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As Faces Da Espiritualidade - Hernandes Dias Lopes

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livro excelente

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    AAss FFaacceess ddaa

    EEssppiirriittuuaalliiddaaddee

    Identificando a face de um cristo verdadeiro

    Hernandes Dias Lopes

    Digitalizado por mazinho

    www. semeadores. net

    Nossos e-books so disponibilizados

    gratuitamente, com a nica finalidade de oferecer leitura edificante a todos aqueles que no tem

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    Dado Internacionais de Catalogao na publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Lopes, Hernandes Dias As faces da Espiritualidade / Hernandes Dias Lopes, So Paulo : Editora Candeia, 2000. 1. Espiritualidade I. Ttulo. 00-1959 CDD-248.4 ndice para catlogo sistemtico: 1. Espiritualidade : Cristianismo 248.4 ISBN: 85-7352-100-7 Coordenador de produo : Mauro Wanderley Terrengui Reviso de Provas: Andrea Filatro Editorao, fotolito, impresso e acabamento: Associao Religiosa Imprensa da F 1 Edio: Junho 2000 - 3. 000 exemplares Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados pela: EDITORA E DISTRIBUIDORA CANDEIA Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 Interlagos-So Paulo, SP Cep:04809-270 Gostaramos de saber sua opinio sobre este livro. Escreva para a Editora Candeia. Este livro foi relanado pela editora Candeia, com o ttulo "Espiritualidade e Orao"

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    ndice:

    Dedicatria .................................................................................................... 4

    Prefcio ......................................................................................................... 5

    Introduo ..................................................................................................... 8

    Captulo 1 A espiritualidade do monte - xtase sem entendimento .......... 15

    Captulo 2 A espiritualidade do vale - Discusso sem poder ..................... 27

    Capitulo 3 A espiritualidade de Jesus ........................................................ 43

    A Concluso ............................................................................................... 57

    DEDICATRIA

    Dedico este livro, com muito

    carinho, aos meus queridos irmos

    Laurentino Dias Lopes e Gelson Dias

    Lopes, a quem o Senhor chamou sua

    eterna glria, no dia 25 de fevereiro de 2000

    e 18 de maro de 2000, respectivamente,

    pelo rico exemplo de dignidade, amizade e

    companheirismo que eles me legaram.

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    PREFCIO

    A identidade de uma pessoa se percebe, normalmente,

    pela sua face. Podemos no lembrar outros detalhes a respeito de algum, mas sua face , em regra, inesquecvel. A face pode ser "disfarada": escondem-se seus defeitos,

    maquiam-se suas fragilidades, e, modernamente, empregam-lhe a plstica contra os anos. Mas, ao final, os disfarces no resistem. Continua sendo a mesma face.

    A espiritualidade a face identificadora do cristo verdadeiro. E nela que se percebe a qualidade do testemunho

    revelado ao mundo, que se norteiam os caminhos da vida transformada, e que se encaminha o salvo para a glria e re-compensa eterna.

    Este livro, mais um da lavra abenoadora do rev. Hernandes Dias Lopes, trata das "faces" da espiritualidade. O

    desenvolto autor expe de forma sbia, contundente e penetrante as lies contidas em uma das mais belas e intrigantes passagens bblicas: a Transfigurao de Cristo,

    como narrada no Evangelho de Lucas. No momento da transfigurao do rosto de Cristo, as faces das espiritualidades circundantes so tambm reveladas e

    expostas ao exame. Mas o rev. Hernandes no se detm transfigurao em si: faz desembocar sua exposio no caso

    da libertao de um jovem possesso, no dia seguinte quele magnificente evento. Anoitecemos e amanhecemos dentro de um contexto to rico quanto poderosamente envolvido pelo

    ambiente celestial.

    Lendo As Faces da Espiritualidade, podemos discernir o comportamento, a exteriorizao, as evidncias marcantes e, sobretudo, as conseqncias advindas da prtica das formas de espiritualidade, vislumbradas aqui com muita clareza. E

    um livro que aborda o assunto proposto de forma direta, sem

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    rodeios, objetivamente, escapando, no entanto, de cometer o

    crime da superficialidade. Todas as bases que fazem parte do universo da espiritualidade, como a orao, a intimidade com Deus, a autoridade diante do maligno e o revestimento de

    poder, assim como a viso missionria e a preservao da piedade, so abordadas, oferecendo ao leitor a oportunidade

    do aprendizado, instigando o corao atento a uma profunda reflexo do seu estado, objetivando a mudana de vida.

    Alis, o autor, a nosso ver, no tem apenas o objetivo de

    diagnosticar os problemas das faces da nossa espiritualidade. Longe disso. Ele tambm nos oferece um tratamento necessrio e premente para os tempos difceis que estamos

    vivendo. Encontramos aqui uma sada para esta poca de falta de identidade e de muita confuso, onde a igreja de

    Cristo se acha eivada de muitas facetas, onde se criam opes que buscam atender s mais esdrxulas manifestaes de "espiritualidade", em detrimento da Glria

    do Deus que servimos. Os disfarces religiosos, o xtase diante do fantstico, a busca frentica do fogo estranho, a

    experincia como a medida da espiritualidade, o arrancar das razes doutrinrias e o desrespeito aos fundamentos da f so confrontados e respondidos altura.

    Eis aqui uma leitura que contribuir, em muito, para que haja mais autenticidade em nossa devoo. bom degustar, remoer e meditar nas verdades aqui arroladas. O

    autor nos leva a uma trilha, um caminho, uma viagem. Subiremos ao monte, onde seremos anuviados e

    amedrontados pelo espetacular, o fantstico. Desceremos ao vale, sentindo-nos impotentes ante s foras do maligno. E, finalmente, s em Jesus encontraremos a resposta e o

    paradigma para a nossa vida espiritual, para a nossa vitria.

    Eis aqui um autor que, pelos caminhos da piedade

    pessoal, tem demonstrado o melhor daquilo que escreve, na prtica de sua vida e no cumprimento de seu ministrio.

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    Pessoalmente, louvo ao Senhor por poder partilhar da sua

    amizade, no aprendizado sempre constante da Palavra Sagrada, em convivncia e comunho com este servo de Deus, companheiro incansvel e homem de bem.

    Espero em orao, caro leitor, que voc aproveite ao mximo este que podemos chamar de um "pequeno grande

    livro".

    Boa leitura... tima Espiritualidade!!!

    Rev. Aubrio da Silva Brito

    Vitria, Maro de 2000

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    INTRODUO

    O homem um ser religioso. Desde os tempos mais

    remotos, ele tem levantado altares. H povos sem leis, sem governos, sem economia, sem escolas, mas jamais sem religio. O homem tem sede do eterno. Deus mesmo colocou

    a eternidade no corao do homem.

    Cada religio busca oferecer ao homem o caminho de volta para Deus. E a tentativa desesperada de reconciliao

    com Deus. A deturpao do pecado, a sagacidade do diabo e a corrupo do mundo entenebreceram a mente humana, e o

    homem perdeu-se no cipoal desta busca do sagrado. Religies esdrxulas so engendradas com vistas a arrastar os homens para os corredores escuros do obscurantismo

    espiritual. O pecado embruteceu o homem, o diabo cegou o seu entendimento e por isso, cada vez mais, as religies

    afastam os homens de Deus, em vez de aproxim-los. A religio um caminho que o homem tenta abrir da terra para o cu. E uma tentativa desesperada e fracassada de chegar a

    Deus pelos prprios esforos. E a repetio do malogrado projeto da Torre de Babel. Na selva espessa das paixes corrompidas, no labirinto das iluses e nos abismos tene-

    brosos da alma humana, no se encontram respostas seguras que possam satisfazer os anseios da alma, nem h

    condies de pavimentar uma estrada de volta do homem para Deus.

    O pecado rompeu a harmonia e a comunho do homem

    com Deus, consigo mesmo, com o prximo e com a natureza. O pecado desestruturou o homem e todas as suas relaes. O pecado atingiu e afetou o homem como um todo e atingiu

    cada rea da sua vida.

    Aquele que foi criado imagem e semelhana de Deus

    tornou-se um ser ambguo, confuso e contraditrio. De

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    dentro do corao do homem vasa uma torrente caudalosa de

    sujidades. O corao humano tornou-se enganoso e desesperadamente corrupto, um poo de sentimentos mesquinhos e desejos abominveis. A corrupo do meio

    nada mais do que o transbordamento da maldade que est em ebulio no corao do homem. Onde quer que o homem

    pe a mo, ele contamina o ambiente. Em virtude dessa dolorosa realidade, surgiram e ainda surgem milhares de religies, criadas pelo engenho humano, por mentes

    corrompidas, espritos manietados e subservientes aos caprichos do diabo, para afastar ainda mais os homens de Deus. H, portanto, muitos "altares esprios, muitos deuses

    falsos, muitos cultos abominveis para Deus. No poucas vezes, o homem adora a criatura em lugar do criador. Outras

    vezes, o homem em rebelio contra Deus serve deliberadamente aos prprios demnios. H ainda aqueles que, entorpecidos pelo veneno do pecado, vivem e morrem

    por heresias crassas que subjugam as conscincias no claustro da mais repugnante ignorncia espiritual. O que

    mais chocante que h tambm aqueles que, mesmo conhecendo a verdade, adotam um modelo doentio de espiritualidade.

    Testemunhamos hoje o florescimento do humanismo exacerbado. Tudo gira em torno do homem. O homem o centro e a medida de todas as coisas. A vontade do homem

    deve ser sempre satisfeita. At mesmo a religio precisa adequar-se s pesquisas de mercado. A verdade perdeu o seu

    valor fundamental para esta gerao humanista. As pessoas embaladas pelo pragmatismo emergente buscam no a verdade, mas o que funciona: no o que certo, mas o que

    d certo. Assim, os cultos mais freqentados so aqueles que supervalorizam a experincia, ainda que no aferida pela

    verdade revelada de Deus. Prevalece o subjetivismo. O que est em voga hoje no o estudo srio, analtico e profundo das Escrituras, mas uma consulta superficial, mstica e

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    sentimental da Palavra. Assim, no h necessidade de seguir

    as leis da hermenutica sagrada, pois a interpretao das Escrituras ganhou um contorno mgico e sobrenatural. O estudo da Bblia passou a ser irrelevante: o que importa o

    que o Esprito revela no momento, atravs de pessoas inspiradas. A luz interior tornou-se mais importante do que a

    revelao escrita de Deus. As pessoas esto vidas para ouvir os profetas do subjetivismo e os intrpretes de sonhos, em vez de examinar as Escrituras. Correm atrs do mstico, no

    da verdade.

    Esse expediente tem facilitado o caminho de retorno falsa doutrina do sacerdcio. Seres humanos comuns

    precisam da mediao de uma pessoa espiritual e iluminada para trazer-lhes uma revelao de Deus. A Palavra escrita de

    Deus precisa passar pela interpretao mstica e subjetiva de uma pessoa com quem Deus fala diretamente. Com isso, a verdade bblica do sacerdcio universal dos crentes tem sido

    atacada a partir de seus alicerces. Em virtude desse desvio, floresce no meio evanglico uma procura cada vez maior por

    profetas e profetisas que possam interpretar sonhos e vises e trazer direto para o povo os mistrios da vontade de Deus. Mergulhados cada vez mais em um analfabetismo bblico, os

    incautos fluem aos borbotes para esses redutos, sorvendo sem questionar todo o ensino que brota do enganoso corao humano, em vez de beber da gua limpa que jorra das

    Escrituras. Cavam cisternas rotas e abandonam a fonte das guas vivas. Seguem conselhos de homens e deixam os

    preceitos do Senhor. Obedecem cegamente a lderes pseudo-espirituais e rejeitam a suficincia das Escrituras.

    O que est na raiz dessa tendncia o antropocentrismo

    idoltrico. A preocupao do homem moderno agradar a si mesmo, e no a Deus. Ele quer sentir-se bem. Quer ter

    experincias arrebatadoras. Ele busca experincias que lhe provoquem calafrios na espinha. Ele tem sede do

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    sobrenatural, est vido por ver sinais e maravilhas, e anda

    atrs de milagres. Para o homem moderno, a religio precisa apelar no sua razo, mas s suas emoes. Ele no quer conhecer, quer sentir. O culto no racional, sensorial.

    Sua mente est embotada, sua razo adormecida. No importa o que as pessoas falem, desde que ele experimente

    uma catarse. Ele no quer julgar os fatos: para ele, tudo o que parece ser sobrenatural bom. O mstico sobrepujou a verdade. O sentimento prevaleceu sobre a razo. As emoes

    assentaram-se no trono. Elas tm a ltima palavra. Para muitas pessoas, a religio est-se transformando em um pio, um narctico que anestesia a alma e coloca em sono

    profundo as grandes inquietaes da mente.

    Para continuar alimentando o homem com fortes

    emoes e mant-lo em contnuo estado de xtase, preciso criar novidades a cada dia. O culto, ento, passa a ser elaborado com vistas a despertar fortes emoes. A msica

    executada para mexer com os sentimentos. A mensagem pregada para atender ao gosto da freguesia. Tudo est

    centrado no propsito de agradar ao homem e. satisfazer seus anseios. E o culto do homem para o homem. E o culto da terra para a terra. E o culto-show, em que o dirigente

    precisa ter um desempenho eficaz na arte de manipular as emoes. Em 1998 visitei a Igreja Toronto Blessing no

    Canad. Dali surgiu a teologia do sopro e da gargalhada que se espalhou para vrios lugares do mundo. Observei atentamente as pessoas que entraram no templo. De repente,

    elas comearam a cantar em estado de xtase. Caram ao cho e ficaram estiradas no assoalho, como se estivessem em profundo sono. Outras comearam a dar gargalhadas sem

    parar. Uma aura mstica envolveu o ambiente. A msica suave enchia o santurio e grande parte dos ouvintes entrou

    em uma espcie de catarse. No vi ningum com a Bblia. As pessoas no estavam ali buscando o conhecimento de Deus, mas encontrar a si mesmas. Elas queriam sentir-se bem.

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    Hoje, muitas igrejas brasileiras tm entrado pelo mesmo

    caminho mstico. As pessoas buscam os sopros poderosos, as vises celestiais, as revelaes forneas s Escrituras, as experincias arrebatadoras, as emoes fortes, mas con-

    tinuam cada vez mais vazias.

    Essa espiritualidade cnica e teatral traz fogo estranho

    diante do Senhor. O culto no pode ser apenas um veculo para atender s nossas necessidades emocionais. No pode ser apenas uma expresso cultural. O culto deve ser bblico,

    balizado pela verdade revelada de Deus. Jesus declarou mulher samaritana que Deus no est procurando adorao, mas adoradores que o adorem em esprito e em verdade.

    Antes de aceitar o nosso culto, Deus precisa aceitar a nossa vida. Jesus falou sobre o fariseu que foi ao templo para orar.

    Ele no fez uma orao, mas um panegrico de auto-elogio. Trombeteou suas prprias virtudes, ao mesmo tempo que, com palavras cidas, assacou acusaes pesadas contra o

    publicano, o qual, por sua vez, no ousou levantar os olhos, mas clamou com angstia de alma: " Deus, s propcio a

    mim, pecador". Aquele que se exaltou, foi humilhado, mas o que se humilhou, foi exaltado. O fariseu teve um bom desempenho diante dos homens, mas foi reprovado na

    presena de Deus. O publicano, porm, desceu justificado. Aos olhos de Deus, no basta ter um bom desempenho diante do auditrio: ele v a vida do adorador. Deus agradou-

    se de Abel e de sua oferta, mas rejeitou a Caim e sua oferta. Antes de ter prazer na oferta de Abel, Deus se agradou do

    prprio Abel. Antes de rejeitar a oferta de Caim, Deus rejeitou a prpria vida de Caim. Os filhos de Aro chegaram com fogo estranho diante do Senhor. Deus os destruiu e lhes rejeitou o

    culto. Todo fogo estranho abominao ao Senhor. No adianta ter um culto carismtico se a vida do adorador

    imoral. No adianta expulsar demnios, se o exorcista desonesto em seus negcios. No adianta falar em outras lnguas no culto e depois entregar-se maledicncia em casa.

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    No adianta apresentar a oferta no altar, se o corao um

    poo de inveja e amargura. Pela boca do profeta Isaas, Deus disse que j estava cansado do culto do seu povo, que o honrava apenas de lbios, mas o corao estava distante dele.

    O profeta Ams chegou a dizer que Deus no tolerava mais ouvir as msicas religiosas do povo em virtude de seus

    pecados. O profeta Malaquias afirmou em nome do Senhor que intil o culto no qual Deus no respeitado e honrado.

    O culto aceito por Deus deve passar por dois crivos

    fundamentais: 1. Precisa ser verdadeiro - No podemos ter uma religiosidade centrada na preferncia ou no gosto do

    auditrio. O culto precisa ser bblico. O culto teocntrico, e no antropocntrico. A verdade de Deus no subjetiva ou indefinvel. Os princpios de Deus so supraculturais e

    eternos. No podemos chegar com fogo fabricado, logo es-tranho diante de Deus. O fogo estranho bonito, quente, atraente, fruto do esforo humano, mas no vem do cu: fabricado na terra, uma conspirao contra o verdadeiro fogo, uma abominao para Deus (Levtico 9). Nem sempre

    aquilo que impressiona os homens, impressiona a Deus. Aquilo que os homens aplaudem, muitas vezes, abominao para Deus. O culto ou bblico, ou antema.2. Precisa ser sincero - Jesus disse que o culto deve ser em esprito, ou seja, de todo o corao e com todo o corao. Antes de ofertar no altar, precisamos oferecer-nos a Deus. A vida vem antes da oferta. A nossa vida deve confirmar no altar de Deus a nossa

    adorao. H pessoas que so sinceras, mas no adoram em verdade. Prostram-se diante de imagens feitas por mos humanas, fazem votos e promessas aos santos, oram e

    clamam queles que j morreram e por aqueles que j morreram. Outros fazem longas procisses para agradar aos

    seus santos de devoo. Curvam-se diante de imagens de barro, pensando com isso estar agradando a Deus. Essas pessoas podem ser sinceras, mas esto cegas, equivocadas.

    H tambm os que so verdadeiros, mas no so sinceros.

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    So ortodoxos, mas no piedosos. Seguem a letra da lei, mas

    no o esprito da lei. Honram a Deus com os lbios, mas o corao. est longe do Senhor. Conhecem a verdade, mas no lhe obedecem. Cantam hinos de louvor a Deus, mas o

    desonram com a prpria vida. professam uma coisa e fazem outra. Pregam uma coisa e vivem de modo completamente

    oposto. Tm nome de que vivem, mas esto mortos. Tm luz na mente, mas lhes falta fogo no corao. Tm conhecimento, mas carecem do leo da uno sobre a cabea.

    O texto de Lucas 9.28-43 fala-nos sobre trs tipos de espiritualidade. Mostra-nos uma maquete da nossa religiosidade, uma fotografia do nosso corao e uma

    diagnose da nossa condio espiritual. O exame desse texto levantar a ponta do vu e mostrar os extremos perigosos

    em que a igreja tem cado. De um lado, temos uma igreja mstica, mas sem conhecimento. Do outro, temos uma igreja que discute muito, mas sem poder espiritual. Precisamos

    encontrar nesse vcuo a verdadeira espiritualidade, aquela vivida pelo Senhor Jesus. desse empolgante assunto, as

    faces da espiritualidade, que trataremos neste livro.

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    CAPTULO 1 A ESPIRITUALIDADE DO MONTE

    XTASE SEM ENTENDIMENTO

    Pedro, Tiago e Joo sobem o monte da transfigurao com Jesus, mas no alcanam as alturas espirituais da intimidade com Deus. A mente deles estava ainda confusa, e

    o corao, fechado.

    1. Os discpulos andam com Jesus, mas no co-

    nhecem a intimidade do Pai.

    Jesus subiu o monte da transfigurao para orar. "Cerca

    de oito dias depois de proferidas estas palavras, tomando consigo a Pedro, Joo e Tiago, subiu ao monte com o propsito de orar. E aconteceu que, enquanto ele orava, a

    aparncia do seu rosto se transfigurou e suas vestes res-plandeciam de brancura" (Lucas 9.28, 29).

    A motivao de Jesus era estar com o Pai. Ele sempre fez da orao a mola propulsora do seu ministrio. Lucas, mais do que qualquer outro evangelista, registra o intenso

    ministrio de orao de Jesus. O mdico gentio escreveu para os gregos e apresentou Jesus como o Homem perfeito. Sua grande tese que o poder com que Jesus realizou seu

    ministrio e operou os grandes prodgios veio da orao. No rio Jordo, Jesus orou e o cu se abriu. Ali o Pai confirmou o

    seu ministrio e o Filho foi revestido com o poder do Esprito Santo (Lucas 3.21, 22). Cheio do Esprito Santo, Jesus foi ao deserto e ali orou e jejuou durante quarenta dias. O diabo

    usou todo o seu arsenal para tentar Jesus, mas ele o venceu com a espada do Esprito, a Palavra (Lucas 4.1-13). Mesmo

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    quando as multides o procuravam, Jesus se retirava para

    orar. Para ele a orao era mais importante que 0 sucesso no ministrio. Todavia, depois que Jesus deixava o recesso da orao, o poder de curar estava sobre ele (Lucas 5.15-17).

    Antes de escolher os doze discpulos, Jesus passou uma noite inteira orando, buscando a clara e especfica vontade do

    Pai. Ele escolheu os apstolos debaixo da direo do Pai. Ele no apenas orou a Deus, ele fez a orao de Deus. Esta a nica ocorrncia no Novo Testamento em que aparece a

    expresso "orao de Deus". Jesus buscou com toda a determinao fazer a vontade do Pai ao escolher a liderana da igreja (Lucas 6.12-16). Quando foi para Cesaria de Filipe,

    ele tambm orou, pedindo a Deus pleno entendimento para os seus discpulos, a fim de que entendessem a sua misso

    (Lucas 9.18-22). Agora, Jesus est orando no cume do monte, sendo preparado e consolado para enfrentar a cruz (Lucas 9.28-31). A orao uma fonte de consolo. Ela nos prepara

    para os momentos de vale. Jesus orou no Getsmani com tamanha intensidade que chegou a suar sangue. E o que

    buscava Jesus? Fazer a vontade do Pai (Lucas 22.39-46). Jesus orou pregado na cruz, e sua orao quebrou a dureza do corao do ladro crucificado sua direita (Lucas 23.34-

    43).

    A vida de Jesus o supremo modelo de orao que encontramos na Bblia. A passagem que estamos

    examinando diz que Jesus sobe ao monte com o propsito de orar, mas em momento algum o texto diz que Pedro, Joo e

    Tiago esto orando com ele. Os discpulos no sentem necessidade de orao nem prazer nisso. Eles vem coisas espetaculares, ouvem vozes celestiais, deixar-se envolver por

    uma aura celeste, mas no conseguem orar. A intimidade com o Pai no a sede da alma deles. Eles esto no monte a

    reboque, mas no esto alimentados pela mesma motivao de Jesus. Semelhantemente, possvel estar no cume do monte, vivendo experincias arrebatadoras, sem desfrutar da

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    intimidade com Deus. possvel pisar em terra santa e viver

    em um clima celestial, sem contudo derramar o corao no altar da orao.

    2. Os discpulos esto diante da manifestao da glria de Deus, mas, em vez de orar, eles dormem

    Jesus foi transfigurado porque orou (Lucas 9.28, 29). Os discpulos no oraram e por isso foram apenas espectadores. Porque no oraram, ficaram agarrados ao sono. A falta de

    orao embaou-lhes a viso. Por falta de orao, eles ficaram privados de entendimento espiritual. Quem no ora, no enxerga cora os olhos da alma. Quem no ora, sofre de

    miopia espiritual. Um santo de joelhos enxerga mais longe do que um filsofo na ponta dos ps.

    A falta de orao apaga o fogo no altar do corao. Sem orao, o altar de incenso da nossa vida fica coberto de cinzas. O aroma de incenso deixa de subir presena de

    Deus quando a orao cessa. A falta de orao endurece o corao, entorpece o entendimento espiritual e cauteriza a

    conscincia. A falta de orao mata o verdor espiritual, deixa a alma seca e a vida rida como um cacto no deserto. A primeira coisa que morre na vida de uma pessoa que se

    afasta de Deus a orao. Sem o oxignio da comunho com Deus, sem a respirao da alma, sem a orao, a vida

    espiritual agoniza.

    Os discpulos, em vez de se deleitarem com a manifestao da glria de Deus na face de Cristo, sucumbem

    ao poder do sono. As coisas mais santas, as vises mais gloriosas, as palavras mais sublimes no encontram guarida no corao deles. Eles esto embotados espiritualmente e

    desperdiam uma tremenda e singular oportunidade. Quantas vezes, por falta de percepo espiritual, ns tambm

    somos privados de grandes bnos. Deus fala, Deus se

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    revela, Deus se manifesta, mas nossos olhos esto pesados

    de sono. As coisas de Deus no nos entusiasmam. Perdemos a paixo pelo sagrado. Vamos igreja, ouvimos a voz de Deus, mas o nosso corao continua gelado. No nos alegramos na

    presena de Deus. Achamos o culto denso, pesado, tedioso, cansativo. Nosso prazer no o Senhor. Nossa alma tem sede

    de outras coisas e no mais do Senhor. As coisas de Deus cansam os nossos olhos, entediam os nossos ouvidos e nos do sono.

    3. Os discpulos experimentam um xtase, mas no tm discernimento espiritual

    Nem sempre as emoes fortes comprovam as experincias mais profundas. Os discpulos contemplam

    quatro fatos milagrosos. Primeiro, a apario em estado de glria de Moiss e Elias no cume do monte. Segundo, a transfigurao do rosto e das vestes de Jesus. Terceiro, a

    nuvem luminosa que os envolve e, finalmente, a voz do cu que troveja em seus ouvidos.

    Os discpulos revelam nessa experincia uma profunda falta de discernimento:

    3.1. No discernem a centralidade da pessoa de Jesus

    "A seguir, veio uma nuvem que os envolveu: e

    dela uma voz dizia: Este o meu Filho amado: a ele ouvi. E, de relance, olhando ao redor, a

    ningum mais viram com eles, seno Jesus!" (Marcos 9.7, 8).

    Os discpulos esto cheios de emoo, mas vazios de entendimento. Querem construir trs tendas, dando a Moiss

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    e a Elias a mesma importncia de Jesus. Querem igualar

    Jesus a Elias e Moiss. Esto diminuindo Jesus, nivelando-o com os homens. Esto subtraindo a glria do Filho de Deus, sublimando a sua divindade. Como o restante do povo, eles

    ainda esto confusos quanto verdadeira identidade de Cristo (Lucas 9.18, 19). No conseguem entender que Jesus

    o prprio Deus feito carne. Eles andam com Jesus, mas no lhe do a glria devida ao seu nome (Lucas 9.33)

    Onde Cristo no recebe a preeminncia, a

    espiritualidade est fora de foco. O propsito eterno de Deus que em todas as coisas Cristo tenha a primazia (Romanos 8.29). Tudo deve convergir para ele (Efsios 1.10). Ele maior

    do que Moiss e Elias. A lei e os profetas apontaram para Cristo. Ele a consumao da lei. O fim da lei Cristo

    (Romanos 10.4). Ele o contedo das profecias e o Messias apontado por todos os profetas. Os discpulos no discerniram a centralidade da pessoa de Jesus.

    O Pai corrigiu os discpulos, mostrando-lhes que Jesus nico, singular. "Enquanto assim falava, veio uma nuvem e

    os envolveu: e encheram-se de medo ao entrarem na nuvem. E dela veio uma voz, dizendo: Este o meu Filho, o meu eleito: a ele ouvi!" (Lucas 9.34, 35). Essa voz foi diferente da

    voz que ecoou no Jordo. L no Jordo a voz foi para Jesus. O Pai estava confirmando para Jesus a sua divina filiao. Agora, a voz se dirige aos discpulos, reafirmando que Jesus

    no pode ser confundido com os homens, sequer com os mais ilustres, nem colocado no mesmo p de igualdade dos

    profetas. Jesus o prprio Deus que se fez carne. Diante dele todo o joelho deve dobrar-se. Para ele deve ser toda a nossa devoo. A nossa espiritualidade deve ser cristocntrica.

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    3.2. No discernem a centralidade da misso de

    Cristo

    Moiss e Elias apareceram para falar da imi-nente partida de Jesus em Jerusalm. "Eis que

    dois vares falavam com ele: Moiss e Elias, os quais apareceram em glria e falavam da sua

    partida, que ele estava para cumprir em Jerusalm" (Lucas 9.30, 31).

    Eles falaram sobre a cruz. A cruz o centro do ministrio de Cristo. Ele veio ao mundo para morrer. A cruz

    no foi um acidente na vida de Jesus. Ele mesmo se entregou. Ele mesmo marchou para o Calvrio, como um rei caminha

    para a coroao. A morte de Cristo no aconteceu simplesmente porque Judas o traiu por dinheiro, ou porque os principais sacerdotes o entregaram por inveja, nem

    mesmo porque Pilatos o sentenciou por covardia. Ele foi crucificado porque o Pai o entregou por amor. Ele morreu pelos nossos pecados. A sua morte sempre esteve nos

    propsitos inescrutveis de Deus. O Cordeiro foi morto desde a fundao do mundo (Apocalipse 13.8). Todos os sacrifcios

    do Velho Testamento eram uma reafirmao da promessa de Jesus. Ele esvaziou-se de sua glria, fez-se servo para morrer a morte mais dolorosa, mais demorada e mais humilhante, a

    morte de cruz.

    Jesus veio para morrer pelas suas ovelhas (Joo 10.11),

    pela sua igreja (Efsios 5.25). Ele no veio ao mundo simplesmente para ser um Mestre, para fazer milagres ou para mudar conceitos e valores morais. Ele veio para morrer

    pelos nossos pecados.

    Herodes quis matar Jesus quando ele ainda era um infante. Satans tentou desviar Jesus da cruz no deserto. As

    multides tentaram desviar Jesus da cruz, fazendo-o rei.

  • 21

    Pedro, dias antes da transfigurao, tentou demover Jesus de

    ir para a cruz. Ainda quando estava suspenso no leito vertical da morte, no tosco e rude madeiro, a voz do inferno vociferou na boca dos insolentes judeus: "Desa da cruz, e creremos

    nele" (Mateus 27.42). Mas Jesus subiu cruz, porque, do contrrio, ns desceramos ao inferno. Ali Jesus assumiu o

    nosso lugar. Ali ele assumiu a nossa culpa. Ali ele carregou sobre o seu corpo, no madeiro, os nossos pecados. Ali ele esvaziou o clice da ira de Deus, fazendo-se pecado por ns,

    morrendo a nossa morte, pagando com o seu sangue o nosso resgate. Em sua vida sem pecado, Jesus obedeceu lei por ns. Em sua morte vicria, Jesus cumpriu a lei por ns, so-

    frendo o justo castigo que os nossos pecados merecem, a morte. Ns morremos com Cristo. Estvamos pregados

    naquela cruz. Quem morre, justificado est do pecado. Quem morre no deve mais nada lei. A lei nada pode fazer com um morto. Mesmo que uma pessoa tenha sido sentenciada

    priso perptua, quando morre, a lei perde o seu poder sobre ela. A lei no tem poder de alcanar uma pessoa morta.

    Quando Cristo morreu, ele morreu pelos nossos pecados. Quando Cristo morreu, morremos com ele. A morte de Cristo foi a nossa morte. Ele morreu a nossa morte, para vivermos a

    sua vida. A nossa dvida foi paga, a justia foi satisfeita, a justificao foi declarada, a salvao foi garantida.

    Moiss e Elias, a lei e os profetas, aparecem para falar

    sobre a cruz. Os discpulos, porm, no conseguem entender a mensagem da cruz. O corao deles ainda est fechado.

    Eles estavam no monte, em estado de xtase, mas lhes faltava o conhecimento da verdade mais excelente: a cruz de Cristo. Eles andavam com Cristo, mas no discerniam a sua

    misso. Viam coisas celestiais, mas no distinguiam a cruz. Estavam cercados por uma aura celestial, mas o corao

    deles no era capaz de discernir a verdade essencial (Lucas 9.44, 45).

  • 22

    Hoje h igrejas que aboliram de seus plpitos a

    mensagem da cruz. Pregam o que o povo gosta de ouvir. Falam sobre sade, prosperidade, riqueza, sucesso: jamais sobre a cruz. A cruz uma mensagem demasiado radical. Ela

    no oferece esperana para o velho homem. O velho homem no pode ser educado nem reformado: ele precisa morrer. A

    cruz instrumento de morte. Cristo rejeitou o caminho do humanismo sem cruz, chamando-o de satnico (Mateus 16.23). O Evangelho que no pe a cruz de Cristo no centro

    outro evangelho. Deve ser considerado antema. A misso precpua de Jesus no foi reformar o homem, dar a ele sade,

    riqueza e felicidade. Jesus veio buscar o perdido, salvar o pecador. Quando o diabo quis desviar Jesus da cruz no deserto, Cristo o escorraou. Quando a multido quis faz-lo

    rei, interessada apenas nas justas causas sociais, Jesus virou as costas a esta presso popular e fugiu. Quando Pedro repreendeu Jesus para que ele rejeitasse a cruz, tomando

    assim um caminho mais suave, Jesus sentenciou com firmeza: Arreda, Satans! Quando os gregos o buscaram para

    que ele se tornasse um mestre por excelncia na terra da filosofia, Jesus respondeu: "Em verdade, em verdade vos digo: Se o gro de trigo, caindo na terra, no morrer, fica ele s:

    mas, se morrer, produz muito fruto" (Joo 12.24). Pedro mais tarde, no Pentecoste, afirmou que a morte de Cristo, embora

    fosse um hediondo crime dos judeus, estava estabelecida nos eternos decretos de Deus (Atos 2.23). Paulo, o apstolo dos gentios, proclamou aos corntios: "Porque decidi nada saber

    entre vs, seno a Jesus Cristo e este crucificado" (1 Corntios 2.2). A cruz de Cristo, a morte de Jesus, o centro nevrlgico das Escrituras. Se removermos essa verdade do

    centro, no temos Evangelho para pregar.

  • 23

    3.3. No discernem a centralidade de seus prprios

    ministrios

    "Bom estarmos aqui. " Eles queriam a espiritualidade do xtase, da fuga, no do enfrentamento. Queriam as vises

    arrebatadoras do monte, no os gemidos pungentes do vale. Queriam o arrebatamento emocional, as vises espetaculares,

    o milagre celestial, mas no se entusiasmaram em descer o vale. Contudo, no vale que o ministrio precisa ser exercido. l que h gente chorando, gemendo, sangrando,

    atormentada pelo diabo.

    mais cmodo cultivar a espiritualidade do conforto

    pessoal e do comodismo. mais fcil viver em constante xtase. E melhor estar no templo, participar de um louvor gostoso, vivo, perto de pessoas co-iguais, do que descer ao

    vale cheio de dor e opresso. No queremos sair pelas ruas e becos. No queremos entrar nos hospitais e cruzar os corredores entupidos de gente com a esperana morta. No

    queremos ver as pessoas encarquilhadas e emagrecidas nas salas de quimioterapia. Evitamos olhar para as pessoas

    marcadas pelo cncer nas antecmaras da radioterapia. Desviamos das pessoas cadas na sarjeta. No queremos subir os morros semeados de barracos, onde a pobreza

    extrema fere a nossa sensibilidade. No queremos visitar as prises insalubres, onde o ser humano vive margem da

    dignidade. No queremos pr os ps nos guetos encharcados de violncia nem nos aproximar dos antros malcheirosos onde a promiscuidade e os vcios degradantes parecem pre-

    valecer. No queremos envolver-nos com aqueles que vivem nos bolses da misria, alijados, excludos, sem direito e sem voz em uma sociedade que cada vez mais privilegia o forte e

    sufoca o fraco. No queremos saber dos que esto cados, atormentados pelo diabo. E fcil, cmodo fazer uma tenda

    no monte. tentador satisfazer nossos prprios desejos, cultivando uma religiosidade escapista, timbrada pelo co-

  • 24

    modismo, restrita ao templo, ao reduto do sagrado, fechada

    dentro de quatro paredes. O monte o lugar de carregar as baterias, mas o ministrio exercido no vale. Permanecer no monte fuga, omisso, irresponsabilidade, negar a misso. A multido aflita nos espera no vale. E l que devemos viver no poder do Esprito Santo. E l que devemos

    espargir a luz de Cristo. l que devemos proclamar libertao aos cativos.

    4. Os discpulos esto cercados por uma nuvem celestial, mas esto com medo de Deus

    Lucas registra o fato da seguinte maneira:

    "Enquanto (Pedro) assim falava, veio uma nu-vem e os envolveu: e encheram-se de medo ao

    entrarem na nuvem" (Lucas 9.34). O evangelista Mateus pinta esse quadro com

    cores mais vivas: "Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu: e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este o meu

    Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi. Ouvindo-a os discpulos, caram de bruos, tomados de grande medo" (Mateus

    17.5, 6).

    Os discpulos esto com Jesus, mas ainda tm medo de Deus. A espiritualidade deles marcada pela fobia do

    sagrado. O ambiente celestial e a voz de Deus os incomodam profundamente. Eles se relacionam com Deus como o outro totalmente desconhecido. No tm intimidade com Deus. Eles

    no apenas no encontram prazer na comunho com Deus atravs da orao, mas revelam grande medo de Deus. Vem

    Deus como ameaa. A presena de Deus os intimida. A voz de Deus enche o corao deles no de alegria, mas de medo. O

  • 25

    nico momento em que eles se prostram ao cho no para

    orar, para buscar a Deus, mas para fugir de Deus. O relacionamento deles com Deus, portanto, era superficial, pois o amor lana fora todo o medo. Em virtude do medo,

    Pedro comea a falar sem entendimento, sem compreender o que diz. Marcos declara que ele no sabia o que dizer, por

    estarem todos aterrados (Marcos 9.6). Lucas relata que a proposta de Pedro de fazer trs tendas, sendo uma para Jesus, outra para Moiss e outra Elias, era uma fala sem o

    mnimo discernimento: "... no sabendo, porm, o que dizia" (Lucas 9.33). Deus no um fantasma csmico. Suas revelaes no tm o propsito de infundir medo no nosso

    corao. Deus no um guarda csmico que nos procura pegar no contrap. Deus um pai cheio de ternura. Ele nos abriga debaixo das suas asas. Ele nos carrega no colo e nos toma em seus braos. Ele enxuga as nossas lgrimas. Ele nos disciplina com amor. Ele se deleita em ns com alegria.

    Ns somos a menina dos olhos de Deus, sua delcia e herana.

    Muitas pessoas receberam uma formao religiosa deturpada sobre a pessoa de Deus. Vem Deus apenas como um ser austero, inflexvel, implacvel, com a espada da lei na

    mo, com o cetro do juzo sempre erguido para sentenciar e condenar. So pessoas parecidas com o irmo do filho

    prdigo: andam perto do pai, mas no tm intimidade com ele, no desfrutam das suas riquezas. Relacionam-se com Deus apenas como servos, mas nunca como filhos. A Bblia

    nos mostra Deus como um Pai que corre para abraar o filho, mesmo que este esteja sujo de lama. As Escrituras nos revelam Deus como um pastor que desce aos vales mais

    escuros e perigosos para buscar uma ovelha desgarrada. O medo de Deus uma doena espiritual. E fruto do

    desconhecimento de Deus, da falta de discernimento das coisas espirituais.

  • 26

    Jesus no alimenta essa patologia espiritual dos

    discpulos: pelo contrrio, mostra a sua improcedncia: "Aproximando-se deles, tocou-lhes Jesus, dizendo: Erguei-vos, e no temais!" (Mateus 17.7). O medo de Deus, a fobia

    do sagrado, revela uma espiritualidade enferma, rasa e sem substncia.

  • 27

    CAPTULO 2 A ESPIRITUALIDADE DO VALE

    DISCUSSO SEM PODER

    Os nove discpulos de Jesus estavam no vale, mas viviam o drama de um grande fracasso. Estavam cara a cara com o diabo, mas no tinham poder para confront-lo e

    venc-lo. Cercados por uma multido aflita, estavam des-providos de recursos para atender s suas urgentes necessidades.

    1. No vale h gente sofrendo o cativeiro do diabo

    sem encontrar na igreja soluo para o seu drama

    Aqui est um pai desesperado (Lucas 9.37-40: Mateus 17.15, 16). O diabo invadiu a sua casa e est arrebentando

    com a sua famlia. Est destruindo o seu nico filho.

    Aquele jovem estava possudo por uma casta de

    demnios. Um terrvel poder maligno assumira o controle da sua personalidade. Aquele moo era um capacho nas mos do diabo. Naquela casa no havia mais paz. O inferno estava

    l, com sua horda de demnios provocando grandes estragos. Onde os demnios entram, impera a destruio. Onde eles dominam, reina a escravido.

    Todos os recursos que aquele pai buscou para a libertao do seu filho fracassaram. Em todas as portas que

    ele bateu, no encontrou soluo para o seu grave problema. A situao se agravara. A morte rondava a sua casa. Seu filho estava sendo castigado pelos demnios com rigor

    excessivo.

  • 28

    No auge da sua angstia, aquele pai, desesperado,

    correu para os discpulos de Jesus em busca de ajuda e socorro, mas eles no tinham poder. J haviam conquistado grandes vitrias sobre os demnios, mas agora estavam

    fracos e impotentes. O corao deles estava vazio e seco. As vitrias de ontem no servem para hoje. Precisamos encher-

    nos do Esprito a cada dia. Precisamos revestir-nos com poder diariamente. Assim como o man que caa do cu precisava ser recolhido a cada manh e no servia para o

    outro dia, da mesma forma a uno de ontem no serve para hoje.

    Em 1991 visitei a Misso Kwa Sizabantu, na Africa do

    Sul. O rev. Erlo Estegen estava trabalhando com os zulus, uma tribo fortemente comprometida com a feitiaria. Certo

    dia, ao proferir sua mensagem, ele proclamou que Jesus Cristo o Deus Todo-poderoso, para quem no h impossveis, pois ele perdoa, liberta, cura e salva. Nesse

    momento, aproximou-se dele uma mulher com o rosto sulcado de dor e os olhos marejados de lgrimas. De pronto

    ela o interrogou: "O senhor est dizendo que o seu Deus pode todas as coisas?". O pastor respondeu: "Sim, isto mesmo o que estou afirmando". Diante da resposta convicta, ela

    completou: "Ento, eu preciso do seu Deus. Eu tenho uma filha possessa, amarrada como bicho no tronco de minha casa. Nenhum dos deuses que conheo pde libert-la. Se o

    seu Deus tem todo o poder, vamos comigo minha casa e pea ao seu Deus para libert-la".

    Nesse momento, o pastor Erlo sentiu um calafrio na espinha e pensou: "E se eu fracassar? Como vai ficar a minha reputao? Com que autoridade continuarei pregando para

    esse povo?". Ele se dirigiu casa da mulher e deparou com um quadro assustador: A jovem estava sangrando, amarrada

    com arame no tronco, como uma fera ferida, um bicho enfurecido. Os olhos afogueados pareciam saltar de seu rosto

  • 29

    desfigurado. O pastor em vo tentou expulsar da jovem

    aquelas terrveis entidades malignas. Levaram-na, ento, amarrada, a uma fazenda, e um grupo de pastores e missionrios orou por ela e tentou libert-la dos demnios

    opressores, mas a moa, indomvel, destruiu a casa da fa-zenda e voltou em estado ainda mais deplorvel. O pastor

    Erlo ficou arrasado, envergonhado. Pensou at mesmo em abandonar a misso e parar de pregar. Sentia-se sem autoridade para falar da onipotncia de Jesus Cristo. Mas,

    antes de desistir, compreendeu que o problema no era o Evangelho, mas a sua vida sem uno. No era a Palavra de Deus, mas a sua falta de poder. Comeou, ento, a orar por

    avivamento. Iniciou na igreja o estudo ao livro de Atos dos Apstolos. Os coraes foram sendo quebrantados. Trs vezes

    por dia, eles oravam e choravam copiosamente diante de Deus, buscando uma vida de santidade e poder. No tardou para vir sobre eles um profuso derramamento do Esprito. Os

    feiticeiros mais endurecidos, tomados de profunda convico de pecado, corriam para a Misso, clamando pela mi-

    sericrdia de Deus, arrependendo-se de seus pecados. Aos borbotes, pessoas chegavam de toda a parte, entregando-se ao Senhor Jesus. A primeira coisa que o pastor Erlo fez a

    seguir foi visitar a casa daquela jovem possessa. Agora, no poder do Esprito, na autoridade do nome de Jesus, ele ordenou que os demnios sassem da jovem, e ela foi

    imediatamente libertada. Todos, ento, compreenderam que no basta falar no nome de Jesus, preciso ser revestido

    com o poder do Esprito.

    Hoje, quando as multides aflitas procuram a igreja, encontram nela um lugar de salvao, de cura e libertao?

    H poder em nossa vida? Possumos autoridade sobre as hostes do inferno? Temos confrontado o poder do mal?

    Conhecimento apenas no basta, preciso revestimento de poder. O Reino de Deus no consiste em palavras, mas em poder. O Esprito que habita em ns Esprito de poder. H

  • 30

    muitas pessoas que so doutas no manuseio das Escrituras.

    Conhecem com profundidade as verdades exaradas na Bblia, tm um acervo teolgico colossal, mas esto ridas como um deserto. Conhecem a Palavra, mas no o poder de Deus.

    Conhecem a respeito de Deus, mas no conhecem a Deus. Tm a cabea cheia de luz, mas o corao est vazio de fogo.

    Tm conhecimento, mas lhes falta a uno.

    2. No vale h gente desesperada precisando de ajuda,

    mas os discpulos esto perdendo tempo, envolvidos numa discusso infrutfera

    Muitas vezes tentamos disfarar nossa fraqueza

    espiritual com acaloradas e profundas discusses teolgicas. Envolvemo-nos em interminveis e apaixonados debates que

    do em nada. So debates infrutferos, discusses incuas, palavras vazias. Os discpulos perdiam tempo discutindo com os opositores da obra de Deus, em vez de remir o tempo

    fazendo a obra (Marcos 9.14-18).

    Em Atos 1.6-8 Jesus evidencia que, quando somos

    revestidos de poder, samos do campo da especulao teolgica para o campo da ao missionria. Os discpulos estavam pensando em escatologia, Jesus em misses. Rece-

    bemos poder para trabalhar, para agir, para fazer. No que a discusso teolgica seja desprovida de valor. A igreja precisa ter uma posio teolgica clara, segura e bblica. Ela no

    pode ser solidria com a heresia. A igreja no pode ser plural em sua posio doutrinria: pelo contrrio, deve rechaar

    vigorosamente qualquer ensino que no tenha amparo nas Escrituras. Mas h momentos em que precisamos deixar de lado o discurso e partir para a ao. H crentes que passam

    a vida inteira freqentando a igreja, discutindo empolgantes temas na Escola Dominical, freqentando congressos e

    fazendo seminrios de treinamento, mas nunca atuam. Esto com a cabea cheia de informaes e as mos vazias de

  • 31

    trabalho. Sofrem de hidrocefalia espiritual, enquanto o corpo

    permanece mirrado. Sabem muito e fazem pouco. Esto sempre preparando-se, mas no trabalham. Tm cursos e mais cursos, diplomas e mais diplomas, mas no colocam em

    prtica o que sabem. Estamos no vale, cercados por uma multido aflita, mas no temos resposta para ela. Ficamos

    discutindo os nossos temas, enquanto o diabo destri vidas e famlias ao nosso redor.

    Discutimos muito e agimos pouco. Falamos muito e

    trabalhamos pouco. Sabemos muito e realizamos pouco. Aqueles que no sabem que fazem, pois os que sabem gastam todo o seu tempo discutindo. E discutindo com quem?

    Muitas vezes com aqueles que sempre estiveram filiados na oposio cerrada a Jesus (Marcos 9.14). Discusso sem ao

    paralisia espiritual. Quando gastamos o tempo todo discutindo, sem agir, estamos fazendo o jogo do diabo. Ele aplaude as discusses acaloradas daqueles que deveriam es-

    tar na trincheira da luta. O inferno vibra quando a igreja se fecha dentro de quatro paredes, em torno dos seus

    empolgantes assuntos. O mundo perece enquanto a igreja est discutindo. O diabo arruna vidas enquanto o povo de Deus, despercebido, est guerreando apenas no campo nas

    idias. H muito discurso, mas pouco poder. Muita verborragia, mas pouca uno. Multides sedentas, mas pouca ao da igreja.

    3. No vale, enquanto os discpulos discutem, h um

    poder demonaco em ao sem ser confrontado

    Quando se trata de discutir a ao do diabo e suas hostes, h dois perigos extremos que precisamos evitar:

    Primeiro, o de subestimar a ao do diabo. Os liberais, cticos e incrdulos, negam a existncia e a ao dos demnios. Ex-

    plicam tudo racionalmente. Para eles, o diabo uma figura lendria, um ser mitolgico. Alguns at acreditam que o

  • 32

    diabo uma energia negativa no universo, ou o princpio do

    mal que est dentro de cada pessoa. Certamente, esse no o ensino das Escrituras. Negar a existncia e a ao de Satans cair nas malhas do mais ardiloso satanismo.

    O segundo perigo o de superestimar a ao do diabo. H muitas religies chamadas crists nos tempos hodiernos

    que falam mais no diabo do que em Jesus. Pregam mais sobre libertao do que sobre arrependimento. Atribuem todo o mal que acontece no mundo ao de Satans. O homem

    deixou de ser pecador culpado, para tornar-se apenas uma vtima. Assim, ele no precisa arrepender-se, mas apenas ser

    libertado. Muitas igrejas hoje tm feito do exorcismo a principal plataforma de sua misso. So igrejas que vivem caando demnios. So igrejas to ocupadas com o diabo que

    esquecem de deleitar-se em Deus. Como era o poder demonaco que estava agindo no vale?

    Primeiro, o poder maligno que estava em ao na vida daquele menino era assombrosamente destruidor. Assim expressou o seu pai: "Um esprito se apodera dele, e, de

    repente, o menino grita, e o esprito o atira por terra, convulsiona-o at espumar: e dificilmente o deixa, depois de

    o ter quebrantado" (Lucas 9.39). O evangelista Marcos acrescenta outros detalhes a respeito desse poder maligno que conspirava contra a vida do menino: "... rilha os dentes e

    vai definhando... e muitas vezes o tem lanado no fogo e na gua, para o matar... " (Marcos 9.18, 22). O diabo assassino e ladro. E um estelionatrio. Ele promete vida e d a morte.

    Sua ira no cessa. Ele tem destrudo vidas. Tem arruinado famlias. Tem empurrado pessoas para o abismo da

    promiscuidade sexual. Tem lanado jovens no poo profundo e pestilento das drogas. Tem levado muitos casais ao divrcio. Tem provocado guerras encarniadas e sangrentas. Tem jo-

    gado nao contra nao. Tenho visto muitas vidas feridas pelo diabo. Tenho acompanhado e aconselhado muitos

  • 33

    infelizes que foram torturados por esse insolente poder

    maligno. No podemos fechar os olhos e tapar os ouvidos aos gritos dos infelizes que esto agonizando, atormentados pelos demnios. H muitos que ainda hoje vivem oprimidos pelo

    diabo. Outros esto possessos de espritos imundos. Essas pessoas precisam encontrar uma igreja libertadora. No

    podemos ficar acomodados, deleitando-nos em profundas e polmicas discusses, enquanto nossa volta pessoas perecem nas mos do maligno.

    Certa feita, quando eu pregava em um culto familiar, algo me marcou profundamente. Enquanto falava, uma mulher chorava convulsivamente. Aps o culto, eu a procurei

    com o objetivo de oferecer-lhe ajuda. Ela, ento, me disse que o diabo havia destrudo a sua famlia. Falou-me que era

    casada e tinha dois filhos pequenos. Morava em um bom apartamento e tinha uma vida financeira estvel. Entretanto, no havia paz em sua casa. Certa noite, ela acordou com o

    grito desesperado de seus filhos. Ao levantar-se da cama, percebeu que o marido no estava do seu lado. Correu em

    direo ao quarto dos meninos, mas a porta estava trancada. Bateu porta, e ningum atendeu. Ento, com toda a fora, ela arrebentou a porta e deparou com um quadro dramtico.

    O marido estava apunhalando os prprios filhos. quando ela entrou no quarto, o marido apunhalou o seu prprio peito, caindo morto sobre os corpos sem vida das crianas. Com

    profunda tristeza, aquela mulher confessou: Pastor, eu levei toda a minha famlia para o cemitrio. O diabo destruiu a

    minha famlia. Quantas tragdias, quantas desgraas tm acontecido pela ao do diabo na vida das pessoas!

    Segundo, o poder maligno em ao no vale atingia inclusive e sobretudo as crianas. "Perguntou Jesus ao pai do menino: H quanto tempo isto lhe sucede? Desde a infncia,

    respondeu: e muitas vezes o tem lanado no fogo e na gua para o matar" (Marcos 9.21, 22). Aquele menino estava sob o

  • 34

    poder do mal. Estava no cativeiro do diabo desde a sua mais

    tenra idade, desde a sua infncia. A palavra brfos descreve a fase infantil desde a vida intra-uterina. O esprito mudo e destruidor entrou naquele menino desde a sua meninice. O

    diabo no poupa as crianas. Elas no esto isentas nem inclumes a esse terrvel ataque demonaco. Aquele menino

    estava sendo assolado por uma casta de demnios, que cons-piravam contra ele, jogando-o no fogo, na gua e atirando-o por terra para mat-lo. Era o incio do meu ministrio na

    Primeira Igreja Presbiteriana em Vitria, no Esprito Santo. Uma mulher recm-convertida passou a freqentar a igreja.

    Seu marido era esprita. Ela tinha um filho, de dois anos. Certo dia, voltando para a casa, comeou a cantar um hino cuja letra falava que Jesus tem poder. Nesse momento, para

    seu espanto, o filho de dois anos, que estava no seu colo, com o rosto desfigurado, comeou a blasfemar com voz grave, dizendo que Jesus no tinha poder. Atordoada, a mulher pro-

    curou vrios mdicos e psiquiatras para tratar do filho. Aquele fenmeno voltou a acontecer outras vezes. Um dia ela

    marcou um aconselhamento e chegou a meu gabinete com o filho no colo. Enquanto a mulher conversava comigo, a criana me fuzilava com um olhar penetrante e perturbador.

    Ouvi toda a histria. Quando comecei a falar do poder de Jesus, o menino foi tomado por um poder maligno e comeou

    a proferir improprios. Repreendi em nome de Jesus aquelas entidades malignas, e a criana comeou a serpentear no cho do gabinete como um rptil. Depois de intensa luta,

    aquele menino foi libertado pelo poder do nome de Jesus. A me contou-me, ento, que, ao nascer, seu filho tinha sido levado pelo pai a um terreiro de Umbanda, sendo ali

    consagrado aos espritos demonacos.

    H uma verdadeira orquestrao do inferno para atingir

    as crianas. Os espritos malignos atingem as crianas atravs de pactos demonacos feitos por seus pais, atravs de vdeos e jogos ocultistas e outros aparatos propositadamente

  • 35

    preparados para alcanar a mente das crianas. Hoje h um

    exrcito de crianas sofrendo grandes estragos mentais e emocionais. H um batalho de crianas deprimidas, sofren-do pesadelo. H uma safra de crianas rebeldes aos pais,

    sendo educadas por uma mdia perversa. Vivemos em uma cultura demonizada, na qual as crianas so inspiradas a

    cometer assassinatos, como aconteceu no incio do ano 2000 em So Paulo, quando uma criana, depois de assistir ao filme "Brinquedos Assassinos", assassinou o seu colega.

    O diabo tem investido pesado nas crianas. Os programas infantis hoje so uma evidncia dessa amarga realidade. Os satanismo, o ocultismo, a violncia e a

    depravao sexual so os temas explorados para atacar a mente infantil. Como o fara props a Moiss (xodo.10.10,

    11), o diabo tambm quer reter em suas mos as crianas. Se perdermos esta gerao, teremos amanh uma gerao apstata que no conhecer ao Senhor e estar pronta para

    adorar o anticristo.

    Terceiro, o poder maligno em curso age com requintes de crueldade. O evangelista Lucas registra um detalhe importante: aquele menino era filho nico (Lucas 9.38). Tocar na vida daquele menino era roubar os sonhos daquela famlia,

    era cobrir o futuro daquele lar com um manto de crepe. O filho era tudo o que aquele pai possua. O filho nico era o

    seu prazer, a sua esperana, o alvo dos seus sonhos, o seu futuro, a sua vida. O diabo age no somente com per-versidade, mas tambm com requintes de crueldade. Onde

    ele pe a mo, h marcas de sofrimento. Onde os demnios agem, h sinais de desespero. Onde a ao do maligno no

    neutralizada, a morte mostra a sua carranca. Onde os demnios no so confrontados, a invaso do mal desconhece limites.

  • 36

    4. No vale, os discpulos esto sem poder para

    confrontar os poderes das trevas

    Aquele pai aflito expe seu drama para Jesus: "Roguei aos teus discpulos que o expelissem, mas eles no puderam"

    (Lucas 9.40). Mateus tambm registra que os discpulos no puderam cur-lo (Mateus 17.16).

    Por que os discpulos esto sem poder? A Bblia nos d quatro razes para essa impotncia e fraqueza dos discpulos:

    Primeiro, porque h demnios e demnios. Os discpulos perguntaram para Jesus a razo do fracasso na tentativa de expulsar o esprito maligno do menino. Jesus respondeu que

    aquela casta no se expelia seno por meio de orao e jejum (Mateus 17.19, 21). H demnios mais resistentes que outros. Eles j tinham logrado xito em outras empreitadas, mas

    agora fracassaram. Eles j haviam expulsado demnios, mas agora no obtiveram sucesso. Na verdade, h hierarquia no reino das trevas. O apstolo Paulo fala de principados,

    potestades, dominadores deste mundo tenebroso e foras espirituais do mal. H uma estratificao de poder no mundo

    invisvel. H demnios com mais fora que outros. Por isso, os discpulos no conseguiram expelir a casta de demnios daquele menino.

    Em 1993 fui eleito presidente da Comisso Nacional de Evangelizao da Igreja Presbiteriana do Brasil, no segundo

    Congresso Nacional de avivamento e evangelizao em Vitria, Esprito Santo. Estvamos reunidos no templo da Igreja Assemblia de Deus do Aribiri, municpio de Vila Velha. O

    pregador do culto de abertura seria o rev. Jeremias Pereira da Silva. Antes da mensagem, no meio da igreja lotada com mais de trs mil pessoas, um homem possesso soltou um

    grito pavoroso. As pessoas que estavam prximas levaram-no a uma sala do templo e oraram por ele. No dia seguinte, o

    pastor Jeremias comeou uma srie de palestras sobre Batalha Espiritual. No fim da tarde, o dito homem convidou o

  • 37

    pastor Jeremias para ir sua casa visitar a sua esposa.

    Fomos em quatro pastores. No trajeto, perguntei quele homem sobre o ocorrido na noite anterior. Ele me falou, ento, do seu envolvimento com o satanismo. Contou que

    tinha feito um pacto com vrias entidades do candombl, mostrando as marcas no seu corpo. Quando chegamos sua

    casa, aps apresentar-nos a sua esposa, ele deu um salto para dentro da sua varanda e j caiu do outro lado, possesso e muito furioso, dizendo: "Agora, vocs esto no meu terreno.

    Eu quero ver se vocs tm poder mesmo. Agora vou matar todos vocs". O semblante do homem desfigurou-se. Seus olhos nos fuzilavam com dio mortal. Ele rangia os dentes,

    tomado por um acesso de fria. Partiu para cima de ns, determinado a nos destruir; contudo, Deus colocou ao nosso

    redor um muro de fogo. O pastor Jeremias travou uma batalha espiritual com esse homem possesso durante cerca de uma hora. Era dado momento, ele trouxe para a sala sete

    garrafas vazias de cerveja e fez um ponto cruzado, buscando reforo dos demnios. Depois, cheio de fria, avanou em

    nossa direo, arremessando as garrafas contra ns, com a inteno de nos matar. A sala ficou coalhada de cacos de vidro. Depois de uma luta titnica, aquele homem foi liberto.

    Ele estava to exausto que nem mesmo conseguia ficar de p. No quintal de sua casa havia um templo satnico, com vrios apetrechos de feitiaria. A casta que estava naquele homem

    era uma horda de demnios extremamente resistentes. Nem todo caso de possesso to complicado, contudo.

    Segundo, os discpulos estavam sem poder porque no oraram. Jesus disse que aquela casta s saa com orao e

    jejum (Mateus 17.21). No h poder espiritual sem orao. O poder no vem de dentro do homem, mas do alto, do trono de Deus. Sem orao ficamos vazios, secos e fracos. Plpito sem

    orao plpito sem poder. Igreja sem orao igreja sem poder. A fonte do poder no vem dos livros, mas do trono de Deus. C. H. Spurgeon dizia que toda a sua biblioteca nada

  • 38

    era diante da sua sala de orao. Quando a igreja se coloca

    de joelhos, torna-se invencvel. O inferno treme ao ver um santo de joelhos. Quando a igreja ora, o cu se move, o inferno treme e coisas maravilhosas acontecem na terra. Sem

    orao, agimos na fora da carne. Orao e poder sempre caminham juntos. No h poder sem orao. Sempre que a

    igreja dobrou os joelhos para orar, ela foi revestida com poder. Sempre que ela capacitada com poder, tem autoridade para viver, pregar e confrontar vitoriosamente os demnios.

    Terceiro, os discpulos estavam sem poder porque eles no jejuaram. Jesus disse que aquela casta s seria expelida

    com orao e jejum (Mateus 27.21). O jejum um tremendo exerccio espiritual que nos capacita a enfrentar os grandes embates da vida. Somos capacitados e equipados para

    realizar a obra de Deus atravs do jejum. Ele no meritrio. No tem o propsito de mudar Deus. E um instrumento de

    auto-humilhao e quebrantamento. Quando jejuamos, estamos dizendo que dependemos totalmente dos recursos de Deus. Quem jejua tem pressa para estabelecer comunho

    com Deus. Quem jejua tem mais fome do po do cu que do po da terra. Quem jejua busca o revestimento de poder do Esprito e no confia em sua prpria fora. Quando a igreja pra de jejuar, comea a enfraquecer. Quando ela passa a confiar em si mesma, deixa de usar os recursos de Deus. E

    sem o poder de Deus agindo em ns e atravs de ns, colhemos amargas e humilhantes derrotas espirituais como os discpulos naquele vale.

    Quarto, os discpulos estavam impotentes por causa da pequenez de sua f. Depois que Jesus libertou o menino do poder dos demnios, os discpulos aproximaram-se dele e perguntaram em particular: "Por que motivo no pudemos

    ns expuls-lo? E ele lhes respondeu: Por causa da pequenez da vossa f" (Mateus 17.19, 20). Os discpulos tinham uma f debilitada e raqutica. Como no tinham intimidade com

  • 39

    Deus e no o conheciam de forma profunda, eram fracos e

    impotentes para confrontar as foras do mal. A f no algo mstico e subjetivo. resultado do nosso conhecimento da verdade. A f vem pelo ouvir a Palavra. O povo que conhece a

    Deus forte. No podemos confiar em quem no conhecemos profundamente. Muitos conhecem a respeito de Deus, mas

    no conhecem a Deus. F no apenas um assentimento intelectual da verdade. Esse tipo de f, at os demnios tm (Tiago 2.19). A f um conhecimento pessoal, ntimo,

    relacional, fruto da comunho com Deus. Os discpulos fra-cassaram no confronto com o poder das trevas, porque no estavam vivendo aos ps do Senhor. A pequenez da f

    conseqncia de uma relao fria e distante com Deus. Ningum pode ter uma grande f sem estar vivendo na

    intimidade e na dependncia do grande Deus. O problema no a presena do diabo, mas a ausncia de Deus.

    Os olhos da f no miram a adversidade das

    circunstncias. A f no se abala ao ser encurralada por impossibilidades e ao ser confrontada pelas improbabilidades.

    A f no se concentra na fria da tempestade. Ela s olha para o Deus dos impossveis. No se intimida diante da ameaa dos gigantes: ela olha por sobre os ombros dos

    gigantes e contempla a vitria que vem do Senhor. O poder para confrontar o maligno e suas hostes no est em ns, mas no poderoso nome de Jesus. No , porm, apenas uma

    questo de proferir o seu nome. Precisamos conhecer a Jesus e confiar em seu nome sem duvidar. Contra o diabo e seus

    anjos, no podemos usar armas carnais. Precisamos manejar as armas espirituais, que so poderosas em Deus (2 Corntios 10.3-5). Contra o inimigo precisamos arvorar a

    bandeira do Senhor na certeza de que ele vencedor invicto em todas as batalhas. Ele a nossa inexpugnvel armadura.

  • 40

    5. A nossa incredulidade e falta de orao e jejum

    provocam sofrimento a Jesus

    Quando aquele pai aflito confessou que trouxe seu filho endemoninhado aos discpulos, e eles no puderam libert-lo,

    Jesus exclamou: "O gerao incrdula e perversa! At quando estarei convosco? At quando vos sofrerei?" (Mateus 17.17). A

    inoperncia e fraqueza da igreja entristecem a Jesus. A igreja foi criada para ser instrumento de libertao e sinal de vida no meio de uma gerao cativa e marcada pelo espectro da

    morte. A igreja deve ser o brao de Deus em ao na histria. Ela no pode ser um exrcito tmido, impotente e covarde, que recua diante das foras do mal. Ela precisa invadir as

    portas do inferno. Ela agente de Deus na histria para pregar, curar e libertar. A igreja deve brilhar como luzeiro no

    meio de uma gerao imersa nas densas trevas. Se a igreja falhar, o mundo perecer. Se a igreja no tiver poder, as trevas prevalecero. Se a igreja estiver fraca, o diabo far

    grandes estragos.

    Precisamos questionar-nos: Temos produzido alegria ou

    sofrimento no corao de Jesus? Como ele nos v? Temos usado os recursos e as ferramentas que ele colocou em nossas mos? Temos prevalecido e triunfado em seu nome?

    Temos abalado as portas do inferno? Temos desestabilizado as tramas do diabo? Temos afugentado os aleivosos demnios que oprimem aqueles que nos buscam cheios de aflio? Te-

    mos visto o nome do Senhor ser glorificado em nossa vida?

    Jesus olhou para a igreja de Laodicia , que possua um

    elevado conceito de si mesma, e disse: "Conheo as tuas obras, que nem s frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque s morno e nem s quente nem frio,

    estou a ponto de vomitar-te da minha boca" (Apocalipse 3.15, 16). Deus olhou do cu e viu o seu povo mergulhado em

    profunda devassido e disse: "As vossas solenidades, a minha alma as aborrece: j me so pesadas: estou cansado

  • 41

    de as sofrer" (Isaas 1.14). O que Deus pensa de voc? Voc

    tem sido motivo de alegria ou tristeza para o corao do Senhor?

    H alguns anos preguei no culto de formatura do

    Seminrio Presbiteriano de Recife. Aps o culto, um formando compartilhou comigo sua dramtica experincia

    vivida meses antes da formatura. Ele foi convidado para pre-gar em uma grande igreja de uma bela capital nordestina. Empacotou seus melhores sermes, fez sua mala e viajou na

    expectativa de uma bem-sucedida srie de conferncias. Ao chegar, porm, casa do pastor para o grande desafio evangelstico, foi surpreendido por um fato novo. Uma

    mulher se dirigiu casa do pastor tomada de grande desespero, pedindo socorro. Sua vizinha estava possessa,

    furiosa, indomvel, e no havia quem pudesse libert-la do poder dos demnios. O pastor disse calmamente mulher: "Fique tranqila: acaba de chegar de Recife um santo homem

    de Deus preparado para esta tarefa". O seminarista, atordoado, com as mos geladas e trmulas, os joelhos

    vacilantes e o corao cheio de pnico, disse ao pastor: "Eu apenas vim avisar ao senhor que j estou partindo". Na verdade, ele no conseguiu dizer nada. Estava em estado de

    choque. Jamais vivera situao semelhante. O pastor levou-o ao local onde estava a mulher possessa. De longe, eles come-aram a ouvir os gritos alucinados da vtima dos demnios. O

    seminarista no conseguia caminhar sem sentir os joelhos batendo um no outro.

    Quando chegaram em frente casa, havia ao redor uma multido apavorada, sem saber o que fazer. O pastor olhou para o seminarista e disse: "Seminarista, o caso todo seu, pode entrar na casa". Tremendo e assustado, ele entrou e deparou-se com um quadro aterrador: A mulher estava

    furiosa, com o rosto desfigurado, os olhos vermelhos e flamejantes, o cabelo desalinhado, bufando como uma fera

  • 42

    ferida. Quando ele abriu a boca para repreender o esprito

    maligno, a mulher possessa lhe deu uma bofetada no rosto e o jogou no cho, e no cho ele ficou por mais de uma hora. O seminarista sentiu-se humilhado, envergonhado, nocauteado

    pelo inimigo. Em sua mente, como um filme, passavam ao vivo e em cores seus fracassos, sua incredulidade, sua aridez

    espiritual, seus pecados. Enquanto ele vivia esse momento doloroso de vergonha e derrota, a mulher possessa vociferava ao seu redor. Quando se sentiu no fundo do poo, impotente

    e quebrado, o jovem voltou os seus olhos para Deus e clamou: " Deus, tem misericrdia de mim. Eu sou teu servo. Restaura a minha vida. Restitui-me as foras. D-me poder

    para confrontar esses demnios".

    Enquanto orava, como fez Sanso agarrado s colunas

    do templo, a mulher possessa caiu. E quando ela caiu, o jovem se levantou, porque diante de Deus demonstrara humildade, mas diante do diabo isso significava autoridade.

    No poder que h no nome de Jesus, ele repreendeu os demnios que estavam tomando aquela mulher, e ela foi

    libertada.

    Esse jovem formando, abraado comigo, deixando pingar lgrimas na lapela do seu palet, confessou: "Agora

    compreendo que no basta ser crente, no basta ser lder, no basta ser pastor, no basta falar do poder de Deus: preciso experimentar esse poder". No podemos confrontar o

    poder das trevas estribados em nossas prprias foras. Precisamos ser revestidos com o poder de Deus, pois s

    assim traremos alegria ao corao de Jesus!

  • 43

    CAPITULO 3 A ESPIRITUALIDADE DE JESUS

    A transfigurao foi uma antecipao da glria, um vislumbre e um ensaio de como ser o cu (Mateus 16.28).

    Aprendemos aqui algumas verdades fundamentais sobre a espiritualidade de Jesus.

    1. A espiritualidade de Jesus fortemente marcada pela orao

    O evangelista Lucas apresentou Jesus como o Homem perfeito. Por isso, registrou com maior nfase o seu intenso ministrio de orao. A orao no era algo perifrico e lateral

    na vida de Jesus. Toda a sua vida foi uma busca pela intimidade com o Pai. Ele tinha prazer em estar com o Pai.

    Jesus orou no rio, no deserto, no mar, no monte, no jardim, nos lares, na sinagoga, no templo, na beira de um tmulo, na cruz. Orou em momentos alegres e tambm quando estava

    tomado de profunda tristeza. Orou ao iniciar seu ministrio e orou ao terminar sua obra redentora na cruz. Orou enquanto

    viveu aqui na terra e agora no cu ainda intercede por ns.

    Jesus subiu o monte da transfigurao com o propsito de orar (Lucas 9.28). A transfigurao veio como resultado de

    orao. "E aconteceu que, enquanto ele orava, a aparncia do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura" (Lucas 9.29). A orao traz a glria do cu terra.

    A orao nos envolve em um clima celestial. Pela orao penetramos alm do vu, no santo dos santos, na sala do

    trono, onde a glria de Deus resplandece.

  • 44

    A orao uma via de mo dupla, onde nos deleitamos

    em Deus e Deus tem prazer em ns. No apenas Jesus buscava a intimidade com o Pai, mas tambm o Pai tinha prazer no seu Filho unignito. "... e eis, vindo da nuvem, uma

    voz que dizia: Este o meu Filho amado, em quem me comprazo... " (Mateus 17.5).

    Que pai no se alegra em ver que seu filho tem prazer em estar com ele? Deus nos ama. O amor tem pressa para estabelecer comunho. Deus procura adoradores. O amor

    busca a aproximao. Ns somos a delcia e a menina dos olhos de Deus. Ele se deleita em ns com alegria. Alegra-se em ns como o noivo se alegra com a noiva (Isaas 62.4, 5:

    Sofonias 3.17). Seria muito estranho se um filho procurasse o pai apenas para pedir alguma coisa. Nesse caso, o filho no

    revelaria amor ao pai, mas apenas um interesse egosta. A relao com o pai, ento, seria meramente mercantilista e utilitarista. A essncia da orao a comunho com Deus. O

    maior anseio de quem ora no so as bnos de Deus, mas o Deus das bnos. A intimidade com Deus o maior

    tesouro, a mais gloriosa experincia que podemos ter na vida, a prpria essncia da vida eterna (Joo 17.3). Por isso, Jesus muitas vezes saa para os montes e passava noites

    inteiras orando ao Pai, longe dos holofotes, afastado do burburinho da multido, buscando as alturas excelsas da

    intimidade com o Pai.

    Dois fatos so dignos de destaque na transfigurao de Jesus: Em primeiro lugar, diz o texto que o rosto de Jesus transfigurou-se. Lucas registra: "... enquanto ele orava, a aparncia do seu rosto se transfigurou... " (Lucas 9.29).

    Mateus coloca: "E foi transfigurado diante deles: o seu rosto resplandecia como o sol... " (Mateus 17.2). O nosso corpo precisa ser vazado pela luz do cu. O nosso corpo tambm

    precisa resplandecer. Ele santurio de Deus, onde a glria de Deus deve resplandecer com todo o seu fulgor. O nosso

  • 45

    corpo de Deus: foi feito, comprado e habitado por Deus.

    Devemos glorificar a Deus no nosso corpo. O rosto a sntese da nossa identidade. Por ele somos conhecidos. Por ele nos revelamos. A nossa apresentao fsica precisa ser vazada

    pelo sagrado. A glria de Deus, a shekin de Deus, precisa brilhar em ns e resplandecer atravs de ns.

    Em segundo lugar, diz o texto que as vestes de Jesus tambm resplandeciam. Mateus afirmou que "... as suas vestes tornaram-se brancas como a luz" (Mateus 17.2). Marcos acrescenta um novo dado: "... as suas vestes tornaram-se resplandecentes e sobremodo brancas, como

    nenhum lavandeiro na terra as poderia alvejar" (Marcos 9.3). Lucas, de maneira mais sucinta, descreveu: "... e suas vestes

    resplandeceram de brancura" (Lucas 9.29). As nossas vestes revelam o nosso ntimo, mais do que cobrem o nosso corpo. Retratam o nosso estado interior e demonstram o nosso

    senso de valores. Elas precisam ser vazadas pelo sagrado. A luz do cu tambm precisa resplandecer em nossas vestes, que devem ser santificadas. Desde o den, Deus estabeleceu

    a necessidade de vestir-nos com decncia. Foi Deus quem fez as primeiras vestes decentes para a mulher e para o homem,

    em substituio s roupas pouco convenientes que eles estavam trajando. Parece, entretanto, que a palavra de ordem hoje em nossa cultura despir o homem e a mulher, ou

    tanger-lhes com roupas cada vez mais sumrias e provocantes.

    bem verdade que a forma de vestir-se varia de cultura

    para cultura, de povo para povo e de poca para poca. No nos vestimos hoje da mesma maneira que se vestiram os

    puritanos do sculo XVII. De certa forma, precisamos andar na moda, para no destoarmos do comum e do normal. Porm, no podemos ser regidos por todas as nuanas da

    moda. Devemos ser guiados pela Palavra de Deus, que nos recomenda sensatez, bom senso, modstia e decncia nesse

  • 46

    campo. No podemos render-nos aos ditames e caprichos de

    uma moda que no leva em conta a santidade do corpo: antes, o explora sensualmente, despertando nas pessoas a concupiscncia dos olhos.

    Precisamos compreender que o nosso corpo no para a impureza, mas para o Senhor. Nosso corpo membro de

    Cristo. No temos o direito de defraudar as pessoas com a nossa forma pouco criteriosa de vestir-nos. As nossas roupas precisam ser santificadas.

    H duas formas de uma pessoa chamar a ateno para si: Quando se distancia demais da moda, a ponto de tornar-se ridcula, e quando regida por ela, a ponto de perder a

    decncia. E bvio que no podemos ser legalistas quanto a esta matria. No defendemos a santidade medida pela fita

    mtrica. Uma pessoa pode cobrir o corpo da cabea aos ps e ter um corao sujo e impuro. Todavia, nossas roupas revelam quem somos e para quem nos vestimos.

    Devemos vestir-nos para a glria de Deus. A luz do cu precisa resplandecer tambm em nossas roupas. O

    resplendor de Deus precisa penetrar na nossa identidade e nossa revelao. Quem somos e como nos manifestamos, isso precisa estar debaixo da luz de Deus!

    A orao de Jesus no monte ainda nos evidencia outras duas verdades tremendas: Primeiro, na transfigurao Jesus foi consolado antecipadamente para enfrentar a cruz. O grande assunto no topo daquele monte cheio de luz celestial foi o calvrio. "Eis que dois vares falavam com ele: Moiss e

    Elias, os quais apareceram em glria e falavam da sua partida, que estava para cumprir em Jerusalm" (Lucas 9.30,

    31). Quando oramos, Deus nos prepara para enfrentar os momentos difceis da vida. Quando buscamos a face de Deus, somos consolados com antecipao. Pela orao, somos

    capacitados a enfrentar as dificuldades sem temor. Jesus passaria por terrveis angstias: seria preso, aoitado,

  • 47

    cuspido, ultrajado, escarnecido, pregado numa cruz. Mas,

    pela orao, o Pai o capacitou a beber aquele amargo clice sem retroceder. Na hora da prova, Pedro fugiu e comeou a seguir Jesus de longe. Misturou-se com os mpios, assentou-

    se na roda dos escarnecedores e negou a Jesus. Isso porque, em vez de orar, nas horas mais cruciais Pedro estava

    dormindo. Dormindo no monte da transfigurao e dormindo no vale do Cedrom, no Getsmani. Quem no ora no tem poder para enfrentar as grandes tenses da vida. Quem no

    ora desespera-se na hora da aflio. A orao abre para ns as janelas do cu e canaliza em nossa direo as torrentes caudalosas das consolaes que emanam no trono de Deus.

    E pela orao que triunfamos. Atravs dela somos ca-pacitados com poder para cumprir o nosso ministrio. Sem

    orao, o nosso corao desmaia no vale da crise. Sem orao, fraquejamos ao sinal da primeira turbulncia. Sem orao, perdemos a proviso do cu, ficamos vazios de poder

    e impotentes para triunfar nos tempos de aflio. A orao nos coloca acima das nuvens tempestuosas, nos eleva acima

    dos problemas.

    No dia 1 de dezembro de 1982, recebi a notcia do falecimento do meu pai. Nesse tempo eu era pastor na

    Primeira Igreja Presbiteriana de Bragana Paulista, em So Paulo. No outro dia bem cedo, tomei um avio em Congonhas em direo a Vitria. Era uma manh chuvosa. As nuvens

    estavam densas e escuras. Meu corao apertado parecia sintonizado com o aspecto melanclico daquele dia. To logo

    o avio decolou, atravessou o nevoeiro denso e l em cima tudo estava ensolarado e brilhando. As nuvens pardacentas haviam ficado embaixo. Naquele momento, Deus ministrou

    uma palavra de consolo ao meu corao. Quando buscamos o abrigo da intimidade com Deus, atravs da orao,

    cruzamos tambm as tempestades da vida e recebemos consolo e foras para enfrentar as aflies.

  • 48

    Em segundo lugar, em resposta orao de Jesus, o Pai confirmou o seu ministrio. Os discpulos, desprovidos de entendimento espiritual, nivelaram Jesus com representantes da lei e dos profetas, igualaram Jesus a Moiss e a Elias. Jesus, porm, no discute, no faz diante

    deles uma apologia em defesa de sua divindade. Ele sim-plesmente ora e o Pai incumbe-se de corrigir a distoro

    teolgica de Pedro. "Ento, disse Pedro a Jesus: Senhor, bom estarmos aqui: se queres, farei aqui trs tendas: uma ser tua, outra para Moiss, outra para Elias. Falava ele ainda,

    quando uma nuvem luminosa os envolveu: e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi" (Mateus 17.4, 5). Marcos

    registra: "E de relance, olhando ao redor, a ningum mais viram com eles, seno Jesus" (Marcos 9.8).

    Quando voc ora, Deus honra voc. Voc no precisa defender-se, voc precisa orar. A orao vale mais do que mil argumentos. No preciso defender a sua honra, preciso

    cultivar a sua intimidade com Deus. Voc no precisa brigar por seus direitos, voc precisa estar diante do trono. Voc no precisa lutar para agradar as pessoas, voc precisa

    agradar o corao do Pai. Quando voc d prioridade a Deus em sua vida, ele honra voc diante das pessoas, defende a

    sua causa e o exalta at mesmo diante dos seus adversrios. Quando voc cuida da sua piedade, Deus cuida da sua reputao. Quando o profeta Daniel foi alvo da conspirao

    de seus inimigos, ele no revidou com as mesmas armas, a fim de desmascarar os seus desafetos: ele simplesmente orou,

    e Deus o honrou. Pedro, no Getsmani, por desprezar o poder que vem atravs da orao, usou contra o soldado romano a fora da carne e, com a sua espada, cortou a orelha de Malco.

    Muitas brigas, contendas e disputas no lar, na igreja e na sociedade acontecem porque buscamos defender a ns

  • 49

    mesmos quando somos atingidos, em vez de orar. A orao

    no apenas desestabiliza e desarticula o poder do mal contra ns, mas tambm aciona o poder do cu em nossa defesa. Quando cuidamos das coisas de Deus, ele cuida das nossas

    coisas. Quando cuidamos do nosso relacionamento com Deus, ele cuida da nossa reputao.

    Alm de no defender seu ministrio, Jesus no tocou trombetas para propagar suas gloriosas experincias. Sua espiritualidade no era autoglorificante. Vejamos como

    Mateus registra esse fato: "E, descendo eles do monte, ordenou-lhes Jesus: A ningum conteis a viso, at que o Filho do Homem ressuscite dentre os mortos" (Mateus 17.9).

    A espiritualidade que faz propaganda de seus feitos, que alardeia suas experincias e enaltece a si mesma doentia.

    Os fariseus gostavam de tocar trombetas para alardear suas virtudes. Eles aplaudiam a si mesmos. Colocando-se no pedestal, faziam a si mesmos os maiores encmios e elogios.

    No se contentavam apenas em anunciar suas virtudes, mas tinham um prazer mrbido de denunciar os pecados dos

    outros. Jesus os confrontou com firmeza. Mostrou a falsidade da sua espiritualidade. A humildade deve ser a marca registrada da verdadeira espiritualidade. Quem tece elogios a

    si mesmo revela uma espiritualidade trpega. Quem busca o aplauso dos homens ou tenta impressionar as pessoas com a sua espiritualidade precisa usar mscaras para esconder a

    sua glria desvanecente.

    2. A espiritualidade+ de Jesus marcada pela obedincia ao Pai

    A obedincia absoluta e espontnea ao Pai foi o

    apangio da vida de Jesus. Na economia da redeno, ele se disps a abrir mo da sua glria, tornando-se homem e

    sujeitando-se aos desgnios soberanos do Pai.

  • 50

    No conselho da Trindade, Jesus ofereceu-se para vir ao

    mundo e dar sua vida em resgate daqueles a quem o Pai escolhera antes da fundao do mundo. Jesus veio ao mundo para morrer. A cruz foi o alvo que esteve sempre diante dos

    seus olhos. Nada demoveu Jesus do caminho do calvrio. A cruz para ele no foi um acidente, uma surpresa. Ele no

    morreu como um mrtir. Ele declarou: " [a minha vida] ningum a tira de mim: pelo contrrio, eu espontaneamente a dou". Jesus foi para a cruz a fim de cumprir um propsito

    eterno do Pai. Jesus morreu porque o Pai o entregou por amor. Deus no poupou o seu prprio Filho: antes, por todos ns o entregou. Cristo morreu por ns, sendo ns ainda

    pecadores. No havia outro caminho possvel para a nossa salvao, seno a cruz de Cristo. Fora da cruz de Cristo, no

    h esperana para o homem.

    Portanto, ao vir ao mundo, Jesus veio como enviado do Pai, para morrer em nosso lugar e em nosso favor. Essa foi

    sua misso. Moiss e Elias, representantes da lei e dos pro-fetas, apareceram no monte da transfigurao, conversando

    com Jesus sobre sua partida para Jerusalm que estava prestes a cumprir-se (Lucas 9.30, 31), ou seja, falavam sobre sua morte na cruz. A palavra usada neste texto para partida

    xodos. O xodo foi a libertao do povo de Israel do cativeiro egpcio. Com o seu xodo, Jesus nos libertou do

    cativeiro do pecado. Sua morte nos trouxe vida. Pelas suas pisaduras fomos sarados. O xodo de Jesus para Jerusalm, para o calvrio, para a cruz, foi a pauta da reunio no monte

    da transfigurao. Jesus no fugiu do assunto. Ele no mudou a conversa. No alterou seus planos nem sua agenda. Submeteu-se inteiramente ao propsito eterno do Pai. Logo

    que desceram do monte, Jesus libertou o menino possesso e, diante do espanto e entusiasmo de todos com o seu

    extraordinrio poder, disse para os seus discpulos: "Fixai nos vossos ouvidos as seguintes palavras: o Filho do Homem est para ser entregue nas mos dos homens" (Lucas 9-44).

  • 51

    Jesus est determinado a cumprir cabalmente a sua

    misso. Ele caminha na direo do calvrio. Ele no foge da cruz. Sabe o que vai acontecer. Conhece o que est sendo tramado contra ele nas caladas da noite. Tem conscincia da

    orquestrao que os homens maus, mancomunados, esto fazendo para conden-lo morte. Ele conhece a avareza de

    Judas, a inveja dos sacerdotes, a covardia de Pilatos, a volubilidade da multido, a frieza dos soldados romanos. Mesmo sabendo que sua hora estava chegando, que o

    caminho para a cruz se afunilava, ele no recuou. Pelo contrrio, Lucas registra: "E aconteceu que, ao se completarem os dias em que devia ele ser assunto ao cu,

    manifestou, no semblante, a intrpida resoluo de ir para Jerusalm" (Lucas 9.51).

    Jesus caminha para a cruz como um rei caminha para a coroao. Antes de ser levantada no topo do Glgota, a cruz foi cravada no corao de Jesus e podia ser vista no seu

    prprio semblante. At mesmo os samaritanos conseguiram discernir a intrpida e resoluta deciso de Jesus de ir para

    Jerusalm (Lucas 9.53). Quando Jesus chegou a Jerusalm, estabeleceu um memorial, a Santa Ceia, para que a igreja relembrasse a sua morte at a sua segunda vinda (Lucas

    22.19, 20). Ao descer ao Vale do Cedrom, no sop do Monte das Oliveiras, no Jardim do Getsmani, Jesus travou uma batalha de sangrento suor. E qual foi o propsito daquela

    profunda angstia de Jesus? Fazer a vontade do Pai (Lucas 22.39-46)!

    A espiritualidade de Jesus foi timbrada pela obedincia ao Pai. Ele andou em sintonia com a vontade do Pai. Quando estava para entregar-se como sacrifcio pelos nossos pecados

    na cruz, orou ao Pai, dizendo: "Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer" (Joo 17.4).

    Agora, deitado no leito vertical da morte, suspenso entre a

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    terra e o cu, bradou com triunfo: "Est consumado! E, in-

    clinando a cabea, rendeu o esprito" (Joo 19.30).

    Hoje muitas pessoas desenvolvem uma espiritualidade mstica, carismtica, mas sem obedincia. So fervorosas no

    culto, mas desonestas nos negcios. Moralistas na igreja, mas carnais em casa. Carismticas na liturgia, mas

    contraditrias na tica. Tm carisma, mas lhes falta carter. Tm dons, mas no tm o fruto do Esprito.

    Quando Jesus concluiu o sermo do monte, alertou

    para o perigo de uma religiosidade fervorosa, porm divorciada da obedincia: "Muitos, naquele dia, ho de dizer: Senhor, Senhor! Porventura, no temos ns profetizado em

    teu nome, e em teu nome no expelimos demnios, e em teu nome no fizemos muitos milagres? Ento, lhes direi

    explicitamente: nunca vos conheci! Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqidade" (Mateus 7.22, 23). Essas pessoas tinham ortodoxia: chamaram Jesus de Senhor. Eram fervorosas: exclamaram Senhor, Senhor! Eram carismticas: tinham dons extraordinrios, profetizavam e operavam

    milagres. Eram exorcistas: expeliam demnios. Faziam tudo isso em nome de Jesus: mas, ao mesmo tempo, praticavam a

    iniqidade (Mateus 7.23). Por isso, no eram conhecidas pelo Senhor e precisavam apartar-se para sempre da sua presena (Mateus 7.23).

    Deus requer do seu povo obedincia. Quem pode rebelar-se contra o Todo-poderoso e prevalecer? Quem pode insurgir-se contra a Palavra do Deus vivo e ainda ficar de p

    no dia do juzo? Ou obedeceremos a Deus para viver em glria com ele, ou seremos banidos para sempre da sua

    presena (2 Tessalonicenses 1.7-10).

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    3. A espiritualidade de Jesus marcada por poder

    para desbaratar as foras do inferno

    O ministrio de Jesus foi profundamente comprometido com a libertao dos cativos (Lucas 4.18). Ao mesmo tempo

    que Jesus o libertador dos homens, tambm o atormenta-dor dos demnios. Ele andou por toda a parte libertando os

    oprimidos do diabo (Atos 10.38). Diante dele os demnios devem prostrar-se, calar-se e depois bater em retirada. Os demnios jamais puderam resistir autoridade de Jesus.

    Jesus disse casta de demnios que atormentava aquele menino: "Sai... e nunca mais tornes a ele" (Marcos 9.25-27). O poder de Jesus absoluto e irresistvel. Ante

    autoridade da sua Palavra, o diabo e suas hostes precisam baixar a crista e retirar-se, vencidos. O menino foi libertado,

    as algemas foram quebradas, os grilhes foram despedaados, e a glria de Deus se manifestou onde antes s se viam os sinais da escravido do inferno.

    Tenho visto muitas pessoas escravizadas pelo poder dos demnios. Era um domingo de manh. Eu ministrava um

    estudo bblico na Escola Dominical da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitria, quando fui chamado s pressas para atender a uma emergncia no ptio da igreja. Uma mulher

    chegara ali possessa, furiosa, indomvel. Algumas pessoas de destacado vigor fsico tentaram segur-la. Ela se contorcia e rangia os dentes. Ao chegar sala para onde a levaram, o

    demnio foi logo esbravejando: "Eu no saio daqui. Ela minha. Eu vou dest