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Universidade Federal do Maranhatildeo ndash UFMA Licenciatura em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros KWANISSA ndash Revista de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 65
ISSN 2595-1033
AS COMUNIDADES NEGRAS NO RIO GRANDE DO NORTE
NO SEacuteCULO XXI
Invisibilidade social e econocircmica
The black communities in the Rio Grande do Norte in the 21st
century social and economic invisibility
Las comunidades negras en el Riacuteo Grande del Norte en el siglo xxi
invisibilidad social y econoacutemica
Geraldo Barboza de Oliveira Junior Bacharel em Ciecircncias Socias com Habilitaccedilatildeo em Antropologia Social (UFRN)
Mestre em Antropologia Social (UFSC)
Doutorado em Demografia (UFRN)
geraldobarbozantroposgmailcom
Resumo
Neste artigo eacute mostrada a pesquisa (de cunho individual) que venho realizando desde 1987 no Rio
Grande do Norte na aacuterea de antropologia afro-brasileira em especial sobre comunidades negras
rurais terreiros de matriz afro-brasileira e territoacuterios urbanos Assim discorro sobre o conceito de
comunidades quilombolas a questatildeo dos quilombos no Brasil e no estado do Rio Grande do Norte e
ainda explanando sobre a literatura regional que trata dessas populaccedilotildees afro-brasileiras na regiatildeo Por
fim mostramos o resultado da citada pesquisa sobre a presenccedila de comunidades e territoacuterios negros no
Rio Grande do Norte
Palavras-Chave Quilombolas Rio Grande do Norte territoacuterios negros
Abstract
This article shows the research (individual) that I have been conducting since 1987 in Rio Grande do
Norte in the area of Afro-Brazilian anthropology especially on rural black communities afro-
Brazilian matrix terreiros and urban territories Thus I discuss the concept of quilombola
communities the issue of quilombos in Brazil and the state of Rio Grande do Norte and also
explaining the regional literature dealing with these Afro-Brazilian populations in the region Finally
we show the result of the aforementioned research on the presence of black communities and
territories in Rio Grande do Norte
Key words Quilombolas Rio Grande do Norte black territories
Resumen
En este artiacuteculo se muestra la investigacioacuten (de cuntildeo individual) que vengo realizando desde 1987 en
Rio Grande do Norte en el aacuterea de antropologiacutea afro-brasilentildea en especial sobre comunidades negras
rurales terreros de matriz afro-brasilentildea y territorios urbanos Por lo tanto discutiacute sobre el concepto de
comunidades quilombolas la cuestioacuten de los quilombos en Brasil y en el estado de Rio Grande do
Norte y ademaacutes explicando sobre la literatura regional que trata de esas poblaciones afrobrasilentildeas en
la regioacuten Por uacuteltimo mostramos el resultado de la citada investigacioacuten sobre la presencia de
comunidades y territorios negros en Rio Grande do Norte
Palabras clave Quilombolas Rio Grande do Norte territorios negros
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Introduccedilatildeo
A desigualdade entre brancos e negros eacute hoje reconhecida como uma das mais
perversas dimensotildees do tecido social no Brasil A extensa e perioacutedica divulgaccedilatildeo de
indicadores socioeconocircmicos sob responsabilidade de organismos de estatiacutestica e de pesquisa
como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) o Instituto de Pesquisa
Econocircmica Aplicada (Ipea) o Departamento Intersindical de Estatiacutestica e Estudos
Socioeconocircmicos (Dieese) ou o Fundo de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas para a Mulher
(Unifem) mostra que grandes diferenciais raciais marcam praticamente todos os campos da
vida social brasileira Seja no que diz respeito agrave educaccedilatildeo sauacutede renda acesso a empregos
estaacuteveis violecircncia ou expectativa de vida os negros se encontram submetidos agraves piores
condiccedilotildees Em algumas dessas dimensotildees as variaccedilotildees observadas ao longo do tempo no
sentido de uma reduccedilatildeo das desigualdades mostram-se modestas em alcance e lentas em sua
trajetoacuteria Em outras as desigualdades natildeo apenas continuam estaacuteveis como ateacute vecircm se
ampliando em alguns casos
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 representa um marco na luta pela terra e cidadania dos
povos tradicionais remanescentes de quilombos pois com a inclusatildeo do artigo 681 no Ato das
Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias garante a titulaccedilatildeo das terras que estas comunidades
utilizam para sua moradia e trabalho Vale lembrar ainda os compromissos internacionais
assumidos pelo Estado Brasileiro em favor das comunidades negras desde a Declaraccedilatildeo
Universal dos Direitos Humanos que em 2008 completa 60 anos
A Constituiccedilatildeo proiacutebe qualquer forma de discriminaccedilatildeo contra uma comunidade
remanescente de quilombo ou pessoa que a integra como tambeacutem o faz em relaccedilatildeo a todos os
cidadatildeos brasileiros Da mesma forma as terras tradicionalmente ocupadas por essas
comunidades devem ter proteccedilatildeo e seguranccedila
A Convenccedilatildeo 169 da Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho (OIT) da qual tratamos
nesta cartilha eacute um exemplo Eacute um acordo internacional firrmado em 1989 no acircmbito da OIT
que reuacutene organizaccedilotildees de trabalhadores e empregadores no mundo No Brasil soacute foi
1 Art 68 Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras eacute reconhecida a
propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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ratificada em junho de 2002 e entrou em vigor em julho de 2003 A Convenccedilatildeo 169 dispotildee
sobre direitos de povos indiacutegenas tribais e populaccedilotildees tradicionais em geral
As associaccedilotildees de remanescentes de comunidades de quilombos se incluem nesta
convenccedilatildeo por conta do artigo 68 contido nos Atos das Disposiccedilotildees Constitucionais
Transitoacuterias (ADCT) da Constituiccedilatildeo
As deacutecadas de 1980 e 1990 foram marcadas por um contexto onde o debate era
mobilizado pela questatildeo da existecircncia ou natildeo da discriminaccedilatildeo racial no paiacutes A democracia
racial ainda se colocava como um paradigma a ser questionado e o reconhecimento das
desigualdades raciais e a reflexatildeo sobre suas causas precisava se consolidar A partir de
meados dos anos 90 entretanto os termos do debate se transformaram Reconhecida a
injustificaacutevel desigualdade racial que ao longo do seacuteculo marca a trajetoacuteria dos grupos
negros e brancos assim como sua estabilidade ao correr do tempo a discussatildeo passa
progressivamente a se concentrar nas iniciativas necessaacuterias em termos da accedilatildeo puacuteblica para
o seu enfrentamento
Fazendo frente a esse conjunto cada vez mais evidente de desigualdades o debate
puacuteblico tem se intensificado assim como as iniciativas no campo das poliacuteticas de governo De
fato desde a deacutecada de 1980 um conjunto diverso de accedilotildees passou a ser implementado De
iniacutecio as proposiccedilotildees tecircm origem em governos estaduais e municipais e progressivamente
passam a ser desenvolvidas tambeacutem pela esfera federal Mas foi nos anos 2000 que as
iniciativas ganharam relevo proliferando no acircmbito do governo federal nos governos
estaduais e municipais e tambeacutem de forma autocircnoma em algumas instituiccedilotildees puacuteblicas
como as universidades e o Ministeacuterio Puacuteblico do Trabalho Programas como os de
estabelecimento de cotas visando ampliar o acesso de estudantes negros ao Ensino Superior
assim como programas de combate ao racismo institucional vecircm sendo adotados em vaacuterias
localidades do paiacutes Accedilotildees no campo da educaccedilatildeo e do mercado de trabalho tecircm sido
igualmente adotadas visando limitar a reproduccedilatildeo de estereoacutetipos e comportamentos que
afetam o acesso a oportunidades iguais e a possibilidade de seu usufruto
As desigualdades raciais no Brasil configuram-se como um fenocircmeno complexo
constituindo-se em um enorme desafio para governos e para a sociedade em geral Enfrentar
as dificuldades que se colocam face agrave consolidaccedilatildeo da temaacutetica da desigualdade e da
discriminaccedilatildeo na agenda puacuteblica e no espaccedilo de governo e integrar e ampliar as iniciativas
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em curso parecem ser hoje os grandes desafios no campo das poliacuteticas puacuteblicas para
igualdade racial
Compreendendo as desigualdades raciais como produto de um amplo e complexo
processo de reproduccedilatildeo de iniquidades e de hierarquias sociais seu enfrentamento natildeo deve
ficar restrito a accedilotildees que possam ser implementadas por um nuacutecleo especiacutefico da accedilatildeo puacuteblica
O reconhecimento da desigualdade racial e da necessidade de seu enfrentamento assim como
da eliminaccedilatildeo do preconceito e da discriminaccedilatildeo raciais pressupotildee o reconhecimento de que
esse problema perpassa os mais diferentes espaccedilos da vida social
O enfrentamento de uma questatildeo com a centralidade da temaacutetica racial que perpassa o
tecido e as relaccedilotildees sociais no paiacutes natildeo pode prescindir de uma accedilatildeo de Estado desenvolvida
mediante uma Poliacutetica Nacional que inclua a adoccedilatildeo de um posicionamento efetivo das
instacircncias governamentais e natildeo apenas a Secretaria Especial de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da
Igualdade Racial - SEPPIR Eacute necessaacuterio que as desigualdades raciais sejam incorporadas
como desafios em cada uma das poliacuteticas setoriais Os indicadores superiores de repetecircncia e
evasatildeo de crianccedilas negras nas escolas brasileiras aguardam serem transformados em metas
para a intervenccedilatildeo da poliacutetica de educaccedilatildeo da mesma forma que as taxas reduzidas de
cobertura de mulheres negras em exames e procedimentos de sauacutede a violecircncia policial
contra jovens negros entre inuacutemeros exemplos que podem ser citados Ministeacuterios e oacutergatildeos
setoriais aleacutem do Legislativo e do Judiciaacuterio devem ser envolvidos em uma poliacutetica que
tenha diretrizes e metas balizadoras da accedilatildeo puacuteblica sinalizando para os estados e municiacutepios
e para a sociedade sobre a importacircncia da intervenccedilatildeo governamental na busca da igualdade
racial Neste sentido as poliacuteticas puacuteblicas dependem de informaccedilotildees ndashsempre- atualizadas em
dados referentes agraves Comunidades quilombolas em seus contextos sociopoliacutetico
Neste artigo eacute mostrada a pesquisa (de cunho individual) que venho realizando desde
1987 no Rio Grande do Norte na aacuterea de antropologia afro-brasileira em especial sobre
comunidades negras rurais terreiros de matriz afro-brasileira e territoacuterios urbanos
Neste texto discorro sobre o conceito de comunidades quilombolas a questatildeo dos
quilombos no Brasil e no estado do Rio Grande do Norte explanando sobre a literatura
regional que trata dessas populaccedilotildees afro-brasileiras na regiatildeo Por fim mostramos o
resultado da citada pesquisa sobre a presenccedila de comunidades e territoacuterios negros no Rio
Grande do Norte
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A pesquisa sobre comunidades tradicionais afro-brasileiras no Rio Grande no Norte
Como recursos metodoloacutegicos foram utilizadas teacutecnicas proacuteprias da Antropologia e
da Histoacuteria De forma geral continuamos realizando uma pesquisa histoacuterico-documental com
a utilizaccedilatildeo de diversas teacutecnicas como entrevistas visita de campo e registro audiovisual
durante os trabalhos na regiatildeo
Em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo da fotografia como recurso ldquoauxiliarrdquo na pesquisa
salientamos sua importacircncia aleacutem do aspecto meramente ilustrativo pois eacute sabido que
A construccedilatildeo de narrativas atraveacutes da imagem fotograacutefica vem a ser articulada com
o texto verbal e a legitimidade que este alcanccedilou contribuir no sentido de enriquecer
e agregar aleacutem de outras formas narrativas como e literatura ou a poesia
complexidade aos esforccedilos de interpretaccedilatildeo de universos sociais cada vez mais
densos e complexos onde imagens por sua vez tornam-se cada vez mais um
elemento da proacutepria sociabilidade (ACHUTTI 199738-39)
Neste trabalho entendemos a fotografia ou fotoetnografia como elemento necessaacuterio agrave
composiccedilatildeo do Relatoacuterio Antropoloacutegico Neste sentido
Parece significativa a ideia dos colegas do Nuacutecleo de Antropologia Visual da
UFRGS quando afirmam que a antropologia visual natildeo se trata de uma disciplina
independente mas ldquosim da mesma e velha antropologia de sempre poreacutem
apresentada sobre esse outro continente que eacute a comunicaccedilatildeo audiovisual Natildeo eacute
uma Antropologia da Imagem mas uma antropologia em imagensrdquo (Rodolpho et
alli 1995169) Uma antropologia em imagens poderaacute ser feita mediante o domiacutenio
das teacutecnicas de construccedilatildeo de um viacutedeo etnograacutefico de um filme etnograacutefico ou de
um trabalho fotoetnograacutefico Futuramente estaremos fazendo a ldquovelhardquo e tradicional
antropologia tambeacutem atraveacutes de uma linguagem multimiacutedia (ACHUTTI 199739)
Em termos metodoloacutegicos
A proposta aqui eacute do emprego da antropologia visual enquanto um recurso narrativo
autocircnomo na funccedilatildeo de convergir significaccedilotildees e informaccedilotildees a respeito de uma
dada situaccedilatildeo social (ACHUTTI 199713)
Em relaccedilatildeo agrave Histoacuteria Oral presente nos discursos e entrevistas partimos do
princiacutepio que ldquoAtraveacutes da memoacuteria individual seraacute possiacutevel recuperar a memoacuteria coletiva de
um periacuteodo sobre o qual existe muito pouca documentaccedilatildeo Essa histoacuteria aleacutem de contribuir
para um melhor conhecimento da comunidaderdquo (Becker 2001286) Assim podemos
entender em consenso que
Usando a histoacuteria oral como meacutetodo e praacutetica de pesquisa somada agraves formas
tradicionais percorreremos juntamente com nossos personagens lugares da
memoacuteria e do esquecimento para ldquoreconstruirrdquo as suas trajetoacuterias de vida tentando
assim montar um quadro histoacuterico do periacuteodo pesquisado (BECKER 2001286)
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Assim a antropologia visual e a histoacuteria oral vecircm como recurso metodoloacutegico e
teacutecnico dar maior suporte agraves pesquisas envolvendo populaccedilotildees tradicionais em particular as
comunidades negras rurais que ainda encontram-se em um processo de invisibilidade social
Para o historiador Josemir Camilo de Melo (2001189)
Quando se analisa a histoacuteria do povo negro natildeo se deve usar da mesma metodologia
que se usa para abordar a histoacuteria dos povos europeus e seus descendentes nos
troacutepicos A histoacuteria dos brancos eacute feita de documentos oficiais e particulares jaacute que
estamos tratando aiacute de uma sociedade letrada No caso dos africanos sequestrados e
trazidos para o Brasil e seus descendentes aqui nascidos e mantidos como iletrados
os documentos para estudar sua histoacuteria natildeo satildeo mais do mesmo caraacuteter ou seja
material escrito Portanto o historiador deveria proceder um desvio metodoloacutegico e
teoacuterico optando entatildeo pela etnografia e buscar a fala do povo negro nas fontes
antropoloacutegicas e etnoloacutegicas
Neste sentido optou-se por uma leitura criacutetica na literatura regional que trata das
comunidades quilombolas Para isto foram consultados textos acadecircmicos de autores locais
em eacutepocas diversas procurando ver a fala do povo negro representada nestes textos-discursos
Inicialmente percebe-se que a literatura produzida no Seacuteculo XX (mesmo a da aacuterea
antropoloacutegica) estaacute impregnada de uma visatildeo racista etnocecircntrica e comprometida com
valores regionais No Seacuteculo XXI houve uma alteraccedilatildeo substancial a inclusatildeo de acadecircmicos
militantes do Movimento Negro (mesmo que informalmente) e estudantes originaacuterios de
comunidades quilombolas
Ao fim colocamos uma listagem (atualizada em 2017) sobre as comunidades negras
localizadas no Rio Grande do Norte
Comunidades Quilombolas um conceito poliacutetico
O conceito mais atualizado para definir Comunidades Quilombolas tangencia de uma
concepccedilatildeo histoacuterica que vincula estas com lutas e fugas de escravos Este conceito eacute assim
tambeacutem entendido pelo Estado Entatildeo podemos entender que comunidades quilombolas satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofridardquo (Decreto 48872003)
Por ser um conceito definido por Decreto e com fins juriacutedicos tem uma base legal
constituiacuteda a partir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seus artigos 215 e 216 da
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Constituiccedilatildeo Federal que tratam do ldquoDireito agrave preservaccedilatildeo de sua proacutepria culturardquo e
tambeacutem
Do Artigo 68 do ADCT ndash Direito agrave propriedade das terras de comunidades
remanescentes de quilombos
Da Convenccedilatildeo 169 da OIT (Dec 50512004) ndash Direito agrave autodeterminaccedilatildeo de Povos e
Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 4887 de 20 de novembro de 2003 ndash Trata da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de
terras de quilombos e define as responsabilidades dos oacutergatildeos governamentais
Do Decreto nordm 6040 de 7 de fevereiro de 2007 ndash Institui a Poliacutetica Nacional de
Desenvolvimento Sustentaacutevel dos Povos e Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 6261 de 20 de novembro de 2007 ndash Dispotildee sobre a gestatildeo integrada
para o desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no acircmbito do Programa Brasil
Quilombola
Da Portaria Fundaccedilatildeo Cultural Palmares nordm 98 de 26 de novembro de 2007 ndash Institui o
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundaccedilatildeo Cultural
Palmares tambeacutem autodenominadas Terras de Preto Comunidades Negras Mocambos
Quilombos entre outras denominaccedilotildees congecircneres
Da Instruccedilatildeo Normativa INCRA nordm 57 de 20 de outubro de 2009 ndash Regulamenta o
procedimento para identificaccedilatildeo reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo desintrusatildeo
titulaccedilatildeo e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
Entretanto devemos perceber este conceito como resultado de toda uma accedilatildeo da
Antropologia brasileira que vem se debruccedilando sobre a questatildeo das comunidades tradicionais
ao colocar que
Natildeo haacute duacutevidas de que a antropologia constitui campo consolidado e dinacircmico no
Brasil que tem obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares
de excelecircncia cientiacutefica Combinando o interesse em compreender o mundo com a
preocupaccedilatildeo em desvendar coacutedigos culturais e os interstiacutecios sociais da vida
cotidiana a pesquisa antropoloacutegica eacute extremamente relevante para desvendar
problemaacuteticas que estatildeo na ordem do dia sobre a produccedilatildeo da diferenccedila cultural e
desigualdades sociais saberes e praacuteticas tradicionais patrimocircnio cultural e inclusatildeo
social e ainda desenvolvimento econocircmico e social (BELA 201319)
Para a antropoacuteloga Ilka Boaventura Leite eacute importante entender o fenocircmeno da
invisibilidade social e poliacutetica dessas populaccedilotildees como algo construiacutedo em nossa histoacuteria foi
inculcado cultural e principalmente politicamente nas populaccedilotildees mais vulneraacuteveis na
histoacuteria de construccedilatildeo de uma naccedilatildeo com moldes europeus Nestes termos as populaccedilotildees
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afro-brasileiras foram ignoradas ao pensar a o projeto de naccedilatildeo para o Brasil A invisibilidade
gerando uma marginalizaccedilatildeo histoacuterica geograacutefica e poliacutetica Pode-se ainda pensar que
A consolidaccedilatildeo da naccedilatildeo obteve o suporte ideoloacutegico do racialismo reforccedilando com
ele um projeto de orientaccedilatildeo liberal inspirado num tipo de universalismo iluminista
que invisibilizou as pautas poliacuteticas e sociais dos grupos negros e indiacutegenas O tipo
de ocupaccedilatildeo do espaccedilo territorial e a manutenccedilatildeo da fronteira eacutetnica pelos grupos
foram portanto um relevante fator de reorganizaccedilatildeo das diferenccedilas com perdas
significativas para os que jaacute se encontravam anteriormente na terra ndash principalmente
os africanos os indiacutegenas e os chamados ldquocaboclos (LEITE 200896)
Essa espeacutecie de topografia eacutetnica traduziu-se na continuidade das estrateacutegias de
expropriaccedilatildeo das terras e na forma como esse projeto se tornou hegemocircnico e se
reproduziu com sucesso ateacute os dias atuais Eacute tambeacutem possiacutevel depreender as formas
de resistecircncia daqueles que foram excluiacutedos do direito de se apropriar bem como de
titular suas terras As linhas demarcatoacuterias dos grupos para aleacutem das diferenccedilas
culturais tornaram-se formas matriciais de continuidade da hierarquizaccedilatildeo de novas
formas de exploraccedilatildeo e principalmente da perpetuaccedilatildeo das desigualdades sociais
(LEITE 2008967)
No momento histoacuterico que se iniciou com a promulgaccedilatildeo da Consttuiccedilatildeo Federal
(1988) podemos inferir que
Tais comunidades se revestem de grande atualidade no paiacutes em virtude do avanccedilo
das poliacuteticas puacuteblicas no sentido de fazer cumprir os dispositivos constitucionais do
tombamento salvaguarda e preservaccedilatildeo delas consideradas que foram pelo Artigo
216 da CF integrantes do patrimocircnio Cultural Nacional e pelo Artigo 68 dos
ADCTs como justamente merecedoras do seu reconhecimento e da atribuiccedilatildeo de
posse definitiva do seu territoacuterio por parte do Estado Nacionalrdquo (MEDEIROS In
TAMASO e LIMA Filho 2012 377)
Neste sentido podemos vislumbrar um cenaacuterio com novas possibilidades para a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para esta parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo
brasileira a populaccedilatildeo das comunidades quilombolas
Evidentemente esta situaccedilatildeo eleva questionamentos de ordem conceitual e histoacuterica
ao tratar de um tema novo as comunidades quilombolas que estatildeo espalhadas em todo o
territoacuterio nacional e tecircm como caracteriacutestica comum a pobreza e a dificuldade de acesso agraves
poliacuteticas sociais especiacuteficas para este grupo Satildeo viacutetimas constantes de Racismo Xenofobia e
outras formas de violecircncia que resultam na manutenccedilatildeo eou dificuldades de alteraccedilatildeo
positiva em relaccedilatildeo ao quadro de pobreza da maioria destas comunidades
Os quilombos no Brasil
Para uma melhor compreensatildeo da situaccedilatildeo das terras quilombolas e de outros
territoacuterios tradicionais no Brasil eacute fundamental fazer-se referecircncia agrave Lei de Concessatildeo de
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Terras de 1850 Eacute nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da
terra agravequele que possui recurso monetaacuterio para adquiri-la e legalizaacute-la cartorialmente Essa lei
tornaria ainda mais difiacutecil a inclusatildeo do negro apoacutes a Aboliccedilatildeo de 1888 realizada sem
qualquer reparaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo escravizada
A luta contemporacircnea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada
como o reconhecimento do fracasso da realidade juriacutedica estabelecida tanto pela ldquoLei de
Terrasrdquo que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de
terras quanto pela forma mesma com que se daacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo A noccedilatildeo de terra
coletiva como satildeo pensadas as terras de comunidades quilombolas contraria o modelo
baseado na propriedade privada como uacutenica forma de acesso e uso da terra o qual exclui
outros usos e relaccedilotildees com o territoacuterio como ocorre entre povos e comunidades tradicionais
Aleacutem dos quilombos constituiacutedos no periacuteodo escravocrata muitos foram formados
apoacutes a aboliccedilatildeo formal da escravatura pois essa forma de organizaccedilatildeo comunitaacuteria
continuaria a ser para muitos a uacutenica possibilidade de viver em liberdade Constituir um
quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivecircncia posto que a Lei Aacuteurea diferentemente
do propugnado pelo movimento abolicionista natildeo levou em conta mecanismos de
redistribuiccedilatildeo de terras
De um modo geral os territoacuterios quilombolas originaram-se em diferentes situaccedilotildees
tais como doaccedilotildees de terras realizadas a partir da desagregaccedilatildeo da lavoura de monoculturas
como a cana-de-accediluacutecar e o algodatildeo compra de terras pelos proacuteprios sujeitos possibilitada
pela desestruturaccedilatildeo do sistema escravista terras que foram conquistadas por meio da
prestaccedilatildeo de serviccedilos inclusive de guerra bem como aacutereas ocupadas por negros que fugiam
da escravidatildeo Haacute tambeacutem as chamadas terras de preto terras de santo ou terras de santiacutessima
que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas da doaccedilatildeo de
terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviccedilos religiosos prestados a
senhores de escravos por sacerdotes de religiotildees afro-brasileiras
Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o periacuteodo republicano e
reaparecem como resultado da accedilatildeo dos movimentos negros apenas com a Constituiccedilatildeo de
1988 como territoacuterios detentores de direitos Transcorreram portanto cerca de cem anos da
aboliccedilatildeo ateacute a aprovaccedilatildeo do Artigo 68 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias
(ADCT) o qual assegura o seguinte Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras eacute
reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 66
ISSN 2595-1033
Introduccedilatildeo
A desigualdade entre brancos e negros eacute hoje reconhecida como uma das mais
perversas dimensotildees do tecido social no Brasil A extensa e perioacutedica divulgaccedilatildeo de
indicadores socioeconocircmicos sob responsabilidade de organismos de estatiacutestica e de pesquisa
como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) o Instituto de Pesquisa
Econocircmica Aplicada (Ipea) o Departamento Intersindical de Estatiacutestica e Estudos
Socioeconocircmicos (Dieese) ou o Fundo de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas para a Mulher
(Unifem) mostra que grandes diferenciais raciais marcam praticamente todos os campos da
vida social brasileira Seja no que diz respeito agrave educaccedilatildeo sauacutede renda acesso a empregos
estaacuteveis violecircncia ou expectativa de vida os negros se encontram submetidos agraves piores
condiccedilotildees Em algumas dessas dimensotildees as variaccedilotildees observadas ao longo do tempo no
sentido de uma reduccedilatildeo das desigualdades mostram-se modestas em alcance e lentas em sua
trajetoacuteria Em outras as desigualdades natildeo apenas continuam estaacuteveis como ateacute vecircm se
ampliando em alguns casos
A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 representa um marco na luta pela terra e cidadania dos
povos tradicionais remanescentes de quilombos pois com a inclusatildeo do artigo 681 no Ato das
Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias garante a titulaccedilatildeo das terras que estas comunidades
utilizam para sua moradia e trabalho Vale lembrar ainda os compromissos internacionais
assumidos pelo Estado Brasileiro em favor das comunidades negras desde a Declaraccedilatildeo
Universal dos Direitos Humanos que em 2008 completa 60 anos
A Constituiccedilatildeo proiacutebe qualquer forma de discriminaccedilatildeo contra uma comunidade
remanescente de quilombo ou pessoa que a integra como tambeacutem o faz em relaccedilatildeo a todos os
cidadatildeos brasileiros Da mesma forma as terras tradicionalmente ocupadas por essas
comunidades devem ter proteccedilatildeo e seguranccedila
A Convenccedilatildeo 169 da Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho (OIT) da qual tratamos
nesta cartilha eacute um exemplo Eacute um acordo internacional firrmado em 1989 no acircmbito da OIT
que reuacutene organizaccedilotildees de trabalhadores e empregadores no mundo No Brasil soacute foi
1 Art 68 Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras eacute reconhecida a
propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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ratificada em junho de 2002 e entrou em vigor em julho de 2003 A Convenccedilatildeo 169 dispotildee
sobre direitos de povos indiacutegenas tribais e populaccedilotildees tradicionais em geral
As associaccedilotildees de remanescentes de comunidades de quilombos se incluem nesta
convenccedilatildeo por conta do artigo 68 contido nos Atos das Disposiccedilotildees Constitucionais
Transitoacuterias (ADCT) da Constituiccedilatildeo
As deacutecadas de 1980 e 1990 foram marcadas por um contexto onde o debate era
mobilizado pela questatildeo da existecircncia ou natildeo da discriminaccedilatildeo racial no paiacutes A democracia
racial ainda se colocava como um paradigma a ser questionado e o reconhecimento das
desigualdades raciais e a reflexatildeo sobre suas causas precisava se consolidar A partir de
meados dos anos 90 entretanto os termos do debate se transformaram Reconhecida a
injustificaacutevel desigualdade racial que ao longo do seacuteculo marca a trajetoacuteria dos grupos
negros e brancos assim como sua estabilidade ao correr do tempo a discussatildeo passa
progressivamente a se concentrar nas iniciativas necessaacuterias em termos da accedilatildeo puacuteblica para
o seu enfrentamento
Fazendo frente a esse conjunto cada vez mais evidente de desigualdades o debate
puacuteblico tem se intensificado assim como as iniciativas no campo das poliacuteticas de governo De
fato desde a deacutecada de 1980 um conjunto diverso de accedilotildees passou a ser implementado De
iniacutecio as proposiccedilotildees tecircm origem em governos estaduais e municipais e progressivamente
passam a ser desenvolvidas tambeacutem pela esfera federal Mas foi nos anos 2000 que as
iniciativas ganharam relevo proliferando no acircmbito do governo federal nos governos
estaduais e municipais e tambeacutem de forma autocircnoma em algumas instituiccedilotildees puacuteblicas
como as universidades e o Ministeacuterio Puacuteblico do Trabalho Programas como os de
estabelecimento de cotas visando ampliar o acesso de estudantes negros ao Ensino Superior
assim como programas de combate ao racismo institucional vecircm sendo adotados em vaacuterias
localidades do paiacutes Accedilotildees no campo da educaccedilatildeo e do mercado de trabalho tecircm sido
igualmente adotadas visando limitar a reproduccedilatildeo de estereoacutetipos e comportamentos que
afetam o acesso a oportunidades iguais e a possibilidade de seu usufruto
As desigualdades raciais no Brasil configuram-se como um fenocircmeno complexo
constituindo-se em um enorme desafio para governos e para a sociedade em geral Enfrentar
as dificuldades que se colocam face agrave consolidaccedilatildeo da temaacutetica da desigualdade e da
discriminaccedilatildeo na agenda puacuteblica e no espaccedilo de governo e integrar e ampliar as iniciativas
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em curso parecem ser hoje os grandes desafios no campo das poliacuteticas puacuteblicas para
igualdade racial
Compreendendo as desigualdades raciais como produto de um amplo e complexo
processo de reproduccedilatildeo de iniquidades e de hierarquias sociais seu enfrentamento natildeo deve
ficar restrito a accedilotildees que possam ser implementadas por um nuacutecleo especiacutefico da accedilatildeo puacuteblica
O reconhecimento da desigualdade racial e da necessidade de seu enfrentamento assim como
da eliminaccedilatildeo do preconceito e da discriminaccedilatildeo raciais pressupotildee o reconhecimento de que
esse problema perpassa os mais diferentes espaccedilos da vida social
O enfrentamento de uma questatildeo com a centralidade da temaacutetica racial que perpassa o
tecido e as relaccedilotildees sociais no paiacutes natildeo pode prescindir de uma accedilatildeo de Estado desenvolvida
mediante uma Poliacutetica Nacional que inclua a adoccedilatildeo de um posicionamento efetivo das
instacircncias governamentais e natildeo apenas a Secretaria Especial de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da
Igualdade Racial - SEPPIR Eacute necessaacuterio que as desigualdades raciais sejam incorporadas
como desafios em cada uma das poliacuteticas setoriais Os indicadores superiores de repetecircncia e
evasatildeo de crianccedilas negras nas escolas brasileiras aguardam serem transformados em metas
para a intervenccedilatildeo da poliacutetica de educaccedilatildeo da mesma forma que as taxas reduzidas de
cobertura de mulheres negras em exames e procedimentos de sauacutede a violecircncia policial
contra jovens negros entre inuacutemeros exemplos que podem ser citados Ministeacuterios e oacutergatildeos
setoriais aleacutem do Legislativo e do Judiciaacuterio devem ser envolvidos em uma poliacutetica que
tenha diretrizes e metas balizadoras da accedilatildeo puacuteblica sinalizando para os estados e municiacutepios
e para a sociedade sobre a importacircncia da intervenccedilatildeo governamental na busca da igualdade
racial Neste sentido as poliacuteticas puacuteblicas dependem de informaccedilotildees ndashsempre- atualizadas em
dados referentes agraves Comunidades quilombolas em seus contextos sociopoliacutetico
Neste artigo eacute mostrada a pesquisa (de cunho individual) que venho realizando desde
1987 no Rio Grande do Norte na aacuterea de antropologia afro-brasileira em especial sobre
comunidades negras rurais terreiros de matriz afro-brasileira e territoacuterios urbanos
Neste texto discorro sobre o conceito de comunidades quilombolas a questatildeo dos
quilombos no Brasil e no estado do Rio Grande do Norte explanando sobre a literatura
regional que trata dessas populaccedilotildees afro-brasileiras na regiatildeo Por fim mostramos o
resultado da citada pesquisa sobre a presenccedila de comunidades e territoacuterios negros no Rio
Grande do Norte
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A pesquisa sobre comunidades tradicionais afro-brasileiras no Rio Grande no Norte
Como recursos metodoloacutegicos foram utilizadas teacutecnicas proacuteprias da Antropologia e
da Histoacuteria De forma geral continuamos realizando uma pesquisa histoacuterico-documental com
a utilizaccedilatildeo de diversas teacutecnicas como entrevistas visita de campo e registro audiovisual
durante os trabalhos na regiatildeo
Em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo da fotografia como recurso ldquoauxiliarrdquo na pesquisa
salientamos sua importacircncia aleacutem do aspecto meramente ilustrativo pois eacute sabido que
A construccedilatildeo de narrativas atraveacutes da imagem fotograacutefica vem a ser articulada com
o texto verbal e a legitimidade que este alcanccedilou contribuir no sentido de enriquecer
e agregar aleacutem de outras formas narrativas como e literatura ou a poesia
complexidade aos esforccedilos de interpretaccedilatildeo de universos sociais cada vez mais
densos e complexos onde imagens por sua vez tornam-se cada vez mais um
elemento da proacutepria sociabilidade (ACHUTTI 199738-39)
Neste trabalho entendemos a fotografia ou fotoetnografia como elemento necessaacuterio agrave
composiccedilatildeo do Relatoacuterio Antropoloacutegico Neste sentido
Parece significativa a ideia dos colegas do Nuacutecleo de Antropologia Visual da
UFRGS quando afirmam que a antropologia visual natildeo se trata de uma disciplina
independente mas ldquosim da mesma e velha antropologia de sempre poreacutem
apresentada sobre esse outro continente que eacute a comunicaccedilatildeo audiovisual Natildeo eacute
uma Antropologia da Imagem mas uma antropologia em imagensrdquo (Rodolpho et
alli 1995169) Uma antropologia em imagens poderaacute ser feita mediante o domiacutenio
das teacutecnicas de construccedilatildeo de um viacutedeo etnograacutefico de um filme etnograacutefico ou de
um trabalho fotoetnograacutefico Futuramente estaremos fazendo a ldquovelhardquo e tradicional
antropologia tambeacutem atraveacutes de uma linguagem multimiacutedia (ACHUTTI 199739)
Em termos metodoloacutegicos
A proposta aqui eacute do emprego da antropologia visual enquanto um recurso narrativo
autocircnomo na funccedilatildeo de convergir significaccedilotildees e informaccedilotildees a respeito de uma
dada situaccedilatildeo social (ACHUTTI 199713)
Em relaccedilatildeo agrave Histoacuteria Oral presente nos discursos e entrevistas partimos do
princiacutepio que ldquoAtraveacutes da memoacuteria individual seraacute possiacutevel recuperar a memoacuteria coletiva de
um periacuteodo sobre o qual existe muito pouca documentaccedilatildeo Essa histoacuteria aleacutem de contribuir
para um melhor conhecimento da comunidaderdquo (Becker 2001286) Assim podemos
entender em consenso que
Usando a histoacuteria oral como meacutetodo e praacutetica de pesquisa somada agraves formas
tradicionais percorreremos juntamente com nossos personagens lugares da
memoacuteria e do esquecimento para ldquoreconstruirrdquo as suas trajetoacuterias de vida tentando
assim montar um quadro histoacuterico do periacuteodo pesquisado (BECKER 2001286)
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Assim a antropologia visual e a histoacuteria oral vecircm como recurso metodoloacutegico e
teacutecnico dar maior suporte agraves pesquisas envolvendo populaccedilotildees tradicionais em particular as
comunidades negras rurais que ainda encontram-se em um processo de invisibilidade social
Para o historiador Josemir Camilo de Melo (2001189)
Quando se analisa a histoacuteria do povo negro natildeo se deve usar da mesma metodologia
que se usa para abordar a histoacuteria dos povos europeus e seus descendentes nos
troacutepicos A histoacuteria dos brancos eacute feita de documentos oficiais e particulares jaacute que
estamos tratando aiacute de uma sociedade letrada No caso dos africanos sequestrados e
trazidos para o Brasil e seus descendentes aqui nascidos e mantidos como iletrados
os documentos para estudar sua histoacuteria natildeo satildeo mais do mesmo caraacuteter ou seja
material escrito Portanto o historiador deveria proceder um desvio metodoloacutegico e
teoacuterico optando entatildeo pela etnografia e buscar a fala do povo negro nas fontes
antropoloacutegicas e etnoloacutegicas
Neste sentido optou-se por uma leitura criacutetica na literatura regional que trata das
comunidades quilombolas Para isto foram consultados textos acadecircmicos de autores locais
em eacutepocas diversas procurando ver a fala do povo negro representada nestes textos-discursos
Inicialmente percebe-se que a literatura produzida no Seacuteculo XX (mesmo a da aacuterea
antropoloacutegica) estaacute impregnada de uma visatildeo racista etnocecircntrica e comprometida com
valores regionais No Seacuteculo XXI houve uma alteraccedilatildeo substancial a inclusatildeo de acadecircmicos
militantes do Movimento Negro (mesmo que informalmente) e estudantes originaacuterios de
comunidades quilombolas
Ao fim colocamos uma listagem (atualizada em 2017) sobre as comunidades negras
localizadas no Rio Grande do Norte
Comunidades Quilombolas um conceito poliacutetico
O conceito mais atualizado para definir Comunidades Quilombolas tangencia de uma
concepccedilatildeo histoacuterica que vincula estas com lutas e fugas de escravos Este conceito eacute assim
tambeacutem entendido pelo Estado Entatildeo podemos entender que comunidades quilombolas satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofridardquo (Decreto 48872003)
Por ser um conceito definido por Decreto e com fins juriacutedicos tem uma base legal
constituiacuteda a partir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seus artigos 215 e 216 da
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Constituiccedilatildeo Federal que tratam do ldquoDireito agrave preservaccedilatildeo de sua proacutepria culturardquo e
tambeacutem
Do Artigo 68 do ADCT ndash Direito agrave propriedade das terras de comunidades
remanescentes de quilombos
Da Convenccedilatildeo 169 da OIT (Dec 50512004) ndash Direito agrave autodeterminaccedilatildeo de Povos e
Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 4887 de 20 de novembro de 2003 ndash Trata da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de
terras de quilombos e define as responsabilidades dos oacutergatildeos governamentais
Do Decreto nordm 6040 de 7 de fevereiro de 2007 ndash Institui a Poliacutetica Nacional de
Desenvolvimento Sustentaacutevel dos Povos e Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 6261 de 20 de novembro de 2007 ndash Dispotildee sobre a gestatildeo integrada
para o desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no acircmbito do Programa Brasil
Quilombola
Da Portaria Fundaccedilatildeo Cultural Palmares nordm 98 de 26 de novembro de 2007 ndash Institui o
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundaccedilatildeo Cultural
Palmares tambeacutem autodenominadas Terras de Preto Comunidades Negras Mocambos
Quilombos entre outras denominaccedilotildees congecircneres
Da Instruccedilatildeo Normativa INCRA nordm 57 de 20 de outubro de 2009 ndash Regulamenta o
procedimento para identificaccedilatildeo reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo desintrusatildeo
titulaccedilatildeo e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
Entretanto devemos perceber este conceito como resultado de toda uma accedilatildeo da
Antropologia brasileira que vem se debruccedilando sobre a questatildeo das comunidades tradicionais
ao colocar que
Natildeo haacute duacutevidas de que a antropologia constitui campo consolidado e dinacircmico no
Brasil que tem obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares
de excelecircncia cientiacutefica Combinando o interesse em compreender o mundo com a
preocupaccedilatildeo em desvendar coacutedigos culturais e os interstiacutecios sociais da vida
cotidiana a pesquisa antropoloacutegica eacute extremamente relevante para desvendar
problemaacuteticas que estatildeo na ordem do dia sobre a produccedilatildeo da diferenccedila cultural e
desigualdades sociais saberes e praacuteticas tradicionais patrimocircnio cultural e inclusatildeo
social e ainda desenvolvimento econocircmico e social (BELA 201319)
Para a antropoacuteloga Ilka Boaventura Leite eacute importante entender o fenocircmeno da
invisibilidade social e poliacutetica dessas populaccedilotildees como algo construiacutedo em nossa histoacuteria foi
inculcado cultural e principalmente politicamente nas populaccedilotildees mais vulneraacuteveis na
histoacuteria de construccedilatildeo de uma naccedilatildeo com moldes europeus Nestes termos as populaccedilotildees
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afro-brasileiras foram ignoradas ao pensar a o projeto de naccedilatildeo para o Brasil A invisibilidade
gerando uma marginalizaccedilatildeo histoacuterica geograacutefica e poliacutetica Pode-se ainda pensar que
A consolidaccedilatildeo da naccedilatildeo obteve o suporte ideoloacutegico do racialismo reforccedilando com
ele um projeto de orientaccedilatildeo liberal inspirado num tipo de universalismo iluminista
que invisibilizou as pautas poliacuteticas e sociais dos grupos negros e indiacutegenas O tipo
de ocupaccedilatildeo do espaccedilo territorial e a manutenccedilatildeo da fronteira eacutetnica pelos grupos
foram portanto um relevante fator de reorganizaccedilatildeo das diferenccedilas com perdas
significativas para os que jaacute se encontravam anteriormente na terra ndash principalmente
os africanos os indiacutegenas e os chamados ldquocaboclos (LEITE 200896)
Essa espeacutecie de topografia eacutetnica traduziu-se na continuidade das estrateacutegias de
expropriaccedilatildeo das terras e na forma como esse projeto se tornou hegemocircnico e se
reproduziu com sucesso ateacute os dias atuais Eacute tambeacutem possiacutevel depreender as formas
de resistecircncia daqueles que foram excluiacutedos do direito de se apropriar bem como de
titular suas terras As linhas demarcatoacuterias dos grupos para aleacutem das diferenccedilas
culturais tornaram-se formas matriciais de continuidade da hierarquizaccedilatildeo de novas
formas de exploraccedilatildeo e principalmente da perpetuaccedilatildeo das desigualdades sociais
(LEITE 2008967)
No momento histoacuterico que se iniciou com a promulgaccedilatildeo da Consttuiccedilatildeo Federal
(1988) podemos inferir que
Tais comunidades se revestem de grande atualidade no paiacutes em virtude do avanccedilo
das poliacuteticas puacuteblicas no sentido de fazer cumprir os dispositivos constitucionais do
tombamento salvaguarda e preservaccedilatildeo delas consideradas que foram pelo Artigo
216 da CF integrantes do patrimocircnio Cultural Nacional e pelo Artigo 68 dos
ADCTs como justamente merecedoras do seu reconhecimento e da atribuiccedilatildeo de
posse definitiva do seu territoacuterio por parte do Estado Nacionalrdquo (MEDEIROS In
TAMASO e LIMA Filho 2012 377)
Neste sentido podemos vislumbrar um cenaacuterio com novas possibilidades para a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para esta parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo
brasileira a populaccedilatildeo das comunidades quilombolas
Evidentemente esta situaccedilatildeo eleva questionamentos de ordem conceitual e histoacuterica
ao tratar de um tema novo as comunidades quilombolas que estatildeo espalhadas em todo o
territoacuterio nacional e tecircm como caracteriacutestica comum a pobreza e a dificuldade de acesso agraves
poliacuteticas sociais especiacuteficas para este grupo Satildeo viacutetimas constantes de Racismo Xenofobia e
outras formas de violecircncia que resultam na manutenccedilatildeo eou dificuldades de alteraccedilatildeo
positiva em relaccedilatildeo ao quadro de pobreza da maioria destas comunidades
Os quilombos no Brasil
Para uma melhor compreensatildeo da situaccedilatildeo das terras quilombolas e de outros
territoacuterios tradicionais no Brasil eacute fundamental fazer-se referecircncia agrave Lei de Concessatildeo de
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Terras de 1850 Eacute nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da
terra agravequele que possui recurso monetaacuterio para adquiri-la e legalizaacute-la cartorialmente Essa lei
tornaria ainda mais difiacutecil a inclusatildeo do negro apoacutes a Aboliccedilatildeo de 1888 realizada sem
qualquer reparaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo escravizada
A luta contemporacircnea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada
como o reconhecimento do fracasso da realidade juriacutedica estabelecida tanto pela ldquoLei de
Terrasrdquo que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de
terras quanto pela forma mesma com que se daacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo A noccedilatildeo de terra
coletiva como satildeo pensadas as terras de comunidades quilombolas contraria o modelo
baseado na propriedade privada como uacutenica forma de acesso e uso da terra o qual exclui
outros usos e relaccedilotildees com o territoacuterio como ocorre entre povos e comunidades tradicionais
Aleacutem dos quilombos constituiacutedos no periacuteodo escravocrata muitos foram formados
apoacutes a aboliccedilatildeo formal da escravatura pois essa forma de organizaccedilatildeo comunitaacuteria
continuaria a ser para muitos a uacutenica possibilidade de viver em liberdade Constituir um
quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivecircncia posto que a Lei Aacuteurea diferentemente
do propugnado pelo movimento abolicionista natildeo levou em conta mecanismos de
redistribuiccedilatildeo de terras
De um modo geral os territoacuterios quilombolas originaram-se em diferentes situaccedilotildees
tais como doaccedilotildees de terras realizadas a partir da desagregaccedilatildeo da lavoura de monoculturas
como a cana-de-accediluacutecar e o algodatildeo compra de terras pelos proacuteprios sujeitos possibilitada
pela desestruturaccedilatildeo do sistema escravista terras que foram conquistadas por meio da
prestaccedilatildeo de serviccedilos inclusive de guerra bem como aacutereas ocupadas por negros que fugiam
da escravidatildeo Haacute tambeacutem as chamadas terras de preto terras de santo ou terras de santiacutessima
que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas da doaccedilatildeo de
terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviccedilos religiosos prestados a
senhores de escravos por sacerdotes de religiotildees afro-brasileiras
Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o periacuteodo republicano e
reaparecem como resultado da accedilatildeo dos movimentos negros apenas com a Constituiccedilatildeo de
1988 como territoacuterios detentores de direitos Transcorreram portanto cerca de cem anos da
aboliccedilatildeo ateacute a aprovaccedilatildeo do Artigo 68 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias
(ADCT) o qual assegura o seguinte Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras eacute
reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
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ratificada em junho de 2002 e entrou em vigor em julho de 2003 A Convenccedilatildeo 169 dispotildee
sobre direitos de povos indiacutegenas tribais e populaccedilotildees tradicionais em geral
As associaccedilotildees de remanescentes de comunidades de quilombos se incluem nesta
convenccedilatildeo por conta do artigo 68 contido nos Atos das Disposiccedilotildees Constitucionais
Transitoacuterias (ADCT) da Constituiccedilatildeo
As deacutecadas de 1980 e 1990 foram marcadas por um contexto onde o debate era
mobilizado pela questatildeo da existecircncia ou natildeo da discriminaccedilatildeo racial no paiacutes A democracia
racial ainda se colocava como um paradigma a ser questionado e o reconhecimento das
desigualdades raciais e a reflexatildeo sobre suas causas precisava se consolidar A partir de
meados dos anos 90 entretanto os termos do debate se transformaram Reconhecida a
injustificaacutevel desigualdade racial que ao longo do seacuteculo marca a trajetoacuteria dos grupos
negros e brancos assim como sua estabilidade ao correr do tempo a discussatildeo passa
progressivamente a se concentrar nas iniciativas necessaacuterias em termos da accedilatildeo puacuteblica para
o seu enfrentamento
Fazendo frente a esse conjunto cada vez mais evidente de desigualdades o debate
puacuteblico tem se intensificado assim como as iniciativas no campo das poliacuteticas de governo De
fato desde a deacutecada de 1980 um conjunto diverso de accedilotildees passou a ser implementado De
iniacutecio as proposiccedilotildees tecircm origem em governos estaduais e municipais e progressivamente
passam a ser desenvolvidas tambeacutem pela esfera federal Mas foi nos anos 2000 que as
iniciativas ganharam relevo proliferando no acircmbito do governo federal nos governos
estaduais e municipais e tambeacutem de forma autocircnoma em algumas instituiccedilotildees puacuteblicas
como as universidades e o Ministeacuterio Puacuteblico do Trabalho Programas como os de
estabelecimento de cotas visando ampliar o acesso de estudantes negros ao Ensino Superior
assim como programas de combate ao racismo institucional vecircm sendo adotados em vaacuterias
localidades do paiacutes Accedilotildees no campo da educaccedilatildeo e do mercado de trabalho tecircm sido
igualmente adotadas visando limitar a reproduccedilatildeo de estereoacutetipos e comportamentos que
afetam o acesso a oportunidades iguais e a possibilidade de seu usufruto
As desigualdades raciais no Brasil configuram-se como um fenocircmeno complexo
constituindo-se em um enorme desafio para governos e para a sociedade em geral Enfrentar
as dificuldades que se colocam face agrave consolidaccedilatildeo da temaacutetica da desigualdade e da
discriminaccedilatildeo na agenda puacuteblica e no espaccedilo de governo e integrar e ampliar as iniciativas
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em curso parecem ser hoje os grandes desafios no campo das poliacuteticas puacuteblicas para
igualdade racial
Compreendendo as desigualdades raciais como produto de um amplo e complexo
processo de reproduccedilatildeo de iniquidades e de hierarquias sociais seu enfrentamento natildeo deve
ficar restrito a accedilotildees que possam ser implementadas por um nuacutecleo especiacutefico da accedilatildeo puacuteblica
O reconhecimento da desigualdade racial e da necessidade de seu enfrentamento assim como
da eliminaccedilatildeo do preconceito e da discriminaccedilatildeo raciais pressupotildee o reconhecimento de que
esse problema perpassa os mais diferentes espaccedilos da vida social
O enfrentamento de uma questatildeo com a centralidade da temaacutetica racial que perpassa o
tecido e as relaccedilotildees sociais no paiacutes natildeo pode prescindir de uma accedilatildeo de Estado desenvolvida
mediante uma Poliacutetica Nacional que inclua a adoccedilatildeo de um posicionamento efetivo das
instacircncias governamentais e natildeo apenas a Secretaria Especial de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da
Igualdade Racial - SEPPIR Eacute necessaacuterio que as desigualdades raciais sejam incorporadas
como desafios em cada uma das poliacuteticas setoriais Os indicadores superiores de repetecircncia e
evasatildeo de crianccedilas negras nas escolas brasileiras aguardam serem transformados em metas
para a intervenccedilatildeo da poliacutetica de educaccedilatildeo da mesma forma que as taxas reduzidas de
cobertura de mulheres negras em exames e procedimentos de sauacutede a violecircncia policial
contra jovens negros entre inuacutemeros exemplos que podem ser citados Ministeacuterios e oacutergatildeos
setoriais aleacutem do Legislativo e do Judiciaacuterio devem ser envolvidos em uma poliacutetica que
tenha diretrizes e metas balizadoras da accedilatildeo puacuteblica sinalizando para os estados e municiacutepios
e para a sociedade sobre a importacircncia da intervenccedilatildeo governamental na busca da igualdade
racial Neste sentido as poliacuteticas puacuteblicas dependem de informaccedilotildees ndashsempre- atualizadas em
dados referentes agraves Comunidades quilombolas em seus contextos sociopoliacutetico
Neste artigo eacute mostrada a pesquisa (de cunho individual) que venho realizando desde
1987 no Rio Grande do Norte na aacuterea de antropologia afro-brasileira em especial sobre
comunidades negras rurais terreiros de matriz afro-brasileira e territoacuterios urbanos
Neste texto discorro sobre o conceito de comunidades quilombolas a questatildeo dos
quilombos no Brasil e no estado do Rio Grande do Norte explanando sobre a literatura
regional que trata dessas populaccedilotildees afro-brasileiras na regiatildeo Por fim mostramos o
resultado da citada pesquisa sobre a presenccedila de comunidades e territoacuterios negros no Rio
Grande do Norte
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A pesquisa sobre comunidades tradicionais afro-brasileiras no Rio Grande no Norte
Como recursos metodoloacutegicos foram utilizadas teacutecnicas proacuteprias da Antropologia e
da Histoacuteria De forma geral continuamos realizando uma pesquisa histoacuterico-documental com
a utilizaccedilatildeo de diversas teacutecnicas como entrevistas visita de campo e registro audiovisual
durante os trabalhos na regiatildeo
Em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo da fotografia como recurso ldquoauxiliarrdquo na pesquisa
salientamos sua importacircncia aleacutem do aspecto meramente ilustrativo pois eacute sabido que
A construccedilatildeo de narrativas atraveacutes da imagem fotograacutefica vem a ser articulada com
o texto verbal e a legitimidade que este alcanccedilou contribuir no sentido de enriquecer
e agregar aleacutem de outras formas narrativas como e literatura ou a poesia
complexidade aos esforccedilos de interpretaccedilatildeo de universos sociais cada vez mais
densos e complexos onde imagens por sua vez tornam-se cada vez mais um
elemento da proacutepria sociabilidade (ACHUTTI 199738-39)
Neste trabalho entendemos a fotografia ou fotoetnografia como elemento necessaacuterio agrave
composiccedilatildeo do Relatoacuterio Antropoloacutegico Neste sentido
Parece significativa a ideia dos colegas do Nuacutecleo de Antropologia Visual da
UFRGS quando afirmam que a antropologia visual natildeo se trata de uma disciplina
independente mas ldquosim da mesma e velha antropologia de sempre poreacutem
apresentada sobre esse outro continente que eacute a comunicaccedilatildeo audiovisual Natildeo eacute
uma Antropologia da Imagem mas uma antropologia em imagensrdquo (Rodolpho et
alli 1995169) Uma antropologia em imagens poderaacute ser feita mediante o domiacutenio
das teacutecnicas de construccedilatildeo de um viacutedeo etnograacutefico de um filme etnograacutefico ou de
um trabalho fotoetnograacutefico Futuramente estaremos fazendo a ldquovelhardquo e tradicional
antropologia tambeacutem atraveacutes de uma linguagem multimiacutedia (ACHUTTI 199739)
Em termos metodoloacutegicos
A proposta aqui eacute do emprego da antropologia visual enquanto um recurso narrativo
autocircnomo na funccedilatildeo de convergir significaccedilotildees e informaccedilotildees a respeito de uma
dada situaccedilatildeo social (ACHUTTI 199713)
Em relaccedilatildeo agrave Histoacuteria Oral presente nos discursos e entrevistas partimos do
princiacutepio que ldquoAtraveacutes da memoacuteria individual seraacute possiacutevel recuperar a memoacuteria coletiva de
um periacuteodo sobre o qual existe muito pouca documentaccedilatildeo Essa histoacuteria aleacutem de contribuir
para um melhor conhecimento da comunidaderdquo (Becker 2001286) Assim podemos
entender em consenso que
Usando a histoacuteria oral como meacutetodo e praacutetica de pesquisa somada agraves formas
tradicionais percorreremos juntamente com nossos personagens lugares da
memoacuteria e do esquecimento para ldquoreconstruirrdquo as suas trajetoacuterias de vida tentando
assim montar um quadro histoacuterico do periacuteodo pesquisado (BECKER 2001286)
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Assim a antropologia visual e a histoacuteria oral vecircm como recurso metodoloacutegico e
teacutecnico dar maior suporte agraves pesquisas envolvendo populaccedilotildees tradicionais em particular as
comunidades negras rurais que ainda encontram-se em um processo de invisibilidade social
Para o historiador Josemir Camilo de Melo (2001189)
Quando se analisa a histoacuteria do povo negro natildeo se deve usar da mesma metodologia
que se usa para abordar a histoacuteria dos povos europeus e seus descendentes nos
troacutepicos A histoacuteria dos brancos eacute feita de documentos oficiais e particulares jaacute que
estamos tratando aiacute de uma sociedade letrada No caso dos africanos sequestrados e
trazidos para o Brasil e seus descendentes aqui nascidos e mantidos como iletrados
os documentos para estudar sua histoacuteria natildeo satildeo mais do mesmo caraacuteter ou seja
material escrito Portanto o historiador deveria proceder um desvio metodoloacutegico e
teoacuterico optando entatildeo pela etnografia e buscar a fala do povo negro nas fontes
antropoloacutegicas e etnoloacutegicas
Neste sentido optou-se por uma leitura criacutetica na literatura regional que trata das
comunidades quilombolas Para isto foram consultados textos acadecircmicos de autores locais
em eacutepocas diversas procurando ver a fala do povo negro representada nestes textos-discursos
Inicialmente percebe-se que a literatura produzida no Seacuteculo XX (mesmo a da aacuterea
antropoloacutegica) estaacute impregnada de uma visatildeo racista etnocecircntrica e comprometida com
valores regionais No Seacuteculo XXI houve uma alteraccedilatildeo substancial a inclusatildeo de acadecircmicos
militantes do Movimento Negro (mesmo que informalmente) e estudantes originaacuterios de
comunidades quilombolas
Ao fim colocamos uma listagem (atualizada em 2017) sobre as comunidades negras
localizadas no Rio Grande do Norte
Comunidades Quilombolas um conceito poliacutetico
O conceito mais atualizado para definir Comunidades Quilombolas tangencia de uma
concepccedilatildeo histoacuterica que vincula estas com lutas e fugas de escravos Este conceito eacute assim
tambeacutem entendido pelo Estado Entatildeo podemos entender que comunidades quilombolas satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofridardquo (Decreto 48872003)
Por ser um conceito definido por Decreto e com fins juriacutedicos tem uma base legal
constituiacuteda a partir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seus artigos 215 e 216 da
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Constituiccedilatildeo Federal que tratam do ldquoDireito agrave preservaccedilatildeo de sua proacutepria culturardquo e
tambeacutem
Do Artigo 68 do ADCT ndash Direito agrave propriedade das terras de comunidades
remanescentes de quilombos
Da Convenccedilatildeo 169 da OIT (Dec 50512004) ndash Direito agrave autodeterminaccedilatildeo de Povos e
Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 4887 de 20 de novembro de 2003 ndash Trata da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de
terras de quilombos e define as responsabilidades dos oacutergatildeos governamentais
Do Decreto nordm 6040 de 7 de fevereiro de 2007 ndash Institui a Poliacutetica Nacional de
Desenvolvimento Sustentaacutevel dos Povos e Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 6261 de 20 de novembro de 2007 ndash Dispotildee sobre a gestatildeo integrada
para o desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no acircmbito do Programa Brasil
Quilombola
Da Portaria Fundaccedilatildeo Cultural Palmares nordm 98 de 26 de novembro de 2007 ndash Institui o
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundaccedilatildeo Cultural
Palmares tambeacutem autodenominadas Terras de Preto Comunidades Negras Mocambos
Quilombos entre outras denominaccedilotildees congecircneres
Da Instruccedilatildeo Normativa INCRA nordm 57 de 20 de outubro de 2009 ndash Regulamenta o
procedimento para identificaccedilatildeo reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo desintrusatildeo
titulaccedilatildeo e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
Entretanto devemos perceber este conceito como resultado de toda uma accedilatildeo da
Antropologia brasileira que vem se debruccedilando sobre a questatildeo das comunidades tradicionais
ao colocar que
Natildeo haacute duacutevidas de que a antropologia constitui campo consolidado e dinacircmico no
Brasil que tem obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares
de excelecircncia cientiacutefica Combinando o interesse em compreender o mundo com a
preocupaccedilatildeo em desvendar coacutedigos culturais e os interstiacutecios sociais da vida
cotidiana a pesquisa antropoloacutegica eacute extremamente relevante para desvendar
problemaacuteticas que estatildeo na ordem do dia sobre a produccedilatildeo da diferenccedila cultural e
desigualdades sociais saberes e praacuteticas tradicionais patrimocircnio cultural e inclusatildeo
social e ainda desenvolvimento econocircmico e social (BELA 201319)
Para a antropoacuteloga Ilka Boaventura Leite eacute importante entender o fenocircmeno da
invisibilidade social e poliacutetica dessas populaccedilotildees como algo construiacutedo em nossa histoacuteria foi
inculcado cultural e principalmente politicamente nas populaccedilotildees mais vulneraacuteveis na
histoacuteria de construccedilatildeo de uma naccedilatildeo com moldes europeus Nestes termos as populaccedilotildees
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afro-brasileiras foram ignoradas ao pensar a o projeto de naccedilatildeo para o Brasil A invisibilidade
gerando uma marginalizaccedilatildeo histoacuterica geograacutefica e poliacutetica Pode-se ainda pensar que
A consolidaccedilatildeo da naccedilatildeo obteve o suporte ideoloacutegico do racialismo reforccedilando com
ele um projeto de orientaccedilatildeo liberal inspirado num tipo de universalismo iluminista
que invisibilizou as pautas poliacuteticas e sociais dos grupos negros e indiacutegenas O tipo
de ocupaccedilatildeo do espaccedilo territorial e a manutenccedilatildeo da fronteira eacutetnica pelos grupos
foram portanto um relevante fator de reorganizaccedilatildeo das diferenccedilas com perdas
significativas para os que jaacute se encontravam anteriormente na terra ndash principalmente
os africanos os indiacutegenas e os chamados ldquocaboclos (LEITE 200896)
Essa espeacutecie de topografia eacutetnica traduziu-se na continuidade das estrateacutegias de
expropriaccedilatildeo das terras e na forma como esse projeto se tornou hegemocircnico e se
reproduziu com sucesso ateacute os dias atuais Eacute tambeacutem possiacutevel depreender as formas
de resistecircncia daqueles que foram excluiacutedos do direito de se apropriar bem como de
titular suas terras As linhas demarcatoacuterias dos grupos para aleacutem das diferenccedilas
culturais tornaram-se formas matriciais de continuidade da hierarquizaccedilatildeo de novas
formas de exploraccedilatildeo e principalmente da perpetuaccedilatildeo das desigualdades sociais
(LEITE 2008967)
No momento histoacuterico que se iniciou com a promulgaccedilatildeo da Consttuiccedilatildeo Federal
(1988) podemos inferir que
Tais comunidades se revestem de grande atualidade no paiacutes em virtude do avanccedilo
das poliacuteticas puacuteblicas no sentido de fazer cumprir os dispositivos constitucionais do
tombamento salvaguarda e preservaccedilatildeo delas consideradas que foram pelo Artigo
216 da CF integrantes do patrimocircnio Cultural Nacional e pelo Artigo 68 dos
ADCTs como justamente merecedoras do seu reconhecimento e da atribuiccedilatildeo de
posse definitiva do seu territoacuterio por parte do Estado Nacionalrdquo (MEDEIROS In
TAMASO e LIMA Filho 2012 377)
Neste sentido podemos vislumbrar um cenaacuterio com novas possibilidades para a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para esta parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo
brasileira a populaccedilatildeo das comunidades quilombolas
Evidentemente esta situaccedilatildeo eleva questionamentos de ordem conceitual e histoacuterica
ao tratar de um tema novo as comunidades quilombolas que estatildeo espalhadas em todo o
territoacuterio nacional e tecircm como caracteriacutestica comum a pobreza e a dificuldade de acesso agraves
poliacuteticas sociais especiacuteficas para este grupo Satildeo viacutetimas constantes de Racismo Xenofobia e
outras formas de violecircncia que resultam na manutenccedilatildeo eou dificuldades de alteraccedilatildeo
positiva em relaccedilatildeo ao quadro de pobreza da maioria destas comunidades
Os quilombos no Brasil
Para uma melhor compreensatildeo da situaccedilatildeo das terras quilombolas e de outros
territoacuterios tradicionais no Brasil eacute fundamental fazer-se referecircncia agrave Lei de Concessatildeo de
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Terras de 1850 Eacute nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da
terra agravequele que possui recurso monetaacuterio para adquiri-la e legalizaacute-la cartorialmente Essa lei
tornaria ainda mais difiacutecil a inclusatildeo do negro apoacutes a Aboliccedilatildeo de 1888 realizada sem
qualquer reparaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo escravizada
A luta contemporacircnea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada
como o reconhecimento do fracasso da realidade juriacutedica estabelecida tanto pela ldquoLei de
Terrasrdquo que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de
terras quanto pela forma mesma com que se daacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo A noccedilatildeo de terra
coletiva como satildeo pensadas as terras de comunidades quilombolas contraria o modelo
baseado na propriedade privada como uacutenica forma de acesso e uso da terra o qual exclui
outros usos e relaccedilotildees com o territoacuterio como ocorre entre povos e comunidades tradicionais
Aleacutem dos quilombos constituiacutedos no periacuteodo escravocrata muitos foram formados
apoacutes a aboliccedilatildeo formal da escravatura pois essa forma de organizaccedilatildeo comunitaacuteria
continuaria a ser para muitos a uacutenica possibilidade de viver em liberdade Constituir um
quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivecircncia posto que a Lei Aacuteurea diferentemente
do propugnado pelo movimento abolicionista natildeo levou em conta mecanismos de
redistribuiccedilatildeo de terras
De um modo geral os territoacuterios quilombolas originaram-se em diferentes situaccedilotildees
tais como doaccedilotildees de terras realizadas a partir da desagregaccedilatildeo da lavoura de monoculturas
como a cana-de-accediluacutecar e o algodatildeo compra de terras pelos proacuteprios sujeitos possibilitada
pela desestruturaccedilatildeo do sistema escravista terras que foram conquistadas por meio da
prestaccedilatildeo de serviccedilos inclusive de guerra bem como aacutereas ocupadas por negros que fugiam
da escravidatildeo Haacute tambeacutem as chamadas terras de preto terras de santo ou terras de santiacutessima
que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas da doaccedilatildeo de
terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviccedilos religiosos prestados a
senhores de escravos por sacerdotes de religiotildees afro-brasileiras
Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o periacuteodo republicano e
reaparecem como resultado da accedilatildeo dos movimentos negros apenas com a Constituiccedilatildeo de
1988 como territoacuterios detentores de direitos Transcorreram portanto cerca de cem anos da
aboliccedilatildeo ateacute a aprovaccedilatildeo do Artigo 68 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias
(ADCT) o qual assegura o seguinte Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras eacute
reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
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em curso parecem ser hoje os grandes desafios no campo das poliacuteticas puacuteblicas para
igualdade racial
Compreendendo as desigualdades raciais como produto de um amplo e complexo
processo de reproduccedilatildeo de iniquidades e de hierarquias sociais seu enfrentamento natildeo deve
ficar restrito a accedilotildees que possam ser implementadas por um nuacutecleo especiacutefico da accedilatildeo puacuteblica
O reconhecimento da desigualdade racial e da necessidade de seu enfrentamento assim como
da eliminaccedilatildeo do preconceito e da discriminaccedilatildeo raciais pressupotildee o reconhecimento de que
esse problema perpassa os mais diferentes espaccedilos da vida social
O enfrentamento de uma questatildeo com a centralidade da temaacutetica racial que perpassa o
tecido e as relaccedilotildees sociais no paiacutes natildeo pode prescindir de uma accedilatildeo de Estado desenvolvida
mediante uma Poliacutetica Nacional que inclua a adoccedilatildeo de um posicionamento efetivo das
instacircncias governamentais e natildeo apenas a Secretaria Especial de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da
Igualdade Racial - SEPPIR Eacute necessaacuterio que as desigualdades raciais sejam incorporadas
como desafios em cada uma das poliacuteticas setoriais Os indicadores superiores de repetecircncia e
evasatildeo de crianccedilas negras nas escolas brasileiras aguardam serem transformados em metas
para a intervenccedilatildeo da poliacutetica de educaccedilatildeo da mesma forma que as taxas reduzidas de
cobertura de mulheres negras em exames e procedimentos de sauacutede a violecircncia policial
contra jovens negros entre inuacutemeros exemplos que podem ser citados Ministeacuterios e oacutergatildeos
setoriais aleacutem do Legislativo e do Judiciaacuterio devem ser envolvidos em uma poliacutetica que
tenha diretrizes e metas balizadoras da accedilatildeo puacuteblica sinalizando para os estados e municiacutepios
e para a sociedade sobre a importacircncia da intervenccedilatildeo governamental na busca da igualdade
racial Neste sentido as poliacuteticas puacuteblicas dependem de informaccedilotildees ndashsempre- atualizadas em
dados referentes agraves Comunidades quilombolas em seus contextos sociopoliacutetico
Neste artigo eacute mostrada a pesquisa (de cunho individual) que venho realizando desde
1987 no Rio Grande do Norte na aacuterea de antropologia afro-brasileira em especial sobre
comunidades negras rurais terreiros de matriz afro-brasileira e territoacuterios urbanos
Neste texto discorro sobre o conceito de comunidades quilombolas a questatildeo dos
quilombos no Brasil e no estado do Rio Grande do Norte explanando sobre a literatura
regional que trata dessas populaccedilotildees afro-brasileiras na regiatildeo Por fim mostramos o
resultado da citada pesquisa sobre a presenccedila de comunidades e territoacuterios negros no Rio
Grande do Norte
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A pesquisa sobre comunidades tradicionais afro-brasileiras no Rio Grande no Norte
Como recursos metodoloacutegicos foram utilizadas teacutecnicas proacuteprias da Antropologia e
da Histoacuteria De forma geral continuamos realizando uma pesquisa histoacuterico-documental com
a utilizaccedilatildeo de diversas teacutecnicas como entrevistas visita de campo e registro audiovisual
durante os trabalhos na regiatildeo
Em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo da fotografia como recurso ldquoauxiliarrdquo na pesquisa
salientamos sua importacircncia aleacutem do aspecto meramente ilustrativo pois eacute sabido que
A construccedilatildeo de narrativas atraveacutes da imagem fotograacutefica vem a ser articulada com
o texto verbal e a legitimidade que este alcanccedilou contribuir no sentido de enriquecer
e agregar aleacutem de outras formas narrativas como e literatura ou a poesia
complexidade aos esforccedilos de interpretaccedilatildeo de universos sociais cada vez mais
densos e complexos onde imagens por sua vez tornam-se cada vez mais um
elemento da proacutepria sociabilidade (ACHUTTI 199738-39)
Neste trabalho entendemos a fotografia ou fotoetnografia como elemento necessaacuterio agrave
composiccedilatildeo do Relatoacuterio Antropoloacutegico Neste sentido
Parece significativa a ideia dos colegas do Nuacutecleo de Antropologia Visual da
UFRGS quando afirmam que a antropologia visual natildeo se trata de uma disciplina
independente mas ldquosim da mesma e velha antropologia de sempre poreacutem
apresentada sobre esse outro continente que eacute a comunicaccedilatildeo audiovisual Natildeo eacute
uma Antropologia da Imagem mas uma antropologia em imagensrdquo (Rodolpho et
alli 1995169) Uma antropologia em imagens poderaacute ser feita mediante o domiacutenio
das teacutecnicas de construccedilatildeo de um viacutedeo etnograacutefico de um filme etnograacutefico ou de
um trabalho fotoetnograacutefico Futuramente estaremos fazendo a ldquovelhardquo e tradicional
antropologia tambeacutem atraveacutes de uma linguagem multimiacutedia (ACHUTTI 199739)
Em termos metodoloacutegicos
A proposta aqui eacute do emprego da antropologia visual enquanto um recurso narrativo
autocircnomo na funccedilatildeo de convergir significaccedilotildees e informaccedilotildees a respeito de uma
dada situaccedilatildeo social (ACHUTTI 199713)
Em relaccedilatildeo agrave Histoacuteria Oral presente nos discursos e entrevistas partimos do
princiacutepio que ldquoAtraveacutes da memoacuteria individual seraacute possiacutevel recuperar a memoacuteria coletiva de
um periacuteodo sobre o qual existe muito pouca documentaccedilatildeo Essa histoacuteria aleacutem de contribuir
para um melhor conhecimento da comunidaderdquo (Becker 2001286) Assim podemos
entender em consenso que
Usando a histoacuteria oral como meacutetodo e praacutetica de pesquisa somada agraves formas
tradicionais percorreremos juntamente com nossos personagens lugares da
memoacuteria e do esquecimento para ldquoreconstruirrdquo as suas trajetoacuterias de vida tentando
assim montar um quadro histoacuterico do periacuteodo pesquisado (BECKER 2001286)
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Assim a antropologia visual e a histoacuteria oral vecircm como recurso metodoloacutegico e
teacutecnico dar maior suporte agraves pesquisas envolvendo populaccedilotildees tradicionais em particular as
comunidades negras rurais que ainda encontram-se em um processo de invisibilidade social
Para o historiador Josemir Camilo de Melo (2001189)
Quando se analisa a histoacuteria do povo negro natildeo se deve usar da mesma metodologia
que se usa para abordar a histoacuteria dos povos europeus e seus descendentes nos
troacutepicos A histoacuteria dos brancos eacute feita de documentos oficiais e particulares jaacute que
estamos tratando aiacute de uma sociedade letrada No caso dos africanos sequestrados e
trazidos para o Brasil e seus descendentes aqui nascidos e mantidos como iletrados
os documentos para estudar sua histoacuteria natildeo satildeo mais do mesmo caraacuteter ou seja
material escrito Portanto o historiador deveria proceder um desvio metodoloacutegico e
teoacuterico optando entatildeo pela etnografia e buscar a fala do povo negro nas fontes
antropoloacutegicas e etnoloacutegicas
Neste sentido optou-se por uma leitura criacutetica na literatura regional que trata das
comunidades quilombolas Para isto foram consultados textos acadecircmicos de autores locais
em eacutepocas diversas procurando ver a fala do povo negro representada nestes textos-discursos
Inicialmente percebe-se que a literatura produzida no Seacuteculo XX (mesmo a da aacuterea
antropoloacutegica) estaacute impregnada de uma visatildeo racista etnocecircntrica e comprometida com
valores regionais No Seacuteculo XXI houve uma alteraccedilatildeo substancial a inclusatildeo de acadecircmicos
militantes do Movimento Negro (mesmo que informalmente) e estudantes originaacuterios de
comunidades quilombolas
Ao fim colocamos uma listagem (atualizada em 2017) sobre as comunidades negras
localizadas no Rio Grande do Norte
Comunidades Quilombolas um conceito poliacutetico
O conceito mais atualizado para definir Comunidades Quilombolas tangencia de uma
concepccedilatildeo histoacuterica que vincula estas com lutas e fugas de escravos Este conceito eacute assim
tambeacutem entendido pelo Estado Entatildeo podemos entender que comunidades quilombolas satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofridardquo (Decreto 48872003)
Por ser um conceito definido por Decreto e com fins juriacutedicos tem uma base legal
constituiacuteda a partir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seus artigos 215 e 216 da
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Constituiccedilatildeo Federal que tratam do ldquoDireito agrave preservaccedilatildeo de sua proacutepria culturardquo e
tambeacutem
Do Artigo 68 do ADCT ndash Direito agrave propriedade das terras de comunidades
remanescentes de quilombos
Da Convenccedilatildeo 169 da OIT (Dec 50512004) ndash Direito agrave autodeterminaccedilatildeo de Povos e
Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 4887 de 20 de novembro de 2003 ndash Trata da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de
terras de quilombos e define as responsabilidades dos oacutergatildeos governamentais
Do Decreto nordm 6040 de 7 de fevereiro de 2007 ndash Institui a Poliacutetica Nacional de
Desenvolvimento Sustentaacutevel dos Povos e Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 6261 de 20 de novembro de 2007 ndash Dispotildee sobre a gestatildeo integrada
para o desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no acircmbito do Programa Brasil
Quilombola
Da Portaria Fundaccedilatildeo Cultural Palmares nordm 98 de 26 de novembro de 2007 ndash Institui o
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundaccedilatildeo Cultural
Palmares tambeacutem autodenominadas Terras de Preto Comunidades Negras Mocambos
Quilombos entre outras denominaccedilotildees congecircneres
Da Instruccedilatildeo Normativa INCRA nordm 57 de 20 de outubro de 2009 ndash Regulamenta o
procedimento para identificaccedilatildeo reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo desintrusatildeo
titulaccedilatildeo e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
Entretanto devemos perceber este conceito como resultado de toda uma accedilatildeo da
Antropologia brasileira que vem se debruccedilando sobre a questatildeo das comunidades tradicionais
ao colocar que
Natildeo haacute duacutevidas de que a antropologia constitui campo consolidado e dinacircmico no
Brasil que tem obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares
de excelecircncia cientiacutefica Combinando o interesse em compreender o mundo com a
preocupaccedilatildeo em desvendar coacutedigos culturais e os interstiacutecios sociais da vida
cotidiana a pesquisa antropoloacutegica eacute extremamente relevante para desvendar
problemaacuteticas que estatildeo na ordem do dia sobre a produccedilatildeo da diferenccedila cultural e
desigualdades sociais saberes e praacuteticas tradicionais patrimocircnio cultural e inclusatildeo
social e ainda desenvolvimento econocircmico e social (BELA 201319)
Para a antropoacuteloga Ilka Boaventura Leite eacute importante entender o fenocircmeno da
invisibilidade social e poliacutetica dessas populaccedilotildees como algo construiacutedo em nossa histoacuteria foi
inculcado cultural e principalmente politicamente nas populaccedilotildees mais vulneraacuteveis na
histoacuteria de construccedilatildeo de uma naccedilatildeo com moldes europeus Nestes termos as populaccedilotildees
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afro-brasileiras foram ignoradas ao pensar a o projeto de naccedilatildeo para o Brasil A invisibilidade
gerando uma marginalizaccedilatildeo histoacuterica geograacutefica e poliacutetica Pode-se ainda pensar que
A consolidaccedilatildeo da naccedilatildeo obteve o suporte ideoloacutegico do racialismo reforccedilando com
ele um projeto de orientaccedilatildeo liberal inspirado num tipo de universalismo iluminista
que invisibilizou as pautas poliacuteticas e sociais dos grupos negros e indiacutegenas O tipo
de ocupaccedilatildeo do espaccedilo territorial e a manutenccedilatildeo da fronteira eacutetnica pelos grupos
foram portanto um relevante fator de reorganizaccedilatildeo das diferenccedilas com perdas
significativas para os que jaacute se encontravam anteriormente na terra ndash principalmente
os africanos os indiacutegenas e os chamados ldquocaboclos (LEITE 200896)
Essa espeacutecie de topografia eacutetnica traduziu-se na continuidade das estrateacutegias de
expropriaccedilatildeo das terras e na forma como esse projeto se tornou hegemocircnico e se
reproduziu com sucesso ateacute os dias atuais Eacute tambeacutem possiacutevel depreender as formas
de resistecircncia daqueles que foram excluiacutedos do direito de se apropriar bem como de
titular suas terras As linhas demarcatoacuterias dos grupos para aleacutem das diferenccedilas
culturais tornaram-se formas matriciais de continuidade da hierarquizaccedilatildeo de novas
formas de exploraccedilatildeo e principalmente da perpetuaccedilatildeo das desigualdades sociais
(LEITE 2008967)
No momento histoacuterico que se iniciou com a promulgaccedilatildeo da Consttuiccedilatildeo Federal
(1988) podemos inferir que
Tais comunidades se revestem de grande atualidade no paiacutes em virtude do avanccedilo
das poliacuteticas puacuteblicas no sentido de fazer cumprir os dispositivos constitucionais do
tombamento salvaguarda e preservaccedilatildeo delas consideradas que foram pelo Artigo
216 da CF integrantes do patrimocircnio Cultural Nacional e pelo Artigo 68 dos
ADCTs como justamente merecedoras do seu reconhecimento e da atribuiccedilatildeo de
posse definitiva do seu territoacuterio por parte do Estado Nacionalrdquo (MEDEIROS In
TAMASO e LIMA Filho 2012 377)
Neste sentido podemos vislumbrar um cenaacuterio com novas possibilidades para a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para esta parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo
brasileira a populaccedilatildeo das comunidades quilombolas
Evidentemente esta situaccedilatildeo eleva questionamentos de ordem conceitual e histoacuterica
ao tratar de um tema novo as comunidades quilombolas que estatildeo espalhadas em todo o
territoacuterio nacional e tecircm como caracteriacutestica comum a pobreza e a dificuldade de acesso agraves
poliacuteticas sociais especiacuteficas para este grupo Satildeo viacutetimas constantes de Racismo Xenofobia e
outras formas de violecircncia que resultam na manutenccedilatildeo eou dificuldades de alteraccedilatildeo
positiva em relaccedilatildeo ao quadro de pobreza da maioria destas comunidades
Os quilombos no Brasil
Para uma melhor compreensatildeo da situaccedilatildeo das terras quilombolas e de outros
territoacuterios tradicionais no Brasil eacute fundamental fazer-se referecircncia agrave Lei de Concessatildeo de
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Terras de 1850 Eacute nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da
terra agravequele que possui recurso monetaacuterio para adquiri-la e legalizaacute-la cartorialmente Essa lei
tornaria ainda mais difiacutecil a inclusatildeo do negro apoacutes a Aboliccedilatildeo de 1888 realizada sem
qualquer reparaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo escravizada
A luta contemporacircnea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada
como o reconhecimento do fracasso da realidade juriacutedica estabelecida tanto pela ldquoLei de
Terrasrdquo que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de
terras quanto pela forma mesma com que se daacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo A noccedilatildeo de terra
coletiva como satildeo pensadas as terras de comunidades quilombolas contraria o modelo
baseado na propriedade privada como uacutenica forma de acesso e uso da terra o qual exclui
outros usos e relaccedilotildees com o territoacuterio como ocorre entre povos e comunidades tradicionais
Aleacutem dos quilombos constituiacutedos no periacuteodo escravocrata muitos foram formados
apoacutes a aboliccedilatildeo formal da escravatura pois essa forma de organizaccedilatildeo comunitaacuteria
continuaria a ser para muitos a uacutenica possibilidade de viver em liberdade Constituir um
quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivecircncia posto que a Lei Aacuteurea diferentemente
do propugnado pelo movimento abolicionista natildeo levou em conta mecanismos de
redistribuiccedilatildeo de terras
De um modo geral os territoacuterios quilombolas originaram-se em diferentes situaccedilotildees
tais como doaccedilotildees de terras realizadas a partir da desagregaccedilatildeo da lavoura de monoculturas
como a cana-de-accediluacutecar e o algodatildeo compra de terras pelos proacuteprios sujeitos possibilitada
pela desestruturaccedilatildeo do sistema escravista terras que foram conquistadas por meio da
prestaccedilatildeo de serviccedilos inclusive de guerra bem como aacutereas ocupadas por negros que fugiam
da escravidatildeo Haacute tambeacutem as chamadas terras de preto terras de santo ou terras de santiacutessima
que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas da doaccedilatildeo de
terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviccedilos religiosos prestados a
senhores de escravos por sacerdotes de religiotildees afro-brasileiras
Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o periacuteodo republicano e
reaparecem como resultado da accedilatildeo dos movimentos negros apenas com a Constituiccedilatildeo de
1988 como territoacuterios detentores de direitos Transcorreram portanto cerca de cem anos da
aboliccedilatildeo ateacute a aprovaccedilatildeo do Artigo 68 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias
(ADCT) o qual assegura o seguinte Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras eacute
reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 69
ISSN 2595-1033
A pesquisa sobre comunidades tradicionais afro-brasileiras no Rio Grande no Norte
Como recursos metodoloacutegicos foram utilizadas teacutecnicas proacuteprias da Antropologia e
da Histoacuteria De forma geral continuamos realizando uma pesquisa histoacuterico-documental com
a utilizaccedilatildeo de diversas teacutecnicas como entrevistas visita de campo e registro audiovisual
durante os trabalhos na regiatildeo
Em relaccedilatildeo agrave utilizaccedilatildeo da fotografia como recurso ldquoauxiliarrdquo na pesquisa
salientamos sua importacircncia aleacutem do aspecto meramente ilustrativo pois eacute sabido que
A construccedilatildeo de narrativas atraveacutes da imagem fotograacutefica vem a ser articulada com
o texto verbal e a legitimidade que este alcanccedilou contribuir no sentido de enriquecer
e agregar aleacutem de outras formas narrativas como e literatura ou a poesia
complexidade aos esforccedilos de interpretaccedilatildeo de universos sociais cada vez mais
densos e complexos onde imagens por sua vez tornam-se cada vez mais um
elemento da proacutepria sociabilidade (ACHUTTI 199738-39)
Neste trabalho entendemos a fotografia ou fotoetnografia como elemento necessaacuterio agrave
composiccedilatildeo do Relatoacuterio Antropoloacutegico Neste sentido
Parece significativa a ideia dos colegas do Nuacutecleo de Antropologia Visual da
UFRGS quando afirmam que a antropologia visual natildeo se trata de uma disciplina
independente mas ldquosim da mesma e velha antropologia de sempre poreacutem
apresentada sobre esse outro continente que eacute a comunicaccedilatildeo audiovisual Natildeo eacute
uma Antropologia da Imagem mas uma antropologia em imagensrdquo (Rodolpho et
alli 1995169) Uma antropologia em imagens poderaacute ser feita mediante o domiacutenio
das teacutecnicas de construccedilatildeo de um viacutedeo etnograacutefico de um filme etnograacutefico ou de
um trabalho fotoetnograacutefico Futuramente estaremos fazendo a ldquovelhardquo e tradicional
antropologia tambeacutem atraveacutes de uma linguagem multimiacutedia (ACHUTTI 199739)
Em termos metodoloacutegicos
A proposta aqui eacute do emprego da antropologia visual enquanto um recurso narrativo
autocircnomo na funccedilatildeo de convergir significaccedilotildees e informaccedilotildees a respeito de uma
dada situaccedilatildeo social (ACHUTTI 199713)
Em relaccedilatildeo agrave Histoacuteria Oral presente nos discursos e entrevistas partimos do
princiacutepio que ldquoAtraveacutes da memoacuteria individual seraacute possiacutevel recuperar a memoacuteria coletiva de
um periacuteodo sobre o qual existe muito pouca documentaccedilatildeo Essa histoacuteria aleacutem de contribuir
para um melhor conhecimento da comunidaderdquo (Becker 2001286) Assim podemos
entender em consenso que
Usando a histoacuteria oral como meacutetodo e praacutetica de pesquisa somada agraves formas
tradicionais percorreremos juntamente com nossos personagens lugares da
memoacuteria e do esquecimento para ldquoreconstruirrdquo as suas trajetoacuterias de vida tentando
assim montar um quadro histoacuterico do periacuteodo pesquisado (BECKER 2001286)
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Assim a antropologia visual e a histoacuteria oral vecircm como recurso metodoloacutegico e
teacutecnico dar maior suporte agraves pesquisas envolvendo populaccedilotildees tradicionais em particular as
comunidades negras rurais que ainda encontram-se em um processo de invisibilidade social
Para o historiador Josemir Camilo de Melo (2001189)
Quando se analisa a histoacuteria do povo negro natildeo se deve usar da mesma metodologia
que se usa para abordar a histoacuteria dos povos europeus e seus descendentes nos
troacutepicos A histoacuteria dos brancos eacute feita de documentos oficiais e particulares jaacute que
estamos tratando aiacute de uma sociedade letrada No caso dos africanos sequestrados e
trazidos para o Brasil e seus descendentes aqui nascidos e mantidos como iletrados
os documentos para estudar sua histoacuteria natildeo satildeo mais do mesmo caraacuteter ou seja
material escrito Portanto o historiador deveria proceder um desvio metodoloacutegico e
teoacuterico optando entatildeo pela etnografia e buscar a fala do povo negro nas fontes
antropoloacutegicas e etnoloacutegicas
Neste sentido optou-se por uma leitura criacutetica na literatura regional que trata das
comunidades quilombolas Para isto foram consultados textos acadecircmicos de autores locais
em eacutepocas diversas procurando ver a fala do povo negro representada nestes textos-discursos
Inicialmente percebe-se que a literatura produzida no Seacuteculo XX (mesmo a da aacuterea
antropoloacutegica) estaacute impregnada de uma visatildeo racista etnocecircntrica e comprometida com
valores regionais No Seacuteculo XXI houve uma alteraccedilatildeo substancial a inclusatildeo de acadecircmicos
militantes do Movimento Negro (mesmo que informalmente) e estudantes originaacuterios de
comunidades quilombolas
Ao fim colocamos uma listagem (atualizada em 2017) sobre as comunidades negras
localizadas no Rio Grande do Norte
Comunidades Quilombolas um conceito poliacutetico
O conceito mais atualizado para definir Comunidades Quilombolas tangencia de uma
concepccedilatildeo histoacuterica que vincula estas com lutas e fugas de escravos Este conceito eacute assim
tambeacutem entendido pelo Estado Entatildeo podemos entender que comunidades quilombolas satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofridardquo (Decreto 48872003)
Por ser um conceito definido por Decreto e com fins juriacutedicos tem uma base legal
constituiacuteda a partir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seus artigos 215 e 216 da
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Constituiccedilatildeo Federal que tratam do ldquoDireito agrave preservaccedilatildeo de sua proacutepria culturardquo e
tambeacutem
Do Artigo 68 do ADCT ndash Direito agrave propriedade das terras de comunidades
remanescentes de quilombos
Da Convenccedilatildeo 169 da OIT (Dec 50512004) ndash Direito agrave autodeterminaccedilatildeo de Povos e
Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 4887 de 20 de novembro de 2003 ndash Trata da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de
terras de quilombos e define as responsabilidades dos oacutergatildeos governamentais
Do Decreto nordm 6040 de 7 de fevereiro de 2007 ndash Institui a Poliacutetica Nacional de
Desenvolvimento Sustentaacutevel dos Povos e Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 6261 de 20 de novembro de 2007 ndash Dispotildee sobre a gestatildeo integrada
para o desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no acircmbito do Programa Brasil
Quilombola
Da Portaria Fundaccedilatildeo Cultural Palmares nordm 98 de 26 de novembro de 2007 ndash Institui o
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundaccedilatildeo Cultural
Palmares tambeacutem autodenominadas Terras de Preto Comunidades Negras Mocambos
Quilombos entre outras denominaccedilotildees congecircneres
Da Instruccedilatildeo Normativa INCRA nordm 57 de 20 de outubro de 2009 ndash Regulamenta o
procedimento para identificaccedilatildeo reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo desintrusatildeo
titulaccedilatildeo e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
Entretanto devemos perceber este conceito como resultado de toda uma accedilatildeo da
Antropologia brasileira que vem se debruccedilando sobre a questatildeo das comunidades tradicionais
ao colocar que
Natildeo haacute duacutevidas de que a antropologia constitui campo consolidado e dinacircmico no
Brasil que tem obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares
de excelecircncia cientiacutefica Combinando o interesse em compreender o mundo com a
preocupaccedilatildeo em desvendar coacutedigos culturais e os interstiacutecios sociais da vida
cotidiana a pesquisa antropoloacutegica eacute extremamente relevante para desvendar
problemaacuteticas que estatildeo na ordem do dia sobre a produccedilatildeo da diferenccedila cultural e
desigualdades sociais saberes e praacuteticas tradicionais patrimocircnio cultural e inclusatildeo
social e ainda desenvolvimento econocircmico e social (BELA 201319)
Para a antropoacuteloga Ilka Boaventura Leite eacute importante entender o fenocircmeno da
invisibilidade social e poliacutetica dessas populaccedilotildees como algo construiacutedo em nossa histoacuteria foi
inculcado cultural e principalmente politicamente nas populaccedilotildees mais vulneraacuteveis na
histoacuteria de construccedilatildeo de uma naccedilatildeo com moldes europeus Nestes termos as populaccedilotildees
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afro-brasileiras foram ignoradas ao pensar a o projeto de naccedilatildeo para o Brasil A invisibilidade
gerando uma marginalizaccedilatildeo histoacuterica geograacutefica e poliacutetica Pode-se ainda pensar que
A consolidaccedilatildeo da naccedilatildeo obteve o suporte ideoloacutegico do racialismo reforccedilando com
ele um projeto de orientaccedilatildeo liberal inspirado num tipo de universalismo iluminista
que invisibilizou as pautas poliacuteticas e sociais dos grupos negros e indiacutegenas O tipo
de ocupaccedilatildeo do espaccedilo territorial e a manutenccedilatildeo da fronteira eacutetnica pelos grupos
foram portanto um relevante fator de reorganizaccedilatildeo das diferenccedilas com perdas
significativas para os que jaacute se encontravam anteriormente na terra ndash principalmente
os africanos os indiacutegenas e os chamados ldquocaboclos (LEITE 200896)
Essa espeacutecie de topografia eacutetnica traduziu-se na continuidade das estrateacutegias de
expropriaccedilatildeo das terras e na forma como esse projeto se tornou hegemocircnico e se
reproduziu com sucesso ateacute os dias atuais Eacute tambeacutem possiacutevel depreender as formas
de resistecircncia daqueles que foram excluiacutedos do direito de se apropriar bem como de
titular suas terras As linhas demarcatoacuterias dos grupos para aleacutem das diferenccedilas
culturais tornaram-se formas matriciais de continuidade da hierarquizaccedilatildeo de novas
formas de exploraccedilatildeo e principalmente da perpetuaccedilatildeo das desigualdades sociais
(LEITE 2008967)
No momento histoacuterico que se iniciou com a promulgaccedilatildeo da Consttuiccedilatildeo Federal
(1988) podemos inferir que
Tais comunidades se revestem de grande atualidade no paiacutes em virtude do avanccedilo
das poliacuteticas puacuteblicas no sentido de fazer cumprir os dispositivos constitucionais do
tombamento salvaguarda e preservaccedilatildeo delas consideradas que foram pelo Artigo
216 da CF integrantes do patrimocircnio Cultural Nacional e pelo Artigo 68 dos
ADCTs como justamente merecedoras do seu reconhecimento e da atribuiccedilatildeo de
posse definitiva do seu territoacuterio por parte do Estado Nacionalrdquo (MEDEIROS In
TAMASO e LIMA Filho 2012 377)
Neste sentido podemos vislumbrar um cenaacuterio com novas possibilidades para a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para esta parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo
brasileira a populaccedilatildeo das comunidades quilombolas
Evidentemente esta situaccedilatildeo eleva questionamentos de ordem conceitual e histoacuterica
ao tratar de um tema novo as comunidades quilombolas que estatildeo espalhadas em todo o
territoacuterio nacional e tecircm como caracteriacutestica comum a pobreza e a dificuldade de acesso agraves
poliacuteticas sociais especiacuteficas para este grupo Satildeo viacutetimas constantes de Racismo Xenofobia e
outras formas de violecircncia que resultam na manutenccedilatildeo eou dificuldades de alteraccedilatildeo
positiva em relaccedilatildeo ao quadro de pobreza da maioria destas comunidades
Os quilombos no Brasil
Para uma melhor compreensatildeo da situaccedilatildeo das terras quilombolas e de outros
territoacuterios tradicionais no Brasil eacute fundamental fazer-se referecircncia agrave Lei de Concessatildeo de
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Terras de 1850 Eacute nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da
terra agravequele que possui recurso monetaacuterio para adquiri-la e legalizaacute-la cartorialmente Essa lei
tornaria ainda mais difiacutecil a inclusatildeo do negro apoacutes a Aboliccedilatildeo de 1888 realizada sem
qualquer reparaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo escravizada
A luta contemporacircnea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada
como o reconhecimento do fracasso da realidade juriacutedica estabelecida tanto pela ldquoLei de
Terrasrdquo que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de
terras quanto pela forma mesma com que se daacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo A noccedilatildeo de terra
coletiva como satildeo pensadas as terras de comunidades quilombolas contraria o modelo
baseado na propriedade privada como uacutenica forma de acesso e uso da terra o qual exclui
outros usos e relaccedilotildees com o territoacuterio como ocorre entre povos e comunidades tradicionais
Aleacutem dos quilombos constituiacutedos no periacuteodo escravocrata muitos foram formados
apoacutes a aboliccedilatildeo formal da escravatura pois essa forma de organizaccedilatildeo comunitaacuteria
continuaria a ser para muitos a uacutenica possibilidade de viver em liberdade Constituir um
quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivecircncia posto que a Lei Aacuteurea diferentemente
do propugnado pelo movimento abolicionista natildeo levou em conta mecanismos de
redistribuiccedilatildeo de terras
De um modo geral os territoacuterios quilombolas originaram-se em diferentes situaccedilotildees
tais como doaccedilotildees de terras realizadas a partir da desagregaccedilatildeo da lavoura de monoculturas
como a cana-de-accediluacutecar e o algodatildeo compra de terras pelos proacuteprios sujeitos possibilitada
pela desestruturaccedilatildeo do sistema escravista terras que foram conquistadas por meio da
prestaccedilatildeo de serviccedilos inclusive de guerra bem como aacutereas ocupadas por negros que fugiam
da escravidatildeo Haacute tambeacutem as chamadas terras de preto terras de santo ou terras de santiacutessima
que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas da doaccedilatildeo de
terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviccedilos religiosos prestados a
senhores de escravos por sacerdotes de religiotildees afro-brasileiras
Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o periacuteodo republicano e
reaparecem como resultado da accedilatildeo dos movimentos negros apenas com a Constituiccedilatildeo de
1988 como territoacuterios detentores de direitos Transcorreram portanto cerca de cem anos da
aboliccedilatildeo ateacute a aprovaccedilatildeo do Artigo 68 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias
(ADCT) o qual assegura o seguinte Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras eacute
reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
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Assim a antropologia visual e a histoacuteria oral vecircm como recurso metodoloacutegico e
teacutecnico dar maior suporte agraves pesquisas envolvendo populaccedilotildees tradicionais em particular as
comunidades negras rurais que ainda encontram-se em um processo de invisibilidade social
Para o historiador Josemir Camilo de Melo (2001189)
Quando se analisa a histoacuteria do povo negro natildeo se deve usar da mesma metodologia
que se usa para abordar a histoacuteria dos povos europeus e seus descendentes nos
troacutepicos A histoacuteria dos brancos eacute feita de documentos oficiais e particulares jaacute que
estamos tratando aiacute de uma sociedade letrada No caso dos africanos sequestrados e
trazidos para o Brasil e seus descendentes aqui nascidos e mantidos como iletrados
os documentos para estudar sua histoacuteria natildeo satildeo mais do mesmo caraacuteter ou seja
material escrito Portanto o historiador deveria proceder um desvio metodoloacutegico e
teoacuterico optando entatildeo pela etnografia e buscar a fala do povo negro nas fontes
antropoloacutegicas e etnoloacutegicas
Neste sentido optou-se por uma leitura criacutetica na literatura regional que trata das
comunidades quilombolas Para isto foram consultados textos acadecircmicos de autores locais
em eacutepocas diversas procurando ver a fala do povo negro representada nestes textos-discursos
Inicialmente percebe-se que a literatura produzida no Seacuteculo XX (mesmo a da aacuterea
antropoloacutegica) estaacute impregnada de uma visatildeo racista etnocecircntrica e comprometida com
valores regionais No Seacuteculo XXI houve uma alteraccedilatildeo substancial a inclusatildeo de acadecircmicos
militantes do Movimento Negro (mesmo que informalmente) e estudantes originaacuterios de
comunidades quilombolas
Ao fim colocamos uma listagem (atualizada em 2017) sobre as comunidades negras
localizadas no Rio Grande do Norte
Comunidades Quilombolas um conceito poliacutetico
O conceito mais atualizado para definir Comunidades Quilombolas tangencia de uma
concepccedilatildeo histoacuterica que vincula estas com lutas e fugas de escravos Este conceito eacute assim
tambeacutem entendido pelo Estado Entatildeo podemos entender que comunidades quilombolas satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofridardquo (Decreto 48872003)
Por ser um conceito definido por Decreto e com fins juriacutedicos tem uma base legal
constituiacuteda a partir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 em seus artigos 215 e 216 da
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Constituiccedilatildeo Federal que tratam do ldquoDireito agrave preservaccedilatildeo de sua proacutepria culturardquo e
tambeacutem
Do Artigo 68 do ADCT ndash Direito agrave propriedade das terras de comunidades
remanescentes de quilombos
Da Convenccedilatildeo 169 da OIT (Dec 50512004) ndash Direito agrave autodeterminaccedilatildeo de Povos e
Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 4887 de 20 de novembro de 2003 ndash Trata da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de
terras de quilombos e define as responsabilidades dos oacutergatildeos governamentais
Do Decreto nordm 6040 de 7 de fevereiro de 2007 ndash Institui a Poliacutetica Nacional de
Desenvolvimento Sustentaacutevel dos Povos e Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 6261 de 20 de novembro de 2007 ndash Dispotildee sobre a gestatildeo integrada
para o desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no acircmbito do Programa Brasil
Quilombola
Da Portaria Fundaccedilatildeo Cultural Palmares nordm 98 de 26 de novembro de 2007 ndash Institui o
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundaccedilatildeo Cultural
Palmares tambeacutem autodenominadas Terras de Preto Comunidades Negras Mocambos
Quilombos entre outras denominaccedilotildees congecircneres
Da Instruccedilatildeo Normativa INCRA nordm 57 de 20 de outubro de 2009 ndash Regulamenta o
procedimento para identificaccedilatildeo reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo desintrusatildeo
titulaccedilatildeo e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
Entretanto devemos perceber este conceito como resultado de toda uma accedilatildeo da
Antropologia brasileira que vem se debruccedilando sobre a questatildeo das comunidades tradicionais
ao colocar que
Natildeo haacute duacutevidas de que a antropologia constitui campo consolidado e dinacircmico no
Brasil que tem obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares
de excelecircncia cientiacutefica Combinando o interesse em compreender o mundo com a
preocupaccedilatildeo em desvendar coacutedigos culturais e os interstiacutecios sociais da vida
cotidiana a pesquisa antropoloacutegica eacute extremamente relevante para desvendar
problemaacuteticas que estatildeo na ordem do dia sobre a produccedilatildeo da diferenccedila cultural e
desigualdades sociais saberes e praacuteticas tradicionais patrimocircnio cultural e inclusatildeo
social e ainda desenvolvimento econocircmico e social (BELA 201319)
Para a antropoacuteloga Ilka Boaventura Leite eacute importante entender o fenocircmeno da
invisibilidade social e poliacutetica dessas populaccedilotildees como algo construiacutedo em nossa histoacuteria foi
inculcado cultural e principalmente politicamente nas populaccedilotildees mais vulneraacuteveis na
histoacuteria de construccedilatildeo de uma naccedilatildeo com moldes europeus Nestes termos as populaccedilotildees
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afro-brasileiras foram ignoradas ao pensar a o projeto de naccedilatildeo para o Brasil A invisibilidade
gerando uma marginalizaccedilatildeo histoacuterica geograacutefica e poliacutetica Pode-se ainda pensar que
A consolidaccedilatildeo da naccedilatildeo obteve o suporte ideoloacutegico do racialismo reforccedilando com
ele um projeto de orientaccedilatildeo liberal inspirado num tipo de universalismo iluminista
que invisibilizou as pautas poliacuteticas e sociais dos grupos negros e indiacutegenas O tipo
de ocupaccedilatildeo do espaccedilo territorial e a manutenccedilatildeo da fronteira eacutetnica pelos grupos
foram portanto um relevante fator de reorganizaccedilatildeo das diferenccedilas com perdas
significativas para os que jaacute se encontravam anteriormente na terra ndash principalmente
os africanos os indiacutegenas e os chamados ldquocaboclos (LEITE 200896)
Essa espeacutecie de topografia eacutetnica traduziu-se na continuidade das estrateacutegias de
expropriaccedilatildeo das terras e na forma como esse projeto se tornou hegemocircnico e se
reproduziu com sucesso ateacute os dias atuais Eacute tambeacutem possiacutevel depreender as formas
de resistecircncia daqueles que foram excluiacutedos do direito de se apropriar bem como de
titular suas terras As linhas demarcatoacuterias dos grupos para aleacutem das diferenccedilas
culturais tornaram-se formas matriciais de continuidade da hierarquizaccedilatildeo de novas
formas de exploraccedilatildeo e principalmente da perpetuaccedilatildeo das desigualdades sociais
(LEITE 2008967)
No momento histoacuterico que se iniciou com a promulgaccedilatildeo da Consttuiccedilatildeo Federal
(1988) podemos inferir que
Tais comunidades se revestem de grande atualidade no paiacutes em virtude do avanccedilo
das poliacuteticas puacuteblicas no sentido de fazer cumprir os dispositivos constitucionais do
tombamento salvaguarda e preservaccedilatildeo delas consideradas que foram pelo Artigo
216 da CF integrantes do patrimocircnio Cultural Nacional e pelo Artigo 68 dos
ADCTs como justamente merecedoras do seu reconhecimento e da atribuiccedilatildeo de
posse definitiva do seu territoacuterio por parte do Estado Nacionalrdquo (MEDEIROS In
TAMASO e LIMA Filho 2012 377)
Neste sentido podemos vislumbrar um cenaacuterio com novas possibilidades para a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para esta parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo
brasileira a populaccedilatildeo das comunidades quilombolas
Evidentemente esta situaccedilatildeo eleva questionamentos de ordem conceitual e histoacuterica
ao tratar de um tema novo as comunidades quilombolas que estatildeo espalhadas em todo o
territoacuterio nacional e tecircm como caracteriacutestica comum a pobreza e a dificuldade de acesso agraves
poliacuteticas sociais especiacuteficas para este grupo Satildeo viacutetimas constantes de Racismo Xenofobia e
outras formas de violecircncia que resultam na manutenccedilatildeo eou dificuldades de alteraccedilatildeo
positiva em relaccedilatildeo ao quadro de pobreza da maioria destas comunidades
Os quilombos no Brasil
Para uma melhor compreensatildeo da situaccedilatildeo das terras quilombolas e de outros
territoacuterios tradicionais no Brasil eacute fundamental fazer-se referecircncia agrave Lei de Concessatildeo de
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Terras de 1850 Eacute nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da
terra agravequele que possui recurso monetaacuterio para adquiri-la e legalizaacute-la cartorialmente Essa lei
tornaria ainda mais difiacutecil a inclusatildeo do negro apoacutes a Aboliccedilatildeo de 1888 realizada sem
qualquer reparaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo escravizada
A luta contemporacircnea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada
como o reconhecimento do fracasso da realidade juriacutedica estabelecida tanto pela ldquoLei de
Terrasrdquo que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de
terras quanto pela forma mesma com que se daacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo A noccedilatildeo de terra
coletiva como satildeo pensadas as terras de comunidades quilombolas contraria o modelo
baseado na propriedade privada como uacutenica forma de acesso e uso da terra o qual exclui
outros usos e relaccedilotildees com o territoacuterio como ocorre entre povos e comunidades tradicionais
Aleacutem dos quilombos constituiacutedos no periacuteodo escravocrata muitos foram formados
apoacutes a aboliccedilatildeo formal da escravatura pois essa forma de organizaccedilatildeo comunitaacuteria
continuaria a ser para muitos a uacutenica possibilidade de viver em liberdade Constituir um
quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivecircncia posto que a Lei Aacuteurea diferentemente
do propugnado pelo movimento abolicionista natildeo levou em conta mecanismos de
redistribuiccedilatildeo de terras
De um modo geral os territoacuterios quilombolas originaram-se em diferentes situaccedilotildees
tais como doaccedilotildees de terras realizadas a partir da desagregaccedilatildeo da lavoura de monoculturas
como a cana-de-accediluacutecar e o algodatildeo compra de terras pelos proacuteprios sujeitos possibilitada
pela desestruturaccedilatildeo do sistema escravista terras que foram conquistadas por meio da
prestaccedilatildeo de serviccedilos inclusive de guerra bem como aacutereas ocupadas por negros que fugiam
da escravidatildeo Haacute tambeacutem as chamadas terras de preto terras de santo ou terras de santiacutessima
que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas da doaccedilatildeo de
terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviccedilos religiosos prestados a
senhores de escravos por sacerdotes de religiotildees afro-brasileiras
Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o periacuteodo republicano e
reaparecem como resultado da accedilatildeo dos movimentos negros apenas com a Constituiccedilatildeo de
1988 como territoacuterios detentores de direitos Transcorreram portanto cerca de cem anos da
aboliccedilatildeo ateacute a aprovaccedilatildeo do Artigo 68 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias
(ADCT) o qual assegura o seguinte Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras eacute
reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
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Constituiccedilatildeo Federal que tratam do ldquoDireito agrave preservaccedilatildeo de sua proacutepria culturardquo e
tambeacutem
Do Artigo 68 do ADCT ndash Direito agrave propriedade das terras de comunidades
remanescentes de quilombos
Da Convenccedilatildeo 169 da OIT (Dec 50512004) ndash Direito agrave autodeterminaccedilatildeo de Povos e
Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 4887 de 20 de novembro de 2003 ndash Trata da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de
terras de quilombos e define as responsabilidades dos oacutergatildeos governamentais
Do Decreto nordm 6040 de 7 de fevereiro de 2007 ndash Institui a Poliacutetica Nacional de
Desenvolvimento Sustentaacutevel dos Povos e Comunidades Tradicionais
Do Decreto nordm 6261 de 20 de novembro de 2007 ndash Dispotildee sobre a gestatildeo integrada
para o desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no acircmbito do Programa Brasil
Quilombola
Da Portaria Fundaccedilatildeo Cultural Palmares nordm 98 de 26 de novembro de 2007 ndash Institui o
Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundaccedilatildeo Cultural
Palmares tambeacutem autodenominadas Terras de Preto Comunidades Negras Mocambos
Quilombos entre outras denominaccedilotildees congecircneres
Da Instruccedilatildeo Normativa INCRA nordm 57 de 20 de outubro de 2009 ndash Regulamenta o
procedimento para identificaccedilatildeo reconhecimento delimitaccedilatildeo demarcaccedilatildeo desintrusatildeo
titulaccedilatildeo e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
Entretanto devemos perceber este conceito como resultado de toda uma accedilatildeo da
Antropologia brasileira que vem se debruccedilando sobre a questatildeo das comunidades tradicionais
ao colocar que
Natildeo haacute duacutevidas de que a antropologia constitui campo consolidado e dinacircmico no
Brasil que tem obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares
de excelecircncia cientiacutefica Combinando o interesse em compreender o mundo com a
preocupaccedilatildeo em desvendar coacutedigos culturais e os interstiacutecios sociais da vida
cotidiana a pesquisa antropoloacutegica eacute extremamente relevante para desvendar
problemaacuteticas que estatildeo na ordem do dia sobre a produccedilatildeo da diferenccedila cultural e
desigualdades sociais saberes e praacuteticas tradicionais patrimocircnio cultural e inclusatildeo
social e ainda desenvolvimento econocircmico e social (BELA 201319)
Para a antropoacuteloga Ilka Boaventura Leite eacute importante entender o fenocircmeno da
invisibilidade social e poliacutetica dessas populaccedilotildees como algo construiacutedo em nossa histoacuteria foi
inculcado cultural e principalmente politicamente nas populaccedilotildees mais vulneraacuteveis na
histoacuteria de construccedilatildeo de uma naccedilatildeo com moldes europeus Nestes termos as populaccedilotildees
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afro-brasileiras foram ignoradas ao pensar a o projeto de naccedilatildeo para o Brasil A invisibilidade
gerando uma marginalizaccedilatildeo histoacuterica geograacutefica e poliacutetica Pode-se ainda pensar que
A consolidaccedilatildeo da naccedilatildeo obteve o suporte ideoloacutegico do racialismo reforccedilando com
ele um projeto de orientaccedilatildeo liberal inspirado num tipo de universalismo iluminista
que invisibilizou as pautas poliacuteticas e sociais dos grupos negros e indiacutegenas O tipo
de ocupaccedilatildeo do espaccedilo territorial e a manutenccedilatildeo da fronteira eacutetnica pelos grupos
foram portanto um relevante fator de reorganizaccedilatildeo das diferenccedilas com perdas
significativas para os que jaacute se encontravam anteriormente na terra ndash principalmente
os africanos os indiacutegenas e os chamados ldquocaboclos (LEITE 200896)
Essa espeacutecie de topografia eacutetnica traduziu-se na continuidade das estrateacutegias de
expropriaccedilatildeo das terras e na forma como esse projeto se tornou hegemocircnico e se
reproduziu com sucesso ateacute os dias atuais Eacute tambeacutem possiacutevel depreender as formas
de resistecircncia daqueles que foram excluiacutedos do direito de se apropriar bem como de
titular suas terras As linhas demarcatoacuterias dos grupos para aleacutem das diferenccedilas
culturais tornaram-se formas matriciais de continuidade da hierarquizaccedilatildeo de novas
formas de exploraccedilatildeo e principalmente da perpetuaccedilatildeo das desigualdades sociais
(LEITE 2008967)
No momento histoacuterico que se iniciou com a promulgaccedilatildeo da Consttuiccedilatildeo Federal
(1988) podemos inferir que
Tais comunidades se revestem de grande atualidade no paiacutes em virtude do avanccedilo
das poliacuteticas puacuteblicas no sentido de fazer cumprir os dispositivos constitucionais do
tombamento salvaguarda e preservaccedilatildeo delas consideradas que foram pelo Artigo
216 da CF integrantes do patrimocircnio Cultural Nacional e pelo Artigo 68 dos
ADCTs como justamente merecedoras do seu reconhecimento e da atribuiccedilatildeo de
posse definitiva do seu territoacuterio por parte do Estado Nacionalrdquo (MEDEIROS In
TAMASO e LIMA Filho 2012 377)
Neste sentido podemos vislumbrar um cenaacuterio com novas possibilidades para a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para esta parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo
brasileira a populaccedilatildeo das comunidades quilombolas
Evidentemente esta situaccedilatildeo eleva questionamentos de ordem conceitual e histoacuterica
ao tratar de um tema novo as comunidades quilombolas que estatildeo espalhadas em todo o
territoacuterio nacional e tecircm como caracteriacutestica comum a pobreza e a dificuldade de acesso agraves
poliacuteticas sociais especiacuteficas para este grupo Satildeo viacutetimas constantes de Racismo Xenofobia e
outras formas de violecircncia que resultam na manutenccedilatildeo eou dificuldades de alteraccedilatildeo
positiva em relaccedilatildeo ao quadro de pobreza da maioria destas comunidades
Os quilombos no Brasil
Para uma melhor compreensatildeo da situaccedilatildeo das terras quilombolas e de outros
territoacuterios tradicionais no Brasil eacute fundamental fazer-se referecircncia agrave Lei de Concessatildeo de
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Terras de 1850 Eacute nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da
terra agravequele que possui recurso monetaacuterio para adquiri-la e legalizaacute-la cartorialmente Essa lei
tornaria ainda mais difiacutecil a inclusatildeo do negro apoacutes a Aboliccedilatildeo de 1888 realizada sem
qualquer reparaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo escravizada
A luta contemporacircnea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada
como o reconhecimento do fracasso da realidade juriacutedica estabelecida tanto pela ldquoLei de
Terrasrdquo que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de
terras quanto pela forma mesma com que se daacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo A noccedilatildeo de terra
coletiva como satildeo pensadas as terras de comunidades quilombolas contraria o modelo
baseado na propriedade privada como uacutenica forma de acesso e uso da terra o qual exclui
outros usos e relaccedilotildees com o territoacuterio como ocorre entre povos e comunidades tradicionais
Aleacutem dos quilombos constituiacutedos no periacuteodo escravocrata muitos foram formados
apoacutes a aboliccedilatildeo formal da escravatura pois essa forma de organizaccedilatildeo comunitaacuteria
continuaria a ser para muitos a uacutenica possibilidade de viver em liberdade Constituir um
quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivecircncia posto que a Lei Aacuteurea diferentemente
do propugnado pelo movimento abolicionista natildeo levou em conta mecanismos de
redistribuiccedilatildeo de terras
De um modo geral os territoacuterios quilombolas originaram-se em diferentes situaccedilotildees
tais como doaccedilotildees de terras realizadas a partir da desagregaccedilatildeo da lavoura de monoculturas
como a cana-de-accediluacutecar e o algodatildeo compra de terras pelos proacuteprios sujeitos possibilitada
pela desestruturaccedilatildeo do sistema escravista terras que foram conquistadas por meio da
prestaccedilatildeo de serviccedilos inclusive de guerra bem como aacutereas ocupadas por negros que fugiam
da escravidatildeo Haacute tambeacutem as chamadas terras de preto terras de santo ou terras de santiacutessima
que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas da doaccedilatildeo de
terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviccedilos religiosos prestados a
senhores de escravos por sacerdotes de religiotildees afro-brasileiras
Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o periacuteodo republicano e
reaparecem como resultado da accedilatildeo dos movimentos negros apenas com a Constituiccedilatildeo de
1988 como territoacuterios detentores de direitos Transcorreram portanto cerca de cem anos da
aboliccedilatildeo ateacute a aprovaccedilatildeo do Artigo 68 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias
(ADCT) o qual assegura o seguinte Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras eacute
reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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afro-brasileiras foram ignoradas ao pensar a o projeto de naccedilatildeo para o Brasil A invisibilidade
gerando uma marginalizaccedilatildeo histoacuterica geograacutefica e poliacutetica Pode-se ainda pensar que
A consolidaccedilatildeo da naccedilatildeo obteve o suporte ideoloacutegico do racialismo reforccedilando com
ele um projeto de orientaccedilatildeo liberal inspirado num tipo de universalismo iluminista
que invisibilizou as pautas poliacuteticas e sociais dos grupos negros e indiacutegenas O tipo
de ocupaccedilatildeo do espaccedilo territorial e a manutenccedilatildeo da fronteira eacutetnica pelos grupos
foram portanto um relevante fator de reorganizaccedilatildeo das diferenccedilas com perdas
significativas para os que jaacute se encontravam anteriormente na terra ndash principalmente
os africanos os indiacutegenas e os chamados ldquocaboclos (LEITE 200896)
Essa espeacutecie de topografia eacutetnica traduziu-se na continuidade das estrateacutegias de
expropriaccedilatildeo das terras e na forma como esse projeto se tornou hegemocircnico e se
reproduziu com sucesso ateacute os dias atuais Eacute tambeacutem possiacutevel depreender as formas
de resistecircncia daqueles que foram excluiacutedos do direito de se apropriar bem como de
titular suas terras As linhas demarcatoacuterias dos grupos para aleacutem das diferenccedilas
culturais tornaram-se formas matriciais de continuidade da hierarquizaccedilatildeo de novas
formas de exploraccedilatildeo e principalmente da perpetuaccedilatildeo das desigualdades sociais
(LEITE 2008967)
No momento histoacuterico que se iniciou com a promulgaccedilatildeo da Consttuiccedilatildeo Federal
(1988) podemos inferir que
Tais comunidades se revestem de grande atualidade no paiacutes em virtude do avanccedilo
das poliacuteticas puacuteblicas no sentido de fazer cumprir os dispositivos constitucionais do
tombamento salvaguarda e preservaccedilatildeo delas consideradas que foram pelo Artigo
216 da CF integrantes do patrimocircnio Cultural Nacional e pelo Artigo 68 dos
ADCTs como justamente merecedoras do seu reconhecimento e da atribuiccedilatildeo de
posse definitiva do seu territoacuterio por parte do Estado Nacionalrdquo (MEDEIROS In
TAMASO e LIMA Filho 2012 377)
Neste sentido podemos vislumbrar um cenaacuterio com novas possibilidades para a
elaboraccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas para esta parcela consideraacutevel da populaccedilatildeo
brasileira a populaccedilatildeo das comunidades quilombolas
Evidentemente esta situaccedilatildeo eleva questionamentos de ordem conceitual e histoacuterica
ao tratar de um tema novo as comunidades quilombolas que estatildeo espalhadas em todo o
territoacuterio nacional e tecircm como caracteriacutestica comum a pobreza e a dificuldade de acesso agraves
poliacuteticas sociais especiacuteficas para este grupo Satildeo viacutetimas constantes de Racismo Xenofobia e
outras formas de violecircncia que resultam na manutenccedilatildeo eou dificuldades de alteraccedilatildeo
positiva em relaccedilatildeo ao quadro de pobreza da maioria destas comunidades
Os quilombos no Brasil
Para uma melhor compreensatildeo da situaccedilatildeo das terras quilombolas e de outros
territoacuterios tradicionais no Brasil eacute fundamental fazer-se referecircncia agrave Lei de Concessatildeo de
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Terras de 1850 Eacute nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da
terra agravequele que possui recurso monetaacuterio para adquiri-la e legalizaacute-la cartorialmente Essa lei
tornaria ainda mais difiacutecil a inclusatildeo do negro apoacutes a Aboliccedilatildeo de 1888 realizada sem
qualquer reparaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo escravizada
A luta contemporacircnea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada
como o reconhecimento do fracasso da realidade juriacutedica estabelecida tanto pela ldquoLei de
Terrasrdquo que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de
terras quanto pela forma mesma com que se daacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo A noccedilatildeo de terra
coletiva como satildeo pensadas as terras de comunidades quilombolas contraria o modelo
baseado na propriedade privada como uacutenica forma de acesso e uso da terra o qual exclui
outros usos e relaccedilotildees com o territoacuterio como ocorre entre povos e comunidades tradicionais
Aleacutem dos quilombos constituiacutedos no periacuteodo escravocrata muitos foram formados
apoacutes a aboliccedilatildeo formal da escravatura pois essa forma de organizaccedilatildeo comunitaacuteria
continuaria a ser para muitos a uacutenica possibilidade de viver em liberdade Constituir um
quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivecircncia posto que a Lei Aacuteurea diferentemente
do propugnado pelo movimento abolicionista natildeo levou em conta mecanismos de
redistribuiccedilatildeo de terras
De um modo geral os territoacuterios quilombolas originaram-se em diferentes situaccedilotildees
tais como doaccedilotildees de terras realizadas a partir da desagregaccedilatildeo da lavoura de monoculturas
como a cana-de-accediluacutecar e o algodatildeo compra de terras pelos proacuteprios sujeitos possibilitada
pela desestruturaccedilatildeo do sistema escravista terras que foram conquistadas por meio da
prestaccedilatildeo de serviccedilos inclusive de guerra bem como aacutereas ocupadas por negros que fugiam
da escravidatildeo Haacute tambeacutem as chamadas terras de preto terras de santo ou terras de santiacutessima
que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas da doaccedilatildeo de
terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviccedilos religiosos prestados a
senhores de escravos por sacerdotes de religiotildees afro-brasileiras
Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o periacuteodo republicano e
reaparecem como resultado da accedilatildeo dos movimentos negros apenas com a Constituiccedilatildeo de
1988 como territoacuterios detentores de direitos Transcorreram portanto cerca de cem anos da
aboliccedilatildeo ateacute a aprovaccedilatildeo do Artigo 68 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias
(ADCT) o qual assegura o seguinte Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras eacute
reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
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Terras de 1850 Eacute nesse momento que se vincula definitivamente a posse e a propriedade da
terra agravequele que possui recurso monetaacuterio para adquiri-la e legalizaacute-la cartorialmente Essa lei
tornaria ainda mais difiacutecil a inclusatildeo do negro apoacutes a Aboliccedilatildeo de 1888 realizada sem
qualquer reparaccedilatildeo agrave populaccedilatildeo escravizada
A luta contemporacircnea dos quilombolas por direitos territoriais pode ser interpretada
como o reconhecimento do fracasso da realidade juriacutedica estabelecida tanto pela ldquoLei de
Terrasrdquo que pretendeu moldar a sociedade brasileira na perspectiva da propriedade privada de
terras quanto pela forma mesma com que se daacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo A noccedilatildeo de terra
coletiva como satildeo pensadas as terras de comunidades quilombolas contraria o modelo
baseado na propriedade privada como uacutenica forma de acesso e uso da terra o qual exclui
outros usos e relaccedilotildees com o territoacuterio como ocorre entre povos e comunidades tradicionais
Aleacutem dos quilombos constituiacutedos no periacuteodo escravocrata muitos foram formados
apoacutes a aboliccedilatildeo formal da escravatura pois essa forma de organizaccedilatildeo comunitaacuteria
continuaria a ser para muitos a uacutenica possibilidade de viver em liberdade Constituir um
quilombo tornou-se um imperativo de sobrevivecircncia posto que a Lei Aacuteurea diferentemente
do propugnado pelo movimento abolicionista natildeo levou em conta mecanismos de
redistribuiccedilatildeo de terras
De um modo geral os territoacuterios quilombolas originaram-se em diferentes situaccedilotildees
tais como doaccedilotildees de terras realizadas a partir da desagregaccedilatildeo da lavoura de monoculturas
como a cana-de-accediluacutecar e o algodatildeo compra de terras pelos proacuteprios sujeitos possibilitada
pela desestruturaccedilatildeo do sistema escravista terras que foram conquistadas por meio da
prestaccedilatildeo de serviccedilos inclusive de guerra bem como aacutereas ocupadas por negros que fugiam
da escravidatildeo Haacute tambeacutem as chamadas terras de preto terras de santo ou terras de santiacutessima
que indicam uma territorialidade vinda de propriedades de ordens religiosas da doaccedilatildeo de
terras para santos e do recebimento de terras em troca de serviccedilos religiosos prestados a
senhores de escravos por sacerdotes de religiotildees afro-brasileiras
Os quilombos permaneceram invisibilizados durante todo o periacuteodo republicano e
reaparecem como resultado da accedilatildeo dos movimentos negros apenas com a Constituiccedilatildeo de
1988 como territoacuterios detentores de direitos Transcorreram portanto cerca de cem anos da
aboliccedilatildeo ateacute a aprovaccedilatildeo do Artigo 68 do Ato das Disposiccedilotildees Constitucionais Transitoacuterias
(ADCT) o qual assegura o seguinte Aos quilombolas que estejam ocupando suas terras eacute
reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes os tiacutetulos respectivos
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
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Tais comunidades se distinguem pela identidade eacutetnica tendo desenvolvido praacuteticas
de manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo de modos de vida caracteriacutesticos num determinado lugar Satildeo
grupos eacutetnico-raciais segundo criteacuterios de autoatribuiccedilatildeo com trajetoacuteria histoacuterica proacutepria
dotados de relaccedilotildees territoriais especiacuteficas com presunccedilatildeo de ancestralidade negra
relacionada com a resistecircncia agrave opressatildeo histoacuterica sofrida
As comunidades quilombolas localizam-se em 24 estados da federaccedilatildeo sendo a
maior parte nos estados do Maranhatildeo Bahia Paraacute Minas Gerais e Pernambuco Os uacutenicos
estados que natildeo registram ocorrecircncias dessas comunidades satildeo o Acre e Roraima aleacutem do
Distrito Federal
As populaccedilotildees afro-brasileiras na literatura do Rio Grande do Norte
A literatura que trata da questatildeo da populaccedilatildeo negra no Estado pode ser
classificada por dois momentos distintos inicialmente estudos sobre a populaccedilatildeo
escravizada e aspectos das irmandades religiosas (Cascudo Medeiros Melo e Mattos) e
mais atualmente os relatoacuterios antropoloacutegicos e textos acadecircmicos sobre comunidades
negras rurais
O folclorista e historiador Luiacutes da Cacircmara Cascudo mostra uma anaacutelise importante
sobre as diferenccedilas na condiccedilatildeo de escravo nos engenhos de cana de accediluacutecar e nas fazendas
do sertatildeo No primeiro caso era demandado um grande nuacutemero de matildeo-de-obra cujo
controle baseava-se em regras riacutegidas de separaccedilatildeo entre senhores e escravos enquanto que
no sertatildeo as relaccedilotildees entre escravo e senhor garantiam ao primeiro um espaccedilo de atuaccedilatildeo
poliacutetica e econocircmica mais definido Cascudo incita-nos com a seguinte descriccedilatildeo
Na criaccedilatildeo do gado os donos e os escravos estatildeo na mesma linha tenaz de
coragem e batalha Satildeo dois vaqueiros Vestem a mesma veacutestia de couro
Encontraram o mesmo perigo o mesmo carrascal a mesma grota o aclive suacutebito
e escabroso
Assim a fazenda de gado rude de missatildeo imediata individual criou o homem na
semelhanccedila do seu uso
Esta escola determinou no escravo uma personalidade superior e sentida Sentia-
se senhor de seu campo na sela do seu cavalo como um baratildeo guerreiro Vezes
inuacutemeras o senhor entrega a fazenda ao escravo vaqueiro e vai-se embora O
negro era senhor de vidas e de gado vendendo colhendo discutindo escolhendo
sua escala de tarefas sabendo mandar planejar arriscar vencer(BRITO
199747)
Tarciacutesio Medeiros de maneira etnocecircntrica relega aos negros no Rio Grande do
Norte pouca importacircncia como ator social Ele mostra o negro balizado em conceitos
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relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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20Pedro20de20LC3A9lispdf acesso em 25062015
httpwwwdeepaskcomgoespage=Confira-a-coleta-de-lixo-no-seu-municipio---lixo-
coletado-a-ceu-aberto-queimado-ou-enterrado acesso em 200615
Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
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ISSN 2595-1033
relacionados ao mito da democracia racial Nega o legado cultural do negro para a cultura
local Ignora por conseguinte a religiosidade a culinaacuteria o vocabulaacuterio e expressotildees
culturais como a danccedila do espontatildeo e as cantorias Com exemplo podemos ver o trato
preconceituoso que ele daacute agraves religiotildees afro-brasileiras no Rio Grande do Norte quando cita
Do negro escravo no Estado ficaram poucas tradiccedilotildees De crendices e
supersticcedilotildees das que viveram nos canaviais ficou o canjerecirc feiticcedilo a cousa-feita
mas desconhecem o padecirc Exu Xangocirc Aacuteguas de Iemanjaacute que surgiram apoacutes a
deacutecada de 1950 produtos de importaccedilatildeo made in Bahia Rio de Janeiro
Pernambuco O ambiente canavieiro facilitou a supersticcedilatildeo dessa natureza mais
acentuadamente que nas fazendas de gado com escravaria reduzida (Medeiros
973229)
Por outro lado seu texto eacute rico em informaccedilotildees etnograacuteficas ndash que muitas vezes
contradiz suas afirmaccedilotildees generalizadas ndash quando cita sobre a presenccedila negra no RN por
exemplo Eacute sua a citaccedilatildeo que diz
Evidentemente nesse iniacutecio do seacuteculo XVII com o portuguecircs chega no Rio
Grande do Norte o elemento negro A presenccedila entre noacutes tem que ser estudada
diretamente com o fenocircmeno da escravidatildeo e esta no momento de sua
permissibilidade ocorreu em 1600 quando os primeiros escravos chegaram agrave vila
de Natal (MEDEIROS 198847)
Os textos acadecircmicos iniciais no Rio Grande do Norte procuravam exaltar aspectos
que folclorizavam os aspectos culturais da vida das populaccedilotildees negras rurais ignorando
aspectos eacuteticos na conduccedilatildeo de pesquisas antropoloacutegicas envolvendo populaccedilotildees
vulneraacuteveis resultando muitas vezes em textos no qual se expotildee situaccedilotildees no miacutenimo
constrangedoras destas pessoas
Na deacutecada seguinte este olhar privilegiando o exoacutetico sobre populaccedilotildees
quilombolas no Estado do Rio Grande do Norte chegou agrave academia em forma de dissertaccedilatildeo
de um historiador da regiatildeo em um mestrado na Antropologia (Assunccedilatildeo 1994) sobre uma
comunidade quilombola Como exemplo ele cita de forma preconceituosa e racista sem o
menor constrangimento em seu trabalho Os negros do Riacho estrateacutegias de sobrevivecircncia
e identidade social duas situaccedilotildees de caraacuteter iacutentimo da comunidade a praacutetica da
religiosidade afro-ameriacutendia e a tipologia de ldquorelaccedilotildees matrimoniais natildeo convencionais
(bigamia e incesto)rdquo
Em relaccedilatildeo agrave religiosidade Assunccedilatildeo chama simplesmente de feiticcedilo todo um
conjunto de conhecimento e praacuteticas que evocam a memoacuteria do grupo na afirmaccedilatildeo de uma
identidade proacutepria a religiosidade afro-brasileira e ameriacutendia Seu texto eacute carregado de
preconceitos quando cita assim
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Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 82
ISSN 2595-1033
Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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ISSN 2595-1033
conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARRUTI Joseacute Mauriacutecio Etnicidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves
Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
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httpwwwcprmgovbrrehiatlasrgnorterelatoriosAFBE003PDF acesso em 25062015
httpadconrngovbrACERVOidemaDOCDOC000000000016668PDF acesso em
25062015
httpwww2ufersaedubrportalviewuploadssetores232TCC20-
20Pedro20de20LC3A9lispdf acesso em 25062015
httpwwwdeepaskcomgoespage=Confira-a-coleta-de-lixo-no-seu-municipio---lixo-
coletado-a-ceu-aberto-queimado-ou-enterrado acesso em 200615
Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 76
ISSN 2595-1033
Os ldquocaboclosrdquo acreditam no feiticcedilo como se fosse ldquouma coisa que numa pessoa eacute
uma coisa botadardquo Tanto os homens quanto as mulheres acreditam no feiticcedilo mas
apenas as mulheres o praticam Essa praacutetica se daacute para o mal e para o bem
(ASSUNCcedilAtildeO 199436)
No que diz respeito agraves relaccedilotildees matrimoniais Assunccedilatildeo afirma (atraveacutes das falas
dos moradores) que era comum a de um homem com vaacuterias mulheres como nesta sua
citaccedilatildeo
A uniatildeo de um homem com mais de uma mulher eacute uma praacutetica que vem desde os
tempos mais antigos
Outra questatildeo eacute que estes casamentos sempre ocorreram entre pessoas do
mesmo grupo entre membros que pertencem agraves famiacutelias existentes no grupordquo
A autora desse depoimento e sua irmatilde ldquovivemrdquo com o mesmo homem que eacute
primo em terceiro grau (ASSUNCcedilAtildeO 19944041 e 42)
E Assunccedilatildeo tambeacutem cita contrariando agrave vontade da comunidade dois casos de
uniatildeo incestuosa
Os ldquonegrosrdquo mais velhos viveram na eacutepoca e se lembram de casos como o do pai
que teve filhos com sua filha todos residindo na mesma unidade Tiveram trecircs
filhos estando vivo apenas um filho que natildeo reside no grupo Esta crianccedila foi
dada para uma outra famiacutelia externa ao grupo Houve tambeacutem o caso de um
irmatildeo que teve um filho com sua irmatilde Estes estatildeo vivos e residem no proacuteprio
grupo Mas desses casos os ldquonegrosrdquo natildeo gostam de falar (ASSUNCcedilAtildeO
199443)
Mais um dado de questionaacutevel ldquoimportacircnciardquo antropoloacutegica nos eacute ofertado ainda
por Assunccedilatildeo quando em seu afatilde de ver tudo folclorizado ateacute uma simples separaccedilatildeo eacute
colocada de forma atiacutepica
Outra situaccedilatildeo que existe desde o tempo dos antigos eacute a praacutetica de separaccedilatildeo entre
os cocircnjuges quando consideram que o casamento se esgotou Nesse caso tanto o
homem como a mulher podem se casar novamente chegando ateacute a se casar por
trecircs vezes dando-se o evento seja por motivo de morte seja por separaccedilatildeo
(ASSUNCcedilAtildeO199443)
Este texto de Luiz Assunccedilatildeo eacute exemplo de um discurso tiacutepico dos ldquobrancosrdquo do
Seridoacute Discurso este que aqui se transforma em ldquoverdade cientiacuteficardquo atraveacutes da publicaccedilatildeo
e consequentemente a exposiccedilatildeo de dramas particulares de uma comunidade negra A
consequecircncia desta atitude eacute o conhecimento deste texto por pessoas da regiatildeo e atraveacutes
dele a justificativa da exclusatildeo da comunidade em poliacuteticas sociais
Para o antropoacutelogo Joatildeo Pacheco de Oliveira que tem uma ampla experiecircncia com
populaccedilotildees tradicionais vale a observaccedilatildeo sobre a responsabilidade dos antropoacutelogos que
trabalham com estas comunidades
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 77
ISSN 2595-1033
Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 78
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 79
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 80
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 82
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
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Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 83
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partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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ARRUTI Joseacute Mauriacutecio Etnicidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves
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Brasiacutelia ABA 2012
MELO Josemir Camilo de Quilombos do Catucaacute uma heranccedila dos Palmares no
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2001
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comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil contemporacircneo In Moura
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SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos
paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador EDUFBA 2014
SUNDFELD Carlos Ari (Org) Sociedade Brasileira de Direito puacuteblico comunidades
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Devassar a intimidade dos grupos e famiacutelias revelar foacutermulas secretas ou privativas
de certos segmentos coletar indiscriminadamente peccedilas ou espeacutecies naturais satildeo
praacuteticas daninhas que natildeo podem nem devem ser atualizadas Fazer quaisquer
formas de registros natildeo estritamente individuais reproduziacuteveis mecanicamente e
passiacuteveis de apropriaccedilatildeo uso e comercializaccedilatildeo teraacute que ser objeto de uma
negociaccedilatildeo direta com os indiacutegenas precedida de lima ldquoconsulta esclarecidardquo que
rigorosamente os informes das implicaccedilotildees e dos direitos que estatildeo em jogo
(OLIVEIRA 201361)
Textos mais recentes os do Seacuteculo XXI tem uma outra versatildeo sobre a histoacuteria e a
vida dessa comunidade Como exemplo temos o texto de Joelma Tito da Silva (2009) que
dentre as inuacutemeras citaccedilotildees escolhemos algumas que revelam um olhar sobre a comunidade
isento de preconceitos e muito longe do discurso coloquial dos ldquobrancosrdquo do Seridoacute Ela nos
incita a ver a populaccedilatildeo dos Negros do Riacho sob uma perspectiva humana sem colocar
em relevo aspectos de foacuterum iacutentimo Um texto eacutetico enfim que assim cita
Em meados de 2006 os moradores do Riacho dos Angicos (pequena comunidade
rural localizada no municiacutepio de Currais NovosRN e formada por uma
populaccedilatildeo de maioria negra) passam a lidar com uma nova questatildeo o
reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos A certificaccedilatildeo pela
Fundaccedilatildeo Cultural Palmares ocorreu em um contexto de intensificaccedilatildeo das accedilotildees
do Estado em funccedilatildeo das demandas geradas a partir das poliacuteticas puacuteblicas
afirmativas que objetivam reparar as perdas sociais sofridas por comunidades
afro-brasileiras e revalorizar a cultura negra cuja populaccedilatildeo eacute identificada como
historicamente privada de direito agrave cidadania agrave terra enfim agraves condiccedilotildees baacutesicas
de sobrevivecircncia (SILVA 2009 35)
Outro aspecto particularmente importante para esse estudo eacute a introduccedilatildeo do
conceito ldquoremanescente de quilombordquo que entra na comunidade com as poliacuteticas
assistencialistas do governo do Estado No plano nacional a questatildeo quilombola aparece em
um contexto de lutas dos movimentos sociais organizados como o Movimento Negro e as
associaccedilotildees camponesas (Arruti 2006)
No caso particular do Riacho os poderes puacuteblicos foram idealizadores e gestores de
uma poliacutetica ldquoquilombolardquo Ali a praacutexis poliacutetica esteve associada ao assistencialismo puacuteblico
Ainda assim eacute interessante analisar as novas possibilidades de reafirmaccedilatildeo da identidade
eacutetnica abertas pela utilizaccedilatildeo e apropriaccedilatildeo do termo ldquoremanescente de quilombosrdquo pelos
membros da comunidade Negros do Riacho enquanto discurso de afirmaccedilatildeo de uma
identidade poliacutetica
A produccedilatildeo de uma memoacuteria acerca do passado e a legitimaccedilatildeo histoacuterica do
sentimento de pertenccedila vinculado a terra com base em laccedilos de parentesco garante
agrave comunidade do Riacho o reconhecimento oficial como quilombola pelos criteacuterios
de auto atribuiccedilatildeo presentes no Decreto nordm 4887 Na tessitura histoacuterica de
identidades entre os habitantes do Riacho a palavra ldquoquilombolardquo constitui uma
terminologia recente que nos dizeres da liacuteder Tereza Filha aparece como
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
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Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
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ldquoPirambolardquo quando ao seu lado algueacutem citou o termo Essa alteraccedilatildeo da palavra
presente na fala de Tereza acena para a emergecircncia de uma nova identificaccedilatildeo ainda
precaacuteria entre os moradores do Riacho (SILVA 200943)
Sobre o termo ldquoQuilombordquo
Em outras palavras o termo ldquoquilombordquo recente na comunidade legitima a partir
de uma nova categoria o sentimento de pertenccedila a um territoacuterio no qual vivem haacute
mais de um seacuteculo No entanto haacute resistecircncias entre os moradores do Riacho em
aderir agrave identificaccedilatildeo ldquoquilombolardquo (SILVA 200945)
Sobre ancestralidade negra como requisito de autoafirmaccedilatildeo
A ideia de quilombo pressupotildee uma ancestralidade negra que natildeo estaacute marcada
apenas na cor da pele mas estaacute entranhada na histoacuteria dos grupos Reconhecer-se
dentro dessa categoria significa ressaltar laccedilos com a escravidatildeo sempre negados
por tais comunidades como forma de defesa Isto eacute considerar-se quilombola
implica em ressignificar as maneiras de conceber o ldquoserrdquo negro e repensar a proacutepria
identidade sempre construiacuteda como o oposto do ldquoserrdquo branco Assim os grupos
precisam refazer-se a partir de uma identificaccedilatildeo continuamente estigmatizada
(SILVA 200950)
Sem pretender estender a discussatildeo que ora se apresenta entendemos este uacuteltimo
texto como uma referecircncia positiva em relaccedilatildeo ao deacutebito histoacuterico e acadecircmico para com a
populaccedilatildeo dos Negros do Riacho
De forma geral os textos que seguem apresentam este novo olhar Um olhar que vecirc o
outro apenas diferente em aspectos que lhe conferem particularidades socioculturais Uma
maneira de ver as populaccedilotildees negras rurais das comunidades quilombolas como grupos que
detecircm um saber tradicional sobre o territoacuterio (meio ambiente) que ocupam com praacuteticas de
manejo tradicional Ou seja as particularidades satildeo exemplos acumulados por experiecircncia
testados e repassados agraves geraccedilotildees que se seguem
Em relaccedilatildeo agraves questotildees quilombolas aqui discutidas o Relatoacuterio Antropoloacutegico da
Comunidade Negra Rural de Macambira realizado pelo Antropoacutelogo Edmundo Pereira no
ano de 2011 manteacutem este olhar mais socioambiental e poliacutetico e menos exoacutetico sobre a
comunidade estudada
Neste texto Pereira (2011) demonstra a rede de inter-relaccedilotildees que ligam as
comunidades negras rurais em um processo de construccedilatildeo de uma identidade proacutepria na
regiatildeo do Seridoacute Chama a atenccedilatildeo para a escolha de estabelecimento destas comunidades
geralmente em serras (dificultando o acesso de estranhos) e com uma preocupaccedilatildeo tambeacutem
em relaccedilatildeo agrave aacutegua e agrave qualidade da terra Existe uma histoacuteria seacuteria e grandiosa que deve ser
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colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
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oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
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Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 82
ISSN 2595-1033
Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 83
ISSN 2595-1033
conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARRUTI Joseacute Mauriacutecio Etnicidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves
Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
ASSUNCcedilAtildeO Luiz carvalho de Os Negros do Riaacho estrateacutegias de sobrevivecircncia e
identidade social Natal UFRN ndash CCHLA 1994 (Coleccedilatildeo Humanas LetrasCooperativa
Cultural
GODOI Emiacutelia Pietrafesa de Territorialidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio
Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
GUSMAtildeO Neusa Maria Mendes de Heranccedila quilombola negros terras e direitos In
Moura 2001
LEITE Ilka Boaventura CARDOSO Luiacutes Fernando Cardoso e MOMBELLI Raquel (Org)
Territoacuterios quilombolas reconhecimento e titulaccedilatildeo das terras Boletim informativo do
NUER Nuacutecleo de Estudos sobre Identidade e Relaccedilotildees Intereacutetnicas ndash v2 n2- Florianoacutepolis
NUERUSFC 2005
MEDEIROS Bartolomeu Tito Figuerocirca de Quando o campo eacute o quilombo etnicidade
politicas patrimoniais e processos de negociaccedilatildeo In TAMASO Izabela Maria e LIMA
FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos
Brasiacutelia ABA 2012
MELO Josemir Camilo de Quilombos do Catucaacute uma heranccedila dos Palmares no
Pernambuco oitocentista In Moura 2001
MOURA Cloacutevis (Org) Os quilombos na dinacircmica social do Brasil Maceioacute EdUFAL
2001
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 84
ISSN 2595-1033
SILVA Dimas Salustiano da Constituiccedilatildeo e diferenccedila eacutetnica o problema juriacutedico das
comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil contemporacircneo In Moura
2001
SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos
paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador EDUFBA 2014
SUNDFELD Carlos Ari (Org) Sociedade Brasileira de Direito puacuteblico comunidades
quilombolas Direito agrave terra (art 68 de ADCT) Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Cultural Palmares
MinCEditorial Abareacute 2002
TAMASO Izabela Maria e LIMA FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e
patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos Brasiacutelia ABA 2012
THEODORO Maacuterio (Org) As poliacuteticas puacuteblicas e a desigualdade racial no Brasil 120
anos apoacutes a aboliccedilatildeo Brasiacutelia IPEA 2008
Sites consultados
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240030ampsearch=rio-grande-
do-norte|afonso-bezerra|infograficos-informacoes-completas acesso em 25062015
httpwwwcprmgovbrrehiatlasrgnorterelatoriosAFBE003PDF acesso em 25062015
httpadconrngovbrACERVOidemaDOCDOC000000000016668PDF acesso em
25062015
httpwww2ufersaedubrportalviewuploadssetores232TCC20-
20Pedro20de20LC3A9lispdf acesso em 25062015
httpwwwdeepaskcomgoespage=Confira-a-coleta-de-lixo-no-seu-municipio---lixo-
coletado-a-ceu-aberto-queimado-ou-enterrado acesso em 200615
Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 79
ISSN 2595-1033
colocada agrave mostra A participaccedilatildeo das comunidades negras rurais na dinacircmica de ocupaccedilatildeo
das terras e na demografia da regiatildeo do Seridoacute deve ser incluiacuteda na histoacuteria regional
Esta primeira versatildeo ponto inicial deste trabalho abarca o periacuteodo que vai de sua
fundaccedilatildeo em meados do seacuteculo XIX atraveacutes da compra de algumas datas de terra
por um mulato alforriado (homem livre que na chatilde da Serra de Santana constituiria
numerosa famiacutelia) passando por sua descendecircncia de cujos intra e extracasamentos
se formariam os troncos velhos (as famiacutelias mais antigas tradicionais) de que os
membros atuais descendem e a partir dos quais ateacute a atualidade estes se organizam
e se pensam como um grupo eacutetnico (Weber 1999275 Barth 200027-28)
Conforme apontou o processo de pesquisa para elaboraccedilatildeo deste documento para
entender a formaccedilatildeo soacutecio histoacuterica da Comunidade e em especial as caracteriacutesticas
da negritude nela encontrada eacute mister refazer tambeacutem a formaccedilatildeo do campo
intersocietaacuterio mais amplo dentro no qual esta se desenvolveu a saber a ocupaccedilatildeo
dos sertotildees setentrionais do Seridoacute pela produccedilatildeo pastoril no caso em particular no
entorno do accedilude do Totoroacute local de fundaccedilatildeo das primeiras fazendas que levariam
a formaccedilatildeo da cidade de Currais Novos (Lima 1990) Isto natildeo soacute por conta dos
recursos teoacuterico-metodoloacutegicos utilizados para pensar algumas das situaccedilotildees sociais
(Gluckman 1987 Oliveira 1988) encontradas em Macambira e em seu entorno na
Serra de Santana mas tambeacutem pela proacutepria natureza do processo de formaccedilatildeo
soacuteciohistoacuterico da Comunidade no que pesam as relaccedilotildees que esta estabeleceu e
estabelece com as demais comunidades da Serra e a populaccedilatildeo de cidades como
Currais Novos Lagoa Nova Bodoacute e Santana dos Matos (PEREIRA 2011)
Podemos entender que a histoacuteria destas comunidades comeccedila a ser contada em um
contexto diferente do que foi anteriormente Uma histoacuteria agora contada a partir do discurso
dos moradores destas comunidades Uma nova histoacuteria para o Rio Grande do Norte
contemplando de forma honesta e eacutetica a vida e a contribuiccedilatildeo destas populaccedilotildees para o
entendimento de suas condiccedilotildees atuais
Um outro fator que merece destaque na atualidade eacute a crescente produccedilatildeo acadecircmica
sobre estas comunidades feitas pelos proacuteprios quilombolas Se antes eram comunidades
pesquisadas hoje se situam como donos e divulgadores de sua proacutepria histoacuteria (Cruz 2005
Andreia 2014 Cacircndido 2012)
As comunidades negras no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte eacute um Estado que mostra formas de apropriaccedilotildees territoriais
bastantes complexas e distintas pelos diversos grupos de negros habitantes em todo o Rio
Grande do Norte A escravidatildeo no Rio Grande do Norte foi basicamente em funccedilatildeo dos
engenhos de cana-de-accediluacutecar (proacuteximo do litoral) e da pecuaacuteria nas fazendas do sertatildeo As
comunidades negras encontradas no Rio Grande do Norte satildeo em sua grande maioria
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 80
ISSN 2595-1033
oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 81
ISSN 2595-1033
Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 82
ISSN 2595-1033
Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 83
ISSN 2595-1033
conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARRUTI Joseacute Mauriacutecio Etnicidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves
Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
ASSUNCcedilAtildeO Luiz carvalho de Os Negros do Riaacho estrateacutegias de sobrevivecircncia e
identidade social Natal UFRN ndash CCHLA 1994 (Coleccedilatildeo Humanas LetrasCooperativa
Cultural
GODOI Emiacutelia Pietrafesa de Territorialidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio
Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
GUSMAtildeO Neusa Maria Mendes de Heranccedila quilombola negros terras e direitos In
Moura 2001
LEITE Ilka Boaventura CARDOSO Luiacutes Fernando Cardoso e MOMBELLI Raquel (Org)
Territoacuterios quilombolas reconhecimento e titulaccedilatildeo das terras Boletim informativo do
NUER Nuacutecleo de Estudos sobre Identidade e Relaccedilotildees Intereacutetnicas ndash v2 n2- Florianoacutepolis
NUERUSFC 2005
MEDEIROS Bartolomeu Tito Figuerocirca de Quando o campo eacute o quilombo etnicidade
politicas patrimoniais e processos de negociaccedilatildeo In TAMASO Izabela Maria e LIMA
FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos
Brasiacutelia ABA 2012
MELO Josemir Camilo de Quilombos do Catucaacute uma heranccedila dos Palmares no
Pernambuco oitocentista In Moura 2001
MOURA Cloacutevis (Org) Os quilombos na dinacircmica social do Brasil Maceioacute EdUFAL
2001
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 84
ISSN 2595-1033
SILVA Dimas Salustiano da Constituiccedilatildeo e diferenccedila eacutetnica o problema juriacutedico das
comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil contemporacircneo In Moura
2001
SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos
paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador EDUFBA 2014
SUNDFELD Carlos Ari (Org) Sociedade Brasileira de Direito puacuteblico comunidades
quilombolas Direito agrave terra (art 68 de ADCT) Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Cultural Palmares
MinCEditorial Abareacute 2002
TAMASO Izabela Maria e LIMA FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e
patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos Brasiacutelia ABA 2012
THEODORO Maacuterio (Org) As poliacuteticas puacuteblicas e a desigualdade racial no Brasil 120
anos apoacutes a aboliccedilatildeo Brasiacutelia IPEA 2008
Sites consultados
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240030ampsearch=rio-grande-
do-norte|afonso-bezerra|infograficos-informacoes-completas acesso em 25062015
httpwwwcprmgovbrrehiatlasrgnorterelatoriosAFBE003PDF acesso em 25062015
httpadconrngovbrACERVOidemaDOCDOC000000000016668PDF acesso em
25062015
httpwww2ufersaedubrportalviewuploadssetores232TCC20-
20Pedro20de20LC3A9lispdf acesso em 25062015
httpwwwdeepaskcomgoespage=Confira-a-coleta-de-lixo-no-seu-municipio---lixo-
coletado-a-ceu-aberto-queimado-ou-enterrado acesso em 200615
Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 80
ISSN 2595-1033
oriundas desses dois processos de organizaccedilatildeo econocircmica a pecuaacuteria no Seridoacute e a cana-de-
accediluacutecar
Na regiatildeo do Semiaacuterido ou Seridoacute (ou ainda zona da caatinga) os fazendeiros natildeo
podiam sustentar muitos escravos devido aos longos periacuteodos de estiagem Os poucos que
existiam viviam como vaqueiros ou em funccedilatildeo de suas habilidades barbeiros ferreiros
muacutesicos seleiros amansadores de cavalos e burros Era comum a fuga de escravos da
regiatildeo do Brejo na Paraiacuteba para a regiatildeo do Seridoacute no Rio Grande do Norte Aqui
conseguiam facilmente trabalho nestas ocupaccedilotildees Natildeo foram poucos os casos de escravos
que ganharam glebas de terra gado e ateacute dinheiro como alforria Explica-se nas secas os
patrotildees ficavam numa situaccedilatildeo muito difiacutecil E assim muitos faliam Os escravos por sua
vez sempre tinham algum dinheiro em funccedilatildeo de seus ofiacutecios Em algumas situaccedilotildees
tinham o suficiente para emprestar Estas negociaccedilotildees (que envolviam juros) eram
organizadas sob a tutela de sua ordem religiosa Catoacutelica a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosaacuterio dos Pretos
Na regiatildeo proacutexima agrave Capital se situavam diversos engenhos em cidades vizinhas
como Macaiacuteba Satildeo Joseacute de Mipibu Cearaacute-Mirim que demandavam uma quantidade
expressiva de matildeo-de-obra escrava Estes engenhos proporcionaram vaacuterias fugas que por
sua vez originaram diversas comunidades quilombolas como Sibauacutema em Tibau do Sul
Capoeiras em MacaiacutebaBom Jesus e Coqueiros em Cearaacute-Mirim
Hoje o Estado do Rio Grande do Norte tem mais de 70 comunidades negras
identificadas Destas 28 (comunidades negras rurais) estatildeo certificadas como
remanescentes de quilombos A seguir satildeo mostrados dois mapas o primeiro com a
localizaccedilatildeo das 28 comunidades certificadas
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 81
ISSN 2595-1033
Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 82
ISSN 2595-1033
Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 83
ISSN 2595-1033
conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARRUTI Joseacute Mauriacutecio Etnicidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves
Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
ASSUNCcedilAtildeO Luiz carvalho de Os Negros do Riaacho estrateacutegias de sobrevivecircncia e
identidade social Natal UFRN ndash CCHLA 1994 (Coleccedilatildeo Humanas LetrasCooperativa
Cultural
GODOI Emiacutelia Pietrafesa de Territorialidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio
Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
GUSMAtildeO Neusa Maria Mendes de Heranccedila quilombola negros terras e direitos In
Moura 2001
LEITE Ilka Boaventura CARDOSO Luiacutes Fernando Cardoso e MOMBELLI Raquel (Org)
Territoacuterios quilombolas reconhecimento e titulaccedilatildeo das terras Boletim informativo do
NUER Nuacutecleo de Estudos sobre Identidade e Relaccedilotildees Intereacutetnicas ndash v2 n2- Florianoacutepolis
NUERUSFC 2005
MEDEIROS Bartolomeu Tito Figuerocirca de Quando o campo eacute o quilombo etnicidade
politicas patrimoniais e processos de negociaccedilatildeo In TAMASO Izabela Maria e LIMA
FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos
Brasiacutelia ABA 2012
MELO Josemir Camilo de Quilombos do Catucaacute uma heranccedila dos Palmares no
Pernambuco oitocentista In Moura 2001
MOURA Cloacutevis (Org) Os quilombos na dinacircmica social do Brasil Maceioacute EdUFAL
2001
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 84
ISSN 2595-1033
SILVA Dimas Salustiano da Constituiccedilatildeo e diferenccedila eacutetnica o problema juriacutedico das
comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil contemporacircneo In Moura
2001
SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos
paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador EDUFBA 2014
SUNDFELD Carlos Ari (Org) Sociedade Brasileira de Direito puacuteblico comunidades
quilombolas Direito agrave terra (art 68 de ADCT) Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Cultural Palmares
MinCEditorial Abareacute 2002
TAMASO Izabela Maria e LIMA FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e
patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos Brasiacutelia ABA 2012
THEODORO Maacuterio (Org) As poliacuteticas puacuteblicas e a desigualdade racial no Brasil 120
anos apoacutes a aboliccedilatildeo Brasiacutelia IPEA 2008
Sites consultados
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240030ampsearch=rio-grande-
do-norte|afonso-bezerra|infograficos-informacoes-completas acesso em 25062015
httpwwwcprmgovbrrehiatlasrgnorterelatoriosAFBE003PDF acesso em 25062015
httpadconrngovbrACERVOidemaDOCDOC000000000016668PDF acesso em
25062015
httpwww2ufersaedubrportalviewuploadssetores232TCC20-
20Pedro20de20LC3A9lispdf acesso em 25062015
httpwwwdeepaskcomgoespage=Confira-a-coleta-de-lixo-no-seu-municipio---lixo-
coletado-a-ceu-aberto-queimado-ou-enterrado acesso em 200615
Recebido em 06062019
Aprovado em 17102019
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 81
ISSN 2595-1033
Figura 1 Mapa do RN com as comunidades quilombolas certificadas
Vale ressaltar que entre as mais de 70 comunidades negras com maioria estabelecida
na zona rural algumas estatildeo situadas em aacutereas urbanas Assim chegamos ao conceito de
territoacuterios negros como locais de referecircncia negra (aspectos culturais e sociais como o
nuacutemero expressivo de casas de religiatildeo de matriz africana e ameriacutendia grupos de escolas de
samba e capoeira enfim dados que revelam uma raiacutez proacutepria da cultura negra) Ou seja
A territorialidade como processo de construccedilatildeo de um territoacuterio recobre assim ao
menos dois conteuacutedos diferentes a ligaccedilatildeo a lugares precisos resultado de um longo
investimento material e simboacutelico e que se exprime por um sistema de
representaccedilotildees de um lado e de outro lado os princiacutepios de organizaccedilatildeo ndash a
distribuiccedilatildeo e os arranjos dos lugares de morada de trabalho de celebraccedilotildees as
hierarquias sociais as relaccedilotildees com os grupos vizinhos Quando falamos na
territorialidade enquanto processo de construccedilatildeo de um territoacuterio o aspecto
processual merece destaque pois confere ao territoacuterio um caraacuteter plaacutestico isto eacute em
permanente conformaccedilatildeo natildeo se refere pois a uma construccedilatildeo definitivamente
acabada (GODOI In SANSONE e FURTADO 2014 443)
O territoacuterio eacute assim concebido como um espaccedilo dinacircmico e constantemente sendo
avaliado e manejado de acordo com as demandas que surgem para as populaccedilotildees
quilombolas
O mapa a seguir mostra os municiacutepios que tem comunidades quilombolas
identificadas (incluindo as que ainda natildeo estatildeo certificadas) E os outros territoacuterios de
referecircncia de ocupaccedilatildeo para as populaccedilotildees afro-brasileiras no Estado do Rio Grande do Norte
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 82
ISSN 2595-1033
Figura 2 Comunidades e territoacuterios negros no Rio Grande do Norte
Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 83
ISSN 2595-1033
conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARRUTI Joseacute Mauriacutecio Etnicidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves
Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
ASSUNCcedilAtildeO Luiz carvalho de Os Negros do Riaacho estrateacutegias de sobrevivecircncia e
identidade social Natal UFRN ndash CCHLA 1994 (Coleccedilatildeo Humanas LetrasCooperativa
Cultural
GODOI Emiacutelia Pietrafesa de Territorialidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio
Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
GUSMAtildeO Neusa Maria Mendes de Heranccedila quilombola negros terras e direitos In
Moura 2001
LEITE Ilka Boaventura CARDOSO Luiacutes Fernando Cardoso e MOMBELLI Raquel (Org)
Territoacuterios quilombolas reconhecimento e titulaccedilatildeo das terras Boletim informativo do
NUER Nuacutecleo de Estudos sobre Identidade e Relaccedilotildees Intereacutetnicas ndash v2 n2- Florianoacutepolis
NUERUSFC 2005
MEDEIROS Bartolomeu Tito Figuerocirca de Quando o campo eacute o quilombo etnicidade
politicas patrimoniais e processos de negociaccedilatildeo In TAMASO Izabela Maria e LIMA
FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos
Brasiacutelia ABA 2012
MELO Josemir Camilo de Quilombos do Catucaacute uma heranccedila dos Palmares no
Pernambuco oitocentista In Moura 2001
MOURA Cloacutevis (Org) Os quilombos na dinacircmica social do Brasil Maceioacute EdUFAL
2001
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 84
ISSN 2595-1033
SILVA Dimas Salustiano da Constituiccedilatildeo e diferenccedila eacutetnica o problema juriacutedico das
comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil contemporacircneo In Moura
2001
SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos
paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador EDUFBA 2014
SUNDFELD Carlos Ari (Org) Sociedade Brasileira de Direito puacuteblico comunidades
quilombolas Direito agrave terra (art 68 de ADCT) Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Cultural Palmares
MinCEditorial Abareacute 2002
TAMASO Izabela Maria e LIMA FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e
patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos Brasiacutelia ABA 2012
THEODORO Maacuterio (Org) As poliacuteticas puacuteblicas e a desigualdade racial no Brasil 120
anos apoacutes a aboliccedilatildeo Brasiacutelia IPEA 2008
Sites consultados
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Consideraccedilotildees finais
Pensar a questatildeo das comunidades negras rurais (quilombolas) e tambeacutem dos
territoacuterios urbanos no seacuteculo XXI remete a pensamos duas categorias presentes neste
contexto a invisibilidade social destas populaccedilotildees e a sua pouca acessibilidade agraves poliacuteticas
puacuteblicas que lhes satildeo destinadas
Por outro lado novos atores sociais surgem ampliando assim o olhar sobre este
universo A maior novidade eacute o ldquopuacuteblico-alvordquo (os quilombolas) sendo autores de sua proacutepria
histoacuteria Estes novos trabalhos revelam o olhar interno destas comunidades A vontade maior
eacute mostrar o racismo e ao mesmo tempo a capacidade de lutar e resistir destas comunidades
O momento atual exige um maior comprometimento da academia com este novo
paradigma Eacute necessaacuterio que exista um diaacutelogo permanente entre pesquisadores (externos agraves
comunidades) e as comunidades que satildeo objeto de pesquisa Um novo tempo com novos
atores e um novo olhar que seja o mais fiel possiacutevel agraves demandas destas populaccedilotildees Menos
exotismo e mais objetividade nestes textos novos
O reconhecimento das praacuteticas de manejo dos territoacuterios ocupados por populaccedilotildees
tradicionais como uma forma sistematizada de conhecimento torna este tatildeo vaacutelido quanto o
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conhecimento acadecircmico Como resultado as comunidades quilombolas passam a ser vistas a
partir de seu contexto histoacuterico poliacutetico e social como detentoras de direitos sobre o territoacuterio
onde vivem e como interagem enquanto atores sociais com outras instacircncias numa rede de
relaccedilotildees definidoras para poliacuteticas puacuteblicas inclusivas Neste sentido as comunidades
quilombolas do estado do Rio Grande do Norte buscam mais espaccedilos por visibilidade e acesso
agraves poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para estas populaccedilotildees
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARRUTI Joseacute Mauriacutecio Etnicidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves
Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
ASSUNCcedilAtildeO Luiz carvalho de Os Negros do Riaacho estrateacutegias de sobrevivecircncia e
identidade social Natal UFRN ndash CCHLA 1994 (Coleccedilatildeo Humanas LetrasCooperativa
Cultural
GODOI Emiacutelia Pietrafesa de Territorialidade In SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio
Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador
EDUFBA 2014
GUSMAtildeO Neusa Maria Mendes de Heranccedila quilombola negros terras e direitos In
Moura 2001
LEITE Ilka Boaventura CARDOSO Luiacutes Fernando Cardoso e MOMBELLI Raquel (Org)
Territoacuterios quilombolas reconhecimento e titulaccedilatildeo das terras Boletim informativo do
NUER Nuacutecleo de Estudos sobre Identidade e Relaccedilotildees Intereacutetnicas ndash v2 n2- Florianoacutepolis
NUERUSFC 2005
MEDEIROS Bartolomeu Tito Figuerocirca de Quando o campo eacute o quilombo etnicidade
politicas patrimoniais e processos de negociaccedilatildeo In TAMASO Izabela Maria e LIMA
FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos
Brasiacutelia ABA 2012
MELO Josemir Camilo de Quilombos do Catucaacute uma heranccedila dos Palmares no
Pernambuco oitocentista In Moura 2001
MOURA Cloacutevis (Org) Os quilombos na dinacircmica social do Brasil Maceioacute EdUFAL
2001
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ISSN 2595-1033
SILVA Dimas Salustiano da Constituiccedilatildeo e diferenccedila eacutetnica o problema juriacutedico das
comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil contemporacircneo In Moura
2001
SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos
paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador EDUFBA 2014
SUNDFELD Carlos Ari (Org) Sociedade Brasileira de Direito puacuteblico comunidades
quilombolas Direito agrave terra (art 68 de ADCT) Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Cultural Palmares
MinCEditorial Abareacute 2002
TAMASO Izabela Maria e LIMA FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e
patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos Brasiacutelia ABA 2012
THEODORO Maacuterio (Org) As poliacuteticas puacuteblicas e a desigualdade racial no Brasil 120
anos apoacutes a aboliccedilatildeo Brasiacutelia IPEA 2008
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politicas patrimoniais e processos de negociaccedilatildeo In TAMASO Izabela Maria e LIMA
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Brasiacutelia ABA 2012
MELO Josemir Camilo de Quilombos do Catucaacute uma heranccedila dos Palmares no
Pernambuco oitocentista In Moura 2001
MOURA Cloacutevis (Org) Os quilombos na dinacircmica social do Brasil Maceioacute EdUFAL
2001
Kwanissa Satildeo Luiacutes n 5 p 65-84 janjun 2020 84
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SILVA Dimas Salustiano da Constituiccedilatildeo e diferenccedila eacutetnica o problema juriacutedico das
comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil contemporacircneo In Moura
2001
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paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador EDUFBA 2014
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quilombolas Direito agrave terra (art 68 de ADCT) Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Cultural Palmares
MinCEditorial Abareacute 2002
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patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos Brasiacutelia ABA 2012
THEODORO Maacuterio (Org) As poliacuteticas puacuteblicas e a desigualdade racial no Brasil 120
anos apoacutes a aboliccedilatildeo Brasiacutelia IPEA 2008
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SILVA Dimas Salustiano da Constituiccedilatildeo e diferenccedila eacutetnica o problema juriacutedico das
comunidades negras remanescentes de quilombos no Brasil contemporacircneo In Moura
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SANSONE Liacutevio e FURTADO Claacuteudio Alves Dicionaacuterio criacutetico das ciecircncias sociais dos
paiacuteses de fala oficial portuguesa Salvador EDUFBA 2014
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quilombolas Direito agrave terra (art 68 de ADCT) Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Cultural Palmares
MinCEditorial Abareacute 2002
TAMASO Izabela Maria e LIMA FILHO Manuel Ferreira (Orgs) Antropologia e
patrimocircnio cultural trajetoacuterias e conceitos Brasiacutelia ABA 2012
THEODORO Maacuterio (Org) As poliacuteticas puacuteblicas e a desigualdade racial no Brasil 120
anos apoacutes a aboliccedilatildeo Brasiacutelia IPEA 2008
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