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ARTUR CARLOS DA SILVA MOREIRA
CARACTERSTICAS DA ATUAO PROFISSIONAL DO
ENGENHEIRO DE SEGURANA DO TRABALHO:
UMA PESQUISA QUANTITATIVA COM OS ENGENHEIROS
CATARINENSES
Florianpolis
2003
ARTUR CARLOS DA SILVA MOREIRA
CARACTERSTICAS DA ATUAO PROFISSIONAL DO
ENGENHEIRO DE SEGURANA DO TRABALHO:
UMA PESQUISA QUANTITATIVA COM OS ENGENHEIROS
CATARINENSES
Dissertao apresentada como requisito parcial
obteno de grau de Mestre
Curso de Ps-Graduao em Engenharia de
Produo, rea de concentrao Ergonomia,
Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientador: Dr. Jos Maral Jackson Filho
Florianpolis
2003
ARTUR CARLOS DA SILVA MOREIRA
CARACTERSTICAS DA ATUAO PROFISSIONAL DO
ENGENHEIRO DE SEGURANA DO TRABALHO:
UMA PESQUISA QUANTITATIVA COM OS ENGENHEIROS
CATARINENSES
Dissertao aprovada como requisito para obteno do grau de Mestre no Curso de Ps-
Graduao em Engenharia de Produo rea de Concentrao: Ergonomia da
Universidade Federal de Santa Catarina, em 30 de julho de 2003.
_____________________________________
Prof. Edson Pacheco Paladini, Dr.
Coordenador do Programa
Banca Examinadora:
_____________________________________
Prof. Jos Maral Jackson Filho, Dr.
Orientador
____________________________________
Profa. Rose Alyce Oliveira Leite, Dra.
____________________________________
Prof. Francisco de Paula Lima , Dr
DEDICATRIA
minha famlia, pelo apoio,
incentivo e por acreditarem todo o tempo na
concretizao deste sonho.
A FUNDACENTRO, por ter dado
os instrumentos necessrios realizao do
trabalho e aos colegas da Fundao, pela
amizade e incentivo.
iv
RESUMO MOREIRA, Artur Carlos da Silva. Caractersticas da atuao profissional do Engenheiro de Segurana do Trabalho: uma pesquisa quantitativa com os Engenheiros catarinenses. Florianpolis, 2003,175 fs. Dissertao (Mestrado em Engenharia de Produo) Programa de Psgraduao em Engenharia de Produo, UFSC, 2003.
A partir da dcada de 70, estruturou-se um modelo caracterizado pela obrigao legal, por
parte das empresas, de manterem a segurana e sade no trabalho, atravs da assessoria de
profissionais especializados. Esses profissionais poderiam compor, nas empresas, servios
prprios de segurana e sade, bem como atuar na prestao de assessoria. A presente
pesquisa teve como objetivo definir as principais caractersticas da atividade de um desses
profissionais: o Engenheiro de Segurana do Trabalho. Partiu-se de uma reviso histrica da
evoluo da segurana e sade no Brasil, onde foram identificadas algumas das dificuldades
na implantao do atual modelo prevencionista. Foram definidos e avaliados tambm alguns
fatores que caracterizam a problemtica segurana e sade no Pas. Por fim, foram analisados
os dados obtidos por um questionrio enviado aos Engenheiros de Segurana do Trabalho no
Estado de Santa Catarina. O questionrio foi estruturado de forma a poder definir as
caractersticas das vrias possibilidades de atuao profissional, tais como o trabalho em
empresa, trabalho como consultor e professor.
Palavras-Chave: Atividades profissional, Engenharia de Segurana do Trabalho, SESMT
v
ABSTRACT MOREIRA, Artur Carlos da Silva. Caractersticas da atuao profissional do Engenheiro de Segurana do Trabalho: uma pesquisa quantitativa com os Engenheiros catarinenses. Florianpolis, 2003,175 fs. Dissertao (Mestrado em Engenharia de Produo) Programa de Psgraduao em Engenharia de Produo, UFSC, 2003.
From 70s, a characterized model has been structured by the lawful obrigation, for the
companies, to keep the security and health in the work, by the advisory specialized
professionals. Those professionals would be able to develop, in the companies, service of
security and health, as well as to act in the installment of advisory. This research had as the
main objective to define the main characteristics of the activity of one of those professionals:
the Engineer of Security in the Work. It started from a historic review of the evolution of the
security and health in Brazil. Definite and evaluated some factors that characterize to flaw
security and health in the Country, were also defined and evaluated. Finally, analyzed the data
obtained by a questionnaire sent the Engineers of Security of the Work in the State of Santa
Catarina were analyzed. The questionnaire was structured to define the characteristics of the
several professional possibilities of action, like the work in company, work as a consultant
and as a teacher.
Key-words:
Professional activities, Engineering of Security in the Work, SESMT
vi
LISTA DE ABREVIATURAS
ABERGO Associao Brasileira de Ergonomia
ABPA Associao Brasileira para Preveno de Acidentes
AIT - Agentes da Inspeo do Trabalho
ANEST - Associao Nacional de Engenharia de Segurana do Trabalho
CAT Comunicao de Acidente de Trabalho
CIPA - Comisso Interna de Preveno de Acidentes
CONFEA Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
CANPAT - Campanha Nacional de Preveno de Acidentes do Trabalho
CONPAT - Congresso Nacional de Preveno de Acidentes do Trabalho
CLT - Consolidao das Leis do Trabalho
CNAE Cdigo Nacional de Atividade Econmica
CNI - Confederao Nacional da Indstria
CREA Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
DORT Doenas osteomusculares relacionadas ao trabalho
DRT - Delegacia Regional do Trabalho
EPC - Equipamentos de proteo coletiva
EPI - Equipamentos de proteo individual
EST Engenheiro de Segurana do Trabalho
FUNDACENTRO Fundao Jorge Duprat de Figueiredo de Segurana e Medicina do
Trabalho
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
INPS - Instituto Nacional da Previdncia Social
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
LER Leses por esforos repetitivos
MEC Ministrio da Educao e Cultura
MTE Ministrio do Trabalho e Emprego
MTPS Ministrio do Trabalho e Previdncia Social
NR Norma Regulamentadora
OIT Organizao Internacional do Trabalho
OMS - Organizao Mundial da Sade
vii
PNVT Plano Nacional de Valorizao do Trabalhador
PCMAT Programa de Condies e Meio Ambiente de Trabalho na Indstria da Construo
PCMSO Programa de Controle Mdico e Sade Ocupacional
PIB - Produto Interno Bruto
PPRA Programa de Preveno de Riscos Ambientais
NR Norma Regulamentadora
SAT - Seguro Acidente de Trabalho
SM Salrio Mnimo
SESMT - Servio Especializado em Engenharia de Segurana e em Medicina do Trabalho
SOBES - Sociedade Brasileira de Engenharia de Segurana
SSMT Secretaria de Segurana e Medicina do Trabalho
SST Segurana e sade no trabalho
TOC - Tarifa Oficial de Contribuies (SAT)
DNSHT Departamento Nacional de Segurana e Higiene do Trabalho
viii
SUMRIO
RESUMO............................................................................................................................ iv
ABSTRACT ....................................................................................................................... v
LISTA DE ABREVIATURAS ........................................................................................... vi
1 INTRODUO........................................................................................................11
1.1. As estatsticas oficiais de acidentes de trabalho como indicativo do grave
quadro social ....................................................................................................................12
1.2. A tentativa de resoluo normativa dos problemas................................................ 15
1.3. O Engenheiro de Segurana do Trabalho na prtica prevencionista ...................18
1.4.Objetivos ......................................................................................................................20
1.5.Hipteses......................................................................................................................21
1.6.Estrutura e Metodologia do Trabalho ......................................................................21
2 O CONTEXTO HISTRICO DA SEGURANA E SADE NO TRABALHO 23
2.1. A evoluo histrica da Segurana e Sade no Trabalho ....................................23
2.2. Segurana e sade do trabalho no Brasil ..............................................................28
3 DOS PRIMEIROS CURSOS REGULAMENTAO DA
ENGENHARIA DE SEGURANA DO TRABALHO....................................... 34
4 A PROBLEMTICA DA SEGURANA E SADE NO BRASIL ....................38
4.1. A quem interessa as ms condies de trabalho? ................................................. 38
4.2. Gesto das questes de Segurana e Sade no Trabalho ......................................39
4.2.1. As verdadeiras dimenses do ser humano ................................................................40
4.2.2. A (des) Integrao do Setor de Segurana e Sade ..................................................41
4.2.3. A variabilidade causal dos acidentes de trabalho .....................................................42
4.2.4. A gesto atravs da culpa ......................................................................................... 43
ix
4.2.5. A terceirizao de mo de obra ................................................................................ 44
4.3. Aes governamentais ............................................................................................. 47
4.3.1. O modelo de desadministrao da Previdncia Social ..............................................47
4.3.2. A fiscalizao do cumprimento da legislao .......................................................... 48
4.4. Aes sindicais..........................................................................................................49
4.5. O engenheiro de segurana do trabalho no contexto prevencionista..................51
4.5.1. O ensino da Engenharia de Segurana do Trabalho .................................................51
4.5.2. A Engenharia de Segurana do Trabalho e crise de confiana profissional.............52
4.5.3. O trabalho do Engenheiro de Segurana do Trabalho nas empresas ........................54
4.5.4. O trabalho de consultoria ..........................................................................................57
5 SOBRE A PESQUISA.............................................................................................59
5.1. A estrutura do questionrio ......................................................................................59
5.2. Os pr-testes ...............................................................................................................61
5.3. A estratgia de envio dos questionrios ...................................................................61
5.4. O tratamento dos dados ............................................................................................62
6 ANLISE DOS RESULTADOS ...............................................................................63
6.1. Quanto identificao...............................................................................................64
6.2 Quanto atuao como Engenheiro de Segurana do Trabalho ..........................65
6.3. Quanto ao trabalho do Engenheiro de Segurana na empresa.............................67
6.4. O trabalho como consultor .......................................................................................69
6.5. Caractersticas da forma de atuao profissional...................................................70
6.6. Tempo de formao profissional ..............................................................................71
6.7. Renda do profissional ................................................................................................72
6.8. Sexo do profissional ...................................................................................................72
6.9. Hierarquia da segurana do trabalho ......................................................................73
x
6.10. Local de formao do profissional .....................................................................73
6.11. Tamanho da empresa..........................................................................................74
7 CONCLUSO.............................................................................................................75
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................79
ANEXO I Estatsticas de acidentes de trabalho no Brasil .........................................85
ANEXO II Tabela de dimensionamento do SESMT..................................................87
ANEXO III Currculo bsico dos Cursos de Engenharia de Segurana do
Trabalho ....................................................................................................89
ANEXO IV Atribuies dos Engenheiros de Segurana do Trabalho .....................91
ANEXO V Mesoregies do Estado de Santa Catarina ...............................................96
ANEXO VI Questionrio ..............................................................................................105
ANEXO VII Primeira carta enviada aos profissionais ..............................................113
ANEXO VIII Segunda carta enviada aos profissionais .............................................116
ANEXO IX Resultado da pesquisa com os Engenheiros de Segurana do
Trabalho em Santa Catarina ...................................................................118
1 INTRODUO
O Brasil, na dcada de 70, em funo do grande nmero de acidentes, estabeleceu um
modelo de segurana e sade no trabalho que, apesar de vrias adaptaes, ainda est em
vogo at os dias atuais. Dentre suas caractersticas est o uso de todo um arcabouo legal e
regulamentar que, a partir de 1978, passou a ser representado principalmente pelo Captulo V
da CLT e pelas Normas Regulamentadoras NRs.
O modelo baseia-se, tambm, na utilizao de profissionais especializados em
segurana e sade, tanto de nvel mdio como de nvel superior. Esses profissionais seriam o
instrumento de adequao dos ambientes laborais s necessidades do ser humano, atravs de
tcnicas de engenharia de segurana, higiene e medicina do trabalho, sustentadas pela
legislao vigente e por uma estrutura de fiscalizao de cumprimento das normas. Esses
profissionais podem formar servios especializados em segurana e sade nas empresas,
assim como serem contratados para prestar servios de assessoria.
Aps trinta anos, a realidade mostra que o nmero de acidentes ainda continua
bastante alto. Apesar das estatsticas oficiais indicarem sua reduo, h fortes indcios de que
a subnotificao, as mudanas de regras na Previdncia Social e a informalidade mascaram os
nmeros, escondendo da sociedade um quadro muito mais preocupante.
As vrias tentativas de melhoria da segurana e da sade, atravs da atualizao da
legislao (NRs 5, 7, 9, 18, 29), determinando s empresas a elaborao de programas
(PPRA, PCMSO, PCMAT), bem como o atual debate sobre a mudana da NR 4, com a
terceirizao do SESMT e a exigncia por parte da Previdncia Social do Perfil
Profissiogrfico Previdencirio - PPP, indicam que o modelo de segurana estabelecido no
est dando os resultados esperados.
Os reflexos da terceirizao e da reformulao produtiva tambm tm contribudo para
a crise do modelo de segurana vigente. Para Machado (2001):
12
Os reflexos da reestruturao produtiva no mundo do trabalho, com a chamada modernizao cientfica e tecnolgica, ao contrrio de reduzirem os riscos, introduzem nova degradao nas condies de trabalho, num contexto de flexibilizao e informalizao, agregando-se aos riscos clssicos do trabalho e alimentando os j insuportveis ndices de acidentes e doenas profissionais.
Esses elementos indicam que as profisses ligadas segurana e sade passam por
uma crise de confiana profissional, como defende Schon (1983, 2000). Nesta dissertao,
pretende-se estudar as caractersticas da atuao profissional de um dos atores sociais:
Engenheiro de Segurana do Trabalho.
Discorrer-se-, a seguir, sobre alguns elementos indicativos da crise profissional, que
justificam a presente dissertao.
1.1. As estatsticas oficiais de acidentes de trabalho como indicativo do grave quadro
social
A partir de 1970, a Previdncia Social publica as estatsticas de acidentes de trabalho
no Brasil, que servem de fonte para avaliao das condies de trabalho no Pas, ainda que a
sub-notificao coloque em dvida a completa autenticidade dos nmeros. O anexo I
apresenta as estatsticas oficiais dos acidentes de trabalho e doenas profissionais de 1970 ao
ano 2000.
A divulgao da estatstica ind icou um quadro de acidentes de trabalho preocupante,
tendo em vista que, por exemplo, em 1970, ocorreram 1.220.111 acidentes para uma fora
produtiva de 7.284.022, o que significa uma relao percentual de 16,7%. E esta percentagem
permaneceu absurdamente alta nos primeiros anos de divulgao das estatsticas, variando de
14,7 a 18,5%, entre 1970 e 1975.
A partir de 1976, o Governo Federal publicou a Lei 6.367, que determinou que os 15
primeiros dias aps o acidente fossem pagos pelo empregador. Alm disso, eliminou o
pagamento de peclio por pequenas perdas, sem repercusso sobre a atividade profissional.
13
Segundo Rocha e Nunes (In: Rocha,1993), essa lei teve motivao econmica, j
que a maior parte dos acidentes era com poucos dias de afastamento e cerca de 80% dos
peclios pagos eram de acidentes de pequena repercusso. A conseqncia disto foi uma sub-
notificao ainda maior, resultando em relaes percentuais entre nmero de acidentes e fora
de trabalho cada vez menores. De 1976 a 1981, as relaes percentuais variaram
progressivamente de 11,7% a 6,6%.
Aquino (1996), analisando os dados oficiais da Previdncia Social revela que ao
comparar-se a evoluo das estatsticas entre 1981 e 1994, conclui-se que a relao entre
nmero de acidentes por nmero de trabalhadores reduziu 75%, enquanto que a relao entre
nmero de mortes e nmero de trabalhadores cresceu aproximadamente 1.500%.
O fato de no se ter no nmero de bitos a mesma reduo gradativa observada no
nmero de acidentes, talvez seja a prova definitiva de que houve um mascaramento das
estatsticas. Estudos de Heinrich, Bird e Fletcher (apud De Cicco, Fantazzini, 1993:3-10)
mostram uma relao entre nmero de acidentes leves, graves e mortes, que no
correspondem s relaes percentuais indicadas nas estatsticas da Previdncia Social.
Outro indcio da subnotificao do acidente do trabalho no comparativo com as
estatsticas de outros Pases, conforme mostra a tabela 1.
14
Tabela 1 Estatsticas de acidentes do trabalho no Mundo1
Pas Ano N Acid. Acid/100 mil trab. Mortes Mortes/100 mil trab. Brasil 1998 348.178 498 3.795 5,4 EUA 1998 2.618.055 1.961 6.055 4,5 Alemanha 1998 1.585.085 4.354 1.287 3,5 Espanha 1999 867.862 6.281 1.110 8,0 Itlia 1999 612.790 2.937 1.012 4,9
A primeira incoerncia do comparativo dos dados da tabela quanto ao nmero de
498 acidentes por 100.000 trabalhadores. Reportando-se ao Anexo I, ao dividir-se o nmero
de acidentes pelo nmero de trabalhadores para o ano de 1998, obter-se- ia a relao de 1.692
acid./100000 trab. A distoro ocorreu porque o Brasil informou OIT um total de 348.178
acidentes e 69.963.000 trabalhadores, o que inclui os segurados da Previdncia Social e os
que atuam na informalidade (mais de 60% dos 70 milhes de Brasileiros que representam a
Populao Economicamente Ativa)2. Se para o trabalhador que possui relao formal de
trabalho j difcil garantir a emisso das CATs, nos acidentes de trabalho, pode-se dizer
que para o trabalho informal isto no faz parte da realidade.
Mesmo que o Brasil comunicasse OIT os nmeros de acidentes e de trabalhadores
que indicam a relao de 1.692 acid./100.000 trab., ainda haveria incoerncia se comparado s
relaes de 1.961 para os Estados Unidos, 2.937 para a Itlia, 4.354 para a Alemanha e 6.281
para a Espanha. Partindo-se do princpio que estes Pases tm estruturas governamentais e
sindicais muito mais eficazes, o descrdito pelos nmeros apresentados pelo Brasil fica
evidente.
Ainda quanto informalidade no trabalho, Waldvogel (In: Carvalho Neto, 2001)
estudou 3.646 casos de acidentes fatais no Estado de So Paulo, no perodo entre 1997 e
1999. Do total de mortes, 1647 casos, ou seja, 45,2% do total, referiu-se a trabalhadores no
contribuintes do INSS, funcionrios pblicos, trabalhadores contribuintes sem dependentes
aptos a requerer os benefcios ou com dependentes aptos, mas residentes em outro estado
1 Revista Proteo. Anurio Brasileiro de Proteo. Novo Hamburgo (RS): MPF, 2002. 2 Idem
15
brasileiro. Fazendo-se uma extrapolao para todos os tipos de acidentes, poder-se- ia
duplicar os casos indicados pelas estatsticas oficiais da Previdncia Social.
Em outro estudo, Mendes (apud Lucca e Fvero, 1994), levando em conta a grande
massa trabalhadora da informalidade, estimou para o ano de 1996, o nmero total de 3
milhes de acidentes.
Outra questo importante na subnotificao dos acidentes de trabalho a estabilidade
no emprego. Lucca e Fvero (1994:12) alertam que para evitar a estabilidade no emprego,
algumas empresas tem evitado a abertura da Comunicao de Acidente de Trabalho (CAT) 3.
Assim procedendo, a empresa prejudica o trabalhador e contribui para o sub-registro oficial
dos acidentes de trabalho
1.2. A tentativa de resoluo normativa dos problemas
O arcabouo legal no campo da segurana e sade no trabalho, j citado anteriormente,
constitui uma tentativa do governo de inserir segurana do trabalho no cotidiano da sociedade,
entendendo a estratgia legalista como suficiente para resolver os graves problemas sociais e
econmicos, oriundos dos ambientes laborais inadequados e das relaes entre capital e
trabalho.
Reuter (1986:97, grifo nosso) critica o paradigma legalista da segurana atravs de seu
prprio conceito vigente poca: Segurana o conjunto de Normas, Tcnicas e
Procedimentos que objetivam a preveno de perdas, sejam incidentes nos recursos humanos,
materiais, financeiros ou sobre o meio ambiente.
Uma primeira exigncia legal digna de considerao a obrigatoriedade por parte das
empresas de manter, em funo de seu ramo de atividade e nmero de empregados, Servio
3 CAT Comunicao de Acidentes de Trabalho. O artigo 22 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, determina que as empresas devero comunicar o acidente do trabalho Previdncia Social at o primeiro dia til seguinte ao da ocorrncia e, em caso de morte, de imediato, autoridade competente.
16
de Engenharia de Segurana e Medicina do Trabalho - SESMT, que ser visto com mais
profundidade no captulo 3 desta dissertao.
Os SESMTs tm sofrido as mais diversas criticas no s em relao qualidade de
seus servios, mas tambm pela sua credibilidade, como argumenta Mendes (1988:14):
Mais que propriamente avaliar a qualidade tcnica, a eficcia, a eficincia e a produtividade destes Servios, o que est em jogo, na verdade, a prpria credibilidade, quer por sua vinculao patronal, como questionam alguns, quer por prticas que se afastam da tica que deve nortear os profissionais que dirigem e/ou trabalham nesses Servios.
Os SESMTs esto na pauta de discusso da sociedade, tendo em vista a inteno do
Ministrio do Trabalho de alterar a redao da Norma Regulamentadora n 4, apresentando os
seguintes principais pontos polmicos4:
? Mudana de nome de SESMT para SEST (Servio Especializado em Segurana e
Sade no Trabalho);
? Toda empresa dever implantar o Sistema Integrado de Preveno de Riscos do
Trabalho - SPTR, no qual estar includo o servio de segurana e sade;
? Alterao nos critrios para constituir SEST. Na prtica, haveria a reduo no
dimensionamento dos servios prprios de segurana e sade;
? As empresas com mais de 20 empregados devero constituir SEST externo, ou seja,
terceirizao do servio;
? As empresas obrigadas a constituir SEST prprio ou externo, desde que instaladas
num mesmo estabelecimento ou pertencerem a um mesmo setor produtivo, podero
constituir SESTs coletivos.
O debate em torno da alterao dos servios de segurana e sade est envolvendo os
mais diversos representantes da sociedade organizada, desde entidades sindicais de
trabalhadores e empregadores, associaes de classe, entidades do governo, revistas
especializadas, entre outros.
4 Reportagem especial da Revista Proteo set/2000.
17
Um tema central que deveria ser debatido o atual modelo de segurana e sade
vigente no Pas, pois a legislao talvez seja apenas um dos pontos a ser discutido no atual
modelo, e de nada adiantar sua atualizao se no houver uma estrutura que o torne eficaz.
Outra legislao polmica trata do pagamento dos adicionais de insalubridade,
previsto na Norma Regulamentadora n 15. Esta soluo simplista baseia-se no pagamento de
uma compensao pecuniria ao trabalhador, que desenvolve atividades em locais que possam
afetar sua sade.
Nogueira (1984:42) explica a motivao para criao dos primeiros adicionais de
insalubridade:
Raciocinavam os adeptos dessa medida que esse pagamento teria duas utilidades: de um lado, aumentaria o salrio dos trabalhadores, permitindo-lhes uma alimentao melhor, da qual resultariam melhores condies de defesa do organismo contra os agravos do trabalho; por outro lado, constituiria em nus ao empregador que, para evita-lo, procuraria melhorar as condies dos ambientes de trabalho.
Vrias so as crticas ao adicional de insalubridade, como Lucca e Fvero (1994),
Nogueira (1984), Rebouas (1989). Esses autores entendem haver um acordo tcito na
sociedade em decorrncia do adicional de insalubridade: os trabalhadores submetem-se a
condies insalubres para, alm de receber a recompensa pecuniria devida, poder fazer jus
aposentadoria especial. Os empregadores pagam o adicional por ser mais barato que tomar as
medidas de controle necessrias. O governo admite tudo isso devido a sua incapacidade de
intervir na relao capital/trabalho, garantindo melhores ambientes laborais.
A partir de 1995 o Ministrio do Trabalho deu nova redao s Normas
Regulamentadoras n 07, 09 e 18, inserindo em seus textos a exigncia de elaborao por
18
parte das empresas de trs programas, respectivamente: Programa de Controle Mdico e
Sade Ocupacional - PCMSO, Programa de Preveno de Riscos Ambientais - PPRA e
Programa de Condies e Meio Ambiente de Trabalho na Indstria da Construo - PCMAT.
Os programas objetivaram estabelecer um compromisso das empresas com os trabalhadores,
obrigando que estas planejassem a segurana e sade com a devida documentao de todos os
procedimentos planejados e executados. Esta documentao passaria a ser um registro
histrico das atividades prevencionistas da empresa, ficando disposio da fiscalizao, dos
representantes sindicais, entre outros.
No que pese que o objetivo da legislao a melhoria das condies de trabalho,
novamente ela foi inserida sem ter uma base de sustentao que garantisse sua aplicao
consistente e de forma eficiente.
Para Doniak e Lopes (2002:8) a principal deficincia o fato dos empregadores e
empregador entenderem o PPRA como uma obrigao e no como um benefcio. Os autores
entendem que o sucesso do PPRA depende, fundamentalmente, do comprometimento dos
gestores da empresa com a segurana e sade no trabalho:
Na medida em que os gestores das empresas incorporarem a cultura da segurana do trabalho passaro a exigir a realizao de um PPRA real e no um programa fracionado, que envolva somente itens de higiene do trabalho. Exigindo a construo do programa de forma integrada, envolvendo as ferramentas que propiciem um fator a mais ao processo (qualidade), alm dos aspectos de segurana propostos.
1.3. O Engenheiro de Segurana do Trabalho na prtica prevencionista
Um dos elos mais importantes no processo de melhoria dos ambientes laborais o
Engenheiro de Segurana do Trabalho, profissional que aps ter completado o curso de
graduao em qualquer uma das reas da engenharia ou o curso de arquitetura, habilita-se
atravs de um curso de ps-graduao em nvel de especializao, com carga horria de 600
horas, que o capacitar a desenvolver as vrias atividades prevencionistas na rea de
segurana e sade do trabalho.
19
Este profissional poder atuar na rea de consultoria s empresas, ser perito judicial
e/ou assistente nas questes trabalhistas, fazer parte do Servio Especializado de Segurana e
Medicina do Trabalho - SESMT, ser professor, etc.
Apesar dos conhecimentos adquiridos na graduao e na ps-graduao, bem como do
arcabouo legal existente, a Engenharia de Segurana do Trabalho no tem obtido completo
xito na melhoria dos ambientes e das condies de trabalho.
Jackson e Amorim (2001) descrevem as limitaes desses profissionais de segurana,
tendo em vista sua perspectiva normativa e prescritiva:
Os Engenheiros de segurana so especialistas que tm como objetivo prevenir a ocorrncia de acidentes e doenas dentro da empresa. Externos s situaes de trabalho, agem sobre as mquinas e sistemas (projeto de sistemas de proteo), sobre os trabalhadores (treinamentos) e sobre as normas e procedimentos.
Os Engenheiros de Segurana do Trabalho, alm das limitaes decorrentes da
estruturao de sua formao acadmica, tambm encontram dificuldades dentro das prprias
empresas, que impem restries de tempo e oramento, contribuindo para anlises
superficiais dos problemas (Garrigou, 1999).
Este isolamento da segurana do trabalho s questes normativas e prescritivas,
tambm definido por Jackson e Amorim (2001):
A margem de ao dos servios de segurana , em boa parte das empresas, extremamente reduzida. Na verdade, possuem pouca influncia se suas aes interferem a continuidade da produo e manuteno da qualidade. Em muitos casos, acabem sendo excludos dos processos de deciso e dos projetos; a lgica da produo domina o funcionamento das empresas.
Assuno e Lima (2003), definem quatro limites prtica da segurana do trabalho:
? supremacia da produo e do lucro a curto prazo em relao segurana;
? limitaes da legislao e da normatizao para garantir uma melhoria contnua
da segurana dos sistemas produtivos;
? ineficcia das prescries de comportamentos e de procedimentos seguros, como
tentativa de evitar os ditos erros humanos;
? ao meramente corretiva quando se trata de acidentes normaise de riscos latentes inerentes aos sistemas complexos
20
Se a segurana do trabalho no atinge seus objetivos nas empresas obrigadas a
manter servios de segurana, que so as empresas maiores e mais estruturadas, h que se
imaginar que nas pequenas empresas o quadro ainda menos promissor. Normalmente, estas
pequenas empresas limitam-se ao atendimento da legislao bsica, muitas vezes em funo
de sofrerem fiscalizao por parte dos rgos governamentais.
1.4. Objetivos
Objetivo Geral:
? Avaliar as caractersticas da atuao profissional do Engenheiro de Segurana do
Trabalho e sua insero do atual modelo de segurana vigente.
Objetivos Especficos:
? Compreender a problemtica em torno da rea de atuao do engenheiro de segurana
do trabalho;
? Avaliar as principais caractersticas da atividade profissional do engenheiro de
segurana do trabalho.
21
1.5. Hipteses
Algumas hipteses vo nortear o desenvolvimento da presente dissertao:
1. A prtica profissional do Engenheiro de Segurana prescritiva e normativa;
2. O formato atual da estrutura de segurana e sade pode levar os profissionais a
defenderem seu espao de trabalho, em detrimento dos objetivos mais nobres da
profisso;
3. A engenharia de segurana do trabalho pode no ser considerada pela maioria como
uma profisso, mas sim como uma forma de complementao salarial atravs de
servios de consultoria;
4. As caractersticas da atividade do Engenheiro de Segurana do Trabalho sofrem
influncia do ramo de atividade da empresa, da regio de trabalho e da qualificao do
profissional (carga horria, instituio de ensino, etc).
1.6. Estrutura e Metodologia do Trabalho
O presente trabalho est estruturado de modo a realizar-se uma reviso histrica e
conceitual da engenharia de segurana do trabalho e a forma que esta cincia est inserida na
sociedade, para em seguida avaliar-se a atuao dos profissionais atravs de um instrumento
de pesquisa.
No captulo sobre o contexto histrico da segurana do trabalho, discorreu-se de forma
sucinta sobre a histria da segurana no mundo, com nfase ao perodo a partir da revoluo
industrial, no qual a concentrao de mo de obra piorou as condies de trabalho e as tornou
mais evidentes. Ainda neste captulo, abordou-se a histria da segurana do trabalho no
Brasil, buscando entender o modelo prevencionista nacional, que nico no mundo.
22
importante frisar que foi dada nfase maior aos fatos que afetaram de forma mais
contundente o Engenheiro de Segurana do Trabalho, tendo em vista os objetivos desta
dissertao.
Em seguida, discute-se a formao do Engenheiro de Segurana do Trabalho a partir
de um contexto histrico, particular e mais aprofundado, e suas conseqncias na prtica
profissional e no conceito de Engenharia de Segurana do Trabalho enraizado na sociedade.
No captulo seguinte, discutida a problemtica da engenharia de segurana do
trabalho, partindo-se do princpio que, se o modelo de segurana ora implantado no atende
completamente os objetivos prevencionistas, isto se deve a uma srie de fatores e atores
sociais, que juntos estabelecem e formam o quadro atual.
Para avaliar determinadas hipteses que nortearam o trabalho, realizou-se uma
pesquisa, atravs de questionrio, com os Engenheiros de Segurana no Estado de Santa
Catarina. O tratamento das informaes obtidas com o questionrio possibilitou confirmar
algumas hipteses previamente formuladas e identificar novas questes.
23
2 O CONTEXTO HISTRICO DA SEGURANA E SADE NO TRABALHO
2.1 A evoluo histrica da Segurana e Sade no Trabalho
Na histria da segurana do trabalho, so encontrados indicativos muito antigos da
preocupao quanto preservao da vida dos trabalhadores. Hipcrates (460-357 AC) e
Plnio, o Velho (23-79 DC), indicaram nos seus trabalhos a ocorrncia de doenas pulmonares
em mineiros.
No ano de 1556, Georg Bauer publicou o livro Re De Metallica, onde estuda as
doenas e acidentes de trabalho relacionados minerao e fundio de ouro e prata. O autor
discute, em especial, a inalao de poeiras, causadora da asma dos mineiros que, pelos
sintomas descritos, deve tratar-se de silicose. Em 1567, Aureolus Theophrastur Bembastur
von Hohenheim apresentou a primeira monografia relacionando trabalho com doena.
(Nogueira In: FUNDACENTRO, 1981).
Em 1700, na Itlia, o mdico Bernardino Ramazzini, considerado o Pai da Medicina
do Trabalho, publicou o livro De Morbis Artificium Diatriba. A obra descreve com
bastante profundidade as doenas relacionadas cerca de cinqenta profisses, tais como:
mineiros, qumicos, oleiros, ferreiros, cloaqueiros, salineiros, joalheiros, pedreiros, entre
outros.
A Revoluo Industrial significou a mudana vertiginosa na histria da humanidade,
quando os meios de produo, at ento dispersos e baseados na cooperao individual,
passaram a concentrar-se em grandes fbricas, ocasionando profundas transformaes sociais
e econmicas. A revoluo industrial se deu em diferentes pocas nos diversos pases
civilizados. Na Inglaterra, que foi o pas pioneiro, a revoluo industrial surgiu com toda a
intensidade no sculo XVIII; na Alemanha e USA, comeou por volta do ano de 1820 e na
Rssia, por volta de 1890.
24
Em 1770, o operrio ingls Hargreaves, inventou a primeira mquina de fiar, em
que uma pessoa efetuava o trabalho de oito, movendo uma manivela de oito fusos. Em 1785,
Edmund Cartwright inventou um tear movimentado por uma lanadeira automtica. Este tear,
movido por propulso hidrulica, fazia com que cada operrio realizasse o trabalho de
duzentos homens, possibilitando, inclusive, converter fio em pano.
As mquinas a vapor foram utilizadas, inicialmente, na indstria inglesa de tecidos de
algodo, quando James Watt, em 1769, patenteou a primeira mquina a vapor com boa
aplicao prtica. A substituio da propulso hidrulica pela mquina a vapor mudou
profundamente o quadro industrial, pois no houve mais a necessidade da instalao das
fbricas prximas aos cursos dgua, podendo instalar-se nas grandes cidades, onde a mo de
obra estava disponvel em abundncia.
Antes do advento das mquinas de tecelagem, os artesos eram os donos de seus
prprios negcios, com uma produo apenas o suficiente para atender suas necessidades.
Como os arteses no tinham condies de adquirir as novas mquinas, tampouco de
competir com elas em condies de igualdade, o meio de produo artesanal foi substitudo
pelo meio industrial, ficando os arteses como massa de mo-de-obra disponvel para
trabalhar nas fbricas.
A necessidade de mo de obra para a indstria, aliada ao fato de haver desemprego no
meio rural, estabeleceu um fluxo migratrio do campo para as cidades em proporo at ento
nunca vista.
Este fluxo migratrio no se dava apenas para a indstria, mas tambm para sua
estrutura de sustentao. As mquinas a vapor usavam carvo para seu acionamento, o que
aumentou tambm o nmero de minas de carvo nos diversos pases. Segundo Nascimento
(1997), no ano de 1900, havia cinco milhes de trabalhadores nas minas, assim distribudos:
900.000 na Gr-Bretanha, 500.000 na Alemanha e EUA, 300.000 na Frana, 230.000 na
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Rssia e utria-Hungria, 160.000 na Blgica e ndia, 120.000 no Japo e 100.000 no Sul da
frica.
O trabalho em condies degradantes, que era desempenhado pelos mineiros,
contribuiu para criar na categoria uma conscincia das condies desumanas a que eles eram
submetidos. Era comum a ocorrncia de incndios, exploses, intoxicao por gases,
inundaes e desmoronamento, ocasio em que muitos trabalhadores ficavam sepultados nas
galerias. Tambm eram comuns as doenas ocupacionais, tais como tuberculose, anemia e
asma.
A improvisao das fbricas e a mo-de-obra constituda, principalmente, por
crianas e mulheres resultaram em problemas ocupacionais extremamente srios. Os acidentes
de trabalho eram numerosos, provocados por mquinas sem qualquer proteo, movidas por
correias expostas, e as mortes, principalmente de crianas, eram muito freqentes (Nogueira
In: FUNDACENTRO, 1981).
No havia nenhuma regulamentao quanto s condies do trabalho e do ambiente
industrial, tampouco em relao durao da jornada de trabalho. Apesar da jornada
excessiva de trabalho no poder ser atribudo ao nascimento da grande indstria, pois j era
verificada na atividade artesanal, esta condio foi potencializada. A partir de 1792, com a
inveno do lampio a gs, houve uma tendncia de aumento da jornada de trabalho, haja
vista a possibilidade de uso de iluminao artificial, ainda que precria.
Na metade do sculo XIX, na Frana, trabalhava-se 12 horas nas provncias e 11 horas
em Paris, podendo variar conforme o tipo de atividade. A categoria dos mineiros passava 12
horas dirias no fundo da mina, com 10 horas de trabalho efetivo. Havia jornadas de 15 horas
nas fbricas de alfinetes. Nas tecelagens, trabalhava-se 15 horas se o trabalho era em
domiclio e 12 horas na prpria fbrica (Nascimento, 1997)
O trabalho das crianas nas fbricas durante a revoluo industrial indica uma
condio vexatria, abaixo de qualquer padro de dignidade. Na Inglaterra, os menores eram
26
oferecidos s indstrias em troca de alimentao. Eram comuns os intermedirios que
buscavam as crianas para trabalhar nas fbricas, estabelecendo, inclusive, contratos onde o
industrial deveria aceitar, no lote de menores, os idiotas, na proporo de uma para cada
grupo de vinte.
Alm do comrcio de crianas, eram comuns tambm os maus tratos com os menores,
que eram aoitados se trabalhavam de forma imprpria e em ritmo lento. Um industrial da
poca entendia que no havia nenhum ser humano com mais de quatro anos que no podia
ganhar a vida trabalhando (Nascimento, 1997:11).
Em funo das ms condies de trabalho, o parlamento ingls criou uma comisso de
inqurito que foi responsvel pela criao,em 1802, da primeira lei de proteo aos
trabalhadores, a Lei de Sade e Moral dos Aprendizes, que estabelecia o limite de 12 horas
de trabalho dirio, proibia o trabalho noturno, obrigava os empregadores a ventilar as fbricas
e lavar suas paredes duas vezes por ano. Esta lei, complementada em 1819, no teve a
eficincia esperada devido oposio dos empregadores (Nogueira In: FUNDACENTRO,
1981).
Outra comisso de inqurito avaliou as condies de trabalho das fbricas e elaborou,
em 1831, um relatrio que conclua:
Diante desta comisso desfilou longa procisso de trabalhadores homens e mulheres, meninos e meninas. Abobalhados, doentes, deformados, degradados de sua qualidade humana, cada um deles era clara evidncia de uma vida arruinada, um quadro vivo da crueldade do homem para com o homem, uma impiedosa condenao daqueles legisladores que quando em suas mos detinham poder imenso, abandonaram os fracos a capacidade dos fortes. (Santos apud Ribeiro Filho, 1997:13).
A partir do relatrio elaborado pela comisso, foi instituda na Inglaterra, em 1833, a
Lei das Fbricas (Factory Act), que foi a primeira lei realmente eficiente no campo da
segurana e sade no trabalho. A lei, aplicada indstria txtil, proibia o trabalho noturno
para os menores de 18 anos, restringindo sua carga horria para 12 horas dirias e 69
semanais. Para menores entre 9 e 13 anos, a jornada de trabalho diria passou a ser de 9 horas.
A idade mnima para o trabalho era de 9 anos, sendo necessrio um mdico atestar que o
27
desenvolvimento fsico da criana correspondia sua idade cronolgica. As fbricas
precisavam ter, ainda, escolas freqentadas por todos os trabalhadores menores de 13 anos.
A partir da lei das fbricas, outros avanos ficaram evidenciados nas relaes de
trabalho na Inglaterra, tais como a lei de 1844, que instituiu a jornada de trabalho de 10 horas
dirias para mulheres, leis de 1850 e 1853, estabelecendo jornada de trabalho dos homens em
12 horas dirias e lei de1842, que proibiu o trabalho de mulheres, menores em subsolo e lei de
1867 que reconheceu e determinou providncias para preveno das doenas provocadas por
condies de trabalho, exigiu a instalao de proteo nas mquinas e proibiu a realizao de
refeies em locais que tivessem a presena de agentes qumicos agressivos.
Com a expanso da indstria no restante da Europa e com a experincia j vivida na
Inglaterra, os demais pases foram estabelecendo e aprimorando legislaes prprias de
proteo ao trabalhador. Na Frana, em 1813, ficou proibido o trabalho de menores em minas,
em 1841, foi proibido o trabalho de menores de 8 anos e fixada jornada diria de 8 horas para
menores de 12 anos, e de 12 horas para menores com idade entre 12 e 16 anos. Em 1848, foi
estabelecida como jornada mxima de trabalho diria de 12 horas.
Na Esccia, os trabalhadores eram comprados e vendidos com os filhos, com os quais
eram estabelecidos contratos verbais de longo prazo, inclusive vitalcios, situao degradante
que s foi eliminada a partir do surgimento de legislao prpria nos anos de 1774 e 1799 .
Na Alemanha, no ano de 1839, foi proibido o trabalho de menores de 9 anos e
restringida a jornada diria dos menores de 16 anos para 10 horas. Em 1853, estabeleceu-se a
idade mnima do menor operrio para 12 anos e limitada a jornada diria de trabalho dos
menores de 14 anos para 6 horas. Em 1869, a legislao disps:
Todo o empregador obrigado a fornecer e a manter, sua prpria custa, todos os aparelhos necessrios ao trabalho, tendo em vista a sua natureza, em particular, do ramo da indstria a que sirvam, e o local de trabalho em ordem a fim de proteger os operrios, tanto quanto possvel, contra riscos de vida e de sade. (Nascimento, 1997:34).
A Blgica regulamentou a segurana e sade industrial em 1810, a Rssia a partir de
1839, a Dinamarca em 1873, a Sua em 1877 e os EUA a partir de 1877, atravs do Estado
de Massachussetts (Santos, 1997).
28
2.2. A segurana e sade do trabalho no Brasil
No Brasil Colonial, os escravos trabalhavam at 18 horas por dia, estando os
proprietrios no direito de aplicar castigos para garantir uma melhor produtividade e
submisso ao trabalho. Esta situao tornava a mo de obra escrava quase que descartvel, j
que, em 1730, a vida til de um escravo jovem era de apenas 12 anos. A partir do sculo XIX,
com as limitaes impostas ao trfico de escravos, os proprietrios esboaram alguma
preocupao com a sade dos escravos, tentando garantir um tempo maior de espoliao da
fora de trabalho de suas propriedades.
No perodo da repblica velha, de 1889 at 1930, o Brasil caracterizou-se por uma
economia voltada exportao de produtos do campo. O Governo entendia que a
regulamentao das relaes de trabalho era prejudicial, tese que foi reafirmada pela
Constituio de 1891 (Rocha, Nunes In: Rocha, 1993).
Apesar da estrutura oligrquica rural de comando da nao, no Brasil, eram
encontradas nas cidades inmeras oficinas, manufaturas de vestirios, mveis, tintas,
fundies, etc. A mo de obra era predominantemente estrangeira, resultado da onda
migratria da poca. As condies de trabalho eram degradantes, encontrando-se muitas
situaes semelhantes s ocorridas na Inglaterra durante a revoluo industrial, a partir de
1760. Dean (apud Rocha, 1993:89), relata:
Os acidentes se amiudavam porque os trabalhadores cansados, que
trabalhavam, s vezes, alm do horrio sem aumento de salrio ou trabalhavam aos domingos, eram multados por indolncia ou erros cometidos, se fossem adultos, ou surrados, se fossem crianas. Em 1917, uma pessoa que visitou uma fbrica na Mooca, na Capital, ouviu operrios de doze a treze anos de idade, da turma da noite, que se queixavam de ser freqentemente espancados e mostraram, como prova do que diziam, as equimoses e ferimentos que traziam.
Nos primeiros anos da Repblica, ocorreram alguns movimentos grevistas que, apesar
de dispersos, foram se avolumando em termos de freqncia e intensidade. De 1901 a 1914
foram registradas 129 greves, sendo 91 em So Paulo e 38 em outras cidades (Rocha, Nunes
In: Rocha et. al., 1993:90). No ano de 1917, uma greve de enorme repercusso foi deflagrada
em So Paulo, conforme descrio de Nascimento (1997:44):
29
Iniciou-se no Cotonifcio Rodolfo Crepi, no bairro da Mooca, quando os operrios protestaram contra os salrios e pararam o servio. A fbrica fechou por um tempo indeterminado. Os trabalhadores pretendiam 20% de aumento e tentaram acordo com a empresa, no o conseguindo. Diante disso, no dia 29 fizeram comcio no centro da cidade. Aos 2000 grevistas juntaram-se, em solidariedade, 1000 trabalhadores das fbricas Jafet, que tambm passaram a reivindicar 20% de aumento de salrios; em 11 de julho, o nmero de grevistas de vrias empresas era de 15.000; no dia 12, de 20.000; os bondes, a luz, o comrcio e as indstrias de So Paulo ficaram paralisados. O movimento estendeu-se s empresas do interior, e ao todo treze cidades foram atingidas. Os jornalistas resolveram intermediar. No dia 15 de julho um acordo foi aceito para aumento de 20% dos salrios, com a garantia de que nenhum empregado seria despedido em razo da greve, e o governo ps em liberdade os operrios presos, com a condio de que todos voltassem ao servio, reconhecendo o direito de reunio quando exercido dentro da lei e respeitando a ordem pblica, alm de se comprometer a providenciar o cumprimento de disposies legais sobre trabalho de menores nas fbricas, de carestia de vida e de proteo do trabalhador.
Os primeiros anos da Repblica foram caracterizados por trs fatores importantes na
mudana da viso prevencionista por parte do governo:
? Os movimentos grevistas incluram na sua pauta de reivindicaes as questes
relativas a melhoria das condies e do meio ambiente de trabalho;
? o fluxo migratrio proveniente da Europa trouxe toda uma experincia de luta visando
a dignidade no trabalho;
? havia um movimento internacional de mudana no plano ideolgico, a partir da
revoluo sovitica.
Esses fatores foram decisivos na formao de um quadro favorvel para o
estabelecimento de uma maior interveno por parte do governo e legisladores na relao
capital e trabalho.
Dessa forma, a Lei 3724 de 15/01/19, se firmou como a primeira lei sobre indenizao
por acidentes de trabalho, sendo regulamentada pelo Decreto nmero 13.498, de 12/03/19.
Esta lei limitava-se ao setor ferrovirio e reconhecia somente os elementos que
caracterizavam diretamente o acidente de trabalho.
Em funo do momento histrico, foi criada a previdncia social, atravs da Lei 4682,
de 29/01/23 conhecida como Lei Eloy Chaves, que criou a Caixa de Aposentadoria e
Penses para uma empresa de estrada de ferro.
30
A partir de 1930, com a ascenso de Getlio Vargas ao poder, houve um acelerado
desenvolvimento industrial, substituindo as importaes, facilitado principalmente pela
grande depresso de 1929, que colocou em xeque o modelo agrrio vigente. A era Vargas
caracterizou-se por profunda reestruturao da ordem jurdica trabalhista, estando muitas das
propostas da poca em vigor at os dias atuais.
O Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio foi criado por meio do Decreto
19.433, de 26/11/1930. Em 1932, foram criadas as Inspetorias do Ministrio do Trabalho,
Indstria e Comrcio, transformadas, no ano de 1940, em Delegacias Regionais do Trabalho.
O Decreto nmero 24.367, de 10/07/1934, que substituiu a lei 3724 de 1919, instituiu
o depsito obrigatrio para garantia da indenizao, simplificou o processo e aumentou o
valor da indenizao em caso de morte do acidentado, entendendo a doena profissional
tambm como acidente de trabalho indenizvel, em complementao legislao anterior.
Com o Decreto foram includos os industririos, trabalhadores agrcolas, comercirios e
domsticos, sempre at determinado valor de remunerao. Por outro lado, foram excludas
vrias outras categorias, tendo em vista o valor de seus vencimentos, tais como os autnomos,
consultores tcnicos, empregados em pequenos estabelecimentos industriais e comerciais sob
o regime familiar.
O adicional de insalubridade foi institudo a partir do Decreto- lei nmero 399, de
30/04/1938, estabelecendo seu valor em 10, 20 e 40% do salrio mnimo para graus de
insalubridade mnimo, mdio e mximo, respectivamente, conforme quadro de atividades
elaborado posteriormente.
A Consolidao das Leis do Trabalho CLT foi criada pelo Decreto nmero 5.452,
de 01/05/1943, e reuniu a legislao relacionada com a organizao sindical, previdncia
social, justia e segurana do trabalho. A CLT , no seu Capitulo V Da Segurana e da
Medicina do Trabalho, dispe sobre diversos temas, tais como a Comisso Interna de
Preveno de Acidentes CIPA, mquinas e equipamentos, caldeiras, insalubridade,
31
medicina do trabalho, higiene industrial,entre outros. Esta legislao foi alterada em 1977 e
serviu como base para as atuais Normas Regulamentadoras.
O Decreto 7036, de 10/11/1944 definiu como acidente de trabalho no s o acidente
tpico, mas tambm a concausa5, entendendo que todo evento que tivesse alguma relao de
causa e efeito, ainda que no fosse o nico responsvel pela morte, perda ou reduo da
capacidade de trabalho, configuraria acidente de trabalho. Abrangeu, ainda, a preveno de
acidentes e a assistncia, indenizao e reabilitao do acidentado.
Na dcada de 50, o governo atendeu s presses polticas dos empregados da
Petrobrs e concedeu, atravs da Lei 2.573, de 15/08/55, o adicional de periculosidade aos
trabalhadores que prestassem servio em contato permanente com inflamveis,
correspondente a 30% do valor do salrio (Rocha, Nunes In: Rocha et. al., 1993).
Atravs do Decreto Legislativo nmero 24, de 29/05/1956, o Brasil ratificou a
Conveno nmero 81, da Organizao Internacional do Trabalho que estabelece que seus
membros devem manter sistema de inspeo do trabalho.
O Decreto-Lei nmero 229, de 28/02/1967, modificou a Captulo V da Consolidao
das Leis do Trabalho em vrios itens, destacando-se a exigncia que as empresas
mantivessem Servios Especializados em Segurana e em Higiene do Trabalho. 6
A Lei 5.316, de 14/09/1967 determinou que o seguro acidente de trabalho somente
poderia ser feito com a Previdncia Social, tornando o seguro obrigatrio um monoplio
estatal, fato que permanece inalterado at os dias atuais.
A Portaria n. 3237, de 17 de julho de 1972, que fazia parte do "Plano de Valorizao
do Trabalhador" do Governo Federal, e posteriormente sua substituta, a Portaria nmero
5 Causa concomitente. 6 Art. 164: As empresas que, a critrio da autoridade competente em matria de segurana e higiene do trabalho, estiverem enquadradas em condies estabelecidas nas normas expedidas pelo Departamento de Segurana e Higiene do Trabalho, devero manter, obrigatoriamente, servio especializado em segurana e em higiene do trabalho e constituir comisses internas de preveno de acidentes (CIPAS). 1- O Departamento Nacional de Segurana e Higiene do Trabalho definir as caractersticas do pessoal especializado em segurana e higiene do trabalho, quanto s atribuies, qualificao e proporo relacionada ao nmero de empregados das empresas compreendidas no presente artigo. 6 Este artigo tinha sido alterado 5 anos antes atravs do Decreto-Lei n 229, de 28/02/1967.
32
3460 de 31/12/1975, tornaram obrigatria a existncia de servios de medicina do trabalho
e engenharia de segurana do trabalho em todas as empresas com um ou mais trabalhadores.
A partir da divulgao das estatsticas oficiais e da comprovao da gravidade da
situao, o Governo Federal intercedeu mais decisivamente nas questes de segurana e sade
do trabalhador. Atravs da Portaria 3.237, de 17/07/1972, que regulamentou o Artigo 1647 da
CLT, tornou obrigatria a existncia do Servio Especializado em Engenharia de Segurana e
em Medicina do Trabalho SESMT - nas empresas.
A Lei 6.514, de 22/12/1977, alterou o Captulo V , Ttulo II da Consolidao das Leis
do Trabalho CLT, relativo Segurana e Medicina do Trabalho, legislao vlida at os
dias atuais. Esta lei foi regulamentada atravs da Portaria 3.214 de 08/06/1978, que significou
o grande salto qua litativo nas aes prevencionistas, estimulando uma atuao mais eficaz por
parte das empresas, sindicatos, Ministrio do Trabalho, entre outros.
33
Na dcada de 90, vrias Normas Regulamentadoras foram revisadas, atendendo
nova filosofia de necessidade de gesto da segurana e sade ocupacional, principalmente
com a NR 7 PCMSO Programa de Controle Mdico e Sade Ocupacional, NR 9 PPRA
Programa de Preveno de Riscos Ambientais, NR 18 Condies e Meio Ambiente de
Trabalho na Indstria da Construo, com o PCMAT Programa de Condies e Meio
Ambiente de Trabalho na Indstria da Construo.
34
3. DOS PRIMEIROS CURSOS REGULAMENTAO DA ENGENHARIA DE
SEGURANA
Em relao formao do Engenheiro de Segurana do Trabalho, importante relatar
alguns momentos histricos relacionados ao tema, objetivando no repetir, mas sim
complementar o captulo 2 desta dissertao.
Destaca-se, inicialmente, o Decreto nmero 70.861, de25/07/1972, regulamentado
pela Portaria nmero 3.236, de 27/07/72. Esta legislao instituiu o Plano Nacional de
Valorizao do Trabalhador, que foi responsvel pela criao dos primeiros cursos de
formao de profissionais de segurana. Este plano previa formao de 13.939 profissionais
de segurana e higiene no trabalho nos anos de 1973 e 1974.
A necessidade de formao emergencial de profissionais de segurana do trabalho foi
reforada pela Portaria nmero 3.237, de 27/07/72, que criou a obrigatoriedade por parte das
empresas de manter Servios Especializados em Segurana, Higiene e Medicina do Trabalho.
Esta Portaria definia como integrante dos Servios Especializados os Engenheiros de
Segurana do Trabalho e o definia da seguinte forma:
So considerados Engenheiros de Segurana do Trabalho, para fins desta Portaria,
aqueles que, possuidores de ttulo de formao de engenheiros, comprovem uma das
seguintes condies:
I Concluso de curso de especializao em Engenharia de Segurana do
Trabalho ou Higiene Industrial, ministrado por Universidade ou instituio
especializada, reconhecidas e autorizadas, com currculos aprovados pelo
MTPS Ministrio do Trabalho e Previdncia Social, atravs do DNSHT.
O dimensionamento dos servios de segurana e medicina foi baseado a partir da
gradao de risco estabelecida pela Portaria nmero 17, de 26/07/73, que no foi bem aceita
por no usar um critrio uniforme na classificao dos nveis de riscos dos ramos de
atividade. A inconsistncia de critrios foi corrigida em 1975, atravs da Portaria 3.460, que
35
adotou, para fins de classificao dos graus de risco das empresas, a tabela da Tarifa Oficial
de Contribuies TOC, do Seguro Acidentes de Trabalho do ento Instituto Nacional da
Previdncia Social - INPS.
A obrigatoriedade da manuteno de servios de segurana e sade por parte das
empresas no foi bem recebida por suas entidades representativas. O Presidente da
Confederao Nacional da Indstria - CNI, em carta enviada ao Ministro do Trabalho Arnaldo
Prieto, em 1974, manifestou o desagrado da entidade perante o fato: [...] A Portaria tem
carter empreguista, sendo necessria sua reviso, pois ningum conhece melhor os
problemas de segurana de uma empresa que seus prprios funcionrios e engenheiros [...]
(Faro, 1982:7).
Com a demanda de formao de profissionais na rea de segurana e medicina do
trabalho, o programa dos cursos de capacitao foi definido a partir do estudo de comisses
formadas no Congresso Nacional de Preveno de Acidentes do Trabalho CONPAT,
realizado em Curitiba, no ano de 1972. Definido o programa, os primeiros cursos foram
realizados no ano de 1973.
A partir de 1973, a proliferao de cursos para capacitao de profissionais de
segurana e sade foi significativa. A tabela 2 indica o nmero de profissionais capacitados,
conforme dados da prpria FUNDACENTRO.
36
Tabela 2 Nmero de profissionais capacitados em SST entre 1973 e 19788
Profissional
Ano Mdico do Trabalho
Eng. Segurana
Trabalho
Enfermeiro
do Trabalho
Auxiliar Enf.
Trabalho
Supervisor
Seg. Trabalho
Total
1973 436 467 - 474 1.932 3.309
1974 2.207 1.281 38 741 5.847 10.114
1975 4.306 5.215 282 1.689 14.483 25.975
1976 1.723 1.613 162 1.316 2.032 6.846
1977 1.196 1.702 138 1.012 1.695 5.743
1978 849 1.111 142 831 2.353 5.286
Total 10.717 11.389 762 6.063 28.342 57.273
Apesar da quantidade significativa de profissionais capacitados, no havia o
reconhecimento necessrio segurana e sade do trabalhador. No caso dos engenheiros, o
prprio sistema CONFEA/CREA no reconhecia a profisso, negando-se, inclusive, a anotar
na carteira do profissional que havia realizado a capacitao em SST. (Faro, 1982).
Segundo Atienza (1982), representando as entidades de classe de profissionais da rea
de segurana e sade do trabalhador, em evento realizado por ocasio da primeira dcada de
existncia dos SESMTs, a realidade dos cursos de capacitao apresentava , entre outras, as
seguintes caractersticas:
? Falta de uniformidade de ensino por disciplina;
? Falta de controle rigoroso de presena dos alunos;
? Carga horria deficiente, em que os cursos so apenas informativos e no formativos;
? Coordenaes deficientes e excesso de alunos por curso;
? Falta de fiscalizao e controle por parte da FUNDACENTRO, o que permitiu a
proliferao de cursos puramente mercantilistas.
8 Quadro indicativo do nmero de profissionais formados em segurana e sade do trabalhador dos anos de 1973 a 1978, publicado pelo Jornal Prevenindo, de agosto de 1979.
37
Este cenrio motivou as entidades de classe a realizarem diversas manifestaes, a
partir de 1979, no sentido de proceder reviso dos programas dos cursos de formao de
profissionais de SST, estabelecendo normas que garantissem a qualidade dos cursos, bem
como pela regulamentao da especializao do curso de engenharia de segurana do
trabalho.
O anseio dos profissionais somente tornou-se realidade atravs da Lei nmero 7.410,
de 27/11/1985 e o Decreto nmero 95.530, de 09/04/1986. Esta legislao permitiu o
exerccio da profisso de Engenheiro de Segurana do Trabalho, somente para aqueles
portadores de curso de especializao em nvel de Ps-graduao.
O Conselho Federal de Educao fixou o currculo bsico obrigatrio das disciplinas e
cargas horrias, atravs do Parecer nmero 19, de 21/01/87. O currculo est indicado no
Anexo III.
O Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia CONFEA, editou
somente, em 1991, a Resoluo nmero 359, que dispe sobre o exerccio profissional do
Engenheiro de Segurana do Trabalho. A Resoluo estabelece, tambm, as atribuies do
profissional, conforme pode ser visto no anexo IV desta dissertao.
38
4 A PROBLEMTICA DA SEGURANA E SADE NO BRASIL
4.1. A quem interessa as ms condies de trabalho ?
Entendendo-se o trabalho algo que deveria ser fonte de satisfao para o ser humano,
consenso que os infortnios laborais prejudicam todos os atores sociais envolvidos no
processo: empregador, trabalhador e governo.
Para Sell (2002) as empresas que sujeitam seus trabalhadores a condies de trabalho
inadequadas, perdem em termos de qualidade, produtividade, competitividade e imagem
perante a sociedade. Trabalhadores em ms condies de trabalho no contribuem na
melhoria de processos e produtos, reduzem sua disposio para o trabalho, no tm
comprometimento com a empresa por no se sentirem parte do processo. Estas empresas esto
sujeitas a fiscalizao de organismos do governo, tais como Delegacias Regionais do
Trabalho e Instituto Nacional da Seguridade Social, bem como sujeitas a demandas na Justia
do Trabalho, como indenizaes, aes cveis e criminais.
O trabalhador , sem dvida, a principal vtima do acidente do trabalho ou doena
profissional. Dependendo do tipo e da intensidade do acidente o trabalhador pode perder a
profisso, pode perder sua auto-estima, sua vontade de viver. Quando sujeito a ms condies
de trabalho, sua incapacidade de interveno nestes ambientes causam enormes frustraes:
[...] sentem-se escravizados, pois no podem mudar a situao e, para postergar o aparecimento dos efeitos dos perigos, podem, apenas, usar os poucos recursos de proteo fornecidos pela empresa, que em muitos casos se resumem a alguns equipamentos de proteo individual (EPI), nem sempre adequados.(Sell, 2002:38).
O governo, atravs da Previdncia Social, ser responsvel pelas despesas do
tratamento mdico-hospitalar, reabilitao profissional e, se for o caso, do pagamento de
indenizaes previstas na legislao previdenciria (Lucca, Fvero, 1994). Outra nuance
39
importante a questo social, tendo em vista a desestruturao familiar estabelecida a partir
da morte ou de acidente que deixe seqelas irreversveis no trabalhador.
Apesar da reduo relativa do nmero de acidentes observados nas estatsticas oficiais,
no que pese as mudanas no contexto previdencirio decorrentes da Lei 6.367, j discutidas
no item 2.2 desta dissertao, o Brasil apresenta nmeros alarmantes que justificam o
insucesso do nosso modelo de segurana e sade no trabalho, principalmente se for levado em
conta que estudos indicam que, nas Amrica do Sul e Central, o sub-registro de acidentes de
trabalho atinge 90% dos casos. Segundo o INSS, as perdas por acidentes do trabalho e
doenas ocupacionais representam 2,2% do Produto Interno Bruto - PIB, o que significa R$
23,6 bilhes. (Anurio Brasileiro de Proteo, 2002)
Se o acidente de trabalho traz tantos problemas para a sociedade, e as estatsticas
mostram isto, por que segurana e sade do trabalho no tm o sucesso esperado? Na verdade,
no existe uma nica causa, mas sim uma sucesso de motivos que juntos emolduram o
quadro atual, os quais passaremos a descrever.
4.2. Gesto das questes de Segurana e Sade no Trabalho
Para a descrio do tratamento das questes de segurana e sade presentes nas
empresas, sero usados como base os modelos apresentados por Garrigou (1999), acrescidos
de contribuies de outros autores, tais como Oliveira (1999).
40
4.2.1. As verdadeiras dimenses do ser humano
A reduo da atividade humana s dimenses fsicas e fisiolgicas, desconsiderando o
que Garrigou (1999) conceitua de riscos virtuais, estabelece uma viso superficial dos
riscos nos ambientes de trabalho. Para este autor:
Essas representaes do homem e dos riscos permitem tratar os danos sade originados, sejam acidentes ou doenas profissionais, quando a integridade fsica atingida. As dimenses cognitivas, na base de qualquer atividade, so fortemente subestimadas, mesmo sabendo-se que, nas situaes de sobrecarga de tratamento de informaes ou de presso temporal, os riscos de incidentes e danos sade (a longo prazo) so muito importantes.
Rebouas (1989:35) tambm critica a forma com que as empresas vem o trabalhador,
considerando-o limitado execuo de funes previamente determinadas:
Buscando o aumento da produo, o capital organiza o trabalho, concebe-o e homogeneza o modo atravs do qual cada produto deve ser realizado, estabelece e delimita as escalas hierrquicas e, conseqentemente, as relaes de trabalho. O trabalhador tratado como um corpo a ser adestrado para executar uma determinada tarefa no mais breve perodo de tempo. Ele passa a no mais conceber e planejar o seu trabalho, sendo-lhe atribuda apenas a sua execuo.
Assuno e Lima (In: Mendes, 2003) os operadores desenvolvem no trabalho um
compromisso cognitivo entre os seguintes trs objetivos:
? a segurana (sua prpria segurana e a do sistema) ? o desempenho (imposto pela organizao, mas tambm desejado pela equipe e
pelo operador individualmente) ? minorao das conseqncias fisiolgicas e mentais deste desempenho (fadiga,
estresse, esgotamento).
Por esta abordagem o trabalhador faz, atravs de regulaes contnuas, adaptaes na
forma de trabalhar, visando melhorar a qualidade do produto e a garantia da segurana
durante o processo.
4.2.2. A (des) Integrao do Setor de Segurana e Sade
41
Segundo Oliveira (1999), as aes em SST esto voltadas totalmente para o
controle dos riscos e no dos processos. Isto se deve ao distanciamento muito grande entre
quem planeja, que so os profissionais de segurana e sade, via de regra subordinados ao
setor de recursos humanos, e quem executa as aes, que nas indstrias so os gerentes de
nvel operacional. O processo seria otimizado se a segurana do trabalho estivesse atrelada
aos setores operacionais, que de onde provm os riscos de acidentes.
Keyser (1989), em seu artigo sobre os erros humanos, caracteriza-os como sendo
herdeiros de toda uma srie de escolhas de concepo e de gesto, nas quais a segurana foi
minimizada.
Este isolamento da segurana do trabalho em relao a todos os demais processos e
setores est culturalmente incorporado nas organizaes, que no entendem a segurana como
um fator que agregue valor ao produto. Para Oliveira (In: Carvalho Neto, Salim, 2001:101):
A concepo diferenciada de administrar o conjunto de fatores que compem, por exemplo, a produo, a manuteno ou qualquer rea de apoio ou servios da empresa, est precisamente no dualismo: trabalhar e trabalhar com segurana. No nosso meio, quando se fala em fazer segurana ou dotar os ambientes e as atividades com mecanismos seguros e saudveis, a idia que se tem de que a segurana um atividade parte, desvinculada das demais componentes do ato de fazer ou, melhor dizendo, produzir.
No apenas nos setores operacionais, mas tambm entre os projetistas que, atravs de
uma viso simplista, entendem a segurana como algo alcanvel apenas pela prescrio de
tarefas e estabelecimento de procedimentos. Garrigou (1999, grifo nosso) explica esta relao
da seguinte forma:
Os estados de funcionamento dos sistemas so normalmente definidos como
sendo situaes nominais [...] a hiptese que decorre que a obedincia a normas e
aos procedimentos suficiente para serem mantidas as condies de segurana, de
confiabilidade e de eficincia produtiva.
Keyser (1989) indica que h uma distoro entre a percepo dos projetistas e
operadores, o que causa problemas na segurana dos sistemas. Para adaptarem-se a estas
42
situaes os operadores desenvolvem uma experincia que na maior parte das vezes
compensa os erros de concepo.
A falta de sinergia no ocorre apenas entre segurana e produo, mas tambm entre
segurana e medicina do trabalho, conforme explicita Ribeiro Filho (2000:8):
Esta integrao, esse sinergismo, essa segurana integral no ocorre. Talvez at por um aspecto histrico-cultural porque, como a preveno de acidentes, a Segurana e a Medicina do Trabalho foram integradas ao setor de pessoal das empresas. Esto essas empresas continuaram a considerar a Medicina do Trabalho como aquela que fica l no ambulatrio, que deve fazer a Medicina passiva. Acham que a Segurana deve ficar em outro local [sic].
4.2.3. A variabilidade causal dos acidentes de trabalho
A avaliao de poucos fatores no estudo das condies de trabalho ou caracterizao
das causas dos acidentes e doenas ocupacionais, dificulta o entendimento de seus verdadeiros
determinantes. Para Garrigou (1999) este gerenciamento individual da segurana, associado
a outros mecanismos, dificulta a compreenso do mecanismo do acidente e impede as aes
de preveno.
Assuno e Lima (In: Mendes, 2003) tambm expressam este problema das avaliaes
envolvendo questes de segurana e sade:
A maioria dos estudos a partir dos quais as normas de regulamentao das condies de trabalho so geradas se fundam sobre o trabalho prescrito, ou sobre a anlise crua dos riscos e negligenciam a variabilidade industrial ou dos servios prestados, o que determinante da ao dos trabalhadores.
4.2.4. A gesto atravs da culpa
Outra questo importante quanto concepo da culpa nos acidentes de trabalho,
que normalmente recai sobre o trabalhador, acusando-o de cometer o propalado ato
43
inseguro. Esta capacidade de colocar a culpa do acidente no trabalhador ainda est
profundamente fixada na nossa cultura organizacional
Assuno e Lima (In: Mendes, 2003) identificam a atribuio de culpa ao trabalhador
como forma de interpretao dos acidentes e doenas ocupacionais, desprezando seus
mecanismos de auto-regulao no trabalho:[
[...] a abordagem dos fenmenos de sade relacionados ao trabalho continua assentada sobre a idia de uma passividade dos trabalhadores face s condies de trabalho inseguras ou aos fatores de risco.
Esta abordagem simplificada traz como conseqncia uma avaliao superficial das
questes de segurana e sade. Para Garrigou (1999):
As prticas de preveno de riscos e de formao so baseadas no fornecimento/aquisio de comportamentos individuais de segurana... Desta forma, os aspectos ligados organizao do trabalho, as decises administrativas, as interaes entre operadores e a coordenao entre atividades diferentes so negligenciadas nestas abordagens.
A expresso ato inseguro e toda a sua filosofia de direcionamento da culpa do
acidente de trabalho para o trabalhador, tem sido constantemente repudiada por inmeros
profissionais e entidades, principalmente a FUNDACENTRO; todavia, h que se concordar
que ela ainda se faz presente no cotidiano prevencionista. Em nossa experincia profissional
j presenciamos inmeros profissionais, em diversas regies de Santa Catarina,
principalmente os recm formados, utilizarem-se do ato inseguro para explicar a falta de
segurana. Estes profissionais esto aprendendo a tratar tudo como ato inseguro na prpria
escola, ensinados por professores que no se atualizaram, que lecionam a partir de
publicaes das dcadas de 70 e 80, nas quais a expresso era comumente utilizada.
44
importante lembrar que a prpria legislao ainda utiliza o termo, como a Norma
Regulamentadora nmero 1, no item 1.7:
1.7. Cabe ao empregador: a)... b) elaborar ordens de servio sobre segurana e medicina do trabalho, dando cincia aos empregados, com os seguintes objetivos:
I - prevenir atos inseguros no des empenho do trabalho; (grifo nosso)
comum os empresrios justificarem o treinamento para os trabalhadores com o
argumento de que estamos investindo em treinamento, com o propsito de conscientizar o
trabalhador para o cumprimento das normas de segurana, que em traduo pode ser
entendido como: vou trein-lo para que no cometa atos inseguros (Oliveira, 1999:10).
Garcia (In: Kiefer et. al., 2001:93-94), explicitando a questo do uso dos agrotxicos,
caracteriza o que chama de enfoque simplista usado por instituies e profissionais que
atuam na rea:
Esse enfoque simplista e maniquesta reduz a complexa questo que envolve os agrotxicos a uma dicotomia: o problema o uso inadequado e a soluo a educao, no caso entendida como treinamentos... Ao caracterizar essa complexa questo que envolve o uso de agrotxicos e suas consequncias danosas como basicamente um problema de educao, reduzindo-a a no observao dos cuidados recomendados, transferindo-se ao aplicador, seja ele o prprio produtor rural ou o trabalhador, praticamente toda a responsabilidade pela contaminao ambiental e dos alimentos e por sua prpria intoxicao provocada pelos agrotxicos.
4.2.5. A terceirizao de mo de obra
A terceirizao definida por Hazan (2001:171-172) como uma das respostas do
sistema capitalista crise de eficincia de seu modelo, cujos primeiros sinais foram
evidenciados a partir do final da dcada de 60. Foi necessrio reinventar os modos de
produzir e de trabalhar para continuar o processo de acumulao, forando a classe
trabalhadora a produzir mais, ganhando menos.
A classe trabalhadora surgida a partir da reestruturao do modelo capitalista foi
vtima da lgica de cortar custos para atingir o preo de produto possvel de ser absorvido
pelo mercado. Deste modo:
45
Os trabalhadores exercentes da atividade-meio, alem de tidos como menos qualificados, ficam fora da empresa tomadora e so colocados como terceiros, em trabalho subordinado, precarizado e em tempo integral, com grande rotatividade e salrios baixos, sem qualquer perspectiva de carreira ascendente. Com a empregabilidade e o temor do desemprego eles se submetem a tudo. Surge um grupo de trabalhadores tidos como eventuais que laboram a prazo ou a tempo parcial. (Hazan, In: Carvalho Neto, Salin, 2001:172-174).
Para Machado (2001), a precarizao na contratao do trabalho vem a partir dos anos
90, com a reduo dos direitos conquistados desde os anos 30. A precarizao do trabalho
estimulada pelo no reconhecimento das relaes de emprego nas cooperativas, fim das
polticas de reajuste automtico, instituio do contrato temporrio, entre outras.
A precarizao torna-se mais evidente nas pequenas empresas, que atuam como
terceirizadas de empresas maiores:
O trabalho precrio se concentra nas pequenas e mdias empresas, estimulado hoje pelas vantagens econmicas de custo e produo, flexibilidade e adaptabilidade[...] As pequenas e mdias empresas oferecem maiores riscos de acidentes e a preveno menor[...] A maioria dessas empresas presta servios terceirizados, o que, da perspectiva do trabalho, representa modalidade de subcontratao. (Machado, 2001:55)
Esta avaliao pessimista quanto ao processo de terceirizao reforada por outros
autores, tais como Dantas (2002) e Repullo Jnior (1997:81), que afirma:
A experincia brasileira com a terceirizao tem sido associada, em grande parte das vezes, precarizao das condies de trabalho e omisso e negligncia com a sade de segurana dos trabalhadores.
Para Repullo Jnior (1997), existem dois tipos de terceirizao: o padro
reestruturante e o padro predatrio.
O padro reestruturante objetiva a reduo de custos por meio de determinantes
tecnolgicos e organizacionais. Neste tipo de padro a empresa especializa-se em parte de
sua atividade produtiva e transfere o restante para outras empresas, objetivando racionalizao
e produtividade.
O padro predatrio baseia-se na reduo dos custos pela explorao de relaes
precrias de trabalho. Para o autor, a terceirizao tornou-se uma forma de neutralizar a
regularizao estatal e a ao sindical.
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Estudos indicam que a terceirizao tem como conseqncia o aumento dos
acidentes de trabalho, como mostram as estatsticas oficiais espanholas para a regio de
Alcoy, onde o aumento dos ndices de acidentes, entre 1985 e 1990 (de 44,8 para 63 por 1000
trabalhadores), foi diretamente proporcional ao aumento das formas de contratao precrias
de trabalho na regio (Vogel apud Machado, 2001).
Repullo Jnior (1997) cita uma pesquisa realizada pelo DIEESE, envolvendo 40
empresas que terceirizavam seus servios. Os principais problemas da terceirizao definidos
a partir da pesquisa foram os seguintes:
? Diminuio dos benefcios sociais;
? Salrios mais baixos;
? Reduo nos padres de segurana;
? Baixa qualificao/pouca qualidade dos treinamentos;
? Ausncia de registro de empregados;
? Perda da representao sindical.
A contratao de terceirizados sem estrutura acabam tambm por dificultar o trabalho
dos profissionais de segurana da empresa contratante, pois estes no tm ingerncia formal
sobre os trabalhadores da contratada. Alm disso, a distino entre as condies de trabalho e
exigncia do cumprimento das normas de procedimentos dos trabalhadores da empresa
contratante e das contratadas, pode dificultar a gesto da segurana e sade.
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4.3. Aes governamentais
4.3.1. O modelo de desadministrao da Previdncia Social
A responsabilidade pelo trabalhador inapto ao trabalho fica por conta do governo, que
outro ator social relacionado com a problemtica da engenharia de segurana. O custeio e o
benefcio do acidente de trabalho de responsabilidade da Previdncia Social, que tem
efetivamente arcado com praticamente todos os nus dos infortnios laborais.
O sistema de seguro acidente de trabalho SAT, em voga no Pas, tem que ser
repensado rapidamente, pois incompetente e injusto no custeio e burocrtico e acomodado
na concesso dos benefcios. A filosofia do SAT,que deveria ser de incentivo preveno,
com o conseqente lucro das empresas, baseia-se to somente na reparao dos danos
provenientes do acidente de trabalho. (Oliveira, 1999).
No custeio, o valor do seguro acidente de trabalho est vinculado ao ramo de atividade
da empresa, que no coerente com a demanda de benefcios de responsabilidade de
previdncia social. Um exemplo tpico no caso dos bancos, que pagam a menor taxao do
SAT e so responsveis por grande parte dos casos de LER/DORT. (Oliveira, 1999).
Na concesso dos benefcios, a previdncia social ainda mais equivocada, pois se
responsabiliza pelo pagamento dos encargos decorrentes do acidente de trabalho, tais como o
tratamento mdico, reabilitao profissional, auxlio-doena, penso por morte, aposentadoria
por invalidez, etc., mas no busca a recuperao desses custos atravs de aes regressivas,
como determina a prpria legislao previdenciria 9.
9 Artigo n 120 da Lei 8.213, de 24/07/1991.
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Paralelo a esta postura comodista e subserviente em relao aos responsveis pelo
acidente de trabalho, a Previdncia Social burocratiza a concesso das aposentadorias
especiais e demais benefcios, bem como dificulta o reconhecimento de doenas, penalizando
unicamente o trabalhador.
Arajo (In: Carvalho Neto, Salin, 2001) faz uma anlise do processo de alterao da
legislao previdenciria sobre LER/DORT, mostrando cronologicamente o processo de
burocratizao de seu reconhecimento enquanto doena, colocando em dvida os reais
motivos que direcionaram os atos da Previdncia Social:
Mas a questo de fundo parecia ser o objetivo do governo de, a partir das mudanas na Norma Tcnica, tornar o SAT (Seguro de Acidente de Trabalho) mais atraente para as administradoras privadas. E a residiria, na opinio de alguns analistas, o motivo essencial que gerou a mudana da NT, ou seja, o projeto j em gestao de privatizao do SAT (Arajo, In: Carvalho Neto, Salin, 2001:133).
4.3.2. A fiscalizao do cumprimento da legislao
Outra responsabilidade do governo a fiscalizao do cumprimento da legislao
sobre segurana e sade, que fica a cargo do Ministrio do Trabalho e Emprego 10. A estrutura
do MTE no compatvel com as necessidades, principalmente quanto ao nmero de Agentes
da Inspeo do Trabalho, que so os responsveis pela fiscalizao em SST. Como exemplo,
em Santa Catarina a Delegacia Regional do Trabalho conta com 26 AITs para fiscalizarem
empresas de todas os ramos de atividade em todo o territrio catarinense.
O baixo nmero de fiscais incentiva o descumprimento da legislao, pois as
empresas, quando notificadas a melhorarem um determinado ambiente de trabalho, sabem que
dificilmente recebero uma nova visita da DRT, e acabam no providenciando as correes
necessrias.
10 Os artigos 155 e 156 da Consolidao das Leis do Trabalho e os itens 1.3 e 1.4, e seus subitens, da Norma Regulamentadora nmero 1 estabelecem as responsabilidades do Ministrio do Trabalho e das Delegacias Regionais do Trabalho.
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Para alguns AITs a viso legalista prioritria viso tcnica, o que no
contribui para a mudana de postura dos empregadores. Para Oliveira (In: Salin, Carvalho,
2002:179):
muitos gerentes de empresas acreditam que o cumprimento das notificaes do Ministrio do Trabalho e Emprego no apenas restabelece a conformidade legal da empresa em relao aos instrumentos legais reguladores da segurana e sade do trabalhador, mas tambm deixa -lhes numa condio de terem feito tudo o que era necessrio fazer.
4.4. Aes sindicais
O movimento sindical tem algumas experincias bastante importantes no campo da
segurana e sade do trabalhador, mas que infelizmente ainda so pontuais, restritos aos
sindicatos mais organizados e s centrais sindicais, realidade esta decorrente de uma srie de
motivos.
A ao sindical fundamental para a melhoria das questes de segurana e sade dos
trabalhadores. Para Lucca e Fvero (1994:12-13)
A capacidade financeira da empresa em fazer investimentos na melhoria das condies de trabalho depende menos das presses do Estado em nvel de fiscalizao e multas e mais da presso da fora sindical organizada [...] Quanto mais o sindicalismo reivindicativo desenvolvido, mais as condies de trabalho podem ser melhoradas, em termos de segurana
Rebouas (1989:79) enfatiza que o movimento sindical no tem dado, efetivamente, a
devida importncia s questes de segurana e sade:
O sindicalismo brasileiro no tem colocado de forma constante, incisiva e clara, a questo das interrelaes entre trabalho, sade e doena. Muito menos para suas bases e para a classe trabalhadora. Tal questo permanece embrionria, embora um nmero crescente de dirigentes e sindicatos a coloque como uma das prioridades, calcando-se em conquistas e experincias importantes.
Carvalho Neto (In: Carvalho Neto, Salin, 2001), discute as negociaes coletivas
envolvendo temas de segurana e sade, nos anos 90 no Brasil, com nfase aos bancrios (em
50
todo o Brasil), qumicos (regio metropolitana de So Paulo e ABC paulista) e
metalrgicos (regio metropolitana de So Paulo, ABC paulista e Betim-MG).
O trabalho de Carvalho Neto mostra alguns avanos importantes nas questes de
segurana e sade em termos de convenes coletivas de trabalho. Todavia, nas negociaes
coletivas comum encontrar-se itens de segurana que fazem parte dos direitos elementares
sobrevivncia e dignidade humana, bem como transcries exatas das normas
reg