Artigo Moacir Gadotti

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    Gesto Democrtica da Educao com Participao Popular

    no Planejamento e na Organizao da Educao Nacional

    MoacirGadotti(*)

    A gesto democrtica no s um princpio pedaggico. tambm um preceitoconstitucional. O pargrafo nico do artigo primeiro da Constituio Federal de 1988

    estabelece como clusula ptrea que todo o poder emana do povo, que o exerce por

    meio de representantes eleitos ou diretamente, consagrando uma nova ordem jurdica e

    poltica no pas com base em doispilares: a democraciarepresentativae a democracia

    participativa(direta), entendendo a participao social e popular como princpio inerente

    democracia. Em seu artigo 206, quando a Constituio Federal estabelece os princpios

    do ensino, inclui, entre eles, no Inciso VI, a gesto democrtica do ensino pblico,princpio este retomado na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 19961.

    A participao popular e a gesto democrtica fazem parte da tradio das

    chamadas pedagogias participativas, sustentando que elas incidem positivamente na

    aprendizagem. Pode-se dizer que a participao e a autonomia compem a prpria

    natureza do ato pedaggico. Formar para a participao no s formar para a

    cidadania, formar o cidado para participar, com responsabilidade, do destino de seu

    pas; a participao um pressuposto da prpria aprendizagem. O Documento-Refernciada primeira Conferncia Nacional de Educao (Conae) refere-se qualidade

    da educao, associando este tema ao da gesto democrtica. No h qualidade na

    educao sem a participao da sociedade na escola. A melhoria da qualidade da

    educao e das polticas educacionais est intrinsecamente ligada criao de espaos

    de deliberao coletiva.

    Mas, no dessa participao que tratamos aqui. Estamos nos referindo

    Participao Popular no Planejamento e na Organizao da Educao Nacional, embora

    ambas tenham muito em comum, j que a participao do educando em sua educao

    ( *) Moacir Gadotti Doutor em Cincias da Educao pela Universidade de Genebra, Doutor Honoris Causa pelaUniversidade Rural do Rio de Janeiro, Livre Docente pela Universidade Estadual de Campinas, Professor Titular da Universidade deSo Paulo, Fundador e atual Presidente de Honra do Instituto Paulo Freire. autor de diversos livros, traduzidos em vrios idiomas,entre eles: Pedagogia da prxis(1996); Histria das ideias pedaggicas(1998); Paulo Freire: Uma biobibliografa (2001); Pedagogia daTerra(2002); Perspectivas atuais da educao(2003); Os mestres de Rousseau(2004), Educar para um outro mundo possvel(2006)e Educar para a sustentabilidade (2008). Este texto foi produzido como uma colaborao para a discusso do temageralda Conae2014: O PNE na articulao do Sistema Nacional de Educao: participao popular, cooperao federativa e regime de colaborao.1 . O Artigo 205 da Constituio de 1988 determina que a educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, serpromovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccioda cidadania e sua qualificao para o trabalho. Infelizmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei n. 9394/96) no

    respeitou esse princpio de que a educao deveria ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade. A gestodemocrtica princpio caro aos educadores e que foi base-mestra do primeiro projeto de regulamentao do Sistema Nacional deEducao ficou eduzida, na Lei no. 9.394 de 1996, aos preceitos dos artigos 145 e 15, que preveem, somente, a participao dosprofissionais no projeto pedaggico, e da comunidade nos conselhos escolares, alm de uma 'progressiva' autonomia pedaggica,administrativa e de gesto financeira s escolas (CNTE, 2009:289).

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    est tambm relacionada com a participao dele no planejamento e na organizao da

    escola e do sistema de ensino: a gesto democrtica dos sistemas de ensino e das

    instituies educativas constitui uma das dimenses que possibilitam o acesso

    educao de qualidade como direito universal. A gesto democrtica como princpio da

    educao nacional, sintoniza-se com a luta pela qualidade da educao (Conae 2011.DocumentoFinal,pgina 59).

    A gesto democrtica como princpiopedaggicoe como preceitoconstitucional

    no se restringe escola. Ela impregna todos os sistemas e redes de ensino. O

    princpio constitucional da gesto democrtica tambm no se limita educao bsica:

    ela se refere a todos os nveis e modalidades de ensino.

    Ademais, preciso deixar claro que a gesto democrtica no est separada de

    uma certa concepo da educao. No tem sentido falar de gesto democrtica no

    contexto de uma educao tecnocrtica ou autoritria. Ela deve ser coerente com uma

    concepo democrtica e emancipadora da educao. Por que a escola privada rejeitou,

    em 1988, na Constituinte, a gesto democrtica? Porque, com poucas excees, o ensino

    privado no trabalha com uma concepo emancipadora da educao.

    O tema da Gesto democrtica da educao com participao popular ganha

    ainda mais relevncia hoje, no momento em que se discute a criao do Sistema

    Nacional de Educao que define a articulao e a cooperao entre os entes

    federativos. Essa lgica colaborativa s tem sentido se for cimentada pela gesto

    democrtica e tiver por finalidade a construo de uma sociedade livre, justa e solidria,

    como determina o Inciso I do artigo terceiro da Constituio Federal de 1988.

    1. Participao popular e gesto democrtica

    Comecemos pela relao e pela diferena entre Participao Social e Participao

    Popular. No Instituto Paulo Freire costumamos chamar de Participao Social aquela

    que se d nos espaos e mecanismos do controle social como nas conferncias,

    conselhos, ouvidorias etc. So os espaos e formas de organizao e atuao da

    Participao Social. assim que ela entendida como categoria e como conceito

    metodolgico e poltico pelos gestores pblicos que a promovem. Essa forma de atuao

    da sociedade civil organizada fundamental para o controle, a fiscalizao, o

    acompanhamento e a implementao das polticas pblicas, bem como para o exerccio

    do dilogo e de uma relao mais rotineira e orgnica entre os governos e a sociedade

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    civil2.

    certo que a participao social na formulao, implementao, monitoramento e

    avaliao de polticas pblicas vem sendo fortalecida, como prevista e reconhecida pela

    Constituio Cidad de 1988. Num pas com uma estrutura social injusta e tantas

    desigualdades, ela absolutamente necessria. Ela no s um instrumentodegesto:ela aprimora a democracia e qualifica as polticas pblicas. Como costuma dizer Gilberto

    Carvalho, Ministro Secretrio Geral da Presidncia, sem participao social impossvel

    transformar democracia poltica em democracia social. A igualdade formal, jurdica

    insuficiente, sem a igualdade econmica.

    Por outro lado, a Participao Popular corresponde s formas mais

    independentes e autnomas de organizao e de atuao poltica dos grupos das classes

    populares e trabalhadoras e que se constituem em movimentos sociais, associaes de

    moradores, lutas sindicais etc. A Participao Popular corresponde a formas de luta mais

    direta, por meio de ocupaes, marchas, lutas comunitrias etc. Embora dialogando e

    negociando pontualmente com os governos, em determinados momentos, essas formas

    de organizao e mobilizao no atuam dentro de programas pblicos e nem se

    subordinam s suas regras e regulamentos. A participao no s define a qualidade da

    democracia como a forma de viver a democracia, como afirma Lilian Celiberti: a

    participao uma forma de viver a democracia e ela abarca as prticas anmalas e

    subversivas que vivem no plano subjetivo e pessoal, aquelas coisas que fazem as formas

    de sentir e amar, a formas de viver e criar comunidade. Nesse sentido, a participao

    democrtica abarca a sociedade em seu conjunto, as meninas e os meninos nos centros

    educativos, em seus domiclios e na sociedade, os adolescentes e os jovens, as

    mulheres, os gays, lsbicas, os transexuais, os transgneros, os atores polticos e sociais,

    mas tambm a quem constri cultura, poesia e arte (CELIBERTI, 2005:56).

    O grande desafio relacionar e fazer dialogar, no interesse das polticas pblicas

    emancipatrias e dos seus temas e pautas de luta, a Participao Social e a Participao

    Popular3, respeitando e garantindo a autonomia e a independncia das formas de

    2 . Est em discusso no governo federal a criao de um Sistema Nacional de Participao Social e um Novo MarcoRegulatrio das Organizaes da Sociedade Civil que deve se constituir num novo arcabouo jurdico e administrativo das relaesentre o Estado e essas organizaes. O SistemaNacionaldeParticipaoSocial,com base no acmulo alcanado at agora nocampo da participao, dever estabelecer princpios que orientem e facilitem a participao social na formulao, implementao,monitoramento e avaliao de polticas pblicas. Um sistema no hierarquizado, aberto e flexvel, com uma estrutura em rede quegaranta a autonomia das organizaes da sociedade civil. Esse sistema fruto de uma poltica que vem sendo construda desde 2003quando o presidente Lula instituiu, ampliou e valorizou a participao dos conselhos e das conferncias na elaborao, formulao egesto de polticas pblicas e agora se concretiza numa Poltica Nacional de Participao Social que estabelece o papel do Estado

    como promotor e garantidor do direito humano participao. O Sistema Nacional de Participao Social dever articular as polticasde participao social, integrando conselhos, conferncias, fruns, ouvidorias, audincias e consultas pblicas e rgos colegiados,facilitando a participao de organizaes e movimento sociais.3 . No Documento-Refernciada Conae 2014 fala-se em participao social e popular sem maiores distines entre osdois conceitos, juntando na participao popular as duas formas de participao no entrando nesta discusso. nesse sentido que,

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    organizao popular, superando os riscos de cooptao, subordinao, fragmentao e

    dissoluo das lutas populares.

    Cresce o reconhecimento da importncia da participao popular e da gesto

    democrtica na educao. Mas, o reconhecimento dessa importncia no tem se

    traduzido em sustentao prtica desse principio. Por isso, muitos trabalhadores emeducao tem encarado a gesto democrtica mais como um encargodo que como uma

    possibilidade de participao, uma mera transferncia de responsabilidade que acaba por

    responsabilizar, principalmente o docente, pelo mau desempenho da escola.

    No basta criar mecanismos de participao popular e de controle social das

    polticas pblicas de educao sem atentar para a necessidade de criar, tambm,

    simultaneamente as condiesdeparticipao.A sociedade civil participa sempre que

    convocada, mas com muita dificuldade. A participao, para ser qualificada, precisa ser

    precedida pelo entendimento muitas vezes tcnico e cientfico do que se est

    discutindo: saber ler planilhas de custo, oramentos etc. Como uma Associao de

    Moradores de uma comunidade pobre pode participar? uma questo que

    frequentemente colocada na gesto democrtica com participao popular. A questo da

    gesto democrtica precisa ser problematizada. Por isso precisamos melhorar as

    condies de participao. No se convoca para a participao popular em locais

    inadequados, em horrios inadequados, sem estrutura, sem preparao e sem

    organizao. A participao popular no pode ser alguma coisa episdica, paralela, mas

    estrutural; ela deve constituir-se numa metodologiapermanenteda poltica educacional,

    num modo de governar.

    Um dos problemas cruciais da participao popular a capacitao,

    principalmente dos que fazem parte dos diversos conselhos obrigatrios por lei, entre

    eles, o Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF (CACS), o

    Conselho do Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE), o Conselho do

    Programa Nacional Bolsa-Escola, inclusive dos membros do Conselho Municipal de

    Educao (CME). Contudo, no podemos confundir esse cuidado com a formao para a

    participao com a ideologia da competncia.Desde os anos 80 do sculo passado,

    Marilena Chau (1983) nos chama a ateno para a despolitizao da educao, dos

    cidados e da sociedade, causada pela ideologia da competncia, da meritocracia que

    separa dirigentes e executantes, os que sabem e os que no sabem, os que sabem as

    razes do que fazem e os que desconhecem as finalidades de sua ao. As decises so

    consideradas de natureza tcnica e no poltica. Quem sabe comanda quem no sabe.

    nesse texto, vou me referir participao popular.

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    Quem sabe comanda e quem no sabe obedece, no tem voz, no pode manifestar sua

    opinio, mesmo quando o assunto diga respeito qualidade de suas vidas. Assim, se

    afasta a participao popular com o discurso de que s participa quem entende, quem

    est preparado tecnicamente para participar. Nos formamos para a participao

    participando, enfrentando os desafios tcnicos e polticos da participao. A participao conquista. A participao pedaggica.

    Gesto democrtica tem a ver com autonomia e participao. H os que defendem

    eleio de diretores de escola (PARO, 1996) e a constituio de conselhos escolares

    como formas mais democrticas de gesto (PADILHA,1998; DOURADO, 2000), que

    devem respaldar-se na participao de todos os segmentos escolares: pais, professores,

    alunos, funcionrios. Outros defendem o Planejamento participativo na construo do

    projeto poltico-pedaggico, envolvendo neste processo a comunidade interna e externa

    escola (ANTUNES, 2002; BORDIGNON, 2009) ou o Planejamento Socializado

    Ascendente, entendendo que o planejamento, para ser democrtico exige tambm uma

    metodologia democrtica4. Como alerta Elie Ghanem (1996:62), um poder maior na

    relao com o Estado democrtico supe que a participao popular no se restrinja

    gesto da unidade escolar, mas que se aperfeioem os meios de sua influncia no

    conjunto do sistema de ensino, para o que indispensvel a informao sobre recursos

    pblicos disponveis, critrios de distribuio e execuo oramentria. Para isso, so

    essenciais certos instrumentos e mecanismos de gesto democrtica do prprio sistema

    de ensino, tais como o Frum Nacional de Educao (FNE), o Conselho Nacional de

    Educao (CNE), o Conselho Estadual de Educao (CEE), o Conselho Municipal de

    Educao (CME), os Conselhos Escolares, os Conselhos Universitrios, e outros, tais

    como a (Unio Nacional dos Conselhos Municipais de Educao (Uncme), o Conselho

    Nacional de Secretrios Estaduais de Educao (Consed) e a Unio Nacional dos

    Dirigentes Municipais de Educao (Undime).

    Houve avanos no que diz respeito participao, busca da autonomia e

    gesto democrtica na escola, mas, em relao efetiva participao popular no

    Planejamento e na Organizao da Educao Nacional, o ritmo desses avanos no tem

    sido o mesmo. H pouco mais de uma dcada que esse tema est sendo objeto de

    poltica pblica. As conquistas no campo da participao popular no planejamento e na

    4 . Jos Eustquio Romo e Paulo Roberto Padilha apresentam o Planejamento socializado ascendente, como umametodologia apropriada para o planejamento democrtico que consiste em pensar e realizar o planejamento enquanto processo que

    se constri a partir da integrao das foras de todos os sujeitos, segmentos ou grupos comunitrios e sociais que, direta ouindiretamente, convivem e atuam na escola (...). Esse tipo de planejamento supe que as propostas das escolas possam influenciar, demaneira mais consistente, os demais nveis de planejamento educacional: municipal, estadual e federal, bem como as autoridadesresponsveis por eles na elaborao de polticas educacionais (Planejamento Ascendente) (Jos Eustquio Romo e Paulo RobertoPadilha. In: GADOTTI & ROMO, 1997:20).

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    organizao da Educao Nacional ainda so pequenas e lentas e s chegaram por meio

    de muita luta. Veja-se o caso do Frum Nacional de Educao,uma luta que se iniciou

    logo aps a Constituio Federal de 88. Os educadores queriam que a LDB de 1996 j

    contemplasse essa reivindicao. No entanto, ela s foi possvel graas enorme

    mobilizao da Conae, em 2010, mais de 20 anos depois

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    . Considero a criao do FrumNacional da Educao como a deciso mais estruturante da Conae no campo da gesto

    democrtica e do controle social das polticas da educao.

    O Frum Nacional de Educao (FNE), proposto pela primeira Conae e criada em

    2010 como rgo do Sistema Nacional de Educao, com a finalidade de coordenar as

    Conaes, zelar pela implantao de suas diretrizes e deliberaes e acompanhar a

    tramitao do PNE, enfatiza o planejamento educacional participativo, a democratizao

    da gesto e a qualidade social da educao. Com a criao da Conferncia Nacional de

    Educao e agora com o Plano Nacional de Educao, fortalecidos com a presena ativa

    do Frum Nacional de Educao e diante do desafio da criao de um Sistema Nacional

    de Educao, o tema da Gesto Democrtica da Educao com Participao Popular no

    Planejamento e na Organizao da Educao Nacionalentrou definitivamente na pauta

    do debate poltico e educacional.

    A principal barreira participao popular no Brasil tem sido o prprio estado

    patrimonialista. Existem cerca de 30 mil conselhos de gesto pblica no Brasil.

    Certamente, uma grande fora, produzida a partir da Constituio Cidad de 1988, que

    instituiu o modelo de federalismo cooperativo.Mas eles podem constituir-se em mero

    ritual burocrtico se no tiverem poder de deciso. Estamos avanando com a criao do

    Sistema Nacional de Participao Social, mas falta muito para termos um governo cujo

    modo de governar seja essencialmente participativo. A maioria dos espaos de

    participao so espaos consultivos. Os movimentos sociais e populares trabalham com

    uma concepo de participao como espao de controle social e no s de consulta

    popular. Espao de controle pblico do Estado diferente de espao de interlocuo com

    o Estado.

    A Constituio de 88 consagrou a participaosociale o controlepblicosobre

    5 . A Conae teve precedentes importantesque remontam a 90 anos atrs. Em primeiro lugar, as Conferncias Brasileiras deEducao (CBEs) que se seguiram ao Seminrio Brasileiro de Educao (Campinas, 1978) e que, numa outra perspectiva, retomarama trajetria dos Pioneiros da Educao Nova (1932) e de suas Conferncias Nacionais de Educao, iniciadas na dcada de 20 dosculo passado. Entre 1980 e 1991 foram realizadas seis CBEs: So Paulo (1980), Belo Horizonte (1982), Niteri (1984), Goinia(1984), Braslia (1988) e So Paulo (1991). Em 1994 foi realizada a Conferncia Nacional Educao para Todos que aprovou o Pactopela valorizao do Magistrio e qualidade da educao, compromisso do Plano Decenal de Educao para Todos (1993-2003) dando

    consequncia s metas assumidas pelo governo brasileiro na Declarao Mundial sobre Educao para Todos e no Plano de aopara satisfazer as necessidades bsicas de aprendizagem, aprovados pela Conferncia Mundial sobre Educao para Todos (Jomtien,Tailndia 5 a 9 de maro de 1990). As Conferncias Nacionais de Educao (CBEs) foram sendo sucedidas pelos CongressosNacionais de Educao (Coned). Foram realizados cinco Congressos Nacionais de Educao (Coned): Belo Horizonte 1996 e 1997,Porto Alegre (1999), So Paulo (2003) e Recife (2004).

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    a gesto das polticas pblicas, prevendo uma multiplicidade de conselhos obrigatrios

    para estados e municpios receberem repasses de recursos. Contudo, a sua

    implementao vem sendo ameaada no s porque, para muitos, ela acessria, mas

    tambm por conjunturas hostis participao, por distores prprias da nossa sociedade

    hierarquizada e por falta de um marco regulatrio adequado. A participao popular pouco produtiva se no se traduzir em instrumentos concretos (normais, leis e mudanas

    oramentrias) que permitam o controle, o acompanhamento, a fiscalizao e a deciso

    sobre as polticas pblicas. Mesmo quando essa regulao existe, nem todas as

    distores so evitadas. Como mostra Amlia Cohn (2011:21), dadas as caractersticas da

    nossa sociedade, isso possibilitou distores, como, de um lado, o monoplio da

    participaonos colegiados por lideranas locais (um mesmo representante participando

    de vrios conselhos) sob a alegao de que as pessoas no querem participar, mas

    que, de fato, trata-se de resistncia diviso do poder - e, de outro, a ocupao da

    representaopor profissionais da rea, j que eles so mais capazes de saber o que

    melhor para aqueles segmentos sociais, marcados pela vivncia da carncia cotidiana.

    Amlia Cohn acrescenta ainda que os movimentos mais organizados tendem a negociar

    com xito a representao no interior do conselho junto a outros movimentos menos

    organizados ou com menor expresso ou visibilidade junto sociedade, mostrando outra

    distoro da participao social.

    A Constituio Cidad de 1988, conciliando o Estado com a Nao, se constitua

    num projeto de redemocratizao do pas, depois de 25 anos do regime autoritrio. A

    educao jogaria um papel importante nesse processo, para atingir essa finalidade

    constitucional, instituindo a gesto democrtica como princpio bsico da articulao de

    um Sistema Nacional de Educao. O primeiro projeto de lei (PL 1258/1988) de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional a tramitar no Congresso, tendo por base a

    gesto democrtica como princpio articulador das polticas entre os sistemas de ensino,

    previa a criao do SNE como expresso institucional do esforo organizado, autnomo

    e permanente do Estado e da sociedade brasileira pela educao, compreendendo os

    sistemas de ensino da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, bem

    como as instituies pblicas e privadas, prestadoras de servios de natureza

    educacional6. As resistncias das foras conservadoras a uma educao democrtica e

    6 . O PNE 2011/2020, em sua definio do Sistema Nacional de Educao (cuja criao foi includa no artigo 214 daConstituio Federal, pela Emenda Constitucional no 59, aprovada em 2009 e que garantiu a educao bsica obrigatria e gratuita

    dos quatro aos 17 anos), retomou, ad litteram,essa concepo de SNE do primeiro projeto de lei de LDB (PL 1258/1988) quandoafirma que o SNE a expresso institucional do esforo organizado, autnomo e permanente do Estado e da sociedade brasileirapela educao, acrescentando que sua finalidade precpua a garantia de um padro unitrio de qualidade nas instituieseducacionais em todo o pas (BRASIL, 2011:57). A Emenda Constitucional n 59/2009 deu nova redao ao caput do artigo 214 daConstituio Federal, estabelecendo como objetivodo PNA a articulao do SNE em regimedecolaborao: a lei estabelecer o

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    emancipadora foram enormes e esse esprito foi retirado da LDB aprovada em 1996 (Lei

    9394/96). A Conae est hoje retomando esse esprito democrtico da Constituio Cidad

    de 19887. Como se v, no se tratava da gesto democrtica apenas da escola, mas do

    sistema, entendido como a articulao de partes distintas, formando uma totalidade

    orgnica. Ela era concebida como um princpio da qualidade social da educao e comoexigncia da prpria democracia, vinculada a um projeto educacional e social.

    Passaram-se 25 anos. Apesar de todos os avanos, sabemos que a participao

    social se limita, ainda, muitas vezes, parcela da populao que tem vnculo com

    associaes civis.Porisso, vemos que osconselhosnoexpressam a vontade de toda a

    sociedade. A participao social restrita aos segmentos socais que tem mais capacidade

    de organizao e de expresso poltica. bom lembrar que, segundo o IBGE apenas

    27% da populao tem algum vnculo associativo. Minha hiptese que se trata dos 26%

    da populao brasileira acima de 15 anos que alfabetizada, isto , que sabe ler e

    interpretar um texto. Alfabetizao e politizao tem tudo a ver, como j defendia Paulo

    Freire em 1963, em Angicos (RN), quando realizou sua primeira experincia de

    alfabetizao de adultos. No Brasil o nosso grande estrave participao o nosso

    passado colonial ainda no inteiramente superado (WEFFORT, 2012).

    2. Participao popular e educao popular

    Dentre as conceituaes que subjazem s proposies para elaborao do PNE,

    est a gesto democrtica dos sistemas de ensino, entendida como uma das

    dimenses fundamentais que possibilitam o acesso educao de qualidade,

    formao para a cidadania e como princpio da educao nacional da elaborao de

    planos de desenvolvimento educacional e de projetos poltico-pedaggicos

    participativos (BRASIL, 2011:59-60).

    O princpio da gesto democrtica no deve ser entendido apenas como prtica

    participativa e descentralizao do poder, mas como radicalizaodademocracia,como

    uma estratgia de superao do autoritarismo, do patrimonialismo, do individualismo e

    das desigualdades sociais. Desigualdades educacionais produzem desigualdades sociais.

    plano nacional de educao, de durao decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educao em regime decolaborao e definir diretrizes, objetivos, metas e estratgias de implementao para assegurar a manuteno e desenvolvimento doensino em seus diversos nveis, etapas e modalidades por meio de aes integradas dos poderes pblicos das diferentes esferasfederativas. Esta Emenda Constitucional, como afirmou Carlos Roberto Jamil Cury no lanamento da Conae 2014, dia 3 de dezembrode 2012, no MEC, constituiu o Sistema Nacional de Educao, mas no o institui, isto , ele est na Constituio mas no na

    prtica da educao brasileira.7 . A Conae um dos espaos de expresso de pluralidade cultural, poltica e social mais amplos e mais ricos daeducao nacional at hoje organizados (). Em todo o territrio nacional, conferncias preparatrias ou livres eclodiram nas escolas,universidades, associaes de bairro, entidades estudantis, entidades sindicais, fruns acadmicos, entre outros espaos (Franciscodas Chagas Fernandes. In: Prefcio. FRANA, Magna, org., 2009:7-8).

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    A primeira Conae mostrou a necessidade de construo de um Sistema Nacional

    de Educao (SNE) articulado, coordenado e integrado, como forma de superar a

    educao fragmentada, setorizada, justaposta e desarticulada (ROMO, 2010). Isso s

    pode ser feito tendo a gesto democrtica como princpio motor do sistema, articulando

    as diferentes estruturas e subsistemas. Mas, para isso, preciso redefinir com clareza asfunes de cada esfera de poder para que no haja, nem omisso, nem justaposio. O

    regime de colaborao precisa ser transformado num regime de cooperao solidria.

    Nessa cooperao solidria o papel do Frum Nacional de Educao (FNE)

    imprescindvel. O princpio da gesto democrtica deve ser o princpio orientador do

    regime de colaborao entre os sistemas de ensino, isto , das aes coordenadas entre

    os entes federativos8. E poder-se-ia aproveitar dessa redefinio para retomar o Artigo

    205 da Constituio federal e definir tambm com clareza como ser promovida e

    incentivada com a colaborao da sociedade no sistema nacional de educao.

    A defesa da teoriademocrticado Estadono ainda amplamente majoritria na

    sociedade e, muito menos, a sua prtica. A prtica est aqum da teoria, no s por falta

    de mecanismos oferecidos pelo Estado, mas, igualmente, pela pouca presena da

    cidadania na defesa de seus direitos. Trata-se de fortalecer as formas de controle do

    Estado, estimulando organizaes civis, organizando a participao direta da populao

    na definio de polticas pblicas, incentivando as organizaes populares a formular,

    propor, fiscalizar os atos do governo e, sobretudo, educar para e pela cidadania

    (Gadotti, 2000).

    E no basta apenas oferecer espaos adequados de participao. Ser preciso

    criar planos estratgicos de participao, formar para e pela participao, formar o

    povo soberano (TAMARIT, 1996), capaz de governar e de governar-se. No se chama

    para a participao sem preparao poltico-pedaggica. A populao precisa estar

    informada sobre o funcionamento do Estado, sobre as diversas instncias de poder

    (executivo, legislativo, judicirio) e os diversos rgos pblicos, onde, como e quando

    pode participar. Nos governos populares, o Oramento Participativo e as Plenrias e

    Fruns Populares tm se revelado excelentes formas de participao e organizao da

    sociedade civil, contribuindo para o controle social da coisa pblica. So verdadeiros

    mecanismos de gesto pblica no estatal.

    O Estado brasileiro precisa ser menos representativo e mais participativo. Como

    8 . Trata-se associar o Artigo 206, Inciso VI da Constituio (gesto democrtica do ensino pblico) com o Artigo 211 (AUnio, os estados, o Distrito Federal e os municpios organizem, em regime de colaborao, os seus sistemas de ensino). A gestodemocrtica, o regime de colaborao e o sistema nacional de educao formam um conjunto inseparvelna busca de um padronacional de qualidade que respeito s diversidades locais e a participao popular.

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    sustenta Luiz Dulci (2005:3), Ministro Chefe da Secretaria Geral do Presidente Lula, a

    participao cidad enriquece as instituies representativas, criando verdadeira co-

    responsabilidade social e evitando o risco de apatia civil e a negao autoritria da

    poltica que ameaa todas as democracias contemporneas. Nesse sentido, a

    democracia participativa tem ainda muito que caminhar para ter o mesmo espao dademocracia representativa. A democraciaparticipativano substituir a representativa,

    mas, o Estado precisa ser mais participativo para radicalizar a democracia. Para isso, as

    organizaes e movimentos sociais so imprescindveis9: a democracia representativa, a

    democracia eleitoral, tal como existe, incapaz de sustentar a democracia como sistema,

    seno articulada com uma forte participao cidad e, portanto, com uma democracia

    participativa que amplie o debate sobre as prioridades e urgncias da agenda social e

    econmica dos cidados e cidads (Celiberti, 2005:56). O Brasil tem uma composio

    social extremamente diversa e a democraciarepresentativano d conta de toda essa

    diversidade. Cada vez mais cidados e cidads no se sentem representados no

    Parlamento e acabam por se desinteressar da poltica, ausentando-se no s nas

    eleies e votaes, mas da vida cvica e dos espaos de participao e formao

    poltica. Mais do que nunca precisamos de uma educao popular cidad.

    Como falar de participao popular sem falar de formao, sem falar de educao

    popular? A educao popular,como concepo geral da educao, est mais presente

    no Documento-Referncia 2014 da Conae do que no documento anterior. Mas, a

    expresso educao popular no tem estado presente nem na primeira Conae e, se

    depender do Documento-Referncia2014, ela continuar pouco presente. No Documento

    Final da Conae 2010 (p. 31) ela aparece num nico pargrafo: considerando os

    processos de mobilizao social nas ltimas dcadas, que visavam construo da

    educao popular cidad, formao da cidadania e dos direitos humanos, o novo PNE

    deve articular a educao formal com experincias de educao no formal, ou seja, as

    experincias de educao popular e cidad, incorporando-as como polticas pblicas. O

    novo PNE deve prever meios e processos para a articulao das polticas sociais:

    educao, sade, assistncia social, sustentabilidade socioambiental, economia solidria,

    trabalho e renda, entre outras, com vistas a assegurar os direitos humanos, sociais,

    polticos e econmicos de cidadania a todo/as brasileiro/as.

    O Documento Final da Conae 2010 refere-se a uma concepo de educao

    9 . As organizaes e os movimentos sociais no podem ser reconhecidos apenas como atoressociaismas como sujeitospolticos.Eles so essenciais para o funcionamento da democracia. Se eles no existissem, criariam um grande vcuo na sociedade,haveria um grande prejuzo para as populaes mais pobres e muitos servios pblicos essenciais no seriam prestados. Alm domais, na democracia, os cidados tm o direitodeseorganizarpara intervir na vida pblica.

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    popular limitada a experincias de educao no formal e como parte das polticas

    sociais, no da poltica educacional. Essa recomendao foi ignorada no PNE. Portanto,

    no h qualquer meno educao popular ou cidad no PNE. No Documento-

    Referncia 2014 a expresso educao popular aparece uma nica vez como

    proposio: mobilizar as famlias e setores da sociedade civil, articulando a educaoformal com experincias de educao popular e cidad, para que a educao seja

    assumida como responsabilidade de todos, e ampliar o controle social no cumprimento

    das polticas pblicas educacionais (p.79). A educao popular muito mais do que isso.

    A educao popular uma proposta poltico-pedaggica transformadora de poltica

    educacional, como fez Paulo Freire quando chegou Secretaria Municipal de Educao

    de So Paulo, em 1989: a educao popular saiu do campo da resistncia social para a

    disputa de um projeto de sociedade no campo da poltica pblica. Como a maior

    contribuio da Amrica Latina ao pensamento pedaggico universal, a educao popular

    uma concepo geral da educao que pode aplicar-se a todo e qualquer nvel e

    modalidade de ensino. Ela no se refere s a experincias de educao no formal e

    nem se limita educao das camadas populares ou dos movimentos populares.

    Paulo Freire no dicotomizava Estadoe SociedadeCivil.Ele os concebia como

    entes que se interpenetram na disputa pela hegemonia (Gramsci), por um projeto de

    sociedade. Por isso, possvel pensar a transformao do estado a partir de dentro dele,

    com um p dentro e um p fora. Ele dizia que precisvamos estar taticamente dentro e

    estrategicamente fora do Estado. Como a Educao Popular, a participao popular no

    Estado, visa construo de mais poderpopular.

    A Educao Popular como poltica pblica, como queria Paulo Freire, um

    processo que se constri ao mesmo tempo dentro e fora do Estado. O Estado, como a

    Sociedade, no algo monoltico. Ele est em constante processo de transformao. Por

    isso, Paulo Freire defendia a tese de que a Educao Popular pode e deve inspirar as

    polticas pblicas de educao. Quando ele assumiu a Secretaria Municipal de Educao

    em So Paulo (1989) lanou A Escola Pblica Popular como sua Plataforma poltica,

    respeitando a diversidade da sociedade civil, mas, rompendo com prticas autoritrias e

    disputando a hegemonia poltica e cultural de um projeto popular, incorporando

    instrumentos da democracia participativa, fortalecendo os conselhos escolares e a

    participao popular (conselhos participativos, conselhos populares, assembleias

    populares) como mtodo de governo.

    Paulo Freire queria que se falasse de Educao Popular na escola pblica. Ele noentendia a Educao Popular apenas como educao no-formal. Ele queria no s

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    democratizar a educao, mas, garantir que ela pudesse ser popular, isto , incorporar

    em suas prticas os princpios emancipatrios da Educao Popular como parte de um

    projeto de sociedade. Participao popular e Educao Popular caminham juntas j que,

    historicamente, o referencial terico da Educao Popular tem estimulado formas

    participativas e crticas de leitura do mundo (Paulo Freire).

    3. Participao popular, controle social e projeto de nao

    O Documento-Refernciada Conae 2014 prope a adoo de novos modelos de

    organizao administrativa e de gesto, nos quais sejam garantidos a participao

    popular e o controle social, baseado na concepo de gestodemocrtica,intersetorial,

    que se contrape a processos de gesto gerencial, burocrtico e centralizador (p. 75). No

    documento sempre se associa a gesto democrtica ao controle social. A expresso

    participao popular e controle social se repete muitas vezes, inclusive no ttulo do eixo

    V, associando a gesto democrtica ao controle social com participao popular.

    Essa uma grande e auspiciosa inovaoem relao ao Documento-Referncia

    anterior (2010) em que nenhuma das duas expresses aparecia. Comparando os dois

    documentos, h uma grande avano na questo da gesto democrtica. Falava-se

    apenas em participao de amplos segmentos educacionais e sociais (p. 4),

    participao democrtica, ou da participao das sociedades civil e poltica (p. 7),

    muitas vezes limitada ao processo da Conae. A expresso participao popular no

    aparece. O controle social aparece mais restrito ao financiamento da educao (Eixo V).

    A gesto democrtica aparece mais associada qualidade da educao e avaliao

    (Eixo II), embora se reconhea tambm a importncia da implementao da gesto

    democrtica nos sistemas de educao e nas instituies educativas (p. 12). J no

    Documento-Referncia da Conae 2014 se insiste que a relao entre qualidade e

    participao, no mbito das instituies educacionais e da organizao da educao, vai

    alm da competncia tcnica. Envolve questes polticas internas e externas aos

    sistemas de ensino e s instituies educacionais (p. 75).

    A participao popular, pressuposto da cidadania, inerente noo de

    democracia. A Constituio Federal de 1988 instituiu a participao popular, mas a sua

    implantao real depende de mecanismos apropriados para o seu exerccio. Uma

    verdadeira democracia deve facilitar a seus cidados a informao necessria para a

    defesa de seus direitos e a participao na conquista de novos direitos. Numa visotransformadora, a participao popular objetiva a construo de uma nova sociedade,

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    mais justa e solidria.

    Podemos dizer que a participao popular tem uma dimensopedaggica(formar

    para o exerccio da cidadania ativa) e uma funopoltica(intervir na tomada de decises

    polticas). No planejamento educacional no Brasil ela vem ocorrendo, ora com mais, ora

    com menos intensidade (com exceo do perodo do regime autoritrio quando foisistematicamente combatida), desde os anos 20 do sculo passado, quando ocorreram as

    primeiras Conferncias Nacionais de Educao promovidas pela Associao Brasileira de

    Educao (ABE) que tinham por objetivo apreciar sugestes para um Plano Nacional de

    Educao (BORDIGNON, 2011:03) e que desembocaram no Manifesto dos Pioneiros da

    Educao Novade 1932. Como h 80 anos, estamos hoje diante de um Plano Nacional

    de Educao cuja principal fonte de inspirao est numa Conferncia, a Conferncia

    Nacional de Educao, a Conae10.

    Hoje, como ontem, a participao dos educadores aponta para a funo social da

    escola e a organizao sistmica da educao brasileira11. Hoje, como ontem, estamos

    diante no apenas da mesma necessidade de criao de um sistema nacional de

    educao em regime de colaborao, mas diante de um projeto de pas mais justo,

    sustentvel e produtivo. Segundo Fernando de Azevedo, a educao exigia uma

    mudana de mentalidades e uma discusso de finalidades, no bojo do movimento de

    renovao educacional e promovida pelas Conferncias Nacionais de Educao. Uma

    educao nova para um homem novo e um novo mundo era a ambio do Manifesto.

    No se pensava apenas num manifesto pedaggico: era um manifesto poltico e

    civilizatrio. Na introduo filosfica e sociolgica de Fernando de Azevedo, ele nos fala

    das conquistas da civilizao e da inquietao do homem interior. O Manifestodiscute

    as finalidades da educao, os fundamentos da educao, a reconstruo social pela

    reconstruo educacional12. Ele nos fala de democracia e de valores mutveis e

    permanentes (AZEVEDO, Fernando e outros, 2010). Quando os Pioneiros da Educao

    Nova defendiam a reconstruo social pela reconstruo educacional estavam apontando

    para a constituio de uma sistema nacional da educao ancorado num projeto de

    nao. O que sustenta e amarra as partes de um sistema sua finalidade. No h

    sistema nacional sem projeto de nao.

    10 . Ao lado dessa expressiva contribuio, o PNE 2011-2020 beneficiou-se das contribuies do Conselho Nacional deEducao (CNE), das avaliaes do PNE 2001-2010 e do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE).11 . A organizao da educao brasileira, preconizada pelos Pioneiros, fundava-se em bases e diretrizes nacionais,

    articulando responsabilidades prprias dos entes federados. Um projeto nacional com responsabilidades descentralizadas. Aorganizao e a gesto desse projeto nacional de educao se assentam no trip: sistemas, planos e conselhos de educao(BORDIGNON, 2009:18).12 . Os ideais liberais de Fernando Azevedo da reconstruo social pela reconstruo educacional j se encontravam noInqurito sobre a Instruo Pblica em so Paulo, realizado por ele, em 1926, a pedido do jornal O Estado de S. Paulo.

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    Hoje, ao discutir o SistemaNacional deEducao,no podemos perder o debate

    dos fins da educao. Estamos debatendo mais a questo dos meios, das tecnologias, da

    avaliao. Existe uma excessiva preocupao com mtodos, tcnicas, currculos,

    avaliao, planejamento que caracterizam a educao tecnicista, pragmatista e

    utilitarista entendendo a questo filosfica e poltica dos fins da educao como algo jresolvido. No se relacionam meios e fins. Inovamos nas metodologias, fazemos timos

    testes e estamos aperfeioando processos de avaliao, sem nos perguntar sobre o

    sentido do que estamos avaliando. Nossas didticas so aperfeioadas sob que ponto de

    vista? Parece que a pergunta sobre os finsdaeducaofoi esquecida. o domnio dos

    meios sobre os fins. Preocupamo-nos muito com a qualidade da educao - e precisamos

    sim nos preocupar - mas, antes, de mais nada precisamos saber de que qualidade

    estamos falando e de que educao estamos falando.

    O processo da segunda Conae um bom momento para discutir as finalidades da

    educao sobretudo numa poca em que o ensino vem se tornando um grande negcio,

    uma franquia que disputa fundos pblicos (FRIGOTTO, 2011). Sabe-se que, desde a

    Constituinte de 1987-1988 os privatistas se recusam a aceitar a gesto democrtica do

    ensino. A participao popular passa longe desse negcio. Por isso, as organizaes e

    os movimentos sociais quando se manifestam sobre a mercantilizao da educao elas

    so sistematicamente criminalizados. No estamos pensando a educao que queremos

    para o sculo XXI na perspectiva da relevncia social da educao nem mesmo como, h

    80 anos, pensavam os pioneiros: na hierarquia dos problemas de uma nao, nenhum

    sobreleva em importncia, ao da educao (AZEVEDO e outros, 2010:33). Neste

    momento, no devemos voltar atrs, a 1932, mas devemos retomar a causa que moveu

    os pioneiros de construo de uma sociedade de iguais, sem privilgios (TEIXEIRA,

    1956).

    Os pioneiros da educao nova caminhavam na direo de uma educao

    reformadora onde o Estado assumiria a hegemonia do projeto educacional, em combate

    frontal privatizaodaeducaopor uma escola pblica, democrtica, para todos. A

    batalha foi perdida. Venceu o privado. Instituiu-se a hegemonia do privado sobre o pblico

    como j alertava o Manifestodoseducadoresde 1959, onde os educadores mais uma

    vez convocados (AZEVEDO, Fernando e outros, 2010:67-99) se opuseram s foras

    conservadoras que defendiam a escola privada, defendendo a escola pblica na

    tramitao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, sancionada em 1962.

    O momento atual muito mais intensivamente participativo do que nos anos 30 dosculo passado. Se levarmos em conta que cerca de 3,5 milhes de pessoas das

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    discusses da Conae, nunca antes na histria deste pas - como diria o presidente Lula

    vimos tamanha participao popular nos destinos da educao nacional. Na dosimetria

    (para usar um termo hoje muito em voga) da participao popular, o momento atual ganha

    em mobilizao de todos os precedentes.

    E h, sem dvida, um grande avano, inclusive na concepo do papel daparticipao entre o primeiro Documento-Referncia e o que est em discusso hoje.

    Dataveniaaos autores do primeiro Documento-Referncia,nele sequer se mencionava o

    conceito de participao popular; a gesto democrtica aparecia do Eixo II mais

    associada qualidade da educao e avaliao do que ao planejamento e ao

    aprimoramento e continuidade das polticas educacionais. J o Documento-Refernciada

    Conae 2014 associa, no Eixo 5, a Gesto Democrtica, Participao Popular e o

    Controle Social. A participao popular massiva essencial para a garantia do controle

    social e dos direitos de aprendizagem. A participao popular no Conselho de Escola e na

    gesto democrtica dos sistemas de ensino deve ser atividade cidad permanente de

    controle social. O Documento-Referncia fala tambm da necessidade da participao

    popular na construo dos projetos pedaggicos das instituies educativas (p. 74).

    Projetos pedaggicos, planos e polticas educacionais elaborados sem participao

    popular tem baixa legitimidade.

    Na perspectiva de democracia participativa, o objetivo da criao de instncias de

    participao popular estabelecer um dilogo permanente entre governo e sociedade, de

    tal forma que permita ao governo desenvolver polticas pblicas que contem com o

    endosso da sociedade. A gesto democrtica estabelecida na Constituio Federal de

    1988 e na LDB 9394/96 implica na criao de instrumentos que facilitem a participao

    popular na discusso, elaborao e implementao de planos estaduais e municipais de

    educao e de projetos (eco) poltico-pedaggicos das escolas (PADILHA, 2012), bem

    como de controle social das polticas educacionais.

    O controle social tem por premissa o estabelecimento de mecanismos e

    instrumentos efetivos e apropriados nessa relao tensa da democracia de que nos

    falava Paulo Freire. Como diz o Documento-Refernciada Conae 2014, romper com a

    lgica da participao restrita requer a superao dos processos de participao que no

    garantem o controle social dos processos educativos, o compartilhamento das decises e

    do poder, configurando-se muito mais como mecanismo legitimador de decises j

    tomadas centralmente (p. 74). O que novo, neste documento, em relao gesto

    democrtica, que nele se defende a necessidade de criao de novos modelos deorganizao administrativa e de gesto e de novos mecanismos de organizao e de

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    gesto, fundamentados numa concepo de educao voltada para a transformao da

    sociedade e no para a manuteno das condies vigentes. Continua o documento: a

    perspectiva democrtica pressupe uma estrutura organizacional diferente daquela

    defendida e praticada pela viso conservadora (p. 75). Devemos pensar a participao

    popular e o controle social do Estado no contexto de um projeto de sociedade e dereforma do Sistema Poltico Brasileiro e no, simplesmente, participar no que existe.

    Participar no que existe para transform-lo. Esta uma das condies bsicas da

    radicalizao da democracia e que todos ns almejamos construir, pois ela aponta para

    um Brasil sem misria, justo, produtivo e sustentvel.

    4. Sistema Nacional de Educao e escola pblica unitria

    4. A Conferncia Nacional de Educao est se constituindo, ela prpria, num

    movimento social e popular auspicioso pois promove a democracia de alta intensidade,

    na expresso de Boaventura Souza Santos (2003), com a participao efetiva da

    sociedade brasileira, impulsionada particularmente a partir do governo Lula. preciso

    continuar aprofundando a luta pela articulao do Sistema Nacional de Educao at se

    chegar unidade na diversidade. Nada mais desagregador na educao do que a

    desarticulao e a desorganizao do sistema ou a falta dele: no Brasil, a alternativa de

    multiplicar redes desintegradas associadas tradicional indefinio de papeis do que

    que cabe a cada esfera de governo resultou na diversidade de sistemas, na grande

    heterogeneidade da qualidade do atendimento escolar e na iniquidade na distribuio de

    recursos13 (ROMO, 2010:97). A desarticulao da educao nacional a principal

    causa do nosso atraso educacional14. A ausncia de um Sistema Nacional de Educao

    torna a rea educacional ingovernvel na multiplicidade desarticulada de sistemas,

    fomentando a desigualdade de oportunidades educacionais.

    E no se trata de repetir o Sistema nico d e Sade (SUS), o Sistema nico de

    Assistncia Social (SUAS) ou o recente lanado projeto de segurana pblica, o Sistem

    nico de Segurana Pblica (SUSP). Mas no tenho receio de falar em Sistema nico

    13 . A Unio detm aproximadamente 57% da arrecadao tributria, os 26 estados e o DF em torno de 25% e os municpioscerca de 18%. Em contrapartida, as despesas com a educao por parte da Unio giram em torno 20%, dos estados e do DF, em 41%,e dos municpios, em 39%, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (CNTE, 2012:279). o retrato dainiquidade de que nos fala Jos Eustquio Romo.14 . Convivemos ainda com grande atraso educacional, uma pesada herana histrica que vem desde o Brasil Colnia. A igrejacatlica patrocinou, por sculos, uma escola s para os mais abastados, servindo apenas a 3 ou 4% da populao. Como diz FernandoHaddad, neste contexto, nunca tivemos muito espao para a escola pblica (HADDAD, 2010:11). Os dados do Relatrio da Unesco

    2010nos colocam em 88 lugar no ndice de Desenvolvimento de Educao para Todos (IDE) num rankingde 128 pases. O IDE composto por quatro indicadores: universalizao da educao primria (da primeira a quarta srie do ensino fundamental a sercompletada com 10 anos distoro srie-idade), alfabetizao de adultos (taxa acima de 15 anos), paridade e igualdade de gnero equalidade da educao (medido pelo ndice de sobrevivncia na 5a. Srie). No h dvida de que a nossa estruturafederativa umadas principaiscausas desse desempenho desconcertante.

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    de Educao, mesmo porque o Artigo 11 do LDB estabelece o sistema nico de

    educao bsica. Como sustenta a Confederao Nacional dos Trabalhadores em

    Educao (CNTE) o contexto democrtico do SNE, num futuro breve, dever conduzir

    constituio do Sistema nico de Educao Bsica, em mbito dos estados e municpios,

    conforme prev o art. 11 da LDB. E essa radicalizao organizativa o caminho maisseguro para conduzir a educao ao princpio maior da Constituio: a escola pblica

    unitria (CNTE, 2005:290).

    Contudo, isso no significa sistema uniformizado e centralizado, lembrando a

    poltica educacional do regime autoritrio. Longe disso, Sistema nico significa

    articulao de aes, corresponsabilidade e cooperao em funo de uma finalidade

    comum; significa diviso de responsabilidades, parceria, colaborao, cooperao,

    solidariedade. Concordo com Jos Marcelino de Rezende Pinto (2012:170) importante

    assegurar, no mbito do parlamento nacional, a aprovao de instrumentos legais que

    tracem diretrizes gerais referentes ao regime de colaborao na oferta educacional e

    gesto democrtica das escolas e sistemas de ensino, de preferncia, articulando-os.

    Como? Por exemplo, avanando para um sistema pblico nico de educao, com

    financiamento tripartite (Unio, estados e municpios) e gesto local (o que no

    sinnimo de gesto pelo Executivo Municipal), por meio de conselhos locais, eleitos pelos

    usurios das escolas pblicas, com poder deliberativo e de execuo oramentria, e

    autonomia em relao ao Executivo.

    Sistema nico no se ope gesto local, autogesto, autonomia da escola.

    Significa mais recursos federais para os municpios executarem seus Planos Municipais

    de Educao15, significa mais diversidade de arranjos educacionais (pactos federativos)16

    e, ao mesmo tempo, mais padres nacionais. um direito do cidado saber a que ele tem

    direito, o que significa direito educao; no s direito de matrcula, mas direito de

    aprender, direitos de aprendizagem em cada srie. Sistema nico significa regras claras e

    diviso de responsabilidades17.

    Avanamos toda vez que conseguimos consolidar mudanas que fortalecem o

    15 . Metade dos municpios brasileiros no tem plano de educao. Muitos deles aderem a programas federais mais parareceber recursos do que, propriamente, por convico poltico-pedaggica. Por isso, na maioria dos casos, eles no tem comoimplementar acordos e pactos que subscrevem (BORDIGNON, 2009).16 . De diferentes formatos, osAr ran josdeDesenvolvimento daEducao(ADEs) se constituem numa forma de trabalho emrede, implementando a colaborao intermunicipal promovendo e fortalecendo a cultura do planejamento integrado e colaborativo naviso territorial e geogrfica (ABRUCIO & RAMOS, orgs. 2012:68).17 . Fui totalmente derrotado ao apresentar na Subcomisso de Cultura, Educao e Desporto da Constituinte, sob apresidncia de Florestan Fernandes, a proposta do sistema nico de educao pblica, uma Tese em defesa de uma sistema nico,

    nacional e popular de educao pblica (GADOTTI, Moacir, 1990. Uma s escola para todos: caminhos da autonomia escolar.Prefcio de Florestan Fernandes. Petrpolis: Vozes, pp. 166-183). Mas no desisti. Com Jos Eustquio Romo, alguns anos depois,pudemos discutir o tema com o governador do Estado do Mato Grosso, Dante Martins de Oliveira, que implantou o Sistema nico edescentralizado de educao bsica (Sudeb). Juntos elaboramos uma verso preliminar para subsidiar a sua implementao naqueleEstado (INSTITUTO PAULO FREIRE, 1996).

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    Sistema Nacional na busca de um padro unitrio de educao (BRASIL, 2011:57) e

    retrocedemos toda vez que fragmentamos o Sistema Nacional, justapondo aes,

    desarticulando estruturas, descontinuando polticas. Avanamos quando conseguimos

    aprovar polticas articuladoras e estruturantes do Sistema como o FUNDEB, o SAEB, o

    Piso Nacional, o IDEB, os PCNs, o ENEM, o Plano de Aes Articuladas (PAR)

    18

    etc. Noh dvida de que essas medidas, como a instituio do PDE (GADOTTI, 2008), deram

    impulso ao regime de colaborao e a uma nova lgica de articulao federativa j

    presente no Manifesto dos Pioneiros da Educao nova h 80 anos. Mas precisamos

    aprofundar e consolidar a lgica colaborativa dessas polticas com mais participao

    popular.O regime de colaborao algo que precisa ser construdo por meio de medidas

    concretas num permanente processo de negociao e de experimentao. A Unio no

    coordena s o sistema federal de educao, mas coordena a poltica educacional do pas

    como um todo.

    Com todos os cuidados diante dos obstculos, tenses e da complexidade da

    construo do sistema nacional de educao e do regime de colaborao, e,

    considerando as disparidades e desigualdades regionais e a especificidade de como se

    deu a organizao da educao nacional no Brasil devemos avanar e no ficar

    paralisados, devemos caminhar simultaneamente com a pactuao federativa das metas

    do PNE pois enquanto no existir o Sistema Nacional de Educao e no for

    regulamentado o regime de colaborao, no existem garantias efetivas de que o PNE

    consiga atingir suas metas: o caminho para o avano a pactuao, para que se

    respeitem as diferenas regionais e as identidades e experincias locais (Arnbio

    Marques. In: CNTE, 2012:14). Este o grande desafio da Secretaria de Articulao dos

    Sistemas de Ensino (SASE), criada no MEC, como resultado de demanda real da Conae

    2010.

    A Secretaria de Articulao com os Sistemas de Ensino (SASE) foi criada em 2011

    para apoiar o desenvolvimento de aes para a criao do sistema nacional de educao,

    aprofundando o regime de colaborao com vistas superao das desigualdades

    regionais e garantindo a diversidade. A lgica colaborativa dessas aes fortalecem a

    organizao e o funcionamento da educao nacional mas, por si s, no se constituem

    em sistema nacional. O Sistema Nacional deve definir e normatizar a forma de articulao

    (o mtodo) dos sistemas de educao. Cabe a Unio definir as normas gerais da

    educao, como determina a Constituio Federal de 1988 (Artigo 24).

    18 . O PAR est dando mais homogeneidade ao planejamento, muito diversificado na esfera municipal. Mas o planejamento nopode ser s gerencial; ele tem tambm um carter educativo, que precisa ser mais levado em conta, pois o ato de planejar formamentalidades para pensar mais rigorosamente, evitando o espontanesmo e uma suposta imponderabilidade do ato de educar.

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    Trata-se de conciliar autonomiacom interdependnciaentre os entes federativos:

    a autonomia dos entes federativos no uma licena para o patrimonialismo. Precisamos

    de um sistema nacional de educao para melhorar o padro de qualidade dos prprios

    rgos gestores dos sistemas. Distores so constatadas h muito tempo. Muitos deles

    avanaram mais na sofisticao da estrutura burocrtica do que no espao para aconquista dos fins proclamados (). A multiplicao de rgos e reparties e o tamanho

    de suas estruturas administrativas requerem tal quantidade de pessoal dos quadros

    educacionais que, em alguns casos, chegam a ultrapassar o nmero de docentes em sala

    de aula (BORDIGNON, 1993:144-145). Dentro desse quadro no de se estranhar que

    os recursos aplicados no setor de educao no cheguem sala de aula.

    A doutrina federativa, colaborativa e descentralizadora garante, ao mesmo tempo, a

    coerncia interna e a unidade nacional na diversidade. O regime federativo

    constitudo para garantir a unidade nacional e territorial e preservando a diversidade e a

    relativa autonomia poltica entre os entes federados (SAUER et al., 2012:19): a busca

    da equidade com qualidade social que justifica, d razo de ser, constitui a essncia do

    regime de colaborao (Idem, p. 25).

    A educao deve ser nacional, como a cidadania. Ns somos todos brasileiros e

    brasileiras. Acima das particularidades locais existe a nacionalidade. A enorme

    criatividade dos municpios deve ter por referncia uma matriz comum nacional. Os

    planos estaduais e municipais precisam estar em harmonia com o PNE. A disperso

    curricular atual atenta contra o prprio regime federativo. O nacional composto de

    enorme riqueza: a diversidade. O CurrculoNacional deve respeitar as especificidades

    regionais. Precisamos de equilbrio entre o regional e o nacional, unidade na diversidade.

    O PNE representa um grande avano mas, infelizmente, no responde ao principal

    desafio estrutural do sistema de educao: a definio das responsabilidades de cada

    esfera de governo. O PNE no trata do sistema nacional de educao e da diviso de

    responsabilidades. No se toca no que cabe a cada esfera de governo. preciso deixar

    claro quem vai cuidar do que, quem vai cuidar de eliminar o analfabetismo adulto e quem

    realmente vai cuidar da educao da primeira infncia. Hoje o Ensino Fundamental II (5 a

    9 sries), por exemplo uma terra de ningum. No ficou clara de quem a

    responsabilidade por esse segmento. No de responsabilidade exclusiva nem Estado e

    nem do Municpio (hoje temos aproximadamente metade da matrcula nos Estados e

    outra metade nos Municpios). Devemos superar essa duplicidade de responsabilidade

    sob pena de ficarmos sem parmetros e de continuar sendo uma etapa esquecida daescolarizao. Uma coisa reconhecer a diversidade nacional e outra no estabelecer

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    diretrizes nacionais no que se refere s diferentes responsabilidades dos entes

    federativos com relao educao.

    Mais do que um regime de colaborao (optativa, colabora quem quer)

    precisamos de um regime de cooperao com corresponsabilidades compartilhadas

    (obrigatrias). A cooperao encontra respaldo na prpria Constituio Federal que noprev o isolamento das unidades federadas mas a unio de esforos com vista a alcanar

    uma sociedade livre, justa e solidria como prev o seu artigo 3: A diferena entre

    regime de colaborao e de cooperao refere-se forma pela qual as polticas

    educacionais se articulam entre os sistemas de ensino. A LDB elegeu o regime de

    colaborao como forma de propiciar a articulao dos sistemas (art. 8o). Essa

    articulao, todavia, s se faz possvel em mbito de decises de governos, ou seja, pelo

    princpio da adeso voluntria. J o regime de cooperao pauta-se na institucionalizao

    das relaes entre os sistemas, independente de aes de governos. Ele traduz a forma

    escolhida pela Constituio para implementar as polticas educacionais (em nvel de

    Estado) (CNTE, 2009:286).

    5. Trs em um: Sistema Nacional de Educao, Regime de colaborao e

    Gesto Democrtica

    No d para discutir a organizao da educao nacional, a gesto democrtica

    e a participao popular sem relacionar esses temas com o Sistema Nacional de

    Educao, o Plano Nacional de Educao e o Regime de Colaborao. Eles so

    indissociveis. Nesse ponto, o PNE falho. H uma regio nebulosa na relao entre o

    Sistema Nacional de Educao, o regime de colaborao e o Plano Nacional de

    Educao. Ora o regime de colaborao entendido como o meio para concretizar o SNE

    e o PNE, ora, ao contrrio, o PNE que entendido como uma das formas de

    materializao do regime de colaborao entre sistemas (BRASIL, 2011:61). As metas do

    PNE exigem a colaborao e cooperao tcnica e financeira das trs esferas de governo

    e no uma mera adeso voluntria.

    O texto do PNE refere-se muitas vezes ao regimedecolaborao,mas, sempre

    de maneira genrica, como no seu artigo 7 quando estabelece que a consecuo das

    metas do PNE 2011/2020 e a implementao das estratgias devero ser realizadas em

    regime de colaborao entre a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios

    (BRASIL, 2011:19). Mesmo quando o texto do PNE conceitualiza o regime decolaborao, ele continua muito vago: uma forma cooperativa, colaborativa e no

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    competitiva de gesto que se estabelece entre os entes federados (Unio, Estados,

    Distrito Federal e Municpios), visando ao equilbrio do desenvolvimento e do bem-estar

    em mbito nacional, de forma geral, e na educao, de forma particular (BRASIL,

    2011:56). E no poderia ser diferente j que o regime de colaborao (pelo que consta no

    PNE) depende da criao do Sistema Nacional da Educao previsto para ser definidoat dois anos aps a homologao do PNE. E at l o que vai acontecer? Ser entendido

    apenas como uma carta de boas intenes?

    A discusso do Sistema Nacional de Educao (SNE) uma exigncia para a

    organizao da educao nacional articulada, integrada, eficaz e comprometida com a

    boa qualidade do ensino para todos no pode ser adiada. Caso contrrio estaremos

    dando razo queles que no o julgam necessrio ou se colocam contra alegando que a

    sua existncia impede a autonomia dos entes federados, argumento que, muitas vezes,

    revela uma posio contrria universalizao da escola pblica (GRACINDO,

    2010:53).

    Sem dvida, o PNE fortalece a necessidade de regulamentar o regime de

    colaborao em sua funo de definir diretrizes, objetivos, metas e estratgias de

    implementao por meio de aes integradas dos poderes pblicos das diferentes esferas

    federativas. No h dvida de que ele materializa, ou deveria materializar, o regime de

    colaborao. Mas as suas metas s podem ser alcanadas pela solidariedade federativa,

    por um pacto federativo. Infelizmente o regime de colaborao, bem como a gesto

    democrtica do ensino pblico, previstas na Constituio de 1988. Precisamos avanar

    num novo regime jurdico da gesto democrtica e do regime de colaborao. E os planos

    dos diferentes entes federativos (PEE e PME) precisam adequar-se a um regime de

    colaborao juridicamente estabelecido. O sucesso da implementao do PNE depende

    no s da ampliao progressiva do investimento pblico em educao, mas tambm do

    monitoramento dos planos subnacionais de educao: eles precisam dar suporte s

    metas constantes do PNE. Esses planos precisam ser decenais como o PNE. Enfim, o

    sucesso do PNE depende ainda do processo das Conferncias Nacionais de Educao

    que, alm de subsidiar a sua elaborao, tem por objetivo avaliar e monitorar a execuo

    do PNE.

    Nesses termos, o PNE pode constituir-se num promotor de profundas mudanas no

    processo de planejamento educacional no Brasil, um documento gnese de polticas

    pblicas e de democratizao no s do ensino mas da sociedade, consolidando a

    necessidade criao do Sistema Nacional de Educao, da Gesto Democrtica e doRegime de Colaborao. A pulverizao atual dos sistemas de ensino um fator

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    facilitador do patrimonialismo, do nepotismo e do clientelismo para no falar da nefasta

    influncia na qualidade da educao. A faltadearticulao alimenta as desigualdades e

    incentiva o "espirito patrimonialista, como diz Genuno Bordignon. Todos parecem querer

    atender a "sua" rede como se os sistemas ou redes no fossem coisas pblicas, mas

    patrimnio de um governo: a viso patrimonialista das redes pblicas de ensino complicaas relaes intergovernamentais, hoje carregadas de crticas mtuas, e, por outro lado,

    no permite um planejamento articulado e coerente dos servios educacionais, resultando

    atomizao e/ou duplicao das aes (BORDIGNON, 1989:7-8).

    Devemos implementar, desde j, polticas e realizar prticas de colaborao entre

    os entes federativos, bem como de gesto democrtica e participao popular, sem

    esperar uma soluo definitiva para esse desafio, pois o federalismo dinmico e

    depende sempre de muita negociao e renegociao poltica. O federalismo no uma

    cincia exata. resultado de acordos polticos onde existe cooperao, negociao e

    conflito. E, nesse campo, podemos dizer que estamos avanando nas ltimas dcadas,

    se levarmos em contas as experincias realizadas de laos colaborativos e de gesto

    democrtica, em diversas regies e estados, com acordos, fruns, consrcios e arranjos

    educacionais e de gesto pblica por meio de conselhos.

    Um exemplo de gesto pblica na esfera local por meio de conselhos foi realizado,

    com muito xito, na gesto Luiza Erundina (1989-1992) no Municpio de So Paulo

    quando instituiu os Conselhos Regionais de Conselhos de Escolas (Creces). Esse

    organismo de poder intermedirio entre a escola e a Secretaria de Educao contribua

    muito com a superao da fragmentao da unidade escolar (Antunes, 2002:147).

    Conselhos, Conferncias e Fruns so os principais instrumentos de participao popular

    institudos hoje no Brasil. Uns complementam outros. As Conferncias mobilizam sujeitos

    que, muitas vezes, no participam de movimentos organizados e, assim, podem ampliar o

    alcance dos prprios conselhos. A Conae, por exemplo, mobilizando cerca de 3,5 milhes

    de pessoas consegue criar mais legitimidade sua deciso de criar um Frum Nacional

    de Educao.

    O federalismo na educao tem sido uma demanda expressa h 80 anos no

    Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova. Est mais do que na hora de realiz-lo

    definitivamente. Regulamentar o Artigo 11 do LDB que estabelece o sistema nico de

    educao bsica, definindo responsabilidades das trs esferas de governo em relao

    Educao Bsica outra condio para a implementao do Plano Nacional de

    Educao. Mais do que a federalizao da educao bsica (que exigir mudanasprofundas na Constituio) a Conae de 2010 indicou o Sistema Nacional de Educao

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    articulado como mecanismo mais apropriado para alcanar a deseja qualidade da

    educao nacional. Na Conae, a discusso sobre federalismo esteve sempre articulada

    ao debate sobre financiamento, sistema nacional de educao, gesto democrtica e

    regulamentao do regime de colaborao, entre outras importantes temticas (Luiz

    Fernandes Dourado. In: Editorial, CNTE, 2012:07). H um entendimento equivocadoArtigo 11 do LDB que o limita apenas subordinao dos municpios que no tem sistema

    de educao ao sistema estadual. o Estado disciplinando e credenciando as redes

    municipais de ensino.

    6. Aprofundar a lgica colaborativa para construi r o federalismo co laborativo

    Ao lado do Conselho Nacional de Educao, o Frum Nacional de Educao, com

    sua grande representatividade, poder ter uma funo particular na definio desse

    federalismo colaborativo, articulando a sociedade civil e as esferas de governo. Assim

    como a continuidade e a estabilidade so ideias inerentes noo de Plano, a

    descontinuidade e a instabilidade parecem inerentes aos mandatos governamentais. Essa

    contradio pode ser minimizada com uma poltica de Estado e no de governo instituda

    a partir do regime de colaborao.

    Mas, para isso, preciso envolver mais a sociedade civil: pais, alunos, professores

    precisam ter um papel mais ativo nos organismos de elaborao e de gesto das polticas

    colaborativas, de um lado, e, de outro, terem mais representao (participao popular)

    na implementao de iniciativas de colaborao. Nisso no se pode prescindir do papel

    indutivo do governo federal e do Congresso Nacional.

    J se transferiu para a esfera municipal enormes responsabilidades sem uma clara

    definio de competncias gerando sobreposio de aes. Neste momento, esse

    deveria ser o foco central de ao do Frum Nacional de Educao com base em

    experincias regionais e estaduais que envolve tanto aspectos tcnico-pedaggicos

    quanto administrativo-financeiros, bem como envolve aspectos constitucionais, num

    regime federativo, relativos autonomia de Estados e Municpios. A lgica cooperativa e

    colaborativa pressupe regras claras e instrumentos de execuo que garantam a sua

    eficcia tcnica, poltica e pedaggica.

    O planejamento um instrumento de interveno do Estado com vistas

    consecuo de suas polticas pblicas. Mas ele mais do que um documento final

    aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidncia da Repblica, como no caso doPNE. O planejamento menos um plano, um documento, e mais um processo,

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    particularmente no planejamento educacional: o processo da Conae foi fundamental para

    a elaborao do documento/plano PNE.

    Pensar o planejamento em educao, numa perspectiva de gesto democrtica,

    implica redefinir sua funo e sua forma de desenvolvimento e de organizao, na

    perspectiva do planejamento participativo. Em contraposio aos modelos burocratizadosde planejamento, baseados numa viso instrumental e tcnica do planejamento, o

    planejamento participativo incentiva processos e prticas participativas, coletivas, com

    vistas a transformar e no a legitimar o j dito, o j feito, o j pensado.

    Podemos dizer que, no caso do PNE, adotamos como mtodo o Planejamento

    participativo, um processo que possibilita o conhecimento da realidade agindo sobre ela,

    refletindo coletivamente sobre ela, com vistas sua transformao (GANDIN, 2001). Esse

    processo participativo de planejamento oferece tambm uma oportunidade de formao

    cidad, de formao para a participao social e poltica.

    No podemos opor sistematicamente centralizao e descentralizao.

    Centralizao e descentralizao no se opem: maior capacidade de deciso do poder

    local no planejamento e transferncia de novas responsabilidades para a escola e para os

    municpios no se ope definio dos padres e critrios nacionais de educao; o

    problema como se definem esses padres: para que, a favor do que e a favor de

    quem, diria Paulo Freire. Autonomia escolar no se ope a padres nacionais de

    qualidade.

    Processos de descentralizao, muitas vezes, em vez de permitirem maior

    equidade e participao popular, tem favorecido o clientelismo e o patrimonialismo.

    Polticas descentralizadoras e municipalizadoras em um pas desigual e heterogneo

    podem ser tambm polticas injustas, j que tratam igualmente os desiguais. Repassar

    responsabilidades ao governos locais sem repassar recursos tem empobrecido ainda

    mais a educao em sua base, gerando desigualdades, injustias e revelando descaso

    em relao educao, quando no repassando para o indivduo a responsabilidade pela

    sua educao.

    A descentralizao bem como a autonomia, a diferenciao ou regionalizao

    cumprem seus objetivosdemocrticose dinamizam a educao local. Mas ela no pode

    existir sem a homogeneidade, ou melhor, uma poltica nacional de educao, um sistema

    nacional (nico) e articulado de educao (CONAE 2010), democrtico e emancipador,

    como defende a Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao (CNTE). A

    questo central das reformas que elas no tem enfrentado a questo do modelo: asideias que orientam nossas reformas so ainda neoliberais. Quando a CNTE fala num

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    sistema nacional democrtico e emancipador ela aponta para um outro modelo.

    O fortalecimento da gesto pblica municipal e de sua autonomia no se ope a

    padres nacionais e nem participao popular na gesto das polticas pblicas. Padres

    oligrquicos de exerccio do poder local podem ser anulados com mais participao

    popular prevista em polticas nacionais num regime de cooperao.A Constituio Federal de 1988, reagindo ao centralismo do perodo autoritrio, foi

    elaborada no contexto de forte crtica centralizao sem levar muito em conta a enorme

    desigualdade educacional dos entes federativos. A questo central hoje no est tanto

    restrita ao tema centralizao/descentralizao, mas ao tema da superao das

    desigualdades sociais e educacionais. O desafio instituir parmetros nacionais que

    contribuam para eliminar essas desigualdades.

    A educao um direitohumanoe como direito humano no pode ser distinta,

    diferente, em cada esfera de governo. Precisa ser comum e igual para todos. Nossa

    educao continua muito desigual. A autonomia dos entes federativos no pode

    contrapor-se aos direitos humanos. Unidade na diversidade no significa unidade na

    desigualdade.

    Vivemos numa sociedade de redes e de movimentos.As redes so estruturas

    abertas (Castells, 2000:498) onde novos ns se agregam desde que compartilhem os

    mesmos cdigos (Idem), o que significa: os mesmos princpios, valores, ideais. A lgica

    colaborativa das redes requer o dilogo, articulao de aes e gesto compartilhada.

    Nesse contexto, um sistema nacional de educao deve conciliar parmetros nacionais

    com a diversidade e a autonomia dos sistemas de ensino dos entes federativos. a

    unidade na diversidade, superando a tenso entre centralizao e descentralizao.

    Quando pensamos em participao, em geral, vem imaginao um conjunto de

    pessoas reunidas num auditrio. No exploramos ainda o suficiente o grande potencial de

    participao possibilitado pelas redes sociais e pelas novas tecnologias. Conferncias e

    encontros tambm podem se realizar em meio virtual. A participao popular se amplia

    com a disseminao dos meios digitais de comunicao. Hoje, no Brasil, a participao

    popular, principalmente dos jovens, est mais vinculadas s redessociais, regidas por

    grande horizontalidade, sem hierarquias, ainda no inteiramente aproveitada pelas

    polticas educacionais. Um exemplo dessa nossa face da participao social e popular

    est no fenmeno recente do surgimento dos Fruns como o Frum Social Mundial

    espaos diversos e plurais (Gadotti, 2007) onde as pessoas se juntam em torno de

    causas comuns. Construir redes e fruns me parece uma boa estratgia para envolvercada vez mais pessoas - no apenas as institucionalizadas - na imprescindvel reforma

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    educacional preconizada por Florestan Fernandes (1989).

    7. O rumo e o prumo

    A primeira Conae teve uma grande mobilizao. Ela indicou o rumo que aeducao brasileira deveria seguir: a construo de um sistema nacional de educao

    articulado. No o caso de consult-la novamente sobre o mesmo tema se ela j se

    manifestou. o caso de apresentar resultados e continuar avanando. Como resultado,

    pode-se apresentar o PNE, mas ele deixou enorme lacuna em relao ao regime de

    colaborao que deveria ser o cimento do sistema nacional. Est na hora de nos

    concentrar corresponsavelmente nesse nico objetivo: um sistema nacional de educao

    que regulamente o regime de colaborao de forma democrtica.

    Sobre o sistema nacional, temos belos estudos filosficos e acadmicos. H 80

    anos estamos discutindo e analisando o sistema nacional, mas precisamos traduzir essa

    discusso no camponormativopara ter efeitos prticos. O conjunto de deliberaes da

    Conae que est no seu DocumentoFinal, aponta nesta direo. Est na hora do poder

    pblico dar uma resposta com um ProjetodeLeique contemple esse antigo anseio da

    sociedade que, ademais, um mandato do regime federativo colaborativo da Constituio

    Federal de 1988. O Documento-Referncia a ser discutido deveria ser este, um

    documento que oriente as discusses do processo participativo da Conae no foco que ela

    mesma estabeleceu. O pas precisa dizer de que cooperao precisamos e quais so os

    mecanismos que a implementaro nessa gesto compartilhada.

    A Conae 2010 em seu Documento Final estabelece muitas aes, medidas,

    encaminhamentos, implicaes, recomendaes etc, mas preciso traduzir tudo isso em

    leis e polticaspara que ela incida na realidade educacional brasileira. De algum ponto

    devemos partir, mesmo que tenhamos que dar muitas voltas. Precisamos fazer um

    esforo comum com o Conselho Nacional de Educao e com o Frum Nacional de

    Educao, com base nos estudos acadmicos realizados e no processo da Conae, com

    base na LDB e na prxiscolaborativaque fundamenta diversas polticas de educao

    nacional e elaborar um texto para discusso,mesmo que venha de apenas algumas

    entidades, mas que sistematize o que de responsabilidade comum e o que de

    competncia prpria de cada esfera de governo e que seja submetido ao debate pblico

    como foi feito com o Plano Nacional de Educao. A academia e a sociedade precisam

    juntar-se ao poder legislativo e consagrar em leia organizao da educao nacionalque queremos.

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    Um Sistema Nacional de Educao no ser o resultado de estudos e pesquisas

    acadmicas por mais significativas que sejam. Ele ser resultado de uma prxis poltica

    no contexto de um projeto de sociedade em construo. Lutamos h 80 por um sistema

    nacional de educao. Durante mais de 8 dcadas ele foi pensado e estudado pelos

    educadores. Por que nunca foi prioridade? J ganhamos espao ns ltimos anos compolticas que caminham nessa direo, mas precisamos dar um salto qualitativo na

    correlao de foras polticas, apoiando-nos na mobilizao da sociedade. A temtica do

    sistema no pode ficar s na academia ou no seio da luta dos educadores. Precisa ir

    alm: invadir o parlamento e as ruas, mobilizando todas as categorias de trabalhadores. A

    prxima Conae pode transformar-se nesse instrumento poltico persuasor de uma nova

    hegemoniana educao que possibilite superar o patrimonialismo e o clientelismo.

    As Conferncias Nacionais de Educao so organismos vivos j que so o

    resultado da participao popular. Mesmo assim, preciso evitar a repetio. Qual deve

    ser o grande diferencial da segunda Conae? De certa forma o Documento-Referncia

    desta nova Conae j est dando esse diferencial: ele est mais prximo da concepo

    popular da educao, mas ela precisa ser aprofundada no processo. Depender da

    participao popular. A nfase na questo da participao popular e do controle social das

    polticas educacionais um indicador desse diferencial. Esperamos que outro diferencial

    seja realmente a capacidade de nova Conae de desembocar num anteprojeto de lei

    complementar que regulamente o regime de colaborao e a gesto democrtica do

    ensino pblico e construa o sistema nacional de educao. Como sustenta a CNTE, neste

    momento, mais importante depreender esforos para efetivar o Sistema Nacional de

    Educao do que perder um longo tempo discutindo uma nova LDB que s depois

    possibilitaria a regulamentao do Sistema Nacional de Educao (CNTE, 2005:290).

    Discute-se se a lei deve ser o ponto de partida ou o ponto de chegada. Lembro-me

    de cano de Milton Nascimento dizendo que o trem da partida o mesmo da chegada.

    A lei esse trem que comea e termina a jornada. Comea pela debate pblico e termina

    com a sua aprovao final. Se lei complementar (determinao constitucional) ou

    ordinria (competncia da Unio) o processo que definir. A proposta de lei

    complementar encontra respaldo no pargrafo nico do Art. 23 da Constituio quando

    estabelece que Leis Complementares fixaro as normas para a cooperao entre a

    Unio e os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, tendo em vista o equilbrio do

    desenvolvimento e do bem-estar em mbito nacional.

    A Conae-2010 se pronunciou a favor da discusso imediata de um anteprojeto delei do SNE. A sociedade quer participar desde o ponto de partida e no s depois que o

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    trem estiver andando. E ela j vem participando. De certa forma, a prpria sociedade j

    ps o trem em marcha defendendo a criao do Sistema Nacional de Educao na

    Conae-2010. A sociedade civil, como representante da nacionalidade, j avanou muito

    nesse debate. Urge definir o SNE como prioridade normativa nacional. As entidades

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