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“OCUPAR É PRECISO”: A POLÍTICA DE COLONIZAÇÃO PORTUGUESA NO PARÁ José Alves de Souza Junior 1 Luana Melo Ribeiro 2 Rodrigo Soares de Deus 3 RESUMO: O presente artigo pretende discutir o processo de colonização e, consequentemente, de ocupação da terra na Amazônia colonial, enfatizando as dificuldades encontradas pela Coroa portuguesa para colonizar a região com colonos brancos e as alternativas por ela encontradas para superar tais dificuldades. As alternativas passavam pelo envio de colonos das ilhas do oeste da África, principalmente, Açores e Madeira, de degredados mandados para o Grão-Pará para pagar por seus crimes cometidos em Portugal ou que solicitavam a comutação de suas penas em degredo para a referida capitania, e pela tentativa de transformar os índios em colonos, inicialmente através do trabalho de catequese. Nesse contexto, tornou-se importante analisar o sistema de concessão de sesmarias, já que se constituiu na forma de aquisição de terras na Colônia até às vésperas de sua independência. PALAVRAS-CHAVE: colonização, ocupação da terra, degredo, sesmarias. A ameaça estrangeira, representada pela constante presença de espanhóis, franceses, ingleses, holandeses, rondou, de forma constante, a Amazônia lusa. Conquistada em 1616, depois 1 Professor Associado 3 da Faculdade de História, da Universidade Federal do Pará. 2 Bolsista de Trabalho PROEX/MEC e aluna de graduação do Curso de História da Universidade Federal do Pará. 3 Bolsista de Trabalho PROEX/MEC e aluno de graduação do Curso de História da Universidade Federal do Pará.

Artigo Do IV EIHC2

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Artigo sobre aas políticas da Coroa Portuguesa na Amazônia colonial.

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OCUPAR PRECISO: A POLTICA DE COLONIZAO PORTUGUESA NO PARJos Alves de Souza Junior[footnoteRef:2] [2: Professor Associado 3 da Faculdade de Histria, da Universidade Federal do Par.]

Luana Melo Ribeiro[footnoteRef:3] [3: Bolsista de Trabalho PROEX/MEC e aluna de graduao do Curso de Histria da Universidade Federal do Par.]

Rodrigo Soares de Deus[footnoteRef:4] [4: Bolsista de Trabalho PROEX/MEC e aluno de graduao do Curso de Histria da Universidade Federal do Par.]

RESUMO:O presente artigo pretende discutir o processo de colonizao e, consequentemente, de ocupao da terra na Amaznia colonial, enfatizando as dificuldades encontradas pela Coroa portuguesa para colonizar a regio com colonos brancos e as alternativas por ela encontradas para superar tais dificuldades. As alternativas passavam pelo envio de colonos das ilhas do oeste da frica, principalmente, Aores e Madeira, de degredados mandados para o Gro-Par para pagar por seus crimes cometidos em Portugal ou que solicitavam a comutao de suas penas em degredo para a referida capitania, e pela tentativa de transformar os ndios em colonos, inicialmente atravs do trabalho de catequese. Nesse contexto, tornou-se importante analisar o sistema de concesso de sesmarias, j que se constituiu na forma de aquisio de terras na Colnia at s vsperas de sua independncia.PALAVRAS-CHAVE: colonizao, ocupao da terra, degredo, sesmarias.

A ameaa estrangeira, representada pela constante presena de espanhis, franceses, ingleses, holandeses, rondou, de forma constante, a Amaznia lusa. Conquistada em 1616, depois que os portugueses conseguiram eliminar a concreta ameaa francesa ao seu domnio sobre a regio, impedindo-os de levar a bom termo o projeto da Frana Equinocial, do qual estava encarregado pela Rainha Regente Maria de Mdicis, Daniel de La Touche, senhor de La Ravardire. Logo ficou patente que o domnio luso no Norte do Brasil s seria consolidado com a efetiva ocupao da regio e para o que o governo metropolitano encontraria grande dificuldade, pois, alm de ser uma rea inspita, com dificuldades de acesso a outras reas da Colnia, como o Nordeste e o Sudeste, a Amaznia, de imediato, no produziu grandes estmulos ao deslocamento de colonos portugueses da Metrpole e de outras regies do Brasil, por no oferecer possibilidades imediatas de ganhos expressivos. As autoridades civis, militares e eclesisticas que eram nomeadas para servir na Amaznia, consideravam tal nomeao como uma pena de exlio, buscando rpida transferncia para outras partes da Colnia. Tal situao perdurou at o sculo XIX e pode ser exemplificada com o caso do Brigadeiro Jos Maria de Moura, que, por causar problemas Coroa portuguesa em Pernambuco por suas arbitrariedades, indispondo-a com a populao da provncia, foi punido com a nomeao para o cargo de governador das Armas da provncia do Par.A dificuldade encontrada para ocupar a Amaznia com colonos brancos levou a Metrpole portuguesa a formular a doutrina do ndio-colono, pois das populaes indgenas dependeria a efetiva ocupao e defesa da regio, desde que as mesmas passassem por um processo de desindianizao e aportuguesamento, tarefa confiada s ordens religiosas para l enviadas, franciscanos, carmelitas, mercenrios e jesutas. Principalmente os ltimos mostraram-se extremamente teis aos interesses metropolitanos, na medida em que, como veremos adiante, buscaram interiorizar a sua ao catequtica.A concentrao dos interesses econmicos metropolitanos, nos dois primeiros sculos da colonizao do Brasil, na agroindstria aucareira exportadora do Nordeste, onde o trabalho escravo africano desempenhou um papel central no processo de produo[footnoteRef:5], fez com que houvesse a convergncia dos interesses das ordens religiosas, principalmente o relacionado catequese dos ndios, que, para os mesmos, alcanaria maior eficincia se os ndios aldeados fossem isolados do contato com os moradores, com os interesses da Coroa portuguesa, centrados nesse perodo na defesa do territrio contra a ameaa estrangeira. [5: Sobre o tema, ver ALENCASTRO, Lus Felipe de. O trato dos viventes. Formao do Brasil no Atlntico Sul. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.]

Com a conquista e ocupao do Norte do Brasil, a partir do sculo XVII, essa convergncia de interesses adquiriu maior visibilidade, na medida em que a presena de espanhis, franceses, ingleses, holandeses nas margens da Amrica portuguesa exigia a sua imediata ocupao, pois esta seria a melhor forma de defesa do domnio luso na regio, e, nesse sentido, a ao missionria jesutica, que foi penetrando no serto amaznico e instalando misses nas reas limites, tornou-se essencial, j que os aldeamentos missionrios funcionariam como muralhas do serto[footnoteRef:6]. [6: FARAGE, Ndia. As muralhas do serto: os povos indgenas no Rio Branco e a colonizao. Rio de Janeiro: Paz e Terra, ANPOCS, 1991.]

Nessa interiorizao da colnia promovida pela ao catequtica no norte do Brasil teve destaque o trabalho dos jesutas, cujas misses foram avanando em direo ao serto, o que pode ser exemplificado pela solicitao apresentada a D. Jos I, em 1753, pelo padre jesuta alemo Loureno Kaulen para que se dignasse permittir aos PP. Allemes que viemos para trabalhar e para salvar as almas, que passem por exemplo [ao] rio Tapajs ou Xingu, onde pudssemos empregar o nosso zelo...[footnoteRef:7], rea fronteiria com a Amrica Espanhola, cujo nico acesso possvel era por canoa, levando a viagem de dois a trs meses, permisso essa, claro, concedida. Tal convergncia de interesses entre o projeto missionrio e a ao colonizadora da Coroa portuguesa est refletida na legislao indigenista implantada pelo Estado portugus at o sculo XVIII, que, ao dar tratamento diferenciado a ndios amigos, aos quais garantia a plena liberdade, e gentios de corso, que destinava escravido[footnoteRef:8], buscava salvaguardar os primeiros da excessiva explorao dos colonos, para que pudessem ser alvos da ao dos missionrios. No entanto, o projeto salvacionista dos missionrios chocava-se de frente com os interesses dos colonos quanto utilizao da mo-de-obra indgena, o que produziu vrios dissabores para as ordens, principalmente para a Companhia de Jesus[footnoteRef:9]. [7: CARTA do jesuta Loureno Kaulen D. Maria dustria, rainha-me de Portugal, datada de 16 de novembro de 1753. IEB/USP COL. ML, Cdice 01, Doc. 29.] [8: PERRONE-MOISS, Beatriz. ndios Livres e ndios Escravos. Os princpios da legislao indigenista do perodo colonial (sculos XVI a XVIII. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. Histria dos ndios no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras : Secretaria Municipal de Cultura : FAPESP, 1992, pp. 115-132.] [9: Sobre a contradio entre os projetos missionrios e colonizador ver: SCHALLENBERGER, Erneldo. Povos ndios e Identidade Nacional. O Projeto Missionrio Jesutico e a Poltica Integradora de Pombal. Anais do nono Simpsio Nacional de Estudos Missioneiros: As Misses depois da Misso, Santa Rosa, 8 a 10 de outubro de 1991; Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Santa Rosa: Centro de Estudos Missioneiros: Ed. UNIJU, 1991, pp. 17-28.]

A desindianizao e o aportuguesamento dos ndios visados pelo projeto missionrio assumiam na Amaznia uma importncia maior, pois a dificuldade de ocupar a regio levou a poltica de colonizao portuguesa no Gro-Par a se desenvolver, principalmente, atravs do envio de expressivo nmero de degredados ou presos povoadores para a capitania, onde deveriam cumprir suas penas, cujas despesas extras do frete do navio (deveriam ser pagas por) particulares a quem se passe letras sobre o Tesouro dos Armazns desta Cidade...[footnoteRef:10] para a capitania, tendo, tal prtica, perdurado por todo o perodo colonial, de casais aorianos e madeirenses, como em vrias ocasies foi feito, de soldados e de indivduos e famlias naturais de vrios pases da Europa. [10: CARTA de Diogo de Mendona Corte Real, secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, ao governador e capito-general do Estado do Gro-Par e Maranho, Francisco Xavier de Mendona Furtado, datada de 11 de junho de 1751. Cdice 65: Correspondncia da Metrpole com os Governadores. 1751-1821. Doc. 15, p. 29. Arquivo Pblico do Estado do Par. Documentao manuscrita. ]

Pessoas condenadas por crimes no muito graves em Portugal solicitavam a comutao das penas em degredo para o Gro-Par. As dificuldades, sempre frequentes, de enviar colonizadores brancos para o Norte do Brasil foram exploradas por aqueles que viam na migrao para o Par uma forma de se livrar dos aoites e de anos nas gals a que haviam sido condenados.Joo Antnio Cabeleireiro, preso por ter sido encontrado com dinheiro retirado das runas do terremoto de Lisboa e condenado a seis anos de trabalhos forados nas obras pblicas requereu, atravs de sua mulher, Eugnia Maria Joaquina, que lhe fosse comutada a pena em degredo para o Par.[footnoteRef:11] Antnia Maria de Jesus, em requerimento ao arcebispo regedor, solicitava a comutao da pena de degredo por trs anos para os Estados da ndia a que havia sido condenado, por vadiagem, seu marido, Manoel de Almeida, para degredo no Estado do Par.[footnoteRef:12] [11: OFCIO do arcebispo regedor D. Joo para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendona Furtado, datado de 12 de junho de 1761. AHU_ACL_CU_013, Cx. 49, D. 4492. CD 06, 055, 001, 0065.] [12: OFCIO do arcebispo regedor D. Joo para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendona Furtado, datado de 18 de abril de 1764. AHU_ACL_CU_013, Cx. 55, D. 5079. CD 06, 061, 001, 0081.]

O ano de 1766 foi frtil em pedidos de comutao da pena de dez anos de gals, com aoites, para degredo no Gro-Par. Alguns exemplos foram os casos de Joo Martins, alcunhado de o camisa, condenado por ocultar malfeitores em huma taverna que tinha no Campo de Vallada, por saber que no Gro-Par faltavam povoadores, se comprometendo a levar suas trs filhas, tendo a mais velha 12 annos de idade[footnoteRef:13]; de Antnio da Silva Bonito, condenado por hum ferimento feito com faca, que levaria para o Gro-Par toda a sua famlia (mulher e trs filhos)[footnoteRef:14]; de Feliciano Antnio, condenado por furto, que tambm levaria mulher e trs filhos[footnoteRef:15]; de Joaquim Jos de S, oficial de pintor, condenado por ter sido encontrado encostado em uma parede na Calada do Combro, com uma baioneta metida entre a camisa, em atitude suspeita[footnoteRef:16]; de Manuel Antnio da Silva, casado com dois filhos, condenado por furtar algumas bestas.[footnoteRef:17] [13: OFCIO do arcebispo regedor D. Joo para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendona Furtado, datado de 9 de abril de 1766. AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5266. CD 06, 064, 001, 0172.] [14: OFCIO do arcebispo regedor D. Joo para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendona Furtado, datado de 9 de abril de 1766. AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5267. CD 06, 064, 001, 0175.] [15: OFCIO do arcebispo regedor D. Joo para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendona Furtado, datado de 16 de abril de 1766. AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5268. CD 06, 064, 001, 0182.] [16: OFCIO do arcebispo regedor D. Joo para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendona Furtado, datado de 22de abril de 1766. AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5271. CD 06, 064, 001, 0193.] [17: OFCIO do arcebispo regedor D. Joo para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendona Furtado, datado de 23 de abril de 1766. AHU_ACL_CU_013, Cx. 58, D. 5272. CD 06, 064, 001, 0197.]

Outras pessoas foram condenadas a pena de degredo no Gro-Par, como os soldados Jos Antnio Rodrigues e Laureano Jos, casados com mulheres moas, cada huma tem hu criana, presos por porte ilegal de arma nas ruas de Lisboa[footnoteRef:18], e o casal Antnio da Cruz Forte e Quitria de Souza, condenado por furto.[footnoteRef:19] Alguns desses degredados conseguiram reverter radicalmente sua condio, tornando-se figuras respeitveis na capitania, sendo um desses casos o de Pedro Henriques, degredado para o Par, em 1812, acusado de resistncia... [footnoteRef:20], e que, em 1823, aparece como membro de um grupo da elite local. Um aspecto comum a essas pessoas que solicitaram a comutao da pena ou foram condenadas pena de degredo para o Par era o fato de ser jovens, de idade entre 20 e 25 anos, com famlia. [18: OFCIO do tenente-coronel lus DAlincourt para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, datado de 26 de maio de 1772. AHU_ACL_CU_013, Cx. 68, D. 5837, CD 07, 076, 001, 0127.] [19: CARTA de guia com a qual vo remetidos os Reos nella declarados, datada de 5 de agosto de 1774. Anexo do OFCIO do governador e capito-general do Estado do Par e Rio Negro, Joo Pereira Caldas, para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, datado de 29 de dezembro de 1774. AHU_ACL_CU_013, Cx. 73, D. 6173, CD 08, 081, 002, 0339.] [20: Cdice N 350: Correspondncia de Diversos com o Governo. l809 - l82l. Arquivo Pblico do Par, documentao manuscrita.]

Alm de degredados, tambm foi alternativa de povoamento da capitania do Par o estmulo a migrao de casais portugueses insulares, principalmente da Madeira e dos Aores, aos quais se oferecia uma ajuda de custo de 400$000 ris[footnoteRef:21] e garantia de provimento de farinha por todo o primeiro ano passado na referida capitania[footnoteRef:22]. A concentrao da propriedade da terra nas mos de membros da burocracia militar e civil, embora fosse comum a todas as capitanias do Brasil, pois a determinao rgia quanto distribuio das terras lhe beneficiava, no Par assumia maiores propores, devido escassez de povoadores brancos. [21: AVISO do secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendona Corte Real, para o presidente do Conselho Ultramarino, marqus de Penalva, D. Estevo de Meneses, datado de 29 de maio de 1751. AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3049, CD 04, 037, 001, 0198.] [22: CARTA do provedor da Fazenda Real da capitania do Par, Matias da Costa e Sousa, para o rei D. Jos I, datado de 21 de novembro de 1751. AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3065, CD 04, 037, 002, 0299.]

A situao dos casais insulares que migravam para o Par parece no ser nada agradvel, pois o governo da capitania encontrava dificuldades para aloj-los, fazendo-o precariamente. Tal fato pode ser demonstrado pela cobrana feita pelo Conselho Ultramarino ao governo do Estado do Maranho, Gro-Par e Rio Negro, em 1679, acerca do estado em q se achavo os Casais q da Ilha (do Faial, no arquiplago dos Aores) foro para o Par, e cmodo com q vivio[footnoteRef:23]. As notcias dadas ao Conselho pelo governador e capito-general Incio Coelho da Silva no eram nada animadoras, pois informava... [23: CONSULTA do Conselho Ultramarino para o prncipe regente [D. Pedro], datada de 10 de janeiro de 1769. AHU_ACL_CU_013, Cx. 2, D. 177, CD 01, 003, 002, 0381.]

a V. A. q quando elles aly chegaro os repartira seu antescessor por casa dos moradores q mais possibelidades tinho e inda se acho alguns com este cmodo; outros q se enfadaro de estar por casas alheas, se foro accomodar como pudero, metendose huns com outros com grande misria, e discomodo (...) e so j muitos mortos, e suas famlias...[footnoteRef:24] [24: Idem acima.]

Acrescentava o governador que, embora o Gro-Par necessitasse de gente para sua povoao, no He a da casta desta a q serve para seu augmento, por ser a que foy, intil, e de nenhum prstimo, q nenhum tem officio, nem quer trabalhar, no he esta a gente para accrescentar terras...[footnoteRef:25] Provavelmente, a desqualificao dos colonos da ilha do Faial que foram para o Gro-Par feita pelo governador era resultado das queixas por eles encaminhadas Corte e que redundaram na cobrana de informaes pelo Conselho Ultramarino. [25: CONSULTA do Conselho Ultramarino para o prncipe regente [D. Pedro], datada de 10 de janeiro de 1769. AHU_ACL_CU_013, Cx. 2, D. 177, CD 01, 003, 002, 0381. ]

Alguns mestres de navio solicitavam como pagamento, pelo transporte de colonos insulares para o Gro-Par, facilidades de carregamento de seus navios no porto da referida capitania. Um desses casos foi o de Manuel do Vale, mestre da fragata Nossa Senhora da Palma e So Rafael, que encaminhou um requerimento ao prncipe regente D. Pedro nesse sentido, tendo o Conselho Ultramarino, ao ser consultado, se manifestado nos seguintes termos: Pareceo ao conselho que V. A. deve ser servido conceder a este Mestre o que pede pois vay a hum servio tanto do bem deste Reyno, dos moradores da Ilha do Faial, e Povoao do Par a que se deve aplicar todo o cuidado...[footnoteRef:26] [26: REQUERIMENTO do mestre da fragata Nossa Senhora da Palma e So Rafael, Manuel do Vale, para o prncipe regente [D.Pedro], datado de 17 de dezembro de 1674. AHU_ACL_CU_013, Cx. 2, D. 155, CD 01, 003, 001, 0121.]

Os fatos acima demonstram que, desde o primeiro sculo da conquista, XVII, a Coroa portuguesa investia na possibilidade de colonizar o Gro-Par com colonos insulares. Alguns desses colonos assumiam cargos na administrao colonial, como Bartolomeu Vieira, natural do Aores, que exerceu o cargo de meirinho da Alfndega do Par. A adaptabilidade desses colonos s condies climticas da Amaznia parece no ter sido muito fcil, pois, abundam na documentao, pedidos de licena para retornar ao seu local de origem, sendo exemplo disso o j citado Bartolomeu Vieira, casado, e morador na Cidade de Bellem do Gro Par..., que requereu ao rei D. Pedro II licena para retornar ilha do Faial, nos Aores, com sua famlia, argumentando... ...que elle suplicante alem de ser homem velho, se deu to mal naquelle Estado que h muitos annos que he doente, e em suas curas tem gastado todo o seu remdio sem poder alcansar sade, ficando com trs buracos em huma das pernas incurveis, e por ltimo remdio o manda o surgio (sic) que o curou aprovado por outros v para o seu natural se quizer ter vida...[footnoteRef:27] [27: REQUERIMENTO do ex-meirinho da Alfndega do Par, Bartolomeu Vieira, para o rei [D. Pedro II], datado de 17 de julho de 1685. AHU_ACL_CU_013, Cx. 3, D. 249, CD 01, 004, 002, 0261.]

Tanto na ilha da Madeira como nas ilhas dos Aores, famlias que se alistavam para migrar para o Gro-Par se arrependiam e se recusavam a embarcar, ...por persuaoins dos Parrochos..., o que levou o corregedor das ilhas a consultar o rei se poderiam ...estas publicamente ser constrangidas a embarcar..., tendo sido orientado a fazer ...todas as elegncias para persuadillas sem constrangimento, e para evitar a odiosidade, e a mayor repugnncia para o futuro q. poderia resultar deste procedimento... A desistncia das famlias colocava o governo metropolitano em situao difcil ante os arrematadores dos contratos de transporte dos colonos das ilhas para o Par, j que ...como este contrato se fez e o navio de que se trata se preparou na f de estarem prontas as famlias q. se tinham alistado...[footnoteRef:28] [28: REQUERIMENTO de Jos Alves Torres para o rei [D. Jos I], datado de 07 de abril de 1751. AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3030, CD 04, 036, 003, 0561. ]

A interferncia dos procos das ilhas, dissuadindo as famlias a desistirem de emigrar, provocou a ordem do rei ao secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendona Corte Real, para ...que escrevesse ao Bispo da Ilha da Madeira, para q. advirta aos Parrochos no dissuado os casaes q. se tinho alistado para hirem para o Par, visto constar que estas diligencias so induzidas por convenincia dos mesmos...[footnoteRef:29] [29: AVISO do [secretrio de Estado da Marinha e Ultramar], Diogo de Mendona Corte Real, para o [presidente do Conselho Ultramarino, marqus de Penalva, [D. Estevo de Meneses], datado de 29 de maio de 1751. AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3049, CD 04, 037, 001, 0198.]

Para estimular as famlias insulares a emigrarem, o governo metropolitano ordenou ...q. a cada huma das mulheres, q. forem com seos maridos, (...), se lhes d a cada huma quatro mil reis de ajuda de custo...[footnoteRef:30] Alm disso, as famlias, ao chegarem no local onde seriam fixadas, deveriam receber gado e ferramentas para sua subsistncia[footnoteRef:31], e ...farinhas q. V. Mage. lhe manda asertir (sic), por tempo de hum anno...[footnoteRef:32] Tambm garantia o governo metropolitano ...as despesas precisas para o sustento destas famlias desde q. se moverem de suas casas athe o embarque...[footnoteRef:33] [30: Idem acima.] [31: AVISO (minuta) do [secretrio de Estado da Marinha e Ultramar], Francisco Xavier de Mendona Furtado, para o governador e capito-general do Estado do Gro-Par, Maranho e Rio Negro], Fernando da Costa de Atade Teive de Sousa Coutinho, datado de 26 de janeiro de 1764. AHU_ACL_CU_013, Cx. 55, D. 5026, CD 06, 060, 002, 0373.] [32: CARTA do provedor da Fazenda Real da capitania do Par, Matias da Costa e Sousa, para o rei [D. Jos I], datada de 21 de novembro de 1751. AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3065, CD 04, 037, 002, 0299.] [33: REQUERIMENTO de Jos Alves Torres para o rei [D. Jos I], datado de 07 de abril de 1751. AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3030, CD 04, 036, 003, 0561.]

A preocupao maior da poltica de colonizao desenvolvida pela Coroa portuguesa era a ocupao das reas da Amaznia que faziam fronteira com domnios coloniais de outros pases europeus, pois via nelas a constante possibilidade de perda do controle desses territrios. Nesse sentido, os casais insulares eram mandados para povoar essas reas de fronteira, como, em 1751, ...tem hido j bastantes famlias para o districto de Macap...[footnoteRef:34] J em 1764, um grande nmero de povoadores foi enviado para engrossar a populao da vila de So Jos do Macap, totalizando 77 pessoas, entre as quais voluntrios, havendo entre eles alguns que trocavam a priso pela migrao, como Francisco Jos, preso na cadeia do Porto, Theotonio Jos de Carvalho, na cadeia de Lisboa, soldados que estavam presos para ir para Cabo Verde, com suas famlias e gente das ilhas[footnoteRef:35]. [34: OFCIO do provedor da Fazenda Real da capitania do Par, Matias da Costa e Sousa, para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendona Corte Real, datado de 12 de dezembro de 1751. AHU_ACL_CU_013, Cx. 32, D. 3074, CD 04, 037, 002, 0343.] [35: AVISO (minuta) do [secretrio de Estado da Marinha e Ultramar], Francisco Xavier de Mendona Furtado, para o governador e capito-general do Estado do Gro-Par, Maranho e Rio Negro], Fernando da Costa de Atade Teive de Sousa Coutinho, datado de 26 de janeiro de 1764. AHU_ACL_CU_013, Cx. 55, D. 5026, CD 06, 060, 002, 0373.]

Os documentos parecem indicar uma intensificao da vinda de colonos insulares para o Estado do Gro-Par e Maranho durante o reinado de D. Jos I, por conta do reordenamento do processo de colonizao executado pelo Marqus de Pombal. Em 1751, Jos Alves Torres arrematou o contrato do transporte de mil pessoas das ilhas dos Aores para a capitania do Par[footnoteRef:36]. Em 1768, dezenas de soldados, dois oficiais militares e um criado vieram tambm para o Par, e o que chama a ateno na relao enviada pela Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar ao governo do Estado do Gro-Par, Maranho e Rio Negro a faixa etria da maioria dos soldados, que ficava entre 15 e 25 anos, ou seja, jovens e solteiros, que deveriam efetivar a poltica de casamentos mistos implementada durante a vigncia do Diretrio dos ndios. [36: Idem acima.]

Tal hiptese reforada pelo ofcio do provedor da Fazenda Real e ouvidor-geral da capitania do Par, Feliciano Ramos Nobre Mouro, Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar, no qual solicitava o envio, em todas as frotas, de duzentos soldados solteiros porque com os casamentos se seguiro as interessantssimas conseqncias ponderadas... Tais ponderaes apontavam para o xito dessa poltica no Estado da ndia, onde foi implementada por Afonso de Albuquerque, pois, em relao aos ndios, era a medida mais acertada para se conseguir o utilssimo, e importantssimo fim da sua perfeita Civilizao...[footnoteRef:37] [37: OFCIO do provedor da Fazenda Real e ouvidor-geral do Estado do Par (sic), Feliciano Ramos Nobre Mouro, para o secretrio de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendona Furtado, datado de 10 de novembro de 1760. AHU_ACL_CU_013, Cx. 48, D. 4362, CD 05, 053, 003, 0556.]

Tambm no perodo pombalino a origem dos povoadores mandados para o Par foi diversificada, pois eram naturais de vrias partes da Europa. Servem de exemplo os casos de Joo Emer Alemo de 35 annos, Jos Terzoule, natural de Valena de Alcantra, de idade de 21 annos, e Estevo Santagino, natural da Cidade de Saragosa, de idade de 18 annos, Reino de Castela, Christianno Francisco, natural de Masstrique de Flandes, de 36 anos, Ignacio Guilhon, natural do Canto de Berna, de 18 annos, Salvador de Pisca, natural da Ilha da Sardenha, de 24 annos, Narciso Alconcerjos, natural da Cidade de Barcelona...[footnoteRef:38] [38: AVISO (minuta) do [secretrio de Estado da Marinha e Ultramar], Francisco Xavier de Mendona Furtado, para o governador e capito-general do Estado do Gro-Par, Maranho e Rio Negro], Fernando da Costa de Atade Teive de Sousa Coutinho, datado de 26 de janeiro de 1764. AHU_ACL_CU_013, Cx. 55, D. 5026, CD 06, 060, 002, 0373.]

No entanto, a documentao parece demonstrar que a estratgia mais frequente adotada na poltica de colonizao portuguesa no Norte do Brasil foi o envio de degredados para a regio, haja vista que tal prtica ter sido mantida durante o Oitocentos colonial, perodo em que a mesma foi intensificada. Alguns exemplos bem ilustrativos foram os do casal Bernardo de S. Paio, de 45 anos, e Ana Pereira Paio, de 35 anos, condenados a cinco anos de degredo para o Gro-Par, ... culpados de moeda falsa[footnoteRef:39]; de Antnio Carvalho Malato, de 26 anos, tambm condenado a cinco anos de degredo para a mesma capitania[footnoteRef:40]; de Pedro Rodrigues, de 56 anos, degredado para o Gro-Par por crime de resistncia; de Jos de Mattos, de 25 anos, degredado para o Par ... por afugar (sic) seu amo e deitar-lhe fogo nas casas; de Joaquim Jos, ... filho de Jos Henriques e de Ursula Maria, natural de Coimbra, 20 anos, degredado para o Par por 5 anos por furto...; de Jos Henriques, marujo, natural de Aldegalega, de idade de 25 anos, degredado para o Par pelo mesmo tempo, tambm por furto; de Manuela Rodrigues, viva de Leonardo Pastor, natural de Salamanca, de 49 anos, degredada para o Rio Negro por cinco anos[footnoteRef:41]; de Francisco de Oliveira, natural de Benfica, de 49 anos, degredado para o Par por 4 anos, por furto[footnoteRef:42]; de Joaquim de Mattos, sapateiro, natural de Santarm, de 14 anos, por furtar boi[footnoteRef:43]; de Francisco da Costa Pinto, natural de Guimares, de idade de 18 anos, degredado para o Par por 5 anos, considerado culpado por furto ao seu patro[footnoteRef:44]. [39: OFCIO da Casa das ndias para o governador e capito-general Jos Narciso de Magalhes, datado de 28 de junho de 1811. Cdice 350. Correspondncia de Diversos com o Governo. 1809-1821. Arquivo Pblico do Estado do Par, documentao manuscrita.] [40: OFCIO da Casa das ndias para o governador e capito-general Jos Narciso de Magalhes, datado de 29 de agosto de 1811. Cdice 350. Correspondncia de Diversos com o Governo. 1809-1821. Arquivo Pblico do Estado do Par, documentao manuscrita.] [41: OFCIO da Casa das ndias para o governador e capito-general Jos Narciso de Magalhes, datado de 1 de janeiro de 1812. Cdice 350. Correspondncia de Diversos com o Governo. 1809-1821. Arquivo Pblico do Estado do Par, documentao manuscrita.] [42: OFCIO da Casa das ndias para o governador e capito-general Jos Narciso de Magalhes, datado de 14 de novembro de 1812. Cdice 350. Correspondncia de Diversos com o Governo. 1809-1821. Arquivo Pblico do Estado do Par, documentao manuscrita.] [43: OFCIO da Casa das ndias para o governador e capito-general Jos Narciso de Magalhes, datado de 1 de maro de 1814. Cdice 350. Correspondncia de Diversos com o Governo. 1809-1821. Arquivo Pblico do Estado do Par, documentao manuscrita.] [44: OFCIO da Casa das ndias para o governador e capito-general Jos Narciso de Magalhes, datado de 26 de abril de 1817. Cdice 350. Correspondncia de Diversos com o Governo. 1809-1821. Arquivo Pblico do Estado do Par, documentao manuscrita.]

Alguns desses degredados conseguiram reverter radicalmente sua condio, tornando-se figuras respeitveis na capitania, sendo um desses casos o de Pedro Henriques, degredado para o Par, em 1812, acusado de resistncia... [footnoteRef:45], e que, em 1823, aparece como membro de um grupo da elite local[footnoteRef:46]. [45: OFCIO da Casa das ndias para o governador e capito-general Jos Narciso de Magalhes, datado de 1 de janeiro de 1812. Cdice N 350: Correspondncia de Diversos com o Governo. l809 - l82l. Arquivo Pblico do Par, documentao manuscrita.] [46: Sobre o processo de formao de uma elite proprietria leiga no Gro-Par, ver: SOUZA JUNIOR, Jos Alves. Constituio ou Revoluo. Os projetos polticos para a emancipao do Gro-Par e a atuao de Fillipe Patroni (1820-1823). Dissertao de Mestrado, Campinas/SP, 1997.]

No que diz respeito poltica de concesso de terras na Colnia, Lgia Osrio Silva afirma que:At meados do sculo XVII, a apropriao de terras brasileiras regeu-se exclusivamente pelas Ordenaes do Reino. E a propriedade particular derivava do domnio da Coroa por intermdio da concesso de sesmaria. Mais tarde, porm, como veremos outra forma de aquisio e domnio foi lentamente sendo incorporada prtica das autoridades administrativas na hora de julgar os problemas de terras[footnoteRef:47]. [47: SILVA, Ligia Osrio. Terras devolutas e latifndio: efeitos da lei de 1850, 2 Ed. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 2008. p. 39.]

Oficiais do Senado da Cmara e o Provedor Mor da Fazenda Real eram, teoricamente, consultados para passar as informaes das possibilidades e necessidades do pretenso sesmeiro e, dessa forma, garantir que no lhe fossem doadas mais terras do que as que pudesse cultivar, de acordo com as condies expressadas nas reais ordens.Essas autoridades tinham poder de decidir sobre a concesso de terras aos suplicantes, ficando isso evidente no caso de Marcello Paulo Correia de Miranda, que, em 1797, solicitou duas lguas de terra, declarando ser dono de escravos que eram aplicados no trabalho da lavoura. Aps consulta aos Oficiais do Senado da Cmara e ao Provedor da Fazenda, s lhe foi concedida meia lgua de terra de frente e meia lgua de fundo[footnoteRef:48]. Tal caso nos permite deduzir que, na avaliao de suas possibilidades, apesar de possuir escravos, as autoridades administrativas concluram que no teria recursos suficientes para cultivar a quantidade de terras solicitadas. [48: Registro de huma confirmao de sesmaria passada a Marcello Paulo Correa. Carta de Data e Sesmaria. Livro 16, Folha 29, Doc. 17. APEP.]

A ocupao e o uso da terra no Gro-Par levaram, predominantemente, formao de pequenas e mdias propriedades, onde eram desenvolvidas atividades agrcolas e criatrias. Por determinao rgia estabeleceu-se que a distribuio das terras, na forma de sesmarias, obedeceria a determinados critrios, segundo os quais os primeiros beneficiados seriam os militares portugueses com famlia, a seguir os militares sem famlia e depois os colonos civis. O processo de concesso das sesmarias iniciava-se com uma petio do interessado ao capito-mor ou governador da capitania, que, como visto acima, consultava autoridades administrativas da capitania, passando, sucessivamente, pelas mos do Provedor da Coroa que o informava, indo depois ao despacho rgio final. No caso do deferimento da petio, o secretrio de Estado lavrava a Carta de data e sesmaria, que era assinada pelo rei.Esse trmite burocrtico nos permite imaginar o intenso jogo de influncias que envolvia a concesso de datas de sesmarias, como, tambm, a sua confirmao, j que a sesmaria era concedida, inicialmente, a ttulo provisrio, devendo o beneficirio receber a carta de confirmao do rei, passados trs anos da concesso temporria, a partir dos quais adquiria a posse hereditria da terra, sendo-lhe exigido o pagamento do dzimo e o reconhecimento do monoplio real sobre as madeiras existentes nas terras[footnoteRef:49]. [49: Anais da Biblioteca e Arquivo Pblico do Par. Tomo III.]

Nos sculos XVIII e XIX, perodo em que a colonizao do Norte do Brasil j estava avanada, as sesmarias continuaram a ser concedidas, como aos irmos Antnio de Moraes Rego e Joo de Moraes Rego no rio Hinna (sic), a 20 de maro de 1726[footnoteRef:50]; a Balthazar Pereira dos Reis, o stio Jagoaroca, nos Piriris, a 26 de janeiro de 1729[footnoteRef:51]; a Domingos Fernandes Lima, a quem foram concedidas as seguintes sesmarias: o stio So Marcos, no rio Parnaba, a 21 de agosto de 1748, o lugar Victorio do Morro Grande, tambm no rio Parnaba, a 22 de agosto de 1748, o stio P da Serra dos Inhamos, a 22 de agosto de 1750, o stio Carnabas, nas vertentes do rio Parnaba, a 25 de setembro de 1753, o stio Janipapeiro, nas cabeceiras do Riacho, a 8 de julho de 1760[footnoteRef:52]. [50: Catlogo Nominal das Sesmarias. Annaes da Biblioteca e Arquivo Pblico do Par. Tomo V, livro 2, p. 146.] [51: Catlogo Nominal das Sesmarias. Annaes da Biblioteca e Arquivo Pblico do Par. Tomo V, livro 4, p. 149.] [52: Catlogo Nominal das Sesmarias. Annaes da Biblioteca e Arquivo Pblico do Par. Tomo V, livro 14, respectivamente pp. 34, 35, 73, 117, 159.]

Alguns casos de concesso de cartas de data de sesmarias so interessantes, pois demonstram a disputa de terras por moradores e a inteno de alguns deles de se apropriarem de grandes reas, que tambm interessavam a outros moradores. Exemplo disso foi o caso do sargento mor Andre Corsino Monteiro, que, no ano de 1760, foi contemplado pelo Governador e Capito General do Estado do Par e Maranho Fernando da Costa de Ataide Teive, com uma carta de data e sesmaria, que lhe concedia duas legoas de terra de frente na costa do oceano fazendo pio na boca do rio Acutiper uma lgua pela parte de cima e uma lgua pela parte de baixo do mesmo rio com os fundos que se acharem at as cabeceiras com confino com o Lago Grande com todas as pontas e abras[footnoteRef:53]. As terras solicitadas seriam usadas para criao de gado vacum e cavalar. Tal carta de data e sesmaria foi confirmada por D. Joo V em 1769, nos seguinte termos: Hey por bem de lhe confirmar/ como por esta confirmo/ huma legoa de terra de comprido e duas de largo, sitas entre a Villa de Bragana, e o Ourem, dentro das mais confrontaoens, e da baixo das mesma clauzulas expressadas na carta nesta encorporada, com as mais ordenadas, e condioens que dispoem a ley[footnoteRef:54]. [53: Registro de huma confirmao e de carta de datta de sesmaria passada a Andre Corsino Monteiro. Livro 18, Folha 53, Doc. 000. Arquivo Pblico do Estado do Par (Doravante APEP)] [54: Idem acima.]

O mesmo sargento mor, em 1768, requereu ao mesmo governador huma legoa de terra de frente, ficando esta para a parte da campina, principiando do marco das terras de Joo Alvares Ferreira, correndo para o rio Acutiper, e igarap Gipirica, com huma legoa de fundo[footnoteRef:55], para o cultivo de suas lavouras, nas matas entre as vilas de Bragana e Ourem, sendo atendido. A confirmao real da referida carta ocorreu no ano de 1770, nos mesmos termos nela constantes. Embora no esteja claro no documento, parece que o sargento mor conseguiu estender a sesmaria confirmada em 1769, sendo importante ressaltar que, no requerimento feito ao governador solicitando a carta de data e sesmaria concedida em 1760, o requerente no explicita quantas lguas de fundo teria a sesmaria, j que solicitava que ...os fundos que se acharem at as cabeceiras com confino com o Lago Grande com todas as pontas e abras[footnoteRef:56]. [55: Registro de huma carta de confirmao e de datta de sesmaria, passada a Andre Consino Monteiro. Livro 18, Folha 076, Doc. 076. APEP] [56: Registro de huma confirmao e de carta de datta de sesmaria passada a Andre Corsino Monteiro. Livro 18, Folha 53, Doc. 000, APEP.]

No entanto, no mesmo ano de 1768, D. Anna Margarida Victoria Feya recebeu do referido governador trs lguas de terra de frente e duas de fundo, lgua e meia em cada margem do rio Acutiper, entre as vilas de Bragana e Ourem, para a instalao de uma fazenda de gado vacum e cavalar. A requerente solicitava a demarcao das terras concedidas ao sargento mor Andre Corsino Monteiro, em 1760, alegando que no seu requerimento de carta de data e sesmaria no explicitava a extenso das lguas de fundo. Segundo D. Anna suas terras comeariam nos fundos das do sargento mor, que segundo o governador teria agido de m f, omittindo maliciozamente a extenso dos fundos. A carta de data e sesmaria concedida a D. Anna recebeu confirmao real em 1770, mas em termos diferentes, j que foram confirmadas trs legoas de terras de frente e duas de largo, continuadas, e no interruptas [footnoteRef:57] e no como a requerente havia solicitado: lgua e meia em cada margem do rio Acutiper. [57: Registro de huma confirmao de carta e de datta de sesmaria passada a D. Anna Margarida Victoria Feya. Livro 18, Folha 065, Doc. 076. APEP]

No ano de 1782, ressurge na documentao o sargento mor Andre Corsino Monteiro solicitando outra carta de data e sesmaria, desta feita, ao ento governador e capito general do Estado do Gro-Par Jos de Npoles Telles de Menezes, na qual solicitava e recebia duas legoas de terra de frente com duas de fundo, confirmadas pelo rei em 1789, embora tivesse solicitado trs legoas de campo de comprido e quatro de largo[footnoteRef:58], para criao de gado vacum e cavalar, com o objetivo de comercializar a produo de carne no referido Estado. [58: Registro de huma carta de confirmao de sesmaria passada a Andre Corsino Monteiro. Livro 16, Folha 17, Doc. 10. APEP.]

A documentao parece mostrar ser o sargento mor um dos grandes proprietrios-comerciantes do Estado, pois o mesmo aparece no censo de 1788, como proprietrio do stio Jaguarituba, na Freguesia de Ourem, j com a patente de capito auxiliar e na condio de senhor de engenho[footnoteRef:59]. Outro indcio que parece confirmar tal afirmao o fato do nome de Andr Corsino Monteiro constar da relao de devedores da Companhia Geral de Comrcio do Gro-Par e Maranho, dvida que atingia o expressivo montante de 2:777$135 ris[footnoteRef:60]. [59: Arquivo do Rio Negro 1788 Recenseamento Geral do Gro-Par, no ano de 1788. Volume II. Folhas de 159 a 298. Universidade do Amazonas. Conselho Estadual de Cultura do Par. ] [60: Relao de todas as Pessoas, moradores no Estado do Par, que em Junta nos dias 19 e 20 de Outubro de 1778, em observncia das Reais Ordens de Sua Majestade congregado na Presena e no Palcio da Residncia do Illmo. E Exmo. Snor. Governador e Capito General do mesmo Estado, se assentou estarem nos termos de serem avisados para logo satisfazerem as quantias de que forem devedoras Companhia de Comrcio, a Administrao desta Cidade de Belm do Gro-Par. Cdice: 1000 Acervo da Companhia de Comrcio do Gro-Par 1778. ]

Embora raramente, a documentao tambm indica a concesso de carta de data e sesmaria a ndios, como a que foi concedida pelo governador e capito general Joo de Abreu Castelo Branco ao ndio forro Salvador Moraes, de cento e cinquenta braas de terra em uma ilha na costa de Morubira, ... que elle se achava cultivando a muitos annos...[footnoteRef:61] A confirmao da carta na consta do livro de carta de data e sesmaria em que se encontra a doao, mas se pode inferir que, a dificuldade, como visto anteriormente, de ocupar a regio Norte da Colnia com colonos brancos, levava Coroa portuguesa a lanar mo de diversas alternativas, entre elas os ndios, dentro daquilo que pode ser denominado de processo de desindianizao e aportuguesamento perseguido por vrios governos metropolitanos e iniciado pelos missionrios com o trabalho de catequese indgena. [61: Registro de huma Carta de datta de sesmaria passada ao ndios Salvador Moraes. Livro 14, Folha 076, Doc. 000. APEP.]

A poltica de ocupao das terras coloniais, atravs da concesso de sesmarias perdurou por quase todo o perodo colonial, s sendo extinta pouco antes da independncia do Brasil pela Resoluo de 17 de julho de 1822, que estabelecia que suspendam-se todas as sesmarias futuras at a convocao da Assemblia Geral e Legislativa[footnoteRef:62]. No sculo XIX, algumas das sesmarias concedidas foram a Joo Florncio Henriques, na ilha Mexiana, em 6 de junho de 1803[footnoteRef:63]; a Joo Ignacio de Oliveira Carvalho, nas cabeceiras do rio Tarassuhy, em 10 de outubro de 1808[footnoteRef:64]; a Lus Antnio Malato, no Distrito da Vila de Monsars, em 10 de maro de 1810[footnoteRef:65]; a Geraldo Jos de Abreu, no rio Gurupi, em 15 de fevereiro de 1822[footnoteRef:66]. [62: SILVA, Op. Cit., 2008, p. 82.] [63: Catlogo Nominal das Sesmarias. Annaes da Biblioteca e Arquivo Pblico do Par. Tomo V, livro 6, p. 37.] [64: Catlogo Nominal das Sesmarias. Annaes da Biblioteca e Arquivo Pblico do Par. Tomo V, livro 20, p. 47.] [65: Catlogo Nominal das Sesmarias. Annaes da Biblioteca e Arquivo Pblico do Par. Tomo V, livro 20, p. 51.] [66: Catlogo Nominal das Sesmarias. Annaes da Biblioteca e Arquivo Pblico do Par. Tomo V, livro 20, p. 137.]

No entanto, apesar da extino do sistema de sesmarias, no perodo de 1822 a 1850, a posse continuou sendo a condio indispensvel e nica para a aquisio de domnio de terras, ainda que tal situao se com figurasse como de fato e no de direito, o que continuava a garantir o domnio da aristocracia rural sobre as mesmas, j que a independncia no significou profundas modificaes na forma de explorao da terra, sendo a escravido mantida[footnoteRef:67]. [67: SILVA, Op. Cit., 2008, p. 90.]

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:ALENCASTRO, Lus Felipe de. O trato dos viventes. Formao do Brasil no Atlntico Sul. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.FARAGE, Ndia. As muralhas do serto: os povos indgenas no Rio Branco e a colonizao. Rio de Janeiro: Paz e Terra, ANPOCS, 1991.PERRONE-MOISS, Beatriz. ndios Livres e ndios Escravos. Os princpios da legislao indigenista do perodo colonial (sculos XVI a XVIII. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. Histria dos ndios no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras : Secretaria Municipal de Cultura : FAPESP, 1992.SCHALLENBERGER, Erneldo. Povos ndios e Identidade Nacional. O Projeto Missionrio Jesutico e a Poltica Integradora de Pombal. Anais do nono Simpsio Nacional de Estudos Missioneiros: As Misses depois da Misso, Santa Rosa, 8 a 10 de outubro de 1991; Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Santa Rosa: Centro de Estudos Missioneiros: Ed. UNIJU, 1991.SOUZA JUNIOR, Jos Alves. Constituio ou Revoluo. Os projetos polticos para a emancipao do Gro-Par e a atuao de Fillipe Patroni (1820-1823). Dissertao de Mestrado, Campinas/SP, 1997.SILVA, Ligia Osrio. Terras devolutas e latifndio: efeitos da lei de 1850, 2 Ed. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 2008.