Upload
dangdien
View
219
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
0
Universidade do Mindelo Universidad de Valladolid
República de Cabo Verde España
MESTRADO EM DIREITO MARITIMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL
ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A REPRESSÃO DO TRAFICO ILÍCITO DE DROGAS PELA VIA MARÍTIMA - CABO VERDE
Mestrando Coordenador
Emerson M. Lubrano Rodrigues Antonio Javato Martín
Mindelo, Junho de 2014
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
1
ÍNDICE
SIGLAS ........................................................................................................................................... 3
ABREVIATURAS .......................................................................................................................... 4
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................ 5
1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS ....................................................................................... 7
1.1. Introdução ........................................................................................................ 7
2. COMPREENSÃO DO TERMO “DROGA” ........................................................................ 9
2.1. As Primeiras normas Internacionais sobre tráfico ilícito de drogas ................. 11
2.2. Primeiras conferências Internacionais, O velho bloco do ópio; ....................... 13
2.3. A importância do combate ao tráfico de drogas pela via marítima .................. 17
3. DIREITO INTERNACIONAL - NORMATIVA E FONTES ............................................. 21
3.1. Fontes de Direito Internacional ....................................................................... 24
3.2. O Direito Internacional Privado ....................................................................... 25
3.3. Direito Penal Internacional .............................................................................. 26
3.3.1. Princípios Processuais Do Direito Internacional Penal ................................ 29
3.4. Direito Internacional Marítimo ......................................................................... 31
3.4.1. O Direito Penal Marítimo ............................................................................. 33
4. DIREITO INTERNACIONAL MARÍTIMO E O TRÁFICO ILICITO DE DROGAS ..... 36
4.1. Fontes do Direito Marítimo .............................................................................. 37
4.2. Competência dos Juízes e Tribunais Penais .................................................. 38
a) O Princípio da Personalidade ...................................................................... 39
b) O princípio de proteção de interesses ......................................................... 41
c) O princípio de Justiça Universal. ................................................................. 42
d) O principio da Territorialidade ..................................................................... 43
4.3. Regime Jurídico Dos Espaços Marítimos – Competência dos Estados .......... 45
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
2
a) As águas Interiores ..................................................................................... 48
b) Mar Territorial .............................................................................................. 49
c) Zona contígua ............................................................................................. 51
d) Zona Económica Exclusiva – ZEE............................................................... 53
e) Plataforma Continental ................................................................................ 56
4.4.1. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 ................. 58
a) Princípio da Soberania ................................................................................ 59
b) Princípio da liberdade dos mares ................................................................ 61
c) Princípio do património comum da humanidade .......................................... 61
d) Princípio da cooperação .............................................................................. 64
4.4.2. Cooperação Internacional no âmbito de repressão do tráfico de drogas. 65
a) Tráfico Ilícito de drogas no mar ............................................................... 68
b) Tráfico de Drogas nas Zonas Francas ............................................................ 69
4.4.3. Cabo Verde como Estado cooperante na repressão do tráfico de drogas ...... 70
a) Acordo de Cooperação entre os Governos integrantes da CPLP para a
redução da demanda, prevenção do uso indevido e combate à produção e ao
tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas ................................... 72
b) A Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental, CEDEAO. ..... 73
c) Cabo Verde e Europa.................................................................................. 74
d) Acordo Bilateral - Tratado entre a República portuguesa e a República de
Cabo Verde no domínio da fiscalização conjunta de espaços marítimos sob
soberania ou jurisdição. ......................................................................................... 75
4.4.4. Aplicabilidade da Convenção de Viena de 1988 - «Caso Tortuga» ........... 78
Conclusão ................................................................................................................................... 84
Bibliografia .................................................................................................................................. 87
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
3
SIGLAS
CEDEAO – Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental
CMCV – Código Marítimo de Cabo Verde
CNUDM – Convenção das Nações Unidas Sobre Direito do Mar de 1982
CPCV – Código Penal de Cabo Verde
CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
DPKO – Departamento de Operações de Manutenção da Paz
ECIJ – Estatuto do Corte Internacional de Justiça
ERTPI – Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional
EUA – Estados Unidos da América
EUROPOL – Serviço Europeu de Policia
FMI – Fundo Monetário Internacional
IMO – Organização Marítima Internacional
INTERPOL – Organização Internacional de Policia Criminal
MAOC – Centro de Analise e Operações Marítimas
MAOCN - Centro de Analise e Operações Marítimas – NARCOTICOS
OMC - Organização Mundial do Comércio
ONU – Organizações das Nações Unidas
ONUDC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas
TPI – Tribunal Penal Internacional
UNOWA/DPA – Departamento de Assuntos Políticos das Nações Unidas para
Africa Ocidental
WACI - Iniciativa Para a Costa Ocidental Africana;
ZEE – Zona Económica Exclusiva
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
4
ABREVIATURAS
al. – Alíneas
Cfr. - Conforme
Nº(s)- número (s)
Pto. - Ponto
Séc. - Séculos
Art. – Artigo
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
5
APRESENTAÇÃO
O presente estudo realiza-se no âmbito do Mestrado em Direito Marítimo e
Comércio Internacional e tem como título: Aspectos Jurídicos sobre a Repressão
do Tráfico Ilícito de Drogas pela Via Marítima, Cabo Verde.
Portanto pretende-se iniciar o mesmo esclarecendo possíveis dúvidas que
possam surgir referente ao termo “droga” e o contexto histórico da ilegalidade
das drogas. Recorde-se que há pouco mais de um século, precisamente no ano
1909, na China realizou-se a primeira conferência sobre o ópio que viria a entrar
em vigor a nível mundial no ano de 1919, após ter sido incorporada no tratado
de Versalhes. A cannabis entrou na lista de substâncias proibidas após a revisão
da Convenção Internacional do Ópio realizada em Genebra no ano 1925.
Perante esse cenário, conhecendo os avultados lucros do comércio da droga, os
antigos comerciantes não pretendiam desistir dessa prática e encontraram no
mar as vulnerabilidades necessárias para continuarem a realizar esse comércio,
agora tipificado internacionalmente como crime.
Logo, uma vez mais1, a visão antiga do Direito Internacional, principalmente,
tratando-se de dois extremos, o Direito à Guerra (ius bellum) e o Direito à Paz (o
ius pacis) tornou-se impotente para responder aos novos desafios do Direito
Internacional. Assim sendo, o segundo capítulo, visa esclarecer factos
relevantes do Direito Internacional que afectam directamente o tráfico ilícito de
drogas pela via marítima, partindo da análise das Fontes e princípios do Direito
Internacional, distinguindo o Direito Internacional Público do Direito Internacional
Privado e evocando questões importantes no âmbito do Direito Penal
Internacional que afetam o tráfico de estupefacientes e substâncias
psicotrópicas.
Embora o Direito do Mar e o Direito Marítimo sejam dois conceitos que
aparentam ser semelhantes, o terceiro capítulo esclarece algumas diferenças
1 Tendo em conta que a pirataria no alto mar foi um dos primeiros crimes a explorar as
fragilidades jurídicas existentes no âmbito do Direito Internacional publico, mais concretamente, sua subdivisão, Direito do Mar.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
6
entre eles, destacando os princípios que iluminam a relação entre os Estados, as
delimitações e os regimes jurídicos aplicados nas áreas marítimas consagrados
na Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, doravante designada
de CNUDM. Dará ainda enfase aos principais aspectos sobre as fontes e os
princípios do Direito do Mar e os principais fundamentos das competências dos
juízes nas diversas áreas marítimas.
O quarto e último capítulo visa abordar os instrumentos jurídicos mais
importantes no âmbito da repressão ao tráfico ilícito de drogas pela via marítima,
enaltecendo, desde já, o princípio da cooperação internacional estabelecido
internacionalmente, expressando que, “Todos os Estados devem cooperar para
a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas
praticado por navios no alto mar, com violação das convenções internacionais.”2
Esse pressuposto remete-nos, subitamente, para a análise das Convenções de
maior importância criados pela ONU com essa finalidade, nomeadamente, a
Convenção Única sobre Narcóticos de 1961, emendada pelo Protocolo de 1972,
a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 e a Convenção das
Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas
de 1988.
O tema se desenvolve, sempre evocando os instrumentos jurídicos cabo-
verdianos, tais como a lei da droga, 78/IV/93 de 12 Julho, o Código Marítimo de
Cabo Verde, adiante referido pelas siglas CMCV, o Código Penal de Cabo
Verde, doravante referido por CPCV e a lei mãe da nação cabo-verdiana, a
Constituição da República de Cabo Verde, adiante designado por CRCV. Para
facilitar a compreensão da matéria exposta, será tratado de forma sintetizada, o
caso da abordagem a um veleiro de pavilhão norte-americano, realizado por
autoridades de Cabo Verde, em conjunto com autoridades do Reino Unido e
ocorrida em águas internacionais próximas de Cabo Verde.
2 CNUDM, art. 108º
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
7
1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
1.1. Introdução
“O planeta terra é hoje um lugar «uno», onde é preciso saber ser e estar, num
contexto amplo de globalização”. O homem vem conseguindo através de fortes
investimentos feitos a nível da investigação, científico-tecnológico explorar, cada
vez mais as potencialidades do meio marítimo, tanto a nível de recursos
naturais, bem como, utilizando-o como a via mais viável para o transporte do
grosso das mercadorias a nível mundial.
Por outro lado, com o incremento do fluxo do tráfico marítimo, os Estados vêm
confrontados com vários crimes praticados no mar que ameaçam a estabilidade,
a paz, a saúde das populações, a soberania e a própria segurança mundial, tais
como, atos de pirataria, referindo-se à pirataria tradicional e atualmente à
pirataria que acontece no mar da Somália, o tráfico de seres humanos ou
migrações ilegais, o tráfico de armas e o tráfico de produtos estupefacientes e
substâncias psicotrópicas.
O tráfico ilícito de drogas pela via marítima trata-se de um crime transnacional,
pelo que, convém analisar os aspetos do Direito Internacional relacionados a
essa atividade, evocando as fontes do direito internacional e os princípios
basilares que suportam as relações internacionais, no sentido de compreender a
aplicação das leis e as competências dos tribunais para decidir sobre os atos
tipificados como crime praticados pelos cidadãos do planeta, por exemplo, nas
águas que fogem à soberania dos Estados, destacando o “mar de ninguém”,
como alguns autores têm referido ao alto mar.
Nesse sentido, a codificação e o desenvolvimento progressivo do direito do mar
aparece como o melhor meio para garantir a paz, a segurança, a cooperação e
as relações de amizade entre todas as nações, em concordância com os
princípios da justiça, quais sejam a igualdade de direitos e promoção do
progresso económico e do bem-estar social de todos os povos do mundo. Com
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
8
esse objetivo foi aprovado por meio do Decreto-lei nº 5, de 9 de Novembro de
1987, que trouxe para a esfera jurídica cabo-verdiana a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de
Dezembro de 1982, doravante referida pelas siglas CNUDM.
É de referir que esta convenção representa atualmente o suporte jurídico do
Direito do Mar e por isso merece destaque, principalmente nas questões
relacionadas com as competências, as delimitações das áreas marítimas e a
forma como aborda o tráfico ilícito de drogas pela via marítima.
Os principais instrumentos jurídicos relacionados com o tráfico ilícito de drogas
pela via marítima são os seguintes: a Convenção Única sobre Narcóticos de
1961, emendada pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias
Psicotrópicas de 1971 e a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito
de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 1988. No entanto a forma mais
rápida e eficaz de se realizar a cooperação entre os Estados é através dos
acordos bilaterais, pelo que merecerão destaque, por um lado os acordos
multilaterais no âmbito da CEDEAO, CPLP, MAOC e, por outro, os acordos
bilaterais assinados com Portugal, Espanha, EUA, Reino Unido entre outros.
Tudo isso, sem perder de vista a postura jurídica de Cabo Verde na repressão
do tráfico ilícito de drogas pela via marítima, abordando os principais aspetos
das normas nacionais, nomeadamente, a lei da droga, 78/IV/93 de 12 Julho, o
Código Marítimo de Cabo Verde, adiante referido pelas siglas CMCV e o Código
Penal de Cabo Verde, doravante referido por CPCV.
Antes de serem tiradas as conclusões finais do presente estudo será exposto o
caso de uma abordagem efetuada por autoridades cabo-verdianas, em águas
próximas de Cabo Verde, ocorrido graças à Cooperação entre Cabo Verde e os
vários parceiros da Plataforma de Coordenação de Informação, doravante
referido por, MAOCN, a troca de informação policial entre Cabo Verde e Brasil,
enfocando, uma vez mais, os principais aspetos da Convenção das Nações
Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de
1988, mais concretamente, o artigo 17º desta Convenção e a lei nacional de
drogas.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
9
2. COMPREENSÃO DO TERMO “DROGA”
A expressão droga é estudada em várias perspetivas tanto a nível social, como
científico, jurídico e em várias outras disciplinas. Devido a essa característica
multidisciplinar do fenómeno das drogas a nível mundial, torna-se difícil
encontrar uma definição sobre a expressão “droga” adequada a todas as
ciências ou ramos de estudos.
Ao longo do trabalho poderão ser referidos no mesmo contexto os termos
“entorpecentes” ou “estupefacientes”, “substâncias psicotrópicas” e “tóxicos” ou
“narcóticos” com o mesmo significado do termo “Droga”. Convém ainda dizer
que nesse âmbito esses termos centralizam-se no “tráfico ilícito” de drogas e não
no comércio legal dos produtos estupefacientes ou similares.
Se por um lado, o termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo)
que significa folha seca, isto porque antigamente quase todos os medicamentos
eram feitos à base de vegetais3, por outro e de uma forma mais específica, a
palavra “estupefaciente”4 é proveniente da expressão latina “stupefaciente” ou
“stupefacere”, que significa entorpecer ou estupeficar e é utilizada para
identificar substâncias que provocam alienação mental ou que influem no
espírito.
As drogas utilizadas para alterar o funcionamento cerebral, causando
modificações no estado mental são chamadas drogas psicotrópicas. O termo
psicotrópico é formado por duas palavras: psico e trópico. Psico está
relacionado ao psiquismo, que envolve as funções do sistema nervoso central e
trópico significa em direção a. Logo drogas psicotrópicas são aquelas que
atuam sobre o cérebro, alterando de alguma forma o psiquismo. Por essa razão,
são também conhecidas como substâncias psicoativas 5.
A Organização Mundial de Saúde, OMS, considera que o termo droga abrange
qualquer substância não produzida pelo organismo, que tem a propriedade de
3 (Agencia Nacional de Cultura Cientifica e tecnologica, 1996)
4 (Ciberdúvidas, 1987)
5 (Drogas, 2007)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
10
atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu
funcionamento6.
Todavia, o presente trabalho centra-se em questões jurídicas relacionadas com
tráfico ilícito de drogas a nível marítimo portanto, se orienta pelas definições
aceites a nível internacional e definidas sobre as drogas proibidas por lei,
conforme as tabelas, I, II, III e IV da Convenção sobre as Substâncias
Psicotrópicas de 1971.
Sendo assim, o termo "estupefaciente" designa toda a substância, natural ou
sintética, das Tabelas I ou II da Convenção Única de 1961 sobre os
estupefacientes e dessa Convenção modificada pelo Protocolo de 1972
emendando a Convenção Única de 1961 sobre os Estupefacientes;
O termo "substância psicotrópica" designa qualquer substância, natural ou
sintética, ou qualquer produto natural constante das Tabelas I, II, III e IV da
Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971;
A expressão "tráfico ilícito" designa as infrações previstas nos nºs 1 e 2 do artigo
3.º da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 19717.
As expressões "abuso de drogas" e "uso ilícito" significam, respetivamente, o
uso de drogas proibidas e o uso sem receita médica de outras drogas colocadas
sob controlo no território nacional8.
Por "toxicodependente" entende-se toda a pessoa em estado de dependência
física e ou psíquica em face de uma droga colocada sob controlo no território
nacional.
6(Drogas, 2007)
7 Os termos estupefacientes, substâncias psicotrópicas, trafico ilícito são aqui compreendidos
com base no artigo 1º, definições, da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas. 8 Segundo a lei da droga de Cabo Verde, art. 2º, alínea a, e b da lei 78/IV/93.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
11
2.1. As Primeiras normas Internacionais sobre tráfico ilícito de drogas
O tráfico ilícito de drogas vem sendo alvo de discussões há mais de um século e
é marcada por distintos interesses, nomeadamente, a nível económico, político,
histórico/cultural e social e estes tem dificultado a criação de uma legislação
harmoniosa entre os Estados. Em consequência disso, até à presente data não
existe um consenso doutrinal9 no que concerne ao combate a esse flagelo com
repercussões devastadoras sobre a saúde pública, colocando em risco a
soberania de alguns Estados menos desenvolvidos, dando origem assim, aos
denominados “narco-Estados”.
Todavia, este consenso é ainda dificultado pelo facto do consumo de produtos
estupefacientes nomeadamente cocaína, cannabis e o ópio, terem sido e
continuarem a ser muito tolerados, isso por causa de questões culturais
enraizados no seio de famílias e sociedades habituadas ou até dependentes dos
mesmos.
Nesta encruzilhada de interesses era e continua sendo difícil encontrar uma lei
internacional que satisfaz os interesses dos Estados de cultivo, produtores,
consumidores e ainda das grandes indústrias farmacêuticas, na medida em que
todos apresentavam “bons argumentos” e ninguém pretendia abrir mãos dos
seus interesses. Enquanto isso, alguns Estados vinham sentindo na prática as
consequências do tráfico e consumo de drogas, destacando o caso da China.
Até ao final do século XIX, os estupefacientes eram comercializados sem
nenhuma restrição governamental e os países ocidentais impingiam grandes
quantidades de ópio no mercado chinês, sem perceber que as suas populações
iam também ganhando o gosto pelo consumo desses e de outras drogas. Nessa
9 Diz-se isso pelo facto de existirem Estados como a Holanda, Uruguai e nos EUA, mais
concretamente o Estado de Washington e Colorado onde se tolera legalmente o uso da cannabis, mediante algumas restrições definidas na lei. Por outro lado uma boa parte dos Estados proíbem o consumo de drogas, realçando aqui, Cabo Verde cfr. artigo 20º, da lei 78/IV/93, porém, no meu entender, demonstra alguma tolerância no mesmo artigo, nº 2, e als, quando estabelece que o infractor pode ser dispensado de pena se for menor de dezoito anos, se não for reincidente e se comprometer, mediante declaração solene perante o Magistrado, a não praticar de novo o acto previsto e punido nos termos deste artigo.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
12
época, nos Estados Unidos da América, o comércio das drogas era tolerado
complacentemente10.
A ideia de que o consumo destes produtos gerava um grave problema de saúde
pública começou a se revelar de forma preocupante, tanto na China como nos
EUA e em algumas das potências ocidentais, inclusive no Reino Unido.
Diante desse cenário, no final do século XIX, nos EUA surgiam movimentos anti
uso das drogas motivados primeiramente pela degradação da saúde pública dos
jovens, secundariamente pelo interesse da classe médica em monopolizar o
mercado das drogas e por fim, pela preocupação de ordem social com as
consequências do consumo recreativo pelas classes menos favorecidas da
sociedade.
No ano de1868, na Grã-Bretanha, começou a surgir as primeiras normas
farmacêuticas de controlo de “substâncias perigosas”, obrigando os
comerciantes do ópio e opiáceos a colocarem o rótulo de “veneno” nessas
embalagens, tendo essa lei sido denominada de “Poison and Pharmacy Act”,
restringindo a venda a determinados profissionais, porém não se previam penas
graves a serem aplicadas aos contraventores.
Nessa ordem de ideias, a partir de 1895, nos EUA, a maior parte desses
Estados aprovaram leis controlando a venda de opiáceos e remédios de patente,
elixires e preparados, inclusive para uso infantil, contendo ópio11.
Dando continuidade a essa política, nos EUA, no ano 1906, foi adotada a lei
federal denominada Pure Food and Drug Act12, pondo fim à indústria dos
remédios de patente e exigindo que todos os medicamentos passassem a conter
rótulos listando com precisão o seu conteúdo.
10
(Silva, 2013) 11
(Silva, 2013) 12
Tendo, posteriormente, motivado a criação do Food and Drug Administration com o principal objetivo de proibir o tráfico externo e entre Estados de alimentos adulterados ou medicamentos que tivessem como componentes substâncias psicoactivas, sem ser rotulados com a expressão “veneno” e dirigiu o Bureau de Química dos EUA para inspecionar produtos e denunciasse os infratores ao Ministério Público.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
13
Três anos depois, por volta de 1909, o governo norte-americano aprovou a
primeira lei de abrangência nacional, denominada “Smoking Opium Exclusion
Act”, focada no mercado consumidor13. Chegava ao fim a tolerância social com
relação ao consumo de ópio e posteriormente de outras drogas, também
suportada na realização de várias campanhas de informação realizada nos EUA.
Nessa época, o consumo do ópio começou a declinar na medida em que os
preços iam crescendo. Em consequência disso, os consumidores passaram a
consumir drogas mais pesadas, nomeadamente, a heroína injetável ou fumada e
com piores consequências para a saúde pública.
2.2. Primeiras conferências Internacionais, O velho bloco do ópio;
No final do século XIX, início do século XX, o comércio de drogas,
principalmente o ópio, tinha um impacto significativo na economia de algumas
potências mundiais, destacando o Reino Unido, donde partia a maior parte do
ópio e derivados a serem consumidos no mercado Chinês, chegando a
representar metade das exportações britânicas para a China14.
Nos meados do século XIX, a China era um dos países que mais sofria com as
consequências do uso e abuso de drogas, principalmente o ópio, que ameaçava
gravemente não só, a estabilidade social e financeira do país, como também a
saúde dos soldados e em consequência disso, a corrupção alastrava-se na
sociedade chinesa.
Recorde-se uma frase escrita por um ministro chinês, no ano de 1839, para
chamar a atenção do imperador:
“Majestade, o preço da prata está caindo por causa do pagamento da droga.
Em breve, vosso império estará falido. Quanto tempo ainda vamos tolerar
este jogo com o diabo? Logo não teremos mais moeda para pagar armas e
13
, (Silva, 2013)
14 (Silva, 2013)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
14
munições. Pior ainda, não haverá soldados capazes de manejar uma arma
porque estarão todos viciados.”15
Nesse ano, iniciaria a primeira guerra do ópio, entre a China e a Grã-Bretanha,
tendo terminado 3 anos depois, no ano 184216.
Portanto, a realidade estava à vista de todos, o cenário chinês era triste, sua
sociedade estava sendo devastada pelo uso e abuso das drogas, contudo a
China não tinha poder para contrariar a força Britânica, aceitando as suas
imposições. Mas o facto era inegável, por isso no ano de1856, voltou-se a uma
segunda guerra do Ópio, onde os franceses aliaram-se à Grã-Bretanha e
voltaram a derrotar a China, mantendo o comércio da droga para este país.
Reconhecendo a dificuldade da China em combater esse flagelo e considerando
a necessidade dos EUA em se aproximar da República da China, por
necessidades de diversa ordem, “o Congresso norte-americano estabeleceu em
1903, um Comité de Investigação para considerar a questão do abuso do ópio
no Extremo Oriente, encomendando o primeiro levantamento internacional sobre
o consumo daquela substância. A conclusão do levantamento foi de que
constituía, possivelmente, num dos problemas mais graves da Ásia e que sua
solução seria o controlo da produção, na Índia, China, Birmânia, Pérsia, Turquia
e limitar o comércio internacional. As recomendações para as Filipinas
resultaram no fim do sistema do monopólio do comércio do ópio, no banimento
das casas de ópio, a proibição do uso recreativo e, em 1908, das importações
para fins não medicinais”.17
15
(wikipédia, 2014) 16
Pelo Tratado de Nanquim (1842), que concluiu o primeiro conflito, foram abertos ao comércio exterior cinco portos chineses aos comerciantes ingleses e estabelecido o controle britânico sobre a Alfândega chinesa. O ópio foi aceite como um artigo lícito de comércio e sua importação foi permitida sem restrições. A Rainha Vitória considerou pífios os termos obtidos em Nanquim, definindo o Capitão Charles Elliot, condutor das operações de guerra, como “um homem que desobedeceu completamente as ordens recebidas e tentou obter os menores ganhos possíveis”. Ao final do segundo conflito, o Tratado de Tientsin (1858) forçou os chineses a legalizar as importações de ópio. Com isso, a balança comercial passou a desfavorecer a China. Esse comércio chegou a corresponder a quase um sétimo das rendas da Índia Britânica. Mais tarde, o comércio do ópio tornou-se um item permanente do comércio triangular entre Reino Unido, Índia e China. Pela Convenção de Pequim (1860), o governo chinês foi forçado a abrir novos portos e o rio Yangtze para o comércio estrangeiro, franqueando acesso ao interior do país. (Silva 2013, pp. 67) 17
(Silva, 2013, pag. 72)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
15
Neste cenário, motivada pelas críticas internacionais contra o comércio do ópio,
no ano de 1909, o governo dos EUA decidiu convocar uma conferência onde
participaram treze países considerados potências da época, nomeadamente,
China, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Japão, Países Baixos, Pérsia
(actual Irão), Portugal, Rússia e Sião (atual Tailândia). A convenção
Internacional do Ópio viria a ser assinada em Haia no dia 23 de Janeiro de 1912,
dando origem assim, ao primeiro Tratado Internacional de Controlo de Drogas.18
A convenção definia ópio bruto como sendo “o suco coagulado obtido
espontaneamente a partir das cápsulas do “Papaver somniferum”, que foi
submetido às manipulações necessárias para serem embalados e transportados.
E por derivados do ópio, o produto de ópio cru obtido por uma série de
operações especiais, principalmente por dissolução, ebulição, queimado ou
fermentado, concebidos para transformar o ópio e adequá-lo ao consumo.
O referido Tratado diferenciava o ópio utilizado pela medicina e já apontava a
cocaína como sendo uma droga. Segundo a convenção, os Estados
contratantes comprometiam-se a envidar todos os esforços para controlar ou
fazer controlar todos os tipos de fabricação, importação, venda, distribuição e
exportação de morfina, cocaína e de seus respetivos sais..."19,
No ano de 1915, a convenção entrou em vigor nos Estados Unidos, Países
Baixos, China, Honduras, Noruega e a nível mundial em 1919, quando foi
incorporada ao Tratado de Versalhes.
Dez anos depois, no dia 19 de Fevereiro de 1925, em Genebra foi assinada a
revisão da Convenção Internacional do Ópio, entrando em vigor em 25 de
Setembro de 1928, tendo sido registada na “Liga das Nações”20 no mesmo dia.
Entretanto sob proposta do Egipto, apoiada pela China e pelos EUA, o novo
18
(Hamid Ghodse, 2011) 19
V. as definições da referida Convenção 20
Liga das acções ou Sociedade das Nações era o nome de uma organização internacional criada em 1919 e autodissolvida em 1946, e que tinha como objetivo reunir todas as nações da Terra e, através da mediação e arbitragem entre as mesmas numa organização, manter a paz e a ordem no mundo inteiro, evitando assim conflitos desastrosos como o da guerra que recentemente devastara a Europa.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
16
tratado introduziu a droga cannabis na lista das drogas proibidas e proibiu a sua
exportação.
A Primeira Conferência de Genebra sobre Drogas realizou-se em 1924, com o
objetivo de considerar medidas para a supressão do uso do ópio no Extremo
Oriente. A decisão foi de abolir as concessões para o comércio de ópio,
passando os governos a assumir o controlo por meio de um sistema de licenças
e proibição de reexportação. Entre os 41 participantes na Conferência de 1925,
incluíram-se pela primeira vez alguns países latino-americanos e caribenhos,
nomeadamente Brasil, Bolívia, Chile, Cuba, Nicarágua, República Dominicana,
Uruguai e Venezuela.
Perante o novo tratado, o uso de cânhamo indiano e a preparação de produtos
derivados só poderiam ser autorizados para fins médicos e científicos. No
entanto, a resina crua que é extraída dos exemplares femininos da cannabis
sativa juntamente com as diversas preparações obtidas a partir dela (haxixe,
chira, esrar, diamba, etc), que não são utilizadas para fins médicos, mas sim
para fins prejudiciais, da mesma forma, não podem ser produzidas, vendidas,
comercializadas em qualquer hipótese, como acontece com outros narcóticos.
A ideia da proibição da Cannabis não foi aceite por muitos países, provocando
uma reação negativa por parte da India, Holanda e outros, alegando costumes
religiosos, sociais e culturais, pelo que, esta disposição não entrou no tratado
final.
No entanto, os países comprometeram-se em proibir a exportação do cânhamo
indiano para países que tenham proibido a sua utilização e exigiram que países
importadores emitissem certificados para aprovar a importação. Afirmaram
igualmente, que a transferência era necessária exclusivamente para fins
médicos ou científicos. Ainda nesta perspetiva, foi também imposta que as
partes passassem a exercer um controlo mais efetivo de modo a impedir o
tráfico internacional ilícito do cânhamo indiano e principalmente da sua resina.
Acrescentou-se ainda, um sistema de controlo estatístico supervisionado pelo
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
17
Conselho Central Permanente do Ópio, um órgão da Liga das Nações, conforme
o capítulo VI, artigo 19 do presente regulamento. 21
Esses marcos importantes serviram de bases para que no ano de 1961, visando
uniformizar as leis de repressão contra as drogas ilícitas fosse criada pela ONU,
a Convenção Única sobre Narcóticos de 1961. Posteriormente, com o
incremento do tráfico de drogas a nível internacional, a Convenção foi emendada
pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971,
e na década de 80, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de
Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 198322.
Contudo, perante essa realidade e a progressiva consciencialização dos povos
de que as drogas constituíam um grave problema de saúde pública quando
indevidamente manuseadas, o seu comércio e consumo passam a ser tipificados
como crime numa grande parte das legislações nacionais, seguindo as diretrizes
da Organização das Nações Unidas, de acordo com as Convenções contra o
tráfico de estupefacientes aprovados até aquela data.
Contrariando as autoridades e os anseios das organizações internacionais, o
tráfico de drogas passa a ser feito ilicitamente por fações criminosas de âmbito
internacional/transnacional, gerando lucros avultados que posteriormente são
empregues na prática de crimes conexos, tais como, lavagem de capital,
corrupção e terrorismo, ameaçando dessa forma a soberania de alguns Estados
menos preparados para combater as poderosas redes criminosas
transnacionais.
2.3. A importância do combate ao tráfico de drogas pela via marítima
Já nos meados do século XIX, o mundo se encontrava numa situação crítica
marcada pelas duas guerras do ópio. Nessa época, a civilização chinesa vivia na
prática os graves problemas de saúde pública, porém ignorada por algumas
potências mundiais. A droga era vista de forma positiva pelos colonizadores e
21
Aspectos da referida Convenção de 1925 sobre drogas; 22
(Hamid Ghodse, 2011)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
18
posicionava-se como uma atividade altamente rentável, pelo que não havia
interesse em combatê-la.
Nos finais desse século, perante tantas dificuldades encontradas em lidar com
os consumidores de drogas, principalmente nos EUA e na China, várias foram
as organizações não-governamentais que traçaram como meta promover o bem-
estar social e a prosperidade das populações. Começaram a fazer pressões aos
líderes mundiais no sentido de melhor controlar a circulação de drogas. Todavia
o esforço foi recompensado, primeiro em Xangai (em 1909), depois em Haia (em
1912), na definição da proteção de indivíduos e comunidades contra a
dependência e o abuso de drogas como prioridade, 23.
Nessa fase o comércio e o abuso de drogas, nomeadamente, cannabis, cocaína,
heroína e seus derivados, eram feitos de forma legal e generalizada. Nos EUA,
por exemplo, o consumo de drogas destinadas a fins não médicos girava à volta
dos 90%. Por seu lado, no início do século XX, na China a quantidade de
opiáceos consumidos por ano rondava à volta de 3.000 toneladas de morfina e
seus derivados, número significativamente maior do que o consumo global cem
anos depois24.
Por outro lado, complicando ainda mais essa luta, a globalização facilitou o
tráfico ilegal dessas substâncias e com o agravar da crise internacional na
década de 80, vários países viram as exportações de bens e serviços diminuir,
tornando ainda mais difícil combater o narcotráfico.
Perante tal situação, o tráfico internacional de drogas aumentou atingindo uma
cifra anual superior a US$ 500 bilhões25, valor superior ao que gira em torno do
comércio do petróleo. No mundo o montante de dinheiro envolvido com o
narcotráfico é superado apenas pelo tráfico de armamento. Esses valores são
muitas vezes aplicados na prática de outros crimes, nomeadamente, corrupção,
lavagem de capital e terrorismo.
23
(FKB, 2014) 24
(Hamid Ghodse, 2011) 25
(ADUSP, 1996)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
19
Outro aspeto que desperta atenção, é o facto de em torno de 80% da população
mundial ter pouco ou nenhum acesso a substâncias controladas.26 Isso
demonstra que existem muitas pessoas doentes à espera de medicamentos e
muitas outras com a saúde em degradação, abusando dessas substâncias.
Na década de 80, com o agravar da situação surge o termo “Narco Estado” para
caracterizar os países onde as estruturas socias se encontram fortemente
influenciadas pelo poder dos traficantes de drogas.
Com o intuito de contrariar a estratégia dos traficantes, a maneira mais eficaz,
apontada pelos membros da ONU trata-se da cooperação internacional e do
multilateralismo confirmado pela ideia de que “o sistema internacional de
controlo de drogas é um valioso exemplo de como o multilateralismo pode ter
sucesso na conquista de benefícios à humanidade, na prevenção do abuso de
drogas, bem como dos danos causados pelo abuso, enquanto asseguram a
disponibilidade adequada de drogas para propósitos médicos e científicos,
incluindo o tratamento de dores e doenças mentais”27.
Perante tantas divergências económicas, politicas e culturais, as Nações Unidas
sentiram que o caminho da repressão do tráfico de ilícito de drogas a nível
internacional só poderia ser possível através da cooperação Internacional, pelo
que, consagrou no art. 108º da CNUDM, o dever de cooperação entre os
Estados para a repressão do tráfico ilícito de drogas. Nesse sentido, os
instrumentos mais importantes na repressão do tráfico internacional de drogas
ilícitas a nível marítimo são os seguintes: a Convenção Única sobre Narcóticos
de 1961, emendada pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias
Psicotrópicas de 1971; e a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito
de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 198828.
Com o controlo mais exaustivo e eficaz dos aeroportos e fronteiras terrestres, o
mar aparece como a via mais viável para fazer o transporte internacional dessas
26
(Hamid Ghodse, 2011) 27
(Hamid Ghodse, 2011) 28
Essas convenções desfrutam de uma adesão quase universal, demonstrando a confiança dos Governos entre si e no sistema internacional de controlo de drogas.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
20
substâncias ilícitas, pelo facto de existirem extensas costas desprotegidas, áreas
marítimas de difícil controlo, tais como o Mar territorial, a Zona Económica
Exclusiva, o Alto Mar e as próprias costas isoladas e distantes dos centros
urbanos. Por outro lado, permite o transporte de maiores quantidades de drogas
ilícitas, resultando num negócio mais rentável.
Em relação a Cabo Verde, a comunidade Internacional classifica-o como sendo
um país de trânsito de produtos estupefacientes, principalmente, a cocaína
proveniente de alguns países da América do Sul, mais concretamente Brasil,
com destino à Europa29. Como prova, citamos o célebre caso “Lancha Voadora”
ocorrido em Outubro de 2011 e desmantelado pela Polícia Judiciária de Cabo
Verde em cooperação com as homólogas espanholas e holandesas.
No entanto é de extrema importância referir que segundo o relatório sobre
drogas da ONUDC, lançado no dia 26 de Junho do ano 2012, cerca de 50 % da
droga traficada na África Ocidental, incluindo Cabo Verde permanece na região.
Segundo o Ministro da Justiça de Cabo Verde, José Carlos Correia, “Já começa
a ser quase que banal os jovens consumirem canábis na rua e passarem o taco
um ao outro”30 ou seja, internamente, o país não é visto apenas como se
tratando de um local de trânsito, mesmo porque segundo o referido relatório, o
consumo de cannabis na África Ocidental é superior à média mundial. Ainda
segundo o mesmo relatório, as drogas mais usadas são a cannabis seguida das
anfetaminas e depois da heroína e Cabo Verde está incluído na lista dos países
africanos onde se consomem drogas sintéticas.
Ciente dos malefícios que o consumo dessas substâncias causam às
sociedades e das fragilidades que os seus dividendos possam causar aos
Estados, como referido anteriormente, foi publicada a 12 de Julho de 1993, a lei
da Droga nº 78/IV/93, parametrizada nas Convenções internacionais de
repressão ao tráfico ilegal de produtos estupefacientes e substâncias
psicotrópicas das Nações Unidas.
29
Relatório da ONUDC, sobre tráfico de drogas, 2012. 30
(Santos, 2012)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
21
3. DIREITO INTERNACIONAL - NORMATIVA E FONTES
O direito Internacional31 é uma área do direito, constituída por várias
subdivisões, correspondendo a um incessante desejo de especialização, pelo
que, ao longo dos anos à medida que o homem evolui no sentido de aproximar
os cidadãos dos diferentes Estados, são variadas as ramificações que se vão
brotando dentro do próprio Direito Internacional.
Anteriormente, utilizou-se a expressão “ius gentium”, ou seja, “Direito das
Gentes”.32 Contudo, atualmente, a maioria dos Estados utiliza o termo “Direito
Internacional” e por conseguinte as sociedades mais evoluídas no estudo do
tema e cujas línguas são faladas mundialmente, constata-se a adoção das
seguintes expressões: “Droit International” na língua francesa, na língua italiana,
“Diritto Internacionale” e “Derecho Internacional” em Espanha. Dessas línguas,
apenas a Alemanha utiliza um termo diferente, “Volkerrecht”. 33
Todavia, durante muito tempo, no século XIX e meados do século XX, referiu-se
ao Direito Internacional, principalmente, tratando-se de dois extremos, de um
lado o direito à Guerra (ius bellum) e do outro o Direito à Paz (o ius pacis)34.
Essas subdivisões, do direito Internacional, perderam sentido, a partir do
momento em que se proibiu o uso da força no contexto internacional.
Infelizmente, foi preciso muito sofrimento da população mundial, para que os
líderes mundiais tomassem a consciência da necessidade de ter um Direito
Internacional bem definido, protegendo os interesses dos Estados e também os
direitos humanos a nível mundial.
31
O fundador da expressão Direito Internacional trata-se do Hugo Grócio, tendo usado essa expressão pela primeira vez no ano 1625 aquando da publicação do livro titulado como “De lure Belli ac Pacis” cfr. Armando M. Marques Guedes, Direito…, p.13; a terminologia consagrou-se com a sua utilização, pelo filosofo britânico Jeremy Bentham, que publicou em 1780 um livro, sob título “An Introduction to the principles of Moral and Legislation”, contendo a expressão Internacional law, cfr. Lembrança de Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet, Droit…, p.35. ref. (Gouveia, 2008) 32
(Oliveira, 1996), pag. 44, em Roma: direito que regulava as relações entre estrangeiros e as relações mistas; actualmente: sinónimo de direito internacional 33
(Gouveia, 2008) 34
(Gouveia, 2008)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
22
O Direito internacional adquiriu maior relevância com o surgimento das
organizações Supranacionais, que são estruturas dos Estados com poderes
mais amplos e dotados de mecanismos de subordinação da vontade dos
Estados, como a decisão por maioria e não por unanimidade, ou incorporação
automática das normas estaduais35. Citamos o caso do Fundo Monetário
Internacional (FMI), Organização das Nações Unidas (ONU), Organização
Mundial do Comércio (OMC) e, mais recentemente, o Tribunal Penal
Internacional (TPI), que assumiram um papel de destaque na chamada política
internacional.
É de frisar, que o desenvolvimento tecnológico permitiu ao homem explorar
zonas distantes dos limites de soberania estatais, trazendo novos desafios aos
juristas, motivando-os para a realização de estudos e a criação de novas leis
com vista a regulamentar a circulação de pessoas e bens, e a exploração dos
espaços marítimos, de forma a proteger os bens comuns da humanidade, como
por exemplo, os fundos marinhos e o alto mar, baseando-se nos princípios da
Soberania, cooperação e solidariedade internacional, ou seja, “O Direito
Internacional público além de regular relações entre Estados soberanos, passou
igualmente a preocupar-se com muito mais: com a solidariedade e a justiça
social entre Homens e Povos36.”
Nesse sentido o Direito Internacional Público pode ser entendido como “o
conjunto de normas jurídicas que regulam as relações mútuas dos Estados e,
subsidiariamente, as das demais pessoas internacionais, como determinadas
Organizações, e dos indivíduos”37ou ainda, “o ramo do direito constituído pelo
sistema de normas jurídicas que se aplicam a todos os membros da
Comunidade Internacional, para regular os assuntos específicos desta, a fim de
garantir os fins próprios da Comunidade nas matérias da sua competência.”38
A conceção dualista aponta o direito internacional como sendo um sistema de
normas jurídicas vinculantes que se encontram em vigor ao lado das normas do
Direito Estadual, com a responsabilidade de dar a conhecer o motivo que as
normas do Direito Internacional vinculam o Estado particular, que constitui o 35
(Gouveia, 2008) 36
Cfr. Fausto de Quadro citado em (Gouveia, 2008); pag. 113. 37
(Hildebrando, 2000) 38
(Amaral, 2004), pag. 219
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
23
fundamento da sua validade, partindo assim, daquilo que eles pressupõem ser a
ordem jurídica estadual.39
De entre as matérias regidas pelo Direito Internacional, cita-se os seguintes
exemplos: à proteção dos direitos humanos, com destaque para o direito
internacional criminal, a cooperação científica, tecnológica e a cooperação
jurídica entre todos os países do mundo, o regime jurídico do Alto-mar, e noutro
plano particular, destaca-se a cooperação bilateral ou regional para a solução de
problemas comuns e transfronteiriços relacionados com o tráfico de drogas.
Uma coisa é certa, o Direito Internacional só tem validade num Estado quando
ancorado na ordem jurídica desse Estado. Nesse entendimento, o Direito
internacional apenas vigora em relação a um Estado quando seja reconhecido
por este como vinculante, e seja reconhecido tal como é configurado pelo
costume no momento desse reconhecimento. Esse reconhecimento deve estar
consagrado no ato de legislação ou do governo, ou tacitamente pela efetiva
aplicação das normas do Direito internacional, pela conclusão de convenções
internacionais, pelo respeito das imunidades estatuídas pelo Direito
internacional, etc. Como, de facto, todos os Estados assim procedem, o Direito
internacional encontra-se efetivamente em vigor em relação a todos os Estados.
Nesse sentido, a maioria dos Estados procedem dessa forma e no caso de Cabo
Verde, é o preceituado no artigo 12º, nº2 da Constituição da República, quem dá
a essa disposição força legal e a capacidade de fazerem parte integrante da
nossa ordem jurídica, citando mesmo: “Os tratados e acordos internacionais,
validamente aprovados ou ratificados, vigoram na ordem jurídica cabo-verdiana
após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional
e enquanto vincularem internacionalmente o Estado de Cabo Verde”.
Nessa mesma linha de ideia, no ponto 4 do mesmo artigo, entende-se que a
Constituição da República de Cabo Verde “submete-se” às convenções
internacionais, quando diz que “As normas e os princípios do Direito
Internacional geral ou comum e do Direito Internacional convencional
39
(Bastos, 1998, p. 79)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
24
validamente aprovados ou ratificados têm prevalência, após a sua entrada em
vigor na ordem jurídica nacional e interna, sobre todos os atos legislativos e
normativos internos de valor infraconstitucional”.
Outro aspeto relevante, que mais à frente será dado a devida atenção, se trata
da importância do Direito Internacional Privado na esfera do Direito Internacional
Público, pelo que, evocamos desde agora a antiga premissa, ensinada pelo
jurisconsulto Ulpinano: “publicum jus est quod ad statum rei romanae spectact;
privatium, quod ad singulorum utilitatem pertinet”40
Por outras palavras, o primeiro trata das relações jurídicas (direitos e deveres)
entre Estados, ao passo que o segundo trata da aplicação de leis civis,
comerciais ou penais de um Estado sobre particulares (pessoas físicas ou
jurídicas) de outro Estado.
3.1. Fontes de Direito Internacional
Primeiramente, pretende-se entender o significado da palavra “fonte” que pode
significar: princípio, a sua verdadeira origem, facto ou lugar de onde brota algo, o
texto original de uma obra, raiz ou influência, procedência41.
Ciente de que o Direito é um sistema de normas e aliadas a essas ideias,
entende-se por fonte de direito, os factos que dão origem às normas jurídicas,
neste caso normas jurídicas marítimas, bem como as causas que as produzem
ou as influências que moldam o seu conteúdo. 42
Segundo a conceção objetivista, existem dois tipos de fontes, as fontes criadoras
e fontes materiais. Sendo as primeiras, integradas por elementos extrajurídicos
que podem ser, conforme o ângulo enfatizado, a opinião pública, a consciência
40
O direito público é aquele que respeita à República Romana; O direito privado é o que importa à utilidade dos particulares”. Definição constante do digesto (D., 1,1,1,2), conforme (Amaral, 2004) 41
Ver Dicionarios impressos publicados por Porto editora e publicações on line em http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/fonte 42
Caso se queira esclarecer mais factos acerca das fontes, recomenda-se a leitura de (Amaral, 2004), cfr. Bibliografia apontada.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
25
coletiva, a noção de justiça, a solidariedade e o sentido de interdependência
social, entre outros, desfrutam de maior importância, ao passo que as segundas
apenas se limitam a expressá-las do ponto de vista formal.43
O facto de as fontes poderem ter vários sentidos (formal, material, documental,
orgânico, sociológico) e várias divergências no seu entendimento por parte dos
internacionalistas, leva-nos a concentrar nas fontes conforme o Estatuto da
Corte Internacional de Justiça de 16 de Setembro de 1920.
a) As convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que
estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados
litigantes;
b) O costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita
como Direito;
c) Os princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações “civilizadas”;
d) As decisões judiciais e a doutrina dos publicistas de maior competência
das distintas nações, como meio auxiliar para a determinação das regras
de Direito, sem prejuízo do disposto no art. 59º.
O ECIJ não determina a hierarquia das fontes de Direito Internacional e a mera
ordem em que essas fontes aparecem no texto do artigo 38º, não define a
primazia entre elas.
3.2. O Direito Internacional Privado
O Direito Internacional Privado é constituído por normas que definem qual o
direito a ser aplicado a uma relação jurídica com conexão internacional, servindo
de elementos de conexão para solucionar os conflitos de leis no espaço. Tendo
como objeto o Direito Internacional, refere às relações jurídicas que transcendem
as fronteiras nacionais e tem como um dos principais objetivos a harmonização
das decisões dos Tribunais de cada país, com o direito de outros países que se
encontrem conectados por intermédio das relações internacionais.
43
(Junior, 2008)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
26
A melhor forma de solucionar a lei e o tribunal competente para julgar esses
factos é recorrendo aos elementos de conexão, que podem ser reais, pessoais
ou institucionais, sendo certo que, os elementos reais se referem a situação da
coisa, lex rei sitae44; o lugar da ocorrência do facto, lex loci delicti; a lei da
celebração do contrato, lex loxi contratus. Os elementos pessoais, estão
relacionados com a nacionalidade da pessoa física, lex patriae; lei do domicílio,
lex domicilii; lei de escolha dos contratantes, lex voluntatis, enquanto que os
elementos Institucionais, referem-se ao pavilhão ou matrícula da aeronave ou
navio; o foro (lex fori) neste caso, se trata do lugar que conhece o caso.
A doutrina francesa indica os elementos de conexão de maneira diferente,
classificando-os em estatuto pessoal e estatuto real. Sendo o primeiro regido
pela lei nacional e o segundo pela lei da situação dos bens, e os factos e atos
jurídicos são regidos pela lei do local da sua ocorrência.
De acordo com os presentes interesses, quanto ao ordenamento terrestre, o
Direito Internacional subdivide-se em três áreas; Direito Internacional Marítimo,
Direito Internacional do Espaço aéreo45 e Direito Internacional do Espaço
Exterior46, todavia, serão aqui abordados apenas os aspetos respeitantes ao
Direito Marítimo relevantes para o tráfico de drogas internacional.
3.3. Direito Penal Internacional
Antigamente não era possível punir, legalmente, indivíduos que cometiam crimes
de âmbito internacional, porém com o evoluir dos tempos, no sec. XIX puniam-se
apenas os crimes de guerra, embora outros autores apontam a sua origem como
sendo derivado de atos de pirataria.
Contudo ressalva-se, uma vez mais, o impacto do sector marítimo na esfera do
Direito Internacional, sendo que, outros autores apontam a sua origem na
necessidade de punir os actos de pirataria praticados em alto mar, sabendo que,
44
(Oliveira, 1996) e todas as outras expressões latinas referidas no mesmo parágrafo. 45
Sobre essa matéria consultar Adriano Moreira, Direito…, pp. 119 e 120, citado por (Gouveia, 2008) 46
(Oliveira, 1996)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
27
a prática da pirataria precede à construção do Direito Internacional Penal, mas
seus elementos constitutivos são outros47.
O direito Penal “é o ramo do direito público constituído pelo sistema de normas
jurídicas que qualificam os factos ilícitos de maior gravidade social como crimes
e estabelece as penas tidas por adequadas.”48 Contudo por muito tempo, não
existia a responsabilização individual internacional, pelo que, os Estados
afiguravam-se como responsáveis pelos crimes internacionais cometidos por
seus nacionais e pese embora tenha surgido alguns tratados reconhecendo a
existência desses crimes, onde se destaca a Convenção de Genebra em 1864, a
Declaração de São Petersburgo em 1868, a Declaração de Bruxelas em 1874 e
as duas Convenções de Paz em Haia de 1899 e 1907 respetivamente, essas
visavam essencialmente à prevenção da guerra, à disciplina da condução de
hostilidades, entre outros.
Na ótica da responsabilidade, a melhor forma de garantir o respeito pelo Direito
Internacional é a da responsabilidade penal internacional, tratando de punir os
indivíduos que tenham infringido os mais altos valores protegidos pelo direito
internacional49.
Até antes da segunda guerra mundial, uma das maiores dificuldades
encontradas na aplicação do Direito Penal Internacional era o facto de não existir
um texto codificando os crimes internacionais.
Sendo assim, logo após essa segunda guerra, deu-se início a uma corrida no
sentido de codificar o Direito internacional com a criação de uma serie de
convenções, tais como:
Convenção para a Repressão do Genocídio, de 9 de Dezembro de 1948; 4ª
Convenção de Genebra, de 12 de Agosto de 1949; a Convenção sobre a
Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, de
26 de Novembro de 196850 e a Convenção sobre Crime e apartheid de 30 de
Setembro de 1973.
47
(Lima, et al., 2006) 48
(Amaral, 2004), pag 273 49
(Gouveia, 2008)pag. 801 50
Embora já a carta de londres estabelecesse a cláusula, cfr. O texto em Jorge Miranda, Direitos do Homem – textos…, pag. 83 e ss.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
28
Nesse sentido, os acontecimentos horrendos ocorridos em Ruanda, Burundi51
ex-Jugoslávia52 e Serra Leoa53 motivaram a criação de três tribunais
internacionais específicos para julgar os crimes cometidos nesses países. A
criação dos referidos tribunais “ad hoc”, motivou as organizações internacionais
no sentido de efetivarem a responsabilidade penal internacional.
O passo mais marcante para o Direito Internacional, ocorreu em 17 de Julho de
1998, em Roma, aquando da criação do TPI, no âmbito do ERTPI, assinado em
Roma, embora tenha sido discutido anteriormente no ano de1949 em Genebra.
Foi a partir daquela data, que a justiça internacional passou a ter um órgão
permanente e independente para julgar os crimes de âmbito internacional. Este
tribunal é de reconhecida idoneidade e competência, primeiro porque funciona
sem interrupção, e segundo, pelo facto de basear-se no acordo da vontade da
generalidade das partes, delimitado pelos princípios da ONU e não da vontade
de um único Estado.
De acordo com o ERTPI, o referido tribunal tem sede em Haia, Países Baixos e
possui capacidade jurídica internacional necessária ao desempenho das funções
e prossecução dos seus objectivos, podendo exercer esses poderes no território
de qualquer Estado parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro
Estado, conforme art. 3º e 4º do ERTPI.
O referido tribunal tem competência para julgar os crimes mais graves que
afetam a comunidade internacional, nomeadamente, o crime de genocídio,
crimes contra a humanidade, crime de guerra e crime de agressão conforme
previsto no artigo 6º e seguintes, do mesmo estatuto.
51
Res nº 827, de 22 de Maio de 1993, para a ex-Jugoslávia, alterado posteriormente. 52
Res. Nº 955, de 8 de Novembro de 1994, para o Ruanda, alterado posteriormente; 53
Tratado entre a ONU e a Serra Leoa, de 16 de Janeiro de 2002, na sequência da res. 1315, de 14 de Agosto de 2000. Segundo José de Matos Correia, Tribunais Penais…,pag 45 e ss, “o tribunal para serra Leoa deve ser considerado como um tribunal internacionalizado, mas como um tribunal sui generis”.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
29
3.3.1. Princípios Processuais Do Direito Internacional Penal54
O TPI orienta-se segundo alguns princípios conforme o seu próprio estatuto,
pelo que importa referir:
a) O princípio da legalidade, na medida em que tipifica os actos que lhe
compete julgar, constituindo uma espécie de código penal
internacional, cfr. Artigo 6º e ss.
b) O princípio do “ne bis in idem”, ou seja, ninguém deverá ser julgado
duas vezes pela prática do mesmo crime, caso já tenha sido julgado,
pela prática de um crime, em qualquer lugar, condenado e cumprido a
sua pena, ele não poderá ser julgado pela prática do mesmo crime, cfr.
Art. 20º.
c) O princípio da responsabilidade penal individual, baseando-se nesse
princípio, o TPI tem competência para julgar pessoas singulares pel
prática dos crimes do género, vide o artigo 25º. O artigo deixa claro
que, para além de ser punido a pessoa que cometer o crime será
punido ainda a pessoa que, ordenar, instigar ou provocar a prática
desse crime, sendo certo que a tentativa também é punida.
d) Princípio da complementaridade e jurisdição universal, tem como
objectivo pressionar os Estados a investigar e julgar certos indivíduos
que podem colocar em perigo a humanidade. Convém realçar que o
TPI não substitui os tribunais, mas actua de forma subsidiária em
relação aos tribunais nacionais. Com base nesses princípios, o TPI
tem competência para intervir nos casos em que um Estado, detentor
do processo, mostra ser incapaz de julgar determinado crime ou
indivíduo.
O TPI averigua as fases em que se encontra a instrução do mesmo, podendo
por sua decisão fazer o julgamento do caso. Também, caso o TPI constata que
54
Sobre esse ponto Ver Estatuto do Tribunal Penal Internacional, ainda (Machado, 2006, pp. 424) e (Gouveia, 2008, pp. 853)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
30
existe morosidade ou falta de vontade em levar o processo avante por parte do
tribunal que possui o processo ele pode intervir, julgando o indivíduo ou
indivíduos.
O tribunal em questão pretende desta forma garantir à comunidade
internacional, que no caso de serem cometidos crimes típicos do direito
internacional estes serão punidos, primeiramente, no Estado onde foram
cometidos, ou onde o indivíduo se encontra, caso contrário o próprio TPI o pode
fazer.
e) Princípio da irretroatividade e imprescritibilidade, de acordo com o
ERTPI, a lei não retroage no tempo, ou seja, nenhuma pessoa será
considerada criminalmente responsável, de acordo com o presente
Estatuto, por uma conduta anterior à entrada em vigor do presente
Estatuto. Se o direito aplicável a um caso for modificado antes de
proferida sentença definitiva, aplicar-se-á o direito mais favorável à
pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada, vide art. 24 do
ETPI. Todavia, ela não prescreve no tempo, conforme o artigo 29º do
presente estatuto.
f) Princípio da irrelevância da função oficial, responsabilidade de
comandantes e superiores hierárquicos, dessa maneira, o TPI
demonstra que ninguém que cometa crimes internacionais estará fora
do alcance das suas normas, mesmo tratando-se de oficiais das forças
armadas ou membros do governo, vide artigos 27º e 28º.
Porém, é importante frisar que o crime de Tráfico Ilícito de Estupefacientes e
Substâncias Psicotrópicas não foi contemplado no referido estatuto, tendo a sua
convenção própria, pelo que, segundo a CNUDM, todos os Estados devem
cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias
psicotrópicas praticado por navios em alto mar, com violação das convenções
internacionais. Assim, entende-se que o combate ao tráfico de estupefacientes
deve ser feito recorrendo aos mecanismos da cooperação internacional.55
55
Segundo o art. 5º do ERTPI, o tribunal tem competência apenas para os crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e alguns crimes de agressão em conformidade com o estatuto.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
31
3.4. Direito Internacional Marítimo
O Direito Internacional Marítimo trata-se de uma das subdivisões do Direito
Internacional Público, facto que foi ressalvado por autores antigos há centenas
de anos, mais concretamente a partir do momento em que o homem começou a
ter a noção da importância do mar como fonte de recursos naturais de grande
valor para a vida humana. O autor Hugo Grócio, Fundador da Ciência do Direito
Internacional, na sua obra “De lure Belli ac Pacis”, propugnada no ano 1625,
salientou o facto de ser necessário regulamentar a guerra, de modo a evitá-la,
afirmando, também, que o mar é um bem comum, não sendo possível a sua
apropriação privada56.
Nesse contexto, convém ainda relembrar que o mesmo autor propugnou a tese
do “Mare liberum” onde apresentou argumentos a favor da liberdade de
navegação nos mares descobertos ou seja no alto mar.
Pretende-se referir que o Direito Marítimo trata “do conjunto de normas jurídicas
que regulamenta, toda e qualquer atividade, originada da utilização dos bens e
meios para navegação, e da exploração do mar e das águas interiores, seja qual
for a sua finalidade e objetivo, em todo seu potencial, e realize-se em superfície
ou submersa.”
Convém, desde já dissipar algumas dúvidas que possam existir nas expressões,
Direito Marítimo e Direito do Mar, na medida em que, são dois ramos do direito
muito próximos e com alguma semelhança de expressão, porém na sua
essência, não tratam da mesma matéria.
René Rodiere, citado por Januário da Rocha Nascimento, considera o Direito do
Mar como o conjunto de regras relativas ao estudo dos espaços marítimos,
enquanto o Direito Marítimo é constituído por regras relativas às condições de
utilização desses espaços. No entanto, o presente estudo só incidirá em
aspectos jurídicos relacionados com o Direito do Mar e relacionados com o
56
(Gutter, 2011)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
32
tráfico ilícito de drogas. Importa salientar, ainda que, para esclarecer os trâmites
legais dos espaços marítimos seguiremos os preceitos estabelecidos na
Convenção das Nações Unidas para o Direito Marítimo de 198257.
Com base na presente convenção, serão referidas as questões jurídicas mais
importantes para o presente estudo, incidindo nos aspetos que poderão estar
relacionados com a repressão do tráfico ilícito de drogas a nível marítimo.
O Direito do Mar consagra o equilíbrio do exercício do princípio da liberdade dos
mares, com o do respeito à soberania nacional. Um dos grandes desafios da
humanidade é conseguir orientar as Nações para o desenvolvimento do
comércio e indústria realizados pelo mar.
Convém relembrar que no ano de 1948, a ONU, perante as várias dificuldades
que os Estados vinham se deparando, com a incrementação dos transportes
marítimos, criou-se a International Maritime Organization, na altura ainda com o
nome de Organização Consultiva Intergovernamental Marítima e em 1982
mudaria o seu nome para IMO com o objetivo de instaurar um sistema de
colaboração entre Estados referentes a questões técnicas que interessam à
navegação internacional, bem como encorajar a adoção geral de normas
relativas à segurança marítima e à eficácia da navegação.58 Contudo, não
podemos falar desta matéria sem referir as Convenções de Genebra de 1958 e
de Montego Bay, (United Nations Convention on the Law of the Sea) Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982.
57
De acordo com a definição vertida no international Maritime Law, (IML) constitui o sistema de regras que os Estados civilizados acordam entre eles, relativas a assuntos e negócios relacionados com o mar, navios, tripulações e questões marítimas de inscrições e propriedades. A IML divide-se no sector público e privado. 58
(Fonseca, 1989)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
33
3.4.1. O Direito Penal Marítimo
Como vimos anteriormente, o Direito Marítimo é um ramo do Direito
Internacional com as suas características próprias, pelo que se enquadra nos
princípios do direito penal internacional, acrescentando os princípios derivados
da sua própria natureza e da essência das várias atividades exploradas pelo
homem, dentre as quais destacam-se, o princípio de matrícula, o de pavilhão, a
passagem inofensiva e a liberdade dos mares.
Assim sendo, o Direito do Mar trata-se do “conjunto das normas legais que
visam reger o uso do mar, atuando na prevenção e na solução dos conflitos
surgidos no uso deste”.59 Nesse sentido, surge o estudo das normas jurídicas
que definem os crimes relacionados com o mar e a navegação, este particular
sistema jurídico constitui o Direito Penal Marítimo, sendo necessária fazer a
diferença entre crimes e infrações administrativas.
A doutrina clássica prefere incluir no direito marítimo as normas sobre a
navegação em dois subconjuntos, um público e outro privado. As normas que
dispõem sobre comércio e indústria da navegação são de natureza privada e
regulada por Códigos Comerciais e legislações especiais.
Por outro lado, são de natureza pública, as normas que regulam o tráfego
marítimo e a segurança das embarcações e das pessoas, que sofre forte
influência dos tratados internacionais, logo, são os tipificados como crimes
conforme a Convenção para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da
navegação marítima, realizado em Roma, aos 10 de Março do ano 1988.
Portanto, convém referir que, por crimes entendem-se, os actos tipificados como
tal, regulados, por exemplo, conforme o artigo 51º do Código Penal de Cabo
Verde e são puníveis com pena de prisão ou ainda com as medidas de
segurança aplicadas aos inimputáveis, baseando-se no artigo 89º do Código de
Processo Civil de Cabo Verde e, são julgados pelos juízes dos tribunais penais.
59
(Jo, Hee Moon 2000), pag. 513.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
34
No caso de tráfico de drogas, a atividade é tipificada como crime através da lei
especial nº 78/IV/93 de 12 de Julho.
Todavia, refere-se ainda que, “ o Direito de Mera Ordenação é composto
pelo sistema de normas jurídicas que qualificam certos factos ilícitos de menor
gravidade social, como contra-ordenações, e para elas estabelecem sanções
denominadas “coimas” (isto é, multas em dinheiro). 60
Por seu lado, as infrações administrativas estão consagradas no âmbito
do Direito Administrativo Marítimo. O direito administrativo “é o ramo do direito
público constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização
e o funcionamento dos órgãos do poder executivo do Estado, bem como dos
entes públicos menores, e que asseguram a proteção dos particulares face à
administração Pública e desta perante aqueles”61
O Tribunal Marítimo é o órgão da administração pública competente para
julgar comportamentos tipificados como infrações marítimas. No caso de Cabo
Verde as infrações marítimas estão consagradas no CMCV, no livro XII artigos
811º e seguintes. As sanções administrativas são impostas pela própria
administração marítima, conforme o artigo 812º, ponto 2, do presente
regulamento.
A competência para a instrução dos processos de contra-ordenação
marítima pertence às administrações marítimas locais onde ocorreu o facto
ilícito. No caso de o facto ocorrer em alto-mar, a instrução do processo caberá a
administração local do porto de registo ou do primeiro porto nacional de escala.
Porém existe a possibilidade de recurso consoante o artigo 819º do CMCV.
Nos casos em que o facto tratar de infração administrativo e crime, rege-
se princípio non bis in idem e só se pode julgar o indivíduo pela prática do crime,
demonstrado no artigo 820º do CMCV.
Segundo a jurisprudência espanhola, se pode aplicar este princípio
quando se tem três identidades: identidade do sujeito, identidade do facto e
identidade de fundamento ou bem jurídico. 60
(Amaral, 2004), pag 277 e ss 61
(Afonso, 1976), pag 167 e ss
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
35
A título de exemplo, um ato de poluição efetuado por um navio, pensemos
num caso de vertimento ao mar, pode ser constitutivo de uma infração
administrativa, conforme o artigo 829º ou num crime contra o meio ambiente,
segundo o artigo 206º do CPCV (danos ao meio ambiente), ou ainda, num crime
de poluição, conforme o artigo 297º do CPCV. Nesta situação a instrução do
processo seria dirigida por um tribunal penal.
Baseando-se no artigo 66º do CMCV, o direito a passagem inofensiva
pode ser perdida por um navio estrangeiro que, ao passar pelas águas
arquipelágicas ou pelo mar territorial, realize qualquer ato de poluição de forma
intencional e com resultado grave para o meio ambiente.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
36
4. DIREITO INTERNACIONAL MARÍTIMO E O TRÁFICO ILICITO DE
DROGAS
É certo que a globalização trouxe grandes benefícios para a humanidade,
contudo, não deixa de ter ainda alguns pontos fracos que, ao longo dos tempos,
anseia-se poderem vir a ser minimizados. Um dos aspetos negativos da
globalização, é o fenómeno do tráfico de estupefacientes que, à medida que caiu
na ilegalidade, conforme as Convenções internacionais e as várias legislações
internas de combate ao tráfico ilícito de produtos estupefacientes e substancias
psicotrópicas, foi “adotado” por redes criminosas que aproveitaram da abertura
dos mercados e da livre circulação de pessoas e bens para aumentar o fluxo
dessa atividade.
Os traficantes de drogas aproveitaram os avultados preços pagos para a
obtenção dos produtos ilícitos, nomeadamente, heroína, cocaína, cannabis e
seus derivados, investiram na criação de grandes redes criminosas
internacionais/transnacionais difíceis de serem combatidas por um único Estado,
podendo sê-lo apenas com a união dos vários sujeitos do Direito Internacional.
A procura e o consumo de drogas fizeram aumentar o tráfico ilícito de
estupefacientes a nível global, demonstrando constituir um grave problema de
saúde pública. O poder económico que os criminosos obtêm dessa atividade
representa uma forte ameaça à soberania dos Estados, podendo ser usado no
financiamento de crimes conexos, nomeadamente corrupção, lavagem de
capital, terrorismo, entre outros.
Assim sendo, a Comunidade Internacional para reforçar e complementar
medidas previstas na convenção de 1961 sobre estupefacientes- nesta
convenção tal como modificada pelo protocolo de 1972, emendando a
convenção anterior- decidiu reunir em Viena, em dezanove de Dezembro de
1988, donde saiu aprovada a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico
Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, dando diretrizes onde,
atualmente, a maioria das leis internas de combate ao tráfico ilícito de drogas
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
37
vão buscar suporte. Esse tratado foi ratificado por 147 países e 100 desses
países fazem parte da Convenção. Isso demonstra a grande evolução que essa
matéria vem tendo, quando comparado com o período de difíceis discussões
retratado no capítulo anterior.
4.1. Fontes do Direito Marítimo
Nesse trajeto, o Direito Internacional Marítimo depara-se com várias fontes
formais que regulam o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias
psicotrópicas destacando as seguintes:
a) As leis penais internas de cada Estado, nomeadamente o código Penal e
leis penais especiais.
b) Os Tratados Internacionais ratificados pelos Estados. Nesse sentido, fala-
se do Direito Internacional Penal como o conjunto de normas penais que
não emanam do poder legislativo do Estado, mas sim, emanadas da
Comunidade internacional;
Exemplo: O Estatuto do Tribunal Penal Internacional, aprovado em 17 de
Julho de1998 na cidade de Roma62.
c) A Convenção sobre Direito do Mar, CNUDM, assinada em Montego Bay,
Jamaica, em 10 de Dezembro do ano 1982, ratificada por 160 Estados,
inclusivamente, Cabo Verde e Convenções de Genebra de 1958.
d) A Convenção para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da
navegação marítima, realizada em Roma, no dia 10 de Março de 1988.
e) A convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes
e substâncias psicotrópicas de 1988. Essas convenções foram todas
ratificadas por Cabo Verde.
62
Direito comparado com base no art. 38º do Estatuto da Corte Internacional de Justiça de 16 de Setembro de 1920
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
38
O tráfico ilícito de drogas, como vem sendo referido, transformou-se num
crime altamente organizado e transnacional, pelo que no ano 2003, foi criado
pela ONU, mais um instrumento jurídico para apoiar os Estados no combate
contra a ação dos grandes traficantes de produtos estupefacientes e substâncias
psicotrópicas, denominada de Convenção das Nações Unidas Contra o Crime
Organizado Transnacional, vigente desde Setembro de 200363. A Convenção
tem 147 estados signatários e 100 estados-parte.
Não se pode falar de hierarquia de fontes, contudo, o CMCV, art. 6º.1,
Hierarquia de fontes, refere claramente ao princípio de subsidiariedade
conforme o seguinte: O disposto no presente Código é de aplicação subsidiária
em relação às matérias reguladas nas convenções internacionais vigentes em
Cabo Verde. Acrescenta ainda, no ponto 2, que na falta de norma escrita
aplicável às matérias reguladas no presente Código, deve-se recorrer
sucessivamente, aos usos da navegação marítima, aos princípios do direito
marítimo, aos princípios da legislação comercial, civil, laboral, administrativa ou
processual, conforme a natureza da matéria a regular.
O Estado de Cabo Verde procura harmonia das suas leis com as Convenções
internacionais, demonstrado no artigo 7º do CMCV, quando refere que na
interpretação das normas das convenções marítimas internacionais vigentes em
Cabo Verde e na interpretação das disposições do referido Código referentes a
matérias reguladas por convenções marítimas internacionais não vigentes em
Cabo Verde, deve-se procurar alcançar a uniformidade internacional.
4.2. Competência dos Juízes e Tribunais Penais
Tendo em conta que o tráfico ilícito de estupefacientes se trata de um crime
transnacional torna necessário encontrar, de antemão, quem julga os crimes de
tráfico de droga cometidos a bordo de navios localizados nas diversas zonas
marítimas, principalmente, quando este ocorre em águas internacionais. Isto se
deve graças a uma série de princípios que servem de apoio aos tribunais na
determinação da competência judicial-penal dos Estados, para além de serem
realizados, atualmente, com base em Convenções Internacionais.
63
Relatado no 11º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Justiça Penal,
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
39
Contudo, antes de falar dos princípios, convém referir que “(…) Os princípios
jurídicos são os pontos básicos, o alicerce que serve de ponto de partida ou
elemento vital do próprio direito.”64 Os princípios consagrados na Convenção de
Montego Bay de 1982, provêm da Resolução da Assembleia Geral das Nações
Unidas de 1970, onde declara solenemente, inter alia, serem os fundos marinhos
e oceanos, e o seu subsolo para além dos limites da jurisdição nacional, bem
como os respetivos recursos do património da humanidade.
O princípio basilar trata-se da territorialidade e o seu complemento, princípio da
matrícula ou do pavilhão. Existem ainda três princípios complementares a este,
que pressupõem a “aplicação extra territorial da lei penal de um Estado, ou seja,
a aplicação da lei nacional, para factos ocorridos fora da sua fronteira,
nomeadamente, o princípio de personalidade, o princípio de proteção de
interesses e o princípio de justiça universal.
Convém salientar que a aplicação desse princípio deve-se aa carácter
subsidiário em respeito aos tratados internacionais assinados pelo Estado a que
se refere, tendo em atenção a ressalva, salvo convenção internacional em
contrário (…).
a) O Princípio da Personalidade
Presume-se que este seja um dos princípios mais antigos no plano
jurídico, tendo originado do feudalismo, altura em que o senhor feudal era
autónomo e podia aplicar a lei que lhe convinha sobre os seus vassalos.
Este princípio teve grande aplicação na Europa até o momento em que se
deu o triunfo da revolução francesa, impondo o princípio de territorialidade.
Contudo, fora depois ressuscitado pelos regimes nazistas soviéticos que o
adotaram como o critério principal na determinação da nacionalidade.
Esse princípio é conhecido também por princípio de nacionalidade e pode
ser determinada com base em dois critérios. O primeiro denomina-se de ius soli,
pelo qual se considera o local do nascimento como o principal factor para
64
(Silva, 2001)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
40
determinar a nacionalidade de um indivíduo. O segundo trata-se do ius sanguinis
através do qual a nacionalidade é determinada pelo país dos pais.
Sabe-se ainda, que existem outras formas das pessoas adquirirem
nacionalidade de um Estado, como por exemplo, por meio do casamento.
Também a cessão ou anexação do território a Estado estrangeiro pode provocar
a mudança de nacionalidade dos indivíduos ali residentes. Outra forma muito
usada atualmente na aquisição da nacionalidade é a naturalização.
Baseando-se neste princípio, a lei de um Estado aplica-se a todos os
nacionais desse Estado que cometerem um crime, independentemente do local
onde o crime for praticado, nesse caso estamos perante o princípio de
personalidade ativa. Por outro lado, poderia ser aplicado a lei da vítima ou do
ofendido e estar-se-ia perante o princípio de personalidade passiva. Assim, a lei
segue o cidadão aonde quer que ele vá.
O CPCV, recorre tanto ao princípio da personalidade ativa, bem como da
personalidade passiva como se pode constatar no art 4.1.al. d), referindo que
“salvo convenção internacional em contrário, a lei penal cabo-verdiana é
aplicável a factos praticados fora do território de Cabo Verde quando forem
cometidos por cabo-verdianos, ou por estrangeiros contra cabo-verdianos, desde
que o agente seja encontrado em Cabo Verde, os factos sejam igualmente
puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados e constituírem
crime que legalmente admita extradição e esta não possa em concreto ser
concedida;
Portanto, entende-se claramente que a ideia do legislador é evitar os
indivíduos de pensarem que é possível esconder do julgamento de um ato
tipificado como crime cometido noutro país.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
41
b) O princípio de proteção de interesses
Trata-se de um princípio complementar ao princípio da territorialidade e permite
ao Estado punir os crimes cometidos no estrangeiro que lesam importantes
interesses nacionais, independentemente do autor do crime ser nacional ou
estrangeiro.
O princípio de proteção de interesse baseia-se em dois fundamentos: uma parte
especial, conforme a natureza dos bens ou interesses tutelados, bens essenciais
para o Estado que afetam a sua segurança, soberania, integridade ou outros
aspetos vitais. O outro, por causa da desproteção que os mesmos interesses
estatais poderão encontrar nas legislações estrangeiras.
O princípio da proteção do interesse, se encontra consagrado no artigo 4º.1 do
CPCV: Salvo convenção internacional em contrário, a lei penal cabo-verdiana é
aplicável a factos praticados fora do território de Cabo Verde nos seguintes
casos: a) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 243.º a 262.ºe
306.º a 327.º; (Arts 243º a 262º: Falsificação de Moeda e Títulos de Crédito;
Falsificação de valores selados, selos postais e títulos públicos); Arts 306º a
327º: Crimes contra o Estado de direito democrático: Crimes contra a soberania
e a independência nacionais-Traição, Sabotagem contra a defensa nacional,
Provocação à guerra ou à represália, Violação de segredo de Estado, Violação
negligente de segredo de Estado, Infidelidade diplomática, Usurpação de
autoridade cabo-verdiana-; Crimes contra as instituições e os valores do Estado
Democrático, Rebelião, coação e terrorismo, Ultraje de símbolos nacionais e
impedimento ao livre exercício de direitos políticos).
O sistema jurídico português faz o mesmo no código Penal, conforme o artigo 5º
e na lei espanhola, essa premissa não se encontra no código penal, mas sim, no
o artigo 23º.3 da Ley Orgánica del Poder Judicial española,
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
42
c) O princípio de Justiça Universal.
O princípio da universalidade destaca que a lei penal deve ser aplicada a todos
os homens e nenhum crime deve ficar impune. Este é o princípio da cooperação
internacional, pois permite a punição de todos os crimes objeto de tratados
internacionais ratificados pelos Estados.
Esse princípio tem por finalidade evitar que determinados crimes que põem em
risco os interesses da comunidade internacional fiquem impunes. Baseando
nesses pressupostos, os tribunais onde se encontrarem os autores de um crime
podem julgá-los, independentemente da sua nacionalidade e do lugar onde o
crime foi cometido.
Nesse âmbito, o Direito Internacional Penal aponta os seguintes crimes:
Genocídio; os crimes contra a Humanidade; os crimes de guerra e o crime de
agressão, conforme o ERTPI, artigo 5º e seguintes. Importa salientar, mais uma
vez, que em virtude dos princípios de complementaridade e subsidiariedade, o
TPI só terá conhecimento dessas matérias, se os Estados não quiserem ou não
puderem julgar estes crimes.
Em relação ao Estado de Cabo Verde, este princípio se encontra expresso no
artigo 4º.1.b & e do CPCV: Salvo convenção internacional em contrário, a lei
penal cabo-verdiana é aplicável a factos praticados fora do território de Cabo
Verde nos seguintes casos:
Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 138º, números 2 e 3, e 267º
a 278º, desde que o agente seja encontrado em Cabo Verde e não possa ser
extraditado; Quando se trate de crimes que o Estado cabo-verdiano, por
convenção internacional, se tenha obrigado a julgar.
O sistema Português segue pelo mesmo caminho e consagra esses atos como
crimes no Código Penal, no artigo 5º. 1. b), pelo que, da comparação dos dois
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
43
códigos pode-se inferir que ambos, punem o genocídio, a escravidão, os crimes
contra a humanidade, e os crimes de guerra.
A experiência espanhola, também tipifica em concordância com o ERTPI,
conforme o artigo 23.4, da LOPJE.
d) O principio da Territorialidade
O princípio de territorialidade é a regra que define a aplicação da lei penal
de um Estado, ou seja, permite estabelecer ou delimitar a área geográfica em
que um Estado exercerá a sua soberania. A área geográfica aqui referida trata-
se do território onde o Estado irá exercer a sua jurisdição.
Sendo assim, é importante referir que o território não se trata apenas da
geografia terrestre e as águas nele compreendidas, pois inclui, os vários
espaços marítimos traçados conforme a CNUDM, implícitos nas leis nacionais.
Neste espaço o Estado goza do que se pode entender por soberania interna, isto
na medida em que ela é quem tem total poder de coerção nos referidos espaços,
resultante de uma competência territorial e pessoal.
No entanto, sabe-se que através desse pressuposto, a jurisdição de um
Estado pode cobrir factos ocorridos fora das suas fronteiras praticados tanto por
cidadãos nacionais, bem como, por estrangeiros em áreas internacionais.
Nestes casos recorre-se ao princípio da extraterritorialidade, através do qual as
normas jurídicas podem alcançar um cidadão internacional que tenha praticado
um crime em alto Mar a bordo de um navio ou aeronave registado ou de
pavilhão nacional.
As justificativas sobre este princípio derivam da manifestação da
soberania dos Estados. Neste caso, o Estado exerce o jus puniendi ou o seu
poder punitivo, com exclusão de qualquer outro dentro dos limites espaciais aos
que a sua soberania se estende.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
44
Entende-se o princípio pressupondo que, o lugar da ocorrência do crime é
onde melhor se pode realizar a sua investigação, facilitando o melhor
esclarecimento dos factos e seu respetivo julgamento. Por razões de política
criminal ligada aos fins das penas, o julgamento e a aplicação das penas têm
melhor efeito preventivo no local de ocorrência do crime. Portanto, neste
momento, é importante esclarecer que no âmbito jurídico, por território não se
entende apenas a superfície terrestre, mas sim, as águas interiores, rios, lagos,
baías e todas as águas que ficam aquém do mar territorial. 65
Do ponto de vista do Direito Marítimo, o elemento de conexão mais importante
para fixar a nacionalidade do navio é o princípio de pavilhão, pelo que, segundo
a CNUDM, “todos estados devem estabelecer os requisitos necessários para a
atribuição da sua nacionalidade aos navios, para o registo dos mesmos no seu
território e para o direito de arvorar a sua bandeira. Os navios possuem a
nacionalidade do Estado cuja bandeira estejam autorizados a arvorar. Deve
existir um vínculo substancial entre o Estado e o navio, vide art. 91º, ponto 1.
No caso de Cabo Verde, esse princípio é consagrado no CPCV, art. 3º,
referindo que “Salvo convenção internacional em contrário, a lei penal cabo-
verdiana é aplicável a factos praticados em território de Cabo Verde ou a bordo
de navios ou aeronaves de matrícula ou sob pavilhão cabo-verdiano,
independentemente da nacionalidade do agente.”
Em Portugal o princípio de territorialidade e a sua extensão, princípio de pavilhão
se encontra preceituada no artº 4º, a) e b) do código Penal, Aplicação no
espaço: Princípio geral, referindo que, salvo tratado ou convenção internacional
em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados em território
português, seja qual for a nacionalidade do agente, ou, a bordo de navios ou
aeronaves portugueses.
Ainda referente a esta questão, a CMCV, consagra que “os navios
registados em Cabo Verde consideram-se de nacionalidade cabo-verdiana. A
65
Cassese, international law…, cit.,58 ss, citado por Jonátas Machado em Direito Internacional, paradigma clássico ao pós-11 de setembro
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
45
atribuíção da nacionalidade cabo-verdiana confere ao navio o direito de uso da
bandeira nacional, com os inerentes direitos e obrigações. (art. 178º.1 e 2).
Nesse sentido, o código de Processo Penal de Cabo Verde estabelece no
artigo 36º, ponto 1, que a competência para conhecer do crime cometido a bordo
de navio, é do tribunal da área do porto cabo-verdiano para onde o agente se
dirigir ou onde se desembarcar. No ponto 2, do mesmo artigo, refere-se que, se
o agente do crime não se dirigir para o território cabo-verdiano ou, ainda, se fizer
parte da tripulação do navio, será competente o tribunal da área da matrícula.
4.3. Regime Jurídico Dos Espaços Marítimos – Competência dos Estados
Durante séculos, a única preocupação das nações costeiras era a defesa de sua
costa, ainda no século XVII se mantinha a ideia de limite do raio visual, porém no
mesmo século até o fim do período napoleónico o alcance do tiro de canhão
ainda era a tese mais aceitável.
Surge então, no século XVIII, a delimitação do mar territorial de forma mais
precisa com a obra de Galiani, “De „Doveri de‟ Principi neutrali verso i Principi
guerreggianti e di questo verso i neutrali”, em 1782, identificando o tiro de
canhão com a légua de três milhas, que fora penetrando lentamente no direito
positivo. O primeiro país a adotar este sistema foi os EUA, em 1818, através do
Tratado de Gand com a Inglaterra, tornando-se o primeiro tratado a adotar o
limite de três milhas a respeito da zona de pesca reservada aos nacionais.
Porém, essa tese sofre fortes contestações no século XX devido, principalmente,
aos avanços tecnológicos, tendo sido abandonado pela maioria dos Estados.
Na era contemporânea o instrumento jurídico que desperta maior interesse para
estudantes do Direito do Mar trata-se da CNUDM que, para atingir seu objetivo
principal, e levando em consideração o respeito à soberania dos Estados,
estabeleceu o regime jurídico relativo às faixas marítimas.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
46
As obrigações decorrentes da ratificação dessa convenção foram
implementadas e atualizadas pela Lei n° 60/IV/92, de 21 de Dezembro que
delimita as áreas marítimas da República de Cabo Verde e considera como
áreas marítimas sob jurisdição da República de Cabo Verde: a) o mar interior; b)
as águas arquipelágicas; c) a zona contígua; d) o mar territorial; e) a zona
económica exclusiva e f) a plataforma continental. De resto, em sintonia com o
disposto no artigo 6.° da Constituição da República de Cabo Verde.
Ainda no sentido de dissipar algumas dúvidas que possam existir no
entendimento das faixas marítimas, compete salientar que o Território em
sentido jurídico-penal compreende todos os lugares que se estendem a
soberania de um Estado, ou seja, além dos mencionados no parágrafo anterior,
incluem-se os navios ou aeronaves com pavilhão do Estado e os espaços
aéreos subjacentes ao limite do mar territorial.
Antes de entrar nos aspetos jurídicos referentes aos espaços marítimos
pretende-se esclarecer o significado de “passagem inocente” e do “Direito de
Passagem em Trânsito”.
Conforme a CNUDM, “passagem inocente” é aquela realizada sem pôr em
perigo a paz, a boa ordem ou a segurança do Estado costeiro. A passagem deve
efetuar-se em conformidade com a presente Convenção e demais normas de
direito internacional, art. 19º, pto. 1, 2e al de a) até l), assim redigidos:
Portanto, a passagem de um navio estrangeiro será considerado prejudicial à
paz, à boa ordem ou a segurança do Estado costeiro, se esse navio realizar
qualquer ameaça ou uso da força contra a soberania, a integridade ou a
independência política do Estado costeiro ou qualquer outra ação em violação
dos princípios de direito internacional enunciado na carta da Nações Unidas. Se
realizar qualquer exercício ou manobra com armas de qualquer tipo, tais como:
Qualquer ato destinado a obter informações em prejuízo da defesa ou da
segurança do Estado costeiro;
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
47
Qualquer ato de propaganda destinado a atentar contra a defesa ou a
segurança do Estado costeiro;
O lançamento, pouso ou recebimento a bordo de qualquer aeronave;
O lançamento, pouso ou recebimento a bordo de qualquer dispositivo
militar;
O embarque ou desembarque de qualquer produto, moeda ou pessoa
com violação das leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou
sanitários do Estado costeiro;
Qualquer ato intencional e grave de poluição contrário à presente
Convenção;
Qualquer atividade de pesca;
A realização de atividades de investigação ou de levantamentos
hidrográficos;
Qualquer ato destinado a perturbar quaisquer sistemas de comunicação
ou quaisquer outros serviços ou instalações do Estado costeiro;
Qualquer outra atividade que não esteja diretamente relacionada com a
passagem.
Todavia, o Direito de Passagem em trânsito encontra-se relacionado com a
liberdade de navegação e sobrevoo exclusivamente para fins de trânsito
contínuo e rápido pelo estreito entre uma parte do alto mar ou de uma zona
económica exclusiva. Contudo a exigência de trânsito contínuo e rápido não
impede a passagem pelo estreito para entrar no território do Estado ribeirinho ou
dele sair ou a ele regressar, sujeito às condições que regem a entrada no
território desse Estado.
Porém, o Direito de passagem em trânsito deve ser feito sem demora, abstendo-
se de praticar qualquer ato que põe em perigo a paz, a boa ordem ou a
segurança do Estado costeiro, tipificados no artigo 19º, pto. 2 e al de a) até l).
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
48
a) As águas Interiores
As águas interiores66 correspondem à porção de mar que se situa entre a terra
seca e o limite interior do mar territorial, que é o espaço que se segue, no
sentido da terra para o mar, numa posição de imediata adjacência ao território
terrestre.
Segundo a CNUDM as águas situadas no interior da linha base67 do mar
territorial fazem parte do Estado. As delimitações podem ser feitas naturalmente
ou artificialmente, sendo que a delimitação natural adequa-se aos casos em que
as águas interiores formam no espaço compreendido entre a terra firme e a linha
de Baixa-mar, respetivamente os seus limites interior e exterior, numa extensão
marítima que é variável, sendo tanto maior quanto mais extensa forem os mares.
Por sua vez, a delimitação artificial, baseia-se no preceito de que “nos locais em
que a costa apresente recortes profundos e reentrâncias ou em que exista uma
franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, pode ser adotado
o método das linhas bases a partir da qual se mede a largura do mar territorial68.
A delimitação vertical segue a delimitação aplicável ao mar territorial, tendo
subjacente o espaço terrestre, a partir da superfície que opera a separação das
águas interiores, e sobrejacentes ao espaço aéreo de raiz nacional.
Nas águas interiores opera um regime de soberania territorial semelhante à
soberania que os Estados têm na superfície terrestre. Salienta-se o facto de,
quando as águas interiores resultarem da aplicação da linha base reta que seja
usada para definir o interior do mar territorial, admite-se a existência de uma
restrição na soberania, pelo facto, de nesse caso ser aplicado o regime de direito
de passagem inofensiva.69
66
Relacionado com aguas interiores, V. Gilbert Gidel, Le Droit Internacional Public de la mer – le temps de paix, II, Chateraux, 1932, pp. 9 ess; Celso D. de Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Público, II, 2ª edi., Rio de Janeiro/São Paulo, 1974, p. 565. 67
Art. 7º, da CNUDM 68
Art 7º, nº 1, CNUDM 69
Ver art. 8º, nº 2, da CNUDM
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
49
As águas arquipelágicas no interior das ilhas mais exteriores de um Estado
arquipelágico (como a Indonésia ou as Filipinas) também são consideradas
águas interiores. Sobre as suas águas interiores, além de jurisdição idêntica à do
mar territorial, o Estado costeiro pode até mesmo impedir a passagem inocente.
b) Mar Territorial
O Mar territorial abrange a porção de mar que contiguamente se situa a sua
costa marítima. Trata-se da faixa marítima de largura igual a doze milhas
marítimas, medidas a partir de uma linha de base, determinada de conformidade
com as normas da Convenção no artigo 3º, aproximadamente 22 km (1 milha:
1,852 metros). Também se fixam estas em 12 milhas no art. 18 do CMCV.
A linha de base normal, definida na Convenção, é a linha de baixa-mar (linha da
maré mais baixa) ao largo da costa, conforme aparece marcada por sinal
apropriado em cartas náuticas reconhecidas oficialmente pelos próprios Estados.
No caso de ilhas cercadas por recifes, ancoradouros, a linha de base é a linha
de baixa-mar do lado do recife que dá para o mar.
A delimitação de 12 milhas apontadas pela ONU, tem em conta os casos em
que, as costas sejam muito irregulares, enseadas, baias, de entre outras
deformações. A linha de base a partir da qual se mede a largura das águas
arquipelágicas, do mar territorial, da zona contígua, da zona económica
exclusiva e da plataforma continental, é constituída pelas linhas retas que unem
os pontos mais exteriores do Estado no caso de Cabo Verde, das ilhas e
ilhéus.70
Quando a delimitação do mar territorial entre Estados se deve realizar entre
Estados com costas adjacentes ou que se encontrem frente a frente, o critério a
aplicar, salvo acordo das partes, se trata da linha média ou equidistância71.
70
Art. 7º da CNUDM e art. 28. Do CMCV. 71
Princípio de equidistância, aplica-se em relação aos estreitos com menos de 24 milhas náuticas cujas margens pertencem a dois Estados, sendo que suas águas passarão a ser águas interiores. No ano 1993, entre Cabo Verde e Senegal foi resolvido um problema de delimitação marítima com base nesse princípio de cooperação internacional. cfr. Resolução nº 29/IV/93. Aprova o tratado sobre a delimitação da fronteira entre a Republica de Cabo Verde e a Republica do Senegal. Praia 2º Suplemento ao BO i Serie nº 25, 1993.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
50
Juridicamente, o leito do rio e o subsolo ao mar territorial são considerados como
se dele fizessem parte, assim, o artigo 19º da CNUDM, o artigo 1º do Código
Marítimo de Cabo Verde e a lei espanhola sobre mar territorial 10/1977 de 4 de
Janeiro de 1977, são bastantes incisivos, “esta soberania estende-se ao espaço
aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste
mar72, porém com a obrigação de permitir a passagem inofensiva dos navios
estrangeiros.73
A passagem deve ser contínua e rápida (art. 18.2 CNUDM),os navios
submersíveis devem fazer a passagem à superfície e não em submersão,
arvorando a sua bandeira (art. 20º da CNUDM) deve ser inofensiva sem pôr em
perigo a soberania do Estado costeiro e ainda evitando realizar qualquer dos
atos tipificados no artigo 19º, pto. 1 e 2 e al de a) até l e artº. 14.4 Convenção
sobre mar territorial de 1958.
Realça-se ainda o direito à perseguição consagrada no art. 27º nº5 da CNUDM.
A jurisdição penal do Estado costeiro não será exercida a bordo de navio
estrangeiro que passe pelo mar territorial com o fim de deter qualquer pessoa ou
de realizar qualquer investigação, com relação à infração criminal cometida a
bordo desse navio durante a sua passagem.
Contudo um navio de pavilhão estrangeiro perde o direito à passagem inocente,
no caso de o Estado ter suspeitas que se encontra a fazer uso do seu mar
territorial para transportar drogas ilícitas. Havendo uma situação dessa, o Estado
pode aceder ao navio, fazer investigação e no caso de encontrar provas a bordo,
adoptar as medidas adequadas em relação ao navio, pessoas e carga a bordo
deste. (CNUDM, ART. 27.1.d)
Portanto, os Estados recorrendo de seus direitos de soberania no mar territorial
podem abordar os navios estrangeiros que por ela circulam desde que haja
fortes suspeitas do envolvimento no tráfico ilegal de estupefacientes e
substâncias psicotrópicas. Os estados partes adotam as medidas necessárias
72
Art. 2º, nº2, da CNUDM 73
Artigo 17 da CNUDM e arts 40 à 48 do CMCV
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
51
para estabelecer a sua competência em relação às infrações que tipificar de
acordo com o n.º 1 do artigo 3.º, da Viena de 19 de Dezembro de 1988, quando
a infração for cometida no seu território.
Segundo o Direito Internacional Público, a lei cabo-verdiana é aplicável aos
factos praticados em terra e no mar até ao limite do mar territorial, ou seja, até o
limite de 12 milhas náuticas. Sendo assim, entende-se que qualquer que seja a
infração praticada a bordo de um navio ou aeronave que se encontre navegando
pelo mar territorial ou no espaço aéreo adjacente, está sob a jurisdição cabo-
verdiana, a menos que se tratam de navios ou aeronaves que gozam de
imunidade, quais sejam, navios de guerra e navios utilizados unicamente em
serviço oficial não comercial, conforme artigos 95º e 96º da CNUDM.
A lei cabo-verdiana também é aplicável aos navios ou aeronaves de matrícula ou
sob pavilhão cabo-verdiano, independentemente da nacionalidade do agente,
mesmo que se encontrem em territórios estrangeiros, cfr. Art. 3º do CPCV.
c) Zona contígua
A Zona contígua é o espaço marítimo que se encontra imediatamente adjacente
ao mar territorial e tem uma missão essencialmente defensiva da soberania
estadual74.
Segundo Jorge Gouveia, a delimitação horizontal surge na sequência das
opções que são tomadas relativamente ao mar territorial, nos seguintes termos:
O limite interior coincide com o limite do mar territorial;
O limite exterior “…não pode estender-se além de 24 milhas náuticas,
contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do
mar territorial”75
74
Sobre zona contiígua, ver armando M Marques Guedes, Direito do Mar, pp. 135 e ss; Jorge Bacelar Gouveia, Manual do direito Internacional público 3ª edição, pp. 721. 75
Art. 33º, nº 2 CNUDM
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
52
O limite lateral, não havendo uma disposição específica na matéria,
segue o regime delineado para o mar territorial, ou seja, o critério de
equidistância.
O regime que se aceita existir na zona contígua corresponde, na sua essência, à
liberdade do alto mar, que se considera diretamente aplicável.
Nessa Zona, o Estado costeiro exerce sobre os navios estrangeiros,
competências limitadas. O Estado costeiro pode tomar as medidas de
fiscalização necessárias a evitar as infrações às leis e regulamentos aduaneiros,
fiscais, de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial,
reprimir as infrações às leis e regulamentos no seu território ou no seu mar
territorial76.
Em Cabo Verde, segundo a Constituição da República, na sua zona contígua, na
zona económica exclusiva e plataforma continental, definidas na lei, o Estado de
Cabo Verde possui direitos de soberania em matéria de conservação,
exploração e aproveitamento dos recursos naturais, vivos ou não vivos, e exerce
jurisdição nos termos do direito interno e das normas do Direito Internacional77.
O CMCV regula essa matéria nos artigos 20º (Extensão da zona contígua) e 21º
(Jurisdição na zona contígua).
O mesmo código traça no Artigo 85.º nº1 e 2, as medidas especiais a adotar na
zona contígua: “A administração marítima ou qualquer entidade pública
competente em razão da matéria, tendo conhecimento de navio estrangeiro
situado na zona contígua, que pretenda infringir, esteja a infringir ou tenha
infringido as leis e regulamentos a que se refere o artigo 21.ºpodem intersectá-
lo, solicitar a informação ou realizar a inspeção apropriada. Tornando-se
necessária, devem adotar as medidas que se mostrarem úteis e proporcionais
para prevenir ou sancionar a infração, incluindo a detenção e condução ao
porto”.
76
Art. 33º, da CNUDM 77
Art 6º.2, CRCV
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
53
d) Zona Económica Exclusiva – ZEE
A zona económica exclusiva é porventura de todos os espaços marítimos, o
mais complexo, afigurando-se um instituto híbrido, com poderes que não se
identificam com o modelo estadual, mas que também não se ajustam ao modelo
internacional78.
Surgiu basicamente devido às revindicações dos Estados ribeirinhos em vias de
desenvolvimento, principalmente os ibero-americanos, que se uniram depois da
descolonização, cujo grau de desenvolvimento não os permitia aproveitar dos
recursos mais distantes das suas costas, opondo-se aos Estados historicamente
ligados ao mar e mais desenvolvidos no sector das pescas.
A ZEE (Zona Econômica Exclusiva) se estende da linha base calculada do mar
territorial (12 milhas) em mais 188 milhas náuticas, totalizando 200 milhas desde
a linha base, cfr. Art. 57º da CNUDM. Dentro desse limite, os Estados costeiros
são soberanos para fins de exploração, aproveitamento, conservação e gestão
dos recursos naturais, vivos ou não vivos, existentes na água, no leito e no
subsolo.
Quando as delimitações da zona económica exclusiva forem entre Estados com
costas adjacentes ou situadas frente a frente, deve-se recorrer ao princípio de
equidistância, ou seja, deve ser feita por acordo, de conformidade com o direito
internacional, ao que se faz referência no artigo 38º do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, a fim de se chegar a uma solução equitativa, vide art.
74º de CNUDM.
Na ZEE do Estado costeiro, este tem direitos de soberania para fins de
exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos
ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu
78
(Gouveia, 2008); outras consultas, Manuel Limpo Serra, A Zona economica Exclusiva – Historia e aspetos jurídicos, in BSGL, 1981.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
54
subsolo, e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e
aproveitamento da zona para fins económicos, como a produção de energia a
partir da água, das correntes e dos ventos, cfr. Art.55º e 56º nº1-a), da CNUDM.
O Estado costeiro tem ainda jurisdição em conformidade com as disposições
pertinentes da presente Convenção, no que se refere à colocação e utilização de
ilhas artificiais, instalações e estruturas, investigação científica marinha, proteção
e preservação do meio marinho79.
Na zona económica exclusiva, todos os Estados, quer costeiros quer sem litoral
gozam, nos termos das disposições da referida Convenção, das liberdades de
navegação e sobrevoo e de colocação de cabos e dutos submarinos, a que se
refere o artigo 87º, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos,
relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de
navios, aeronaves, cabos e dutos submarinos e compatíveis com as demais
disposições da presente Convenção80.
No exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres na zona
económica exclusiva, nos termos da referida Convenção, os Estados deverão ter
em conta os direitos e deveres do Estado costeiro e cumprirão as leis e
regulamentos por ele adotados em conformidade com as disposições da
presente Convenção e demais normas de direito internacional, na medida em
que não sejam incompatíveis com a presente parte, vide 58º nº3 da presente
Convenção.
O Estado de Cabo Verde, regula a ZEE no Código Marítimo, a partir do artigo
22º a 24º. O Estado espanhol o faz na lei 15/1978 de 20 de Fevereiro, seguindo
os mesmos parâmetros explícitos na Convenção de 1982.
Entretanto, em relação à jurisdição penal no que toca à Zona Económica
Exclusiva, a CNUDM atribui reduzidas competências ao Estado conforme o
artigo 73º e alíneas:
79
cfr. art. 56.1. b) da CNUDM 80
V. art. 58º 1. Da CNUDM
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
55
1. O Estado costeiro pode, no exercício dos seus direitos de soberania de
exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos vivos da
zona econômica exclusiva, tomar as medidas que sejam necessárias,
incluindo visita, inspeção, apresamento e medidas judiciais, para garantir
o cumprimento das leis e regulamentos por ele adotados de conformidade
com a presente Convenção.
2. As embarcações apreendidas e suas tripulações devem ser libertadas
sem demora logo que prestada uma fiança idónea ou outra garantia.
3. As sanções estabelecidas pelo Estado costeiro por violações das leis e
regulamentos de pesca na zona económica exclusiva não podem incluir
penas privativas de liberdade, salvo acordo em contrário dos Estados
interessados, nem qualquer outra forma de pena corporal.
4. Nos casos de apreensão ou retenção de embarcações estrangeiras, o
Estado costeiro deve, pelos canais apropriados, notificar sem demora o
Estado de bandeira das medidas tomadas e das sanções ulteriormente.
Assim sendo, entende-se que o Estado Costeiro não tem jurisdição penal sobre
os navios que naveguem na sua ZEE arvorando bandeira de um outro Estado,
pelo que, a questão de tráfico de drogas praticados nesta área, se resolve
baseando na cooperação internacional como consagra os parâmetros da
CNUDM, sendo remetidos à convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito
de estupefacientes e substâncias psicotrópicas de 1988. No caso de Cabo
Verde, se por ventura vier a se verificar uma situação dessa natureza, será
efectuada nos termos do artigo 25.° da Lei nº78.°/IV/93, de 12 de Julho de 1993.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
56
e) Plataforma Continental
A plataforma Continental é constituída pelo solo e subsolo que se encontram
subjacentes a diversos espaços marítimos, embora o seu tratamento tenha sido
atraído às regras que tradicionalmente pertencem ao Direito Internacional do
Mar81.
Segundo a lei cabo-verdiana, a plataforma Continental compreende o leito e o
subsolo das áreas submarinas que se estendem além do mar territorial até uma
distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a que se refere o artigo
24°, dispondo-se nesse particular que :
- « linha de base a partir da qual se mede a largura das águas arquipelágicas, do
mar territorial, da zona económica exclusiva e da plataforma continental, e
constituída pelas linhas retas que unem os pontos mais exteriores das ilhas e
Ilhéus mais exteriores, determinadas pelas principais coordenadas previstas
nesse mesmo diploma legal, (vide artigo 17.° da Lei 60/IV/92, de 21 de
Dezembro)
f) Alto Mar
Pela definição da CNUDM, artigo 86º, o alto mar é a área marítima não incluída
na zona económica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um
Estado, nem nas águas arquipelágicas de um Estado arquipélago. O referido
artigo não implica limitação alguma das liberdades de que gozam todos os
Estados na zona económica exclusiva de conformidade com o artigo 58º.
Pela definição do alto mar verifica-se que, em regra, nesse espaço nenhum
Estado detém jurisdição exclusiva, razão pela qual nos termos do n.°1 do artigo
92.°todos os navios devem navegar sob a bandeira de um só Estado, ficando
durante a viagem sob a jurisdição exclusiva desse Estado.
81
Sobre a Plataforma Continental , v. Georges Scelle, Plateau continental en droit Internacional, Paris, 1955; Antonio Soares, Plataforma continental – seus limites à luz da Convenção de Montego Bay, in RMP, ano 10º, nº 38.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
57
A fim de evitar conflito de jurisdição, dispõe-se que: Um navio que navegue sob
a bandeira de dois ou mais Estados, utilizando-as segundo as suas
conveniências, não pode reivindicar qualquer dessas nacionalidades perante um
terceiro Estado e pode ser considerado como um navio sem nacionalidade. (cfr.
n °2 do artº. 92. °) e por conseguinte um navio sem nacionalidade pode ser
visitado por qualquer navio de guerra, ao abrigo da alínea d) do artigo 110º da
Convenção do Direito do mar. No decorrer de uma visita a um navio sem
nacionalidade é legítimo averiguar se no seu interior existem estupefacientes e
substâncias psicotrópicas e em caso afirmativo proceder-se à apreensão dessa
substâncias e a detenção dos suspeitos, ao abrigo do disposto no n° 1 do artigo
108.° da Convenção.
4.4. Tráfico Ilícito Por Mar - Mecanismos Da Cooperação Internacional
Somente um instrumento jurídico de âmbito universal seria capaz de combater
um crime transnacional como é o caso do tráfico de drogas. Ciente disso, a ONU
começou por dar algumas diretrizes com o propósito de combater esse crime,
cfr. o artigo 108º da Convenção das Nações Unidas para o Direito do mar,
remetendo-o para uma outra Convenção, especialmente para repreender o
tráfico ilícito de drogas pela via marítima. De acordo com as características deste
crime, principalmente, a de financiar a prática de crimes conexos,
nomeadamente lavagem de capitais, corrupção e terrorismo, existem outras
normas de âmbito internacional que não serão aqui desenvolvidas, enaltecendo
a importância da Convenção para a Repressão de atos Ilícitos Contra a
Segurança da Navegação Marítima.
No âmbito de repressão de tráfico ilícito de drogas na perspetiva internacional,
os instrumentos jurídicos mais importantes tratam-se da Convenção das Nações
Unidas Sobre o Direito Do Mar de 1982 e a Convenção Das Nações Unidas
Contra O Tráfico Ilícito De Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas
aprovado em Viena em 19 de Dezembro de 1988.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
58
4.4.1. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982
Essa convenção trata-se de uma criteriosa e complexa ferramenta jurídica de
amplitude internacional, contendo trezentos e vinte artigos, subdivididos em
dezassete capítulos, com o intuito de regular as especificidades dos espaços
marítimos. A sua adoção no contexto internacional deve-se à ONU e a sua
aprovação ocorreu em Montego Bay, Jamaica no ano 1982, pelo que, ficou
conhecido por Convenção de Montego Bay, referido a título abreviado por
CNUDM.
A Convenção estabelece no artigo 27º al.d) que “a jurisdição penal do Estado
costeiro não será exercida a bordo de navio estrangeiro que passe pelo mar
territorial com o fim de deter qualquer pessoa ou de realizar qualquer
investigação, com relação à infração criminal cometida a bordo desse navio
durante a sua passagem, salvo se essas medidas forem necessárias para a
repressão do tráfico ilícito de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas.
No entanto, o art.108º, no seu ponto 1, estabelece o dever de cooperação na
repressão do tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas levada a
cabo por navios no alto mar e o ponto 2, refere que “Todo o Estado que tenha
motivos sérios para acreditar que um navio arvorando a sua bandeira se dedica
ao tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, poderá solicitar
a cooperação de outros Estados para pôr fim ao tal tráfico.”
Convém salientar ainda que, a convenção não refere ao tráfico ilícito de drogas,
nos casos em que o navio pode ser visitado por uma autoridade estrangeira
quando se encontre no alto mar, pelo que só será feito recorrendo aos acordos
multilaterais ou bilaterais (vide o artigo 110º) e sempre respeitando os seguintes
princípios:
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
59
a) Princípio da Soberania
Não é possível contextualizar cronologicamente a história do princípio da
soberania, pelo que, ela deriva de intensas lutas dos povos a fim de
conseguirem a liberdade e o poder de gerir os seus próprios destinos. A
soberania surge quando um povo se declara independente perante outros
povos, através do poder ou pelo direito. Todavia, isso tem acontecido por
inúmeras vezes na história, recorde-se, por exemplo, das várias declarações de
independência das antigas colónias, como foi o caso de Cabo Verde em 1975.
A Soberania é a forma do poder estatal atual ou moderna, pois que, não é
possível falar do poder estatal sem a ideia de soberania. E, então, a soberania
passava a caracterizar o Estado Moderno, como a autarquia havia caraterizada
a polis e a civictas, e a autonomia havia sido o elemento distintivo das comunas
medievais.
A expressão soberania foi utilizada pela primeira vez no século XVI por Jean
Bodin no seu livro “Les Six livres de la republique”, considerando-o o elemento
essencial do estado e consiste num poder supremo – Summa potestas – sobre o
seu território e seus habitantes.
O território é um elemento importante na determinação de um Estado, pelo que
volta-se a evocar o conceito supra referido: por território não se entende apenas
a superfície terrestre, mas sim, as águas interiores, rios, lagos, baías e todas as
águas que ficam aquém do mar territorial.
Assim sendo, “a Soberania é tanto a força ou o sistema de forças que decide do
destino dos povos, que dá nascimento ao Estado Moderno e preside ao seu
desenvolvimento, quanto à expressão jurídica dessa força no Estado constituído
segundo os imperativos éticos, económicos, religiosos etc., da comunidade
nacional, mas não é nenhum desses elementos separadamente. A soberania é
sempre sócio-jurídico-política, ou então, não é soberania. É esta necessidade de
considerar concomitantemente os elementos da soberania que nos permite
distingui-la como uma forma de poder peculiar ao Estado Moderno. Desde a
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
60
origem do conceito de soberania que ela tem gerado muitas discussões,
revelando-se de extrema importância no âmbito do Direito Internacional e sua
extensão Direito do Mar”82.
No século XVII, o jurista Grotius, na sua obra “Mare liberum sive de iure quod
Bata vis competit ad indicana commercia dissertatio”83, defendeu a ideia de que
os mares deveriam ser livres e abertos a todos.
Considerando o respeito à soberania dos Estados, a CNUDM, no artigo 2º,
estabelece o regime jurídico relativo a três faixas marítimas: o mar territorial,
incluindo o espaço aéreo sobre, o leito e subsolo do mar territorial; a zona
contígua; e a zona económica exclusiva.
O Estado de Cabo Verde exerce plena soberania no mar territorial, conforme os
preceitos da Constituição, artigo 6º, pto. 1, al b) e conforme o artigo 6º, na sua
zona contígua, na zona económica exclusiva e plataforma continental, definidas
na lei, o Estado de Cabo Verde possui direitos de soberania em matéria de
conservação, exploração e aproveitamento dos recursos naturais, vivos ou não
vivos, e exerce jurisdição nos termos do direito interno e das normas do Direito
Internacional.
Por exemplo o Brasil, através do decreto-lei nº 1.098 de 1970, atribuiu-se direitos
de soberania sobre o leito do mar, o seu subsolo, as águas, e o espaço aéreo
sobrejacentes, concedendo direitos de passagem inocente aos navios
estrangeiros, restringindo a definição da Convenção de Genebra sobre o Mar
Territorial. Sendo assim, a Constituição brasileira, bem como, a de Cabo Verde
estipulam que no mar territorial há pleno exercício de soberania.
Os sucessivos relatórios da ONUDC apontam Cabo Verde como sendo um país
de trânsito, principalmente, da cocaína pura vindo dos países da América do Sul
com destino à Europa84. Destaca-se nesse sentido, o facto do país servir de
ponto logístico ou de interposto das redes internacionais de tráfico de cocaína,
sendo “violado” suas águas e zonas costeiras desprotegidas, realçando, desta
82
Conforme, Reale, Miguel, Teoria de Direito e do Estado, Saraiva, 2000, pag. 139. 83
Grotius, Hugo. De la liberdad de los mares, tradução de V. Blanco Garcia y L. Garcia Arias. Madrid: Colection Civitas. 1979. P. 27. 84
(ONUDC, 2013)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
61
forma, as fragilidades dos Estados com fracos recursos e sem meios de proteger
a sua própria soberania.
b) Princípio da liberdade dos mares
Com a globalização ocorreu um aumento astronómico no comércio mundial e
consequentemente no fluxo dos transportes marítimos. O mar perdeu boa parte
dos seus “tabus” tornando alcançável por uma boa parte dos Estados.
Contudo, o princípio da liberdade foi contemplado pela primeira vez por Grotius,
baseando-se em dois pressupostos, primeiro “o que não pode ser ocupado não
pode ser propriedade de ninguém porque toda a propriedade pressupõe
ocupação” e, segundo, “o que existe na natureza que mesmo estando ao serviço
de alguém é ainda bastante para o uso de todos, está e deve permanecer
eternamente no mesmo estado em que foi criado”.
Nos tempos modernos prevalece a definição apontada pela CNUDM que refere a
liberdade dos Mares, como sendo “todas as partes do mar não incluídas na zona
económica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado,
nem as águas arquipelágicas de um Estado arquipelágico.
c) Princípio do património comum da humanidade
O princípio em epígrafe está intimamente ligado ao princípio anterior. O conceito
de património foi muito utilizado pelo Direito romano e depois se propagou ao
Direito Civil. De acordo com os civilistas, património pode ser definido como o
conjunto de todos os direitos e obrigações suscetíveis de avaliação pecuniária
de que cada pessoa é titular. O património comum da humanidade é um
princípio geral do direito emergente. A noção de património comum da
humanidade submeterá a área fora das jurisdições estatais a um regime
internacional.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
62
De acordo com Christian Caubet, a teoria do património comum da humanidade
representa a última faceta da teoria da res communis, nasceu da necessidade
de definir os direitos (e os deveres?) dos Estados sobre os recursos minerais
marítimos que no futuro, talvez pudessem ser objeto de uma exploração
lucrativa. Percebeu-se que essa exploração poderia gerar graves tensões e
aumentar a marginalização económica dos Países mais pobres, circunstâncias
que aparentemente motivaram a iniciativa de Malta, na Assembleia Geral da
ONU em 01 de Março de1967, a propor que o oceano fosse considerado uma
res condominata85.
Os Países em desenvolvimento, aproveitando o seu direito de voto na
Assembleia Geral da ONU, votaram a declaração de princípios pela qual o leito
marinho, além dos limites da jurisdição nacional, fosse declarado património
comum da humanidade. Para os Países socialistas, o princípio de património
comum da humanidade deveria ser incluído no preâmbulo da futura Convenção,
sem nenhuma referência aos recursos.
De acordo com Manuel Ribeiro “o princípio da noção de um património comum
da humanidade ligado aos “commons” parece evidente nesta afirmação. Talvez
seja admissível identificar, também, elementos precursores do conceito de
“domínio público internacional”. O ar e o mar encontrar-se-iam neste estado,
prenunciando ao alargamento futuro à noção de “global commons”. Neste caso,
e exceptuando as águas interiores, o “mare proximum” e outras áreas marítimas
adjacentes e costeiras, o mar seria especificamente considerado como “res
communis omnium”, “comuns a todos” porque é tão ilimitado que não pode ficar
em poder de ninguém, e porque é apto ao uso de todos, quer do ponto de vista
da navegação quer das pescas. Assim, nenhuma parte do mar pode ser
considerada território de quem for.”86
A CNUDM consagra o princípio comum da humanidade no artigo 136º da
seguinte forma: “A Área e seus recursos são património comum da humanidade”
85
CAUBET, Christian Guy. Fundamentos Político-Econômicos da Apropriação dos Fundos Marinhos. Florianópolis: Imprensa Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina, 1979. p. 32. 86
Ribeiro, Manuel de Almeida, citado por Januari da Rocha, no livro Cabo Verde e o Direito do Mar, pag 78.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
63
e, ainda o artigo 311º, nº 6, do mesmo diploma legal, consagra o seguinte: “Aos
Estados partes convêm em que não podem ser feitas emendas ao princípio
fundamental relativo ao património comum da humanidade estabelecido no
artigo 136º e em que não serão partes em nenhum acordo que derrogue esse
princípio. Por outro lado, o artigo 140º da Convenção, consagra que: As
atividades na Área devem ser realizadas, nos termos do previsto expressamente
na presente Parte, em benefício da humanidade em geral, independentemente
da situação geográfica dos Estados, costeiros ou sem litoral, e tendo
particularmente em conta os interesses e as necessidades dos Estados em
desenvolvimento e dos povos que não tenham alcançado a plena independência
ou outro regime de autonomia reconhecido pelas Nações Unidas de
conformidade com a resolução 1514 (XV) e com as outras resoluções
pertinentes da sua Assembleia Geral.
A teoria do património comum da humanidade representa a última faceta da
teoria da res communis, nasceu da necessidade de definir os direitos dos
Estados sobre os recursos minerais marítimos que, no futuro, talvez pudessem
ser objeto de uma exploração lucrativa. Percebeu-se que essa exploração
poderia gerar graves tensões e aumentar a marginalização económica dos
Países mais pobres, circunstâncias que aparentemente motivaram a iniciativa de
Malta, na Assembleia Geral da ONU em 01.03.1967, no sentido de propôr que o
oceano fosse considerado uma res condominata.87
Por sua vez, Jete Jane Fiorati sustenta que, Inicialmente o princípio do
património comum da humanidade não teve sua origem ou complementação no
direito costumeiro, que ignorava as complexidades para as relações
internacionais da evolução tecnológica, contrariamente aos princípios da
liberdade dos mares, tampouco em leis internas ou na jurisprudência
Internacional. Sua origem decorre da regra do consenso internacional,
fundamento para as celebrações das convenções internacionais. A tese das
duzentas milhas foi apresentada para a delimitação do mar Territorial. Os países
da América latina já haviam incluído nas suas constituições os mesmos direitos
de soberania, como por exemplo a Colômbia, México, Venezuela e vários outros
87
CAUBET, Christian Guy, Fundaments Politico-econômicos da Apropriação dos Fundos Marinhos. Florianopolis: Imprensa Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina, 1979
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
64
países da América Central. Foi o presidente Emilio G. Médici quem definiu as
duzentas milhas brasileiras, através do decreto lei nº 1.098 de 30 de Março de
1970, alterando os limites do mar territorial igualando-os aos estabelecidos na
América do Sul pela Argentina. (…)88
d) Princípio da cooperação
A globalização deu mais valor à importância da cooperação internacional. As
redes criminosas transnacionais aproveitaram das vantagens que a globalização
trouxe à humanidade, nomeadamente a liberalização de fronteiras, a
aproximação dos povos, os rápidos avanços tecnológicos para também, dar uma
escala global ao tráfico ilícito de drogas como forma de contornar os controlos
efetuados nas diversas fronteiras. Os criminosos cooperam-se entre si com o
intuito de ludibriar o controlo das autoridades e consequentemente aumentar o
mercado ilícito e os rendimentos que circulam fora do controlo legal.
A cooperação internacional é o instrumento mais importante no âmbito da
repressão do tráfico ilícito de drogas. A CNUDM, não estipula o tráfico ilícito de
estupefacientes e substâncias psicotrópicas nos crimes Internacionais. Também
não se encontram consagrados nos crimes de jurisdição do TPI. Esse crime está
consagrado nos mecanismos da cooperação internacional, pelo que, “todos os
Estados devem cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e
substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar com violação das
convenções internacionais”89.
Ciente disso, a lei mãe do Estado de Cabo Verde, CRCV, explicita que nas
relações internacionais, devem ser respeitados os princípios da independência
nacional, do respeito pelo Direito Internacional e pelos Direitos do Homem, da
igualdade entre os Estados, da não ingerência nos assuntos internos dos outros
Estados, da reciprocidade de vantagens, da cooperação com todos os outros
povos e da coexistência pacífica.
88
Decreto lei de 1.098, de 25 de Março de 1970, Brasiília. (B.O, 1970) 89
(CNUDM – art.108º, nº 1)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
65
Ainda, suportando-se no princípio do consentimento, todo o Estado que tenha
motivos sérios para acreditar que um navio arvorando a sua bandeira se dedica
ao tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas poderá solicitar
a cooperação de outros Estados para pôr fim a tal tráfico. (art. 108 nº 2).
4.4.2. Cooperação Internacional no âmbito de repressão do tráfico de
drogas.
A cooperação jurídica internacional é a interação entre os Estados com o
objetivo de dar eficácia extraterritorial a medidas processuais provenientes de
outro Estado. A cooperação jurídica pode basear-se em tratado ou em pedido de
reciprocidade. Dos mecanismos desse tipo de cooperação, alguns merecem
destaque – as homologações de sentença estrangeira, as cartas rogatórias, os
pedidos de assistência jurídica, a extradição e a transferência de condenados.90
Importa salientar a importância da Convenção Das Nações Unidas Contra o
Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas aprovada em
Viena em 19 de Dezembro de 1988.
O objetivo da presente Convenção é o de promover a cooperação entre as
partes, a fim de que possam fazer face, de forma mais eficaz, aos diversos
aspetos do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas de
âmbito internacional. No cumprimento das obrigações decorrentes da presente
Convenção, as partes adotam todas as medidas necessárias, incluindo medidas
legislativas e administrativas, em conformidade com os princípios fundamentais
dos respetivos sistemas jurídicos internos”. (art. 2º da Convenção, Âmbito e
aplicação)”.
Essa cooperação baseia-se nos princípios de igualdade de soberania e de
integridade territorial dos Estados e de não ingerência nos assuntos internos de
outros Estados. Outra ressalva é que as partes não exercem no território de uma
90
(Baptista, 2006)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
66
outra, competência ou funções exclusivamente reservadas às autoridades dessa
Parte de acordo com o respetivo direito interno.
Segundo essa Convenção, as partes adotam as medidas necessárias para
tipificar como infracções penais no respectivo direito interno, quando cometidas
intencionalmente, conforme o art 3º, a), i). A produção, o fabrico, a extracção, a
preparação, a oferta, a comercialização, a distribuição, a venda, a entrega em
quaisquer condições, a corretagem, a expedição, a expedição em trânsito, o
transporte, a importação ou a exportação de quaisquer estupefacientes e
substâncias psicotrópicas em violação das disposições da Convenção de 1961,
da Convenção de 1961 alterada ou da Convenção de 1971;
Cabo Verde ratificou a Convenção e incorporou-a na lei especial de repressão
contra o tráfico de estupefacientes, Lei nº78/IV/93 de 12 de Julho, os preceitos
estabelecidos na presente Convenção, pelo que, inicia referindo no artigo 1º,
nº1. que, as normas da presente lei são interpretadas de harmonia com as
convenções relativas a estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou
precursores, ratificadas pelo país.
O artigo 3º, da lei da droga, incriminações e penas principais, adopta as
punições recomendadas pela Convenção, referindo no ponto 1, que, “quem, sem
se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer,
puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber,
proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou
ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 20º, plantas, substâncias
ou preparações compreendidas nas tabelas I e lI, será punido com pena de
prisão de 4 a 12 anos de prisão”. A Convenção não define penas a serem
aplicadas nestes casos, contudo no art. 3º nº 4, estipula que as Partes tornam a
prática de qualquer das infracções estabelecidas de acordo com o n.º 1 deste
artigo passível de sanções proporcionais à sua gravidade, tais como pena de
prisão ou outras penas privativas de liberdade, multa e perda de bens;
O artigo 3º, nº 1, da lei da droga de Cabo Verde, separa pessoas autorizadas e
pessoas não autorizadas incriminando as pessoas não autorizadas, quando
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
67
refere, sem se encontrar autorizado. Outro aspecto que se salienta, é o facto de
no mesmo artigo, ponto 2, incrimina, agravando a pena, as pessoas autorizadas
mas que agem em contrário da autorização concedida nos termos do decreto-lei
nº 92/92, de 20 de Julho, ou da legislação que o substitua, ilicitamente ceder,
introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no comércio plantas,
substâncias ou preparações referidas no número anterior, é punido com pena de
prisão de 5 a 15 anos.
Convém dizer que para os fins da cooperação entre as Partes prevista na
presente Convenção e, em particular, da cooperação prevista nos artigos 5.º,
perda, 6.º, Extradição, 7º, e 9º, outras formas de cooperação as infracções
estabelecidas de acordo com o presente artigo, não são consideradas como
infracções fiscais ou políticas nem como tendo motivação política, sem prejuízo
dos limites constitucionais e da legislação fundamental das Partes.
A Convenção não estabelece penalizações para o consumo, pelo que estipula o
seguinte: sob reserva dos princípios constitucionais e dos conceitos
fundamentais do respectivo sistema jurídico, as Partes adoptam as medidas
necessárias para tipificar como infracções penais no respectivo direito interno,
quando cometidas intencionalmente, a detenção, a aquisição ou o cultivo de
estupefacientes ou substâncias psicotrópicas para consumo pessoal em violação
do disposto na Convenção de 1961, na Convenção de 1961 modificada e na
Convenção de 1971.
Entretanto, salienta-se que a Convenção sugere agravação das penas quando a
acção for praticada por uma organização criminosa, a qual o agente pertence, e
a participação deste em quaisquer outras actividades criminosas organizadas
internacionais, conforme art. 3º, pto. 5, al. a) e b).
Por sua vez, a lei cabo-verdiana, segue esse preceito, referindo no artigo 11º,
pto. 1, que, quem promover, fundar, chefiar, dirigir ou financiar grupo,
organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando
concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 3º a 7º, é
punido com pena de prisão de 20 anos. No ponto 2, do mesmo artigo, explicita
que, quem prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar o grupo,
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
68
organização ou associação referidos no número anterior, é punido com pena de
prisão de 5 a 15 anos.
Importa salientar que a Lei de Cabo Verde, nº78/IV/93 de Julho de 1993,no seu
artigo 20º, penaliza o consumidor ou aquele que possuir, cultivar substâncias
tipificadas nas tabelas de I a III destinadas ao consumo pessoal.
a) Tráfico Ilícito de drogas no mar
No tocante a medidas de combate ao tráfico ilícito por via marítima, de
estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, destaca-se o preceituado no artigo
17º (Tráfico ilícito por mar), que inicia evocando o seguinte princípio: as Partes
cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em
conformidade com o direito internacional do mar.
O ponto 2, do mesmo artigo, consagra o princípio de cooperação respeitante ao
Estado de Pavilhão da seguinte forma: A Parte que tenha motivos razoáveis
para suspeitar que um navio com o seu pavilhão, ou sem qualquer pavilhão ou
matrícula, é utilizado para o tráfico ilícito, pode solicitar auxílio às outras Partes a
fim de pôr termo a essa utilização. As Partes assim solicitadas prestam essa
assistência no limite dos meios de que dispõem.
Segundo o ponto 3, a Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um
navio no uso da liberdade de navegação de acordo com o direito internacional e
que arvore o pavilhão ou tenha matrícula de uma outra Parte é utilizado para o
tráfico ilícito, pode notificar desse facto o Estado do pavilhão e solicitar a
confirmação da matrícula; se esta for confirmada, pode solicitar ao Estado do
pavilhão autorização para adoptar as medidas adequadas em relação a esse
navio.
O ponto 4 ainda do mesmo artigo diz que, de acordo com o n.º 3 ou com os
tratados em vigor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por
elas celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a, inter
alia, o acesso ao navio a inspeccionar o navio e se se descobrirem provas de
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
69
envolvimento no tráfico ilícito, adoptar medidas adequadas em relação ao navio,
às pessoas e à carga que se encontrem a bordo.
Quando uma medida é adoptada de acordo com o presente artigo, as Partes
interessadas devem ter devidamente em conta a necessidade de não pôr em
perigo a segurança da vida no mar, nem do navio ou da carga e de não
prejudicar os interesses comerciais e jurídicos do Estado do pavilhão ou de
qualquer outro Estado interessado.
Para os efeitos dos nºs 3 e 4 do presente artigo, as Partes respondem sem
demora aos pedidos de outras Partes com vista a determinar se um navio
arvorando o seu pavilhão está autorizado a fazê-lo, assim como aos pedidos de
autorização formulados nos termos do n.º 3, cada Estado designa, no momento
em que se tornar Parte da Convenção, a autoridade Central, ou, se for caso
disso, as autoridades encarregadas de receber e de responder a esses pedidos.
Essa designação será notificada pelo Secretário-Geral a todas as outras Partes
no mês seguinte ao da designação.
b) Tráfico de Drogas nas Zonas Francas
O Combate ao tráfico ilícito de drogas deve ser feito, também, nas portas de
entrada dos países. Nos transportes marítimos, essas áreas são os portos e as
zonas Francas,
Conforme o artigo 18º da Convenção, as Partes, a fim de eliminar, nas zonas e
portos francos, o tráfico ilícito de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e
substâncias compreendidas nas Tabelas I e II, adoptam medidas não menos
estritas do que as que aplicam a outras áreas do seu território.
No ponto 2, al a), desse artigo, consagra-se que as Partes devem vigiar o
movimento de mercadorias e pessoas nas zonas e portos francos e, para esse
efeito, autorizam as autoridades competentes a inspeccionar as cargas e os
navios à chegada e à partida, incluindo as embarcações de recreio e os barcos
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
70
de pesca, assim como as aeronaves e os veículos e, se for caso disso, a revistar
os membros da tripulação e passageiros, assim como as respectivas bagagens.
Mediante a alínea a), do mesmo ponto, as partes devem estabelecer e manter
um sistema de detecção de remessas suspeitas de conter estupefacientes ou
substâncias psicotrópicas e substâncias compreendidas nas Tabelas I e II que
entrem ou saem dessas zonas e portos francos.
E conforme o pto 2, al. c, as partes devem estabelecer e manter sistemas de
vigilância nos portos e docas, nos aeroportos e nos postos de fronteira das
zonas francas e portos francos. Em Cabo Verde essa função é atribuída a
Policia Judiciaria.
4.4.3. Cabo Verde como Estado cooperante na repressão do tráfico de
drogas
No âmbito do combate à droga a República de Cabo Verde dispõe de um
suporte legal que lhe permite relacionar com qualquer outro Estado, na medida
em que possui uma jurisdição amparada nas Convenções internacionais e tem
procurado aproximar de outros Estados através de acordos bilaterais e
multilaterais que dá aos tribunais nacionais competência para julgar os
processos sobre tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas
resultante de abordagens em águas internacionais próximas de Cabo verde.
Importa salientar que a lei cabo-verdiana se encontra adequada ou em
conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar,
adoptada a 10 de Dezembro de 1982, em Montego Bay, Jamaica, desde 1987,
quando procedeu à sua ratificação através da Lei N° 17/11/87 de 3 de Agosto.
Nesse sentido, constata-se que Cabo Verde é parte da Convenção Das Nações
Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias
Psicotrópicas aprovado em Viena em 19 de Dezembro de 1988. Essa importante
Convenção foi ratificada por Cabo Verde através da Resolução da Assembleia
Nacional n.º 71/TV/94, de 19 de Outubro.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
71
Segundo essa convenção, o Estado de Cabo Verde adopta as medidas
necessárias para estabelecer a sua competência em relação às infracções que
tipificar de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º, quando a infracção for cometida a
bordo de um navio arvorando o seu pavilhão ou de uma aeronave com matrícula
conforme com a sua legislação no momento em que a infracção for cometida.
Todavia, os tribunais de Cabo Verde têm competência para decidir sobre a
infracção cometida a bordo de um navio em relação ao qual essa Parte está
autorizada a tomar medidas adequadas, nos termos do artigo 17.º, desde que
essa competência seja exercida unicamente com base nos acordos ou
protocolos previstos nos no 4 e 9 do mesmo artigo, consagrados também na lei
penal de Cabo Verde e na lei da droga nº 78/IV/93 de 12 de Maio.
Enaltece-se também, o facto dos tribunais nacionais terem competências para
pronunciar sobre a infracção cometida fora do território nacional quando o
presumível autor for cabo-verdiano e se encontre no território cabo-verdiano,
sendo estrangeiro caso não possa ser extraditado. Sob reserva de acordos
concluídos entre Estados, quando praticados a bordo de navio em relação ao
qual o Estado do pavilhão autorizou as autoridades cabo-verdianas a examinar,
a visitar ou a tomar, em caso de descoberta de provas de participação em trafico
ilícito, as medidas apropriadas face ao navio, as pessoas abordo e a carga.
Outros aspectos relevantes são os acordos Multilaterais e Bilaterais assinados
por Cabo Verde e que têm alcançado frutos positivos. Nesse sentido, salienta-se
que no ano 2006 uma embarcação denominada Bahia Azul, de pavilhão
guineense foi apreendida, por autoridades espanholas em águas internacionais,
perto das Ilhas Canarias, com cerca de 3 toneladas de cocaína pura91. A
embarcação tinha bandeira Guineense mas já se encontrava em Cabo Verde a
operar havia já algum tempo.
Relembra-se, ainda, que no mês de Agosto do ano 2010, fora apreendido em
águas internacionais, próximas de Cabo Verde, pelas autoridades cabo-
91
Ver o site, http://www.lavozdegalicia.es/hemeroteca/2006/02/25/4550223.shtml
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
72
verdianas, um navio veleiro, registado nos EUA, com o nome de Tortuga92
contendo no seu interior cerca de 25 kg de cocaína. Essa operação foi
desenvolvida no âmbito da MAOC. E no ano 2011 desenvolveu-se a maior
apreensão de droga ocorrida no território cabo-verdiano que resultou na
apreensão de 1,5 toneladas de cocaína, graças à troca de informações
realizadas entre as autoridades cabo-verdianas, espanholas e holandesas93.
a) Acordo de Cooperação entre os Governos integrantes da CPLP para
a redução da demanda, prevenção do uso indevido e combate à
produção e ao tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias
psicotrópicas
Nesse contexto, Cabo Verde assinou o acordo de Cooperação entre os
Governos integrantes da CPLP para a redução da demanda, prevenção do uso
indevido e combate à produção e ao tráfico ilícitos de entorpecentes e
substâncias psicotrópicas, do qual fazem parte a República de Angola,
República Federativa do Brasil, República de Cabo Verde, República da Guiné
Bissau, República de Moçambique, República Portuguesa, e República de São
Tomé e Príncipe.
Perante o referido acordo, as Partes Contratantes propõem-se a harmonizar
suas políticas e a realizar programas coordenados para a prevenção do uso
indevido de drogas, a reabilitação do fármaco dependente e o combate à
produção e ao tráfico ilícitos de entorpecentes e substâncias psicotrópicas.
Para atingir os objectivos definidos no parágrafo anterior, as autoridades
designadas pelas Partes Contratantes desenvolverão as seguintes actividades,
obedecidas as disposições de suas legislações específicas: intercâmbio de
informação policial e judicial sobre rotas utilizadas, produtores, processadores,
traficantes de entorpecentes e substâncias psicotrópicas e participantes em
delitos conexos; intercâmbio de informação e dados sobre delitos relacionados
com lavagem de dinheiro de lucros ilícitos, meios de investigação e medidas de
92
Caso que, mais adiante, servirá de análise dos pressupostos da convenção sobre estupefacientes de 1988; 93
Ver o site, (Semana, 2012)
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
73
sua detecção; intercâmbio de informação sobre programas de prevenção do uso
indevido de drogas e de reabilitação de fármaco dependentes; intercâmbio de
informação sobre práticas de controlo de precursores e substâncias químicas
utilizadas na fabricação de entorpecentes e troca de informação em matéria de
sistemas de controlo nacional do mercado ilícito de precursores; intercâmbio de
informação e experiências sobre suas respectivas legislações em matéria de
entorpecentes e substâncias psicotrópicas; fornecimento, por solicitação de uma
das Partes contratantes, de antecedentes sobre narcotraficantes e autores de
delitos conexos. Com vista à consecução dos objectivos do presente Acordo,
representantes dos Governos da CPLP reunir-se-ão, por solicitação de uma das
Partes contratantes, para: recomendar aos Governos, no marco do Acordo,
programas conjuntos de acção que serão desenvolvidos pelos órgãos
competentes de cada país; avaliar o cumprimento de tais programas de acção;
elaborar planos para a prevenção do uso indevido e a repressão coordenada do
tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas e para a reabilitação
do fármaco dependente; propor aos respectivos Governos as recomendações
que considerem pertinentes para a melhor aplicação do referido Acordo, e as
decisões, aprovadas por mútuo consentimento, poderão ser objecto de
protocolos Complementares ao presente Acordo a serem celebrados entre as
Partes Contratantes.
b) A Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental,
CEDEAO.
Os Estados da CEDEAO ficam situados num ponto estratégico ligando a
América do Sul e a Europa e sabendo que estes não possuem capacidade para
vigiar e proteger as suas costas, os traficantes têm utilizado essa rota como local
de trânsito de cocaína e Heroína para dar entrada na Europa.
Nessa região, o crime organizado, impulsionado pelo tráfico de droga constitui
uma séria ameaça à paz, à segurança e ao desenvolvimento dos Estados dessa
região. Salienta-se que os dados recentes apontados no relatório da ONUDC de
2012 apontam que cerca de 50% da droga fica nesses Estados, incluído Cabo
Verde.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
74
Salienta-se a apreensão de grandes quantidades de cocaína proveniente da
América do Sul, pelo que, se destaca as apreensões recentes, de 1,5 toneladas
em Cabo Verde em 2011, e 1,6 toneladas nas Ilhas Canárias, presumivelmente,
com destino a Benim em 201294.
Ciente disso, A ONUDC, DPKP, UNOWA/DPA e a INTERPOL, decidiram unir
esforços para ajudarem a CEDEAO. Por sua vez a CEDEAO apoia todos os
Estados membros na implementação de medidas de repressão ao tráfico ilícito
de drogas. A INTERPOL supervisiona o reforço dos actuais escritórios centrais
nacionais e, se for o caso, oferece formação especializada e apoio às forças de
aplicação da lei95.
Respondendo à necessidade de uma abordagem global e multilateral o ONUDC,
o UNOWA/DAP, o DNUMP e a INTERPOL criaram a Iniciativa da Costa
Ocidental Africana (WACI), para trabalhar em sinergia no apoio à implementação
do «Plano de Acção Regional da CEDEAO para Resolver o Problema Crescente
do Tráfico de Drogas, Crime Organizado e Abuso de Drogas na África Ocidental.
A WACI é um programa conjunto que envolve um vasto número de actividades
destinadas à capacitação, tanto a nível nacional como regional, nas áreas de
aplicação da lei, forense, gestão das fronteiras, luta contra o branqueamento de
capitais e o fortalecimento das instituições de justiça criminal, contribuindo para
as iniciativas de consolidação da paz e reformas no sector de segurança96.
c) Cabo Verde e Europa
Em relação à Europa, Cabo Verde encontra-se bem inserido em termos de
cooperação, na medida em que, tem o Estatuto de membro observador do
Centro de Análises e Operações Marítimas, adiante referido por, MAOC,
resultado do acordo multilateral entre a Irlanda, o Reino dos Países Baixos, o
94
(ONUDC, 2013); (Hamid Ghodse, 2011) 95
, (ONUDC, 2008) 96
idem
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
75
Reino de Espanha, a República Italiana, a Republica Portuguesa, a Republica
Francesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
A sede da MAOC encontra-se em Lisboa - Portugal, e goza de personalidade
jurídica no território de cada uma das Partes, incluindo a capacidade de
contratar, adquirir e dispor do património móvel e imóvel.
O Centro fornece uma base para o compromisso das Partes na operação
material no domínio da supressão do tráfico ilícito de estupefacientes por mar e
por ar, através do Atlântico com destino à Europa e costa marítima da África
Ocidental, com a possibilidade de alargar as suas operações, entre alia, à bacia
do Mediterrâneo Ocidental.
As acções do Centro são basicamente: Recolher e analisar informações para
auxiliar na determinação dos melhores resultados operacionais relativamente ao
tráfico ilícito de estupefacientes por mar e por ar na área operacional; dinamizar
a produção de informações através de troca recíproca de informações com a
EUROPOL; aferir a disponibilidade de meios, os quais, sempre que possível,
sendo notificados com antecedência de modo a facilitar as operações de
interdição para suprimir o tráfico de estupefacientes por mar e por ar.
Após a sua entrada em vigor, que ocorreu após a notificação do instrumento
aprovado pelo terceiro Estado, o Centro ficou aberto para adesão de qualquer
Estado, desde que tenha sido convidado por decisão unanime das Partes, nos
termos dos artigos 21.° e 22.° do citado Acordo.
d) Acordo Bilateral - Tratado entre a República portuguesa e a
República de Cabo Verde no domínio da fiscalização conjunta de
espaços marítimos sob soberania ou jurisdição.
No sentido de tornar mais célere as relações entre Cabo Verde e seus parceiros
de desenvolvimento foram assinados vários acordos bilaterais à luz da
Convenção de Viena de 1988. O Acordo entre o República portuguesa e a
República de Cabo Verde em matéria de vigilância conjunta das zonas
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
76
marítimas sob soberania e jurisdição de Cabo Verde, assinado na Cidade do
Mindelo em 16 de Setembro de 2006 e aprovado em 29 de Maio de 2009
conforme resolução da Assembleia da República portuguesa 52/2009, adiante
referido por Tratado é um protótipo utilizado na cooperação bilateral utilizado
com outros países desse continente, tais como República de Espanha, Reino
Unido e Holanda.
O Tratado estabelece no artigo 1º, as bases do patrulhamento conjunto dos
espaços marítimos sob soberania ou jurisdição da parte cabo-verdiana, podendo
incidir sobre qualquer tipo de ilícito, num quadro de respeito pelo direito
internacional e pelo direito interno de ambas as Partes.
Recorde-se o preceito do artigo 17 da Convenção de Viana de 1988 e no artigo
3º do referido tratado dizendo que, na sequência de solicitação formal da Parte
cabo-verdiana, a Parte Portuguesa disponibiliza unidades navais da sua Marinha
para participação em acções de fiscalização conjunta das áreas sob soberania
ou jurisdição da parte cabo-verdiana. A solicitação pela Parte cabo-verdiana
implicará, nos limites deste Tratado, a autorização para que unidades navais da
Marinha Portuguesa circulem e participem nas acções necessárias à garantia do
cumprimento das leis e regulamentos da Parte Cabo -Verdiana.
Quando um ilícito for praticado por um navio de pavilhão diferente das partes
num espaço de soberania ou jurisdição Cabo-verdiana será a equipa desta
última, sempre que possível, a efectuar a fiscalização e as consequentes
acções, devidamente apoiada pela unidade naval da Marinha Portuguesa,
conforme o artigo 8º do tratado.
O direito de visita é consagrado no Tratado referindo que : Sempre que haja
legitimidade, em conformidade com o direito internacional, para a unidade naval
da Marinha Portuguesa actuar, designadamente nas situações estabelecidas no
artigo 110.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, na
Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e
Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988), na Convenção para a
Supressão de Actos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima e no
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
77
Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade
Organizada Transnacional, contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre,
Marítima e Aérea, as equipas da Marinha Portuguesa poderão visitar e fiscalizar
o navio suspeito, devendo a apreensão ser efectuada pela equipa de
fiscalização da Parte Cabo -Verdiana, de forma que o ilícito tenha o seu
desenvolvimento no território desta Parte, considerando eventuais medidas
judiciais.
O Tratado respeita os compromissos internacionais, pelo que estabelece no
artigo 18º que nenhuma disposição do presente Tratado poderá prejudicar os
direitos e as obrigações a que ambas as Partes se encontrem vinculadas por
outras convenções internacionais.
Acrescenta-se ainda que os acordos de cooperação Policial realizados por Cabo
Verde com vários países da Europa, através das autoridades encarregadas da
investigação e prevenção de crimes, onde se comprometem em permutar entre
si, sempre que se mostrar conveniente e nos limites consentidos pelas
respectivas legislações internas e pelo Acordo, as informações e a colaboração
policial relativas a indivíduos ou organizações criminalmente suspeitos, cuja
actuação se reflicta em ambas. Nesse sentido, existem acordos com a
Alemanha, Portugal, Holanda, Espanha, entre outros.
e) Cabo Verde e as Américas
Recentemente, no dia 24 de Março do corrente ano, na cidade da Praia, o
Governo de Cabo Verde assinou com os EUA o acordo de cooperação bilateral
que visa o combate às actividades marítimas transnacionais ilícitas e apoio
logístico recíproco.
Segundo o artigo 2º do acordo, o objectivo é promover a cooperação entre as
partes com o propósito de reforçar as suas capacidades de combate e resposta
às actividades ilícitas, incluindo, nomeadamente, o tráfico de estupefacientes e
de substâncias psicotrópicas.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
78
Considerando que é preciso unir esforços para combater e reduzir as actividades
ilícitas relativas ao tráfico de estupefacientes desde a América Latina para
Europa, através da África, mediante a cooperação contra o tráfico de droga, o
intercâmbio de informação e a instrução de capacitações, no dia 27 de Janeiro
de 2010, na cidade de Bogotá, foi subscrito por representantes da Policia
Judiciária de Cabo Verde, o Acordo Interinstitucional para a Cooperação e
Inteligência entre a Polícia Nacional Peruana da República do Peru e a Policia
Judiciária (PJ) da República de Cabo Verde sobre Tráfico de Estupefacientes
desde América Latina para África Ocidental.
Ainda nessa mesma perspectiva e com textos semelhantes ao anterior, existem
os memorandos de entendimento assinados por Cabo Verde com Brasil, Bolívia,
República Dominicana e Peru.
4.4.4. Aplicabilidade da Convenção de Viena de 1988 - «Caso Tortuga»97
Após a análise dos aspectos jurídicos de Cabo Verde no contexto Internacional,
no sentido de combater o tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas
a nível global, pretende-se demonstrar e analisar a aplicabilidade da Convenção
de Viena de 1988 ao caso concreto.
A situação doravante retratada, será aqui denominada de “O caso Tortuga”, por
“TORTUGA” ser o nome de um veleiro registado nos Estados Unidos da
América, onde foram apreendidos 27 pacotes de cocaína. O navio “TORTUGA”
foi abordado pelas autoridades Cabo-verdianas quando se encontrava à deriva
em alto mar, a cerca de trezentas milhas náuticas de Cabo Verde. No momento
da abordagem encontravam-se no navio dois indivíduos do sexo masculino,
naturais da Lituânia que, por conveniência, serão aqui tratados por Simial e
Sanil. Refere-se também que apenas os nomes dos indivíduos e as informações
referentes à embarcação aqui referidos serão fictícios e, ressalvando as
questões de nacionalidade, o restante dos factos estão em concordância com a
97
(Semana, 2012);
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
79
sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de São Vicente, 1º juízo
Criminal e pelo recurso apresentado pela defesa dos arguidos.
a) Resumo dos Factos98
No âmbito da Cooperação policial, as autoridades cabo-verdianas receberam
uma informação, através da Plataforma de Coordenação de Informação do
MAOCN, dando conta que uma embarcação suspeita de se encontrava a
transportar cocaína da América do Sul para África Ocidental ou Europa,
possivelmente, entraria em águas de Cabo Verde.
O navio e os tripulantes vinham sendo monitorados muito antes da detenção e
apreensão, pelo que informações recolhidas anteriormente davam conta que, os
arguidos e um terceiro indivíduo, aqui denominado SKIN, viajaram para os EUA
e, no dia 2 e 3 de Fevereiro do ano 2010, adquiriram a embarcação denominada
“Tortuga”, na cidade de Lauderdale, Florida, sob o nº 404976, pelo valor de
42.000 USD. Estes dirigiram-se 13 dias depois para o sul, passando por outras
paragens chegando até Brasil (Belém, Recife e Natal). Na região de João
Pessoa, cidade de Cabedelo/PB, num estaleiro não apropriado a embarcação foi
submetida a reparações, ao invés de ser feita numa Oficina referenciada pelas
autoridades marítimas.
No período compreendido entre 22 de Junho e 10 de Agosto, os arguidos, Simial
e Sanil e o tal de SKIN estiveram parados no Brasil, onde durante esse tempo,
abriram o porta leme da aludida embarcação e colocaram ali uma boa
quantidade de produtos estupefacientes, mais concretamente cocaína.
Os arguidos declararam às autoridades brasileiras dessa cidade que pretendiam
viajar no dia 10 de Agosto do referido ano, para o porto de Buenos Aires,
Argentina. Iniciaram a viagem declarada e, ao invés de rumarem para Buenos
Aires, puseram-se em direcção ao atlântico Norte.
98
O resumo dos factos realizou-se com base nos autos do processo em causa e após ter sido publicamente pronunciada a decisão final do STJ.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
80
b) Abordagem e competência dos tribunais nacionais
Volvidos 18 dias, no dia 28 de Agosto do mesmo ano, por volta das 08:25 horas,
as autoridades cabo-verdianas (Policia Judiciária e Guarda Costeira), recorrendo
a meios aéreos e marítimos disponibilizados pela Marinha Inglesa, localizaram a
embarcação “TORTUGA” com bandeira Americana, em águas próximas, no alto
mar, a cerca de trezentas milhas de Cabo Verde.
Entretanto, os meios utilizados para se aproximar do navio pertenciam à
Inglaterra. A abordagem ao mesmo foi feita pelos Agentes da Polícia Judiciária e
da Guarda Costeira cabo-verdianas, munidos de autorização dos órgãos
competentes, tanto de Cabo Verde que a solicitou, bem como dos EUA que
autorizou, nos parâmetros do artigo 17º da Convenção de Viena de 1988 e
procederam à abordagem do navio em causa99.
Nesse aspecto, refere-se que os dois Estados são partes da Convenção, pelo
que considera terem cumpridas as formalidades legais para a realização da
operação, conforme o mesmo artigo, ponto 3: “A Parte que tenha motivos
razoáveis para suspeitar que um navio no uso da liberdade de navegação de
acordo com o direito internacional e que arvore o pavilhão ou tenha matrícula de
uma outra Parte é utilizado para o tráfico ilícito, pode notificar desse facto o
Estado do pavilhão e solicitar a confirmação da matrícula; se esta for
confirmada, pode solicitar ao Estado do pavilhão autorização para adoptar as
medidas adequadas em relação a esse navio.
Ainda o ponto 4, deixa claro que de acordo com o n.º 3 ou com os tratados em
vigor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por elas
celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a, inter alia,
ter acesso ao navio, inspeccioná-lo e se se descobrir provas de envolvimento no
tráfico ilícito, adoptar medidas adequadas em relação ao mesmo, às pessoas e à
carga que se encontrem a bordo. Sendo assim, indubitavelmente, considera-se
que a abordagem foi efectuada dentro da legalidade.
99
Nesse mesmo sentido explicita o CMCV, art. 83. Ptos 1, 2 e 3.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
81
c) A nacionalidade
Uma outra questão que poderia ser levantada seria o facto dos dois tripulantes
serem nacionais da Lituânia, mas que, facilmente se contornaria pelo princípio
da territorialidade e sua extensão e pelo princípio de pavilhão. Tendo o navio o
pavilhão norte-americano, este é o Estado competente para julgar os factos
ocorridos no navio, independente da nacionalidade dos agentes100. Sendo que,
de acordo com a Convenção poderá um outro Estado pronunciar sobre os factos
ocorridos num navio de pavilhão diferente, desde que o Estado de pavilhão
autorize, conforme o artigo 17º nº4. Al. c) referindo que, se se descobrirem
provas de envolvimento no tráfico ilícito, o Estado que procedeu à abordagem
adopta medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se
encontrem a bordo.
d) Local da ocorrência dos factos
Quanto à posição, águas internacionais, em que o navio se encontrava, poderia
ser alegado que ocorreu fora do território nacional. Contudo, neste caso, isso
não é relevante, tendo em conta que esse conflito se resolve com base no
mesmo artigo 17º da Convenção, ou seja, a lei de Cabo Verde é aplicável a um
navio de pavilhão diferente, desde que se tenha compridas as formalidades
referidas no artigo 17º da Convenção de Viena de 1988 e conforme o
estabelecido no artigo 28º do Código de Processo Penal de Cabo Verde: “a lei
processual penal é aplicável em todo o território nacional e fora dele nos limites
estabelecidos pelas Convenções internacionais aplicáveis em Cabo Verde e
pelos acordos firmados no domínio da cooperação Judiciária.
e) Resultado da busca no TORTUGA
A busca no navio não se procedeu no local da abordagem devido ao mau tempo
que se fazia, tendo sido escoltado até ao Porto Grande, cidade do Mindelo, porto
geograficamente mais próximo, onde chegou no dia seguinte. Assim, no final da
manhã deste dia, deu entrada no Porto Grande, cidade do Mindelo, sob escolta
da Guarda Costeira de Cabo Verde e no período da tarde foi realizada a busca à
embarcação de onde se vislumbrou vestígios de reparações recentes no porta
100
Evoca-se o princípio da territorialidade e a sua extensão, Principio de Pavilhão, referido anteriormente
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
82
leme, que fica submerso em relação à linha de água do navio, onde após
abertura, foram encontrados vinte e sete pacotes, contendo no seu interior um
pó branco que submetido ao teste rápido em uso na PJ, teste este feito por
Inspectores da mesma, reagiu positivamente para cocaína, revelando um alto
grau de pureza.
De facto, a embarcação encontrava-se fora do território cabo-verdiano, contudo,
no tocante à aplicação da lei penal cabo-verdiana no espaço, art. 25º da lei de
Drogas, ela é aplicável quando se trata de crimes que o Estado cabo-verdiano,
por convenção internacional se tenha obrigado a julgar. Logo, é aplicável aos
factos cometidos fora do território nacional, se praticados a bordo de navios
contra o qual Cabo Verde tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no
artigo 17.º da Convenção de Viena de 1988. Isto tem a ver com o princípio da
extraterritorialidade definido no artigo 4.º do CPCV, permitindo portanto, desde
que observados os requisitos exigidos pela referida Convenção, a abordagem de
embarcações independentemente do local onde se encontrem e do pavilhão que
ostentam, exceptuando obviamente, se estas se encontrarem em território
estrangeiro nos termos definidos pela mesma Convenção ou gozarem de
imunidades estabelecidas pela mesma.
f) Sentença:
O referido tribunal condenou os arguidos pela autoria e co-autoria material do
crime de tráfico de drogas agravado, segundo disposições combinadas dos
artigos 3º, nº 1, al. c) e do art. 8º da lei 78/IV/93, na pena de 10 anos de prisão.
Os arguidos foram absolvidos da prática do crime de associação criminosa p. e
p. nos termos do art. 11º, nº 2 da referida lei. Foram ainda condenados a pagar
as custas processuais, nos termos do artigo 19º da mesma lei e punidos ainda
nos termos do art. 73º da lei, que regula a matéria sobre estrangeiros, à
expulsão dos arguidos do país e uma interdição de regressar país por um
período de 10 anos101.
101
Em casos semelhantes a jurisprudência espanhola tem decidido no mesmo sentido, aplicando penas muito idênticas, pelo que se pode constatar na decisão proferida pelo Supremo Tribunal. Sala de lo Penal, sede Madrid, resolução nº 1644/2003,
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
83
g) Recurso
A defesa apresentou recurso considerando ilegal a prisão dos arguidos, (…)
alegando que não foi provado que os indivíduos pertenciam a nenhuma
associação criminosa, destinada à prática do crime de tráfico de drogas. A
defesa considerou ainda que não ficou provado que os indivíduos se dedicavam
ao tráfico de drogas e nem à associação criminosa.
Destaca-se o facto de a defesa referir que o único facto que ficou provado é que
os arguidos se encontravam, efectivamente, no Yate onde pouco mais de 25 kg
de cocaína se encontrava armazenada, mas que fazendo fé nas suas palavras,
a droga poderia ter sido colocada ali pelo SKIN e seus amigos num momento em
que eles se encontravam ausentes, pelo que não tinham conhecimento do facto.
Ou seja, os arguidos consideraram que não tinham nada a ver com a droga
apreendida e que apenas foram utilizados por pessoas que serviram de suas
ingenuidades e ignorância.
Alegaram ainda em defesa que, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de São
Vicente, 1º Juízo Criminal, absolveu os arguidos do crime associação criminosa,
previsto no artigo 11º da lei de droga 78/IV/93, pelo facto de não existirem
provas suficientes no processo, e porque encontraram drogas na posse dos
arguidos, ignorando as suas alegações, condenando-os a dez anos de prisão,
ou seja, uma vez que não foram condenados por associação criminosa, teria o
tribunal necessariamente de os condenar por tráfico de drogas.
O STJ ponderou as alegações das partes e julgou adequado reduzir a pena dos
arguidos Simial e Sanil para sete anos e seis meses de prisão.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
84
Conclusão
Ao longo desses cem anos, a contar a partir do surgimento da primeira
Convenção Internacional sobre drogas, mais concretamente ópio, realizada na
conferência de Xangai no ano de 1909, de facto, muito se tem feito no sentido de
controlar o tráfico de drogas a nível mundial.
No entanto, o mar aparece como a via mais viável e vulnerável para se traficar
ilicitamente grandes quantidades de drogas entre os continentes, devido as
extensas costas desprotegidas, zonas marítimas sem vigilância e aliado a maior
capacidade de transporte dos navios, isto em comparação com outros meios de
transportes existentes no planeta.
Perante um crime de âmbito transnacional, a ONU, preocupado com a utilização
do mar para fins que ameaçam a saúde pública mundial e a soberania dos
Estados, concluiu no ano de 1982, em Montego Bay, Jamaica, a Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar, como importante contributo para a
manutenção da paz, da justiça e do progresso de todos os povos do mundo.
Segundo o artigo 108º desta convenção o tráfico ilícito de drogas deve ser
combatido através de cooperação entre os Estados.
Por tanto constata-se que actualmente, os instrumentos jurídicos de repressão
ao tráfico ilícito de drogas mais importantes são: a Convenção Única sobre
Narcóticos de 1961, emendada pelo Protocolo de 1972, a Convenção sobre
Substâncias Psicotrópicas de 1971 e a Convenção das Nações Unidas contra o
Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 1988. A nível do
tráfico ilícito de drogas pelo mar, os aspectos mais relevantes se encontram nos
artigos 17º e 18º da última Convenção. Entretanto, os acordos multilaterais e
bilaterais realizados à luz das referidas convenções internacionais são os meios
mais eficazes para combater o tráfico ilícito de drogas pela via marítima.
Importa referir que a nível global, o crime de tráfico de drogas fere alguns dos
bens jurídicos mais importantes da comunidade internacional, tais como, a
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
85
saúde pública mundial e a soberania dos Estados. No entanto, ela não se
encontra na lista dos crimes julgados pelo TPI, conforme o artigo 5º do ERTPI.
Na minha opinião, isso é um reflexo da falta de entendimento que tem havido
nessa questão.
Convém referir que os Estados, mesmo os mais desenvolvidos, têm mostrado
dificuldades em proteger suas fronteiras terrestres e marítimas e a saúde pública
dos seus cidadãos perante um crime sofisticado e altamente organizado. Nesse
sentido, as redes organizadas de tráfico ilícito de drogas aproveitam dos fracos
recursos financeiros e recorrem aos avultados lucros proveniente dessa
actividade para infiltrar nos sistemas de segurança através da corrupção, tráfico
de influência entre outros crimes que acabam por fragilizar ainda mais a
soberania dos Estados em vias de desenvolvimento.
A ONUDC refere aos Estados da CEDEAO, dos quais, Cabo Verde faz parte,
como sendo países de trânsito. Contudo, no último relatório de 2013, alertou
para o consumo dessas substâncias, presumindo que cerca de 50% da droga
que circula por essa área acaba por aqui ficar.
Com o intuito de minimizar os efeitos negativos desse crime, Cabo Verde faz
parte das referidas Convenções e conta com a assinatura de vários acordos
estratégicos de âmbito multilateral e bilateral. No âmbito multilateral, o país conta
com o estatuto de membro observador do MAOC, assinou o Acordo de
Cooperação entre os Governos integrantes da CPLP e beneficia do acordo da
CEDEAO que segue os parâmetros da ONUDC. Todavia, a nível bilateral
destaca-se a assinatura de vários acordos de vigilância conjunta de suas águas,
tais como os assinados com Portugal, Reino Unido, Holanda, Espanha e EUA.
Ainda com esse objectivo e considerando a necessidade de unir esforços para
combater e reduzir as actividades ilícitas relativas ao tráfico de estupefacientes
desde a América Latina, através de Africa Ocidental, para Europa, foram
subscritos pela Policia Judiciária de Cabo Verde vários acordos de cooperação
com as autoridades policiais competentes da República do Peru, Brasil, Bolívia,
República Dominicana e Jamaica.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
86
A análise dos vários instrumentos jurídicos internacionais trazidos para a
esférica jurídica cabo-verdiana nomeadamente, Convenções Internacionais de
repressão ao trafico ilícito de drogas, os vários acordos Bilaterais e multilaterais
assinados e a própria lei interna de combate ao trafico ilícito de drogas permite-
nos inferir que Cabo Verde se encontra bem amparado na esfera jurídica global.
Facto demonstrado na resolução do caso Tortuga, julgado pelo Tribunal da
Comarca de São Vicente, 1º juízo criminal,
Na minha modesta opinião, a ONU tem conseguido avanços significativos no
sentido de obter um consenso doutrinal universal para repreender o tráfico ilícito
de drogas, porém o caminho continuará sendo árduo e longo, pelo que esses
vários instrumentos jurídicos aqui mencionados só serão eficazes mediante o
engajamento, a vontade política e a cooperação de todos os Estados do Mundo.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
87
Bibliografia
Livros, Revistas e Relatórios
Afonso, R. Queiró. 1976. lições do Direito Administrativo (policopiadas).
Coimbra : policopiadas, 1976.
Amaral, Diogo Freitas do. 2004. Manual de Introdução ao Direito. Coimbra :
Almedina, 2004.
Bastos, Celso Ribeiro. 1998. Curso de Direito Internacional. São Paulo : 19ª,
1998. p. 79.
Fonseca, Luis Henrique Pereira da. 1989. Visão Politica de um organismo
especializado da Nações Unidas - IMO. Brasilia : Fundação Alexandre de
Gusmão - IPRI, 1989.
Gouveia, Jorge Bacelar. 2008. Manual de Direito internacional Público. 3ª.
Coimbra : Almedina, 2008.
Grotius Hugo, trad. [trad.] Blanco Garcia Arias V.
Gutter, Murillo Sapia. 2011. Introdução ao Direito Internacional Público. s.l. :
Uberaba-MG, 2011.
Guy, christian. 1979. Fundamentos Político-Económicos da apropriação dos
Fundos Marinhos. Sta Catarina : Imprensa Universitaria de Sta Catarina, 1979.
Hamid Ghodse. 2011. Relatorio sobre o centenario da adopção do primeiro
tratado Internacional de Controlo de drogas, AC EM 16-04-14 EM url. Junta
Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, Internacional Narcotics Control
Board. Brasil : Internacional Narcotics Control Board, 2011. pp. 1-12, Relatório
Anual.
Hildebrando, Accioly. 2000. São Paulo : Saraiva, 2000.
Jean Bodin, tradução Pedro Brava Gala. 1997. Los seis livros de la rapublica.
Madrid : Tecnos, 1997. 84-309-1241.
Jo, Hee Moon. 2000. Introdução ao direito internacional, são paulo LTR, 2000.
São Paulo : LTR, 2000.
jubilut, Liliana Lyra e Monaco, Gustavo Ferraz de Campos. 2010. Direito
Internacional publico. São Paulo : Lex editora, 2010.
Junior, Alberto do Amaral. 2008. Noções de Direito e Direito Internacional.
Brasilia : Fundação Alexandre Gusmão, 2008.
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
88
Lima, Renata Mantovani de e Costa, Marina Martins de. 2006. O Tribunal
Penal Internacional. Belo Horizonte : Del Rey, 2006. p. 23.
Miranda, Jorge. 1999. Curso de Direito Internacional Publico. Estoril : Princípia,
1999. ISBN/972-8818-77-7.
Nascimento, Januario da Rocha. 2004. Cabo Verde e o Direito do Mar. São
Vicente : Autor, 2004.
Nasser, Salem Hikmat. 2000. Fontes e normas do direito Internacional. São
Paulo : Atlas, 2000. p. 59.
Oliveira, Fernando. 1996. BREVE GLOSSARIO DE LATIM PARA JURISTAS .
Lisboa : Edições Cosmos, 1996. 972-8081-79-0.
Reale, Miguel. 2000. Teoria do Direito e do Estado. S. Paulo : Saraiva, 2000.
85-02-03087-6.
Silva, Luisa Lopes da. 2013. Questão das drogas na Relações Internacionais.
Brasilia : FUNAG, 2013. 978-85-7631-428-8 .
Silva, Placido de. 2001. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro : Forense, 2001.
Soares, Guido Fernando Silva. 2000. Curso de Direito Internacional publico.
São Paulo : Atlas , 2000.
Artigos, Códigos e Convenções
CNUDM. 1982. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar . Montego
Bay - Jamaica : ONU , 1982;
Convenção Das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito De Estupefacientes e De
Substâncias Psicotrópicas. ONUDC. 1988. Viena : ONU, 1988.
Estatuto da Corte Internacional de Justiça. ONU. 1945. São Francisco :
Organização das Nações Unidas, 1945.
Dec. Lei de 1.098 de 25 de Março de 1970, Brasilia.
Acórdão nº 97/2012 proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça de Cabo Verde;
Ley 17/1.967, de 8 de abril, de normas reguladoras por Las que se actualizan las normas vigentes sobre Estupefacientes adaptándolas a lo establecido en el Convenio de 1.961 de naciones unidas; Lei da droga de Cabo Verde, Dec. lei 78/IV/93, de 12 de Julho de 1993;
Maritimo, Codigo. 2010. Codigo Maritimo de Cabo verde. Praia : s.n., 2010.
Decreto-Legislativo n.º 14/2010:
Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Trafico de Drogas Ilícitas Pela Via Marítima –
Cabo Verde
89
ONU. 1988. Conv. Para a supressão de Atos ilicitos Contra a Segurança Da
Navegação Maritima. Roma : s.n., 1988.
ONUDC. 2013. Criminalidade Organizada Transnacional na África Ocidental.
Viena : 2013.
Penal, Codigo. 2004. Código Penal de Cabo Verde . Praia : Ministerio da
Justiça , 2004.
Penal, Código de Processo. 2005. Código de Processo Penal de Cabo Verde.
Praia-Cabo Verde : Ministério da Justiça, 2005.
Páginas Web
http://www.adusp.org.br/files/revistas/07/r07a07.pdf.
http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/fonte
http://www.legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=196892.M
http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=774.
http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=4059.
http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/conteudo/index.php?id_conteudo=11
250&rastro=INFORMA%C3%87%C3%95ES+SOBRE+DROGAS/Defini%C3%A7
%C3%A3o+e+hist%C3%B3rico.
http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v40n1/v40n1a04.pdf.
http://contradominio-fkb.blogspot.com/2009/04/xangai-1909.html.
http://unowa.unmissions.org/Portals/UNOWA/WACI/110818%20Waci_PR_UNO
WA%20OKlight.pdf.
http://www.lavozdegalicia.es/hemeroteca/2006/02/25/4550223.shtml
http://www.rtc.cv/index.php?paginas=21&id_cod=8062.
http://dw.de/p/15LlX.
http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/levs/article/viewFile/2655/2084.
http://www.asemana.publ.cv/spip.php?article72177.
http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2483/estudo_mar_souza.
http://www.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/folhetos/drogas_.htm.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerras_do_%C3%B3pio.