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AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-
CRÍTICA
Autor: Maria Rosiney Furini1
Orientador: João Luiz Gasparin2
Resumo
Este artigo apresenta uma síntese do estudo sobre a avaliação escolar e seu papel na relação ensino-aprendizagem e formação humana. Constitui-se como parte de um estudo realizado durante o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do ano de 2010/2012 e desenvolvido em uma escola pública da rede estadual do Paraná, no município de Maringá. Tem como base teórica a Teoria Histórico-Cultural, a Pedagogia Histórico-Crítica e sua Didática, cujo referencial é o materialismo histórico dialético, para o qual a consciência humana é socialmente condicionada e tem na escola sua principal via de desenvolvimento. Nessa perspectiva, a avaliação supera o caráter de exame, passando a ser compreendida como componente do processo de ensino e como subsidiária da aprendizagem do aluno. Durante a implementação buscou-se problematizar a prática docente mediante uma análise de provas aplicadas nas séries finais do Ensino Fundamental com base nas concepções teóricas apresentadas e um olhar para a legislação vigente no Estado. A conclusão ressalta a importância de compreender a avaliação como elemento que evidencia a aprendizagem numa perspectiva de desenvolvimento intelectual do aluno e aponta para a necessidade de capacitação dos professores no sentido de possibilitar ultrapassar da teoria à prática, pressupondo que, se eles não mudam a prática pedagógica é porque não sabem ou não têm condições de trabalho favoráveis para isso.
Palavras chave: Teoria Histórico-Cultural. Pedagogia Histórico-Crítica. Ensino e
aprendizagem. Avaliação.
1 Professora PDE 2010/1012, pedagoga da rede estadual de ensino do Estado do
Paraná. 2 Professor do Programa de Pós –Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá-
Orientador
2
Abstract
This article presents a synthesis of an study about school evaluation and its role in the relation teaching-learning and human formation. It consists in part of a study accomplished during the Educational Development Program (PDE) of the years 2010/2012 and developed in a State school, from Paraná, in Maringá City. It has as theoretical basis the Cultural-Historical Theory, the Historical-Critical Pedagogy and its Didactics, which referential is the Dialectical and Historical Materialism, to which the human conscious is socially conditioned, and has in the school its main way of developing. In this perspective, evaluation overcomes the character of examination, being understood as a component of the process of teaching and as subsidiary of the student’s learning. During the implementation, it was tried to problematize the teaching practice by an analysis of testes applied in the final years of the Elementary School according to the theoretical conceptions presented, also with emphasis to the current legislation of the State. The conclusion highlights the importance of understanding the evaluation as an element that shows the apprenticeship in a perspective of the student's intellectual development, and points to the need of training of teachers, making possible the advancement of theory to practice, assuming that if teachers do not change pedagogical practice is because they can not or do not have favorable conditions of work for this.
Keywords: Cultural-Historical Theory. Historical-Critical Pedagogy. Teaching and
learning Process. Evaluation.
1 Introdução
O presente artigo sintetiza um trabalho realizado no Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), integrado às atividades de formação
continuada da Secretaria de Estado da Educação (SEED) do Paraná, que consiste
em um projeto de intervenção pedagógica elaborado pelo professor da rede em sua
área de atuação, com apoio de um professor orientador de Instituição de Ensino
Superior (IES) para ser desenvolvido na escola pública.
Faz parte do projeto de intervenção pedagógica, a elaboração de uma
Unidade Didática3 pelo professor PDE sobre o tema de estudo contendo textos e
3 A Unidade Didática: Avaliação da aprendizagem escolar na perspectiva Histórico-Crítica foi
produzida pela professora PDE e utilizada como referência na implementação do Projeto na escola, no GTR e na produção deste artigo.
3
atividades para reflexão, de forma que este material, seja capaz de “dialogar” com
aqueles que dele fizerem uso, incluindo os professores do Grupo de Trabalho em
Rede (GTR)4.
O objetivo principal do PDE é promover a interação entre professores do
ensino superior e da educação básica, tendo em vista a produção de conhecimento
e a sistematização de ações educacionais que resultem em mudanças qualitativas
na prática pedagógica e na melhoria da educação.
O tema “avaliação da aprendizagem” foi escolhido para elaboração do projeto
de intervenção pedagógica em razão de nossa trajetória na educação básica, que
tem mostrado que a avaliação não tem sido útil para assegurar a aprendizagem os
alunos5. Historicamente a avaliação como processo de classificação e seleção teve
suas origens na China há cerca do ano 2.205 a.C.(DEPRESBITERIS, 1995).
Todavia, seu uso com a função classificatória persiste até hoje e continua
determinando a seleção social e a exclusão de muitos alunos do sistema escolar.
Apesar das mudanças na legislação educacional, ainda encontramos na escola as
mesmas formas de se avaliar. Diante dessa inquietação decidimos estabelecer
algumas reflexões junto aos professores, buscando compreender como a avaliação
ocorre no contexto escolar e qual função desempenha.
Utilizamos como base os pressupostos teórico-metodológicos da Teoria
Histórico-Cultural6 e da Pedagogia Histórico-Crítica7, que se fundamentam na
filosofia materialista dialética para explicar a condição histórico-social do
desenvolvimento humano, num processo de apropriação da cultura mediante a
interação social com outras pessoas.
A Teoria Histórico-Cultural de Vygotsk, difundida nas últimas décadas, tornou-
se imprescindível no âmbito da educação, pois caracteriza os aspectos tipicamente
humanos do comportamento explicando como eles se formam ao longo da história
humana e como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo. Além disso, essa
4 Grupos de Trabalho em Rede – GTR. Uma das atividades do Programa de Desenvolvimento
Educacional – PDE, que se caracteriza pela interação virtual entre os Professores PDE e os demais professores da Rede Pública Estadual, por meio da plataforma Moodle.
5 SEED- Oficina Avaliação/mesa redonda1. Avaliação da Aprendizagem-(vídeo).
6 A teoria Histórico-Cultural constitui-se numa teoria psicológica elaborada pelo russo Lev
Semenovich Vygotsky (1896- 1934), explica o desenvolvimento das funções psicológicas superiores nos seres humanos. REGO (2010). 7 A Pedagogia Histórico-Crítica elaborada por Dermeval Saviani foi apresentada em uma versão
preliminar no livro: “Escola e democracia”, publicado no ano de 1983.
4
teoria aponta a escola como espaço pelo qual o indivíduo se apropria de sua cultura
e desenvolve seu intelecto.
A compreensão da Teoria Histórico-Cultural implica em refletir sobre o papel
da escola e sobre formas mais eficientes de organização do ensino e avaliação que
considerem o desenvolvimento intelectual do aluno por meio da aprendizagem do
conhecimento científico. Neste enfoque, a Pedagogia Histórico-Crítica busca a
formação humana, propondo-se à identificação dos elementos culturais que
precisam ser assimilados pelos indivíduos convertendo-o em saber escolar e à
descoberta das formas mais adequadas para se atingir esse objetivo.
Este texto se constitui de três partes: a primeira situa teoricamente a
avaliação na relação ensino-aprendizagem, a segunda discorre sobre a
implementação do projeto de intervenção na escola e a última parte destina-se à
apresentação de nossas impressões para conclusão deste trabalho.
1.1 A relação ensino- aprendizagem e avaliação numa abordagem Histórico-
Cultural
“O bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”
diz Vygotsky (1989, p. 101) ao postular que o ensino adequadamente organizado
resulta em desenvolvimento mental. Vygotsky Iniciou sua carreira aos 21 anos,
após a Revolução Russa de 1917, e estudou profundamente o desenvolvimento do
pensamento humano a partir das concepções de Marx e Engels, criando uma
psicologia experimental das funções psicológicas superiores. Para ele e os membros
de seu grupo: A. R. Luria e A. N. Leontiev, “as formas superiores de comportamento
consciente deveriam ser achadas nas relações sociais que o indivíduo mantém com
o mundo exterior”, considerando que “o homem não é apenas um produto do seu
ambiente, é também um agente ativo no processo de criação deste meio”. LURIA
(2006, p. 25).
Conforme Engels (1982) a relação do homem com seus semelhantes e com a
natureza se origina por meio do trabalho. Ao interagir com a natureza nos primórdios
da humanidade, o homem passou a transformá-la, mas numa relação dialética,
também transforma a si mesmo. A criação de instrumentos para realização de sua
5
atividade permitiu ao homem ampliar sua capacidade e possibilidades de
intervenção na natureza, o que possibilitou a ele agir de forma pensada, avaliando
suas ações e mudando as relações humanas sociais. As ações pensadas do homem
deram origem a uma categoria de trabalho denominado trabalho não-material. A
partir da ação planejada o homem avalia suas ações a fim de atender suas
necessidades, nesse momento tem início a produção do saber. Mas, diferentemente
dos animais, os homens não apenas produzem seus instrumentos como também os
conservam e transmitem sua função aos membros de seu grupo REGO (2010).
Para Vygotsky (1989), as “Funções Psicológicas Superiores”, do homem
consistem no modo de funcionamento psicológico tipicamente humano, como a
capacidade de planejamento, memória voluntária, imaginação, etc. que se referem a
mecanismos intencionais, ações controladas e processos voluntários e são
responsáveis pela maioria dos conhecimentos, habilidades e procedimentos
comportamentais que se originam nas relações entre indivíduos humanos e se
desenvolvem com o processo de internalização das formas culturais de
comportamento. É a assimilação da experiência de toda a humanidade, acumulada
no processo da história social e transmitida no processo de aprendizagem. A
apropriação da cultura humana não é algo natural, a mediação dos adultos com as
crianças é que permite que estas assimilem as habilidades e os conhecimentos que
foram construídos pelo homem ao longo de sua história.
Os instrumentos e os signos, segundo Vygotsky (1989), são responsáveis
pelo processo de mediação que caracteriza a relação do homem com o mundo e
com os outros homens. Os instrumentos regulam a atividade humana externa
dirigida para o controle e domínio da natureza e os signos regulam a atividade
interna e as ações sobre o psiquismo das pessoas. A linguagem caracteriza-se
como um grande sistema de signos, através do qual o indivíduo internaliza as
experiências de sua cultura e aprende a organizar individualmente seus processos
mentais.
De acordo com Vygotsky (1989), o indivíduo aprende desde o nascimento por
meio de experiências empíricas e espontâneas. Esse tipo de aprendizagem resulta
na apropriação dos conceitos cotidianos. Já o desenvolvimento dos conceitos
científicos depende da aprendizagem escolar. A mediação do professor ao trabalhar
com conceitos científicos desencadeia a aprendizagem interferindo naquilo que
Vygotsky denomina de zona de desenvolvimento próximo ou potencial, que são as
6
funções mentais em desenvolvimento e refere-se à capacidade que vai além daquilo
que a criança consegue fazer sozinha. Como apontamos no início deste tópico, a
aprendizagem só será significativa se desempenhar esta função, pois, a mediação é
fundamental para impulsionar o desenvolvimento mental prospectivo.
Nessa abordagem de desenvolvimento do pensamento, o homem não se
limita ao mundo das impressões sensoriais imediatas, vai muito além, ele reúne
experiências anteriores, podendo abstrair, fazer relações, interpretações, previsões,
tomar decisões, utilizando-se de conceitos abstratos. (REGO 2010).
Sob este enfoque, a aprendizagem implica na incorporação de práticas
culturais de forma consciente, onde o aluno consiga estabelecer uma relação
compreensiva dos novos conhecimentos com os anteriores, reinterpretando e
atribuindo a eles um significado próprio. Assim, a aquisição de novos conceitos
modifica tanto o nível de conhecimento do indivíduo quanto sua forma de pensar,
mudando também sua forma de agir.
Partindo destes pressupostos os objetivos escolares devem levar em conta
não somente o quê ensinar, mas também, para quê ensinar, considerando o caráter
histórico e científico dos conteúdos e a utilização social dos mesmos. Aquilo que se
aprende fora da escola refere-se a um saber baseado apenas na experiência de
vida. O saber elaborado (ciência), segundo Saviani (1991), cabe à escola assegurar.
Todavia, é necessário proporcionar ao aluno as condições de acesso a esse saber.
Saviani (1991, p.23) defende a idéia de que:
[...] o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber é aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso também aprender a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia humanas).
Para aproximar o aluno da cultura letrada é necessário que o professor tenha
clareza de como ensinar de modo que o ensino tenha significado para ele e não se
limite à transmissão mecânica de conteúdo. O fato de reproduzir um novo conceito
não assegura que o aluno compreendeu seu significado, por isso o ensino deve ser
7
desafiador visando proporcionar uma aprendizagem que propicie o desenvolvimento
intelectual.
Portanto, se aprendizagem requer o pensamento reflexivo, ela não ocorre por
um breve contato com os conteúdos, como em uma breve explicação do professor,
por exemplo. É necessário pensar para aprender, isso requer vários contatos com o
conteúdo, por meio de atividades significativas de ensino que proporcionem uma
intensa atividade mental, de modo que o aluno consiga relacionar os novos
conceitos com os já internalizados até compreendê-los.
Sobre esta questão Sforni (2004, p.82) afirma que:
Enquanto o sujeito realiza algo, mas não está consciente do seu próprio ato de pensamento, não tem domínio sobre ele. Daí porque colocar os alunos em ação na resolução de tarefas escolares não é suficiente para garantir qualidade à aprendizagem. Estar consciente, no aspecto aqui abordado, significa que a atividade do sujeito está voltada para a própria atividade psíquica, e, estando consciente, pode atuar sobre ela de forma deliberada, enfim pode ter o domínio sobre ela. Nesse sentido é que a aquisição de conceitos científicos é potencialmente promotora de desenvolvimento psíquico.
Segundo Sforni, os conceitos científicos promovem o desenvolvimento
psíquico, pois exigem ação mental da criança voltada para próprio ato do
pensamento, ao contrário dos conceitos espontâneos em que a ação mental é quase
sempre inconsciente voltada apenas para o objeto.
Nas palavras de Gasparin (2009, p. 58):
Os conceitos do professor não são transmitidos de forma mecânica e direta ao aluno; não são passados automaticamente de uma cabeça para outra. O caminho que vai desde o primeiro contato da criança com o novo conceito até o momento em que a palavra se torna propriedade sua, como conceito científico, é um complicado processo psíquico interno e envolve a compreensão da nova palavra, seu uso e assimilação real.
Para Gasparin (2009) é necessário que o professor trabalhe os conteúdos
científicos sempre contrastando com os cotidianos numa relação dialética. Assim,
ele age na zona de desenvolvimento imediato dos educandos, oportunizando
operações mentais como analisar, comparar, explicar, generalizar, para que
incorporem os conceitos científicos aos cotidianos transformando-os em uma nova
8
síntese mental mais elaborada. Segundo o autor, isso não ocorre de uma só vez,
mas por meio de aproximações sucessivas com o conteúdo, onde os conceitos
cotidianos dos alunos se transformarão em científicos e estes por sua vez, devem se
tornar cotidianos, para serem usados em sua nova prática social.
Nesta concepção, a avaliação deve ser assumida como um elemento que
contribui para o desenvolvimento intelectual do aluno. Um momento no qual ele
consiga sintetizar o que aprendeu de forma reflexiva, evidenciando que
compreendeu o conteúdo e conseguirá fazer uso dele em diferentes situações que
extrapolam o contexto escolar.
1.2 A avaliação na Pedagogia Histórico-Crítica
A avaliação em sentido amplo caracteriza-se como uma atividade tipicamente
humana originada a partir do momento em que o homem passou a antever suas
ações através do planejamento mental. Ela faz parte de todas as nossas ações
cotidianas, até mesmo de forma implícita em ações nas quais não estamos
conscientes de sua presença (PARO (2001). Entretanto, a avaliação da
aprendizagem é um recurso de comprovação da eficácia do ensino e diz respeito a
objetivos claros que se pretende atingir.
De acordo com Saviani 2008, a avaliação em nosso país tem seu início com a
pedagogia jesuítica a partir de 1549, caracterizando-se como primeiro modelo de
educação escolar. O modelo tradicional, dentro do qual emergiu e cristalizou-se a
sociedade burguesa.
Nesse aspecto, Luckesi (2005, p.17) enfatiza que na pedagogia tradicional “a
avaliação da aprendizagem ganhou um espaço tão amplo nos processos de ensino
que nossa prática educativa escolar passou a ser direcionada por uma “pedagogia
do exame” evidenciando seu caráter classificatório e independente dos processos de
ensino e aprendizagem. Durante muito tempo a avaliação foi utilizada com essa
finalidade. Nas últimas três décadas, porém ela tem sido proposta por estudiosos
como um meio para alcançar a produção do melhor resultado na aprendizagem. Em
seus estudos, Luckesi (2005) propõe a superação da prática de exames e do uso da
avaliação classificatória. Para o autor “há um equívoco entre o ato de avaliar e o ato
9
de examinar, nós, de fato, chamamos de avaliação e praticamos exames”8. Os
professores utilizam-se das provas para o controle e intimidação dos alunos e
também para classificá-los conforme a nota. O conhecimento do aluno serve apenas
no momento da prova, tanto que, se o aluno entregar a prova e minutos depois pedir
ao professor para refazer uma questão, será impedido.
Importa saber: a ideia social de avaliação como exames já foi superada? Para
Luckesi (2005, p. 41) “Não há possibilidade de transformar os rumos da avaliação,
fazendo-a permanecer no bojo de um modelo social e uma pedagogia que não
permite esse encaminhamento”. Segundo Luckesi (idem, p.42) para que a avaliação
deixe de ser autoritária e assuma seu verdadeiro papel de “instrumento dialético de
diagnóstico” deverá estar a serviço de uma pedagogia não seja autoritária e se
mostre preocupada com a transformação social. O autor acrescenta ainda que o
professor empenhado em mudar a avaliação deverá redefinir sua ação pedagógica,
mediante um posicionamento claro que oriente continuamente sua ação no
planejamento na execução e na avaliação.
Defendendo essa mesma idéia Vasconcellos (2005, p.68) afirma que “não se
pode conceber uma avaliação reflexiva, crítica, emancipatória, num processo de
ensino passivo, repetitivo, alienante”. Para o autor, a avaliação sempre faz parte do
processo ensino-aprendizagem e o professor dificilmente conseguirá mudar a
avaliação enquanto não mudar a forma de trabalhar em sala de aula. Partindo do
princípio de que como se ensina assim também se deve avaliar, o autor justifica que
é necessário avaliar os alunos para que aprendam mais e melhor. “Olhando para
sua avaliação, o professor deveria ver ali o reflexo daquilo que é essencial em sua
área de conhecimento, aquilo que é realmente significativo que o aluno tenha
aprendido” VASCONCELLOS (2005, p.80).
O pensamento dos autores supracitados nos remete a difícil realidade da
escola onde tenta-se resolver o problema da avaliação ignorando o ensino oferecido.
Diante desse quadro, situamos nosso objeto de estudo no bojo da Pedagogia
Histórico-Crítica enquanto pedagogia empenhada em compreender a educação
dentro do movimento objetivo do processo histórico, no qual a escola é condicionada
por aspectos sociais, mas, também possibilita a transformação social.
8 Ver: Luckesi: Avaliação da Aprendizagem. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=iiJWUcR0g5M> Acesso em: Set. 2011.
10
A Pedagogia Histórico-Crítica enfoca duas questões básicas: a identificação
das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber produzido
historicamente e a conversão desse saber objetivo em saber escolar, por meio de
formas adequadas para torná-lo acessível ao educando. Nesta concepção
pedagógica o ensino se orienta pelos passos do método dialético: síncrese-análise-
síntese e a avaliação refere-se ao último passo deste método: a síntese. De acordo
com Gasparin (2009) a avaliação é o momento da catarse, no qual o aluno realiza a
síntese mental e expressa o que aprendeu teoricamente.
Saviani (apud Gasparin, 2009, p.124) explica que a catarse é:
[...] a expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se ascendeu. [...] trata-se da efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social. [...] Daí porque o momento catártico pode ser considerado como o ponto culminante do processo educativo, já que é aí que se realiza pela mediação da análise levada a cabo no processo de ensino, a passagem da síncrese à síntese; em consequência, manifesta-se nos alunos a capacidade de expressarem uma compreensão da prática em termos tão elaborados quanto era possível ao professor (1999, p.81-82).
Avaliar na perspectiva histórico-crítica implica em verificar o conhecimento do
aluno em duas dimensões: uma teórica - a nova maneira de o aluno ver o conteúdo -
e outra prática, ao possibilitar que ele utilize os conceitos em outra situação de forma
apropriada. O objetivo maior é que ao incorporar conceitos científicos, o educando
passe a compreender a realidade que antes lhe parecia natural e dada por Deus,
agora como histórica, produzida pelos homens em determinado tempo e espaço
para satisfazer suas necessidades. Ao assumir essa compreensão da realidade, ele
compreende também que os conteúdos têm significado e utilidade para sua vida e
podem caracterizar o que Gasparin (2009, p. 126) denomina “novo instrumento de
trabalho, de luta, de construção da realidade pessoal e social”.
Na visão de Vasconcellos (apud Gasparin 2009, 130):
[...] trata-se da “materialização e objetivação do conhecimento”. Aqui, o educando deverá expor os vários níveis de relações que conseguir estabelecer com o objeto do conhecimento, seu significado, bem como a generalização, a aplicação em outras situações que não as estudadas.
11
A proposta de avaliação dialética da aprendizagem tomada como referência
neste texto tem em Luckesi (2005, p.33) a seguinte definição: “A avaliação é um
julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista
uma tomada de decisão”. O juízo de valor é uma afirmação qualitativa sobre um
conteúdo que se quer avaliar, partindo de critérios pré-estabelecidos para conhecer
o nível de desempenho do aluno. Por isso, quanto mais se aproximar o objeto a ser
avaliado do padrão ideal, mais satisfatório será o julgamento. Mas, esse julgamento
não será subjetivo, pois surgirá dos indicadores da realidade que delimitam a
qualidade esperada do objeto. Assim, enfatiza Luckesi, o juízo de valor ou avaliação
é o componente que mais coloca poder na mão do professor, pois, conduz a uma
tomada de decisão e requer uma atitude do mesmo. Se o professor não tomar
decisões que possibilitem os resultados esperados, de nada terá adiantado a
avaliação. Ou seja, a avaliação por si só não garantirá o melhor resultado, este
resultado dependerá do uso que o professor fizer dela.
Gasparin (2010, p.3) reforça essa ideia ao afirmar que “A avaliação apenas
mostra o que o aluno sabe. Os usos que são feitos da avaliação não são parte dela”.
Após analisar a definição de avaliação de vários autores, Gasparin argumenta que
muitos confundem avaliação com seus usos e modalidades. Segundo Gasparin,
durante o ano letivo, a avaliação desempenha mais de uma função: diagnóstica,
formativa, somativa, conforme as necessidades de cada momento; essas funções da
avaliação são apontadas pela maioria dos estudiosos como a avaliação em si e não
como funções diferentes em momentos diferentes. Para Gasparin (Idem p. 5) o
momento em que a avaliação se realiza não altera sua essência: “Se é inicial,
processual ou final, isso não é parte constitutiva da avaliação”.
De fato, comungamos com a ideia de que nenhuma avaliação em si é capaz
de diagnosticar, informar ou formar o aluno, oferecendo elementos para que ele
aperfeiçoe sua aprendizagem. A avaliação apenas demonstra o nível de apreensão
dos conteúdos pelo aluno.
Estes equívocos podem ser vistos com muita frequência no Plano de trabalho
docente dos professores em expressões como: “avaliação diagnóstica”, “avaliação
formativa”, “avaliação processual”, entre outras, colocadas como se a avaliação
automaticamente pudesse indicar caminhos para corrigir as falhas do processo.
12
Essa visão equivocada contribui para a desarticulação entre ensino e avaliação
tornando-a independente, autônoma e responsável pelo fracasso escolar.
Uma avaliação aplicada com o intuito de “diagnosticar” eventuais problemas,
não será auto-suficiente para solucioná-los, também não conseguirá por si só,
regular as atividades docentes. Se o professor aplicar uma avaliação com caráter
diagnóstico e não tomar as decisões necessárias para melhorar os resultados, ela
não passará de exame. Isto porque diagnóstico não é avaliação, mas pesquisa,
busca, coleta de dados sobre os quais se poderá realizar depois uma avaliação. A
avaliação é sempre um momento de parada para um juízo apreciativo, um recurso
de comprovação de eficácia do ensino.
Cabe destacar que, para Luckesi (2005) o diagnóstico não pressupõe menos
rigor em sua prática. Ao contrário, ele deverá contar com rigor técnico e científico
para garantir ao professor um instrumento mais objetivo de tomada de decisão.
Nesse sentido, os instrumentos de avaliação devem mostrar que o aluno aprendeu,
evidenciando sua capacidade de síntese mental do conteúdo nas dimensões em que
foi abordado.
Acima de tudo, a avaliação deverá verificar a aprendizagem não a partir do
mínimo possível, mas sim, a partir do mínimo necessário para o passo seguinte de
sua aprendizagem. Se não for possível contemplar todo o conteúdo trabalhado em
um único instrumento é necessário que o professor ofereça mais de uma
oportunidade de avaliação, sempre estabelecendo previamente os critérios de
acordo com os objetivos planejados e apresentando-os aos alunos para que possam
ter clareza daquilo que deverão aprender.
2 Avaliação: uma reflexão com os professores
O projeto de intervenção pedagógica que culminou neste artigo tinha como
objetivo levar à escola as discussões sobre avaliação. Esse estudo ocorreu por meio
de um curso presencial de extensão da UEM para pedagogos e professores, no qual
a avaliação foi abordada sob o enfoque teórico apresentado na primeira parte deste
texto. O quadro a seguir sintetiza as concepções filosófica, psicológica, pedagógica
e didática utilizadas para organização do curso.
13
Método dialético Marx
Concreto empírico Abstrato Concreto pensado
Teoria Histórico Cultural Vygotsky
Nível de desenvolvimento atual
Zona de desenvolvimento potencial
Novo nível de desenvolvimento atual
Pedagogia Histórico-Crítica Saviani
Prática social inicial Problematização, Instrumentalização, Catarse
Prática social final
Didática da Pedagogia Histórico-Crítica Gasparin
Prática Aprender
Teoria Desaprender
Nova prática Reaprender
Os temas foram desenvolvidos mediante leitura de textos e discussão do
Material didático-pedagógico: Avaliação da Aprendizagem Escolar na Perspectiva
Histórico-Crítica elaborado pela professora PDE e apresentado também no GTR.
Abaixo apresentamos os conteúdos específicos estudados nos oito encontros
presenciais. Cada encontro era iniciado a partir de situações reais da prática
docente, passando à instrumentalização dos professores e finalizando com a
retomada do problema sob uma visão teórica, onde eram levantadas as
possibilidades e limites de concretização na realidade escolar.
Temas desenvolvidos/estudados Carga Horária/Horas
Teoria Histórico-Cultural: os estudos de Vygotsky 4 horas
A relação ensino, aprendizagem e desenvolvimento 4 horas
Pedagogia Histórico-Crítica e Método Dialético 4 horas
Didática da Pedagogia Histórico-Crítica 4 horas
Avaliação: concepções e base legal 4 horas
Avaliação na Pedagogia Histórico-Crítica 4 horas
Avaliação: análise da prática 4 horas
Avaliação: uma proposta de ação 4 horas
Ao iniciarmos o trabalho apresentamos aos participantes a seguinte questão:
“Como você define avaliação da aprendizagem?”. Dentre as respostas obtidas
destacamos algumas, como exemplo:
Prof.1: Avaliação é um meio de diagnóstico do conhecimento do aluno. Prof. 2: Avaliação é um importante processo de diagnóstico para que se possa interferir na aprendizagem, repensando nos próximos encaminhamentos, nos próximos passos que temos que seguir, com um olhar diferenciado.
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Prof. 3: Avaliação é atribuir valor a alguma coisa a partir de algum parâmetro para essa valoração. Avaliação escolar permite atribuir valor a uma dada atividade realizada pelo aluno e também ao ensino organizado pelo professor. Prof. 4 : Avaliação é o processo pelo qual se faz possível a análise da aprendizagem ocorrida a cerca de determinado conteúdo, permitindo avançar ou retomar os conteúdos. Prof. 5: Avaliação é o processo pelo qual se mede conhecimentos, partindo do que se sabe e depois do que foi adquirido. Prof. 6: Avaliação é para posterior análise da prática e análise dos resultados obtidos e retomada de atitudes e de conteúdos.
É interessante observar que as respostas apresentadas pelos professores
demonstraram conhecimento da concepção dialética de avaliação, embora não
tenham feito referência a nenhum teórico. A partir de então passamos a observar a
postura dos participantes no decorrer do curso, a fim de perceber se as respostas
apresentadas a priori revelavam a compreensão de suas implicações ou tratava-se
apenas da repetição de um chavão.
Iniciamos a instrumentalização com a apresentação da Teoria Histórico-
Cultural, onde trabalhamos os seguintes textos: Vygotsky: uma perspectiva histórico-
cultural da educação de Teresa Cristina Rego (2010) e Acerca da relação entre
ensino, aprendizagem e desenvolvimento de Palangana, Galuch e Sforn (2002).
Apresentamos também os vídeos: Borboletas de Zagosrk (BBC, 1992) partes 1 à 6 e
Marta Kohl – Vygotsky, partes 1 à 6, além de slides com a cronologia de Vygotsky e
um resgate histórico de seu contexto de estudos. Foram discutidos aspectos
comparativos entre as concepções de Vygotsky e Piaget acerca do desenvolvimento
humano e alguns elementos da Teoria Histórico-Cultural: a natureza social das
funções psicológicas superiores, a mediação simbólica, o instrumento e o signo, a
relação entre o pensamento e a linguagem e aprendizagem e desenvolvimento.
O ponto alto das discussões ocorreu ao abordar a tese proposta por Vygotsky
(1989, p. 101) de que “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao
desenvolvimento”. O entendimento de que somente a aprendizagem
adequadamente organizada promove o desenvolvimento mental levou os
professores a compreender a dimensão do ato de ensinar e o que representa o bom
ensino para o desenvolvimento do educando e propiciou reflexões sobre o que
representa o resultado das avaliações. Nesse momento foi lembrado o ensino
15
baseado no uso do livro didático que se restringe ao cumprimento de tarefa e não
coloca o aluno em atividade de ensino.
Ficou evidente que, de acordo com a Teoria de Vygotsky, a tarefa central da
ação docente é ultrapassar o conhecimento real dos alunos e avançar para aquilo
que eles possam realizar com a intervenção do professor ou dos colegas.
Destacamos a importância de avaliar sempre o aluno, pois, a cada aula ele alcança
um novo nível de desenvolvimento mental, principalmente com a mediação do
professor.
Os professores reconhecerem que na escola trabalha-se com o nível de
desenvolvimento real dos educandos e avalia-se apenas o conhecimento
retrospectivo, em decorrência do número de alunos em sala. Apontaram que um dos
maiores desafios do ensino é atender individualmente alunos em diferentes níveis de
aprendizagem, principalmente aqueles que apresentam maior dificuldade ou
necessidades educacionais especiais e necessitam de maior mediação para
aprender. Segundo os professores a recuperação constante de conteúdos para
estes acaba desinteressando aqueles que estão em um nível mais adiantado.
Nesta etapa constatamos que a teoria Histórico-Cultural é conhecida apenas
superficialmente pela maioria dos educadores. Os professores demonstraram certa
angústia pela falta do conhecimento e teceram críticas quanto à formação inicial e
formação continuada de professores, salientando os professores do ensino
profissionalizante, que não cursaram uma licenciatura. Apenas os pedagogos
acabam tendo um conhecimento teórico mais amplo. Eis algumas impressões
colhidas nesse momento:
Prof. 1: Devido a formação acadêmica dos professores e os poucos momentos de estudos coletivos falta aprofundamento do conhecimento sobre questões pedagógicas e a avaliação. Prof. 2: Falta conhecimento e entendimento sobre as teorias pedagógicas e concepções de avaliação. Prof.3: Acredito que muitos não têm conhecimento sobre as teorias de aprendizagem outros não as relaciona com sua prática e têm muitas dúvidas sobre como avaliar. Prof.4: Estudar a Teoria Histórico-Cultural me fez refletir sobre a minha prática pedagógica, principalmente sobre a coerência entre a teoria e a prática.
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Prof. 5: Iniciamos o curso com algumas dificuldades em relação à confusão entre os termos Histórico-Cultural e Histórico-Crítica, porém, no decorrer do curso as discussões nos auxiliaram a compreender a diferença entre eles. Prof. 6: Nas capacitações estudamos apenas os conteúdos da disciplina, nunca temos oportunidade de discutir as teorias de educação.
O passo seguinte foi a abordagem da Pedagogia Histórico-Crítica, onde
refletimos sobre os objetivos de Saviani ao apresentá-la no livro “Escola e
Democracia”. Nesse momento foram apresentadas as diferentes concepções de
educação: as Teorias não-críticas, as Teorias crítico-reprodutivistas e as Teorias
críticas, dentro das quais se insere a Pedagogia Histórico-Crítica. Em cada
concepção de educação foi apresentado um resgate histórico das tendências
pedagógicas predominantes, com o intuito de compreender a função política e social
da escola, o papel do professor, o papel dos alunos e a função da avaliação em
diferentes momentos.
Abordamos também o Método Dialético de Marx (1983) utilizado por Saviani
como base para organização dos passos da Pedagogia Histórico-Crítica. Para
elucidar o Método Dialético foi lido o texto: Aprender, desaprender, reaprender: Um
desafio didático-dialético, de Gasparin (s.d.) e apresentada a Didática da Pedagogia
Histórico-Crítica, também de Gasparin (2009), na qual o autor apresenta uma
proposta de aproximação teórico-prática do método dialético de construção do
conhecimento. Após estas reflexões os professores manifestaram as seguintes
considerações:
Prof.1: Teoricamente a Pedagogia Histórico-Crítica e o método Dialético norteiam o trabalho pedagógico. Mas, na prática isso não acontece em função do desconhecimento dessa pedagogia e de seu método. Prof. 2: É necessário ampliar bastante as leituras e discussões sobre a Pedagogia Histórico-Critica e sua Didática. Prof. 3: Essa proposta consta no Projeto político-pedagógico, ou seja, na teoria, porém, ainda estamos caminhando para que ela norteie também a nossa prática na sala de aula. Prof. 4: A aplicação da Pedagogia Histórico-Crítica é um grande desfio para nós, pois parece que ela não se encaixa na estrutura da escola pública. Prof. 5: A avaliação da aprendizagem é um grande problema principalmente na escola pública, é necessário uma revolução para mudá-la.
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Prof. 6: As discussões me levaram a perceber que minha prática de ensino, muitas vezes está desvinculada da teoria, principalmente em relação à avaliação.
Aos poucos, os professores começaram a enxergar a relação entre avaliar e
ensinar e a compreender a que a prova é o reflexo do ensino desenvolvido na sala
de aula. Passaram a perceber que o problema da avaliação não é um problema em
si, tem relação direta com o ensino, por isso, ao se questionar a avaliação está se
questionando o processo de ensino com um todo.
Concluída esta etapa, iniciamos o estudo das concepções de avaliação
subsidiados por autores como: Luckesi (2005), (Vasconcellos (2005), Libâneo
(1992), e Souza (1995). Foi lido o texto de Palangana e Galuch (2007): Avaliação
dos processos de ensino e aprendizagem: um desafio que persiste e o texto de
Gasparin (2010): Avaliação: desmistificando alguns conceitos. Foram apresentados
vídeos de Luckesi e Vasconcellos sobre a avaliação da aprendizagem.
Apresentamos também a concepção de avaliação constante nas DCEs, na
deliberação 007/99 do Conselho Estadual de Educação, no Projeto político-
pedagógico (PPP) e no Regimento Escolar da escola analisada. No PPP
destacamos uma afirmação que resume bem a concepção de avaliação assumida
pela escola: “No processo avaliativo, é importante observar se os objetivos de
realização das atividades propostas pelo professor constituem propostas
significativas para o aluno”. Ora, uma avaliação significativa para o aluno pressupõe
que o ensino também deve trilhar o mesmo caminho, devendo ser aquele em que os
conceitos são compreendidos em seu processo histórico, considerando sua trajetória
de construção até chegar ao conhecimento estabelecido, podendo sofrer novas
transformações. Um ensino significativo não pode ter como objetivo principal a
avaliação e sim a aprendizagem. A ação mediadora do professor possibilitará ao
educando incorporar gradativamente e significativamente os conceitos científicos
que farão parte de sua vida.
Após esta análise os professores reconheceram que o PPP, construído para
balizar a organização do trabalho docente, está em consonância com a Teoria
Histórico-Cultural, entretanto, o trabalho desenvolvido na escola nem sempre condiz
com esta teoria.
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2.1 Uma análise da prática avaliativa
No penúltimo encontro do curso realizamos uma oficina com análise de
provas aplicadas no ensino fundamental durante o ano de 2010, nas disciplinas de
Língua Portuguesa, História, Geografia e Ciências a fim de verificar suas principais
características. Partimos de uma análise de provas que faz parte da Unidade
Didática por nós elaborada e a síntese dos resultados encontrados. Posteriormente,
os professores analisaram outras provas com base nos fundamentos teóricos
estudados, com o objetivo de tentar visualizar nelas os princípios da Pedagogia
Histórico-Crítica.
Esta atividade oportunizou a troca de experiências entre os professores, que
conseguiram perceber, nas provas, as características do ensino efetivado na sala de
aula. Em várias delas foram observadas questões contextualizadas, com uma
abordagem significativa do conceito e indicações de uso reflexivo do mesmo, como
ilustram os itens a seguir retirados de provas de ciências 6º ano, geografia 6º ano e
geografia 9º ano.
3) A lei n° 7.876, de 13 de novembro de 1989, sancionada pelo Presidente da República, instituiu o dia 15 de abril como o dia Nacional de Conservação do Solo. Você acredita que a implantação de leis de proteção ao solo ajuda em sua preservação? Explique de acordo com o estudo realizado. (0,3)
b-) Com base nos textos estudados explique o que você entendeu por capitalismo comercial. Existe alguma semelhança entre o capitalismo comercial e o modo como está organizado hoje a economia no Brasil? (1,5) 6- Diante de um mundo globalizado onde os sistemas de informações são acelerados, faz-se necessário conhecer o espaço mundial para melhor compreendê-lo. Utilizando o mapa a seguir, localize e identifique as principais informações referentes ao espaço geográfico mundial. (o,5)
- Continentes - oceanos - linhas referenciais - hemisférios e porções
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Na maioria das provas, no entanto, constatou-se questões objetivas e
desvinculadas do referencial estudado. Os conceitos são cobrados de forma
fragmentada e neutra em uma única dimensão, sem relações de contradições ou
ligações com outros conteúdos, portanto, em um contexto meramente acadêmico.
Muitas vezes as questões solicitam apenas na opinião pessoal do aluno, o que não
permitirá avaliar a aprendizagem do conhecimento científico. Há predominância de
questões de verdadeiro ou falso, de relacionar, de completar, retirar do texto,
exigindo apenas a memorização de conteúdos, nas quais o nível de leitura exigido
não passa de compreensão.
Como a prova reflete a concepção de ensino do professor, os aspectos
destacados indicam a prevalência das pedagogias tradicional e tecnicista, como
ilustra esta questão de uma prova de Geografia de 7º ano.
2-Analise as afirmações e identifique se elas são falsas(F) ou verdadeiras(V). (1,0)
a) ( ) o território brasileiro assenta-se sobre a Placa Sul-Americana, que se encontra distante da zona de convergência de placas tectônicas.
b) ( ) os movimentos convergentes são responsáveis pelos tremores de terra. c) ( ) os altiplanos são depressões de formação geológica recente. d) ( ) o pico de mais altitude da América do Sul é o Pico da Neblina, com 6959
metros.
De acordo com a teoria de Vygotsky, a memorização de palavras e frases
prontas não favorece a aprendizagem do aluno. Apropriar-se dos conceitos
científicos, segundo Vygotsky (apud Sforni 2004, p.82), significa tomar consciência
da atividade do pensamento e “a tomada de consciência vem pela porta dos
conceitos científicos”. Portanto, a nota resultante da memorização não é sinal de
aprendizagem.
O ensino baseado no acúmulo de informações desconexas é questionado por
Palangana, et al (2002, p. 123) ao afirmar que “fora da escola o saber aparece
materializado em situações que entrelaçam diferentes áreas”. Para a autora, o
ensino deve considerar as necessidades sociais impostas pela reconversão
produtiva, porém, o desafio maior é contribuir para a compreensão da realidade
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social, de forma que o sujeito seja capaz de lidar com o conhecimento e as
informações por meio do pensamento reflexivo.
As características apontadas anteriormente evidenciam que, na mesma escola
há muita divergência no trabalho pedagógico. Enquanto algumas provas
demonstram um ensino mais reflexivo e significativo, boa parte delas revela um
ensino de caráter verbalista, baseado em um trabalho pedagógico sem respaldo das
concepções teóricas de ensino vinculadas ao materialismo dialético. A avaliação é
compreendida como um elemento formal e burocrático, baseada na aplicação de
provas e no cumprimento de trabalhos e tarefas, uma espécie de “reserva de notas”
para a aprovação do aluno, tornando-se o objetivo central do trabalho do professor.
É necessário pensar se esse tipo de ensino contribui para a formação do homem
que se almeja para a sociedade atual. Como afirma Gasparin (2009, p.2) “Pode ser
que a escola, hoje, não esteja acompanhando as mudanças da sociedade atual e
por isso deva ser questionada, criticada e modificada para enfrentar os novos
desafios”. Talvez por isso, os alunos hoje demonstrem tamanho desinteresse pela
escola.
2.2 Perspectivas de atuação do professor
A última etapa do curso de implementação consistiu na elaboração de um
planejamento conforme a Didática de Gasparin (2009), focalizando principalmente a
avaliação. O plano deveria contemplar uma unidade de conteúdos da disciplina de
atuação do professor para ser desenvolvido em uma de suas turmas. Como muitos
nunca haviam planejado desta forma decidiu-se pela elaboração coletiva de um
único plano na disciplina de Geografia para o 9º ano.
Os professores demonstraram certa dificuldade para elaboração do plano,
alegando ser mais complexo que o modelo convencional. Por outro lado, tiveram a
oportunidade de perceber o que significa realmente planejar, visualizando a
diferença entre o planejamento para um longo período de tempo e para uma unidade
de conteúdos, sendo que este último pode ser executado na íntegra.
Compreenderam que é necessário colocar-se no lugar do educando para organizar
as aulas, buscando formas mais adequadas de trabalhar cada conteúdo.
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Perceberam que ao refletir sobre os conteúdos o professor também avança em seu
conhecimento. Ressaltaram que a avaliação (catarse) é a parte mais difícil de ser
elaborada levando-se em consideração as dimensões e o significado dos conteúdos.
Todos reconheceram a importância de planejar para seguir essa linha de trabalho.
Por fim, destacaram ainda que, além de maior tempo para o planejamento, a
fundamentação teórica é um fator essencial para organização do trabalho
pedagógico nesta perspectiva.
3 Considerações finais
O objetivo principal deste trabalho era discutir a avaliação para além de
exame, compreendendo-a como elemento que favorece a aprendizagem dos
conceitos científicos que, por sua vez, consistem na matéria-prima do
desenvolvimento das funções psicológicas do indivíduo. De tudo, ficaram mais
indagações que respostas, dado o limite do estudo. Todavia, os objetivos propostos
no projeto de implementação certamente foram atingidos à medida que as reflexões
proporcionaram a desconstrução de idéias cristalizadas e os professores
conseguiram compreender a relação entre a forma de organização da avaliação,
bem como de seu resultado, com o ensino praticado.
A avaliação proposta neste estudo constitui-se como instrumento de
organização do ensino e visa à formação do ser humano a partir do desenvolvimento
de sua capacidade de análise e síntese, revelando que o indivíduo é capaz de
relacionar conceitos e contextos e compreender que a realidade empírica pode ser
diferente do que é. Deve constituir-se em uma atividade que permita a
sistematização do pensamento e a organização de idéias por meio de situações nas
quais o aluno possa mostrar que modificou-se intelectualmente e conseguirá
transpor os conceitos apreendidos para a totalidade de seu conhecimento e para sua
prática. As questões de uma prova devem ser vinculadas a um contexto que ofereça
ao aluno recursos que propiciem pensar sobre o conceito, revelando o que
realmente aprendeu.
Traduzindo isso para a ação pedagógica, a avaliação deveria propor a ligação
entre teoria e prática. Assim, de uma prova com dez perguntas, ao menos três delas
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deveriam ser direcionadas à prática, impulsionando o aluno a pensar para além da
sala de aula, de modo a compreender o conhecimento científico em sua vida.
Os subsídios colhidos durante a implementação com os professores, nos
permitem afirmar que o trabalho docente na perspectiva Histórico-Crítica não é uma
tarefa tão fácil, mas é possível. Ficou claro que é necessário considerar implicações
de natureza social, econômica, cultural e principalmente política que extrapolam a
ação docente e determinam entre outras coisas, a organização do tempo e do
espaço escolar, a formação dos professores, a valorização dos profissionais da
educação e as condições objetivas de trabalho na escola.
Embora reconhecendo a relevância de todos estes fatores para a qualidade
da educação, consideramos que a condição precípua é o professor, pois é ele quem
planeja e direciona o ensino na sala de aula, quem estabelece o contato direto com
o aluno fazendo chegar até ele tudo o que é pensado para a educação em diferentes
instâncias. Por isso é fundamental que ele tenha clareza de sua ação pedagógica,
principalmente da linha teórica na qual baseia seu trabalho, para que possa planejar
e executar adequadamente suas aulas. Que saiba onde pretende chegar com o
ensino que organiza e busque expressar seu conhecimento na prática docente.
Ainda que tivéssemos recursos tecnológicos avançados em sala de aula, de nada
adiantariam sem um professor adequado (DEMO, 2007).
Assim como não é possível conseguir melhores resultados na avaliação sem
considerar o ensino, também não é possível empreender um bom ensino sem levar
em conta o conhecimento e a competência dos professores. Olhando para a
realidade da escola e para o estudo que realizamos, esta nos parece a condição
primeira para enfrentar o grande desafio da escola atual de ensinar a todos os
alunos numa perspectiva de formação humana.
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