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DIREITO À SEGURANÇA Robson Sávio Reis Souza - Pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG e do Núcleo de Direitos Humanos da PUC Minas. A violência no Brasil e, em especial, a criminalidade violenta, cresceu assustadoramente nos últimos anos, chegando a níveis inaceitáveis. A (in)segurança pública passou a se constituir um grande obstáculo ao exercício dos direitos de cidadania, principalmente nas grandes metrópoles brasileiras. Com medo da violência urbana e não confiando nas instituições do poder público encarregadas na implementação e execução das políticas de segurança, percebe-se uma evidente diminuição da coesão social, o que implica, entre outros problemas, na diminuição do acesso dos cidadãos aos espaços públicos; na criminalização da pobreza (à medida que se estigmatiza os moradores dos aglomerados urbanos das grandes cidades como os responsáveis pela criminalidade e violência); na desconfiança generalizada entre as pessoas, provocando a corrosão dos laços de reciprocidade e solidariedade social; na ampliação de um mercado paralelo de segurança privada, que privilegia os abastados em detrimento da maioria dos cidadãos, dentre outros dilemas sociais. Portanto, pensar numa política pública de segurança que seja inclusiva e eficiente, tendo em vista o exercício pleno da cidadania, significa atender à maioria da população que, refém da criminalidade e sem recursos para mobilizar esquemas de segurança particular, necessita da ação do Estado. Para responder ao recrudescimento da criminalidade presenciamos uma série de medidas reativas. Em sua quase totalidade, essas medidas enfatizam o aumento do poder punitivo do Estado, simplificando, sem resolver, e, ao mesmo tempo, restringindo as noções de direitos e de cidadania. Um bom exemplo desse tipo de ação desproporcional do aparato repressivo é a estratégia utilizada pelas polícias do Rio de Janeiro de ocupar as favelas usando, em muitos casos, exclusivamente a força policial. Os resultados se concretizam em inúmeros danos para a comunidade e para o poder público, como por exemplo, o inaceitável aumento da letalidade da ação policial. Assim, os custos econômicos e sociais desse tipo de operação dificilmente serão compensados. O argumento de melhorar as condições objetivas da segurança pública nesses locais, no futuro, em detrimento da segurança e do bem-estar dos próprios moradores, no presente, é questionável. Primeiramente, porque o poder público não tem efetivas garantias do êxito de suas ações (nem no presente, muito menos no futuro); segundo, porque geralmente a estratégia adotada nesse tipo de ação é altamente belicosa, tendo em vista o aniquilamento, a qualquer custo, do inimigo e, assim sendo, o nível de vitimização de inocentes é extremamente alto – ademais, o Estado não existe para matar, nem mesmo o maior dos criminosos; e mais, todos os estudos demonstram que políticas de segurança pública eficientes dependem de ações permanentes, envolvendo a participação efetiva da sociedade civil – que deve ser parceira e não simplesmente objeto da ação – e, finalmente, porque os fins (por melhores que sejam) nunca devem justificar os meios (principalmente quando se põe em risco a vida de milhares de pessoas inocentes). A implementação de políticas preventivas – para o incremento da inteligência e capacidade investigativa das polícias, de mecanismos de

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A relação do Direito com a Segurança Pública

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  • DIREITO SEGURANA Robson Svio Reis Souza - Pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurana Pblica da UFMG e do Ncleo de Direitos Humanos da PUC Minas. A violncia no Brasil e, em especial, a criminalidade violenta, cresceu assustadoramente nos ltimos anos, chegando a nveis inaceitveis. A (in)segurana pblica passou a se constituir um grande obstculo ao exerccio dos direitos de cidadania, principalmente nas grandes metrpoles brasileiras. Com medo da violncia urbana e no confiando nas instituies do poder pblico encarregadas na implementao e execuo das polticas de segurana, percebe-se uma evidente diminuio da coeso social, o que implica, entre outros problemas, na diminuio do acesso dos cidados aos espaos pblicos; na criminalizao da pobreza ( medida que se estigmatiza os moradores dos aglomerados urbanos das grandes cidades como os responsveis pela criminalidade e violncia); na desconfiana generalizada entre as pessoas, provocando a corroso dos laos de reciprocidade e solidariedade social; na ampliao de um mercado paralelo de segurana privada, que privilegia os abastados em detrimento da maioria dos cidados, dentre outros dilemas sociais. Portanto, pensar numa poltica pblica de segurana que seja inclusiva e eficiente, tendo em vista o exerccio pleno da cidadania, significa atender maioria da populao que, refm da criminalidade e sem recursos para mobilizar esquemas de segurana particular, necessita da ao do Estado. Para responder ao recrudescimento da criminalidade presenciamos uma srie de medidas reativas. Em sua quase totalidade, essas medidas enfatizam o aumento do poder punitivo do Estado, simplificando, sem resolver, e, ao mesmo tempo, restringindo as noes de direitos e de cidadania. Um bom exemplo desse tipo de ao desproporcional do aparato repressivo a estratgia utilizada pelas polcias do Rio de Janeiro de ocupar as favelas usando, em muitos casos, exclusivamente a fora policial. Os resultados se concretizam em inmeros danos para a comunidade e para o poder pblico, como por exemplo, o inaceitvel aumento da letalidade da ao policial. Assim, os custos econmicos e sociais desse tipo de operao dificilmente sero compensados. O argumento de melhorar as condies objetivas da segurana pblica nesses locais, no futuro, em detrimento da segurana e do bem-estar dos prprios moradores, no presente, questionvel. Primeiramente, porque o poder pblico no tem efetivas garantias do xito de suas aes (nem no presente, muito menos no futuro); segundo, porque geralmente a estratgia adotada nesse tipo de ao altamente belicosa, tendo em vista o aniquilamento, a qualquer custo, do inimigo e, assim sendo, o nvel de vitimizao de inocentes extremamente alto ademais, o Estado no existe para matar, nem mesmo o maior dos criminosos; e mais, todos os estudos demonstram que polticas de segurana pblica eficientes dependem de aes permanentes, envolvendo a participao efetiva da sociedade civil que deve ser parceira e no simplesmente objeto da ao e, finalmente, porque os fins (por melhores que sejam) nunca devem justificar os meios (principalmente quando se pe em risco a vida de milhares de pessoas inocentes). A implementao de polticas preventivas para o incremento da inteligncia e capacidade investigativa das polcias, de mecanismos de

  • controle da ao policial e de participao e aes de autogesto para a resoluo de conflitos em locais com altos ndices de criminalidade deveria se constituir como parte fundamental da agenda da maioria dos gestores da segurana pblica. A segurana dos cidados , em si mesma, uma questo que inclui os direitos e garantias fundamentais e no o limite delas. Portanto, ao tratarmos da segurana pblica como direito do cidado defendemos a centralidade das polticas sociais e o aprimoramento institucional das agncias policiais e judicirias. fundamental, portanto, repensar o lugar e as condies em que as foras de segurana se inserem na nossa sociedade. Na resposta questo do controle da violncia est em jogo o tipo de contrato existente entre a sociedade e o Estado. No podemos esperar uma soluo mgica para o problema. O fato que uma viso verdadeiramente universalista da segurana pblica permitiria antecipar-se ao conflito com a satisfao dos direitos sociais, principalmente dos grupos mais vulnerveis. Ademais, fundamental que as polticas de segurana explorem as capacidades institucionais e a consistncia entre os nveis de governo (nacional, estadual e municipal), abandonando a ingnua idia de que lideranas individuais em algum desses nveis, por si mesmas e por sua prpria autoridade, resolvero milagrosamente os problemas. Fonte: artigo originalmente publicado no Jornal Estado de Minas - Belo Horizonte - MG - Caderno: 1 Caderno - Pgina: 15 - Domingo, 13 de Julho de 2008