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Maio de 2011 23 O agregador da advocacia www.advocatus.pt Fukushima “Segundo a teoria do risco integral, o poluidor, na perspectiva de uma sociedade solidária, tem de contribuir para a reparação do dano ambiental. O poluidor assume todo o risco que a sua actividade acarreta” Ivone Rocha Sócia JPAB. Licenciada em Direito em Coimbra (89) fez mestrado em Direito Público na Católica do Porto (2008) Até onde podemos ir? Se pensarmos que o dano ambiental, normalmente, é órfão de causa, desprovido de culpa, resulta de uma actividade lícita e não tem, muitas vezes, reparação, são estas catástrofes que nos fazem perguntar, até onde podemos ir… Nos últimos anos, as grandes catástrofes ambientais tiveram origem em duas “fontes” de energia: petróleo e nuclear. Des- de Seveso (Itália), em Julho de 1976, até Fukushima (Japão), em curso, a lista de catástrofes ecológicas é, infelizmente, ex- tensa. Aos políticos, compete perceber que Ambiente e Energia têm, ne- cessariamente, de ser tratados, de forma integrada, como um todo. Aos juristas, compete per- guntar a quem cabe a reparação do dano ambiental se uma ca- tástrofe destas acontecesse em Portugal. Com a entrada em vigor do DL 147/2008 de 29 de Julho, que transpõe para a Directiva Co- munitária 2004/35/CE, no or- denamento jurídico português, o Ambiente passou a gozar de dois regimes de responsabilida- de civil extracontratual – a res- ponsabilidade civil decorrente da funcionalização do instituto geral da responsabilidade civil extracontratual, previsto nos ar- tigos 489 e ss do Código Civil e o regime específico da respon- sabilidade ambiental. A verdade é que o legislador comunitário, consciente da di- ficuldade na determinação e na prova da culpa e do nexo de causalidade, objectivou estes dois pressupostos do clássico instituto. Com vista a satisfazer a ne- cessidade de prevenção e de reparação do dano ambiental, prescinde-se da culpa, da ilici- tude e do nexo de causalidade adequada, bastando a probabili- dade de causa. Consagra-se um novo equilíbrio entre o interesse geral de protecção do Ambien- “A lista de catástrofes ecológicas é extensa. Aos políticos, compete perceber que Ambiente e que Energia têm de ser tratados, de forma integrada, como um todo. Aos juristas, compete perguntar a quem cabe a reparação do dano ambiental se uma catástrofe destas acontecesse em Portugal” te e o interesse individual dos agentes económicos. Por outro lado, além da consagração da responsabilidade objectiva é a própria definição de dano am- biental que passa a ser objecti- vada na Lei. Nelson Nery Junior, num artigo sobre a responsabilidade civil por dano ecológico, exemplifica: “Ainda que a indústria tenha to- mado todas as precauções para evitar acidentes danosos ao meio ambiente, se, por exemplo, explode um reactor controlador da emissão de agentes quími- cos poluidores (caso fortuito), subsiste o dever de indemnizar. Do mesmo modo que, se por um facto da Natureza ocorrer derramamento de substância tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples facto de existir a activi- dade há o dever de indemnizar.” O legislador não foi tão longe mas, perante Fukushima, há que perguntar quem deve assumir o risco. Segundo a teoria do risco inte- gral, o poluidor, na perspectiva de uma sociedade solidária, tem de contribuir para a reparação do dano ambiental. O poluidor assume todo o risco que a sua actividade acarreta: o simples facto de existir a actividade pro- duz o dever de reparar, uma vez provada a conexão causal entre a dita actividade e o dano dela advindo. Segundo este sistema, só have- rá exoneração de responsabili- dade, quando: a) o risco não foi criado; b) o dano não existiu; c) o dano não tem relação de causalidade com a activida- de da qual emergiu o risco. Parece demais, talvez! Mas o certo é que se pensarmos que o dano ambiental, normalmente, é órfão de causa, desprovido de culpa, resulta de uma actividade lícita e não tem, muitas vezes, reparação, são estas catástro- fes que nos fazem perguntar até onde podemos ir…

Até onde podemos ir?

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Até onde podemos ir?

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Maio de 2011 23O agregador da advocacia

www.advocatus.pt Fukushima

“Segundo a teoria do risco integral, o poluidor, na perspectiva de uma

sociedade solidária, tem de contribuir para a reparação do dano ambiental. o poluidor assume todo o risco que a sua actividade

acarreta”

ivone Rocha

Sócia JPAB. Licenciada em Direito em Coimbra (89) fez mestrado em Direito

Público na Católica do Porto (2008)

Até onde podemos ir?Se pensarmos que o dano ambiental, normalmente, é órfão de causa, desprovido de culpa, resulta de uma actividade lícita e não tem, muitas vezes, reparação, são estas catástrofes que nos fazem perguntar, até onde podemos ir…

Nos últimos anos, as grandes catástrofes ambientais tiveram origem em duas “fontes” de energia: petróleo e nuclear. Des-de Seveso (Itália), em Julho de 1976, até Fukushima (Japão), em curso, a lista de catástrofes ecológicas é, infelizmente, ex-tensa.Aos políticos, compete perceber que Ambiente e Energia têm, ne-cessariamente, de ser tratados, de forma integrada, como um todo. Aos juristas, compete per-guntar a quem cabe a reparação do dano ambiental se uma ca-tástrofe destas acontecesse em Portugal.Com a entrada em vigor do DL 147/2008 de 29 de Julho, que transpõe para a Directiva Co-munitária 2004/35/CE, no or-denamento jurídico português, o Ambiente passou a gozar de dois regimes de responsabilida-de civil extracontratual – a res-ponsabilidade civil decorrente da funcionalização do instituto geral da responsabilidade civil extracontratual, previsto nos ar-tigos 489 e ss do Código Civil e o regime específico da respon-sabilidade ambiental.A verdade é que o legislador comunitário, consciente da di-ficuldade na determinação e na prova da culpa e do nexo de causalidade, objectivou estes dois pressupostos do clássico instituto. Com vista a satisfazer a ne-cessidade de prevenção e de reparação do dano ambiental, prescinde-se da culpa, da ilici-tude e do nexo de causalidade adequada, bastando a probabili-dade de causa. Consagra-se um novo equilíbrio entre o interesse geral de protecção do Ambien-

“A lista de catástrofes ecológicas é extensa.

Aos políticos, compete perceber que Ambiente e que Energia têm de ser tratados, de forma integrada, como um todo. Aos juristas,

compete perguntar a quem cabe a reparação do dano ambiental se uma catástrofe destas

acontecesse em Portugal”

te e o interesse individual dos agentes económicos. Por outro lado, além da consagração da responsabilidade objectiva é a própria definição de dano am-biental que passa a ser objecti-vada na Lei.Nelson Nery Junior, num artigo sobre a responsabilidade civil por dano ecológico, exemplifica: “Ainda que a indústria tenha to-mado todas as precauções para evitar acidentes danosos ao meio ambiente, se, por exemplo, explode um reactor controlador da emissão de agentes quími-cos poluidores (caso fortuito), subsiste o dever de indemnizar. Do mesmo modo que, se por um facto da Natureza ocorrer derramamento de substância tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples facto de existir a activi-dade há o dever de indemnizar.” O legislador não foi tão longe mas, perante Fukushima, há que perguntar quem deve assumir o risco.Segundo a teoria do risco inte-gral, o poluidor, na perspectiva de uma sociedade solidária, tem de contribuir para a reparação do dano ambiental. O poluidor assume todo o risco que a sua actividade acarreta: o simples facto de existir a actividade pro-duz o dever de reparar, uma vez provada a conexão causal entre a dita actividade e o dano dela advindo. Segundo este sistema, só have-rá exoneração de responsabili-dade, quando:a) o risco não foi criado; b) o dano não existiu; c) o dano não tem relação de

causalidade com a activida-de da qual emergiu o risco.

Parece demais, talvez! Mas o certo é que se pensarmos que o dano ambiental, normalmente, é órfão de causa, desprovido de culpa, resulta de uma actividade lícita e não tem, muitas vezes, reparação, são estas catástro-fes que nos fazem perguntar até onde podemos ir…