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Artigo Original ESTUDO DA VARIABILIDADE DO TESTE DA MARCHA EM PACIENTES COM CLAUDICAÇÃO INTERMITENTE. Elce Oliveira de Araujo* Franklin Pinto Fonseca** Cada um de 10 pacientes com doença arterial oclusiva de MMII e claudicação intermitente foi submetido a 10 testes da marcha, em corredor demarcado, em dias diferentes e próximos, perfazendo um total de 100 testes. A velocidade, nos testes, foi mantida constante para cada paciente e apre- sentou média dos coeficientes de variação de apenas 1,5%. Em todos os pacientes os dados da história clínica foram diferentes dos obtidos nos testes em relação à distância de início da dor. Dois pacientes foram excluídos do estudo. Avalia- mos a distância do início da dor (10), do início da claudicação (lC), a distância máxima (OM) e o tempo de recuperação (TR) e as médias dos coeficientes de variação (CV) foram: 14,7%; 12,1%; 14,1% e 23,1 % (CV = Desvio Padrão/Média. 100%). Em todos os testes o 10 sempre precedeu o IC O IC que é um sinal objetivo, foi o parâmetro de maior precisão (CV = 12, 1 %). O TR foi o de menor precisão pois apresentou o maior CV, 23,1%, entretanto tem significado clínico impor- tante e serve também para testar se o paciente não força uma OM maior quando submetido a vários testes. Compa- rando, em cada paciente, os resultados dos 5 primeiros testes com os 5 últimos, não encontramos diferença estatísticamen- te significativa (p < 0,05). Unitermos: Claudicação intermitente, Teste de marcha, Ate- rosclerose obliterante. Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital das Clínicas da Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte, com o auxílio do CNPq. * Fisioterapeuta graduada pela Universidade Federal de Minas Ge- rais. Bolsa de Aperfeiçoamento do CNPq. ** Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital das Clínicas da UFMG. Pesquisador do CNPq e orientador do presente trabalho junto ao CNPq. CIR. VASC o ANG. 4(1) : 17,21,1988 INTRODUÇÃO Em pacientes com oclusão arterial de membros infe- riores e claudicação intermitente é de grande valor ter- mos conhecimento exato de três espaços ou distâncias percorridas pelo paciente em velocidade constante: dis- tância em que se inicia a dor, distância em que se inicia a claudicação e distância máxima que o paciente conse- gue percorrer até que a intensidade da dor o obrigue a parar. Outro parâmetro de valor é o tempo de recupe- ração, que é o tempo decorrido do momento em que o paciente para de caminhar, após ter percorrido a dis- tância máxima, até o desaparecimento da dor. Para obtermos estes quatro parâmetros temos que sub- meter os pacientes a testes. Ao relatar sua história clínica o paciente não tem condições de informar com exatidão sobre estes quatro parâmetros e suas informações geral- mente são imprecisas, isto é, são quantativamente dife- rentes dos dados obtidos com os testes realizados em laboratórios. (12) Foram descritos na literatura vários testes, nos quais ·.foram usados a bicicleta estacionária (14) , a escada de "Master" (6), ergômetros especiais (13), a esteira ergo- métrica, (1, 9) e um corredor livre demarcado. (1, 8) Entre os vários testes descritos consideramos o teste da marcha, que pode ser realizado em corredor demar- cado ou esteira ergométrica, um dos melhores testes para avaliação dos quatro parâmetros acima descritos. Quando realizado em corredor demarcado reproduz, em laboratório, mais fielmente as condições em que os sinais e sintomas clínicos aparecem no dia a dia do paciente . Quando o teste da marcha é realizado em um mesmo paciente, em dias seguidos, os valores obtidos sofrem certa variação de teste para teste (4, 10) e o estudo desta variação é da maior importância. O objetivo do presente trabalho é realizar o teste da marcha em um grupo de pacientes com claudicação intermitente mais de 6 meses, submetendo cada paciente a uma série de 10 testes em dias diferentes e próximos, para se obter o coeficiente de variação de cada um dos quatro parâme- tros acima descritos. É também objetivo do presente trabalho tentar estabelecer o número necessário e sufi- ciente de testes da marcha, em cada paciente, para obter- se com exatidão estes parâmetros. MATERIAL E MÉTODO Realizamos o estudo em um grupo de 10 pacientes, 08 homens e 02 mulheres com idade média de 66.9 ± 6.2 anos; 06 pacientes apresentavam claudicação intermi- tente em ambos os membros inferiores e 04 em um mem- bro inferior. Todos tinham no mínimo 06 meses de evolu- ção. Pacientes com claudicação intermitente com menos de 06 meses de evolução foram excluídos do estudo. Este grupo de pacientes foi submetido a um total de 100 testes da marcha. 17

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Artigo Original

ESTUDO DA VARIABILIDADE DO TESTE DA MARCHA EM PACIENTES COM CLAUDICAÇÃO INTERMITENTE.

Elce Oliveira de Araujo* Franklin Pinto Fonseca**

Cada um de 10 pacientes com doença arterial oclusiva de MMII e claudicação intermitente foi submetido a 10 testes da marcha, em corredor demarcado, em dias diferentes e próximos, perfazendo um total de 100 testes. A velocidade, nos testes, foi mantida constante para cada paciente e apre­sentou média dos coeficientes de variação de apenas 1,5%. Em todos os pacientes os dados da história clínica foram diferentes dos obtidos nos testes em relação à distância de início da dor. Dois pacientes foram excluídos do estudo. Avalia­mos a distância do início da dor (10), do início da claudicação (lC), a distância máxima (OM) e o tempo de recuperação (TR) e as médias dos coeficientes de variação (CV) foram: 14,7%; 12,1%; 14,1% e 23,1 % (CV = Desvio Padrão/Média. 100%). Em todos os testes o 10 sempre precedeu o IC O IC que é um sinal objetivo, foi o parâmetro de maior precisão (CV = 12, 1 %). O TR foi o de menor precisão pois apresentou o maior CV, 23,1%, entretanto tem significado clínico impor­tante e serve também para testar se o paciente não força uma OM maior quando submetido a vários testes. Compa­rando, em cada paciente, os resultados dos 5 primeiros testes com os 5 últimos, não encontramos diferença estatísticamen­te significativa (p < 0,05).

Unitermos: Claudicação intermitente, Teste de marcha, Ate­rosclerose obliterante.

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital das Clínicas da Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte, com o auxílio do CNPq.

* Fisioterapeuta graduada pela Universidade Federal de Minas Ge­rais. Bolsa de Aperfeiçoamento do CNPq.

** Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital das Clínicas da UFMG. Pesquisador do CNPq e orientador do presente trabalho junto ao CNPq.

CIR. VASCo ANG. 4(1) : 17,21,1988

INTRODUÇÃO

Em pacientes com oclusão arterial de membros infe­riores e claudicação intermitente é de grande valor ter­mos conhecimento exato de três espaços ou distâncias percorridas pelo paciente em velocidade constante: dis­tância em que se inicia a dor, distância em que se inicia a claudicação e distância máxima que o paciente conse­gue percorrer até que a intensidade da dor o obrigue a parar. Outro parâmetro de valor é o tempo de recupe­ração, que é o tempo decorrido do momento em que o paciente para de caminhar, após ter percorrido a dis­tância máxima, até o desaparecimento da dor.

Para obtermos estes quatro parâmetros temos que sub­meter os pacientes a testes. Ao relatar sua história clínica o paciente não tem condições de informar com exatidão sobre estes quatro parâmetros e suas informações geral­mente são imprecisas, isto é, são quantativamente dife­rentes dos dados obtidos com os testes realizados em laboratórios. (12)

Foram descritos na literatura vários testes, nos quais ·.foram usados a bicicleta estacionária (14) , a escada de "Master" (6), ergômetros especiais (13), a esteira ergo­métrica, (1, 9) e um corredor livre demarcado. (1, 8)

Entre os vários testes descritos consideramos o teste da marcha, que pode ser realizado em corredor demar­cado ou esteira ergométrica, um dos melhores testes para avaliação dos quatro parâmetros acima descritos. Quando realizado em corredor demarcado reproduz, em laboratório, mais fielmente as condições em que os sinais e sintomas clínicos aparecem no dia a dia do paciente .

Quando o teste da marcha é realizado em um mesmo paciente, em dias seguidos, os valores obtidos sofrem certa variação de teste para teste (4, 10) e o estudo desta variação é da maior importância. O objetivo do presente trabalho é realizar o teste da marcha em um grupo de pacientes com claudicação intermitente há mais de 6 meses, submetendo cada paciente a uma série de 10 testes em dias diferentes e próximos, para se obter o coeficiente de variação de cada um dos quatro parâme­tros acima descritos. É também objetivo do presente trabalho tentar estabelecer o número necessário e sufi­ciente de testes da marcha, em cada paciente, para obter­se com exatidão estes parâmetros.

MATERIAL E MÉTODO

Realizamos o estudo em um grupo de 10 pacientes, 08 homens e 02 mulheres com idade média de 66.9 ± 6.2 anos; 06 pacientes apresentavam claudicação intermi­tente em ambos os membros inferiores e 04 em um mem­bro inferior. Todos tinham no mínimo 06 meses de evolu­ção. Pacientes com claudicação intermitente com menos de 06 meses de evolução foram excluídos do estudo. Este grupo de pacientes foi submetido a um total de 100 testes da marcha.

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Elce Silveira de Araujo e cal.

Nos 16 membros que apresentavam claudicação (06 pacientes com queixa bilateral e 04 com queixa unilate­ral) encontramos em artérias femorais comuns, pulso amplo sem diminuição em todos os membros e sopro sistólico em 10; em artérias poplíteas encontramos ausên­cia de pulso em 10 membros, diminuição em 05 e pulso amplo em 01 e, em todos os membros encontramos au­sência de pulso em artérias tibiais posteriores e artérias dorsais do pé . Em todos estes membros foram avaliadas as pressões sistólicas em artéria tibial posterior e dorsal do pé com esfigmomanômetro de coluna de mercúrio com bolsa de 12 x 23 cm e com o auxílio do detector de velocidade de fluxo "Doppler" modelo 812 da "Parks Eletronics". Foram obtidos então os índices pressóricos dividindo-se a pressão encontrada nestas artérias pela pressão em artéria braquial. A avaliação angiológica clí­nica e as medidas das pressões foram sempre obtidas por um mesmo angiologista e com os mesmos equipa­mentos. Antes de fazer as medidas das pressões o pa­ciente permanecia em repouso por 15 minutos. Durante o período de realização dos testes da marcha os índices pressóricos do tornozelo também foram avaliados 10 ve­zes em cada paciente e em todos os casos permaneceram inalterados. A média dos índices encontrados no grupo foi de 0.585 ± 0.127 com amplitude de 0.363 a 0.837.

Todos os pacientes foram submetidos ao teste da mar­cha, realizados por um mesmo examinador. Para a reali­zação do teste utilizamos um cronômetro e um corredor no qual demarcamos o espaço total de 50 metros, subdivi­didos em espaços de 5 metros . Os pacientes eram solici­tados a caminhar neste corredor sempre acompanhados pelo examinador, que os instruía, sobre o ritmo. neces­sário para manter uma velocidade constante, entre 1.4 e 1.5 m/sego

Durante cada teste registramos: - A distância que o paciente pode percorrer até o

aparecimento da dor (ID). . - A distância que o paciente começa a claudicar (IC).

Tomamos como início da claudicação o ponto onde o paciente apresenta alteração na marcha na tentativa de amenizar a dor.

- A distância máxima que o paciente pode percorrer até que seja obrigado a parar por causa da dor (DM).

- O tempo de recuperação, isto é, o tempo decorrido do momento em que o paciente para de caminhar, após ter percorrido a distância máxima, até o desaparecimen­to da dor (TR) .

O teste era interrompido nos 1500 metros mesmo que os pacientes conseguissem percorrer uma distância maior, e a distância máxima considerada indeterminada. O primeiro teste realizado com cada paciente foi usado somente para familiarização com o mesmo e seus resul­tados desprezados.

O início de dor registrado no teste foi comparado com os dados colhidos na história clínica.

Cada paciente foi submetido a uma série de 10 testes em dias diferentes e próximos, com o objetivo de estudar a variabilidade de cada um dos quatro parâmetros do teste em cada paciente . No presente trabalho usamos

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Teste de Marcha na Claudicação

indistintamente os termos variabilidade ou variação (que pode ser também designada como dispersão) indicando o grau de dispersão dos escores em torno do centro da distribuição, isto é, em torno da média (7) . Calcu­lamos então para cada paciente a média de cada um dos parâmetros estudados e respectivo desvio padrão. Em seguida calculamos o coeficiente de variação. A va­riabilidade relativa pode ser comparada usando-se o coe­ficiente de variação (ou de variabilidade) que como a fórmula abaixo indica é a porcentagem do desvio padrão em relação à média. Portanto, quanto menor o coefi­ciente de variação menor a variabilidade e maior a preci­são do teste (2) . Coeficiente de variação (CV) = Desvio padrão. 100%

Meãia

Nos pacientes com queixa bilateral, para o cálculo da média dos coeficientes de variação do início da dor, consideramos o membro em que a dor ocorreu primeiro . Entretanto, nestes pacientes, sempre fizemos o registro do início da dor em ambos os membros como exempli­ficado na tabela 2.

Todos os pacientes foram submetidos a um teste ergo­métrico para avaliação da capacidade cardíaca para o esforço.

RESULTADOS

Em todos os pacientes as informações fornecidas pela história clínica foram diferentes dos dados obtidos no teste de marcha (Tabela 1).

TABELA 1: Distâncias do início da dor obtidas pela história clínica e pelo teste da marcha em 10 pacientes com claudicação intermitente há mais de 6 meses.

INÍCIO DE DOR

PACIENTES POR INFORMAÇÃO TESTE EM DO PACIENTE LABORATÓRIOS

(METROS) (METROS)

RPl 500 197 JIF 100 149.5 IFA 550 428 GPS lb 138.33 lCG * 292.5 HGM 200 115 APV * 108.7 GAS 400 515 lSG 50 272 JJR 250 100

* Pacientes que apresentam claudicação intermitente, mas não sabem informar ao relatar sua história clínica, em que distância ocorre o aparecimento da dor .

CIR. VASCo ANG. 4(1 j 17,21, 1988

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Elce Silveira de Araujo e col.

Em todos os pacientes , exceto em um , o teste ergomé­trico não evidenciou fator de risco que contra-indicasse o teste da marcha proposto no presente trabalho . Um dos pacientes, R.P.J., 67 anos, apresentou, no teste ergo­métrico, taquiarritmia supraventricular paroxística, com pouca repercussão hemodinâmica, sem dispnéia, precor­dialgia ou sudorese . Foi internado , convertendo a arrit­mia ao ritmo sinusal com o uso de digital. Posterior­mente , após ter sido digitalizado foi submetido aos testes da . marcha e os episódios de taquiarritmia não se repe­tiram.

Um exemplo dos parâmetros obtidos em um paciente em 10 testes da marcha efetuados em 10 dias diferentes é dado na tabela 2.

TABELA 2: Testes da marcha realizados de 19/09/84 a 24/10/84 em H.G.M. S9 anos portador de c1uadicação intermitente dos membros inferiores por arterosclerose obliterante.

DATA ID (miO ) ID (miE) IC DM T R TM V (m) (m) (m) (m) (,) (s) (mls)

19109184 97 97 115 135 125 94 1.44 28109184 94 115 140 160 95 1.47 01110184 125 125 143 167 175 11 5 IA5 03110184 117 11 7 135 150 160 106 IA2 05110184 125 125 155 175 140 120 1.46 08110184 125 125 150 165 167 11 2 1.42 11110184 97 97 142 245 100 1.42 15110184 120 120 135 160 155 110 1.45 17/10/84 125 125 145 160 150 110 1.45 24/ 10/84 125 125 130 145 210 99 1.46 X ~ DP 11 5 :!: 13.41 117 ::!: 11.20 138 ± 12.63 153.9 ± 13.34 168 + 34.95 1.44 + 0.02

CV(% ) 11.7 9.7 9. 1 8.7 20.7 IAO

10 (miO) . Início de dor no membro inferior direito, em metros (m} ID (miE) . Início de dor no membro inferior esquerdo, em metros (m) IC - Início de claudicação em metros (m) DM - Distãncia maxima percorrida em metros (m) TM - Tempo de marcha em segundos (s) TR - Tempo de recuperação em segundos (s) V - Velocidade em metros por segundos (m/s) CV - Coeficiente de variação (CV = DP/X.l00%)

Dois pacientes tiveram dificuldade de realizar os testes na velocidade programada IA a 1.5 m/seg e os mesmos foram feitos em velocidade menor, -adaptada às condi­ções dos pacientes (1.35 ± 0.3 m/seg e 1.32 ± 0.02 m/seg). Os outros pacientes caminharam com veloci­dades que variaram de 1.42 ± 0.03 m/seg a 1.52 ± 0.02 m/sego A média dos coeficientes de variação da velocidade que os pacientes caminharam durante os tes­tes foi de 1,5%.

Para o cálculo da média dos coeficientes de variação dos quatro parâmetros em estudo os dados de dois pa­cientes não foram considerados. Um destes pacientes, J .J. R ., mostrou desatenção e falta de cooperação du­rante os testes. Houve dias em que ll:Jstrou-se muito impaciente interrompendo precocemente o teste para chegar mais cedo em casa. Este paciente chegou a apre­sentar um coeficiente de variação acima de 40% para a distância máxima percorrida . No outro paciente J .S.G . observamos uma diferença considerável entre os 06 pri­meiros testes realizados e os 04 últimos. O paciente rela­tou ter alterado seus hábitos de marcha logo que iniciou

CIR. VASCo ANG. 4(1) : 17. 21. 1988

Teste de Marcha na Claudicação

as avaliações . Começou a se exercitar fazendo cami­nhadas em casa e na rua. A maior variação neste caso foi atribuída ao efeito de treinamento durante o período em que os testes estavam sendo realizados.

TABELA 3: Médias e respectivos desvios padrão da distância do início da dor no membro inferior direito (ID miO), no membro inferior esquerdo (ID miE), distância do início de claudi­cação (IC) e distância máxima (DM) expressas em metros (m), e do tempo de recuperação (TR) expresso em segundos (s).

PACI E NTES IDmiD IDmiE IC DM TR

RPl 197 .lJ ~ 29.65 22 1.00 ± 30.17 308.50 ~74.80 JlF 165 .5 ± 22.42 149.50 ::t34.52 308.50 ± 45 .77 609.00 ~ 72A9 IFA 431.3 ± 118.25 428. 13 ±75.60 649.00 ~ 147.54 750.00±97. 18 151 .90 ~36.54 GPS 138.33 ± 17.14 166. 11 ± 18.16 215.56 ~18 . 45 519.56 ~52 . 27

l CG 270.83 ~ 14.27 284.50 ~ 8.57 353.50 ~68.80 206.30 ~67.55 HGM 115.0 ± 13.41 11 7. 1O ± 11.20 138.50 ± 12.63 1 53 . 90~ 1 3.34 168.70 ±34.95 APV 108 .7 ~ 26.04 1 09 .70 ~17.69 140.56 ~ 21.42 184.70 ~23.96 273.50 ~76.16 GAS 515.00 ± 42.95 53l.00 ± 40.06 INDETERMINADA

Apresentamos na tabela 3 a média (X) e o desvio padrão (DP) da distância dó início da do r, da distância do início de claudicação e da distância máxima percorrida expressas em metros e do tempo de recuperação em segundos. Em um caso G .A .S., a distância máxima de percurso foi considerada indeterminada porque o pacien­te, que apresentou início de dor no membro inferior esquerdo (miE) com 515 ±: 42.95 metros , início de clat:­di cação com 531 ± 40.06 metros , e com 1000 metros diminuição da intensidade da dor, chegou a caminhar 1500 metros sem necessidade de parar e o teste então foi interrompido neste momento. Como neste paciente não registramos a distância máxima real também não poderíamos registrar o tempo de recuperação que defini­mos, no presente trabalho, como o tempo decorrido do momento que o paciente para de caminhar , após ter percorrido a distância máxima , até o desaparecimen­to da dor. Nos dois casos iniciais, R .P .J. e J.I.F ., o tempo de recuperação não foi registrado.

Na tabela 4 apresentamos a média dos coeficientes de variação de cada parâmetro estudado. Encontramos

TABELA 4: Coeficiente de variação (DP/X. 100%) da distãncia do início da dor (ID), da distância de início de claudicação (IC), da distância maxima percorrida (DM) e do tempo de recuperação (TR) expressos em porcentagem do desvio padrão em relação à média.

PACIENTES ID %

RPJ 15.1 JIF 23 .1 IFA 17.7 GPS 1204 JCG 5.3 HGM 11.7 APV 23.9 GAS 8.3

MÉDIA 14.7

IC %

13.7 14.8 22.7 10.9 3.0 9.1

15.2 7 .5

12.1

DM %

24.2 11.9 12.9 8.6

19.5 8.7

12.9

14.1

TR %

24.1 10.1 32.7 20.7 27.9

23.1

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Elce Silveira de Araujo e cal.

um coeficiente de variação médio igual a 14.7% para a distância do ipício da dor, 12.1 % para a distância do início de claudicação, 14.1% para a distância máxima percorrida e 23.1 % para o tempo de recuperação .

Em oito pacientes fizemos um estudo comparando o resultado entre os cinco primeiros testes realizados e os cinco últimos e não encontramos diferença signifi­cativa entre eles, todos apresentaram p < 0.05.

DISCUSSÃO

Siggaard-Andersen e Petersen (12) verificaram que as distâncias de marcha informadas pelos pacientes na história clínica (que estes autores chamam de distância subjetiva) são diferentes dos dados obtidos com testes realizados em laboratório. No presente trabalho também verificamos que o ID relatado pelos pacientes na história clínica é diferente do ID obtido com os testes (Tabela 1) . Isto ocorre porque em sua experiência subjetiva o paciente não mede a velocidade de marcha, não mantém o ritmo de marcha constante e não avalia com precisão as distâncias percorridas . Surgem também outras variá­veis intervenientes como o tipo de terreno, terreno em aclive ou declive e a motivação do paciente. A infor­mação do paciente pode ser tomada apenas como um dado qualitativo e não -pode ser usada como um dado quantitativo.

Durante a realização dos testes procuramos sempre manter a velocidade constante e obtivemos um coefi­ciente médio de variação de apenas 1.5%, o que indica granae precisão. Para manter a velocidade constante nos testes, Lorentsen (8) fazia com que os pacientes dessem passos de 75 centímetros, seguindo linhas marca­das no chão no ritmo fornecido por um metrônomo. Não faz, entretanto, referência ao coeficiente de varia­ção da velocidade pré-determinada fazendo com que os pacientes simplesmente acompanhassem o examina­dor, que caminhava sempre com um ritmo de 120 passos por minuto. Não achamos necessário marcar o compri­mento do passo e nem o uso do metrônomo. Para manter a velocidade basta que o examinador-algumas vezes du­rante o teste verifique seu ritmo contando 12 passos em 6 segundos.

Petersen (10) utilizou velocidades de 2.4, 3.6 e 4.8 km/h na realização de testes de marcha. Segundo este au tor, o teste realizado em velocidades maiores tem maior precisão , pois em velocidades menores a dor au­menta gradualmente, enquanto que em velocidades maiores a dor é provocada abuptamente fazendo com que a informação do paciente seja mais exata. Utilizamos em nosso estudo uma velocidade relativamente alta (5.04 a 5.4 km/h), acima da velocidade de marcha usual dos pacientes. Considerando a alta faixa etária que trabalha­mos , muitos pacientes não conseguem atingir esta veloci­dade e neste caso o teste é realizado em velocidades inferiores, mas sempre constante para cada paciente. O importante é que, em um mesmo paciente, as condi­ções em que se realizam os testes sejam sempre as mes­mas.

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Teste de Marcha na Claudicação

Quando o teste da marcha é realizado em um mesmo paciente em dias diferentes e próximos observamos que os valores obtidos não são absolutamente iguais. Cada um dos quatro parâmetros em estudo no teste apresenta uma variabilidade, também designada como variação ou dispersão . Se esta variação não for considerada, ficamos sujeitos a erros de avaliação . Como exemplo citamos o caso descrito na tabela 2, onde registramos os dados obtidos em 10 testes da marcha realizados em dias dife­rentes e próximos em um mesmo paciente. Analisando a DM encontramos uma média de 153.9 ± 13.34 metros . Considerando os testes realizados nos dias 19/09/84 e 05/10/84 obtivemos uma DM igual a 135 e 175 metros respectivamente . Um observador menos atento, que ti­vesse feito apenas estas duas medidas poderia ser levado a inferir que o paciente tivesse tido uma discreta melho­ra, mas estaria cometendo um erro nesta avaliação, pois a diferença entre estas duas medidas representa apenas uma variação do teste como podemos observar anali­sando todos os valores obtidos .

Os autores que pesquisam ou utilizam o teste da mar­cha avaliam a distância do início da dor e a distância máxima percorrida, mas não fazem referência ao início de claudicação. (3, 4, 5, 8, 10, 11, 12). Claudicação é o ato ou o efeito de claudicar. Claudicar, do latim "clau­dicare", significa mancar, coxear, manquejar, capengar. A dor é um sintoma subjetivo que o paciente relata ao examinador e a claudicação , em que pese ser provo­cada pela dor, não é a dor , é um sinal objetivo . O exami­nador percebe que o paciente começa a claudicar quando nota um choque de calcanhar mais acentuado no membro não acometido ou no membro menos acometido , no caso de queixa bilateral. O ID e o IC são fenômenos diferentes e ocorrem em tempos distintos . Verificamos em todos os casos, e em todos os testes que o ID sempre precedeu o IC (Tabela 3). De seis pacientes com queixa bilateral, quatro não apresentaram uma fase de claudi­cação muito evidente em alguns testes , e nestes poucos testes a distância em que ocorreu o IC foi difícil de ser avaliada. No caso exemplificado na tabela 2 podemos observar que nos dias 28/09/84 e 11/10/84 o IC não pôde ser avaliado, o que foi possível nos outros oito testes . Verificamos também que a fase de claudicação é mais difícil de ser percebida em pacientes com queixa bilate­ral. O IC foi o parâmetro que apresentou o menor coefi­ciente de variação, 12.1 % e portanto o de maior precisão (Tabela 4). Além de ser o parâmetro de maior precisão , o IC também é útil para que o examinador verifique a validade da informação do paciente sobre o ID .

Hillestad, (4) , em seu estudo , encontrou um coefi­ciente de variação de 11 .5% para a distância do início da dor (que ela chama de claudicação relativa) e de 22.3% paTa a distância máxima (que ele chama de claudi­cação absoluta). Este autor fez em cada paciente, quatro testes com intervalo de 1 mês entre um teste e outro e atribuiu a diferença entre os coeficientes de variação encontrados ao fato de que a motivação do paciente afetaria a distância máxima em maior grau do que a distância do início da dor. Em nosso estudo não encon­tramos diferença significativa entre os coeficientes de

ClR . VASCo ANG . 4(1) : 17, 21, 1988

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Elce Silveira de Araujo e co/.

variação a de 10 e OM que foram de 14.7% e 14.1% respectivamente .

O tempo de recuperação foi o parâmetro que apre­sentou o maior coeficiente de variação, 23.1 % e portanto menor precisão. Entretanto, o TR é de grande utilidade para termos uma visão completa do significado clínico da claudicação intermitente . O paciente que tenha uma OM de 200 metros e um TR de 2 minutos apresenta um significado clínico diferente de outro paciente com a mesma OM e um TR de 5 minutos. O paciente com TR maior vai demorar mais tempo para percorrer deter­minada distância , pois é obrigado a parar durante um telllPO maior . Outra utilidade do TR é quando utilizamos o teste da marcha para verificar a evolução da doença ou resultado de tratamento . Por exemplo, um paciente que foi submetido a um programa de exercícios físicos supervisionados e ao final de alguns meses é submetido ao teste da marcha , para verificar o resultado dos mes­mos, pode querer competir consigo mesmo e forçar uma OM maior, entretanto isto irá refletir em um TR também maior. O TR pode ser então utilizado para verificação da validade da OM quando mais de um teste é realizado em um mesmo paciente .

Os dados de dois pacientes não foram considerados no presente trabalho para o estudo dos coeficientes de variação. Um dos pacientes por mostrar desatenção e falta de cooperação durante os testes e apresentar um coeficiente de variação acima de 40%. Nestes casos acha­mos conveniente fazer um número maior de testes e considerar apenas os de maior valor. Este caso vem enfa­tizar que o teste da marcha tem o seu componente subje­tivo e que o seu bom resultado como método de avaliação depende do nível de entendimento e cooperação do pa­ciente .. No outro paciente encontramos uma diferença considerável entre os seis primeiros testes e os quatro últimos. Atribuimos o maior coeficiente de variação nes­te caso, ao efeito de treinamento durante o período em que os testes estavam sendo realizados. Este paciente entrou em contato com pacientes que já estavam em fase de tratamento um programa de exercícios físicos supervisionados. Apesar das recomendações iniciais este paciente começou a se exercitar fazendo caminhadas em casa. Para se evitar o defeito de treinamento recomen­damos fazer os testes em dias seguidos e reforçar a orien­tação inicial para que aos pacientes' não alterem seus hábitos de marcha durante o período de realização do.5o testes.

No presente trabalho convencionamos não registrar a OM quando esta fosse superior a 1500 metros. No grupo estudado isto ocorreu em um paciente que era capaz de andar mais de 1500 metros à velocidade de 1.52 m/sego Este paciente, que apresentava lD em 515 ±42.95 metros e IC em 531 ± 40.00 metros, após 1000 metros relatava diminuição da intensidade da dor passan­do a caminhar sem claudicar, como se estivesse " atraves­sando" a claudicação.

Fizemos em cada paciente um estudo comparando o resultado entre os 5 primeiros testes e os 5 últimos e não encontramos diferença significativa entre eles (p < 0.05) exceto no caso já descrito, em que houve um efeito de treinamento no período de testes. Baseados nestes I;esultados podemos supor que na avaliação com o teste da marcha são necessários e suficientes quatro testes para cada paciente, desde que o coeficiente de variação dos parâmetros obtidos não seja muito elevado.

CIR. VASCo ANG . 4(1) : 17,21, 1988

Teste de Marcha na Claudicação

SUMMARY

Ten patients with arterial occ/usive disease of the lower limbs and intermitent c/audication underwent, each one, ten standardized tests, over a measured and demarcated corridor lenght, in near and distinct days, performing 100 tests. The walking velocity was constant for each patient with the coeffi­cient variation mean of only 1.5%. Evaluation of the walking distance for the onset of pain from the history, was unreliable in ali patients. Two patients were exc/uded. The walking dis­tance for the onset of pain, for the onset of c/audication, the maximum walking distance and the recovery time were measured and the coefficients of variation means were: 14.7%, 12.1%, 14.1% and 23.1% respectively (Coefficient of variation = Standard deviation / Mean . 100%). The onset of pain always preceded the onset of c/audication . The onset of c/audication is a sign, an objective evidence, and was the most precise parameter (coefficent of variation = 12. 1%). The recovery time was the less precise parameter (coefficient of variation = 23. 1 %) but has important clinicai meaning and /5 also valuable in testing if the patient is not forcing a larger maximum distance. There was no statistical difference, in each patient, between the group of the five initial walking tests and the five last ones (p < 0.05).

Uniterms : Intermittent c/audication, Walking test, Atherosc/p­rosis obliterans.

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