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Forças blindadas e mecanizadas e os Imponderáveis da Guerra Heitor Freire de Abreu 1. INTRODUÇÃO Em agosto de 2004, a 5 a Brigada de Cavalaria Blindada (5 a Bda C Bld) concretizou um Plano de Cooperação de Instrução (PCI) com a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) voltado para a operação de junção. Naquela oportunidade, foi realizada uma demonstração desta operação complementar, que tem como objetivo o estabelecimento do contato físico entre duas forças terrestres amigas em operações. A linha de partida/linha de contato(LP/LC) estava localizada cerca de 300 km do ponto de junção entre a força-tarefa (FT) blindada valor regimento, empregada com a finalidade de substituir uma FT aeroterrestre valor batalhão, lançada 48 horas antes. A situação montada obrigava as forças blindadas empreenderem profunda penetração em território inimigo, tendo como principal diretriz a rapidez, a fim de assegurar a posse da cabeça-de- ponte aérea. No entanto, bastaria um campo de minas inimigo, batido por fogos anticarro, em um ponto de estrangulamento de uma via de acesso para que a operação estivesse comprometida de forma inesperada. Assim como a junção, outras operações típicas de tropas blindadas e mecanizadas, possuem características que as tornam suscetíveis ao chamado “Imponderável da Guerra”. Via de regra, nos estudos doutrinários, não se leva em conta este aspecto. O que importa é o conhecimento da doutrina e a sua aplicação pertinente com as situações apresentadas. Entretanto, sabe-se, à luz da História, que a adversidade e a surpresa são companheiras do combate. O cenário caótico da guerra moderna será ainda mais confuso na medida em que os conflitos atuais exigem combates cada vez mais letais e rápidos. Se por um lado, a Doutrina Delta, baseada na “Guerra de Movimento”, preconiza o combate continuado, a valorização da manobra, a decisão da batalha no mais curto prazo e a ação em profundidade, dentre outros aspectos; por outro, aumenta de forma expressiva a probabilidade de fatos inesperados ocorrerem. Clausewitz, que de certa maneira tentou formatar a guerra por intermédio de idéias chaves, alertava que “...Na guerra, tudo é retardado pela influência de inúmeras circunstâncias insignificantes que não podem ser avaliadas no papel, mas que podem

As Forças Blindadas e Os Imponderáveis Da Guerra

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Ressalta a importância dos imponderáveis da guerra durante o processo de planejamento do emprego de forças blindadas, utilizando exemplos históricos de conflitos ocorridos no século XX. Enumera medidas para se diminuir o impacto da surpresa em combate. Conclui afirmando que o planejamento eficaz e o treinamento sério são medidas importantes que podem levar uma tropa com meios militares menores que os de seus oponentes à vitória. Autor: Heitor Freire de Abreu. Recentemente, publicou o livro Um Ano na Terra dos Elefantes, que narra sua experiência como observador militar da ONU na Costa do Marfim, África, sob o enfoque puramente humano (disponível para venda na internet (https://www.facebook.com/UmAnonaTerradosElefantes).

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Forças blindadas e mecanizadas e os Imponderáveis da Guerra

Heitor Freire de Abreu

1. INTRODUÇÃO

Em agosto de 2004, a 5a Brigada de Cavalaria Blindada (5a Bda C Bld) concretizou

um Plano de Cooperação de Instrução (PCI) com a Escola de Aperfeiçoamento de

Oficiais (EsAO) voltado para a operação de junção. Naquela oportunidade, foi realizada

uma demonstração desta operação complementar, que tem como objetivo o

estabelecimento do contato físico entre duas forças terrestres amigas em operações. A

linha de partida/linha de contato(LP/LC) estava localizada cerca de 300 km do ponto de

junção entre a força-tarefa (FT) blindada valor regimento, empregada com a finalidade de

substituir uma FT aeroterrestre valor batalhão, lançada 48 horas antes. A situação

montada obrigava as forças blindadas empreenderem profunda penetração em território

inimigo, tendo como principal diretriz a rapidez, a fim de assegurar a posse da cabeça-de-

ponte aérea. No entanto, bastaria um campo de minas inimigo, batido por fogos anticarro,

em um ponto de estrangulamento de uma via de acesso para que a operação estivesse

comprometida de forma inesperada.

Assim como a junção, outras operações típicas de tropas blindadas e

mecanizadas, possuem características que as tornam suscetíveis ao chamado

“Imponderável da Guerra”. Via de regra, nos estudos doutrinários, não se leva em conta

este aspecto. O que importa é o conhecimento da doutrina e a sua aplicação pertinente

com as situações apresentadas. Entretanto, sabe-se, à luz da História, que a adversidade

e a surpresa são companheiras do combate.

O cenário caótico da guerra moderna será ainda mais confuso na medida em que

os conflitos atuais exigem combates cada vez mais letais e rápidos. Se por um lado, a

Doutrina Delta, baseada na “Guerra de Movimento”, preconiza o combate continuado, a

valorização da manobra, a decisão da batalha no mais curto prazo e a ação em

profundidade, dentre outros aspectos; por outro, aumenta de forma expressiva a

probabilidade de fatos inesperados ocorrerem.

Clausewitz, que de certa maneira tentou formatar a guerra por intermédio de idéias

chaves, alertava que “...Na guerra, tudo é retardado pela influência de inúmeras

circunstâncias insignificantes que não podem ser avaliadas no papel, mas que podem

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levar um homem a não alcançar o seu objetivo.”1 Talvez, neste ponto, Clausewitz tenha

interpretado com precisão e concisão a alma de uma batalha: a imprevisibilidade.

Dentro desse contexto, os chamados Imponderáveis da Guerra devem ser

considerados pelos planejadores das operações que envolvem, em particular, tropas

blindadas e mecanizadas.

2. DESENVOLVIMENTO

Delimitado o problema, procurar-se-á definir a amplitude que os imponderáveis da

guerra atinge e, utilizando-se de exemplos históricos envolvendo expressivo uso de

blindados, fundamentar-se-á as argumentações. Ao final, buscando minimizar os

impactos dos imponderáveis da guerra, serão oferecidas sugestões.

a. Os Imponderáveis da Guerra

Os Imponderáveis da Guerra podem ser definidos como o conjunto de fatos e de

fatores que ocorrem em combate – positivos ou negativos - que não podem ser

quantificados ou antecipados na sua totalidade pelos comandantes (Cmt) e planejadores.

O inimigo que surpreende, a munição que acaba, o combustível que falta, a comida

que não chega, a ferida que rasga a pele, a genialidade ou a incompetência crassa do

comandante, a covardia ou o heroísmo do soldado, a quebra do carro de combate (CC)

durante o ataque, a aviação que lança as bombas sobre a tropa amiga, a fumaça que não

permite enxergar o alvo, os limites indefinidos do terreno, o frio e a chuva que abatem o

ânimo, o sol que cega as vistas, a lama impregnando e emperrando o armamento, a falta

de adestramento, a liderança tíbia, o socorro que não chega, a junção que não se efetiva,

o rádio que não funciona, o equipamento que não corresponde às expectativas, o

armamento novo do inimigo, a solidão, o medo...

Tais aspectos podem, muitas vezes, modificar profundamente os prognósticos

iniciais do combate, alterando o resultado final. Isto ocorre porque não é possível

encontrar uma fórmula matemática que preveja todas as possibilidades após a

ultrapassagem da LP/LC, já que existe uma variante altamente imprevisível em qualquer

enfrentamento bélico que inviabiliza, parcialmente, teorias e modelos de cálculo do poder

de combate: o HOMEM. Moltke já antecipava esta idéia – impossibilidade de se “calcular

o desenvolvimento do combate” - na primeira metade do século XIX, dizendo:

1 CLAUSEWITZ, Carl von. On War, Princeton, 1976. Apud FREYTAG-LORINGHOVEN, Hugo von. O Poder da

Personalidade na Guerra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1986. p. 59.

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“Nenhum plano operacional pode ser planejado com certeza além do primeiro

engajamento com o inimigo. É uma ilusão pensar que podemos planejar toda uma

campanha e chegar até o fim da forma planejada... A primeira batalha determinará uma

nova situação em que a maior parte do plano original será inaplicável.”2

b. Casos Históricos

No que se refere às forças blindadas e mecanizadas, a História fornece grande

espectro de lições a serem assimiladas pelos oficiais de Estado-Maior no nível unidade,

demonstrando que nem sempre a força mais bem equipada ou com maior número de

combatentes será a vencedora.

1) Operação Market Garden

Em setembro de 1944, em face do êxito obtido na Invasão da Normandia, os

Aliados lançaram um ousado plano para finalizar os combates na Europa. Chamaram-no

de Operação Market Garden. Tratou-se de uma operação de junção em que tropas pára-

quedistas e aerotransportadas foram lançadas sobre pontos importantes que

assegurassem a travessia do rio Reno. Após o envolvimento vertical, unidades blindadas

americanas e britânicas deveriam efetuar a junção com as tropas desdobradas três dias

atrás. Contudo, os Imponderáveis da Guerra agiram de forma cruel sobre os Aliados.

Diversos fatores conduziram à derrota frente aos alemães, destacando-se intrigas

políticas e vaidades no campo de batalha, falhas no sistema operacional inteligência e

condições meteorológicas adversas, dentre outros. O fato mais marcante, porém, foi a

falha da inteligência Aliada. Por mero acaso, os alemães haviam transferido para a

localidade de Arnhem (Holanda), ponto chave para as operações, uma de suas melhores

tropas blindadas, surpreendendo e derrotando os ingleses que esperavam encontrar

tropas de segunda classe. Embora superiores no que tangia às forças blindadas e

aeroterrestres, os Aliados sofreram fragorosa derrota em função da sinergia de inúmeros

fatores negativos sobre suas tropas.

2) Guerra dos Seis Dias

Este conflito, ocorrido em 1967, envolveu, de um lado, Israel, e do outro, o Egito, a

Jordânia e a Síria, com apoio de diversos outros países árabes. Embora muito superior

em material e pessoal, a frente árabe foi derrotada de forma inesperada pelos

2 KRAUSE, Michel D. Moltke e as origens da arte operacional. . Military Review (edição em português), EUA:

ECEME/EUA, Vol. LXX, nº 4, 4º Trim. 1990. p. 54.

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israelenses. Os observadores militares à época tiveram dificuldade em interpretar a

derrota. Mais uma vez, os Imponderáveis da Guerra premiaram os israelenses. O plano

judeu foi traçado pelo Gen Moshe Dayan e tinha como diretriz principal o amplo emprego

de tropas blindadas de surpresa contra as posições inimigas. A velocidade dos ataques,

similares às guerras-relâmpago da 2a GM, surpreenderam os árabes. 72 horas depois,

Israel já dominava o Sinai, impondo derrota devastadora aos árabes.

Após a guerra, o General Donn A. Starry3, do Exército dos EUA, frisou que os

coeficientes iniciais não determinam o resultado de uma guerra. Não faz diferença quem

está em vantagem ou desvantagem numérica4. O que realmente conta, segundo Starry, é

a iniciativa de um dos contendores e a sua capacidade em reagir de forma pró-ativa

àquilo que não havia sido planejado.

3) Guerra do Yom Kippur

A Guerra do Yom Kippur, travada em 1973, com Israel de um lado, e árabes (Egito

e Síria) de outro, é um exemplo clássico de como os Imponderáveis da Guerra podem

atuar sobre forças blindadas e mecanizadas.

Vale a pena ler com atenção a descrição em que foi protagonista o Tenente Zvi

(“Zwicka”) Greengold, do Exército de Israel. Sua missão era atuar na rodovia Tapline,

destruindo qualquer carro sírio que avistasse.

Quando Zwicka entrou em combate, não sabia no que estava se metendo. A

proporção, em favor dos sírios, era de 50 para 1. Combatia à noite.

Nesse momento, Zwicka fora avisado pelos carros que o acompanhavam que se

aproximava uma coluna de blindados sírios equipados com pequenas luzes laterais. Às

21:20 horas, avistou na estrada o primeiro carro sírio, O primeiro tiro, a curta distância,

pôs em chamas o inimigo, mas o choque fez com que seu sistema de comunicações

entrasse em pane. Zwicka sinalizou para que o carro mais próximo se aproximasse;

trocou de lugar com o oficial que o comandava e ordenou-lhe que o seguisse e que o

imitasse em tudo que fizesse. Após percorrer poucas centenas de metros, verificou que

perdera seu acompanhante; ao galgar uma elevação, avistou na estrada três carros sírios

3 Junto com o General Don Morelli, criaram o que eles mesmos chamaram de “Doutrina Ar-terra”.

4 Apud TOFFLER, Alvim. Guerra e Antiguerra: Sobrevivência na Aurora do Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Bibliex,

1995. p. 66.

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com pequenas luzes laterais acesas. Três tiros rápidos e os três irromperam em chamas,

que arderam por toda noite. 5(grifos do autor)

Naquele instante, ele tinha duas alternativas: abandonar o combate, por

insuficiência de meios (além de estar combatendo numa proporção de 50 para 1, seu

rádio quebrou) ou reestruturar as forças que tinha e manter-se em combate, abatendo os

carros sírios por partes, aproveitando-se da deficiência síria em combater de forma

integrada. Optou pela segunda linha de ação e obteve êxito. Criatividade, adestramento -

três tiros, três carros destruídos - arrojo, tirocínio e flexibilidade foram os fatores

preponderantes e não o fato de ele estar em desvantagem material.

Um outro exemplo onde os Imponderáveis da Guerra atuaram de forma

peremptória, impondo aos árabes derrota imprevisível, foi protagonizado pelo Tenente

Coronel Avigdor, comandante da 7ª Brigada israelense, quando travou um dos mais

sangrentos combates daquele conflito.

Numa 2ª feira, a sua brigada enfrentara um poderoso ataque da 3ª Divisão

Blindada e da 7ª Divisão de Infantaria, ambas sírias, além de elementos da Guarda

Republicana do Egito. Ao final daquele dia, suas tropas estavam esgotadas. Havia três

dias que combatiam sem parar. Não havia tempo para comer, para dormir ou qualquer

outra atividade que não fosse lutar. Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, sua linha de

defesa iria cair. Além da superioridade em carros, os sírios e os egípcios possuíam

equipamentos de visão noturna e os israelenses não. Isso implicava em combates

continuados, comprometendo todo o planejamento inicial. Não havia, como previsto

anteriormente, possibilidade de reforço imediato ou, até mesmo, de substituição. Cada

soldado israelense em condições de lutar combatia um inimigo cada vez mais agressivo.

Na manhã de 3ª feira, verificou que sua tropa estava em situação desesperadora.

Naquele momento, seu veículo foi atingido e ele ferido. Abandonou o carro e subiu em um

outro. Era a segunda viatura (Vtr) que perdera naqueles dias. Pouco tempo depois,

recebeu um chamado da Força Tigre, solicitando autorização para retrair e remuniciar,

pois se encontravam quase sem munição. Não havia tempo para isso. Avigdor não

autorizou (quando, mais tarde os reforços chegaram, encontram, incrédulos, os homens

da Força Tigre combatendo atrás dos carros, com fuzis e granadas de mão). Disse que só

poderia retrair quando cada carro tivesse somente um tiro.

5 HERZOG, Chaim. A Guerra do Yom Kippur. Rio de Janeiro: Bibliex, 1977. p. 121. Para se aprofundar nesse combate,

onde o Ten Zwicka combateu durante 20 horas ininterruptas, consultar p. 111 – 136, incluindo fotos.

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Após uma análise rápida, decidiu que a única saída seria um contra-ataque

de desorganização, a fim de atrasar as forças sírias e egípcias. A confusão era tamanha

que a distância entre os carros contendores estava entre 50 e 27 metros!6 A capacidade

mental e física das guarnições israelenses era mínima. Apoio ao combate e logístico não

existiam mais. Chegavam a quatro noites de luta, ininterruptas. O cansaço era tamanho

que quando Avigdor falava com o seu oficial de operações, este adormeceu no rádio.

Foi neste momento que o Tenente Coronel Yossi, comandando o que

restara da Brigada Barak (onze carros), penetrou na defesa de Avigdor e proporcionou-lhe

algum reforço. A 7ª Brigada encontrava-se com apenas sete carros dos cem iniciais.

Observadores israelenses verificaram que os sírios estavam recuando e detendo o

ataque. As perdas estavam sendo inaceitáveis para eles. O que sobrou da 7ª Brigada

mais as tropas da Brigada Barak, indo contra qualquer lógica, deflagraram um pequeno

contra-ataque contra as forças sírias que se retiravam. Destruíram carros e transportes

inimigos. Ao atingir um fosso anticarro, pararam o contra-ataque. A 7ª Brigada atingira o

limite das possibilidades física e mental dos seus homens e mecânicas dos seus carros.

O que levou a 7ª Brigada a conseguir realizar empreitada tão magnífica, invertendo

os prognósticos lógicos? Determinação do seu comandante, liderança em todos os

escalões, adestramento de altíssimo nível, profundo conhecimento das possibilidades do

equipamento, são algumas razões. Sabedores que o inimigo possuía um equipamento

melhor, trataram de usar o limite máximo do que possuíam. Tabelas de tiro foram

preparadas, roteiros de tiro minuciosamente confeccionados, fossos anticarros

escavados, criteriosa utilização do terreno, ocupando elevações que lhes possibilitava

comandamento sobre o oponente. A isso tudo, chama-se de adestramento bem feito, forte

liderança e criatividade dos oficiais, servindo de anteparo às desfavoráveis condições de

combate que surpreenderam os israelenses no início da luta.

c. Minimizando os efeitos dos Imponderáveis da Guerra

As forças blindadas e mecanizadas por sua complexidade em material e

equipamento, diversidade de calibres, Vtr e meios de comunicações, dentre outras

características, são extremamente vulneráveis aos Imponderáveis da Guerra. Destaca-se

que tais forças são altamente dependentes de farta quantidade de munição e de

6 Para saber mais sobre essa batalha ler HERZOG, Chaim. A Guerra do Yom Kippur. Rio de Janeiro: Bibliex, 1977.

p.148 – 161.

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combustível numa zona de ação profunda, larga e com distâncias expressivas a serem

percorridas.

Como dado geral, um regimento de carros de combate (CC) ternário, dotado de

M60 A3 TTS (41 CC no total), precisa de 59.737 litros de óleo diesel para plenar seus

tanques, além de 2.583 tiros de munição 105 mm, 656 granadas de fumígenos, 82.000

tiros de 7,62 mm e, em igual quantidade, de .50. Estes números são uma estimativa

somente para os CC. Ainda há as demais Vtr de apoio do esquadrão (Esqd) CC e o Esqd

de comando e apoio. Imagine-se o que tais necessidades logísticas significam em peso e

volume a serem transportados pelo sistema operacional logística!

Tal quadro, revela as inúmeras necessidades de uma tropa de natureza blindada

ou mecanizada; podendo tornarem-se vulnerabilidades se bem exploradas pelo inimigo. O

simples corte de parte da sua logística compromete de forma percuciente o

desenvolvimento dessas tropas em combate.

Todavia, algumas medidas podem ser tomadas no sentido de se diminuir o efeito

dos Imponderáveis da Guerra sobre tropas blindadas e mecanizadas, conforme

enumerado abaixo:

1) Adestramento

O adestramento é a forma mais primária para se minimizar os efeitos de eventos

não planejados em combate. Se os homens não forem suficientemente treinados na paz

em todas as tarefas que deverão desempenhar em campanha (sejam individuais ou

coletivas), pouco poderão fazer em face dos problemas que certamente ocorrerão.

Iniciativa e flexibilidade são as palavras chaves no adestramento deste tipo de tropa.

2) Planejamento meticuloso e flexível

Embora a simplificação do combate seja um corolário dos exércitos, como deixa

claro John Keegan nos capítulos iniciais de sua obra “A Face da Batalha”7, a atividade do

oficial de Estado-Maior nível unidade avulta de importância no cenário moderno, onde a

capacidade de intervenção de forças militares oponentes no campo de batalha

tridimensional cresce geometricamente a cada conflito.

O planejamento deverá aliar a meticulosidade necessária ao bom planejamento

tático, buscando prever a maioria das possibilidades do inimigo, com a flexibilidade para

modificar ordens emitidas no decorrer da operação (planos de contingência, condutas,

ordens fragmentárias etc), mudando frentes principais, alterando composição de forças e

7 Para entender o ponto de vista de Keegan acerca da necessidade de simplificação da guerra, ler KEEGAN, John. A

Face da Batalha. Rio de Janeiro: Bibliex, 2000. p. 22. passim.

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toda ordem de mutações necessárias em curto prazo e com o mínimo de perda no poder

de combate das forças desdobradas. A manutenção de uma reserva móvel, flexível e bem

posicionada no terreno, é boa solução no sentido de precaver-se contra os Imponderáveis

da Guerra. Planos rígidos e mentes essencialmente cartesianas não caberão no Estado-

Maior de forças blindadas.

3) Liderança firme em todos os escalões

A liderança, em todos os níveis, é fundamental para minimizar os efeitos dos

Imponderáveis da Guerra, conforme exposto nos casos históricos supramencionados. A

capacidade de manter seus homens focados na intenção do comandante, mesmo com o

planejamento inicial frustrado pelo inimigo, será o fulcro para a obtenção da vitória no

ambiente confuso dos conflitos atuais. Líderes dotados de sentimento de cumprimento de

missão são fundamentais para evitar a covardia, perda de crença na missão ou qualquer

outro sentimento que diminua a capacidade em manter uma tropa combatendo na sua

plenitude. O cenário de um combate desenvolvido dentro da Doutrina Delta será

altamente conturbado, repleto de surpresas e eivado de riscos. Não será qualquer líder

que estará apto a combater nestas condições.

4) Sistema Operacional Inteligência confiável e voltado para o terreno e o inimigo

Em apoio às operações, há necessidade de um sistema de inteligência apto

humana e materialmente, com possibilidade de fornecer informes, informações e, até

mesmo, análises consistentes sobre o terreno e sobre o inimigo. É fundamental que os

planejadores de operações que envolvam tropas blindadas e mecanizadas possam

basear seus planejamentos em dados fidedignos e pormenorizados; minimizando a

surpresa e, conseqüentemente, os imponderáveis no desenrolar do combate. O

detalhamento do Processo de Integração Terreno, Condições Meteorológicas e Inimigo

(PITCI) cresce de importância.

5) Conhecimento do material e das possibilidades e das limitações

É essencial que os componentes do Estado-Maior das forças aqui estudadas,

sejam oriundos de tropas da mesma natureza. O conhecimento do material blindado e

mecanizado, suas possibilidades e suas limitações, são fundamentais para que o

planejamento não leve em conta somente os dados de manuais, mas também o

desempenho real dos equipamentos. Saber como se comporta um M 60 A3 TTS na

chuva, os danos que este provoca em uma estrada de terra molhada, dificultando ou, até

mesmo, impedindo o trânsito de Vtr menores, pode significar a derrota pela falta de

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mobilidade dos apoios, fundamentais para tropas dessa natureza, tornando-se um

Imponderável da Guerra motivado por incompetência técnica dos próprios quadros.

3. CONCLUSÃO

Os motivos que levam um exército, uma divisão, um batalhão ou um simples grupo

de combate a vencer ou a perder uma batalha, transcendem ao momento da

ultrapassagem da LP/LC e retroagem a passados distantes, que incluem a história do

exército a que o militar pertence, o seu grau de treinamento, a sua religião, o seu moral e

a crença na batalha que está travando, os políticos que o governam, a capacidade dos

seus chefes, a logística que o apóia, o serviço de saúde de campanha, os resultados de

campanhas anteriores, a doutrina utilizada, o terreno, as condições meteorológicas, a

qualidade do seu equipamento, enfim, inúmeros fatores que estas linhas não

conseguiriam descrever. O caos da batalha não se inicia na ordem de atacar, ele é mais

pernicioso e envolvente do que se imagina. E serão esses fatores, que podem ser

adversos ou não, mas impossíveis de serem quantificados integralmente, que irão

determinar o resultado final do combate.

Os Imponderáveis da Guerra são realidade no campo de batalha. A História Militar

nos mostra que Vietnã, Azincourt, Lawrence da Arábia, na sua “guerra fluída” contra os

turcos, Coréia e Afeganistão (contra a ex-URSS), além daqueles casos históricos

explanados no desenvolvimento, são de inegável constrangimento para os “matemáticos”

da guerra. Não que eles estivessem errados por completo, mas porque outros vetores,

como o humano, tornam esta equação passível de resultados diferentes daquele

“calculado”.

Certamente, o fator matemático existe na guerra. Seria um despropósito não

aceitá-lo. O que merece ser avaliado é o verdadeiro peso que o número de homens, CC,

aviões, submarinos, bem como os seus alcances, raios de ação e estado da arte

tecnológica influenciam numa batalha. Tais dados são fáceis de serem tabulados,

estudados e, finalmente, analisados. Basta uma consulta na Internet ou no último “Military

Balance”, publicado pelo International Institute Of Strategic Studies (IISS) para que um

pesquisador atento e meticuloso faça um balanço de forças que poderão se opor e seu

provável desfecho. Mas isso não seria suficiente para se chegar a um prognóstico

certeiro, conforme se verificou nessas linhas.

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Em síntese, pode-se afirmar que historicamente os combates foram permeados por

situações benéficas e maléficas que não foram previstas durante o planejamento,

definindo, muitas vezes, o resultado de uma batalha. Fosse por incompetência

profissional dos quadros, fosse por total impossibilidade de se montar um quadro

prospectivo que sinalizasse movimentos e capacidades anímicas do inimigo, muitas

vitórias dadas como certas, transformaram-se em doloridas derrotas.

No que tange às tropas blindadas e mecanizadas, verificou-se que estas, por sua

complexidade no emprego, pela fluidez, pela velocidade com que se deslocam e pela

diversidade de meios empregados, tornam-se muito suscetíveis aos Imponderáveis da

Guerra e aos seus caprichos.

O melhor caminho para preservar as forças blindadas e mecanizadas dos estragos

provenientes do inesperado – que inexoravelmente ocorrerá - é o planejamento

competente, meticuloso e flexível. Paralelamente, deve-se preparar a tropa para reagir de

forma inteligente e pro-ativa nas situações de crise. Somente o adestramento sério, a

liderança firme e o profissionalismo consciente, exaustivamente treinado e cobrado nos

tempos de paz, poderão transformar uma situação desfavorável e crítica, em vitória

contundente sobre o inimigo. Neste cenário, o papel do capitão aperfeiçoado, como

planejador competente e assessor leal dos comandantes de unidade, é de capital

importância.

Mestre em operações militares, no seu próximo planejamento lembre-se de

considerar os Imponderáveis da Guerra!

Autor: Heitor Freire de Abreu

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RESUMO

Ressalta a importância dos imponderáveis da guerra durante o processo de

planejamento do emprego de forças blindadas, utilizando exemplos históricos de conflitos

ocorridos no século XX. Enumera medidas para se diminuir o impacto da surpresa em

combate. Conclui afirmando que o planejamento eficaz e o treinamento sério são medidas

importantes que podem levar uma tropa com meios militares menores que os de seus

oponentes à vitória.

Palavras-chave: Blindados. Imponderáveis da Guerra. História Militar.

THE ARMORED FORCES AND THE IMPONDERABLE OF THE WAR

ABSTRACT

It points out the imponderable of the war importance during the process of planning

of the employment of armored forces, using historical examples of conflicts happened in

the century XX. It enumerates measures to diminish the impact of the surprise in combat.

It concludes affirming that the effective planning and the serious training are measured

important that can take a troop with smaller military means than the ones of your

opponents to the victory.

Keywords: Armored. Imponderable of the War. Military history.

AUTOR

HEITOR FREIRE DE ABREU - Capitão de Cavalaria, Mestre em Operações Militares

(EsAO), Especialista em Manutenção de Material Bélico, Política e Estratégia e Supervisão Escolar

pela UFRJ. E-mail: [email protected]