35
Projeto Vivencial 1 Na Sala Ambiente Políticas e Gestão da Educação, você também discutirá essa temática. Porém, aqui procuraremos focalizar mais o trabalho propriamente dito do gestor escolar as formas de relação com a comunidade escolar, as dimensões conflitivas de seu trabalho e suas possibilidades de atuação. 2.1. A atuação do gestor escolar: dimensões política e pedagógica Discutiremos, neste texto, o trabalho do gestor ou diretor na escola, apontando as diversas dimensões que o constituem e, sobretudo, enfatizando o caráter pedagógico da gestão escolar. Com isso, queremos dizer que o diretor é primeiro um educador e que a gestão da escola é um espaço privilegiado de aprendizagem democrática. Para bem discutir a perspectiva aqui adotada – ou seja, a da gestão democrática da escola – iniciaremos nossos estudos retomando e aprofundando alguns conceitos que também estão sendo trabalhados na Sala Ambiente de Política e Gestão da Educação, mais especificamente nos textos que tratam do Papel político-pedagógico do Diretor e Concepções teórico-metodológicas sobre administração educacional: teorias e tendências atuais. Deste último texto, retomaremos as tendências atuais, oriundas do mundo empresarial, que é a transposição dos chamados métodos da “gestão flexível” para a gestão da escola. Você deve estar se perguntando: qual a importância dessa discussão? Se escola não é empresa e, assim sendo, não há porque tomar as empresas como exemplos de modelos de gestão!! Ocorre, todavia, que a educação e, mais especificamente, o campo da gestão educacional vem sendo, cada vez mais, “colonizado” por conceitos e teorias, originados em diferentes campos de conhecimento (como administração, engenharia, psicologia, para citar alguns), produzindo uma “miscelânea” de termos que, ao fim e ao cabo, parecem torná-los todos iguais. As posições políticas que os ancoram, muitas vezes contraditórias ou diferentes, tendem a ser apresentadas como equivalentes. Assim, vemos, por exemplo, termos como “gestão participativa”, “participação da comunidade”, “gestão democrática”, entre outros, serem utilizados tanto nas empresas como nas escolas, porém, com sentidos

atuacaogestorescolar

Embed Size (px)

DESCRIPTION

atuacaogestorescolar

Citation preview

  • Projeto Vivencial

    1

    Na Sala Ambiente Polticas e Gesto da Educao, voc tambm discutir essa temtica. Porm, aqui procuraremos focalizar mais o trabalho propriamente dito do gestor escolar as formas de relao com a comunidade escolar, as dimenses conflitivas de seu trabalho e suas possibilidades de atuao.

    2.1. A atuao do gestor escolar: dimenses poltica e

    pedaggica

    Discutiremos, neste texto, o trabalho do gestor ou diretor na escola, apontando as

    diversas dimenses que o constituem e, sobretudo, enfatizando o carter pedaggico da

    gesto escolar. Com isso, queremos dizer que o diretor primeiro um educador e que a

    gesto da escola um espao privilegiado de aprendizagem democrtica.

    Para bem discutir a perspectiva aqui adotada ou seja, a

    da gesto democrtica da escola iniciaremos nossos

    estudos retomando e aprofundando alguns conceitos que

    tambm esto sendo trabalhados na Sala Ambiente de

    Poltica e Gesto da Educao, mais especificamente

    nos textos que tratam do Papel poltico-pedaggico do

    Diretor e Concepes terico-metodolgicas sobre

    administrao educacional: teorias e tendncias atuais.

    Deste ltimo texto, retomaremos as tendncias atuais,

    oriundas do mundo empresarial, que a transposio dos

    chamados mtodos da gesto flexvel para a gesto da

    escola.

    Voc deve estar se perguntando: qual a importncia dessa discusso? Se escola no

    empresa e, assim sendo, no h porque tomar as empresas como exemplos de modelos

    de gesto!! Ocorre, todavia, que a educao e, mais especificamente, o campo da gesto

    educacional vem sendo, cada vez mais, colonizado por conceitos e teorias, originados

    em diferentes campos de conhecimento (como administrao, engenharia, psicologia, para

    citar alguns), produzindo uma miscelnea de termos que, ao fim e ao cabo, parecem

    torn-los todos iguais. As posies polticas que os ancoram, muitas vezes contraditrias

    ou diferentes, tendem a ser apresentadas como equivalentes. Assim, vemos, por exemplo,

    termos como gesto participativa, participao da comunidade, gesto democrtica,

    entre outros, serem utilizados tanto nas empresas como nas escolas, porm, com sentidos

  • Projeto Vivencial

    2

    muito diferentes daqueles que adotamos

    quando falamos em gesto democrtica da

    escola, numa perspectiva crtica,

    emancipatria, posio que balizada na

    compreenso da educao como direito e,

    assim sendo, por se tratar de coisa pblica,

    sua gesto tambm deve ser pblica.

    2.1.1. O gerencialismo na educao:

    do que estamos falando?

    Desde a dcada de 1990, a gesto da escola,

    e em especial o trabalho do gestor escolar,

    vem sendo objeto de debates entre diferentes

    setores sociais (pesquisadores, governo,

    organismos internacionais). Esses debates,

    embora no partilhem da mesma perspectiva terica e poltica, convergem, contudo, na

    importncia atribuda gesto da escola como instrumento para a promoo da qualidade

    na educao.

    Relembramos que as anlises sobre a crise educacional tendem a enfatizar a gesto da

    escola, os professores e as culturas locais dos alunos como responsveis pelos fracassos

    educacionais: de acordo com o discurso liberal, a escola carece de eficcia para responder

    s novas necessidades do mercado de trabalho e do mundo das empresas, motivo pelo

    qual precisa ser inovada. Nessa anlise, a escola pblica, considerada ineficaz no que

    tange s necessidades do mercado, comparada com as empresas estas so

    apresentadas como smbolos de eficincia, de inovao, capazes de responder a um

    mundo em permanente mutao. Esse o discurso que ouvimos diariamente sobre a

    escola.

    No h dvida tambm, entre os professores, estudiosos e pesquisadores da educao,

    que a escola precisa mudar. Contudo, vale ressaltar, se h convergncias entre diferentes

    Eficincia? Eficcia?

    Colaborao? Partilhamento de poder?

    Escola? Empresa? Qual a diferena?

    Gesto participativa? Democrtica?

    Qualidade? total? social?

  • Projeto Vivencial

    3

    grupos sociais com relao necessidade de mudanas na escola, h, todavia, muita

    divergncia com relao direo a ser dada a essa mudana.

    Os novos discursos com relao escola e sua gesto tambm precisam ser

    compreendidos como condicionados pelas transformaes do capitalismo, em nvel

    mundial, e pelos processos de reestruturao dos estados nacionais. Com relao a esse

    ltimo aspecto, relembramos que o Brasil nos anos de 1990, na implementao do

    chamado ajuste fiscal, levou a cortes

    drsticos no oramento destinado

    esfera social, includo aqui aquele

    destinado educao. Como no

    lembrar os intensos debates dessa

    poca sobre o FMI, pagamento da

    dvida externa, corte de gastos na

    sade, na educao? Ento, nessa

    lgica de poucos recursos para a

    educao, os discursos de cunho liberal passam a enfatizar a centralidade da gesto das

    escolas, como meio para se obter mais eficcia em seus resultados: fazer mais com

    menos, otimizando recursos, parece que se tornaria o lema que marcaria o potencial das

    escolas para responder crise, criando assim seus diferenciais.

    O ideal de formao da escola passou a ser o trabalhador flexvel, o cidado proativo,

    a formao por competncias, a gesto da informao; j o sistema educacional

    idealizado seria aquele que estabelecesse o ranking das escolas, dando visibilidade aos

    seus desempenhos, motivando os pais a escolherem aquelas mais bem posicionadas. Na

    tica dos tericos liberais da educao, esses mecanismos estabeleceriam a

    competitividade nos sistemas de ensino, levando as escolas a se tornarem mais eficazes. A

    partir dessa perspectiva, muitos so aqueles que desejam a implementao, no campo da

    educao, dos princpios do mercado e no campo da gesto educacional, dos princpios e

    mtodos de gesto flexvel1, adotado pelas empresas consideradas competitivas.

  • Projeto Vivencial

    4

    Segundo Casassus (2001), em fins de 1980 que se passa, na Amrica Latina, de uma concepo de administrao para gesto. O conceito de gesto considerado mais abrangente e sistmico do que o conceito de administrao, mostrando-se mais adequado para referir-se ao gerenciamento de sistemas descentralizados: o princpio que orientou esse processo foi que a gesto se tornaria mais flexvel se a unidade de gesto [estivesse] constituda por unidades menores do que o sistema mais amplo (p.61).

    No podemos esquecer que esses discursos de elogio s virtudes do mercado procuram

    difundir a crena de que a eficincia da gesto reside em seu carter tcnico. Tal

    posicionamento contraria os princpios que orientam a perspectiva da gesto democrtica

    da escola, posto que esta pressupe que todo trabalho tcnico tem uma dimenso poltica

    e pedaggica, no sendo, portanto, neutro.

    Relembramos ainda que as reformas educacionais implementadas desde a dcada de

    1990 em vrios pases do mundo pretenderam modernizar os sistemas educacionais: o

    objetivo visado era torn-los mais flexveis e, assim, mais eficazes. Em especial, as

    escolas pblicas foram consideradas burocrticas, rgidas, ineficientes, em contraste com

    as organizaes do setor privado, consideradas mais produtivas. O discurso da

    modernizao das escolas no colocava em questo apenas sua eficcia; questionava de

    fato os princpios e as finalidades da educao, em especial o seu carter pblico e

    democrtico. Como nos alerta Laval (2004), falar de modernizao na educao mais do

    que introduzir novas tecnologias:

    O pensamento liberal foi intensamente

    questionado por educadores crticos no

    Brasil e na Amrica Latina: enfatizamos a

    funo social da escola pblica,

    reafirmando seu carter democrtico e a

    necessidade de essa se balizar pelas

    finalidades intrnsecas ao ato educativo

    a formao de sujeitos humanos,

    desenvolvendo todas as suas

    O termo modernizao no to neutro quanto os partidrios da reforma queriam fazer acreditar. Lembremos primeiro para registro que, no vocabulrio das cincias sociais conquistadoras dos anos 1960, modernizar significava converter as sociedades ou setores da sociedade ainda tradicionais modernidade, rompendo os costumes, eliminando maneiras de ser e de fazer que repugnavam a primazia da eficcia e da racionalidade. Mas, o verbo modernizar significa, igualmente, em um sentido mais restrito, procurar um aumento de eficcia nas organizaes e nas instituies para coloc-los no nvel de produtividade supondo que o termo tenha um sentido universal das empresas privadas mais performantes. (LAVAL, 2004, p. 190)

  • Projeto Vivencial

    5

    Voc pode voltar Sala Ambiente Polticas e Gesto na Educao, retomando o texto que trata dessas teorias.

    potencialidades, ao mesmo tempo em que possibilita a apropriao do saber social e

    historicamente construdo. Contudo, como o campo da poltica educacional no

    homogneo, mas um campo de litgios no qual se confrontam diferentes posies, as

    posies crticas podem ser incorporadas de modo parcial ou mesmo ignoradas pela

    poltica educacional, dependendo esses movimentos das condies histricas de cada pas.

    Exemplificamos o que estamos dizendo com os movimentos de reformas educacionais. De

    acordo com Casassus (2002), a primeira gerao de reformas na regio da Amrica Latina

    e do Caribe ocorreu nos anos de 1960 com a expanso quantitativa dos sistemas nacionais

    de educao. A segunda gerao, j nos anos de 1990, teve como foco questes como a

    gesto e a qualidade da educao.

    Tornar as escolas eficazes passa a ser, ento, a principal meta das reformas, o que, por

    sua vez, implicaria adotar tambm uma outra viso de gesto escolar, que sinalizasse para

    a emergncia de uma nova cultura na escola, ancorada em trs eixos: a descentralizao,

    a autonomia e a liderana escolar2 (FONSECA, 2004 et al., p. 53).

    Nesse contexto, um novo modelo de gesto passou a ser recomendado, em especial

    pelos organismos internacionais, sustentando-se a idia de que melhores indicadores de

    qualidade poderiam ser obtidos se a gesto das escolas fosse mais eficiente. Para isso,

    seria necessrio, dentre outros aspectos, combinar avaliao externa e responsabilizao

    pelos resultados, tanto pedaggicos como administrativo-financeiros. Observamos, desde

    ento, que o discurso da gesto por resultados3 passou a ser moeda corrente no campo

    da gesto educacional.

    A transposio de modelos de administrao construdos nas empresas para a escola no

    novidade. De acordo com Dourado (2003),

    encontramos no campo educacional distintas teorias de

    gesto/administrao, quer se considere a escola e a

    empresa como diferentes ou assemelhadas. Como

    pressuposto comum a essas diferentes teorias,

    poderamos assinalar duas idias: a) administrao,

    com seus mtodos e tcnicas, pode ser aplicada a

  • Projeto Vivencial

    6

    qualquer campo, quer seja esse escola ou empresa, pois os processos administrativos em

    ambas tm a mesma natureza e b) os problemas encontrados nas escolas so

    decorrentes, sobretudo, de sua m administrao.

    Essa ltima idia que relaciona problemas da escola com sua m administrao ganha

    flego nas ltimas dcadas, com os defensores da aplicao dos mtodos e das tcnicas

    da chamada gesto flexvel1 no mbito da escola. Esse movimento no interior da educao

    vem sendo designado por alguns estudiosos como gerencialismo4.

    Na concepo do gerencialismo a meta da gesto educacional aumentar a eficincia e

    eficcia das escolas, fatores que se expressariam em indicadores de desempenho ou em

    resultados. Para a elevao desses indicadores o principal aspecto assinalado a mudana

    na cultura da escola (tratada aqui como uma organizao social5 e no como uma

    instituio social5): difunde-se a idia da escola como organizao que aprende, sendo

    central que a atividade gestora se paute na inovao, na criatividade e na proatividade de

    todos os seus segmentos. Nessa perspectiva pouco se valoriza o processo e pouco se

    questiona o que um bom resultado.

    O diretor da escola tratado como um gerente, em cuja liderana repousa a maior ou

    menor capacidade de agregar valores, criar sinergias no grupo de trabalho, harmonizar,

    estabelecer parcerias com a comunidade do entorno escolar, com vistas obteno de

    metas previamente definidas. Gerenciar, nesse caso, potencializar recursos, fazer da

    crise oportunidade, tal como se difunde nos discursos dos gurus da gesto moderna.

    Opondo-se ao discurso da administrao, o discurso da gesto flexvel prega a passagem

    de uma concepo de administradores para gerentes. Segundo Clarke e Newman

    (apud SHIROMA e CAMPOS, 2006), os gerentes so ativos na tomada de deciso,

    enquanto os administradores implementam ou interpretam decises tomadas por outrem.

  • Projeto Vivencial

    7

    A perspectiva gerencialista de gesto escolar compromete os diretores de escola com

    outros valores que no aqueles oriundos da perspectiva democrtica. Diferentemente

    desta ltima, cabe aos diretores a principal responsabilidade pelos rumos da escola. Ainda

    que se fale de participao6 ou de gesto participativa o objetivo a adeso do coletivo da

    escola aos planos e objetivos traados ou apresentados nos planos de desenvolvimento

    estratgico7. Todos esses instrumentos podem funcionar para, a exemplo do que ocorre

    nas gestes participativas nas empresas, mobilizar os diferentes segmentos da

    comunidade escolar para a resoluo de problemas, para a colaborao na execuo do

    planejamento, nas tarefas em prol de objetivos, metas etc. Nesse caso, podemos falar de

    uma participao ou colaborao que no implica a presena de partilhamento de poder

    por meio dos espaos constitudos e legitimados por todos, como conselhos escolares,

    grmios estudantis.

    Liderana? Sinergia?

    Capacidade de resolver problemas?

    Agregar valor? Parceria?

    Gerente da escola

  • Projeto Vivencial

    8

    Devemos estar atentos para as questes do gerencialismo, na medida em que sua difuso

    ocorre de forma significativa em espaos educacionais, em publicaes dirigidas a

    educadores, em cursos para gestores escolares, em orientaes produzidas pelos sistemas

    de ensino. Muitas vezes, fica difcil diferenciar as proposies de cunho democrtico

    daquelas que orientam essa perspectiva gerencial, pois os termos e conceitos utilizados

    por esta ltima, muitas vezes, so tambm aqueles usados pelo campo crtico dos estudos

    sobre educao e gesto escolar. Porm, esses termos so re-significados, ou seja, ainda

    que em sua aparncia paream ser a mesma coisa, de fato, passam a difundir outros

    significados e sentidos, bastante distintos daqueles que lhes deram origem. Por exemplo,

    termos como gesto participativa, participao, autonomia, projeto de escola, para citar

    alguns, tendem a ser apresentados como similares aos preceitos que baseiam a gesto

    democrtica na escola. A gesto por resultados, ou gesto eficaz, ainda que conte com a

    participao da comunidade escolar na sua realizao, tende a se sustentar na liderana

    do diretor e no na constituio de mecanismos institucionalizados de poder partilhado.

    Na perspectiva gerencial, as prticas de gesto tendem a se conformar, cada vez mais, a

    uma perspectiva tcnica de atuao, subestimando-se, por esse ato, a dimenso poltica

    implicada no trabalho de gesto escolar. Promove-se, nessa tica, uma dissociao entre

    as finalidades e os objetivos da educao e os meios usados para alcan-los: acredita-se

    que a utilizao de ferramentas eficazes de gesto condio necessria e suficiente para

    que se alcance a qualidade na educao. Supe-se, nesse caso, que as tcnicas so

    neutras, e seu potencial est relacionado ao modo como so usadas. Veremos, na seo a

    seguir, que essa dissociao entre fins e meios uma falcia e seus resultados no campo

    O discurso gerencial institui uma nova linguagem para promover a mudana na cultura da escola. Embasado na ideologia tcnico-bucrocrtica, incorpora o lxico da re-engenharia, o discurso participativo da transformao, do empreendedorismo, do cidado pr-ativo. Fala da mudana orientada pelo planejamento estratgico, pela misso e pelas metas. Busca transformar o servidor burocrtico num lder dinmico, tenta provocar transformaes na subjetividade dos educadores. Evoca imagens futuristas, tenta criar um gestor motivador, um visionrio. O gerencialismo tende a modificar a natureza da linguagem que os profissionais utilizam para discutir a mudana. Esse discurso influencia no s a linguagem, mas, fundamentalmente, a prtica. Afeta a forma de ser professor e diretor de escola (SHIROMA e CAMPOS, 2006).

  • Projeto Vivencial

    9

    Em seus estudos das Salas Ambientes Polticas e Gesto na Educao e Fundamentos do Direito Educao, voc vem discutindo o carter pblico e democrtico da escola e da gesto escolar. Esses estudos muito contribuem para a compreenso do trabalho do gestor escolar. Essa discusso ancora-se numa interrogao primeira sobre a funo social da educao e da escola. Cury (2001), discutindo esse aspecto, considera que sendo o conhecimento um bem pblico e cabendo escola a sua transmisso, a gesto da escola significa a gesto de um servio pblico. Essa especificidade se constitui tendo a democracia como princpio fundamental e a participao plena, como condio para que esta ltima se exera.

    da educao culminaram na perspectiva tecnicista que orientou a diviso de tarefas no

    interior da escola.

    2.1.2. Da perspectiva gerencial perspectiva poltica e pedaggica do trabalho

    do diretor escolar

    Tomando como referncia o que discutimos anteriormente,

    podemos indagar: qual a natureza da gesto escolar e

    do trabalho do diretor? Comecemos por discutir a natureza

    da gesto escolar. De acordo com Paro (2002a), a

    especificidade da gesto escolar deriva de um duplo processo:

    a) dos objetivos que se pretende alcanar com a

    escola

    b) da natureza do processo que envolve essa

    busca

    Ambos so indissociveis e assim, se a escola projeta e

    pretende a construo de sujeitos crticos, os mtodos que

    utiliza para concretizar esse objetivo devem estar

    estreitamente vinculados a eles. Compreende-se, ento, que a

    transposio dos mtodos de gerenciamento das empresas

    contrria implementao da democracia na escola. Com isso

    queremos dizer que no possvel fazer um discurso

    laudatrio de a gesto democrtica na escola adotar

    procedimentos, instrumentos ou ferramentas tcnicas da gesto empresarial.

    No possvel separar as dimenses poltica e tcnico-administrativa do trabalho do gestor

    escolar. Se considerarmos que a educao escolar uma prtica social de carter poltico,

    considerando ser essa a tarefa que lhe d origem constituindo-se, tambm, em sua

    principal atividade , possvel afirmarmos que a dimenso poltica tem precedncia sobre

    a dimenso tcnica, quer no trabalho escolar, quer no trabalho do gestor escolar. Por isso

    que, quando elaboramos o Projeto Poltico-Pedaggico da escola, iniciamos com a

  • Projeto Vivencial

    10

    discusso e definio das finalidades da educao e da escola, ponto de partida para que

    se decidam e se elaborem os meios pelos quais sero alcanados os objetivos

    preconizados pelo coletivo escolar.

    A atividade de gesto considerada, nessa perspectiva, como uma atividade de mediao.

    Sendo assim, no se esgota em si mesma, no um fim em si. Pelo contrrio, intrnseca

    ao seu carter mediador a possibilidade de mltiplas articulaes com objetivos que

    rompam com prticas burocratizadas e conservadoras em termos de educao. Assim, na

    prtica da gesto escolar encontramos tanto possibilidades de transformao e mudana

    quanto prticas que fortalecem o paternalismo ou as atitudes antidemocrticas.

    Desse carter mediador da gesto escolar, Paro (2002a) destaca duas conseqncias: a)

    possibilita identificar como no administrativas todas as atividades que perdem de vista a

    finalidade a que se destinam, tornando-se um fim em si mesmas ( isso que d origem s

    prticas burocratizadas, papelada, s prticas consideradas como inteis na escola) e

    b) no sendo um fim em si mesma, a gesto da escola pode articular-se com uma

    diversidade de objetivos, incluindo aqueles que rompem com as prticas dominadoras e

    antidemocrticas vigentes. Por isso o autor destaca:

    no carter educativo da gesto escolar democrtica que encontramos as possibilidades

    de mudana. Ao se constituir como um espao coletivo de partilhamento de poder, torna-

    se um espao pedaggico rico em possibilidades de aprendizagem para o exerccio da

    cidadania. A realizao do carter pedaggico da gesto escolar supe ainda, como

    condio para sua efetivao, no apenas a partilha de poder com o coletivo da escola,

    mas tambm a co-responsabilizao pela gesto da escola. Embora indissociveis, a

    importante antes de mais nada levar em conta os objetivos que se pretende com a educao. Ento, na escola bsica, esse carter mediador da administrao deve dar-se de forma a que todas as atividades-meio8 (direo, servios de secretaria, assistncia ao escolar e atividades complementares [...]), quanto a prpria atividade-fim8, representada pela relao ensino-aprendizagem que se d predominantemente (mas no s) em sala de aula, estejam permanentemente impregnadas dos fins da educao (PARO, 2002, p. 303).

  • Projeto Vivencial

    11

    primeira condio para que a segunda possa emergir, ou seja, a participao efetiva,

    plena, coletiva e democrtica condio para que a co-responsabilizao possa ocorrer

    no como imposio, mas como engajamento e cooperao solidria.

    nesse sentido que a co-responsabilidade coletivamente construda pode se contrapor

    idia de accountability9 ou responsabilizao individualizada pelos resultados da

    aprendizagem dos estudantes e do desempenho da escola, conforme ocorre na

    perspectiva gerencial. Na perspectiva gerencial, os resultados inscrevem-se na tica da

    prestao de servios para clientes, e publicizar resultados disputar posies em

    rankings nacionais ou internacionais de desempenho.

    De acordo com o que vimos anteriormente, podemos dizer que o trabalho do gestor

    inscreve-se na dialtica individual/coletivo, j que seu principal papel ser um mediador

    entre o projeto coletivo de escola e os sujeitos sociais que se constituem em seus

    principais destinatrios.

    Ao ancorar seu trabalho no coletivo da escola, o diretor pode prescindir de decises

    centralizadas, muitas vezes desprovidas de sentido e de interesse para a comunidade

    escolar. Criar, fomentar, facilitar condies para a participao da comunidade escolar

    depende, em grande medida, do compromisso assumido pelo diretor com uma perspectiva

    democrtica de educao. Trata-se assim de des-privatizar a gesto da res publicae

    (SPOSITO, 2005, p. 48).

    Cabe assim aos diretores procurar mecanismos que possibilitem a superao dos

    obstculos, muitos deles decorrentes da prpria estrutura e organizao dos sistemas de

    ensino e das unidades escolares. preciso ainda articular e garantir a participao e no

    apenas a integrao da comunidade escolar em instncias colegiadas de deciso.

    Conforme ressalta Dourado (2005):

    Considerando, ento, que a gesto escolar uma atividade mediadora, orientada por um carter pedaggico que lhe intrnseco, como podemos definir o trabalho do gestor escolar na perspectiva democrtica?

  • Projeto Vivencial

    12

    O diretor, na perspectiva democrtica, no o lder que conduz seus liderados numa

    relao sempre de concesso e de subordinao; mas, ao contrrio, promove suas aes,

    exercita sua funo na direo da construo de instncias democrticas de deliberao

    (como conselhos escolares, grmios estudantis e outras), garantindo assim que o exerccio

    do partilhamento do poder no dependa da sua pessoa, mas da organizao e

    mobilizao da comunidade escolar.

    Assumindo esse papel de articulador da democracia da/na escola, o diretor escolar

    contribui para a construo e efetivao de uma escola pblica de fato democrtica.

    Relembramos que a gesto colegiada democrtica realiza-se efetivamente quando se torna

    um compromisso de toda a comunidade escolar. Conforme nos lembra Sposito (2005):

    A gesto democrtica deve ser um instrumento de transformao das prticas escolares, no a sua reiterao. Este o seu maior desafio, pois envolver, necessariamente, a formulao de um novo projeto pedaggico. A abertura dos portes e muros escolares deve estar acompanhada da nova proposta pedaggica que a exija. Se as escolas no estiverem predispostas a essa mudana, a gesto e a melhoria da qualidade sero expresses esvaziadas de qualquer contedo substantivo. (p. 55)

    [...] fundamental garantir, no processo de democratizao, a construo coletiva do projeto pedaggico, a consolidao dos conselhos escolares e grmios estudantis, entre outros mecanismos. Nessa direo, fundamental a compreenso de que a construo de uma gesto escolar democrtica sempre processual e, portanto, em se tratando de uma luta poltica de construo, eminentemente pedaggica.

  • Projeto Vivencial

    13

    Para finalizar...

    Nesse texto pretendemos chamar a ateno para duas perspectivas de gesto educacional

    que, muitas vezes, parecem bastante semelhantes, pelos termos que usam, apelos que

    fazem, idias que defendem. No entanto, um olhar mais atento para os pressupostos do

    gerencialismo nos informam diferenas substanciais com relao orientao democrtica

    na gesto das escolas e dos sistemas educacionais. O mesmo pode ser dito com relao ao

    trabalho do gestor escolar diferentemente da perspectiva democrtica que enfatizar o

    partilhamento de poder e a gesto colegiada da escola, no gerencialismo a nfase recai

    sobre o diretor, apostando em sua liderana para mobilizar a escola para a resoluo de

    problemas.

    Certamente que todos concordamos que as escolas precisam mudar, tornar-se mais

    produtivas e efetivas na funo social que historicamente lhes foi atribuda. Todavia, os

    valores que devem balizar essas mudanas no se encontram no estabelecimento de

    competitividade entre escolas, ou na busca de indicadores performticos dos alunos. Como

    diz Severino (2002), o compromisso do professor e, por extenso, da escola, com a

    aprendizagem dos alunos intrnseco prpria natureza social da educao. Esta, na

    condio de prtica voltada para sujeitos humanos em construo, desenvolvendo uma

    ao de interveno nesses sujeitos, tem como compromisso fundamental o respeito

    radical dignidade humana desses sujeitos. Com efeito, a legitimidade da educao

    pressupe necessariamente sua eticidade (SEVERINO, 2002, p. 13).

  • Projeto Vivencial

    14

    Comparando o gerencialismo e a gesto democrtica da educao:

    Gerencialismo Gesto democrtica nfase na dimenso tcnica da gesto: supe que a eficincia da mesma sustenta-se no bom uso de recursos tcnicos, tais como controles estatsticos, padronizaes, ranqueamento etc.

    Gesto centrada na pessoa do diretor; nfase em sua liderana para mobilizar sinergias da comunidade escolar Gesto participativa significa a comunidade escolar colaborar com a escola, no necessariamente deliberando sobre seus rumos; a participao fica associada resoluo de problemas, ocorrendo de modo pontual e assistemtico Pressupe autonomia e responsabilizao individualizada, com conseqncias para professores e diretores, pelos resultados do desempenho dos alunos e da escola Procura atingir metas de eficincia e eficcia previamente definidas em planos estratgicos, acordos etc. Considera a competitividade entre as escolas como o principal fator para alavancar a qualidade das mesmas; estimula o ranqueamento das escolas, prmios por desempenhos etc.

    nfase na dimenso poltico-pedaggica da gesto: baseia-se na indissociabilidade dos meios/finalidades; nesse sentido, pressupe que as tcnicas subordinam-se s dimenses poltico-pedaggicas da gesto Gesto centrada nos colegiados da escola: conselho de pais, grmios estudantis e outras formas de organizao Gesto participativa significa, aqui, a comunidade escolar participar efetivamente da escola, discutindo e decidindo coletivamente seus rumos; a participao ocorre de forma sistemtica, por meios dos rgos colegiados ou por via direta Pressupe autonomia e co-responsabilizao pelos resultados da aprendizagem dos alunos e da unidade escolar Procura atingir a qualidade socialmente referenciada da educao; suas metas eseus objetivos devem expressar no apenas resultados quantitativos, mas, sobretudo, qualitativos Considera que a qualidade da educao se conquista com medidas efetivas em prol da autonomia, gesto democrtica, financiamento pblico e formao de professores

    Referncias

    CASASSUS, J. A Reforma Educacional na Amrica Latina no Contexto de Globalizao. Cadernos de Pesquisa. So Paulo: FCC, 2001.

  • Projeto Vivencial

    15

    CURY, C. R. J. O Conselho Nacional de Educao e a gesto democrtica. In: OLIVEIRA, D. A. (org.) Gesto democrtica da educao. Rio de Janeiro: Vozes, 2001 (3 ed).

    DOURADO, L. Gesto escolar democrtica a perspectiva dos dirigentes escolares da rede municipal de Goinia. Goinia: Alternativa, 2003.

    _____. A gesto democrtica, eleio de diretores e a construo de processos de participao e deciso na escola. Disponvel em: www.tvebrasil.com.br/salto

    FONSECA, M.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. As tendncias da gesto na atual poltica educacional brasileira: autonomia ou controle? In: BITTAR, M.; OLIVEIRA, J. F. Gesto e polticas da educao. Rio de Janeiro: DPA Editores, 2004.

    LAVAL, C. A escola no uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino pblico. Londrina: Planta, 2004. PARO, V. A gesto democrtica da escola pblica. So Paulo: tica, 2002. SHIROMA, E. O. ; CAMPOS, R. F. La resignificacin de la democracia escolar mediante el discurso gerencial: liderazgo, gestin democrtica y gestin participativa. In: FELDFEBER, M.; OLIVEIRA, D.A. (Orgs.). Polticas educativas y trabajo docente: Nuevas regulaciones, Nuevos sujetos?. 1 ed. Buenos Aires: Ediciones Novedades Educativas, 2006, p. 221-237. SPSITO, M. P. Educao, gesto democrtica e participao popular. In: BASTOS, J. B. (org.) Gesto democrtica. Rio de Janeiro: DPA, 2005.

    SEVERINO, A. J. Competncia tcnica e sensibilidade tico-poltico: o desafio da formao dos professores. Cadernos FEDEP. no 1. So Paulo, 2002, p. 7-20.

  • Projeto Vivencial

    16

    Anexos Anexo A

    1 Gesto flexvel

    O termo gesto flexvel tem sua origem no universo empresarial, associado a um novo

    modelo de gerenciamento das empresas. Desde o final da dcada de 1970, quando se

    instala uma crise no capitalismo em nvel mundial, as empresas vm procurando novas

    formas de organizar o trabalho, de modo a conciliar a produtividade com a

    competitividade, o que tem significado apostar na inovao de produtos e na abertura de

    novos nichos de mercado. Nesse processo de realinhamento das empresas s novas

    necessidades econmicas, sobretudo quelas relacionadas com o processo de

    produo/reproduo do capital, novas formas de organizar os processos de trabalho e de

    gesto do coletivo de trabalhadores foram adotadas. Esses processos de inovao

    organizacional ocorreram juntamente com a introduo de uma nova base tecnolgica nas

    empresas: adoo de equipamentos e tecnologias de base microeletrnica.

    Estudiosos da rea referem-se substituio do modelo taylorista/fordista de produo

    por um novo modelo mais flexvel de organizao do trabalho. Assim, as estruturas

    verticalizadas e centralizadas, a rgida diviso do trabalho, as tarefas fragmentadas e

    padronizadas cederam lugar a estruturas horizontais, ao trabalho enriquecido e grupal.

    Faz parte desse novo paradigma, o chamado modelo japons ou, como ficou conhecido,

    da qualidade total.

    Harvey (1993), ao discutir as novas formas de flexibilidade das empresas, refere-se a dois

    tipos de flexibilidade: numrica e funcional. A flexibilidade numrica diz respeito

    constituio de coletivos de trabalho caracterizados por um grupo de trabalhos centrais,

    qualificados, com estabilidade no emprego e direitos garantidos; em torno desses, tem-se

    um grupo cada vez maior de trabalhadores temporrios, recrutados de acordo com as

    necessidades das empresas. J a flexibilidade funcional relaciona-se com a polivalncia, ou

    seja, com a assuno de mais de uma tarefa no posto do trabalho.

  • Projeto Vivencial

    17

    Em linhas gerais, a gesto flexvel se relaciona com os objetivos da empresa de reduzir

    custos, elevando suas taxas de produtividade. Implica novas formas de controle e de

    intensificao de trabalho, incluindo, aqui, o trabalho intelectual a gesto do

    conhecimento de seu coletivo de trabalho passa a ser o grande mote das empresas desde

    os anos de 1990.

    Gesto flexvel quer dizer, ento, novas formas de organizar o trabalho: ao invs de

    grandes linhas de produo, organizao em ilhas, em grupos; a agregao de novas

    tarefas aos trabalhadores; achatamento das hierarquias em vez de um sistema

    hierrquico vertical: direo, gerncia, chefia de setor, encarregado de linha, tem-se

    uma reduo desses cargos, passando o controle sobre o trabalho a ser exercido entre e

    pelos prprios trabalhadores; salrios flexveis, relacionados ao desempenho; processos

    produtivos geis, enxutos: grandes taxas de automao com poucos trabalhadores nas

    linhas.

    Na tica das empresas, esses processos flexibilizados de trabalho exigem um outro tipo de

    trabalhador: com mais qualificao, escolaridade mais elevada, com competncias

    cognitivas, atitudinais e sociais necessrias ao trabalho em grupo, em situaes que

    exigem respostas rpidas e certas.

    Contudo vale lembrar que se, por um lado, observa-se a presena de mudanas

    substanciais e qualitativas, representando muitas vezes trabalho mais enriquecidor para

    grupos de trabalhadores, por outro, importante ressaltar que esse no um movimento

    que atinge uniformemente todas as empresas. O que vimos na prtica a convivncia de

    trabalhos altamente especializados com trabalhos precarizados, linhas de produo

    automatizadas ao lado de linhas taylorizadas, formas de controle mais sofisticadas e

    novos dispositivos de explorao do trabalho.

    Em sntese, na perspectiva dos administradores de empresas, formas rgidas de

    gerenciamento so incompatveis com o mundo em incessante mudana; assim, as

    empresas devem procurar flexibilizar suas estruturas, sobretudo as organizacionais,

  • Projeto Vivencial

    18

    descentralizando hierarquias, fomentando a participao de trabalhadores, pois se acredita

    que assim a adeso aos preceitos e objetivos da empresa ser mais efetiva.

    Referncia

    HARVEY, D. Condio ps-moderna. So Paulo: Loyola, 1993.

    Anexo B 2 Liderana escolar

    O termo/conceito de liderana tem sido tratado em diversas reas do conhecimento,

    dentre as quais destacamos a psicologia e a administrao. Cada rea define e utiliza o

    termo de acordo com seus propsitos, no se encontrando, portanto, consensos sobre o

    mesmo. De um modo geral, o termo liderar/liderana aparece associado idia de

    conduzir pessoas, influenciar, motivar, agregar com vistas obteno de certos

    objetivos ou realizao de tarefas.

    H autores que estabelecem uma diferena entre lder e liderana. Lder seria a pessoa

    que assume a posio de comando, de orientao ou influncia sobre o grupo na direo

    de objetivos estabelecidos, ao passo que o termo liderana se refere ao modo, estilo a

    partir do qual o lder exerce sua influncia sobre o grupo.

    Atualmente, com a ascenso da perspectiva gerencial no campo da gesto educacional,

    atribui-se uma centralidade questo da liderana do diretor na conduo do trabalho na

    escola. Esse movimento coaduna-se com os processos de descentralizao administrativa,

    institudos com as reformas educacionais da dcada de 1990, e com a crescente

    responsabilizao local pelos resultados da escola. Liderana escolar e accountability so

    conceitos que orientam a nova gesto da escola. De acordo com Fonseca (2003), no

    quadro das polticas educacionais brasileiras,

    a liderana constitui o elemento bsico para que a escola possa construir seu projeto e que possa administrar suas carncias financeiras com iniciativas prprias ou com o suporte da comunidade em que se localiza a escola. Trata-se de um modelo

  • Projeto Vivencial

    19

    que se diferencia da abordagem administrativa tradicionalmente utilizada na escola pblica e que a instiga a adotar o modus operandi do setor privado. [...] a liderana vem sendo apontada como elemento nuclear para o fortalecimento da autonomia escolar, sendo atribuda, prioritariamente, ao diretor. Documentos oficiais, elaborados com a participao do BIRD, apontam para a necessidade de capacitao de diretores como fator determinante para a eficcia do atendimento escolar, pela capacidade de neutralizar o centralismo burocrtico e para garantir um servio mais condizente com as propostas descentralizantes da atual poltica educativa (FONSECA, 2003, p. 305).

    Sem desconsiderar a importncia de coordenao e articulao do trabalho do diretor, a

    nfase atribuda liderana como uma competncia ou um atributo subjetivo da pessoa

    do diretor acaba por secundarizar/minimizar as dinmicas constitutivas do cotidiano

    escolar, dentre as quais desempenha importante papel a prpria estrutura organizacional

    da escola. Ao no se levar em conta esses aspectos diferentes dimenses constitutivas

    do cotidiano escolar , acaba-se por reduzir os sucessos e/ou insucessos pessoa do

    diretor ou, ainda, imaturidade dos professores, falta de colaborao das famlias e ao

    despreparo ou falta de vontade dos alunos.

    Estudos sobre liderana escolar diferenciam-na dos processos de gesto, ainda que os

    considerem complementares. No caso da liderana dos diretores, sua nfase tem se

    baseado em estudos sobre os impactos positivos desta sobre a eficcia da escola. Nesse

    sentido, a exemplo do universo empresarial, tambm nas escolas tm se incentivado

    estilos de liderana baseados em processos participativos, ao invs de modelos

    centralizados, hierarquizados e burocrticos.

    Referncia

    FONSECA, M. Projeto poltico-pedaggico e o plano de desenvolvimento da escola: duas concepes antagnicas de gesto escolar. Cadernos CEDES. v. 23, no 61, Campinas, dez, 2003.

    Leitura recomendada URIBE, M. El Liderazgo docente en la construccin de la cultura cscolar de Calidad. Un Desafo de Orden Superior. Revista PRELAC. no 1, julho de 2005. Disponvel em: http://www.unesco.cl/esp/biblio [documentos digitais]

  • Projeto Vivencial

    20

    Anexo C

    3 Gesto por resultados

    O termo gesto por resultados tem sua origem no campo da gesto empresarial;

    caracteriza-se por um modelo gerencial focalizado nos resultados. Coaduna-se com o

    paradigma de empresa flexvel moldada para responder rapidamente as demandas do

    mercado. Nessa acepo, as empresas procuram obter melhores resultados, aliando

    planejamento, controle e avaliao com a busca de melhores performances em termos de

    eficincia e eficcia, ou seja, procuram obter melhores resultados potencializando recursos

    disponveis.

    Esse conceito vem sendo difundido rapidamente na administrao dos servios pblicos,

    estando em consonncia com a perspectiva gerencial adotada por diferentes governos, em

    especial no que tange s polticas sociais. Parte-se do suposto que os servios prestados

    pelo Estado para a populao ganham visibilidade pelos seus resultados, motivo pelo qual

    suas aes devem estar focadas nesses resultados. De acordo com essa perspectiva, o

    foco nos resultados , em ltima instncia, focalizar o destinatrio desse servio, ou seja,

    o cidado.

    A gesto por resultados implica definio e foco na misso da empresa (seu objetivo), a

    elaborao de diagnstico, a definio de objetivos estratgicos e a criao de

    indicadores, a partir dos quais seu desempenho possa ser avaliado.

    Na tica dos defensores da gesto por resultados, a divulgao das performances, ou

    desempenho, requisito para a credibilidade da empresa ou organizao diante do pblico

    a que atende ou que nela investe. No caso da administrao pblica, a confiana seria

    com relao aos governantes. Crticas so dirigidas a esse modelo, em especial na esfera

    pblica, alertando para os riscos de que o foco apenas nos resultados, como meio para se

    atingir maior eficcia/eficincia em termos de polticas pblicas, pode levar a distores no

    processo, que resultam em reduo da dimenso econmica e obliterao, nesse sentido,

    da dimenso da qualidade social dos servios prestados.

  • Projeto Vivencial

    21

    Anexo D

    4 Gerencialismo

    O termo gerencialismo utilizado por estudiosos do campo educacional para se referir

    adoo de ferramentas da gesto empresarial na educao tem sua origem no

    chamado modelo da Nova Gesto Pblica. Esse modelo, referenciado nas estratgias de

    gesto das organizaes empresariais, surgiu na dcada de 1980, nos governos de Ronald

    Reagan, nos EUA, e de Margareth Thatcher, na Inglaterra. Ambos os governos se

    tornaram conhecidos por seus ataques aos chamados estados de bem-estar social,

    implementando em seus pases ajustes de cunho neoliberal; traando fortes crticas aos

    estados, ressaltando a ineficincia da gesto dos servios pblicos. Na tica do

    gerencialismo, a administrao pblica deve orientar suas atividades de modo a garantir

    controle, eficincia e competitividade.

    O modelo difundiu-se, nos anos de 1990, pela Amrica Latina, sendo adotado para

    reestruturao do estado brasileiro na gesto Luis Carlos Bresser Pereira, ex-ministro do

    MARE (sigla), na gesto do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.

    De acordo com Shiroma e Campos (2006), o gerencialismo, no campo educacional,

    diferentemente dos modelos de administrao que lhe antecederam, um movimento

    que tenta modificar no s a organizao da escola, imprimir outra lgica ao

    funcionamento do sistema educacional [...], visa, sobretudo, operar uma transformao

    na subjetividade dos educadores, por meio da implantao de mecanismos bastante

    objetivos de controle que afetam a organizao, a avaliao e, portanto, a gesto do

    trabalho docente. Nesse sentido, afeta sobremaneira o trabalho do gestor escolar,

    renomeado como gerente, ou lder educacional:

    nessa perspectiva, o gestor deveria assumir funes no s de captao e administrao de recursos, mas a responsabilidade pelo gerenciamento de professores, ser gestor das escolhas e responsvel pelos acontecimentos previsveis e imprevisveis. Em suma, atribui-se ao gestor educacional a responsabilidade de gerir os casos e os acasos, as emoes, os conflitos, as crises e o caos (SHIROMA e CAMPOS, 2006).

  • Projeto Vivencial

    22

    Referncia SHIROMA, E. O. ; CAMPOS, R. F. La resignificacin de la democracia escolar mediante el discurso gerencial: liderazgo, gestin democrtica y gestin participativa. In: Myriam Feldfeber; Dalila Andrade Oliveira. (org.). Polticas educativas y trabajo docente: nuevas regulaciones, nuevos sujetos? 1 ed. Buenos Aires: Novedades Educativas, 2006, p. 221-237.

    Anexo E

    5 Organizao social e instituio social

    De acordo com Chau (2003), existe diferena entre organizao e instituio, sendo que

    uma organizao definida:

    por uma prtica social determinada de acordo com sua instrumentalidade: est referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obteno de um objetivo particular. No est referida a aes articuladas s idias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operaes definidas como estratgias balizadas pelas idias de eficcia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcanar o objetivo particular que a define (CHAU, 2003, p.06).

    Dessa forma, uma organizao, por ser uma administrao, orientada pelas idias de

    gesto, planejamento, previso, controle e xito. Desse modo, uma organizao no

    questiona e/ou reflete sobre sua existncia, sua funo ou seu papel no interior da luta de

    classes, pois, para a organizao, isso j dado, ou seja, j est definido por qu, para

    qu e onde reside sua existncia. Diferentemente da instituio social que almeja

    universalidade, a organizao se concentra na sua particularidade, sabendo que sua

    eficcia e sucesso dependem desse fato. Como resultado, a organizao possui a si

    prpria como referncia num processo de competio com outras que fixaram os mesmos

    objetivos, procurando apenas gerir seu espao e seus tempos particulares, logo, sua

    insero na sociedade no motivo para questionamento, independente do plo da

    diviso social em que se encontra, seu objetivo vencer a competio com seus suposto

  • Projeto Vivencial

    23

    iguais (CHAU, 2003). De igual modo, para uma organizao permanecer, depende

    diretamente de sua capacidade de adaptao s rpidas mudanas no meio ambiente, e

    muito pouco de sua estrutura interna.

    J a instituio social possui a sociedade como seu princpio de referncia normativa e

    valorativa, buscando responder, diferentemente da organizao, s contradies impostas

    pela diviso social. Nesse sentido, a instituio se percebe inserida na diviso social e

    poltica e, por conta dessa percepo, procura no ignorar esse fato, antes, procura

    responder as contradies existentes, sendo essa uma tarefa crucial para a mesma.

    Referncia CHAU, M. A Universidade Pblica sob Nova Perspectiva. Revista Brasileira de Educao. Set./Out/Nov/Dez, 2003.

    Anexo F 6 Participao

    Os discursos atuais, no apenas aqueles produzidos no campo da educao, tm sido

    povoados por uma infinidade de novos termos quase sempre relacionados idia de

    inovao. Um desses termos participao, que, embora no sendo novo, vem sendo

    re-significado de acordo com o discurso que o incorpora, adquirindo, assim, diferentes

    conotaes e sentidos, de acordo com as intenes e prticas sociais s quais vinculado.

    Da esfera empresarial aos movimentos sociais, das instncias governamentais s

    organizaes de tipo associativo, cada vez mais somos solicitados a participar.

    Sendo, ento, no apenas um conceito, mas tambm uma prtica social, o conceito de

    participao sofre modificaes que se vinculam tambm aos diferentes contextos

    histricos e s foras sociais em presena, o que pode implicar, por sua vez, diferentes

    modos de incluso ou de relao entre Estado e sociedade civil. Gohn (1998), referindo-se

    a esse carter histrico, destaca que, na dcada de 1970, os fortes movimentos populares

    pela democratizao do pas exigiam a abertura de espaos de representao popular

    nesse contexto, participao vincula-se idia de cidadania e presso pela abertura de

  • Projeto Vivencial

    24

    espaos de representao popular na esfera pblica. J nos anos de 1980, os movimentos

    em prol da participao centraram-se na consolidao e na conquista de novos espaos de

    participao na esfera do Estado. Esses movimentos ficaram fortalecidos pela Constituio

    Federal, aprovada em 1988, que, apoiada no princpio da democracia participativa, prev

    o estabelecimento de conselhos de co-gesto nas diferentes esferas de atuao do Estado

    (conselhos de educao, de sade, de assistncia social, em nvel dos estados federados e

    dos municpios).

    Na dcada de 1990, observamos uma ascenso da idia de participao vinculada, em

    nvel da esfera estatal, a uma nova concepo de gesto do Estado; governana,

    empowerment, poder local, accountability, etc., so alguns termos que comeam a

    aparecer associados. Procura-se o estabelecimento de novas relaes entre o Estado e a

    sociedade civil, mediante novos formatos institucionais de participao. Nesse novo

    contexto, vimos surgir as organizaes no-governamentais, o chamado Terceiro Setor.

    Experincias sociais variadas, de cunho mais ou menos popular, inauguram diferentes

    dispositivos de participao da sociedade civil, na elaborao, execuo ou avaliao das

    polticas pblicas. Enfim, como podemos perceber, participao, em termos dos

    movimentos polticos, esteve sempre vinculada idia de partilhamento de poder, que,

    por sua vez, foi mais ou menos efetivo, dependendo da correlao de foras presentes em

    cada momento histrico.

    Mas, o que significa a palavra participao?

    A origem etimolgica de participao encontra-se em participatio, do latim, que significa

    ter parte na ao, o que torna necessrio ter acesso ao agir, bem como s decises que

    orientam o agir (BENINC, 1995). Na mesma direo, Bordenave (1992) destaca que

    participao derivada da palavra parte significa fazer parte, tomar parte ou ter parte.

    Esses trs termos so apenas trocadilhos com a palavra parte ou expressam coisas

    diferentes? Para o autor, essas trs expresses se referem a trs modos distintos de

    participao, com implicaes diferentes para aqueles que nela esto envolvidos. Veja no

    exemplo abaixo essas diferenas:

  • Projeto Vivencial

    25

    Como podemos ver, participao no se vincula apenas aos movimentos polticos, faz

    parte da prpria histria da humanidade participar. Desde que nascemos, participamos

    de um grupo social a famlia. Ingressamos depois em outros grupos de socializao

    secundria escola, amigos, clube, trabalho. Analisando as diferentes formas de

    participar, Bordenave (1992) prope a seguinte tipologia:

    1) participao de fato: refere-se s primeiras atividades de participao do homem,

    realizadas no seio do grupo familiar ou do cl; esto associadas s suas

    necessidades de subsistncia

    2) participao espontnea: diz respeito s formas de participao em grupos sociais

    de amigos, de vizinhana; geralmente esses grupos so fludos, sem organizao

    estvel e objetivos claramente definidos. A participao, nesse caso, vincula-se

    necessidade de satisfaes psicolgicas, expressivas etc.

    3) participao imposta: o indivduo obrigado a fazer parte do grupo e a fazer

    atividades consideradas indispensveis. Exemplo: eleio obrigatria

    4) participao voluntria: o grupo criado pelos prprios participantes, que definem

    a organizao, os objetivos e as formas de atuao do grupo. Exemplo:

    associaes profissionais, ONGs. Nesta categoria, pode-se incluir uma

    subcategoria, a participao provocada: situao em que a formao do grupo

    induzida por agentes externos, com a finalidade de realizarem objetivos que no

    aqueles do prprio grupo

    5) participao concedida: relaciona-se com participao do indivduo em instncias

    que no foram criadas por ele. Mas sua presena, em termos de poder ou de

    influncia, considerada legtima tanto pelos subordinados como pelos superiores.

    Embora essa no seja ainda uma participao democrtica, pode ser

    potencialmente transformadora

    Bulhes faz parte de nosso grupo, mas raramente toma parte das reunies. Fazemos parte da populao do Brasil, mas no tomamos parte nas decises importantes. Edgar faz parte de nossa empresa, mas no tem parte alguma no negcio (BORDENAVE, 1992).

  • Projeto Vivencial

    26

    Estes diferentes tipos de participao implicam, por sua vez, aos diferentes nveis de

    controle e de poder; por exemplo, o controle dos membros de um coletivo sobre as

    decises e a importncia destas ltimas, podem resultar em maior ou menor possibilidade

    de partilhamento de poder e de relaes igualitrias. No caso da escola, por exemplo, a

    participao da comunidade escolar pode ocorrer tanto em nvel apenas de recepo de

    informaes at como prticas efetivas de co-gesto. Podemos encontrar ainda variaes

    entre esses dois extremos: a participao compreendida como consulta indaga-se,

    pergunta-se, solicita-se comunidade escolar sugestes, crticas etc. A consulta pode ser

    facultativa ou obrigatria (todos sejam obrigados a responder). Pode ocorrer tambm a

    elaborao de propostas, de recomendaes da comunidade escolar para a direo da

    escola, que se reserva a opo de acat-las ou no; nesse caso, temos um grau de

    participao mais elevado do que o anterior. J a co-gesto implica o partilhamento da

    administrao por meio de mecanismos de co-deciso e de colegialidade.

    Discutindo tambm a questo da participao, Gandin (2000) chama-nos a ateno para a

    ascenso do discurso da participao e sua generalizao, destacando trs aspectos

    preocupantes: a) pode servir de manipulao das pessoas pelas autoridades, atravs de

    um simulacro de participao; b) pode haver a utilizao de metodologias participativas

    inadequadas pode levar a um desgaste das idias e c) pode haver desgaste dos prprios

    processos participativos. Como base nessa anlise, o autor ressalta os diferentes nveis

    em que a participao pode ser exercida: a) participao como colaborao; b)

    participao como deciso e c) participao como construo.

  • Projeto Vivencial

    27

    Sendo a participao uma prtica social, seu exerccio tambm facilitado ou dificultado

    de acordo com os condicionantes externos ou internos s instncias ou aos grupos

    participativos. A estrutura social e seus condicionantes de classe social , a presena ou

    ausncia de instncias governamentais democrticas; as formas de organizao social e as

    correlaes de fora estabelecidas em cada momento histrico podem tambm se

    relacionar com condicionantes internos aos grupos: partilhamento de teorias ou crenas,

    atuao dos dirigentes, expectativas com relao a objetivos estabelecidos etc. Enfim,

    muitas dificuldades podem surgir para a implementao da participao social efetiva e,

    de modo particular, no interior da escola. Contudo, acreditamos que a participao uma

    construo democrtica e um espao de aprendizagem, pois se certo que j se nasce

    inserido em um grupo (fazer parte de), aprende-se a tomar parte dele.

    a) Participao como colaborao: o nvel mais freqente. As pessoas so chamadas a contribuir, porm a deciso j foi tomada por uma autoridade. Nesse caso, apela-se ao trabalho, apoio, ou mesmo silncio, para que os resultados previstos sejam cumpridos. Nesse nvel de participao, no h discusso sobre objetivos e/ou resultados; muitas vezes, solicitam-se sugestes, porm estas so acatadas ou no dependendo do pensamento do chefe. Leva descrena sobre o processo, em especial pelo reconhecimento, dos participantes, de que sua presena apenas secundria

    b) Participao como deciso: nesse nvel, a participao vai alm da colaborao, manifestando uma aparncia mais democrtica. Todavia, em geral so decididos aspectos menores, pouco relacionados com uma proposta mais ampla; as decises so geralmente entre termos j preestabelecidos, sem influenciar os aspectos mais importantes

    c) Participao como construo: na prtica pouco freqente e se refere a uma construo conjunta das pessoas. H partilhamento de poder, assentando-se na idia de igualdade entre as pessoas. Cada um, com seu saber prprio, com suas expectativas, suas crenas, seus ideais, converge para a construo de uma proposta comum

  • Projeto Vivencial

    28

    Para sua reflexo...

    Observa-se que o processo brasileiro de descentralizao da educao no descentralizou, de fato, o poder no interior das escolas. Usualmente, esse poder continua nas mos da diretora ou gestora, que o monopoliza, faz a pauta das reunies dos conselhos e colegiados escolares, no a divulga com antecedncia etc. A comunidade externa e os pais no dispem de tempo e, muitas vezes, nem avaliam a relevncia de participar ou de estar presentes nas reunies. Alm disso, usualmente, esses pais no esto preparados para entender as questes do cotidiano das reunies, como as oramentrias. S exercem uma participao ativa nos colegiados aqueles pais com experincia participativa anterior, extra-escolar, revelando a importncia da participao dos cidados(s) em aes coletivas na sociedade civil. O carter educativo que essa participao adquire, quando ela ocorre em movimentos sociais comunitrios, organizados em funo de causas pblicas, prepara os indivduos para atuarem como representantes da sociedade civil organizada. E os colegiados escolares so uma dessas instncias. Muitos funcionrios das escolas so membros dos conselhos e dos colegiados escolares mas, usualmente, exercitam um pacto do silncio, no participando de fato e servindo de modelo passivo para outros setores da comunidade educativa que compem um colegiado. Por que eles se comportam assim? Porque, na maioria dos casos, esto presentes para referendar demandas corporativas, ou para fortalecer diretorias centralizadoras. Como elo mais fraco do poder, eles participam para compor, para dar nmero e qurum necessrios aos colegiados, contribuindo com esse comportamento para no construir nada e nada mudar. Por que isso ocorre? Porque, embora os colegiados sejam espaos legtimos e de direito, e uma conquista para o exerccio da cidadania, at por serem previstos em lei, essa cidadania tem que ser qualificada e construda na prtica. Os projetos polticos dos representantes dos diferentes segmentos e grupos, seus valores, suas vises de mundo etc. interferem na dinmica desses processos participativos. Para terem como meta projetos emancipatrios, eles devem ter como lastro de suas aes os princpios da igualdade e da universalidade. Os colegiados devem construir ou desenvolver essa sensibilidade por meio de um conjunto de valores que venham a ser refletidos em suas prticas. Sem isso, temos uma incluso excludente: aumento do nmero de alunos nas escolas e estruturas descentralizadas que no ampliam de fato a interveno da comunidade na escola. Temos setores que pretensamente esto representando o interesse pblico, mas que, na realidade, defendem o interesse de grupos e corporaes, ou a manuteno do poder tradicional, cujo papel exercer o controle, a vigilncia, em razo de uma falsa participao ordeira, voltada para a responsabilizao da comunidade (pais, mes e outros) nas aes em que o Estado se omite (SILVA, 2003).

  • Projeto Vivencial

    29

    Referncias BORDENAVE, J. E. D. O que participao. 7 ed. So Paulo: Brasiliense, 1992 (Coleo Primeiros Passos, no 95). GANDIN, D. A prtica do planejamento participativo. 8 ed. Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000. GOHN, M. G. Educao no-formal, participao da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: aval. pol. pbl. Educ. Rio de Janeiro, v.14, no50, p. 27-38, jan./mar. 2006. [Disponvel em: www.scielo.org] Leitura recomendada GOHN, M. G. Educao no-formal, participao da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: aval. pol. pbl. Educ. Rio de Janeiro, v. 14, no 50, p. 27-38, jan./mar. 2006. [Disponvel em: www.scielo.org]

    Anexo G

    7 Plano de desenvolvimento da escola

    Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), proposta de planejamento estratgico a ser

    desenvolvido pelas escolas, por meio de modelo gerencial concebido no mbito de um

    acordo de financiamento entre o Banco Mundial (BM) e o MEC (Projeto Fundescola), a ser

    aplicado em escolas das regies norte, nordeste e centro-oeste. O PDE traz um modelo de

    gesto da escola, dentro dos moldes de organizao empresarial, e as escolas que fizerem

    adeso ao Plano e planejarem nos moldes determinados recebem os recursos para

    desenvolvimento das aes estabelecidas (TOSCHI; FONSECA; OLIVEIRA, 2004/2005).

    Referncia

    TOSCHI, M. S.; FONSECA, M.; OLIVEIRA, J. F. Relao entre o Plano de Desenvolvimento

    da Escola (PDE) e o Projeto Poltico-Pedaggico da escola (PPP): concepo e avaliao.

    Educao em Foco. Revista da Faculdade de Educao da UFJF, v. 9, no 1, mar./ago.

    2004; set./fev. 2005.

  • Projeto Vivencial

    30

    Anexo H

    8 Atividades-meios e Atividades-fins

    Paro (2002a), tomando o conceito de administrao em seu sentido mais geral, define-a

    como sendo a utilizao racional de recursos para a realizao de fins determinados. ,

    ento, uma atividade essencialmente humana, pois s o homem capaz de estabelecer

    livremente objetivos a serem cumpridos (p. 19).

    Explicitando o termo utilizao racional de recursos, o autor recorre origem da palavra

    racional do latim ratio, que significa razo. Assim, usar racionalmente recursos significa:

    a) que tais recursos sejam adequados aos fins visados e b) o emprego desses recursos

    deve se dar de forma econmica. Nessa acepo, os fins no podem ser separados de

    seus meios.

    Mas o que quer dizer o autor com adequao dos meios/recursos aos fins? Significa,

    primeiramente, que, dentre os meios disponveis, h que selecionar aqueles que mais se

    prestam a atividade ou atividades a serem desenvolvidas com vistas realizao de tais

    fins (p. 19).

    Os meios aos quais se refere o autor podem ser de dois tipos: meios/recursos materiais e

    meios/recursos conceptuais. Os primeiros se referem s condies objetivas necessrias

    realizao do trabalho. Nesse sentido, incluem-se aqui tanto os meios para interveno

    direta como ferramentas, instrumentos, mquinas; como os indiretos estradas, edifcios

    etc. Ambos, no entanto, so considerados meios de produo, na medida em que

    possibilitam, direta ou indiretamente, o processo de produo de artefatos materiais ou

    no-materiais. J os recursos conceptuais dizem respeito aos conhecimentos e s tcnicas

    que o homem acumulou historicamente e que medeiam tambm sua relao com a

    natureza.

    Como se aplicam esses conceitos quando tratamos dos processos educativos?

  • Projeto Vivencial

    31

    Para responder a essa questo preciso considerar duas dimenses: a) as finalidades da

    educao e, de modo particular, da educao escolar e b) os meios necessrios para que

    essas finalidades sejam atingidas. Se considerarmos, como afirma Saviani (1992), que sua

    finalidade consiste em produzir diretamente e intencionalmente, em cada indivduo

    particular, a humanidade que produzida histrica e coletivamente pelo conjunto dos

    homens (p. 21), cumprir essa finalidade implica, por um lado, identificar os elementos

    culturais que precisam ser assimilados e, por outro lado, descobrir as formas mais

    adequadas para se atingir esse objetivo (SAVIANI, 1992, p. 21). Trata-se, portanto, na

    educao escolar, de identificar nas atividades que tm lugar no cotidiano da escola

    aquelas que concorrem para a realizao de sua atividade.

    Paro (2002b) classifica as atividades que se desenvolvem no interior da escola em dois

    grupos: atividades-meios e atividades-fins. Vejamos o que o autor entende por cada uma

    delas:

    1) atividades-meios: so aquelas que, embora referindo-se ao processo ensino-

    aprendizagem, no o fazem de maneira imediata, colocando-se, antes, como

    viabilizadoras ou precondies para a realizao direta do processo pedaggico escolar

    que se d predominantemente em sala de aula. Destacam-se, entre estas, as

    operaes relativas direo da escola, aos servios de secretaria e s atividades

    complementares e de assistncia ao escolar (PARO, 2002b, p. 72)

    2) atividades-fins: referem-se a tudo o que diz respeito apropriao do saber pelos

    educandos. Nelas inclui-se a atividade ensino-aprendizagem propriamente dita,

    desenvolvida dentro e fora da sala de aula; mas no imprprio inclurem-se tambm

    os servios de coordenao pedaggica e de orientao educacional, na medida em

    que estes tambm lidam diretamente com questes pedaggicas (p. 75)

    Essa relao entre as finalidades da escola e as atividades realizadas para sua realizao

    d gesto da escola um carter de mediao: tanto as atividades-meios (direo,

    servios de secretaria, assistncia ao escolar, e atividades complementares [...]) quanto a

    prpria atividade-fim, representada pela relao ensino-aprendizagem que se d

  • Projeto Vivencial

    32

    predominantemente (mas no s) em sala de aula, estejam permanentemente

    impregnada dos fins da educao (PARO, 1998, p. 303).

    Quando se dissocia atividades-meios das finalidades da educao pode ocorrer tanto a

    burocratizao da atividade escolar, quanto a reduo da gesto escolar a uma dimenso

    tecnicista, com a introduo de ferramentas gerenciais para a resoluo de problemas

    educacionais.

    Referncias

    PARO, V. H. A Gesto da Educao ante as Exigncias de Qualidade e Produtividade da

    Escola Pblica. In: SILVA, L. H. da (org.) A Escola cidad no contexto da

    globalizao. Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

    _____. Administrao escolar: introduo crtica. 11 ed. So Paulo: Cortez, 2002a (a).

    _____. Gesto democrtica da escola pblica. So Paulo: tica, 2002b (b).

    SAVIANI, D. Pedagogia histrico-crtica: primeiras aproximaes. 3 ed. So Paulo:

    Cortez, 1992.

    Anexo I

    9 Accountability O conceito de accountability recente no vocabulrio poltico brasileiro. De origem

    inglesa, associado, freqentemente, transparncia, prestao de contas e

    responsabilizao. Vieira (2005), em uma reviso da bibliografia destinada a este tema,

    identifica os seguintes significados: a) pode ser compreendido como responsabilidade

    objetiva ou a obrigao de responder por algo e b) pode tambm expressar uma

    capacidade de resposta e possibilidade de punio; nesta ltima acepo, supe a

  • Projeto Vivencial

    33

    existncia de poder e a necessidade de seu controle. Accountability , portanto, um termo

    utilizado em referncia s polticas pblicas. Para alguns autores, vincula-se idia de

    governana e de controle social sobre o Estado (VIEIRA, 2005).

    Seu surgimento est vinculado onda de reformas dos estados em diversos pases do

    mundo, incluindo a Amrica Latina, nas dcadas de 1980 e 1990; acompanha, assim, a

    concepo de administrao gerencial do Estado, com a introduo de mecanismos

    fundados em uma lgica economicista. Em termos de polticas pblicas, vincula-se idia

    de transparncia na execuo, prestao de contas de seus resultados e responsabilizao

    de seus gestores por todas as inadequaes observadas.

    Vale registrar, todavia, que este um conceito em disputa: setores sociais, vinculados aos

    movimentos sociais, cobram desse conceito um matiz mais crtico, vinculando-o no a

    mecanismos de mercado, mas sim, a dispositivos de participao da sociedade civil na

    esfera da produo, execuo e avaliao de polticas. J setores mais conservadores,

    vinculam-no a uma perspectiva econmica de eficincia/eficcia das polticas.

    No campo da educao, o uso do termo accountability educacional recente, aparecendo,

    com freqncia, em documentos produzidos por organismos internacionais; mantm os

    significados acima apresentados de prestao de contas e responsabilizao, sendo

    referenciado como necessrio s polticas de avaliao dos sistemas educacionais e das

    unidades escolares. Nigel Brooke, em recente artigo publicado na revista Cadernos de

    Pesquisa, da Fundao Carlos Chagas, assim definiu esse termo:

    Fazer com que as escolas se responsabilizem por seu desempenho um objetivo claramente desejvel. Sem dvida, o conceito de accountability educativo no amplamente conhecido nem compreendido na Amrica Latina. Um sistema de accountability se baseia em padres que deixam claro aquilo que os alunos devem saber e informar aos atores interessados pais, professores, comunidade - sobre esses padres e em que medida as escolas esto conseguindo alcan-los. Estabelecer conseqncias pelos desempenhos inferiores aos adequados serve para exercer uma saudvel presso sobre todas as pessoas envolvidas no processo educativo, a fim de que dem o melhor de si na realizao de uma boa educao para todas as crianas.

    Estudos realizados por pesquisadores tanto do Brasil como da Amrica Latina tm

    mostrado, no entanto, que a implementao de mecanismos dessa natureza, nos termos

  • Projeto Vivencial

    34

    em que se apresenta o conceito de accountability, ao invs de provocar a melhoria dos

    sistemas e das unidades escolares, tem, ao contrrio, produzido efeitos perversos como o

    aprofundamento da seletividade, da excluso e da competitividade entre as escolas.

    Dentro de uma perspectiva crtica e da gesto democrtica, o controle social da

    comunidade sobre as aes da escola se faz balizado por referncias de participao

    poltica e, portanto, de co-responsabilizao. De acordo com Borges (2004), nas recentes

    reformas educacionais, observa-se uma tenso entre uma abordagem gerencialista e

    economicista, atualmente hegemnica, e uma perspectiva da democratizao da gesto.

    Ainda de acordo com o autor, h certo consenso, entre os educadores crticos, que os

    processos de descentralizao centrais nas reformas educacionais recentes

    implementados sob uma tica conservadora visam introduzir novos e mais rgidos

    controles sobre os professores e administradores educacionais, muito mais do que

    promover o empowerment e a participao (BORGES, 2004, p. 81)

    Referncias

    BORGES, A. Lies de reformas da gesto educacional no Brasil, EUA e Gr-Bretanha. So Paulo em Perspectiva. 18(3): 78-89, 2004. BROOKE, N. O Futuro das polticas de responsabilizao educacional no Brasil [The future of educational accountability policies in Brazil]. Cad. Pesquisa. May/Aug. 2006, vol.36, no.128, p.377-401. CEPAL/UNESCO/CIDE. Accountability Educacional: posibilidades y desafos para Amrica Latina a partir de la experiencia internacional. Santiago do Chile: CEPAL:CIDE, maro de 2006. VIEIRA, J. B. Estado, sociedade civil e accountability. Ensaios FEE. Porto Alegre, v. 26, n. 1, p. 605-626, jun. 2005. Leitura Recomendada BORGES, A. Lies de reformas da gesto educacional no Brasil, EUA e Gr-Bretanha. So Paulo em Perspectiva. 18(3): 78-89, 2004.

  • Projeto Vivencial

    35

    Para refletir....

    =

    O conceito de aplicao, recente na Amrica Latina, remete necessidade de se atribuir responsabilidades pelas aes prprias e pelos resultados das mesmas. Utilizamo-nos desse termo no mundo financeiro para aludir aos responsveis pelo manejo do dinheiro depositado por terceiros. Estes so obrigados a informar a seus clientes sobre os movimentos dos recursos e prestar contas sobre como o tm aplicado e o que conseguiram fazer com eles. Isso no sucede no mundo das polticas pblicas e, menos ainda, na educao. De fato, os conceitos de transparncia, prestao de contas e responsabilidade pelos resultados so relativamente novos, quando se referem ao de pessoas que administram ou manejam recursos pblicos, e que devem responder pelo desempenho de pessoas e de organizaes sob sua responsabilidade. No campo educativo, o conceito remete aos resultados da aprendizagem escolar e responsabilidade que cabe s escolas e dentro destas, comunidade escolar, pelos resultados que obtenham seus alunos. Entre as aes orientadas para se atingir esse propsito aparece como prioritrio avaliar os resultados da aprendizagem e o cumprimento das regras curriculares; alinhar essas avaliaes com padres de contedo, desempenho e oportunidades de aprendizagem, dentro e fora da escola; premiar ou castigar o bom desempenho dos atores do sistema e, to importante como isto, cuidar para que os mtodos de avaliao e regulao no levem distoro do contedo e da orientao da prtica educativa e permitam paralelamente fortalecer as capacidades de gesto dos estabelecimentos mais deficitrios e prestar, aos professores, o respaldo tcnico necessrio para realizar seus projetos educativos com resultados de excelncia. Extrado do livro: Accountability educacional: posibilidades y desafos para Amrica Latina a partir de la experiencia internacional. Chile: CEPAL: CIDE, 2006.