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AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CIBERESPAÇO: OS ALCANCES E LIMITES
DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA
BARBOSA, Agnaldo de Sousa1
DIAS, Louise Fernanda de Oliveira2
Eixo Temático: Desenvolvimento Humano, Relações De Trabalho e Políticas Públicas.
RESUMO
A sociedade globalizada tem na Internet um dos resultados do seu desenvolvimento
tecnológico, mas também um instrumento da interação dos indivíduos em escala global. A
designação primitiva International Networking, indica que a Internet é uma rede mundial de
computadores e meio que permitiu a formação de um ciberespaço. Este pode ser entendido
como um ambiente transfronteiriço, virtual, que utiliza o meio material computador, capaz de
romper com as limitações de tempo e espaço, em uma dinâmica própria de funcionamento que
promove interações humanas como a troca de informações, arquivos, ideias, comunicação,
formação de relações comerciais e trabalhistas. Assim, mediante esforço de interpretação
crítica da literatura científica, buscou-se compreender as relações de trabalho no contexto da
dinâmica ciberespacial, analisando o alcance e limites das normas jurídicas trabalhistas nesse
ambiente; como fundamento empírico dessa reflexão, o presente estudo valeu-se da
investigação de julgados do "Banco de Sentenças" do site do TRT/SP.
Palavras-Chave: Globalização; Internet; Ciberespaço; Relações de Trabalho; Legislação
Trabalhista; Teletrabalho.
1 INTRODUÇÃO
A sociedade do século XXI tem como uma das principais expressões de sua
complexidade a fugacidade, a transitoriedade, razão pela qual o sociólogo polonês Zygmunt
Bauman caracterizou essa nova fase de nosso desenvolvimento histórico como um período de
"modernidade líquida" (BAUMAN, 2001). Os sintomas mais visíveis dessa "liquidez" são a
1 Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Professor Doutor em Sociologia. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. [email protected]. 2 Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Graduanda em Direito. [email protected].
2
flexibilização das relações de trabalho e de produção, resultado de uma economia que se
tornou global, e uma dinâmica de compressão do espaço-tempo, efeito das novas tecnologias
da informação e comunicação que possibilitaram a organização de infinitas redes que
entrecortam múltiplas dimensões da sociedade (BAUMAN, 2001; GORZ, 2005; HARVEY,
1995). Esses processos revolucionaram a forma como os indivíduos produzem, trabalham e se
comunicam, configurando uma nova realidade na qual a vida se desprende da dimensão do
material, perpassando de modo crescente espaços virtuais, cuja existência se funda em
territórios imateriais da World Wide Web.
Essas mudanças exercem influência sobre os mais diversos campos de interação
humanos e, indubitavelmente, no âmbito do Direito; seu impacto sobre o Direito do Trabalho
é dos mais potentes, em especial ao promover novas formas de relações de trabalho, das quais
as estabelecidas virtualmente são as que interessam a este artigo: o teletrabalho.
O que é o teletrabalho? Quais suas características? Como se desenvolveu essa nova
forma de trabalho? Há legislações a esse respeito? Qual o entendimento dos tribunais – e,
mais especificamente, o Tribunal Regional do Trabalho do Estado de São Paulo – a esse
respeito? São algumas das questões que buscaremos responder no decorrer deste artigo.
2 O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DO PROBLEMA
De modo geral, pode-se falar do estabelecimento de um processo de globalização
desde o século XV e XVI, a partir das grandes navegações que proporcionaram a emergência
de uma economia-mundo ao colocar o homem europeu com outras culturas e engendrar
relações econômicas, sociais e políticas entre todos os territórios do planeta. Contudo, é com o
advento da Revolução Tecnológica, no final do século XX, que esse processo se intensificou.
Essa Revolução possibilitou a mudança da base material da sociedade por ter no seu
cerne de transformação, o desenvolvimento e aprimoramento das tecnologias de informação,
processamento e comunicação. Nas palavras do sociólogo espanhol Manuel Castells (2009,
p.69): “as novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem
aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos”. O pesquisador em ciência da informação e
comunicação Piérre Levy (1999, p.13) destaca que “durante uma entrevista nos anos 50,
Albert Einstein declarou que três bombas haviam explodido durante o século XX: a bomba
demográfica, a bomba atômica e a bomba das telecomunicações3”.
3 A União Internacional de Telecomunicação (UIT), em 1952, na conferência de Conferência de Buenos Aires entende que telecomunicação seja “qualquer transmissão, emissão ou recepção de indicações, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de toda a espécie, por fios, radioelectricidade, óptica, ou outros sistemas
3
No âmbito dessas novas invenções no campo das telecomunicações, duas merecem
destaque especial: o computador e a Internet; esta última por sua vez é entendida como uma
rede mundial de computadores, tornando possível a conexão de computadores em todo
mundo, como a sua nomenclatura original designava – International Networking.
Consubstanciando a transição da realidade material para a imaterial, a Internet se constitui
como meio virtual4 que permite a troca de correspondências, arquivos, ideias; ademais,
promove a comunicação com um tempo próprio que é o instante, o tempo real e um espaço
próprio que é o ambiente virtual inserido em um computador ou qualquer outro meio moderno
que torne possível o acesso a Internet, seja ele celulares, carros, relógios, tablets, dentre
outros.
Castells (2009, p.40) observou três elementos fenomenológicos que formavam a
sociedade contemporânea, sendo eles a virtualidade, a globalização e o novo capitalismo que
buscava bases tecnológicas para seu desenvolvimento; e aponta: “As redes interativas de
computadores estão crescendo exponencialmente, criando novas formas e canais de
comunicação, moldando a vida e, ao mesmo tempo, sendo moldadas por ela”. Assim,
conseguiu perceber a nova forma de organização social em estrutura de rede e tendo a Internet
como base de sua sedimentação.
É a Internet, conforme já mencionamos, que proporcionou uma interação massiva
entre os componentes sociais, sendo um meio de telecomunicação em que as pessoas não se
comportam apenas como telespectadores e passam a ser produtores de informação. A sua
influência é tão grande em nossa dia-a-dia5, a ponto de alguns estudiosos já entenderem que
ela possibilitou o desenvolvimento de um ambiente totalmente novo, o ciberespaço: O ciberespaço consiste em um ambiente transfronteiriço que não assume uma forma material, palpável e visível ao olho humano, mas é capaz de romper com as limitações de tempo e espaço, bem como promover a interações humanas, necessitando de uma constante atualização por parte dos operadores jurídicos e da
electromagnéticos”. BOLETIM OFICIAL. Decreto n.º 40612. Disponível em: < http://bo.io.gov.mo/bo/i/56/27/decretolei40612.asp> Acesso em: 05 Jul. 2016. 4 Nas palavras do antropólogo francês Pierre Lévy (1999, p.49) “É virtual toda entidade “desterritorializada”, capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular.” 5 Como exemplo da importância da Internet no nosso cotidiano podemos destacar a pesquisa realizada Brazil Digital Future in Focus 2014 da comScore, empresa norte-americana especialista em análise de Internet, demostra que o Brasil possui a quinta maior audiência digital no mundo com 68.1 milhões de internautas. Os internatutas brasileiros, pelos dados da pesquisa, despendem 29.7 horas/mês online em um computador, sendo que a maior parte desse tempo é gasto em redes sociais, dentro do qual a rede social Facebook utiliza 97.8%5 de todo o tempo que o brasileiro gasta em redes sociais virtuais. A mesma pesquisa ainda aponta que o crescimento da audiência da Internet no Brasil foi maior que 11% no espaço-tempo de um ano. COMSCORE. Estudo da comSocreBrazil Digital Future in Focus 2014 está disponível. Disponível em: <https://www.comscore.com/por/Imprensa-e-eventos/Press-Releases/2014/5/Estudo-da-comScore-Brazil-Digital-Future-in-Focus-2014-esta-disponivel> Acesso em: 04 abril 2016.
4
sociedade. (RODEGHERI, 2013, p.166)
Piérre Lévy (1999, p.17) oberva que a sociedade atual com os seus mecanismos de
telecomunicação possibilitaram a formação de uma cibercultura que seria “o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de
valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”.
Pois bem, quando entendemos a complexidade da influência da Internet em nossa
vida, possibilitando o desenvolvimento de um novo ambiente e uma nova cultura, percebemos
ser possível no seu arcabouço a promoção de interações humanas, conformando troca de
informações, documentos, ideias, comunicação, formação de relações comerciais e
trabalhistas.
A globalização, a sociedade em rede, a formação de uma cibercultura são fatores que
transformaram as atividades humanas, tornando-as dependentes da tecnologia de forma que
essa dependência esteja em uma espiral crescente. E é nesse contexto que as formas de vida e
trabalho vão sendo reformuladas, conforme argumenta Ana Cristina Barcellos Rodrigues
(2011, p.8): As relações de trabalho ganham nova dimensão, com necessidade de redefinição de tempo e espaço. Torna-se inevitável o reconhecimento da relação de trabalho caracterizada pela utilização da tecnologia da informação e de comunicação no desenvolvimento de suas atividades.
Assim chegamos ao ápice da questão que este trabalho pretende tratar: as relações
trabalhistas no âmbito ciberespacial.
3 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CIBERESPAÇO: O TELETRABALHO
Primeiramente, é importante destacar que o entendimento de relação de trabalho é
stricto sensu, ou melhor, as relações de emprego. Estas tem natureza jurídica, são tuteladas
pelo Direito Trabalho e compostas pelos seguintes elementos essenciais:
a) pessoalidade, ou seja, um dos sujeitos (o empregado) tem o dever jurídico de prestar os serviços em favor de outrem pessoalmente; b) natureza não eventual do serviço, isto é, ele deverá ser necessário à atividade normal do empregador; c) remuneração do trabalho a ser executado pelo empregado; d) finalmente, a subordinação jurídica da prestação de serviços ao empregador. (BARROS, 2011, p.173)
Essas relações estão sendo modificadas pelo processo de globalização que impõe aos
empregadores a necessidade de produzir mais, com menor custo e maior qualidade – de forma
a tornar a empresa apta a disputar o mercado consumidor no contexto do fenômeno de
reestruturação produtiva do capital denominado por David Harvey como "acumulação
5
flexível"6. Em face desse cenário, Micheline Rouse Holanda Tomaz de Oliveira (2008) pontua
o seguinte: É nesse contexto que surgem as discussões sobre a flexibilização das leis trabalhistas, pois as teses neoliberais viam em sua manutenção um obstáculo à competitividade e ao crescimento econômico. Os direitos sociais são tidos como os culpados pelo desemprego, pois elevam os custos do emprego e da demissão. A flexibilização é voltada para o capital, para o aumento da produção, visando a maximizar os lucros em decorrência da internacionalização das economias. (OLIVEIRA, 2008, p.2008)
Assim, as relações trabalhistas começaram a passar por um processo de flexibilização,
esta por sua vez ainda mais ameaçadora que as demais já vivenciadas pelo Direito do
Trabalho, tendo em vista que se estabelece em um momento histórico no qual tais direitos
sociais já haviam se consolidado. E sob a capa de flexibilização está se falando, em verdade,
de uma precarização do trabalho. Nesse aspecto, Oliveira (2008) esclarece o que deve ser
entendido por flexibilização: Nesse sentido a flexibilização do Direito do Trabalho revela-se como instrumento de política social representado pela adaptação constante de normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, viabilizado mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, sob o argumento de que venha a produzir uma eficaz regulação do mercado de trabalho, e tendo como objetivo o desenvolvimento econômico no processo social. É entendida como um fenômeno intermediário, isto é, posto entre a regulamentação estatal e a desregulamentação, e compreende alterações nas normas, diminuindo a ingerência do Estado e reduzindo o custo social da mão-deobra, com o abrandamento de certas regras pré-existentes, desde que não se atente contra a garantia da dignidade da pessoa do trabalhador. (OLIVEIRA, 2008, p.56)
Ana Cristina Barcellos Rodrigues (2011) entende que a flexibilização é necessária
como uma solução ao desemprego estrutural, subemprego e emprego informal. Contudo, deve
ocorrer de forma responsável e sem abusos, respeitando os princípios da razoabilidade,
lealdade, transparência e necessidade. De forma que não ocorra apenas com a finalidade de
maximizar os lucros do empregador, mas em casos de necessidade de sobrevivência da 6 De acordo com Harvey (1995, p. 140), essa nova estrutura de acumulação flexível “(...) se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”. Nesse contexto, "novos sistemas de coordenação foram implantados, quer por meio de uma complexa variedade de arranjos de subcontratação (que ligam pequenas firmas a operações de larga escala, com freqüência multinacionais)"; assim, “(...) num mundo de rápidas mudanças de gostos e necessidades e de sistemas de produção flexíveis (...), o conhecimento da última técnica, do mais novo produto, da mais recente descoberta científica, implica a possibilidade de alcançar uma importante vantagem competitiva” (HARVEY, 1995, p. 150; 151).
6
empresa e respeitando os direitos adquiridos pelo trabalhador.
Pode-se indagar se essa flexibilização do trabalho não seria, na verdade, uma
liquidificação das relações trabalhistas, pensando na perspectiva de uma modernidade liquida,
conforme a acepção de Zygmunt Bauman, em que “os mais sólidos e menos questionáveis de
seus elementos estão perdendo seu caráter compacto junto com sua soberania, credibilidade e
confiabilidade” (2001, p.152).7 De acordo com Bauman, na modernidade sólida o trabalho
desenvolvido pelo modo de produção fordista resultava do engajamento com o capital numa
relação fortificada pela mutualidade de sua dependência. Conforme argumenta: Os trabalhadores dependiam do emprego para sua sobrevivência; o capital dependia de emprega-los para sua produção e crescimento. Seu lugar de encontro tinha endereço fixo, nenhum dos dois poderia mudar-se com facilidade para outra parte – os muros da grande fábrica abrigavam e mantinham os parceiros numa prisão compartilhada. Capital e trabalhadores estavam unidos, pode-se dizer, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, até que a morte os separasse. (BAUMAN, 2001, p.165)
Essa questão tornar-se-á mais evidente quando pensarmos o trabalho na perspectiva do
ciberespaço – ou teletrabalho em nomenclatura aceita doutrinária e jurisprudencialmente; esse
é caracterizado como uma nova forma de trabalho em moldes mais flexíveis no que tange
horário, local e subordinação. Nessa perspectiva, empregador e empregado não precisam mais
ter um “endereço fixo” para seu encontro e a subordinação, originalmente uma questão
primordial para o estabelecimento do controle de um sobre o outro, tornando essa relação
menos evidente e bem mais sutil.
A nomenclatura teletrabalho advém da junção de dois termos: o radical tele, de origem
grega e que significa distância, e trabalho, que seria atividade profissional. É também
comumente chamado de trabalho a distância, trabalho a domicilio, dentre outras formas,
embora essas definições sejam erroneamente colocadas como sinônimos de teletrabalho.
O conceito de teletrabalho é desenvolvido por várias doutrinas, legislações
estrangeiras e sindicatos de diferentes maneiras, contudo, é possível que se depreenda a
prevalência de dois requisitos independentes: ser desenvolvido a distância do centro de
atividade da empresa e que utilize as novas tecnologias de informática e comunicação. De
acordo com Ana Cristina Barcellos Rodrigues (2011, p. 36):
7 Se pensarmos a relação do homem com o trabalho desde as chamadas corporações de oficio em que o trabalho era relacionado com o seio familiar, passado de pai para filho como uma educação e ensinado minuciosamente e valorizado com um forte vínculo entre o trabalhador e o que estava sendo criado. Posteriormente com o capitalismo industrial o trabalho passa a ser compreendido como mercadoria que é vendido pelo empregado ao empregador em troca de um salário, aqui o trabalhador já perde o vínculo que tinha com o que produzia pelo fetichismo da mercadoria. Assim, chegamos ao que vemos hoje, onde as próprias definições do que seria trabalho vem sendo desconstruídas e reformuladas.
7
Assim, podemos dizer que o teletrabalho se caracteriza pelo desenvolvimento da atividade laborativa de forma telemática8 em um local distante da sede da empresa. O empregado se vale de uma estação de trabalho, operando através de uma base de dados ligada ao computador central localizado na empresa.
Nessa visão, podem ser apreendidas quatro características dessa nova forma de trabalho, são
elas: a distância, a não presencialidade, a utilização de equipamentos telemáticos e o horário
flexível.
Assim, é possível perceber que o teletrabalho é uma espécie do qual trabalho à
distância é gênero e não pode ser confundido com trabalho em domicilio, uma vez que para o
desenvolvimento da atividade profissional de forma telemática não é necessário que a pessoa
encontre-se em seu domicílio: ela pode estar em qualquer lugar que por um mecanismo de
telecomunicação seja possibilitada a sua comunicação com o computador central da empresa
seja por um computador pessoal, um tablet ou até mesmo pelo celular – de modo que não haja
horário, nem espaço fixo para sua realização. Ele pode ser feito on-time, em todo e qualquer
momento e em todo e qualquer lugar que o teletrabalhador esteja e consiga estabelecer a
conexão com a empresa.
Por fim, é importante destacar que embora não se encontre no prédio físico da empresa
e tenha certa autonomia na realização do serviço para o qual foi empregado, este tipo de
trabalho não prescinde de subordinação. Ele é um trabalho subordinado – ou melhor,
virtualmente subordinado – em que o trabalhador responde às ordens de seu empregador, tem
de cumprir metas estabelecidas, está sujeito à fiscalização de suas ações, dentre outras
questões, dadas por instrumento telemático.
4. A LEGISLAÇÃO E A VISÃO DO TRT/SP SOBRE O TELETRABALHO9
Recentemente, a Lei nº12.551, de 15 de dezembro de 2011 alterou o artigo 6º da CLT,
com a finalidade equiparar os efeitos jurídicos da subordinação que já era exercida por meios
pessoais e diretos àquela exercida por meios telemáticos e informatizados. Essa legislação
ficou conhecida como Lei do Trabalho Virtual; dentre seus termos, está estabelecido que:
Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde
8 Telemática é a aplicação da informática, que por sua vez é a ciência que estuda o tratamento da informação mediante o uso de equipamentos tecnológicos como o computador, às telecomunicações. Essa nomenclatura designa o método tecnológico pelo qual se estabelece a transmissão e comunicação de informação à distancia, pelo emprego de um código binário, uma linguagem computadorizada. 9 Todas as informações disponibilizadas nesse item, no tocante aos julgados do TRT-SP encontram-se abertas ao público no Banco de Setenças do site do Tribunal Regional do Trabalho. Disponível : <http://www.trtsp.jus.br/pesquisa-jurisprodencia-por-palavra-sentenca> Acesso em 16. Jul. 2016.
8
que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Lei n.12.551 de 15 de desembro de 2011. Lex: Vade Mecum Saraiva, São Paulo, e.21, p. 899.)
Essa nova redação do art. 6º da CLT, possibilitou o reconhecimento, em termos de
legislação, do que a doutrina e jurisprudência já conhecia há tempos e já era julgado em
tribunais. Ela trouxe a presunção relativa sobre a subordinação em uma relação de trabalho
realizado à distância, em domicílio, telemático, e com isso tornou mais fácil a comprovação
em juízo da existência de vínculo empregatício. E, ainda, nas palavras de Raul Moreira (2014)
possibilitou a compreensão do requisito da subordinação como material e imaterial, este por
conhecê-la na virtualidade do uso de instrumentos telemáticos e de informação.
Atualmente, o Banco de Sentenças do Tribunal Regional do Trabalho do estado de São
Paulo conta com 57 (cinquenta e sete) casos julgados que, de alguma forma, tenham relação
com o teletrabalho – sendo possibilitado o acesso apenas em nove casos. O processo mais
antigo data de 199810; neste caso, embora a demanda não seja necessariamente relativa a uma
relação de trabalho virtual, esta é utilizada pelo magistrado para justificar a necessidade de
desconexão com o trabalho em relação ao direito de fazer ao horário de almoço, que deve ser
feito fora dos limites da empresa. Em caso de 2006, cuja demanda era pelo reconhecimento
do vínculo empregatício em caso de teletrabalho, o magistrado entendeu pelo seguinte: A CLT continua firme, atual, bastando apenas uma exegese evolutiva de alguns de seus institutos. O art.6º, por exemplo, deve ter seu espectro estendido para além das antigas costumeiras, protegendo-se todos aqueles que, nos dias de hoje, se dedicam ao teletrabalho. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Vínculo Empregatício nº00087-2006-089-02-00-3. São Paulo – SP. Relator. Juiz Federal Flávio Antônio Camargo de Laet. Pesquisa de Jurisprudência, Sentença, 29 maio 2008. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/pesquisa-jurisprodencia-por-palavra-sentenca> Acesso em 16. Jul. 2016.)
No ano de 2010, em novo caso cuja demanda era pelo reconhecimento de vínculo
empregatício, no tocante principalmente à subordinação, o Tribunal expressou o seguinte
entendimento acerca da questão: Por fim, saliento que a subordinação em questão se aproxima muito mais do que a doutrina chama de estrutural e institucional, que prescinde da existência de ordens permanentes, de comando ao lado da pessoa ou de rol de tarefas a cumprir: a subordinação é inerente ao exercício dessas atribuições, como de resto, ocorre com diversos empregados que trabalham sozinhos em consultórios, escritórios ou oficinas, além do teletrabalho e do trabalho em domicílio. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Vínculo Empregatício nº2491/2010. São Paulo – SP. Relator. Juiz do Trabalho Homero Batista Mateus da Silva. Pesquisa de Jurisprudência, Sentença, 09 março 2011. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/pesquisa-jurisprodencia-por-palavra-sentenca> Acesso em 16. Jul. 2016.)
10 Proc.: 01876199802702004.
9
Em entendimento complementar a este caso, outro julgado do mesmo ano, observa alguns
requisitos para que seja percebida a subordinação em casos de teletrabalho: Todavia, ainda que prestado à distância o teletrabalho pode configurar trabalho subordinado, quando presentes elementos concretos de fiscalização, direção e administração por parte do contratante, especialmente quando pertencentes a estes os instrumentos de telemática necessários à realização dos serviços. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Vínculo Empregatício nº510/2010. São Paulo – SP. Relator. Juiz do Trabalho João Almeida de Lima. Pesquisa de Jurisprudência, Sentença. 03 de maio de 2010. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/pesquisa-jurisprodencia-por-palavra-sentenca> Acesso em 16. Jul. 2016)
Destarte, tendo por base os processos analisados é possível compreender que em um
panorama geral, no estado de São Paulo, o Tribunal Regional do Trabalho não tem encontrado
grandes dificuldades para reconhecer o vinculo empregatício em uma relação de trabalho
virtual, sendo esta uma das principais demandas relativas ao teletrabalho – inclusive, é a partir
deste reconhecimento que são estendidos ao teletrabalhador todos os direitos de um
trabalhador comum (hora extra, horário de almoço, férias). A constatação do vínculo tornou-
se, em especial, ainda mais evidente a partir de 2011, com a mudança legislativa no art. 6º da
CLT que passou a já reconhecê-lo de imediato. Contudo, cumpre destacar que esse tema é de
relevância inequívoca e vem sendo modificado com a mesma frequência com a qual as
tecnologias de informação e telecomunicação são aprimoradas, sendo constantemente
necessária sua revisão e atualização, em termos de leis, doutrina e jurisprudência.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante toda a análise desenvolvida nesse artigo foi possível a percepção de que, em
razão da influência exercida pelas novas tecnologias de informação e comunicação em parte
de suas atividades de produção e de serviços, a sociedade organizada em rede tem exigido
novas mudanças no Direito do Trabalho. Dentre essas mudanças, uma que vem provocando
profundas alterações na forma de se realizar atividades produtivas e, por conseguinte,
exigindo modificações na tutela do trabalho, é o teletrabalho; esse é mais flexível (ou
liquefeito) quanto horário, local e subordinação, e tem como um elemento intrínseco de sua
definição o desenvolvimento do labor de forma telemática mediante uso das novas
tecnologias de telecomunicação, proporcionando um contato virtual a qualquer hora e
qualquer lugar.
Mesmo que tenha vindo tarde para diversos teletrabalhadores, doutrinadores e
profissionais do direito que já conheciam, escreviam, conviviam, criavam jurisprudência
10
sobre o teletrabalho há muito tempo; a legislação brasileira está relativamente atualizada em
relação a essas novas formas de trabalho, com alterações datadas de 2011 e, por enquanto,
tem atendido de forma satisfatória algumas questões pertinentes que chegam ao Judiciário.
Em outras questões, no entanto, como as referentes às atividades vinculadas ao telemarketing,
ainda há um longo caminho a ser percorrido – seja do ponto de vista da legislação
estabelecida, seja no que diz respeito à compreensão dos imperativos postos por essa
modalidade de teletrabalho à tutela por parte do Direito.
Embora a legislação esteja atualizada é importante deixar evidente que ela não se
esgota e nem deve se esgotar, primeiramente pela relevância e atualidade do tema e, em
segundo lugar, porque o teletrabalho acompanha as evoluções tecnológicas que proporcionam
a telemática com a qual está intrinsecamente ligado.
Por fim, nota-se que o teletrabalho é uma forma de exercício da atividade laboral,
subordinada virtualmente, reconhecida por lei, em que não há limitação de tempo nem lugar,
em que o teletrabalhor pode estar conectado com o trabalho on-time. Com isso, concluímos
deixando a seguinte ponderação, que também é uma provocação a outros estudos: a libertação
do trabalho de sua "arquitetura" tradicional, circunscrita aos muros da empresa e à vigilância
permanente, vem a significar, paradoxalmente, seu aprisionamento definitivo? Tal reflexão se
alicerça, sobretudo, na constatação de que o teletrabalho possibilita, em grande medida, a
materialização do "trabalhador total" perseguido pelo fordismo e/ou pelo toyotismo, mas não
alcançado nesses modelos de produção, justamente em razão da dificuldade experimentada
pela cultura organizacional em ultrapassar e se consolidar para além do perímetro físico da
firma. Com o teletrabalho, a cultura da empresa penetra nos limites mais íntimos da vida do
trabalhador, permanece nele e ainda se espraia para aqueles que com ele convive.
6 REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7.ed. São Paulo: LTr, 2011.
RODRIGUES, Ana Cristina Barcellos. Teletrabalho: a tecnologia transformando as
relações de trabalho. 142. Dissertação – Universidade de São Paulo Faculdade de Direito.
São Paulo, 2011.
OLIVEIRA, Micheline Rouse Holanda Tomaz de. A Flexibilização dos Direitos do
Trabalho e o Interesse do Capital. 118. Dissertação – Universidade Estadual do Ceará.
Ceará, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge
11
Zahar, ed.2001.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Trad. Roneidi Venâncio Majer. 8. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2009. v.1.
GORZ, A. O Imaterial: Conhecimento, Valor e Capital. São Paulo: Annablume, 2005.
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1995.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós
modernidade. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2013.
RODEGHERI, Letícia Bodanese; SANTOS, Noemi Freitas; OLIVEIRA, Rafael Santos de;.
Judicialização de conflitos no ciberespaço: desafios à liberdade de expressão na
blogosfera. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v.13, n.13, p.160-
178/junho 2013.
MEDEIROS, Flávia Maria Marciela de Almeida; LINS, Maria Alcina Terto; FERREIRA,
Nathália Thaisy de Gusmão; SILVA, Patrícia Angélica Soares. As relações de trabalho na
contemporaneidade brasileira. Cadernos de Gradução – Ciências Humanas e Sociais,
Maceió, v.1, n.2., p.47-59/maio 2013.
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Disponível em: <http://raulmoreira.jusbrasil.com.br/artigos/118362183/subordinacao-virtual-
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LIMA, Marco Antônio Aparecido de. A nova redação do artigo 6º da CLT – teletrabalho,
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