Upload
natanael-connor
View
8
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
entre a pregação e a visitaartigo acadêmico para integralização de créditos para nível superior de teologiacontribuição de kierkegaard para a prática do ministério cristão ordenado na IECLB
Citation preview
NATANAEL MICHAEL CONNOR
ENTRE A PREGAÇÃO E A VISITA: O MINISTÉRIO CRISTÃO A PARTIR DA CONTRIBUIÇÃO DE KIERKEGAARD
Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Teologia Evangélica em Curitiba, como requisito parcial à conclusão do Bacharelado em Teologia
Orientador: Prof.Dr. Mario Francisco Tesmann
CURITIBA2015
RESUMO
A biografia de Sören Aabye Kierkegaard é analisada assim como confrontada com
sua obra especialmente representada pelo seu escrito “As Obras do Amor”, e
reinterpretada a partir das teorias terapêuticas do psicodrama e da logoterapia para
assumirem o que pode ser aproveitado como contribuição para a prática no
ministério cristão ordenado representado nas atividades da pregação em culto
público e visitação a domicílios. Em meio a existência de frustração das expectativas
pessoais, observamos que para além até da consciência de Kierkegaard, emerge a
realização de um projeto ministerial que só poderia ser vivido por ele mesmo e que
nos inspira a encontrarmos na espontaneidade do dia-a-dia o limite entre a
frustração e a realização.
Palavras-chave: - amor; ministério Cristão; pregação; visitação; realização.
(INTRODUÇÃO)
Realização. Eis a grande busca humana que está implícita aos grandes
conflitos de nossa existência. O que cada um de nós chama de realização depende
de muitos fatores, mas para além destes há um que é apresentado no livro
“Psicoterapia e Sentido da Vida”, de Viktor E. Frankl que é o “caráter de algo único e
irrepetível”. Neste trabalho visamos justamente identificar e avaliar este caráter na
vida do escritor Soren Aabye Kierkegard, cuja extensa obra foi vanguarda no sentido
de fazer as perguntas que acabam por conduzir a afirmações como esta
preconizada por Frankl.
Outro exemplo tomado ainda de uma proposta terapêutica neste trabalho é a
do psicodrama. Nesta, a alteridade assume na prática da inversão de papéis entre
interagentes, a compreensão mais completa não apenas de cada um dos sujeitos,
como de ambos acerca da situação como um todo. O autor Jacob Lévy Moreno
destaca a problemática e a situação de Kierkegaard de um ponto de vista diferente,
avaliando-o sob a égide da interpretação psicodramática onde a validação
existencial figura para além do que a simples critica.
Como resposta a esta crítica encontramos a determinação sublime com que
“As Obras do Amor” são apresentadas. Ali a impossibilidade de vivenciar o amor
sem o suporte das obras é denunciada. Ali também é relembrado que as obras do
amor não produzem mérito, pois encontram sua motivação em Deus. Este trabalho
parte do pressuposto de que o amor não necessita de nenhuma ferramenta além da
pessoa disposta a amar, mas que quando esta disposição nos toma fazemos uso de
todas as ferramentas com a humildade que não é proveniente da necessidade, mas
da própria liberdade, do poder realizar-se através e apesar de tudo, sem a pretensão
de colecionar mérito, como diria o apóstolo Paulo: “(...) nem considero a minha vida
de valor algum para mim mesmo, se tão somente puder terminar a corrida e
completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar o evangelho
da graça de Deus.” (NVI, 2013, p. 1816)
A motivação pessoal em unir esta quantidade de elementos diferentes é obter
maior clareza para a prática ministerial partindo do existencialismo cristão e tomando
como exemplos duas aplicações práticas dos seus princípios.
3
(DESENVOLVIMENTO)
Através de método de pesquisa histórico bibliográfico desenvolve-se uma
interconexão entre a biografia do escritor dinamarquês Sören Aabye Kierkegaard, e
sua trajetória de trabalho para com as necessidades percebidas no ministério
cristão contemporâneo brasileiro. O objetivo principal é encontrar algo da essência
dos escritos de Kierkegaard que possa ser aproveitada para o exercício do
ministério cristão atual. Para isso contamos com o conjunto de discursos chamado
“As Obras do Amor”, também com o apoio de propostas posteriores que tanto
criticam quanto perfazem desdobramentos da já referida obra. Tanto na proposta
terapêutica do psicodrama, elaborada inicialmente por Jacob Lévy Moreno, quanto
aquela desenvolvida pelo criador da logoterapia, Víctor E. Frankl, percebemos
desencadeamentos práticos subseqüentes ao ponto essencial do conjunto de
perguntas acerca da validade e finalidade da existência da vida humana. Fazer
frente aos desafios do ministério Cristão contemporâneo, sem deixar de lado toda a
extensão da interioridade humana e o conjunto de atitudes que seguem o
autoconhecimento proveniente do conhecimento da graça de Deus em Cristo. Duas,
das muitas atividades que perfazem o ministério Cristão, são escolhidas para
exemplificar e tipificar o campo em que as transformações que são empreendidas na
vida daquele que recebe e assume tanto a validação quanto o sentido de sua
existência daquele que a criou. Estas atividades são a pregação em culto público,
representando o extremo de publicidade e formalidade no ministério, e a atividade
de visitação, situado no outro extremo da atividade ministerial, dado o caráter
particular, privado e íntimo que esta tende a assumir. Este trabalho expressa a
interconexão entre estes elementos, buscando tanto as melhores perguntas a serem
feitas quanto o rumo das melhores respostas a serem vivenciadas.
BIOGRAFIA DE KIERKEGAARD
Sören Aabye Kierkegaard nasceu em 1813, em Copenhague, na Dinamarca.
Filho caçula do segundo casamento de Michael Pedersen Kierkegaard, um novo
rico, descendente de camponeses, e que vivia atormentado por sentimentos de
4
culpa, pelo fato de ter amaldiçoado a Deus em sua juventude, em virtude das
agruras pelas quais havia passado. Michael Pedersen Kierkegaard, (pai do autor)
era pietista, freqüentando a comunidade dos irmãos Moravianos em Copenhague,
além de pertencer à igreja estatal dinamarquesa, e tomou sobre si muito da tarefa de
instruir seu filho caçula, além de investir em uma educação severa e voltada para a
proposta pietista que consistia de estudos bíblicos aprofundados quase diários e
uma vida extremamente disciplinada no sentido da prática dos valores bíblicos
estudados.
Kierkegaard demonstrou uma natureza polêmica, irônica e confrontativa
desde a infância, tanto em casa, quanto na escola onde estudava. Com 17 anos, foi
matriculado na universidade para estudar teologia, mas também se interessava por
literatura e filosofia. Seus professores de teologia eram geralmente de um viés
hegeliano (GOUVÊA, 2000, p 30) o que viria a atraí-lo e influenciá-lo muito. Quatro
anos depois de entrar na faculdade, Kierkegaard sofre a morte de sua mãe, e uma
séria crise de fé, em conseqüência. Ele era bastante melancólico:
(...) segui adiante na vida, com postura orgulhosa e quase obstinada. Nunca, em
nenhum momento de minha vida fui abandonado pela fé de que se pode fazer
aquilo que se quer – com uma exceção... livrar-se da melancolia em cujo poder
eu estava (...) e em meu mais íntimo ser eu era o mais miserável de todos os
homens (KIERKEGAARD apud GOUVÊA, 2000, p. 31).
Quando estava na universidade, passou a viver de maneira desregrada,
contrariando sua educação, e tornando-se uma figura popular nas ruas e cafés,
vivendo da maneira que, enquanto fim em si mesmo seria “o caminho da perdição”,
mas que mais tarde seria denominado por ele como “estágio estético” (Le Blanc, p.
33, 2003):
(...) em vão procurei uma âncora no mar sem limites do prazer assim como nas
profundezas do conhecimento; eu senti a força quase irresistível com que um
prazer estende a mão ao seguinte; eu senti o entusiasmo falso que ele é capaz
de produzir; eu também senti o tédio, o despedaçamento que segue em seus
calcanhares. Eu provei dos frutos da árvore do conhecimento, e varias vezes me
deleitei em seu sabor. Mas esta alegria foi apenas no momento do conhecimento
e não deixou marcas mais profundas em mim (...) (KIERKEGAARD apud
GOUVÊA, 2000, p. 31)5
Kierkegaard, neste tempo chega a extremos de depressão, como expresso
em uma passagem de seu diário:
Eu acabo de chegar de uma reunião em que eu fui a alma da festa, palavras
espirituosas fluíam de minha boca; todos riam, me admiravam – mas eu parti,
sim, o hífen poderia ser tão longo quanto o raio da órbita da terra (...) e desejava
dar um tiro em mim mesmo (KIERKEGAARD apud GOUVÊA, 2000, p. 31).
Ainda, uma contradição se apresentava de maneira muito intensa para
Kierkegaard em relação a seu pai, pelo fato de este permanecer em miserável
condição de culpa, mesmo vivendo em todo rigor do pietismo. Isto o fez perceber
que seu pai não conseguia acreditar no perdão divino, descoberta esta que é
intitulada como um “terremoto” para o próprio Kierkegaard, levando-o a questionar
profundamente as verdades do cristianismo. Este acontecimento o levou à seguinte
reflexão: “O que realmente preciso ter claro é o que devo fazer, não o que preciso
saber”. Entre 1836 e 1841 Kierkegaard estava elaborando o retorno ao cristianismo,
mas ainda no que ele mesmo denominaria posteriormente de “a vida ética” (ou o
estágio ético, nas “ESTAÇÕES DA ESTRADA DA VIDA”. Marcante é o fato de que
no dia 9 de maio de 1838, com registro até mesmo da hora, há em seu diário uma
experiência de intensa alegria, onde floresce o desejo de adquirir intimidade com
Cristo. Logo depois, Kierkegaard se reconcilia com seu pai, que morre em 9 de
agosto do mesmo ano, e decide se graduar em teologia, como era da vontade de
seu pai, passando a expressar profundo amor e admiração pelo mesmo (GOUVÊA,
2000, p.35).
Em 1838, com a publicação do livro “Dos papéis de alguém que ainda vive”,
Kierkegaard dá inicio a sua carreira como escritor. Dois anos mais tarde se torna
noivo de Regine Olsen e se gradua em teologia. Embora jamais tenha dado
continuidade ao processo de ordenação para além de um sermão experimental na
Holmens Kirke, a 11 de janeiro de 1841, que é entendido por ele como um fracasso
em virtude de sua timidez e de sua voz fraca (LE BLANC, 2003, p 35)
Neste mesmo ano ele trabalhava em sua dissertação “O conceito de ironia”,
recebida em julho e defendida em setembro, tratando-se de um estudo comparativo
da prática da ironia em Sócrates e nos autores românticos, e que foi entendida como
6
“um ataque irônico tanto ao Hegelianismo, quanto ao Romantismo, feitos de forma
que um sobrepujasse o outro” (GOUVÊA, 2000 p 36).
A partir daí fica cada vez mais claro o rumo da obra de Kierkegaard, no
sentido de uma crítica para a conscientização de uma sociedade que vivia um
cristianismo por ele percebido como falso em virtude da tácita e automática inclusão
na cristandade dinamarquesa, por parte da sociedade em geral, em virtude da
compreensão vigente do batismo de infantes. Este rumo inclui não somente uma
desconstrução de conceitos vigentes, mas também a elaboração de proposições
suficientemente profundas ao ponto de revelar a necessidade da tomada de uma
posição existencial frente ao cristianismo, mesmo estando a viver em um país cuja
cultura se encontrava intensamente cristianizada.
Começando sua obra pseudonímica, Kierkegaard escreve, em 1843, o livro
“Ou”, conhecido também como “A Alternativa”, o primeiro desta fase que é marcada
pela comunicação indireta. Neste mesmo ano escreve também os livros intitulados
“Reprise” (ou Repetição), e “Temor e Tremor”, seguidos de “Migalhas Filosóficas”,
“Prefácios”, “O Conceito de Angústia”, em 1844, e “Estações na Estrada da Vida”,
em 1845, e o “Post-Scriptum Não-Científico Concludente”, em 1846, que assinala o
fim desta fase de sua obra, tido por ele como o último livro que escreveria.
Concomitantemente, ele também escreveu discursos cristãos, que expressam
sua intenção de maneira clara, perfazendo assim um projeto literário: a
desconstrução sob a forma “maiêutica” da comunicação indireta e seus
pseudônimos. E ainda as proposições de seus discursos religiosos, colocados sob
sua própria autoria, e que tinham como objetivo maior a edificação cristã, embora
jamais tenha sido seu objetivo ser sistemático. Ao mesmo tempo em que busca
seduzir os leitores contemporâneos com a obra de seus pseudônimos, mostrando o
quanto havia de compromisso com a sofisticação. A atitude é justamente como que
tornar evidente: “vejam que tipo de literatura faz sucesso aqui!” ou “a sofisticação,
seja qual for a sua forma, veio a se tornar um fim em si mesma!”, enquanto que seus
discursos cristãos trazem a simplicidade do compromisso pessoal e existencial com
Cristo.
A partir de 1846, depois que ele e seu irmão conseguem vender a enorme
casa que herdaram do pai, acontecem decisões titubeantes, como a de parar de
escrever, ou assumir uma comunidade como pastor. Mas, depois de passada esta
pequena crise, Kierkegaard prossegue dando continuidade à parte da obra que diz 7
respeito a comunicação direta, isto é, seus discursos edificantes, já anteriormente
citados. Nesta seqüência ele escreve: “Discursos Construtivos em Variados Estados
de Espírito”, “As Obras do Amor”, ambos em 1847, e “Discursos Cristãos”, em 1848.
E é neste mesmo ano que Kierkegaard passa por uma experiência religiosa de
perdão, como mostra nota em seu diário: “Toda minha natureza mudou. Minha
reclusão e recolhida reserva estão rompidas – sou livre para falar. Grande Deus,
conceda-me a graça! Quinta e sexta-feira santas tornaram-se realmente dias santos
para mim” (KIERKEGAARD apud GOUVÊA, 2000, p. 40).
Neste mesmo ano, ele ainda escreve dois trabalhos, fazendo para isso uso de
seu último pseudônimo, “Anti-Climacus”: “A Doença Mortal”, e “A Prática do
Cristianismo”. Além destes, Kierkegaard continua a escrever trabalhos de autoria
própria com o nome de “Discursos para Comunhão às Sextas-feiras”, designado por
ele como último trabalho de autor e pensador cristão (GOUVÊA, 2000, p 40).
Nos seus últimos anos de vida, Kierkegaard passa a desenvolver uma atitude
cada vez mais crítica e contundente contra os excessos da Igreja Estatal, lançando
mão para isso, de livros como “Para Auto Exame” (1851), e “Julgue Você Mesmo!”
(Escrito em 1851-52, publicado postumamente em 1876). Em 1854, ele começa a
escrever artigos no jornal, e depois artigos denominados “O Momento”, onde tem
lugar suas criticas mais incisivas, e a polêmica chega ao seu máximo limite.
No dia 11 de novembro de 1855 ele morre, no Hospital Frederick. Ainda uma
última pequena citação traz o tom dos últimos instantes da vida de Kierkegaard, e
esta é a resposta quando fora perguntado se gostaria de receber a santa ceia: “Sim,
mas de um leigo (...) Então eu morro sem isto”(GOUVÊA, 2000, p 43).
RELAÇÃO COM O MINISTÉRIO CRISTÃO CONTEMPORÃNEO
Partindo deste pequeno resumo biográfico, passamos a buscar uma
contribuição para o ministério Cristão contemporâneo. O que chama muita atenção
em Kierkegaard é sua dificuldade com a prática ministerial nos moldes concebidos
em seu contexto existencial. Percebemos dois motivos que mais se destacam para
esta inadequação: por um lado, temos a forte crítica que ele faz ao sistema
assumido e praticado pela igreja da Dinamarca no século XIX, o que vem a fazer da
mesma mais um aspecto cultural da identidade do país do que uma expressão de
obediência radical à ordem de Jesus no sentido de fazer seguidores seus. Daí a 8
simples, porém radical definição do amor quando entendido por ele no sentido
cristão. Por outro lado vemos se somar a esta crítica tão forte e extensamente
elaborada e expressa, a dificuldade pessoal para engajar-se no ministério ordenado.
Kierkegaard se vê pressionado pelas circunstâncias a mudar o rumo de sua vida no
sentido de desistir de sua ordenação. A pergunta a ser feita, que mesmo sendo
especulativa, não deixa de ter sentido, é se esta desistência terá sido a melhor
opção. Desistir na primeira tentativa é uma desistência legítima? O que determinou a
timidez na tentativa de pregar rumo a ordenação? (tendo em vista que, como citado
na introdução ele se autodenominava “a alma” de uma festa da qual participara). A
resposta para esta pergunta depende do que se considerava como um bom
pregador para a época e contexto. Assim como o que significará ser um pregador
eficaz em cada situação específica. Podemos buscar referenciais em nossa própria
situação, no assim chamado “mercado religioso” brasileiro. O que faz com que tais
ou quais sejam considerados “grandes pregadores” aqui. Enquanto que na
Dinamarca do século XIX reinava a necessidade de adequação ao sistema da igreja
que por sua vez precisava estar adequada a outro sistema chamado Estado da
Dinamarca. No Brasil de hoje reina a necessidade extrema de empreendedorismo
rumo à simples sobrevivência da igreja como tal, em virtude de uma desvinculação
total da igreja com o estado, o que não isenta a igreja do aparecimento de
dificuldades, de maneira que não é a liberdade em relação ao estado que evita que
a igreja venha a ter objetivos e atitudes espúrios. Imensa é a necessidade de
adaptação para que estes dois horizontes tão singulares e distantes encontrem o
denominador comum que é a existência humana sob a Palavra de Deus como a
necessidade ao mesmo tempo mais profunda e mais urgente a cada pessoa.
DIÁLOGO COM PROPOSTAS TERAPÊUTICAS
No escrito “Fundamentos do psicodrama” (nome completo Moreno, 1983, p
221ss) este autor cita a intenção e a ação de Kierkegaard e coloca-o como exemplo
da necessidade fundamentalmente humana de validação existencial. Esta não é
plenamente cumprida na vida de Kierkegaard, o que é denunciado pela fantasia por
ele concebida e registrada meses antes de sua morte. Esta dá conta de que ele
havia se tornado um pastor de igreja e que como tal passa a denunciar todas as
mazelas e pecados das pessoas que se reúnem na igreja, e isso de maneira aguda, 9
incisiva e até mesmo grosseira, causando fúria em todos os presentes, quando
então passaria a falar tranqüila e amavelmente, reconhecendo que a atitude da
“platéia” diante da denúncia evocava a situação equivalente àquelas vivenciadas por
Cristo enquanto viveu e pregou em seu assim chamado ministério terreno. Trata-se
de uma fantasia. O essencial dela é que nos mostra o quão rápida e facilmente
acontecem desvios em relação à vocação que transformaria não somente um pastor
de uma denominação cristã ou até mesmo um membro da mesma que nem chegue
a exercer liderança reconhecida, em um profeta de Deus, quando a mesma for
existencialmente abraçada. O que o autor observa é que há na vida de Kierkegaard
uma frustração, exatamente por não ter cumprido com a vocação profética em toda
a sua extensão. Por outro lado podemos observar que o simples reconhecimento
desta limitação prática já é o início do cumprimento, que se não aconteceu
diretamente na vida do autor, nem por isso invalida o legado singular deixado pelo
mesmo, que da forma como está constituído coloca diante de nós possibilidades
espirituais acompanhadas da sinceridade do autor em reconhecer sua própria
limitação, assim como a profundidade e simplicidade do evangelho em sua prática.
Até aqui vimos apenas um aspecto do ministério Cristão que é a pregação do
evangelho a partir do púlpito no templo da igreja. Vale citar aqui que não precisamos
considerar este o aspecto essencial do ministério. Contudo é o que acaba
prevalecendo na prática vigente, ainda que outras práticas surjam, elas não
substituem o modelo de pregação dominical para maiores públicos, mas sim (como
a proposta dos pequenos grupos), quer se somar a ela. O outro aspecto ao qual
queremos dedicar atenção é a questão da visitação. Na prática em meu ministério,
por exemplo, o exercício de visitação foi a prática que substituiu a ideia que se
afigurou utópica do aconselhamento pastoral. É um passo para além do esperar que
venham, é escolher ir ao encontro, mas que corre também o risco de se tornar em
tarefa viciosa quando se restringe ao social/religioso e não toca o essencial da vida
no assumir e reassumir o compromisso com Deus através de Jesus, na
reconciliação que foi empreendida por Cristo, mas precisa ser aceita e encontrar
lugar em cada pessoa.
Até agora falamos da visita partindo do pressuposto de que o visitador “leva”
algo para aquele a quem visita, e isso no ministério Cristão ordenado. Acontece que
existe também a contrapartida que é o que o visitador adquire naquela experiência.
A visita possibilita ao visitador uma visão mais completa de cada uma das pessoas, 10
sendo que o contexto do lar evidencia detalhes importantes quando somados e
cruzados com as conversas que se tem, fornecendo material a mais até mesmo no
rumo da elaboração dos sermões e contribuindo para a estruturação do ministério
como um todo. Vivemos em uma época que concede cada vez mais asas à
liberdade humana. As possibilidades vem crescendo em escala exponencial.
Especialmente com a tecnologia da informação, graças a qual nos conectamos com
outras possibilidades e cujos limites vem sendo expandidos constantemente.
Se observarmos o conceito da angústia em Kierkegaard, que é definido por
ele como a vertigem das alturas da liberdade, (KIERKEGAARD apud FRANKL 1973,
p279), o quanto não cresce então a possibilidade para a angústia tendo este pano
de fundo, se considerarmos que quanto maior o número de possibilidades, mais
próximos estaremos da angústia, caso não tenhamos uma direção claramente
definida a seguir. Mas caso contrário, se tivermos um norte seguro, pouco importa
se as possibilidades aumentam em número ou mesmo em força diante de nós, não
seremos paralisados pela indecisão da angústia. O realismo de que só poderemos
viver uma experiência de cada vez se afigurará como mais atrativo do que as
sedutoras possibilidades que contrariam o engajamento cristão. A questão do
sentido da vida humana continua sendo a mais crucial. Enquanto não acontece o
debater-se com ele tal como Jacó com o anjo do Senhor no vau do Jaboque (NVI,
2013, p. 56), enquanto não somos feridos por este mensageiro, enquanto não
decidimos sacrificar todas as outras possibilidades em prol de uma só que é a de
Cristo, nossa vida não encontrará paz. Seja como ministros ordenados, seja como
quaisquer outros cristãos, a necessidade é de travarmos uma luta tão séria e
profunda com o motivo de nossa existência que venhamos a nos decidir claramente
se seremos opositores ou profetas do Senhor. Jacó responde a pergunta acerca do
seu nome com a resposta mais óbvia, porém que encerrava a confissão de que a
ênfase essencial de sua vida não era a mais digna de ser citada. Ao final do
encontro há uma mudança, expressa na troca de nome, que revela a clareza da
vocação, onde o enganar dá lugar ao lutar. Desta mesma forma é entendida a
condição de “militância” do cristianismo (KIERKEGAARD, 1847 p 225). A grande luta
em direção ao amor. O amor cristão para Kierkegaard jamais poderá ser entendido
como outra coisa do que o dever deixado por Deus ao homem, do qual depende sua
realização plena. Contrariando o que ele entendeu e escolheu em sua situação
específica, cremos que a vivência do ministério cristão é uma das maneiras pelas 11
quais a realização espiritual do homem pode se dar. Não é a única, também não
cremos que nem mesmo a mais elevada. É uma entre tantas, nas quais o que
importa não é o que se faz, mas porque se faz. Dever imputado por Deus, este é o
tipo de amor do qual Kierkegaard fala em seus discursos. Ao contrário do amor
espontâneo, classificado como paixão, que tem no seu objeto a sua motivação, e
que se encontra fadado ao desencanto, o amor motivado por Deus tem assegurada
sua eternidade em conseqüência de não depender do objeto.
CONSIDERAÇÕES FINAISEncontramos contribuições para o ministério cristão no sentido do
aprofundamento do conceito da realização humana, observando os desdobramentos
do legado de Kierkegaard sob dois enfoques principais, que são o da obra do
escritor no que se refere ao conjunto de escritos mais representativo por apresentar
a vivência cristã na forma das obras que o amor de Deus em Cristo Jesus produz a
partir de cada vida que a ele se rende. Outro enfoque é o representado pela
experiência prática concebida na própria vida do autor, com suas relutâncias, crises
e escolhas. A estes desdobramentos relacionamos as propostas terapêuticas do
psicodrama que traz consigo a necessidade de validação do que se faz com o
endosso da espontaneidade, a ser testada na situação da entrega do sermão com a
pregação do evangelho em culto público, assim como na interação particular em
situação de visitação nos lares (não necessariamente apenas nos lares dos
membros da comunidade, pensando em termos da pluralidade religiosa no Brasil).
Refletimos acerca dos limites do ministério, cuja realização máxima se afigura na
função do profeta.
A vida de Kierkegaard foi a busca dessa realização, o que pudemos observar
no escrito “As Obras do Amor”, onde tudo aponta e encaminha para o ir além, o ter
as motivações mais puras do que as humanamente produzidas. Kierkegaard jamais
aceitou a simples função de ensinar ou pregar no sentido que era corrente em sua
época e lugar, e por isso não teve paz para assumir o ministério ordenado. Já por
outra parte e justamente em conseqüência desta escolha nos deixa um legado que
tem um projeto e uma trajetória humanamente inexplicáveis.
REFERÊNCIAS
12
BÍBLIA. Bíblia de Estudo Arqueológica. Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2013.
FRANKL, Viktor E. Psicoterapia e Sentido da Vida. São Paulo, Quadrante, 1973
GOUVÊA, Ricardo Q. Paixão pelo paradoxo: uma introdução à Kierkegaard. 1ª ed. São paulo: Novo Século, 2000.
KIERKEGAARD, Sören A. Ponto de Vista Explicativo da Minha Obra como Escritor. Lisboa –Portugal: Edições 70, 1986.
KIERKEGAARD, Sören A. As obras do amor: algumas considerações cristãs em forma de discursos Petrópolis: Vozes, 2005.
LE BLANC, Charles Kierkegaard – Charles Le Blanc. São Paulo:Estação Liberdade, 2003. - (Figuras do Saber) MORENO, Jacob Lévy Fundamentos do Psicodrama. São Paulo: Summus, 1983
13