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  • Controle de infeco hospitalar: histrico e papel do estado1

    Control of hospital infection: description and paper of the state

    Control de la infeccin del hospital: descripcin y papel del estado

    Rosangela de OliveiraI, Snia Ayako Tao MaruyamaII

    IEnfermeira. Mestranda do Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiab MT. E-mail:[email protected].

    IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem Fundamental. Professora da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiab MT. E-mail:[email protected].

    RESUMO

    As Infeces Hospitalares - IH so complicaes relacionadas assistncia sade e se constituem na principal causa de morbidade e mortalidade hospitalar, gerando prejuzos aos usurios, comunidade e ao Estado. Nessa perspectiva, este artigo tem por objetivo abordar a histria das instituies hospitalares e suas relaes com as prticas de controle de infeco, alm de identificar o papel do Estado, dos profissionais de sade e dos usurios dos servios no controle das IH. Trata-se de um estudo de reviso de literatura com base nos artigos encontrados no Scielo, em textos publicados sobre Vigilncia Sanitria e em bibliografia pertinente, utilizando os descritores infeco hospitalar, assistncia hospitalar e vigilncia sanitria. Do material levantado procedemos leitura de forma a identificar aqueles que nos subsidiassem o entendimento da relao entre infeco hospitalar, as instituies hospitalares e o papel do Estado. Como resultado foi possvel relacionar Os hospitais e as infeces hospitalares e O controle da IH e o papel do Estado. As informaes acessadas pelo estudo nos possibilitaram compreender que o controle das IH envolve um esforo conjunto de diferentes sujeitos e instncias, ou seja, profissionais de sade, gestores, Estado e comunidade.

    Palavras chave: Infeco hospitalar; Vigilncia sanitria; Assistncia hospitalar.

    ABSTRACT

  • The nosocomial infections are complications related to health assistance and they constitute the main cause of morbidity and nosocomial mortality, originating prejudices to the users, the community and the State. In this perspective, the purpose of this article has for objective to approach the history about hospital institutions and its relations with the infection control practices, beyond identify the paper of State, of the professionals of health and users of the service in its control. One is about a study of literature revision on the basis of articles found in the Scielo, texts published on Sanitary Monitoring and pertinent bibliography, using the describers hospital infection, hospital assistance and sanitary monitoring. From the obtained material we proceed the reading to identify those that subsidized us in the comprehension of the relation among nosocomial infection, the hospital institutions and the States paper. As result, it was possible to relate The hospitals and nosocomial infections and The control of the nosocomial infections and the States paper. The information had access for the study allowed us to understand that the control of the IH involves a joint effort of different citizens and instances, that is, professionals of health, managers, State and community.

    Key words: Nosocomial infections; Sanitary vigilance; Nosocomial welfare work.

    RESUMEN

    Las infecciones del hospital son complicaciones relacionadas con la asistencia a la salud y si constituyen en la causa principal de la morbidad y mortalidad del hospital, gerando perjuicio a los usuarios, a la comunidad y al Estado. En esta perspectiva, el propsito del artculo tiene el objetivo acercarse a la historia de las instituciones nosocomiales y su relaciones con las practicas de control de las infecciones, ms all de identificar el papel del Estado, los profesionales de la salud y los usuarios de los servicios en su control. Se trata de un estudio de la revisin de la literatura en base de los artculos encontrados en Scielo, textos publicados en la supervisin sanitaria y la bibliografa pertinente, usando los descriptores infeccin del hospital, asistencia del hospital y la vigilancia sanitaria. Del material levantado procedemos la lectura para identificar los que nos subvencionaron en la comprensin de la relacin entre la infeccin nosocomial, las instituciones del hospital y el papel de Estado. Como resultado, fue posible relacionar Los hospitales y las infecciones nosocomiales y El control de las infecciones nosocomiales y del papel de estado. Las informaciones accesadas por el estudio permitieron comprender que el control del IH implica un esfuerzo conjunto de diversos ciudadanos y de los sujetos, es decir, profesionales de la salud, encargados, estado y comunidad.

    Palabras clave: Infeccin hospitalaria; Vigilancia sanitaria; Atencin hospitalaria.

    INTRODUO

    A assistncia sade vem, ao longo dos tempos, evoluindo com os avanos cientficos e tecnolgicos, e tem refletido em melhoria das aes de sade para a populao. Porm, se por um lado se observa o desenvolvimento cientfico-tecnolgico nas aes de sade, por outro, tem-se observado que problemas antigos ainda persistem como o caso das infeces hospitalares(1).

    A infeco hospitalar definida pela Portaria MS n 2616 de 12/05/1998 como aquela adquirida aps a admisso do paciente e que se manifeste durante a internao ou aps a alta, quando

  • puder ser relacionada com a internao ou procedimentos hospitalares. Elas representam complicaes relacionadas assistncia sade e constituem a principal causa de morbidade e mortalidade hospitalar, aumentando o tempo de internao dos pacientes e, com isso, elevam os custos dos hospitais e reduzem a rotatividade de seus leitos(2). Os procedimentos cada vez mais invasivos, ao uso indiscriminado e a resistncia aos antimicrobianos so fatores que apontam as infeces hospitalares como um grave problema de sade pblica(3-4).

    No Brasil, sua prevalncia exata de um modo geral ainda desconhecida(4), entretanto, um inqurito nacional realizado pelo Ministrio da Sade revelou que entre as instituies avaliadas, a taxa de infeco hospitalar variou de 13% a 15%(5-6). Esta se apresenta bastante alta se compararmos a um estudo levantado pela Organizao Mundial de Sade (OMS) que encontrou em 14 pases, entre 1983-1985, taxa mdia de 8,7%(7), ou seja, o estudo realizado no Brasil revelou que este apresenta praticamente o dobro de casos de infeco hospitalar em relao aos outros pases estudados, demonstrando a necessidade de medidas mais eficazes para a reduo dessas taxas no pas.

    A infeco hospitalar h muito tempo tem sido motivo de preocupao entre os rgos governamentais e, embora a sua regulamentao tenha ocorrido na dcada de 80, a problemtica no pas continua ainda sendo negligenciada(2,8,9).

    Neste contexto, com base nas prticas vivenciadas como profissional de sade em diferentes instituies hospitalares, observamos aspectos do cotidiano dos profissionais de sade e dos usurios que se relacionam com a problemtica das infeces hospitalares. Diante da realidade apresentada e das reflexes, surgiram questes como: como as infeces hospitalares surgiram? Quais as responsabilidades do poder pblico no controle da infeco hospitalar? Quais mecanismos de regulao e controle de servios e produtos o poder pblico se utiliza?

    O que nos motivou a realizar o estudo foi a necessidade de compreender as infeces hospitalares a partir da sua constituio e do papel do Estado no seu controle, aprofundando os conhecimentos relativos a esta temtica que faz parte da nossa atividade profissional, no intuito de buscar um melhor entendimento para esse importante problema de sade pblica que implica na garantia da qualidade e da segurana na prestao de servios de sade.

    Assim, buscamos atender a dois objetivos: abordar a histria das instituies hospitalares e suas relaes com as prticas de controle de infeco, alm de identificar o papel do Estado, dos profissionais de sade e dos usurios dos servios no controle das IH.

    Pretendemos com este artigo subsidiar reflexes acerca das prticas de controle de infeco hospitalar bem como ressaltar a importncia de co-responsabilizar as pessoas envolvidas no contexto destas prticas, ou seja, gestores, profissionais de sade, usurios e familiares, enfim a sociedade, de forma a qualificar a ateno nas instituies que prestam assistncia a sade.

    METODOLOGIA

    Trata-se de um estudo de reviso de literatura, com base em artigos encontrados no Scielo e, em textos publicados nos Manuais da Vigilncia Sanitria e em bibliografia pertinente, utilizando os descritores infeco hospitalar, assistncia hospitalar e vigilncia sanitria. Do material levantado selecionamos aqueles que se enquadravam no perodo de 1997 a 2006. Aps a leitura dos mesmos, selecionamos 19 textos que abordavam a temtica em questo. Para anlise e sntese seguimos os seguintes passos(10): leitura exploratria para reconhecer do que se tratava o texto; em seguida procedemos a uma leitura seletiva, selecionando o material em busca de informaes que pudessem estar relacionados aos objetivos e a temtica proposta. Aps a leitura geral dos textos, procedemos ao fichamento segundo os objetivos propostos, ou seja, que nos

  • subsidiassem o entendimento da relao entre infeco e as instituies hospitalares e o papel do Estado. Seguimos para uma leitura analtica que nos possibilitasse a construo de categorias e, posteriormente, realizamos uma leitura interpretativa, ou seja, procuramos dar significado aos dados encontrados. Como resultado foi possvel relacionar dois aspectos: Os hospitais e as infeces hospitalares e O controle da IH e o papel do Estado(10).

    OS HOSPITAIS E AS INFECES HOSPITALARES

    O aparecimento das infeces hospitalares to antigo quanto o surgimento dos hospitais. Data aproximadamente do ano 330 a.C. no Imprio Romano, a existncia do primeiro hospital urbano, embora tenha sido relatada a construo do primeiro hospital em 394 a.C. na periferia de Roma Posteriormente, muitos outros foram criados, como o Hotel-Dieu na Frana, que possua cerca de 1.200 leitos, muitos dos quais eram compartilhados com outros doentes(6). Ressaltamos a utilizao do termo hospital por convenincia didtica, haja vista que tal denominao no se aplicava a esta instituio nos primrdios de sua existncia.

    Conforme o Conclio de Nicia, os hospitais eram construdos prximos s catedrais(11), caracterizando uma funo caritativa, de assistncia aos pobres, invlidos, peregrinos e doentes. Esses espaos de segregao e de excluso, similares a albergues ou asilos, eram considerados fonte inesgotvel de doena devido s caractersticas sanitrias e de assistncia precrias, no se fazendo presentes, portanto, nem o mdico e nem a atividade teraputica(12).

    No dispunham de nenhuma forma de sistematizao assistencial que evitasse os contgios entre as pessoas ali assistidas, favorecendo a disseminao de doenas, especialmente as de carter infeccioso(12). O hospital era mais do que local de cura e cuidado, uma fonte de doena e local de morte.

    Desde o perodo a.C., na Roma Antiga e na Idade Mdia, a assistncia nos hospitais era prestada quase sempre por mulheres, como religiosas, prostitutas e outras pessoas sem qualquer tipo de qualificao e remunerao. Para aquelas consideradas pecadoras, servia como um meio para a remisso dos seus pecados e merecimento de indulgncias(13).

    Por terem carter social, os hospitais no eram utilizados pelas famlias mais abastadas. Estas, realizavam os cuidados e a assistncia aos seus enfermos no prprio domiclio. At meados do Sculo XVIII, o hospital no era um local para o doente se curar e sim um local para assistncia aos pobres que estavam morrendo(12).

    Paralelamente s condies precrias pelas quais se conformavam os hospitais at meados do sculo XVIII, se observou a ocorrncia das infeces hospitalares, ou seja, as pessoas doentes assistidas nos hospitais, passavam a desenvolver outras doenas em funo da hospitalizao.

    A infeco surge nos hospitais como uma conseqncia das precrias condies em que as pessoas eram dispostas e atendidas naqueles ambientes. A precariedade das condies por sua vez, contribuiu para a evoluo do conhecimento sobre o hospital e sua finalidade, que, gradativamente, passa a ter uma nova funo na assistncia sade.

    A mudana desse paradigma caritativo-assistencial ocorre no final do Sc. XVIII, com a conscientizao de que o hospital poderia e deveria ser um instrumento de teraputica, no pela ao sobre o doente ou a doena, mas pelos efeitos negativos que ele causava, como as desordens econmico-sociais(12).

    A partir de inquritos a pedido da Academia de Cincias em outros hospitais da Europa, inicia-se a reforma e reconstruo do Hotel-Dieu de Paris. Surgem tambm novas concepes quanto

  • relao entre fenmenos patolgicos e espaciais, como segregao de doentes de acordo com a nosologia, cuidados com contaminaes e o ambiente, de forma a evitar os fatos patolgicos prprios dos hospitais(12).

    A emergncia do capitalismo corrobora para o processo da reestruturao dos hospitais, no objetivo de valorizar o corpo como objeto principal para as foras de trabalho necessrias ao modelo capitalista(8) e reduzir custos das instituies hospitalares que mantinham ociosos e necessitados, encarecendo a sua manuteno(12).

    Os hospitais iniciam sua gradual reestruturao, de um local de caridade para um local de cura, de observao, de saberes e de disciplina, com a insero dos mdicos, melhorando as condies de atendimento, tornando-os instituio mais funcional, internando doentes somente com indicao mdica para evitar a superlotao e contribuindo para o ensino. Essa disciplinarizao instituda com a entrada dos mdicos nos hospitais, constitui com o saber mdico, o incio das relaes de poder e da hegemonia mdica, que se estabelece progressivamente na hierarquizao da classe.

    Comeam a surgir as primeiras medidas bsicas de controle de infeco para o atendimento ao novo propsito do hospital. No contexto histrico das infeces hospitalares, em 1847, grande importncia representou Ignaz Philipp Semmelweis (1818-1865), mdico cirurgio hngaro, que em Viena, em meados do Sc. XIX, observando as altas taxas de infeco puerperal em mulheres que haviam sido tratadas por mdicos que antes haviam realizado necropsias, instituiu a rotina de higiene de mos com soluo clorada. Neste simples ato, conseguiu reduzir as taxas de infeco de 11,4% para 1,3% em um perodo de sete meses(6). Ressalte-se que, em 1843, Oliver Wendel Holmes fez esta mesma relao que Semmelweis, embora convincente e com argumentos lgicos, foi tratado com indiferena e hostilidade pela classe mdica, no conseguindo xito na poca(5,11).

    A partir da contribuio do trabalho de Semmelweis (1860), reforada por Lister (1867) e seguidamente por outros pesquisadores, foi-se estabelecendo a relao que havia entre os pacientes internados que apresentavam as infeces e os bitos(14).

    Na Inglaterra, no final do Sc. XIX, Florence Nightingale representou significativa importncia histrica com sua contribuio na (re)organizao dos hospitais e, conseqentemente, na implantao de medidas para o controle das infeces hospitalares, como a preocupao voltada para os cuidados de higienizao, o isolamento dos enfermos, o atendimento individual, a utilizao controlada da dieta e a reduo de leitos no mesmo ambiente, instituindo medidas de organizao, sistematizao do atendimento e treinamento de pessoal, especialmente as prticas higinico-sanitrias que estabeleceu e que colaboraram para a reduo das taxas de mortalidade hospitalar da poca(8,13). Considerada a precursora da enfermagem moderna, era dotada de um talento raro, muito frente das pessoas de sua poca, e seus conhecimentos e vivncias prticas na assistncia sade tem contribudo at hoje, vrias dcadas aps a sua morte.

    Especificamente no Brasil, as primeiras referncias ao controle da contaminao hospitalar, termo utilizado na poca, surgiram na dcada de 50, aproximadamente em 1956, com questionamentos quanto a medidas ambientais, prticas relativas aos procedimentos invasivos como as tcnicas asspticas, processos de esterilizao de material hospitalar e o aparecimento de microorganismos resistentes pelo uso indiscriminado de antibiticos(5-6). Nas escolas mdicas, esta temtica era pouco abordada, fato que persiste ainda nas instituies formadoras de profissionais de sade(6,15).

    Nas ltimas dcadas do Sc. XIX no Brasil, os ndices de infeco verificados entre os pacientes submetidos a procedimentos cirrgicos chegavam a at 90% e suas causas se relacionavam a falta de regras bsicas de higiene e de isolamento dos doentes portadores de doenas infecciosas,

  • causando o que se denominavam na poca de gangrenas dos hospitais, representando a principal causa de mortalidade nos hospitais brasileiros(6).

    Os primeiros relatos no pas quanto ocorrncia de infeco hospitalar, surgiram na dcada de 50, e, embora se utilizasse o termo contaminao hospitalar, referiam como causas a esterilizao do material hospitalar, o uso indiscriminado de antibiticos e o surgimento de microorganismos resistentes(5-6).

    A partir de 1968 surgem as primeiras Comisses de Controle de Infeco Hospitalar (CCIH) no pas, vinculadas a instituies de ensino inicialmente. Em 1976, o governo determina a necessidade de criao de CCIH nos hospitais prprios da previdncia, mas a medida no causa impacto pela falta de fiscalizao.

    A dcada de 80 caracteriza-se por um grande avano no controle de infeco, ocorrendo vrios eventos relativos ao tema, levando a criao de vrias CCIH nos hospitais brasileiros(5-6).

    Em 1983, o Ministrio da Sade, pressionado pelos fatos veiculados na imprensa relativos a casos de infeces hospitalares, emitiu a Portaria MS n 196/1986 que recomendava aos hospitais brasileiros a criao de CCIH.

    Em 1985, a morte do recm-eleito Presidente da Repblica, Tancredo Neves, por septicemia devido a uma infeco ps-cirrgica, causou grande repercusso nacional, corroborando para que o Ministrio da Sade implementasse aes e projetos que mudassem o panorama e os rumos do controle de infeco no pas. Desencadearam-se aes como o levantamento das instituies brasileiras que j tinham CCIH operacionalizadas, capacitao de multiplicadores, intercmbio de conhecimentos entre os profissionais de sade, elaborao de manuais e normas tcnicas(6). Em 1989 ocorreu o I Congresso Brasileiro sobre Infeco Hospitalar em So Paulo, como conseqncia do desenvolvimento desse conhecimento entre os profissionais e na constituio de um novo mercado de trabalho que se criava(5).

    Os anos 90 marcaram um progressivo desgaste no Programa de Controle de Infeco Hospitalar Brasileiro, mesmo com a publicao da Portaria MS n 930/1992. A poltica de descentralizao das aes de sade, amparada pela Lei n 8.080/1990, provocou a fragmentao e disperso das bases de apoio em controle de infeco hospitalar do Ministrio da Sade(6).

    O efeito dessa descentralizao culminou na formao de ncleos de profissionais em alguns Estados com o intento de manter trocas de experincias, dando origem a vrias associaes de profissionais em controle de infeco(6).

    Em conseqncia do no cumprimento da Portaria MS n 930/1992 por grande parte dos hospitais brasileiros, o Ministrio da Sade emitiu a Lei Federal n 9.431/1997 que determinava a obrigatoriedade de manuteno de Programas de Controle de Infeco Hospitalar em todos os hospitais do pas, mas vetava a obrigatoriedade de servios de controle de infeco e busca ativa de casos.

    Quase dez anos aps a emisso da Lei Federal n 9.431, o Ministrio da Sade emite a Portaria n. 2.616/1998, ainda em vigor, que mantm a obrigatoriedade da existncia de um PCIH em todos os hospitais do pas, trata da organizao e competncias da Comisso de Controle de Infeco Hospitalar -CCIH e do Programa de Controle de Infeco Hospitalar -PCIH, estabelece os conceitos e critrios diagnsticos das Infeces Hospitalares, d orientaes sobre a vigilncia epidemiolgica das infeces hospitalares e seus indicadores, faz recomendaes sobre a higiene das mos e enfatiza a observncia de publicaes anteriores do Ministrio da Sade quanto ao uso de germicidas, microbiologia, lavanderia e farmcia.

    Com a necessidade de centralizar aes de regulao de alimentos e medicamentos inicialmente e, posteriormente, de produtos e servios de interesse da sade, em 1999 foi criada a Agncia

  • Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA), autarquia ligada ao Ministrio da Sade, em cujas atribuies inclui tambm o controle de infeco hospitalar em nvel federal, com suporte s Secretarias Estaduais por meio de apoio tcnico, capacitaes, expedio de normas e legislaes, consolidao de informaes e promoo da socializao das informaes pertinentes.

    Para a instrumentalizao mais efetiva das aes de fiscalizao sanitria no monitoramento das aes de Controle das Infeces nos estabelecimentos hospitalares, a ANVISA emitiu a Resoluo RDC n. 48/2000, para estabelecer a sistemtica para avaliao/inspeo dos Programas de Controle de Infeco Hospitalar. Serviu para dar suporte fiscalizao sanitria e aos profissionais das CCIH dos hospitais.

    A deficincia de indicadores de infeces hospitalares(16) levou a ANVISA a desenvolver o Sistema de Informaes para o Controle de Infeco em Servios de Sade (SINAIS), cujo objetivo conhecer o perfil epidemiolgico e as taxas de infeces hospitalares nos hospitais, buscando uniformizar e padronizar os indicadores com possibilidade de acompanhamento, alm de servir como instrumento de orientao para implantao das aes que visam diminuir sua incidncia e gravidade nos servios de sade, medir sua eficcia e monitorar a qualidade da assistncia hospitalar e riscos.

    Na prtica, mesmo com a existncia de legislaes e normativas para o exerccio do controle sanitrio, verificamos a interferncia de vrios discursos influindo nas prticas, sejam de ordem poltica, econmica, jurdica ou tcnica, acarretando confrontos dos mais variados, que acabam por interferir nas aes da regulao sanitria. Esses discursos, embora no possuam a capacidade de perpassar domnios tcnicos e cientficos, constituem relaes de foras capazes de suprimir a execuo do exerccio institucional efetivo de controle de infeco hospitalar no Brasil.

    O CONTROLE DE INFECO HOSPITALAR E O PAPEL DO ESTADO

    O sistema de fiscalizao sanitria, originou-se na Europa entre os sculos XVII e XVIII, na poca denominada polcia sanitria, pela necessidade de manter a paz, o crescimento ordenado, o controle das riquezas e as condies de manuteno da sade que surgem em funo do crescimento das cidades(12).

    Dotada de um conjunto de regulamentos e de instituies mltiplas, na rea da sade, visava a regulamentao do exerccio da profisso mdica, tambm realizado por curiosos sem formao especfica(13), combatendo o charlatanismo, promovendo o saneamento das cidades, fiscalizando as embarcaes, os cemitrios e a comercializao de alimentos e evitando que as doenas se propagassem entre a populao(17).

    No Brasil, a preocupao sanitria data entre os sculos XVIII e XIX, pouco aps o seu surgimento na Europa, embora j no sculo XVI tenham ocorrido aes de fiscalizao e de punio de curta efetividade(17).

    Para o controle sanitrio de servios e produtos de interesse e de ateno sade, o poder pblico tem como responsabilidade fazer com que as normas e legislaes relacionadas sejam aplicadas para evitar a exposio da populao a riscos. O descumprimento do exerccio atribudo ao agente pblico, implica na desconsiderao e responsabilidade que lhe foi imputada, constituindo obrigao legal do Estado promover a indenizao dos prejuzos causados em razo da no execuo das atividades pblicas atribudas(18).

    As aes de Vigilncia Sanitria englobam a fiscalizao e/ou vistoria, o licenciamento, a imposio de penalidades (notificao, apreenso, infrao e interdio), o trabalho educativo

  • (educao em sade), coleta, processamento e divulgao das informaes de interesse para a Vigilncia Sanitria e Epidemiolgica, dentre outros, observados os ditames legais e normativos das trs instncias (federal, estadual e municipal) que embasam seus mecanismos.

    As prticas de fiscalizao sanitria, inicialmente, conformavam-se de forma essencialmente policialesca, caracterizando o exerccio de polcia. Atualmente, a forma de atuao vem sendo modificada, numa concepo de trabalho voltada para a educao sanitria da populao, com o objetivo de tornar mais efetiva e eficaz a atuao da Vigilncia Sanitria, socializando o corpo social quanto noo das possibilidades dos riscos a que esto expostos nas diferentes prticas sob controle sanitrio e de suas intervenes quando necessrias(19). A participao e o controle popular como constituio de uma relao de poder mtua se imbrica com as aes de controle do rgo fiscalizador, garantindo sua participao ativa no processo como representante dos interesses da sociedade como consumidores e, conseqentemente, colaborando na otimizao e resolutividade das prticas fiscais.

    A atuao do rgo de Vigilncia Sanitria representa o cumprimento do papel que cabe ao Estado que o monitoramento de controle de ambientes, produtos e servios de interesse sade, embasados em legislaes e normativas das trs instncias.

    Os hospitais so servios complexos e envolvem um grande nmero de legislaes e normativas, devido sua especificidade complexa e caracterstica. Muitas dessas legislaes e normativas so criadas para setores ou servios especficos, dentro da prpria instituio. Devido extenso de atividades realizadas na fiscalizao, procuraremos destacar os pontos principais da inspeo sanitria nesses servios.

    O principal aspecto verificado diz respeito s questes higinicas do estabelecimento, requisito considerado bsico e fundamental para o funcionamento do servio, pois sua realizao efetiva e adequada permeia todos os outros processos que ocorrem no hospital. Embora seja essa uma atividade bsica, ainda representa um grande problema em muitos servios, constituindo um importante foco de disseminao de partculas e microorganismos, favorecendo a ocorrncia das infeces hospitalares.

    Todos os demais processos e procedimentos realizados no hospital, tanto os que envolvem a assistncia aos clientes como os demais, so criteriosamente avaliados pela importncia no contexto assistencial.

    Quanto estrutura fsica, de praxe a aprovao prvia do projeto arquitetnico do estabelecimento pelo rgo sanitrio quando em situaes de construo, reforma, adequaes ou ampliaes, permitindo sua construo dentro das normas sanitrias requeridas na RDC/ANVISA n 50 de 21/02/2002. Em casos cujas construes so antigas e fora dos padres sanitrios vigentes, aps anlise prvia do projeto, so sugeridas adequaes possveis de serem realizadas para que estejam o mais prximo possvel do estabelecido nas normas. Tais anlises permitem buscar estratgias de forma a permitir a minimizao de riscos de infeces hospitalares, especialmente em setores considerados crticos como as terapias intensivas e os centros cirrgicos por exemplo, uma vez que so nesses setores que os pacientes so submetidos a procedimentos invasivos, estando conseqentemente, mais expostos s infeces hospitalares. Nessa perspectiva, importante a participao da CCIH do estabelecimento nas discusses dos projetos a fim de contribuir com seus conhecimentos tcnicos especficos.

    Quando evidenciamos problemas decorrentes da estrutura fsica, seja no que se refere a fluxos, espaos ou acabamentos utilizados, o servio notificado a encaminhar projeto para avaliao, para que, em seguida, se procedam s adequaes necessrias.

    A inexistncia de normalizao e socializao das diferentes prticas so comumente verificadas e implicam na ineficincia do servio de instituir as normas e rotinas (Procedimentos Operacionais Padro - POP) para o seu funcionamento, que devem ser seguidas uniformemente por todos os

  • profissionais. Sua elaborao pode ser feita em parceria com o Servio de Educao Continuada e a Comisso de Controle de Infeco Hospitalar, seguido de capacitao para a socializao das informaes institudas no servio aos profissionais de sade(2,15).

    A inatividade ou ineficincia da Comisso de Controle de Infeco Hospitalar (CCIH) outro fato muito comum encontrado nos hospitais e que acaba acarretando prejuzos instituio, seja pela falta de capacitao ou perfil dos profissionais para atuao na rea ou por falta de conscientizao do gestor quanto s necessidades propostas pela CCIH, nem sempre atendidas. Muitas vezes ocorre da CCIH no dispor de um Programa de Controle de Infeco Hospitalar (PCIH) implantado e implementado, trabalhando sem um direcionamento para suas aes.

    Muitos hospitais ainda no atentaram para a importncia da contribuio da CCIH na assessoria administrativa da instituio, diagnosticando e vigiando a freqncia e distribuio das infeces hospitalares entre os pacientes internados e egressos, intervindo atravs da implantao e/ou implementao de medidas de controle de infeco, visando garantir a qualidade e segurana da sua assistncia(16).

    As prticas sanitrias evidenciam a necessidade de implementao de medidas de maior impacto no funcionamento dos servios hospitalares, com um enfoque maior para a institucionalizao de prticas de controle de infeco, que, muitas vezes, no tem o respaldo administrativo para a sua devida operacionalizao. H necessidade contnua de revises e implementao das prticas de preveno e controle, em virtude da utilizao de procedimentos cada vez mais sofisticados e invasivos, da virulncia dos microorganismos, do uso inadvertido de antimicrobianos e da resistncia microbiana(2).

    Alm das prticas relacionadas aos procedimentos tcnicos, de fundamental importncia para o xito das aes de controle de infeco, o envolvimento, a participao e a integrao da CCIH com os servios de apoio do hospital(20), como, especialmente, o laboratrio de microbiologia, a farmcia hospitalar, a lavanderia, a nutrio e o servio de limpeza, uma vez que esto tambm envolvidos com o controle de infeco. Nessa perspectiva, relacionamos alguns Programas bsicos a serem institudos nos hospitais, como Programa de Controle Mdico e Sade Ocupacional (PCMSO), Programa de Preveno de Riscos Ambientais (PPRA), Programa de Gerenciamento de Resduos de Servios de Sade (PGRSS), Controle Integrado de Pragas e Vetores, Programa de Manuteno Preventiva e Corretiva de Equipamentos Mdico-hospitalares e Programa de Manuteno e Controle de Limpeza dos Condicionadores de Ar ou Sistemas de Ventilao, em especial nos setores crticos.

    Assim, o Estado busca atravs de diversos mecanismos regulatrios, fiscalizar e normatizar as prticas de controle de infeco hospitalar, visando garantir populao o acesso a servios de sade que disponibilizem atendimento seguro e de qualidade.

    CONSIDERAES FINAIS

    A infeco hospitalar um grave problema de sade pblica e representa um grande desafio a ser enfrentado pelo poder pblico para a execuo das aes de preveno e controle de infeco nas instituies hospitalares.

    A realidade de muitos hospitais ainda deficiente sob aspectos relativos s questes sanitrias legais e normativas, e principalmente, quando se trata da inexistncia de Comisses e de Programas de Controle de Infeco Hospitalar para a aplicao das medidas de preveno e controle desses eventos.

  • Defendemos a importncia dos fatores vontade e iniciativa dos sujeitos, entretanto, no desvinculamos a valorizao das aes de capacitao e conscientizao dos agentes (trabalhadores e usurios) articulados em consonncia com os gestores dos servios.

    Nesse sentido, pactuamos da necessidade de institucionalizao dessa temtica nas unidades de formao de profissionais de sade no Brasil, permitindo que os profissionais de sade possam atuar com maior respaldo cientfico no assunto. Sabemos tambm que essa atitude implica em decises polticas que devem ser instigadas num esforo coletivo entre profissionais de sade e populao em benefcio do bem comum.

    Assim, a problemtica das infeces hospitalares requer tambm mudanas de ordem governamental, como a criao de uma poltica para o controle de infeco de maior efetividade, que v alm do estabelecimento de mecanismos legais e normativos para a sua regulao, que envolva a populao usuria dos servios, tornando-a partcipe no processo.

    necessrio refletir sobre todas as estratgicas possveis que possam contribuir para a mudana do atual panorama que se apresenta, como: a insero da temtica nos currculos dos cursos de graduao na rea de sade; a ampliao dos investimentos na disponibilizao de cursos de ps-graduao em controle de infeco para profissionais de sade, especialmente fora dos grandes centros; garantias legais no reconhecimento e autonomia do profissional controlador de infeco; reviso da legislao vigente objetivando o cumprimento efetivo das medidas de preveno e controle, tanto para estabelecimentos pblicos como privados; investimentos em pesquisas, seminrios e atualizaes.

    Acreditamos ainda que no baste investimentos em altas tecnologias em sade sem considerar a importncia de se investir no potencial humano como um elemento fundamental para a o desenvolvimento de prticas de controle de infeco que culminem numa assistncia segura e qualificada, que minimiza a permanncia na internao, o aumento dos custos hospitalares, o sofrimento dos pacientes e de suas famlias, trazendo repercusses para toda a sociedade.

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    Artigo recebido em 05.02.07

    Aprovado para publicao em 30.09.08