,

    Vibrio fischeri, Danio rerio (KNIE; LOPES, 2004) e Allium cepa L. (ARAMBASIC;

    BJELIC; SUBAKOV, 1995).

    Alm da sobrevivncia dos organismos teste (crustceos, peixes, etc.)

    outros fatores esto sendo observados e indicam alteraes na homeostase dos

    organismos (alteraes bioqumicas, fisiolgicas e morfolgicas). Estes fatores

    podem ser denominados como biomarcadores (GRINEVICIUS, 2006).

    Biomarcadores so sistemas indicadores que fazem parte de um organismo e

    so utilizados para a deteco de modificaes especificas (SILVA;

    ERDTMANN; HENRIQUES, 2003).

    Um biomarcador ideal deve demonstrar grande susceptibilidade, boa

    sensibilidade, relativa especificidade e ter baixo custo em suas anlises

    (STEGEMAN et al., 1992; BAINY, 1993).

    Quando o intuito da pesquisa verificar atividades estrognicas de

    desreguladores endcrinos biomarcadores so utilizados com freqncia, e

    21

  • 22

    quando se tratam de estudos relacionados contaminao de ambientes

    aquticos, a vitelogenina (VTG) demonstra bons resultados (ARUKWE;

    GOKSYR, 2003; GORDON et al., 2006; HINCK et al., 2006; REMPEL et al.,

    2006, ANDERSSON et al., 2007).

    3.5.1 Vitelogenina A vitelogenina produzida por animais ovparos, para compor o vitelo

    presente nos ovcitos. Esta fosfolipoglicoprotena produzida no fgado por

    meio do estmulo causado pelo estradiol ovariano e transportada atravs do

    sangue at as gnadas onde ir tornar-se parte do vitelo dos ovcitos em

    desenvolvimento, para futura fonte nutricional para o embrio. A VTG

    encontrada durante a maturao sexual de fmeas (ARUKWE; GOKSYR,

    2003; LANGSTON et al., 2005).

    A sntese da VTG depende da presena de hormnios estrognicos, que

    so sintetizados pelas fmeas durante seu ciclo reprodutivo, embora os peixes

    machos e os juvenis tambm apresentam receptores estrognicos hepticos.

    Entretanto, a codificao do gene para estas protenas no existe ou

    fracamente expressada em machos e juvenis, no sendo normal a produo de

    protenas ligadas ovognese (vitelognese e zonagnese). A produo de

    VTG por machos ou juvenis sinal de desequilbrio endcrino e indicador de

    efeito por exposio a estrgenos ambientais; tendo em vista que sua presena

    em machos, s possvel mediante induo externa, j que a sua produo

    desencadeada pela atividade de hormnios femininos (ARUKWE; KNUDSEN;

    GOKSYR, 1997; LINTELMANN et al., 2003; HORNUNG et al., 2004; HINCK et

    al., 2006; REMPEL et al., 2006; MENDES; OLIVEIRA, 2004).

    Com base nessas informaes, a vitelogenina mostra ser um bom

    biomarcador para a exposio de vertebrados vivparos a xenoestrgenos. Os

    peixes so importantes nos estudos relativos aos efeitos de substncias

    estrognicas fisiologia reprodutiva, pois seu sistema reprodutivo regulado por

    22

  • 23

    hormnios similares aos dos mamferos, portanto espera-se que os efeitos

    tambm ocorram (MILLS; CHICHESTER, 2005).

    3.6 Efeitos dos desreguladores endcrinos nos organismos vivos A fase de desenvolvimento o perodo em que os organismos esto mais

    propcios a alteraes que levam a disfunes hormonais ou endcrinas devido

    exposio desreguladores endcrinos. Essas modificaes trazem a perda

    da homeostase dos organismos. Esta constatao decorrente de resultados de

    diversos estudos que envolvem poluio ambiental de corpos dgua com

    problemas relacionados ao sistema reprodutor de espcies de diversas classes

    de animais como mamferos, aves, rpteis, anfbios e peixes, entre outros

    (DAMSTRA et al., 2002).

    O sistema endcrino no abrange apenas a excreo de hormnios na

    corrente sangunea, h tambm a atuao no sistema nervoso, atravs dos

    neurohormnios (DAMSTRA et al., 2002). Do sistema endcrino destacam-se

    trs eixos principais:

    Eixo hipotlamo-pituitrio-adrenal, ligado ao metabolismo de carboidratos,

    protenas e gorduras, efeito antiinflamatrio e modulao de respostas ao

    estresse;

    Eixo hipotlamo-pituitrio-gonadal, ligado ao sistema reprodutivo;

    Eixo hipotlamo-pituitrio-tiroidal, ligado a atividade metablica como um todo

    Como principal funo do sistema endcrino, se destaca a manuteno

    da homeostase, evitando problemas decorrentes do efeito gangorra, Figura 2

    (PADUA, 2009).

    23

  • 24

    Figura 2 - Representao do funcionamento do sistema endcrino com base no

    principio da gangorra (PADUA, 2009)

    Existem algumas questes observadas quando so analisados impactos

    dos desreguladores endcrinos nas funes exercidas pelo organismo

    (DAMSTRA et al., 2002):

    O individuo exposto na fase adulta pode ter os efeitos dos desreguladores

    endcrinos minimizados pela ao de mecanismos de homeostase, desse modo

    a exposio pode no apresentar nenhuma modificao;

    A exposio na fase de desenvolvimento dos organismos pode resultar em

    algumas mudanas permanentes de diversas funes;

    Quando a exposio ao desregulador endcrino ocorrer em diferentes estgios

    desse desenvolvimento, as consequncias podem ser distintas;

    24

  • 25

    Devido complexidade dos sistemas endcrinos os efeitos da exposio podem

    ocorrer, em alguns casos, de maneira e local imprevisveis;

    Considerando o anteriormente exposto, deve-se ter cuidado na transposio dos

    resultados obtidos in vitro para condies in vivo

    Problemas causados por desreguladores endcrinos em humanos

    Os efeitos dos desreguladores endcrinos atingem tambm os seres

    humanos e uma das principais vias de entrada destes desreguladores em

    organismos humanos a ingesto de alimentos e gua que os contenham

    (REYS, 2001).

    Amaral Mendes (2002) descreve os desreguladores endcrinos como

    sendo o principal desafio mdico, e que a atuao de diversas substncias sobre

    o sistema endcrino e reprodutivo causada pela habilidade dessas substncias

    em:

    A) mimetizar e antagonizar os efeitos de hormnios endgenos

    B) desregular a sntese e metabolismo de hormnios endgenos e de seus

    receptores

    Em seres humanos os desreguladores endcrinos podem causar uma

    srie de problemas decorrentes de compostos naturais ou sintticos presentes

    no meio ambiente. Os autores destacam distrbios na sade reprodutiva,

    disfunes de fertilidade, formao de cnceres de testculos, prstata e mama,

    diminuio na contagem de espermatozides, endometriose, entre outros

    (HARRISON; HOLMES; HUMFREY, 1997; LARSSON et al., 1999; SHARPE;

    IRVINE, 2004; SLOWIKOWSKA-HILCZER, 2006, BILA; DEZOTTI, 2007;

    GHISELLI; JARDIM, 2007, CHEN; HU, 2009).

    Durante os anos 40 foi observada uma diminuio na contagem de

    espermatozides em trabalhadores que lidavam com aplicao do pesticida DDT

    25

  • 26

    (AMARAL MENDES, 2002). Estudos comprovaram os efeitos do desregulador

    endcrino, dietilestilbestrol (DES), que no perodo entre 1948 e 1971 era

    utilizado com o intuito de precaver abortos e auxiliar no desenvolvimento do feto.

    Aps o uso do composto, pelas mes, muitas das suas filhas nasceram estreis,

    houve o desenvolvimento de um tipo raro de cncer vaginal, m formao do

    tero e ovrios, alm de supresso da imunidade (DAMSTRA et al., 2002;

    REYS, 2001; JANSSEN; FUJIMOTO; GIUDICE, 2007). Em homens adultos que

    foram expostos a estradiol, foi detectada uma maior ocorrncia de

    anormalidades nos rgo sexuais, uma baixa contagem de espermatozides,

    alm de um alto ndice de cncer nos testculos (COLUCCI; BORK; TOPP, 2001;

    GUILLETTE et al., 1996; LEGLER et al., 2002; JANEX-HABIBI et al., 2009).

    Alm de efeitos diretos causados nos indivduos que mantm contato com

    os desreguladores endcrinos, fetos podem ter seu desenvolvimento

    comprometido, quando ocorrem alteraes endcrinas em suas mes. Os

    efeitos teratognicos descritos so casos de m formao dos rgos sexuais e

    anomalias reprodutivas, tanto em fetos do sexo masculino, quanto do sexo

    feminino (COWIN; FOSTER; RISBRIDGER, 2007; SAFE, 2004; JANSSEN;

    FUJIMOTO, 2007; FORSTMEIER, 2005).

    Problemas causados por desreguladores endcrinos em animais

    Em relao a mamferos, destacam-se anomalias no sistema reprodutor

    de ratos causada por bisfenol A (MARKEY et al., 2002). Bay et al.(2006)

    descrevem a infertilidade e anomalias testiculares como resultado da exposio

    de fetos de ratos ftalatos. Em ambiente aqutico foi observada alta mortalidade

    de golfinhos por ocorrncia de PCB (AGUILAR; BARRELL, 1994). Guerra et al.,

    (1999) e Souza et al. (2000), utilizando ratos como modelo, demonstraram que o

    hormnio sinttico levonorgestrel quando ministrado em doses de 15 ou 30 mg 3

    vezes ao dia, levaram distrbios no crescimento e peso de rgos dos

    animais.

    26

  • 27

    Alteraes causadas pelo DDT e DDE foram observadas em aves por Fry

    e Toone (1981), e foram causadoras da feminizao de gaivotas machos,

    diminuio da espessura da casca dos ovos (com conseqente quebra da

    mesma) e anomalias do sistema reprodutor. Tambm foram observadas

    alteraes detectadas atravs da alterao na produo de VTG em falces

    peregrino (JIMENEZ et. al, 2007)

    Em rpteis os efeitos do DDT e DDE elevaram a concentrao de

    hormnios sexuais no plasma alm de trazer anomalias morfolgicas s

    gnadas de crocodilos, alterao da produo de esterides e variao na

    concentrao de hormnios sexuais em fmeas e machos (GUILLETTE et al.,

    1999; MILNES et al., 2002; WHALEY; KEYES; KHORRAMIL, 2001), mesmo no

    havendo deteco de pesticidas, a substncia foi encontrada nos animais e seus

    ovos (NRDC, 2007). A exposio ao estradiol tambm levou a induo da

    sntese de VTG e a alteraes na produo de ovos de tartarugas (IRWIN;

    GRAY; OBERDORSTER, 2001). No caso de anfbios, foi observado por Bogi et

    al.(2003) que o efluente de uma estao de tratamento de esgoto causou a

    induo da sntese de VTG e hermafroditismo em rs.

    Como descritos em diversos estudos os peixes sofrem as aes da

    presena dos desreguladores endcrinos sintticos 17-etinilestradiol e

    levonorgestrel e do hormnio natural 17-estradiol. A presena dos mesmos,

    ainda que em baixas concentraes, provocou distrbios como a feminizao

    (RODGER-GRAY et al., 2001; KNORR; BRAUNBECK, 2002; BOMBARDELLI;

    HAYASHI, 2005; EDWARDS; MOORE; GUILLETTE, 2006), alteraes na

    transcrio gentica (ZUCCHI; CASTIGLIONI; FENT, 2012), alterao nas

    gnadas (PANTER; THOMPSON; SUMPTER, 2000; LABADIE; BUDZINSKI,

    2006), hermafroditismo (KOGER et al., 2000), incidncia de testculos-vulos

    nas gnadas (KANG et al., 2002) e induo sntese de vitelogenina (PANTER;

    THOMPSON; SUMPTER, 2000; ROSE et al., 2002; MONCAUT; NOSTRO;

    MAGGESE, 2003; GORDON et al.; 2006; HINCK et al., 2006; REMPEL et al.,

    2006; ANDERSSON et al., 2007).

    Como determinado por diversos estudos, so extremamente

    preocupantes as conseqncias a toda a biodiversidade, promovidas pela

    presena de desreguladores endcrinos no ambiente. A ameaa

    27

  • 28

    biodiversidade um assunto tratado em todo o mundo, inclusive tendo desde

    1992 na Organizao das Naes Unidas (ONU) um importante instrumento, a

    Conveno sobre Diversidade Biolgica (BRASIL, 2012).

    3.7 Conservao da biodiversidade em guas continentais

    A Conveno sobre Diversidade Biolgica (CDB) instituda durante a

    Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento -

    CNUMAD (Rio 92) define diversidade biolgica como sendo a variabilidade de

    organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os

    ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquticos e os

    complexos ecolgicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade

    dentro de espcies, entre espcies e de ecossistemas (MMA, 2000).

    A CDB tem como objetivos a serem cumpridos, de acordo com as

    disposies pertinentes, a conservao da diversidade biolgica, a utilizao

    sustentvel de seus componentes e a repartio justa e equitativa dos benefcios

    derivados da utilizao dos recursos genticos, mediante, inclusive, o acesso

    adequado aos recursos genticos e a transferncia adequada de tecnologias

    pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e

    tecnologias, e mediante financiamento adequado (MMA, 2000).

    A gesto da CDB feita pela Conveno das Partes atravs de reunies

    peridicas. Atravs dessas reunies so definidas metas, as quais os pases

    signatrios assumem o compromisso de seguir. Aps a ltima reunio realizada

    em Nagoya no Japo (COP 10) foram definidos o Plano Estratgico 2011-2020 e

    as metas de Aichi. O Plano Estratgico 2020 da CDB (UICN; WWF-BRASIL;

    IP, 2011) est organizado em cinco objetivos:

    A. Tratar das causas fundamentais de perda de biodiversidade fazendo com que

    preocupaes com biodiversidade permeiem governo e sociedade.

    28

  • 29

    B. Reduzir as presses diretas sobre biodiversidade e promover o uso

    sustentvel.

    C. Melhorar a situao de biodiversidade protegendo ecossistemas, espcies e

    diversidade gentica.

    D. Aumentar os benefcios de biodiversidade e servios ecossistmicos para

    todos.

    E. Aumentar a implementao por meio de planejamento participativo, gesto de

    conhecimento e capacitao.

    Os cinco objetivos so compostos por 20 metas (Metas de Aichi), dentre

    as quais destacamos a META 8 Controle da Poluio das guas, onde h a

    indicao de que at 2020, a poluio dever ser reduzida a nveis no

    prejudiciais ao funcionamento de ecossistemas e da biodiversidade (UICN;

    WWF-BRASIL; IP, 2011).

    No Brasil, o incio da gesto de guas iniciou-se na dcada de 30, com a

    criao do Decreto 24.643/34 - Cdigo de guas (BRASIL, 1934) e tem como

    marco legal a Constituio Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a Lei 9.433/97 que

    instituiu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e criou o Sistema Nacional de

    Gerenciamento de Recursos Hdricos (BRASIL, 1997) e a Lei 9.984/00 que criou

    a Agncia Nacional de guas (ANA), (BRASIL, 2000). O foco principal dos

    instrumentos legais de proteo dos recursos hdricos manuteno dos

    mesmos para a sustentao das atividades humanas (abastecimento urbano,

    agricultura, gerao de energia, pesca, aquicultura, assimilao de esgoto, etc.).

    O Brasil, como signatrio da Conveno sobre Diversidade Biolgica, tem

    por obrigao cumprir as metas estipuladas em suas reunies. Para atingir o

    objetivo proposto na Meta 08 definida na COP 10 (controle de poluio das

    guas), uma das aes necessrias a implementao de um sistema de

    monitoramento dos poluentes que atingem os corpos dgua. Para que esse

    sistema de monitoramento seja eficiente so necessrios subsdios para a

    definio dos locais onde sero alocados.

    29

  • 30

    3.8 reas crticas 3.8.1 Mapeamento De acordo com o desenvolvimento, a utilizao dos recursos hdricos

    mais intensa, assim como o risco de degradao ambiental devido interveno

    humana. O corpo dgua, receptor final da gua da bacia hidrogrfica, pode ser

    utilizado como indicador de alteraes ocorridas no territrio ao seu redor. Para

    que o planejamento e administrao hdrica de uma regio existam, necessrio

    que haja informaes organizadas desse local, para que as aes a serem

    tomadas possam apresentar uma maior efetividade (MENDES; CIRILO, 2001).

    Varnes (1974) define o mapeamento como a delimitao de reas

    homogneas, sendo que suas heterogeneidades so consideradas para a sua

    construo. A composio do mapa de um plano bidimensional onde h os

    contornos das reas delimitadas e uma legenda que define os atributos que

    foram utilizados. Os principais tipos de mapas utilizados nos sistemas de

    informao geogrfica (SIG) so definidos por Mendona (2002):

    Mapa temtico: demonstra de forma qualitativa a distribuio espacial de uma grandeza geogrfica;

    Mapa cadastral: cada componente considerado como um objeto geogrfico que possui atributos, podendo estar associado a vrias

    representaes grficas;

    Produto de sensoriamento remoto: imagens obtidas por satlites e fotografias areas;

    Modelo numrico do terreno: reproduz uma superfcie real a partir de algoritmos e de um conjunto de pontos, em um referencial qualquer, que

    descrevem a variao contnua da superfcie.

    30

  • 31

    O desenvolvimento de um mapa com dados especficos, no a

    sobreposio de diversos mapas, mas sim a soma de valores de diversos

    atributos que se encontram em cada ponto, esses pontos so identificados por

    coordenadas (CEOTMA, 1983).

    3.8.2 reas potencialmente crticas no Brasil

    Estudo publicado em 2005 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica (IBGE, 2005) indica a poluio por esgoto sanitrio como a principal

    fonte de contaminao de mananciais, alm disso, a existncia de atividades

    agropecurias e descarte de resduos slidos tambm causam contaminao. A

    Figura 3 ilustra a contaminao e a sua causa nas cinco regies do Brasil.

    Figura 3 - Proporo de municpios com ocorrncia de poluio do recurso gua, por

    tipo de causas mais apontadas. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Populao e Indicadores Sociais, Pesquisas de Informaes Bsicas Municipais 2002 (IBGE, 2005)

    31

  • 32

    O Brasil apresenta algumas reas crticas, quando a qualidade da gua

    considerada. Estudos demonstram que essas regies localizam-se prximas aos

    principais centros metropolitanos (MMA, 2006):

    Regio Hidrogrfica do Paran: bacias do Alto Iguau, alto Tiete, Piracicaba,

    Meia Ponte, Rio Preto;

    Regio Hidrogrfica do So Francisco: bacia do rio das Velhas, Para e

    Paraopeba;

    Regio Hidrogrfica Atlntico Leste: bacia dos rios Joanes e Ipitanga;

    Regio Hidrogrfica Atlntico Sul: bacia dos rios dos Sinos e Gravata;

    Regio Hidrogrfica Atlntico Sudeste: bacia do rio Paraba do Sul, bacia do rio

    Jucu;

    Regio Hidrogrfica do Paraguai: bacia do rio Miranda.

    Mesmo com o risco por conta do potencial de presena de

    desreguladores endcrinos nessas regies, o monitoramento no uma prtica

    aplicada no Brasil, entretanto, os riscos provavelmente existem, pois a ocupao

    desses locais leva ao lanamento dessas substncias ao meio. Pases

    considerados desenvolvidos apresentam programas de monitoramento da

    contaminao das guas considerando a contaminao atravs de

    contaminantes emergentes (STAVRAKAKIS et al., 2008; PICKERING;

    STUMPTER, 2003; CEC, 2004) fato que deveria ocorrer tambm no Brasil.

    De acordo com Who (2006), quando se considera a sade pblica como

    questo a ser tratada, a presena de contaminantes deve ter trs questes

    primordiais:

    Probabilidade de exposio

    Concentrao que pode resultar em efeitos adversos sade

    32

  • 33

    Evidncia de efeitos adversos sade em decorrncia da exposio pelo

    consumo de gua

    Para que seja possvel identificar s quais potenciais desreguladores

    endcrinos a populao exposta e corre risco, uma importante ferramenta a

    ser utilizada a avaliao de risco ambiental (WHO, 2006) e o monitoramento

    faz parte desse tipo de avaliao. O monitoramento deveria ser efetivado

    principalmente nas reas potencialmente crticas (como j definido pelo IBGE),

    que na Regio Hidrogrfica Atlntico Sudeste inclui a bacia do rio Paraba do

    Sul.

    3.8.3 Rio Paraba do Sul

    A importncia do rio Paraba do Sul em seu trecho paulista destacada por

    Muller (1969), quando cita que o rio Paraba do Sul serviu de corredor,

    facilitando o deslocamento e a fixao do homem, tornando-se o eixo bsico de

    toda a vida regional, e em suas proximidades foram surgindo e evoluindo os

    principais ncleos populacionais atualmente existentes na regio. Como toda

    regio para se desenvolver necessita obrigatoriamente de recursos hdricos,

    problemas no rio Paraba do Sul certamente trariam srias complicaes para

    um maior desenvolvimento de todo o Vale do Paraba, tendo em vista que a

    Unidade de Gerenciamento de Recursos Hdricos (UGRHI) 2 - Paraba do Sul

    engloba 34 municpios e 1.944.638 habitantes, representando 5% da populao

    do Estado de So Paulo (CETESB, 2007).

    A rea de drenagem da bacia do rio Paraba do Sul tem cerca de 55.500

    km2 compreendida entre os paralelos 2026 e 2300 sul e os meridianos

    4100e 4630 oeste de Greenwich e est localizada na Regio Sudeste entre

    os estados de So Paulo com cerca de 13.900 km2, Minas Gerais 20.700 km2 e

    Rio de Janeiro com aproximadamente 20.900 km2 (ANA, 2001).

    33

  • 34

    O rio Paraba do Sul tem sua nascente localizada na Serra da Bocaina, no

    Estado de So Paulo, a 1.800 m de altitude, e sua foz no norte fluminense, mais

    precisamente no municpio de So Joo da Barra, percorrendo

    aproximadamente 1.150 km. Sua bacia distribui-se na direo leste oeste entre

    as serras do Mar e da Mantiqueira, chegando a mais de 2.000 m de latitude nos

    pontos mais elevados (ANA, 2001).

    Por apresentar diferentes caractersticas fsicas, o rio Paraba do Sul pode

    ser dividido em quatro partes:

    a) Curso Superior inicia-se desde a nascente at a cidade de Guararema, em So Paulo, caracteriza-se por apresentar declives acentuados e regime

    torrencial, tem extenso de 317 km.

    b) Curso Mdio Superior possui 208 km de extenso e vai de Guararema (SP) at Cachoeira Paulista (SP), nesse percurso o rio sinuoso e meandrado.

    c) Curso Mdio Inferior est localizado entre os municpios de Cachoeira Paulista (SP) e So Fidlis (RJ), tem uma extenso de 480 km, apresentando-se

    com reas de cachoeiras.

    d) Curso Inferior o trecho terminal do rio, indo de So Fidlis (RJ) sua foz, em So Joo da Barra e possui 95 km.

    O rio Paraba do Sul tem como seus principais afluentes, em sua margem

    direita, os rios Bananal, Pira, Piabanha e Dois Rios, em sua margem esquerda,

    os rios Jaguar, Paraibuna, Pirapetinga, Pomba e Muria (ANA, 2001). A bacia

    do rio Paraba do Sul abrange 180 municpios e seu sistema hidrulico

    composto por cinco reservatrios, Paraibuna, Jaguari, Santa Branca, Funil e

    Santa Ceclia. A parte paulista da bacia est localizada entre as coordenadas

    22o24 e 23o39 de latitude Sul e 44o10 e 46o26 de longitude Oeste (AGEVAP,

    2010).

    34

  • 35

    Urbanizao, uso e ocupao do solo do Vale do rio Paraba do Sul

    De acordo com Santos e colaboradores (2006), as atividades antrpicas,

    juntamente com o desenvolvimento, a urbanizao e a industrializao trazem

    grandes impactos no ambiente, sobretudo aos importantes recursos hdricos.

    A Tabela 5 demonstra quais as principais atividades que utiliza gua na

    Bacia do rio Paraba do Sul.

    Tabela 5 - Principais usos das guas da Bacia do rio Paraba do Sul

    Usos da gua Captao (m3s-1) Consumo (m3s-1)

    Abastecimento pblico 16,84 3,37

    Uso industrial 13,65 6,19

    Irrigao 49,73 30,28

    Pecuria 3,45 1,73

    Total 83,67 41,57 Fonte: Laboratrio de Hidrologia e Estudos do Meio Ambiente/COPPE/UFRJ (2002)

    De acordo com dados da CETESB (2007), o ndice de coleta do esgoto

    sanitrio das cidades da regio da Bacia do rio Paraba do Sul, em seu trecho

    paulista, de 89%, mas apenas 37% desse efluente recebem tratamento. As

    principais atividades de uso das guas desta bacia envolvem o abastecimento

    pblico e industrial, a gerao de energia eltrica, o afastamento de esgoto

    sanitrio e industrial e a irrigao de plantaes O lanamento de esgoto

    sanitrio sem tratamento prvio em cursos dgua implica na contaminao

    dessas guas por diversas substncias, inclusive desreguladores endcrinos.

    35

  • 36

    4 MATERIAIS E MTODOS 4.1 Validao de mtodo para a quantificao dos hormnios sintticos 17-etinilestradiol e levonorgestrel e do hormnio natural 17-estradiol utilizando-se cromatografia liquida de alta eficincia (HPLC) 4.1.1 Condies cromatogrficas para a determinao dos hormnios em estudo

    17-etinilestradiol - fase mvel: acetonitrila e gua ultrapura (50:50), 10 min, C-18 (Zorbax SB 4,6 x 250 mm, 5 m, Agilent Technologies) FLU

    excitao: 230 nm; emisso: 306 nm, tempo de reteno: 8 min

    Levonorgestrel - fase mvel: acetonitrila e gua ultrapura (50:50), 25 minutos, C-18 (Zorbax SB 4,6 x 250 mm, 5 m, Agilent Technologies) DAD

    240 nm, tempo de reteno: 17,5 min

    17estradiol - fase mvel: acetonitrila e gua ultrapura (60:40), 10 min, coluna PAH (LiChrospher PAH, 250 x 4,6 mm, 5 m, Agilent Technologies), no

    apresentou reprodutibilidade com a coluna C-18 (Zorbax SB 4,6 x 250 mm, 5

    m, Agilent Technologies). FLU excitao: 230 nm; emisso: 306 nm, tempo

    de reteno: 4,5 min

    Condicionamento da coluna SPE utilizando bomba vcuo, o condicionamento da coluna se d com 6 mL de hexano, seguido de 2 mL de

    acetona, 6 mL de metanol e 10 mL de gua ultrapura pH 3.

    36

  • 37

    4.1.2. Validao do mtodo para determinao dos hormnios em estudo A validao do mtodo seguiu as recomendaes descritas na Resoluo - RE 899 da AGNCIA NACIONAL DE VIGILNCIA SANITRIA (ANVISA)

    (ANVISA, 2003). Nesta etapa todas as amostras foram preparadas com gua de

    nascente e adio do analito em questo, ou seja, o padro dos hormnios foi

    adicionado gua de nascente filtrada completando o volume de 200 mL. Aps

    isso, a amostra sempre era extrada por SPE e analisada por HPLC/FLU/DAD.

    A gua de nascente foi considerada como a matriz isenta dos hormnios

    17-estradiol, 17-etinilestradiol e levonorgestrel. As etapas foram procedidas da

    seguinte maneira:

    Seletividade: A matriz utilizada pode conter interferentes, a seletividade avalia o grau dessa interferncia, que pode ser oriunda de outra substncia,

    produtos de degradao, compostos similares, etc. (ARAUJO, 2006). Nessa etapa foi analisada uma amostra do branco, ou seja, a matriz sem o analito e

    uma amostra com o analito, ou seja, gua ultrapura com o analito, ambos nas

    mesmas condies cromatogrficas.

    Limite de deteco (LD) e quantificao (LQ): O limite de deteco a indicao da quantidade mnima que pode ser detectada, entretanto esse valor

    no necessariamente exato. O limite de quantificao o mnimo possvel de

    ser quantificado, tendo como resultado um valor exato (LANAS, 2004). Nessa

    etapa foram preparadas diferentes concentraes do analito adicionado a gua

    de nascente. O limite de deteco deve ser de duas a trs vezes maior do que o

    rudo, j o limite de quantificao tem que ser no mnimo cinco vezes maior que

    o rudo.

    Limite Inferior de quantificao (LIQ): Sabendo-se a concentrao do limite de quantificao (LQ) prepararam-se cinco amostras diferentes da mesma.

    Havendo preciso e exatido dentro dos limites aceitveis, ou seja, preciso de

    at 20% e exatido de 80 a 120%, admite-se esse valor como limite inferior de

    37

  • 38

    quantificao (LIQ). Se no houver preciso e exatido aceitveis deve-se

    aumentar a concentrao at obter os resultados considerados aceitveis.

    Linearidade: A linearidade corresponde competncia do mtodo em dar resultados diretamente proporcionais concentrao da substncia em exame,

    dentro de uma determinada faixa de aplicao. O intervalo de trabalho expressa

    a faixa entre a menor a maior concentrao dos padres usados na construo

    do grfico de calibrao (BRITO et al., 2001).

    A curva de calibrao foi determinada utilizando-se seis concentraes

    diferentes, sendo que para cada concentrao foram feitas trs amostras. Para

    que a curva fosse aceita o LIQ deve ter desvio de at 20% comparado com a

    concentrao nominal e para as outras concentraes desvio de at 15%; e

    coeficiente de correlao linear deve igual ou superior a 0,98.

    Preciso e exatido: A preciso de um mtodo demonstrada quando uma mesma amostra analisada varias vezes e os resultados so prximos

    entre si; e a exatido de um mtodo demonstra a sua competncia de obter

    resultados prximos ao valor real (BRITO et al., 2001). Foram feitas cinco concentraes diferentes abrangendo as concentraes baixa, mdia e alta.

    Para cada concentrao foram preparadas cinco amostras, as quais foram

    extradas e analisadas. Essa etapa foi repetida duas vezes em dias diferentes

    para determinar a preciso e exatido intra-corrida e inter-corridas, sendo que o

    desvio ou coeficiente de variao deve ser de at 15% para todas as

    concentraes, menos para o LIQ que admitido at 20%, e a exatido deve

    estar entre 80 a 120%.

    Recuperao: Esta etapa indica a eficincia da extrao dos hormnios estudados atravs da tcnica de extrao por fase solida (SPE) (BRITO et al.,

    2001). Nesta etapa prepararam-se cinco solues de concentrao diferentes

    abrangendo novamente, concentrao baixa, mdia e alta, e para cada

    concentrao fez-se trs amostras, que posteriormente foram extradas e

    analisadas. Foram feitas tambm cinco solues de concentrao diferentes, e

    para cada concentrao fez-se trs amostras, que no foram extradas por SPE,

    38

  • 39

    ou seja, foram injetadas diretamente no HPLC/FLU/DAD. Os resultados obtidos

    das amostras, que devem ser precisos e exatos, com extrao e sem extrao

    por SPE foram comparados.

    4.2 Identificao e quantificao dos hormnios sintticos 17-etinilestradiol e levonorgestrel e do hormnio natural 17-estradiol e de amostras de gua do rio Paraba do Sul A quantificao dos hormnios sintticos 17-etinilestradiol e

    levonorgestrel, e do hormnio natural 17-estradiol foi feita de acordo com as

    normas da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA, 2003) Resoluo -

    RE n 899, de 29 de maio de 2003, modificando-a para uma anlise utilizando-se

    gua e esgoto como matriz.

    Aps a coleta e devido armazenamento da gua do rio Paraba do Sul,

    municpio de Pindamonhangaba, nos pontos 1 e 2 as amostras congeladas

    foram transportadas em caixas termicamente isoladas ao municpio de So

    Carlos. A continuao dos procedimentos ocorreu no Laboratrio de Qumica

    Analtica Aplicada a Medicamentos e a Ecossistemas Aquticos e Terrestres, do

    Instituto de Qumica de So Carlos, na Universidade de So Paulo, em So

    Carlos.

    O procedimento adotado para a utilizao das amostras foi o

    descongelamento das mesmas, seguido por um processo de filtrao com

    membrana de acetato celulose (0.45 m) e auxlio de uma bomba de vcuo,

    para a remoo de partculas solidas em suspenso.

    Aps a filtragem, o mtodo analtico utilizado para a extrao,

    concentrao e quantificao dos hormnios nas amostras foi a extrao em

    fase slida (SPE) e cromatografia lquida de alta eficincia (HPLC), A extrao e

    concentrao dos hormnios estudados ocorreram atravs de uma fase slida

    (SPE), com cartuchos C18 (Accu BondR II cartridge Agilent Technologies, West

    Lothan, UK), como representado na Figura 4.

    39

  • 40

    De acordo com a ANVISA, a validao deve garantir, por meio de estudos

    experimentais, que o mtodo atenda s exigncias das aplicaes analticas,

    assegurando a confiabilidade dos resultados. Para tanto, deve apresentar

    preciso, exatido, linearidade, limite de deteco e limite de quantificao,

    especificidade, reprodutibilidade, estabilidade e recuperao adequadas

    anlise. Todos estes requisitos foram realizados para a validao da

    metodologia modificada.

    Figura 4 - Cartucho empregado na extrao em

    fase solida (SPE) (Fonte: FALONE, 2007)

    40

  • 41

    4.3 Coletas das amostras de gua no rio Paraba do Sul

    As coletas no rio Paraba do Sul foram feitas em dois pontos localizados

    na rea urbana do municpio de Pindamonhangaba / SP. O ponto1 localiza-se

    prximo rea de captao de gua para abastecimento pblico do municpio

    (Figura 5 a 8), (coordenadas UTM 45 16 60.94 m E, 74 66 11 1.14 m S).

    O ponto 2 encontra-se aproximadamente 2,5 km jusante em relao ao

    ponto 1 e coincide com o local de descarte da estao de tratamento de esgoto

    do municpio de Pindamonhangaba (coordenadas UTM 45 25 07.00 m E; 74 66

    12 9.00 m S) (Figura 9 a 11).

    Figura 5 - Pontos de coleta de gua no rio Paraba do Sul para realizao de teste crnico

    com espcie de peixe padronizada (Danio rerio) mantido em laboratrio e coleta de amostras de gua. Ponto 1- estao de captao para abastecimento pblico (Sabesp) Ponto 2- local de despejo de efluente da estao de tratamento de esgoto

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  • 42

    Figura 6 - Imagem do ponto de coleta de gua no rio Paraba do Sul para realizao

    de teste crnico com espcie de peixe padronizada (Danio rerio) mantido em laboratrio e coleta de amostras de gua. Ponto 1- estao de captao para abastecimento pblico (Sabesp)

    Figura 7 - Ponto de coleta de gua no rio Paraba do Sul para realizao de teste

    crnico com espcie de peixe padronizada (Danio rerio) mantido em laboratrio e coleta de amostras de gua. Ponto 1- estao de captao para abastecimento pblico (Sabesp). Foto: Guilherme Casoni da Rocha.

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  • 43

    Figura 8 - Ponto de coleta de gua no rio Paraba do Sul para realizao de teste

    crnico com espcie de peixe padronizada (Danio rerio) mantido em laboratrio e coleta de amostras de gua. Ponto 1- estao de captao para abastecimento pblico (Sabesp). Foto: Guilherme Casoni da Rocha.

    Figura 9 - Foto area aproximada do ponto de coleta de gua no rio Paraba do Sul

    para realizao de teste crnico com espcie de peixe padronizada (Danio rerio) mantido em laboratrio e coleta de amostras de gua. Ponto 2- local de despejo de efluente da estao de tratamento de esgoto.

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  • 44

    Figura 10 - Pontos de coleta de gua no rio Paraba do Sul para realizao de teste

    crnico com espcie de peixe padronizada (Danio rerio) mantido em laboratrio e coleta de amostras de gua. Ponto 2- local de despejo de efluente da estao de tratamento de esgoto. Foto: Guilherme Casoni da Rocha.

    Figura 11 - Pontos de coleta de gua no rio Paraba do Sul para realizao de teste

    crnico com espcie de peixe padronizada (Danio rerio) mantido em laboratrio e coleta de amostras de gua. Ponto 2- local de despejo de efluente da estao de tratamento de esgoto. Foto: Guilherme Casoni da Rocha.

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  • 45

    As coletas foram feitas com o auxilio de baldes amarrados com cordas, e

    em todos os dias de coleta, a mesma, ocorreu no perodo da manh (8 - 9 horas)

    (Figura 12 e 13). Logo em seguida coleta com baldes, a gua foi armazenada

    em gales e encaminhada imediatamente ao laboratrio, onde as amostras

    foram filtradas. Parte dessa gua foi prontamente utilizada para a realizao dos

    testes toxicolgicos em aqurios com exemplares de Danio rerio, e parte foi

    congelada e armazenada para ser posteriormente analisada quanto s

    concentraes de hormnios.

    Figura 12 - Coleta de gua dos pontos 1 e 2, com auxilio de balde e armazenamento em

    gales. Foto: Guilherme Casoni da Rocha.

    Figura 13 Material utilizado para a coleta de gua dos pontos 1 e 2 ocorreu

    com auxilio de balde e armazenamento em gales. Foto: Guilherme Casoni da Rocha.

    45

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    4.4 Testes com Danio rerio 4.4.1 Aclimatao dos exemplares de Danio rerio utilizados nos testes com gua do rio Paraba do Sul

    Foram utilizados tanto nos ensaios in situ, quanto nos ex situ exemplares

    de Danio rerio adquiridos junto a um produtor comercial de peixes ornamentais.

    Os 300 animais (aprox.) adquiridos para cada um dos trs perodos de teses

    eram do mesmo lote e ficaram em aclimatao por um perodo de 15 dias

    antes de serem utilizados nos experimentos. Os animais foram mantidos em um

    tanque contendo gua desclorada e recebendo rao comercial Tetra duas

    vezes ao dia (manh e tarde).

    4.4.2 Teste crnico in situ com Danio rerio em tanques rede mantidos no rio Paraba do Sul Foram feitos testes crnicos utilizando-se exemplares de Danio rerio

    introduzidos nos Ponto 1 e 2 do rio Paraba do Sul, atravs da utilizao de

    tanques-rede (Figura 14). Os testes foram feitos em 3 perodos, Teste 1 durante

    o ms de dezembro, Teste 2 em abril e Teste 3 durante julho. Em cada um dos

    experimentos foram utilizados 30 exemplares da D. rerio, sendo 15 machos e 15

    fmeas. Os animais foram mantidos durante 21 dias nestes tanques rede,

    consumindo alimento natural vindo da gua. Ao final deste prazo os peixes

    foram anestesiados (banho em benzocana 4%), medidos e pesados, e

    imediatamente congelados (COBEA, 1991). Para as anlises de VTG, foram

    feitos extratos dos peixes, como descrito por Rose et al. (2002). Os peixes foram

    macerados individualmente em soluo tampo sob refrigerao (50mM Tris-

    HCl; pH 8,0; 0,02% Aprotinina, 0,1 mM PMSF) e em seguida centrifugados

    5000xg por 60 min a 4oC. O sobrenadante foi armazenado a -70oC at o

    momento das anlises.

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  • 47

    Figura 14 - Tanque rede utilizado no teste crnico in situ com Danio rerio mantidos no rio Paraba do Sul, municpio de Pindamonhangaba (Ponto 1). Foto: Guilherme Casoni da Rocha.

    4.4.3 Teste crnico ex situ com espcie de peixe padronizada (Danio rerio)

    O local que em que ocorreu o teste crnico ex situ utilizando-se a espcie

    Danio rerio como modelo foi o laboratrio do Setor de Aquicultura do Polo

    Regional Vale do Paraba (Agencia Paulista de Tecnologia dos Agronegcios,

    Secretaria de Agricultura e Abastecimento). Os testes foram realizados

    concomitantemente ao teste crnico com tanques rede (Teste 1- dezembro;

    Teste 2- abril e Teste 3- julho.

    Para a realizao dos testes foram utilizados aqurios de vidro com

    capacidade de 10 litros. Foram testadas 5 diferentes condies (tratamentos) de

    gua nos aqurios, sendo os seguintes grupos:

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    1- grupo controle: gua desclorada (controle)

    2- captao para abastecimen