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    O TRABALHO VOLUNTRIO DE ESCOLARES BRASILEIROS JUNTO A IDOSOSINSTITUCIONALIZADOS E OS BENEFCIOS PARA ESSES DOIS GRUPOS

    AYRES, M. Z.1

    Psicopedagoga e Especialista em Neurocincias e Psicanlise Aplicadas Educao

    Faculdade So Camilo Minas Gerais, Brasil

    TRAVASSOS, L. P.2

    Doutora em Engenharia e Gesto do Conhecimento - UFSCNcleo Docente Estruturante - Anhanguera Educacional, Minas Gerais, Brasil

    Resumo

    O voluntariado, que aos poucos ganha mais espao no Brasil, torna ainda mais relevante o tema desteestudo de caso, de abordagem qualitativa, que parte do pressuposto de que as aes de voluntariado,praticadas desde a infncia, podem ser uma alternativa para a sustentabilidade e o desenvolvimentohumano, posto que favorecem a melhoria do futuro da humanidade. Neste contexto, esta investigao,realizada por uma voluntria atuante, analisa os benefcios da prtica do trabalho voluntrio observados emalunos de uma escola pblica no Brasil e nos idosos institucionalizados que receberam esses alunosvoluntrios. O estudo, teoricamente sustentado por importantes autores, que abordam afetividade, emoo,funes mentais, inteligncia e tica, assim como a cultura do voluntariado no Brasil, oferece orientaessobre como fazer um trabalho voluntrio que desenvolva as esferas psicomotora, afetiva e cognitiva, tantode indivduos da educao bsica quanto de idosos institucionalizados. Baseia-se na noo de que osbenefcios da realizao do trabalho voluntrio o qual uma das expresses do exerccio da cidadania no se restringem s instituies e pessoas que o recebem, mas que so positivos tambm para quempratica o voluntariado, podendo ser observados nas esferas pedaggica, cognitiva, psicomotora e afetiva,repercutindo na educao de crianas e adolescentes e na sade de idosos. Esta pesquisa de campo, quecoleta dados por meio de observaes in loco, entrevistas estruturadas com os participantes e descreve aincluso de aes voluntrias no planejamento dos professores, relata os estmulos sua participaoefetiva junto aos discentes, analisa as respostas encontradas no decorrer das vivncias e apresenta umaviso reflexiva e prtica para o desenvolvimento pessoal e social dos envolvidos. Os objetivos so atingidoscom a descrio das atividades pedaggicas dos alunos em diferentes disciplinas, a apresentao dasatividades realizadas por professores e por alunos voluntrios na escola, as explicaes das atividadesrealizadas pelos professores e alunos voluntrios em uma instituio para idosos, e quando aponta o graude envolvimento dos participantes nas atividades propostas, identificando as contribuies cognitivas,psicomotoras e afetivas que o trabalho voluntrio propiciou para os idosos e para os alunos. Comoresultado do trabalho, pretende-se que essa discusso estimule novas prticas voluntrias pela sociedade,em especial por educandos e educadores.

    Palavras-chave:voluntariado, benefcios, educao, sade, sustentabilidade.

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    Abstract

    Volunteering, which gradually gains more space in Brazil, makes the topic even more relevant inthis qualitative case study, which assumes that voluntary actions practiced during childhood may

    be an alternative for sustainability and human development, since they favor the improvement ofhumanity's future. In this context, this research, carried out by an active volunteer, examines thebenefits of volunteer work practice observed both in students from a public school in Brazil and theinstitutionalized senior citizens who received these students actions. The study, theoreticallyunderpinned by important authors, who deal with affection, emotion, mental functions, intelligenceand ethics, as well as the culture of volunteering in Brazil, offers guidance on how to do volunteerwork to develop spheres psychomotor, affective and cognitive, both individuals of basic educationas the institutionalized elderly. It is based on the notion that the benefits of volunteer work - whichis one of the possible expressions of citizenship is not restricted to institutions and persons whoreceive it, but that are also positive for those who practice the voluntary actions themselves andmay be observed in the pedagogical, cognitive, psychomotor and affective areas, affectingpositively the education of children and adolescents and the health of the elderly. This researchcollected data through on-site observations and interviews with participants. Then it describes theinclusion of voluntary actions in the teachers plans, reports how the students can be stimulatedinto effective participation, analyzes the responses which were found in the course of theexperiences and presents a reflexive vision of the personal and social development of thoseinvolved in the program. The objectives are achieved by describing the educational activities ofstudents within a variety of subjects, presenting the activities undertaken by teachers and volunteerstudents at school, explaining the activities undertaken by teachers and volunteer students in aninstitution for the elderly, and pointing out the involvement level of the participants in the proposedactivities, identifying the cognitive, psychomotor and affective contributions this volunteer workprovided for both seniors and students. As a result of the work, this discussion is to stimulate newvoluntary practices by the society members, especially for students and educators.

    Key words: voluntary work, benefit, education, health, sustainability.

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    Introduo

    O movimento do voluntariado tem tido um crescimento exponencial nos ltimos dez anos, nasmais variadas partes do mundo. No sentido de olhar alm de seus prprios objetivos, governos,empresas, sociedade civil organizada e cidados tm, pela prtica do voluntariado, a oportunidade

    de legitimar suas aes e decises relativas s mudanas que precisam ser empreendidas.Este trabalho defende que a realizao do trabalho voluntrio, que uma das expresses doexerccio da cidadania, benfica, e no somente para as instituies e pessoas envolvidas nestaprtica, como tambm para quem o pratica, e que ganhos podem ser identificados nas esferaspedaggica, cognitiva, psicomotora e afetiva, repercutindo na educao de crianas e na sadede idosos.

    Esta pesquisa, apresentada como monografia de concluso de um Curso de Ps-Graduaoem Neurocincias e Psicanlise Aplicadas Educao, no Brasil, foi realizada por uma voluntriaatuante, que analisou os benefcios, resultantes da realizao do trabalho voluntrio, tanto para osalunos, voluntrios de uma escola da rede pblica de educao, quanto para os idososinstitucionalizados que receberam esses alunos.

    A pesquisadora pretende que os resultados discutidos estimulem novas prticas voluntrias

    entre educadores e a sociedade em geral.O presente trabalho trata de suas atividades realizadas voluntariamente na Escola Estadual

    Jos Mendes Correa, situada Rua Carmelita Prates Silva no. 682, e na Instituio de LongaPermanncia Recanto da Saudade, localizada Rua Carmelita Prates da Silva no. 393, ambas noBairro Salgado Filho, na cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, Brasil, nos anos de2010 e 2011.

    A narrativa das experincias vivenciadas nas instituies envolvidas aqui apresentada coma permisso das organizaes envolvidas, cujas diretorias assinaram o Termo de ConsentimentoLivre e Esclarecido exigido nestas situaes.

    Para a fundamentao terica do estudo, foram elencados autores com trabalhos derelevncia relacionados a voluntariado, funes mentais e emoo e tica. Entre vrios autores devalor, foram utilizados os recentes trabalhos de Paula Bonfim (2010) sobre a cultura do

    voluntariado no Brasil; a orientao de Cludio Saltini (2008) recaiu sobre afetividade einteligncia; Rachelle Ferrari (2010) trouxe sua contribuio sobre voluntariado e tica; LucliaTravassos (2002) expandiu a viso para a atuao de uma instituio de ensino no pblica emprogramas pblicos de incluso, e Rodrigo Starling (2011) ofereceu o suporte para as discussessobre voluntariado e sustentabilidade no futuro.

    Alm desses autores, foram consultados diversos stios eletrnicos com fundamentaocientfica, assim como o programa brasileiro Amigos da Escola.

    A prtica do trabalho voluntrio est aos poucos se disseminando no Brasil, o que por si s j torna o tema relevante. Alm disso, esta pesquisa tem como justificativa o fato de que ovoluntariado, quando praticado desde a infncia, uma alternativa para o desenvolvimentohumano e sua sustentabilidade.

    essa forma, fica patente que uma pesquisa como esta que aorda a participao dainstituio escolar no trabalho voluntrio, analisa as respostas encontradas no decorrer dasvivncias e oferece uma viso reflexiva e prtica para o desenvolvimen to pessoal e social dosenvolvidos astante sinificativa, pois contribui para que o futuro no planeta seja melhor.

    A pesquisa pretendeu responder a seuinte questo: Como o trabalho voluntrio podecontribuir com as esferas afetivas, psicomotoras e cognitivas de crianas do ensino fundamental ede idosos institucionalizados?.

    O ponto de partida foram os pressupostos de que a ao voluntria no mbito escolar torna-se possvel por meio de planejamento adequado, incluso de aes voluntrias no planejamentodos professores, participao efetiva do corpo docente nos trabalhos voluntrios, junto com osdiscentes e feedback constante, e que as contribuies nas esferas afetivas, cognitivas epsicomotoras, que a pesquisadora acredita serem propiciadas pelo voluntariado, levam ao

    desenvolvimento de todas essas reas, favorecendo o amadurecimento social, psicomotor eintelectual.O objetivo geral do estudo foi descrever a contribuio de atividades exercidas por voluntrios

    de uma instituio educacional em uma instituio de idosos com os seguintes alvos especficos:

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    descrever as atividades pedaggicas realizadas pelos alunos em diferentes disciplinas; apresentaras atividades realizadas por voluntrios do corpo docente na escola; apresentar as atividadesrealizadas por voluntrios na escola, envolvendo o corpo discente; descrever as atividadesrealizadas por voluntrios na instituio de idosos; analisar qualitativamente o grau deenvolvimento dos participantes nas atividades propostas; identificar as contribuies dovoluntariado para o desenvolvimento cognitivo, psicomotor e afetivo dos alunos; e identificar as

    contribuies nas dimenses afetivas, psicomotoras e cognitivas do trabalho voluntrio para osidosos.

    Participantes

    Em razo do tema da pesquisa e do casea ser apresentado, os estudos foram realizados emduas Instituies de Longa Permanncia para Idosos (ILPI), antigamente denominados, em nossopas, asilos, e em uma Escola Pblica Estadual, ambos localizados no bairro Salgado Filho,regio oeste do municpio de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, Brasil.

    A Escola Estadual Jos Mendes Correaest situada na Rua Carmelita Prates da Silva, No.682, e pertence jurisdio da Secretaria Regional B, da Secretaria do Estado de Educao de

    Minas Gerais (SEE-MG), em Belo Horizonte. A instituio educacional est em situao ativa,conforme comprovado no stio eletrnico da SEE-MG, e oferece o ensino fundamental (do 1o.ao9. ano) a 601 alunos. O espao fsico conta com um prdio de dois andares, cuja rea distribuda entre salas de aula, biblioteca, sala de informtica, escritrio da diretoria, secretaria,sala dos professores e cantina, completada com um ptio interno e uma quadra esportivadescoberta. A escola cercada por muros e portes de ferro e possui alguns espaos a internosjardinados.

    A Instituio de Longa Permanncia Recanto da Saudade tambm est localizada na RuaCarmelita Prates da Silva, a mesma rua da escola, no No. 393. A Escola Estadual Jos MendesCorreaest a poucos metros da ILPI.

    A histria desta instituio inicia-se no ano de 1942, no bairro Funcionrios, na mesmacidade. Desde 2006, funciona no bairro Salgado Filho, em uma nova sede, construda com total

    adequao finalidade de acolher idosos. Atualmente, o Recanto da Saudadeabriga 25 idosos,sendo 23 mulheres e 2 homens. A moradora mais nova tem 85 anos e a mais velha j est com101 anos. A ILPI conta com um quadro de 25 funcionrios (3 na administrao, 4 na cozinha, 6 nalimpeza da instituio e na lavanderia, e 12 na rea de enfermagem), alm de 4 prestadores deservios especializados (1 mdico, 1 psicloga, 1 fisioterapeuta e 1 nutricionista).

    A outra ILPI visitada foi o Lar dos Idosos Clotilde Martins,que - segundo sua gestora, D. Irene- existe h mais de 50 anos. Essa est situada Rua Campina Verde, N o. 407, bairro SalgadoFilho, bem prxima s duas outras instituies. O Lar dos Idosos Clotilde Martins estsubordinado ao Conselho Central Todos os Santos da Sociedade de So Vicente de Paulo SSVP e atualmente atende 35 idosos, sendo 12 homens e 23 mulheres. Em seu quadro depessoal constam 15 pessoas, entre assistentes sociais, coordenadores de gesto, tcnicos eauxiliares de enfermagem, cuidadores de idosos, cozinheira e motorista. A moradora mais novatem 60 anos e a mais velha tem 103 anos.

    Para a pesquisa ser realizada, dois voluntrios foram encarregados de fazer a ligao entreas instituies de idosos e a escola estadual. Foram selecionados alguns alunos do 3. ano doensino fundamental da Escola Estadual Jos Mendes Correa para visitarem os adultosresponsveis pelos idosos. O motivo da escolha foi esta ser uma turma na qual a professorarealizara o projeto Vivenciando Valores. No ano de 2011, esse projeto que envolve toda a turmateve, alm da professora, 28 alunos participantes. Dentre estes alunos, com faixa etria mdia de9 anos, Davi, Juan, Vanessa, Pedro Henrique e Vitria foram voluntrios para participarem destapesquisa.

    A professora do 3. ano, Sheila Anglica Xavier, formada em Pedagogia, com nfase emOrientao Educacional, e tem Ps-Graduao em Psicologia Educacional. Seu tempo de

    profisso de 21 anos, sendo que 17 deles dedicados E. E. Jos Mendes Correa.Na ILPI Recanto da Saudade, as pessoas entrevistadas foram: a supervisora administrativa,Gioconda Dias dos Santos, Especialista em Certificao de Qualidade e Inspeo de Alimentos, ea psicloga ngela Maria de Campos Soares.

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    Na ILPI Clotilde Martins, foi entrevistada a Assistente Social Irene Reis Rezende, responsvelpela gesto da instituio.

    Tambm foram entrevistados Nadja S de Horta Carneiro, biloga, voluntria h 3 anos, eIvan Mendanha, arquiteto, voluntrio h mais de 20 anos, ambos atuantes no ProgramaVoluntariado do Minas Tnis Clube. Foram eles que fizeram aponteentre as instituies.

    Para que as pesquisas deste trabalho tivessem o aval neurocientfico, o estudo contou com

    ainda com a participao do mdico e neurocientista brasileiro Dr. Ricardo de Souza Oliveira,coautor da pesquisa Human fronto-mesolimbic networks guide decisions about charitabledonation, traduzida como Redes fronto-mesolmbicas humanas guiam as decises sobre adoao voluntria, publicada em Proceendings of the National Academy of Sciencies of theUnited States of America - PNAS. Nessa pesquisa, seus autores demonstraram, por meio deimagens obidas por Ressonncia Magntica, que o altrusmo ativa a regio de prazer do crebro,provocando atividade nas mesmas redes que se acendemem situaes geradoras de prazer, taiscomo comer chocolate, fazer sexo, ganhar dinheiro ou consumir drogas.

    Materiais e procedimentos

    Este trabalho caracteriza-se como estudo de caso atravs de pesquisa qualitativa, cujosobjetivos so exploratrio-descritivos, buscando a compreenso da experincia humana.

    Em termos de amplitude e profundidade, este estudo de caso alicerou a sua fundamentaoterica em pesquisa bibliogrfica atualizada sobre o tema.

    Os resultados da coleta e da anlise de dados, realizadas com abordagem qualitativa, na qualo amiente a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador o instrumento -chave(GIL,1999) so de natureza aplicada, pois geram conhecimentos de interesse local e aplicabilidadeuniversal.

    Para a aplicao das tcnicas de coleta e anlise de dados, os instrumentos utilizados nestetrabalho foram: registro da observao dos voluntrios e de quem recebeu as aes devoluntariado; questionrios; entrevistas estruturadas; Termo de Consentimento Livre eEsclarecido, assinado pelos participantes das atividades pertinentes para esta pesquisa.

    A coleta de dados foi feita a partir de entrevistas com seus participantes em cada uma dasinstituies e os dados foram analisados pela pesquisadora e sua orientadora.

    Para ilustrar este artigo, foram destacados e reproduzidos alguns trechos, com o cuidado deno comprometer a privacidade de qualquer uma das pessoas entrevistadas.

    Discusso

    Para a Organizao das Naes UnidasONU, o voluntrio o jovem ou adulto que, devidoao seu interesse pessoal e ao seu esprito cvico, dedica parte de seu tempo, sem remuneraoalguma, a diversas atividades, organizadas ou no, de bem estar social ou outros campos.

    No Brasil, a Fundao Abrinq pelos Direitos da Criana, define voluntrio como:Ator social e agente de transformao, que presta servios noremunerados em benefcio da comunidade; doando seu tempo econhecimentos, realiza um trabalho gerado pela energia de seu impulsosolidrio, atendendo tanto s necessidades do prximo ou aos imperativosde uma causa, como s suas prprias motivaes pessoais, sejam estas decarter religioso, cultural, filosfico, poltico, emocional.

    Neste trabalho, entende-se voluntariado como a classe, qualidade ou condio do voluntrio,que, com a atitude solidria e cidad, socorre, transforma pessoas e realidades, inclusive oprprio agente e sua realidade.

    No Brasil, o trabalho voluntrio surge no sculo XVI, por iniciativa de religiosas, com afundao de instituies chamadas de Santas Casas. Apenas no sculo XX, a Cruz Vermelha,que data do sculo XIX, chega a esse pas (em 1908), quando tambm comea o trabalho dosEscoteiros. Mais tarde, da dcada de 30 em diante, o Estado passou a desenvolver polticas

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    pblicas voltadas assistncia social e muitas entidades, como a Legio Brasileira de Assistnciae o Projeto Rondon, foram criadas.

    Somente a partir dos anos 90 o voluntariado cresceu significativamente e passou a se tornarum forte movimento na sociedade, com a criao de organizaes voltadas para mobilizarpessoas para tais aes, alm de divulgar e gerenciar os programas de voluntariado.

    Em 1998 foi promulgada a Lei do Voluntariado - Lei n 9.608, que considera o servio

    voluntrio: [...] a atividade no remunerada, prestada por pessoa fsica, entidade pblica ou ainstituies sem fins lucrativos, que tenham objetivos cvicos, culturais, educacionais, cientficos,recreativos ou de assistncia social, inclusive mutualidade.

    Em 2001, ocorreu o I Congresso Brasileiro do Voluntariado, que abriu um debate terico emetodolgico sobre a necessidade de se consolidar o voluntariado em nossa prpria realidade, esurgiram, ento, vrias publicaes relacionadas a esse assunto, dirigidas a diferentes segmentosda sociedade.

    O Ano Internacional do Voluntrio, 2001, foi uma iniciativa da Oranizao das NaesUnidas (ONU) com o objetivo de promover a cultura do voluntariado, desencadeando aes ereflexes sore o tema em todo o mundo ( Instituto Faa Parte, 2009). Para sua realizao foicriado no Brasil o Comit do Ano Internacional do Voluntrio, que incentivou projetos devoluntariado em todas as esferas sociais. Ainda segundo o Instituto Faa Parte, com uma atuao

    forte e continuada, o comit cresceu, ganhou espao, foi destacado pela mdia e contribuiu paraque cerca de 30 milhes de pessoas fossem mobilizadas em prol de aes voluntrias.

    Ferrari (2010), pesquisadora e escritora, conclui que possvel dizer que o voluntariado:

    [...] j um dispositivo social com caractersticas e atribuies muitoprprias. Temos organizaes da sociedade civil que discutem e planejamaes, mobilizam e lideram grupos e fazem parcerias em diversos setores,buscando fomentar o movimento e suas realizaes.

    Voluntrios em ao. As iniciativas propostas para aes solidrias promovidas pelovoluntariado tm contribudo para o aprimoramento das reflexes sobre o papel do cidado noatual contexto social.

    Sua implantao em uma sociedade tem a funo no s de colaborar com os servioshumanitrios e educacionais, mas de ajudar na transformao das polticas pblicas sociais(Klein, 2005).

    Segundo o Instituto Faa Parte, evidencia-se, portanto, que:

    uma ao benemerente, envolvendo relacionamento humano, intensamente mobilizadora para todos os envolvidos e, portanto, mereceuma ateno cuidadosa. O altrusmo fundamental para a vida emsociedade, porm, isso algo que precisa ser desenvolvido, o que s podeocorrer num grande trabalho de autoconhecimento e reflexo.

    Ser um voluntrio, assumir uma espcie de causa social em prol de quem precisa tem sidomostrado de forma muito incisiva pelos diferentes meios de comunicao, convocando a todos e acada um a ser um voluntrioum voluntrio da educao (Bonfim, 2010).

    Neste contexto, o Projeto Amigos da Escola um excelente exemplo: surge justamente comesta proposta de ajudar a escola pblica a melhorar a qualidade da educao e,consequentemente, resolver problemas sociais por meio do fortalecimento da participao de todaa comunidade escolar, ajudando a transformar o pas. A partir da disseminao desse projeto,outros foram surgindo, colocando a parceria entre a educao e o voluntariado cada vez maispresente no contexto escolar.

    No I Congresso Brasileiro do Voluntariado, realizado no Estado de So Paulo, em julho de2001, essa aliana entre escola e voluntariado foi apresentada como uma necessidade, que apresidente do Comit AIV - Ano Internacional do Voluntariado, tambm presidente do Centro deVoluntariado Faa Parte ressalta em sua conferncia:

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    [...] os ganhos de qualidade, competitividade e produtividade sempreestiveram diretamente relacionados aos nveis de escolaridade dapopulao, ao acesso s novas formas de conhecimentos propiciadas pelasociedade de informao e ao grau de formao das crianas, jovens eadolescentes em busca de uma colocao profissional. O objetivo desseprojeto, na poca do seu lanamento, foi o de conquistar o voluntariadopara a educao, a participao na vida escolar e a melhoria da escola

    pblica brasileira.

    Segundo o site do Instituto Faa Parte, Educao um termo antio e sempre novo, queprovm da palavra latina educere, ou seja,tirar para fora, desenvolver. A educao, portanto,busca condies e meios mais idneos para desenvolver e orientar as potencialidades individuais. assim, pensando nessa dinmica, que se entende que o voluntariado inserido na esferaeducacional uma proposta de formao que propicia o desenvolvimento dos jovens por meio deexperincias de aes solidrias, altrustas e com compromisso.

    Voluntariado e educao.Saltini (2008) descreve a necessidade de repensar a educao

    como formadora da responsabilidade socioambiental, aberta a uma nova conscincia sobre omundo Segundo o autor,

    a escola, que est a, dever repensar a importncia de uma educao queno poder fundamentar-se apenas no fornecimento das matrias-primas(informaes), mas, principalmente, em como elaborar, metabolizar etransformar essas matrias-primas diante de problemas e necessidades.

    Ainda segundo o mesmo autor,

    a vida nos prope atitudes de constante transformao, compreendendo asnecessidades do momento e do tempo dos indivduos perante os problemassempre novos que se apresentam. A educao dever ter certasensibilidade com isso, pois, quando nos colocamos diante de uma criana,devemos pensar em como prepar-la para viver daqui a vinte ou trinta anos.

    A educao, assim pensada prev a sustentabilidade da vida do educando no meio em quevive, solucionando os problemas contemporneos relacionados sua existncia.Sustentailidade, seundo o Relatrio Brundtland, implica, suprir as necessidades da eraoatual sem comprometer a possibilidade das geraes futuras de suprirem as suas. E,mais queisso, prope o equilbrio entre os fatores que compem a sociedade, dentre eles a educao.

    No ano de 2011, quando se comemora o dcimo aniversrio do International Year ofVolunteersIYV, as Naes Unidas publicaram o relatrio Decoupling: natural resource use andenvironmental impacts from economic growth, com a previso de que, pelo ano de 2050, ahumanidade estar consumindo trs vezes mais do que atualmente, com impactos em todos osmbitos das relaes humanas, o que comprometer toda e qualquer perspectiva de um futuroprspero, a no ser que sejamos mais solidrios. O relatrio remete a um convite para queatuemos como voluntrios, inclusive na esfera educacional, na tarefa de alcanar um objetivomaior: chegarmos a 2050 com possibilidades de alcanar a sustentabilidade planetria(STARLING, 2011).

    A educao, por envolver o trabalho de sensibilizao realizado pelas instituies de ensinoformais, que devem introduzir os indivduos nos aspectos mais amplos da sustentabilidade, ocaminho para o desenvolvimento sustentvel. Nesse contexto, fica explcita, de acordo comTravassos (2002):

    a necessidade das organizaes educacionais se reconhecerem agentes naintegrao da sua comunidade com a sociedade em que est inserida [...] eprecisam considerar a multiplicidade de elementos existentes na sua vidacoletiva, de forma a poder identificar demandas sociais internas e externas

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    e, assim, atuar como agente transformador, assumindo um compromissosocial inclusivo mais efetivo.

    Voluntariado, educao e aprendizagem.A educao deve ser pensada como meio parapromover a aprendizagem para a vida. Em razo disso, Saltini (2008) defende que:

    Ao falarmos da inteligncia e da aprendizagem, precisamos nos referirtambm e sempre, emoo, s ligaes e as inter-relaes afetivas. Seriaimpossvel entender o desenvolvimento da inteligncia sem umdesenvolvimento integrado e convergente cada vez maior de nossosinteresses e amores por aquilo que olhamos, tocamos e que alimenta nossacuriosidade.

    O voluntariado, quando inserido nas atividades pedaggicas, promove o reconhecimento dacriana como ser iofisiolico, psicossocial e, tamm em sua interioridade afetiva, na suanecessidade de criatura que chora, ri, dorme, sofre e busca constantemente compreender omundo que o cerca, em como o que ela faz ali na escola (SALTINI, 2008).

    Tal potencial transformador da ao voluntria, assim como o envolvimento com essas aes,resultam em um ganho muito particular, especialmente em termos pessoais, assim descrito pelosvoluntrios desta pesquisa: um aprendizado que no imaginavam poderem ter em outroscontextos de sua prpria vida.

    Neurocincias e voluntariado. Nos ltimos anos, tm havido muitos estudos no campo dasneurocincias que corroboram a ideia de que o desenvolvimento da compaixo e do altrusmo temum impacto positivo sobre nossa sade fsica e emocional.

    Em um bem conhecido experimento realizado por David McClelland, por exemplo, estepsiclogo da Harvard University mostrou um filme de Madre Teresa trabalhando entre os pobres eos doentes de Calcut a um grupo de alunos. Os estudantes relataram que o filme estimulousentimentos e descobriu-se um aumento na imunoglobulina-A, um anticorpo que pode ajudar acombater infeces respiratrias.

    Em outro estudo, este realizado por James House no Research Center da University ofMichigan, os pesquisadores identificaram que a dedicao regular ao trabalho voluntrio, eminterao com os outros indivduos, com calor humano e compaixo, aumentava tremendamente aexpectativa de vida e provavelmente tambm a vitalidade geral.

    Muitos outros pesquisadores no novo campo da medicina mente-corpo chegaram aconcluses semelhantes, que documentavam como os estados mentais positivos podembeneficiar a sade fsica. Alm dos efeitos benficos sobre nossa sade fsica, h provas tambmde que a compaixo e o comportamento interessado contribuem para a boa sade emocional.Estudos revelavam que ajudar os outros pode induzir a sentimento de felicidade, tranquilidademental e menos depresso.

    Em um estudo longitudinal com um grupo de diplomados de Harvard, com durao de trintaanos, o pesquisador George Vaillant concluiu que adotar um estilo de vida altrusta um

    componente crtico para a boa sade metal.Outra pesquisa, esta realizada por Alan Luks na dcada de 90, com milhares de pessoas que

    estavam envolvidas regularmente em atividades voluntrias de auxlio a terceiros, revelou quemais de 90% desses voluntrios relatavam um tipo de excitao mental associada atividade,caracterizada por uma sensao de calor humano, mais energia e uma espcie de euforia. Elastambm tinham uma ntida sensao de tranquilidade e de maior autovalorizao aps aatividade. Em suas investigaes sobre a relao entre altrusmo e sade, Luks (1991) concluique pessoas que ajudam o prximo tm uma sade comparativamente melhor que a de outras damesma idade. O estudo baseou-se na observao de 3 mil voluntrios em todo o pas e constatouque os benefcios fsicos e psicolgicoscomo reduo dos sintomas de estresse e depresso euma viso mais positiva da vida so imediatos e de longa durao. Oito em cada dez pessoasentrevistadas por Luks posteriormente afirmaram que os benefcios para a sade retornavamquando se lembravam da ao voluntria realizada em anos anteriores.

    As concluses de Luks foram confirmadas por um estudo da Universidade de Michigan,conduzido pelo Dr. James House, que observou que o trabalho voluntrio realizado com

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    regularidade aumenta consideravelmente a expectativa de vida, mais do que qualquer outraatividade. Durante dez anos, 2.700 pessoas foram acompanhadas para que se verificasse oimpacto desta atividade na sade e a pesquisa mostrou que o trabalho voluntrio aumenta aenergia e a autoestima, fortalece o sistema imunolgico e faz bem no sentido literal e nofiguradoao corao. Interessante foi a constatao de que o efeito maior nos homens, comum aumento de at 2,5 vezes da expectativa de vida para aqueles que atuam como voluntrios

    pelo menos uma vez por semana.Em todos os experimentos cientficos, no foi como se esses comportamentos de dedicaoproporcionassem apenas uma interao benfica em termos emocionais; concluiu-se tambm queessa tranquilidade dos que ajudamestava associada ao alvio de uma variedade de transtornosfsicos relacionados ao estresse.

    A cincia pode esclarecer alguns pontos relacionados aos benefcios fsicos do voluntariado,como explica o neurocientista brasileiro Jorge Moll. Resultados de uma de suas pesquisas,publicada nos Estados Unidos com o ttulo de Emotion and Social Cognition: Lessons fromContemporary Human Neuroanatomy, mostra que o simples ato de pensar em fazer o bem j ativao sistema de recompensa do crebro e libera uma carga do neurotransmissor dopamina,substncia envolvida na sensao de bem-estar. Outra regio acionada nesse processo o crtexsubgenual, ligada formao de laos afetivos de longo prazo, tais como os do namoro e da

    amizade. Nessa experincia, o pesquisador entregou US$ 128 a cada um dos 19 voluntrios epediu que decidissem o que fazer com a quantia: embols-la ou do-la para alguma instituio decaridade. Enquanto pensavam, foram submetidos ao exame de ressonncia magntica, querevelou que, surpreendentemente, aqueles que mantiveram o dinheiro para si no tiveram osistema de recompensa do crebro ativado.

    O trabalho voluntrio dos alunos com os idosos

    Antecedentes. Percebendo o estado de isolamento dos idosos na ILP Recanto da Saudade,em 2009 dois voluntrios do Minas Tnis Clube apresentaram uma proposta de parceria vizinhaEscola Estadual Jos Mendes Correa, com a ideia de fazer o tipo de trabalho que Saltini (2008)descreve desta forma: Quando uma criana vai para uma escola, no vai apenas para aprender,

    mas tambm para relacionar-se e para vivenciar o aprendizado como um todo e quem assim apercebe ento orient-la rumo ao amanh.

    Nesta escola, os voluntrios encontraram uma boa receptividade para promover a integraoentre idosos e crianas, o que foi facilitado pelo fato de que solidariedade j constava dasatividades propostas pela professora do 3. ano do Ensino Fundamental: nos finais de ano elafazia contato com a direo da instituio para idosos Clotilde Martins, tambm prxima escola,e agendava uma visita dos alunos, mas essa era uma ao pontual, sem qualquer vnculo decontinuidade com a instituio. Ento, os voluntrios Nadja e Ivan fizeram uma ponte para aescola desenvolver uma relao mais elaborada com as instituies, por meio de um projetoanual.

    Segundo a professora, ela elegeu os idosos para esta atividade de Natal, pelo fato deacreditar que seria um diferencial positivo na vida deles. Ela explica:

    Antes de os voluntrios aparecerem, eu tive a ideia de visitar asilos, porquesempre achei que os idosos so muito deixados de lado. Muitos alunos socriados com a av, mas nem sempre lhe do o valor merecido... Diantedisto resolvi fazer visitas a asilos para que as crianas percebessem quetodos envelhecem, que necessrio ter respeito pelos mais velhos e queeles podem fazer visitas e traalhos voluntrios dentro do prprio airro.

    Ao serem procurados pelos agentes do Minas Tnis Clube, todos os profissionais da escola,em especial as gestoras, foram receptivos e apoiaram o projeto, e a diretora Maristelaimediatamente, sugeriu o nome da Professora Sheila como agente desta parceria que osvoluntrios propunham.

    A voluntria Nadja relatou que a proposta dos voluntrios do Minas ojetivava trazer alegria,vida, contato com o mundo exterior, para as idosas por meio das crianas. Por outro lado,

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    acrescentaram que para as crianas, seria muito interessante a vivncia com pessoas idosas,carentes, doentes, seres de uma realidade nem sempre presente em suas vidas.

    Partindo destes objetivos, foi organizada uma programao, que integrava contedos debiologia e cidadania, para preparar os estudantes para as visitas. Durante a preparao,estudaram o processo de envelhecimento das pessoas e o Estatuto do Idoso vigente no Brasil.

    Em seu relato, a Professora Sheila, disse que assim que os voluntrios passaram a fazer

    parte deste projeto, resolvi format-lo melhor e as visitas se tornaram mensais e com temasdiversificados. Datas comemorativas, como a Pscoa, o Dia das Mes, a Festa Junina, o Dia doFolclore, a entrada da Primavera, o Dia das Crianas e, encerrando o ano, o Natal, foramreservados para as atividades dos alunos desta professora. Nessas ocasies,os alunos fizeramcartazes, cartes em formato de flores, decoraram e embalaram sabonetes, danaram, cantarame declamaram poesias.

    O projeto, que foi batizado Vivenciando Valores, era multidisciplinar e, assim, envolveu oensino de Lngua Portuguesa (cartas, cartes, leitura de poesias e jogral), Artes (elaborao decartazes, confeco de flores, msica e dana), Histria (as histrias dos idosos ficaramconhecidas por meio de entrevistas no primeiro encontro), Geografia (localizando as instituiesdo bairro), o que proporcionou a oportunidade de os estudantes vivenciarem valores etrabalharem tica e cidadania de maneira prtica e objetiva. Dentre os contedos enfatizados

    destacam-se Famlia, Direitos Humanos, Igualdade Social, Respeito, Solidariedade, CorpoHumano, Vizinhana. A aordaem multidisciplinar reforou o fato de que ns podemosestabelecer vrios tipos de relaes, tais como: eu-outro, eu-voc, eu-isso, eu- isto(SALTINI,2008).

    Cada evento foi encerrado com um lanche de confraternizao entre os idosos e as crianas,ocasies em que as crianas observaram que a alguns era oferecido o alimento na boca, devido adificuldades para se alimentarem sozinhos e foi uma constante a presena das cadeiras de rodasnos desenhos das crianas entrevistadas.

    Segundo explicou a psicloga da ILPI Recanto da Saudade, ngela:

    nas dinmicas com idosos, trabalham-se questes como o gestual e o ritmoe explora-se a expresso corporal. Os estmulos so proporcionados na

    medida em que as interaes se atualizam com novos conhecimentos; sempre o novo que apresentado. Embora alguns idosos tenhamlimitaes, eles aprendem e interagem bem, at mesmo em alguns casosde Alzheimeir inicial.

    Todos os anos o Projeto Vivenciando Valores vinha sendo apresentado aos alunos, comexplicaes sobre as possibilidades proporcionadas nestas visitas, sendo ressaltada a importnciada participao de todos visando alegria que seria proporcionada aos idosos. A ProfessoraSheila lembrou que os pais eram informados sobre como o projeto seria desenvolvido e todos oavaliaram como muito importante na formao dos seus filhos, sempre apoiando esta tarefa.

    Esta cumplicidade entre todos os direta ou indiretamente envolvidos, que criou condiespara que as turmas sempre aceitassem participar com alegria e curiosidade, pode ser ilustrada

    com os dizeres de Starling (2011): Por hora, ainda que no tenhamos resposta, compreender asregras queregem o nosso tornar-se humano talvez possa nos garantir um melhor entendimentosobre a importncia da solidariedade nessa dinmica estreita que tal presena impinge sobre omundo.

    Nos dias de visita voluntria, os alunos da Professora Sheila se comportavam bem e commuito interesse e respeito. Eles se diferenciavam na escola: as crianas podiam comparecer escola sem uniforme colegial e chegavam vestidos com roupas coloridas de acordo com o tematrabalhado na ocasio: se era primavera, blusas floridas, no Natal de vermelho e gorro de PapaiNoel... Foram palavras da prpria Professora:

    Sempre levei minha aparelhagem de som em cada apresentao e, noincio, a equipe do Minas Tnis Clube fazia bingo para entrosar alunos e

    idosos e fazamos brincadeiras de roda para os que conseguiam danar.Era, enfim, um entrosamento constante. H tem idosas que ainda guardamas cartinhas, cartes e flores, e, assim, os alunos viram a importncia dotrabalho deles.

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    Ora se ali, alm da presena da professora regente, os idosos e as crianasaprendiam entre si, f ica confirmado o pensamento de Saltini (2008): Na relao entre professore aluno, para haver desenvolvimento, fazem-se necessrios harmonia, respeito e percepo.

    Seundo a voluntria Nadja, iloa de formao, o amor, carinho, ateno propiciado por

    esses encontros refletem diretamente no bem estar e sade dos idosos . Esta voluntriaacrescenta:

    So momentos de prazer, que trazem alento s suas vidas cheias de rotina,isolamento e doenas e muitas vezes superaram a ao de antidepressivose outros medicamentos. Os idosos esperam ansiosamente por essesencontros e quando realizados regularmente, como no caso daprogramao estabelecida, podem levar ao desenvolvimento de laosextremamente benficos para sade mental e geral de ambas as partes.

    A esse respeito, Saltini (2008) fala que:

    A mente tem por objetivo bsico a tarefa de relacionar e transformar, ouseja, ela um mecanismo, tal como a vida que se constitui em umaconstante transformao. Com base nesta ideia, podemos dizer que a fno est na mente, est em nossa energia essencial, no esprito talvez,encontrando-se tanto em nossas conexes neurnicas, como na totalidadedo nosso ser.

    Isso posto, no h por que no relacionar o prazer do encontro com o outro, componente deuma totalidade do ser, como favorecedor das relaes neuronais que podem produzir benefciosna sade fsica e mental destes idosos.

    Avaliaes ps-visitas aos idosos. Travassos (2002) quem ressalta o seguinte:

    A parceria estabelecida para projetos educacionais sociais dinmica edeve ser continuamente avaliada e adequada em relao ao que acomunidade precisa, pois as demandas sofrem alteraes ao longo doprocesso, medida que as necessidades iniciais vo sendo satisfeitas.

    Aps cada visita aos idosos, a turma avaliava a importncia do projeto e do bomcomportamento dentro das ILPIs, e eram feitos os relatrios das visitas. Neste aspecto, cabe acitao de Freire (apudSaltini, 2008): Ns no educamos; ajudamos as pessoas a se educarem;e, ao ajudarmos, educamo-nos, tamm.

    A Professora Sheila relatou que a alegria dos seus alunos em visitar os idosos foiaumentando e contagiando as crianas da escola, inclusive das sries anteriores. Segundo ela,os alunos das outras salas queriam ser meus alunos no ano seguinte, para visitar o asilo. Eraratificante saer da importncia deste projeto dentro do amiente escolar.

    Em 2010, atendendo ao pedido de outras turmas, foram levados cinco alunos de outra sala visita, mediante um sorteio prvio. Um desses alunos fez uma apresentao tocando msica emseu prprio teclado, mostrando um talento muito especial, que foi bastante aplaudido e elogiadopelos idosos e pelas crianas presentes.

    Mesmo em um grupo formado por alunos de sries escolares distintas, houve harmonia e,segundo a Professora Sheila, tudo funcionou muito em.

    Desde o incio dessa experincia de voluntariado, a cada ano uma nova turma participa doprojeto, estando a Professora Sheila mantendo-se presente.

    Em2011, contudo, o projeto foi encerrado em outubro, devido licena desta educadora paragozar suas merecidas frias prmio. No encerramento houve uma reflexo do desenvolvimento doprojeto e os alunos manifestaram que gostaram muito das visitas. Foi relatado pela professoraque a experincia foi boa para os idosos, para seus alunos e muito mais para ela prpria, que a

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    cada ano pode aprimorar e ver o carinho e o verdadeiro amor incondicional e fraternal nos olhosde todos, crianas e idosos.

    Todos os envolvidos anseiam pelo retorno da professora a partir de 2012, para que o projetoseja restabelecido nas respectivas instituies.

    A anlise dos ganhos com o voluntariado junto a idosos. Do incio da parceria aodesenvolvimento do projeto, os ganhos para os envolvidos tem sido ntidos e a aprendizagem uma

    constante. Esta integrao proporcionada pela escola e sua influncia na inteligncia descritapor Saltini (2008) da seguinte maneira:

    A meta do desenvolvimento do homem, desde o incio, ser a integraodentro e fora de si. Ela vai unindo e criando pontes, o que justifica o fato desermos verdadeiros arquitetosna construo de pontes (conexes). Ahabilidade da inteligncia a construo de pontes, de estruturas(cognio), de relaes as mais diversas).

    A Professora Sheila destaca que, desde o princpio, foi movida pelo amor ao prximo. Apalavra amor, relacionada ao ato de voluntariar, foi assim abordada na obra de Starling (2011):

    Banalizada ao ponto de nos causar desconforto ao escrev-la, sabemos dorisco que corremos ao cair no lugar comum... Eis a ltima fase do nossojogo: amar a vida. Voluntariar-se na tarefa de praticar o discurso tico epleno que se traduz em nosso conceito de liberdade: dar-se a si mesmo e omundo como tarefas.

    Em termos pedaggicos, os benefcios do trabalho voluntrio dos estudantes junto a idososinstitucionalizados os alunos incluem abordagens interdisciplinares feitas nas disciplinascomponentes do currculo, desde a preparao at o encerramento das atividades, tais como

    portugus, matemtica, histria, geografia, cincias e artes; o desenvolvimento das habilidades deplanejamento e construo de materiais e apresentaes de maneira prtica e objetiva, asvivncias in locodos contedos ligados aos valores humanos, cidadania e tica e a sua posturanas atividades escolares em um ambiente diferente da escola

    A construo de pontes para a prpria histria futura, de seus pais e avs, as memria de suaparticipao nas atividades, o enfrentamento de um novo pblico, por terem que lidar com suatimidez ou o julgamento do outro, a transformao do conceito de ser idoso, e a atenodiferenciada dispensada a ele foram aspectos cognitivos amplamente contemplados.

    Entre os aspectos psicomotores trabalhados, podem ser citados a comparao da postura,marcha e movimento da criana com a do idoso, a avaliao dos riscos que uma limitao motorapode causar, a conscincia da preservao fsica e mental, por meio do equilbrio e qualidade devida, a sincronizao das dinmicas apresentadas com o tempo dos idosos que dela participam eo trabalho com o prprio gestual, o ritmo e a expresso corporal.

    Os aspectos afetivos privilegiados englobam a abertura da mente para lidar com o novo, ocontrole do medo e da ansiedade, aproximao com o diferente de si mesmo, a aceitao eretribuio do toque por meio de beijos e abraos, a expresso da alegria, da tristeza, do carinhoe do cuidado para com o outro e a valorizao do idoso (Quadro 1).

    Quadro 1. Benefcios do trabalho voluntrios para os alunos do Projeto

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    Fonte: Criao das autoras.

    Em relao aos benefcios no mbito pedaggico, para os idosos destacam-se o querer

    aprender (uma nova msica ou uma nova coreografia) independentemente da prpria idade, aatualizao em relao imagem da criana do sculo XXI e sua linguagem;

    Os ganhos em elementos cognitivos so similares aos dos mais jovens: a construo deligaes com a prpria histria passada, a de seus filhos e netos e as memrias de suaparticipao nas atividades.

    Os itens psicomotores trabalhados foram a comparao entre a postura, a marcha e osmovimentos da criana e do idoso, a sincronia das dinmicas apresentadas pelas crianas aotempo que os idosos conseguem participar, o esforo para fazerem os movimentos, apesar deeventuais limitaes motoras, trabalho com o gestual, o ritmo e a expresso corporal e aconscincia da importncia da participao nas sesses de fisioterapia, para sua manutenofsica e mental.

    Os aspectos afetivos favorecidos foram a abertura para uma nova socializao, o controle doestresse e da ansiedade, a proximidade com uma criana que no seja um familiar seu, aaceitao e retribuio do toque por meio de beijos e abraos e a expresso da alegria, datristeza, do carinho e da saudade aos quais a criana remete (Quadro 2).

    Quadro 2. Benefcios do trabalho voluntrios para os idosos visitados no Projeto

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    Fonte: Criao das autoras.

    Consideraes finais

    O desenvolvimento do Projeto Vivenciando Valores possiilitou a aplicao do conceito deeducao que visa benefcios pedaggicos associados a benefcios afetivos, cognitivos epsicomotores, quadro necessrio, posto que seundo Saltini (2008) quem est aprendendo eamadurecendo no somente o intelectual e, sim, um indivduo em constante processo denascimento, de atividade. Atividade esta que a cada momento apresenta-se de forma diferente.

    H que se reconhecer a importncia deste projeto no que tange ao desenvolvimento doaltrusmo nas crianas, a partir da integrao com os idosos, por meio das atividadesdesenvolvidas. A ao em assistncia aos idosos, e a reciprocidade dos mesmos, geroumomentos de reflexo, aprendizado e por que no dizer, prazer.

    Seundo Starlin (2011), seuro afirmar que sero os voluntrios que sustentaro odesenvolvimento no lono prazo. Na amplitude que o movimento do voluntariado, portanto, e

    diante de todo o discurso que o vincula rea educacional, este trabalho procurou construir suaproblematizao a partir de um recorte que diz respeito aos efeitos da ao voluntria naaproximao com a educao e seus agentes.

    Esta anlise de um exerccio de cidadania focalizou a identificao dos benefcios nas esferaspedaggica, cognitiva, psicomotora e afetiva, repercutindo na educao de crianas e na sadede idosos, deixando de lado o discurso ideolgico no qual os processos de gesto social epoltica geralmente se concentram.

    Saltini, (2008) aponta que:

    a educao deveria fazer compreender, j durante a escola, que oconhecimento deveria colocar-se sempre ao nosso servio (do homem), isto, um conhecimento a ser transformado em sabedoria. H, portanto, desta

    forma, uma transformao de objetivos educacionais quando transferimos anfase que sempre demos s especializaes (Biologia, Geografia ouHistria) para a integrao dos diversos campos do saber, ou seja,compreender a vida e o desenrolar da histria, em sua totalidade.

    http://nossoreidosreisjesus.blogspot.com/2011/01/stbseb5251-uma-contribuicao-da.htmlhttp://amigonerd.net/trabalho/26078-educacao-sexual-no-ensino-fundamentalhttp://www.scribd.com/doc/33713301/07-ciencias-humanas-ensino-mediohttp://www.scribd.com/doc/33713301/07-ciencias-humanas-ensino-mediohttp://www.scamilo.edu.br/pdf/edital_disciplinas_optativas.pdfhttp://www.ebah.com.br/content/ABAAAAy18AF/jogos-empresariaishttp://www2.uel.br/ceidm/PROPOSTA%20PEDAGGICA%202003.pdfhttp://www.senept.cefetmg.br/galerias/anais_2010/artigos/gt8/educacao_social.pdfhttp://www.senept.cefetmg.br/galerias/anais_2010/artigos/gt8/educacao_social.pdfhttp://www2.uel.br/ceidm/PROPOSTA%20PEDAGGICA%202003.pdfhttp://www.ebah.com.br/content/ABAAAAy18AF/jogos-empresariaishttp://www.scamilo.edu.br/pdf/edital_disciplinas_optativas.pdfhttp://www.scribd.com/doc/33713301/07-ciencias-humanas-ensino-mediohttp://www.scribd.com/doc/33713301/07-ciencias-humanas-ensino-mediohttp://amigonerd.net/trabalho/26078-educacao-sexual-no-ensino-fundamentalhttp://nossoreidosreisjesus.blogspot.com/2011/01/stbseb5251-uma-contribuicao-da.html
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    Nesta linha de pensamento afasta-se a ideia da educao, inclusive a escolar, como meratransmissora de informao terica e conteudista, fragmentada e aleatria. O ato educativo,pensando nesta e nas futuras geraes deve promover a comunho de seus objetivos, a partir deuma relao e interao integrada nas demandas da sociedade, prevendo a sustentabilidade

    futura. certo que uma nova conscincia sobre o mundo um dos fatores que dever pesar sobre aeducao neste sculo e, neste contexto, de extrema importncia a insero de prticas devoluntariado na escola, visto que a parte viva que habita o planeta, torna-se, cada vez mais, umaentidade a ser respeitada, assim como ns mesmos. Um novo nvel de conscincia bate a portatambm da escola, onde o respeito condio para a convivncia e perpetuidade da vida.

    Para Bonfim (2010), a cultura do voluntariado possui na atualidade a tarefa de proporcionaraos indivduos a sensao de incluso social.Ora, a escola - como espao de incluso social -tambm se beneficia desta cultura.

    medida que essa prtica vai se enraizando, a escola perceber que esta iniciativaultrapassa as barreiras impostas pelo currculo, impactando diretamente na formao de seusalunos, com consequncias positivas em si, por suas atuaes voluntrias, e em seu pblico alvo.

    No caso especfico dos alunos participantes do Projeto da Escola Estadual Jos MendesCorrea, houve ntidas contribuies nas esferas afetivas, cognitivas e psicomotoras. Vale salientarque, tambm nos idosos, pblico alvo do Projeto, foram identificadas as contribuies do trabalhovoluntrio nas dimenses afetivas, psicomotoras e cognitivas.

    Todos os voluntrios, direta ou indiretamente envolvidos com o Projeto, manifestaram ganhose motivaes pessoais em participar de aes voluntrias, tais como ajudar, sentir-se til, valorizaro outro, fazer o bem e amar ao prximo, o que leva as pesquisadoras a conclurem que ovoluntariado propicia desenvolvimento de todas as reas, favorecendo o amadurecimento social,psicomotor e intelectual.

    Quando estas experincias so proporcionadas na escola, elas vm de encontro ao que dizSaltini (2008): A educao tem muito a ver com este universo de sensaes e conscientizaes,de elaboraes de concepes e de conceitos. A educao deve ser pensada no pelas suas

    diversas disciplinas, mas principalmente como meio de promover a prpria vida, apropriando-sedela.

    Em concordncia com os autores estudados e a prtica vivenciada, estas pesquisadoraspuderam avaliar a importncia do engajamento em prticas voluntrias como meio de propiciarnecessrias transformaes na sociedade e, ao mesmo tempo, aprender, na escola, de umamaneira muito mais significativa. Observou-se que isso se torna vivel por meio das propostaspara aes de voluntariado, as quais tm na escola um locusprivilegiado para o desenvolvimentoe a promoo de prticas voluntrias, em especial as que envolvem solidariedade intergeracionalcomo a que aqui foi descrita.

    Referncias

    BONFIM, Paula.A Cultura do Voluntariado no Brasil. So Paulo, Cortez, 2010.

    CORULLN, Mnica Beatriz Galiano; FILHO, Barnab Medeiros. Voluntariado na Empresa:Gesto eficiente da participao cidad. Peirpolis: Peirpolis Editora, 2002.

    KLEIN, R. R. Educao e Voluntariado: uma parceria produtiva.Tese (Doutorado em Educao)Unisinos, 2005.

    LUKS, Allan. The Healing Power of Doing Good. Institute for the Advancement of Health. USA:1991.

    MOLL. J. The neural basis of human moral cognition. Nature Neurosciences. 6 - 2005. pp. 691-702.

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    ______. Human fronto-mesolimbic networks guide decisions about charitable donation . Proc.National Academy of Science. Usa 103 - 2006. pp.15623-15628.

    SALTINI, Claudio J. P.Afetividade e Inteligncia. 5. ed. Rio de Janeiro: WAK, 2008.

    STARLING, Rodrigo. 2050: Voluntariado e Sustentabilidade. Belo Horizonte: O Lutador, 2011.

    TRAVASSOS, L. P. Como uma instituio de ensino no publica pode contribuir pra programaspblicos de incluso. Dissertao (Mestrado em Engenharia de Produo). Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC,2002.