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ciganos em bh
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A invisibilidade da comunidade cigana na política habitacional
“A segregação complica e destrói a complexidade” (Henri
Lefebvre)
A cidade é simultaneamente o local do encontro e o da disputa. Neste encontro
cotidiano da vida na cidade, criam-se e fortalecem-se identidades e laços, mas é também
neste espaço que diferenças afloram e desigualdades se intensificam.
Impossível hoje pensarmos na cidade, especialmente na grande cidade brasileira,
e não pensarmos em desigualdade. Desigualdade que extrapola diferenças econômicas,
mas que também se vê presente nas injustiças das próprias regras que definem a
organização da vida e do espaço urbano, que reduzem os problemas da urbe a questões
meramente espaciais. Neste artigo, se toma como exemplo a política de habitação, e o
horizonte limitado que a atual política trata o habitar, restrita a modos de vida
padronizados a partir da disseminação de uma urbanização modernista. A política de
habitação no Brasil desconsidera na sua constituição a voz daqueles a quem ela se
destina, excluindo do seu escopo singularidades dos modos de vida de diversos
habitantes da cidade, como é o caso das ocupações organizadas em geral.
A invisibilidade de certos grupos para a política habitacional atual reforça a
segregação destes atores no universo da urbe. Excluídos do direito à moradia por uma
política que não legitima seu formato de ocupação da cidade, fortalece-se a hostilidade
no seu reconhecimento como parte do lugar cidade, como cidadãos.
O presente artigo se propõe a investigar os limites da política habitacional atual
e o seu papel na promoção ou negação do reconhecimento a determinados atores,
especificamente o caso da comunidade cigana em Belo Horizonte. Tal análise parte do
entendimento de direito à cidade e da contextualização da política habitacional em Belo
Horizonte, seguida de uma breve apresentação da cultura cigana e da trajetória desta
comunidade na cidade. Na sequência, parte-se para uma abordagem de teorias do
reconhecimento através de conceitos construídos por Taylor (1994) e Honneth (2003)
que contribuem para a definição de justiça. São úteis para esta investigação os
argumentos de Taylor na construção da dialética que problematiza igualdade e
diferença, bem como a categorização de Honneth do reconhecimento a partir de três
dimensões: do amor, da estima social e do direito. Na sequência, avalia-se a partir do
1
diálogo entre teorias do reconhecimento e a realidade dos ciganos, as conseqüências que
determinadas escolhas políticas trazem para os atores envolvidos, e por fim apresenta-se
uma reflexão sobre as possibilidades para uma política de habitação mais justa e
inclusiva.
Direito à cidade e à habitação
No final da década de 1960 surge o conceito de direito à cidade, fundamentado
por Henri Lefebvre, e amplamente utilizado até os dias de hoje. O autor denunciava a
visão limitada de cidade adotada pelas teorias de urbanismo à época, onde os problemas
urbanos eram tratados apenas como uma questão administrativa, técnica e científica, em
que os cidadãos deixam de ser sujeitos e tornam-se meros objetos, ordenados pelo
Estado autoritário e pelas relações de poder econômico.
O urbanista introduz uma concepção ampliada de cidadania e acesso à cidade,
que excede os direitos de voto e acesso a serviços urbanos,
(...) assentando o direito à cidade na sua luta pelo direito de criação e plena fruição do espaço social (...) trata-se de uma forma de democracia direta, pelo controle direto das pessoas sobre a forma de habitar a cidade, produzida como obra humana coletiva em que cada indivíduo e comunidade tem espaço para manifestar sua diferença (Lefebvre, 2001, p. 8)
Quase 50 anos depois do florescimento do direito a cidade, vê-se que pouco
avançou neste sentido dentro das políticas urbanas no Brasil, destacadamente a política
habitacional, condição básica para a existência humana e para a cidadania. Com a
produção de habitação convergindo a cada dia para um desenho mais padronizado e
excludente imposto pelo Estado, a habitação toma rumos inversos à perspectiva lançada
por Lefebvre, e corrobora para as injustiças urbanas, como se percebe diante do
panorama da luta por moradia no Brasil e em Belo Horizonte, apresentados na
sequência.
A cidade e a luta por moradia
A moradia incorpora diversos significados que em conjunto revelam sua importância. Em primeiro lugar, atende a um dos mais conhecidos instintos humanos, o abrigo, constituindo-se
2
em condição básica de existência para o homem. Pensando no homem em sociedade, especialmente no meio urbano, o acesso à moradia adequada é considerado condição básica de cidadania (Plano Local de Habitação de Interesse Social, Prefeitura de Belo Horizonte, p. 9).
Com a intensificação do êxodo rural no país a partir da década de 1940, as
cidades brasileiras sofreram um crescimento acelerado, desprovidas de infraestrutura
suficiente para receber toda a população imigrante. O inchaço das cidades somado aos
problemas relativos aos aspectos socioeconômicos foram decisivos para o agravamento
da segregação existente no espaço urbano e os problemas da habitação na cidade. O
grande contingente populacional de menor renda, excluído da possibilidade de acesso à
habitação adequada através do mercado imobiliário convencional, passou a adotar
estratégias alternativas de moradia, como produção, aquisição ou locação de imóveis em
favelas ou loteamentos precários irregulares; aluguel de cômodos em cortiços; ocupação
organizada de prédios e terrenos vazios; utilização de logradouros públicos, coabitação
entre outros (Plano Local de Habitação de Interesse Social, Prefeitura de Belo
Horizonte, p.14).
Paralelamente ao crescimento das cidades, o reconhecimento do direito à
moradia digna passa a ser um tema recorrente, que se vê incluído, por exemplo, através
da Declaração dos Direitos Humanos em 1948. O tema mantém-se presente no cenário
internacional ao longo das décadas, destacando-se em momentos como a Agenda 21
(1992), onde o direito à moradia é considerado um direito humano básico, e a Agenda
Habitat (1996), quando chefes de Estado definem como um objetivo universal garantir
uma habitação adequada para todos.
No Brasil, com a politização da questão urbana, surgem na década de 1960 os
primeiros movimentos de luta pela reforma urbana, introduzidos no país pela Igreja
Católica e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil. Instaurada a ditadura em 1964, o
movimento se retrai em um tempo em que a repressão era forte e as ações institucionais
visavam a desfavelização e remoções da população. Na década de 80, o movimento
reaparece com força, em decorrência da abertura do regime militar no país e também
dos graves problemas vividos pelas cidades brasileiras. Resgatada principalmente pela
atuação do MNRU (Movimento Nacional pela Reforma Urbana), a luta por moradia tem
como ponto de partida o ideal de cidadania delineado por Henri Lefebvre. É o próprio
MNRU o responsável pelo conteúdo de política urbana da Constituinte de 1988, quando
3
ingressa na legislação do país o conceito de função social da cidade e são criados os
primeiros instrumentos para auxiliar o cumprimento desta função social. Entretanto, é
somente em 2000, através da Emenda Constitucional nº 26, que a habitação foi
finalmente incluída entre os direitos sociais na Constituição Federal, e no ano seguinte é
finalmente aprovado o Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257, que dá destaque ao
cumprimento do direito à moradia e à democratização da gestão das cidades.
No início dos anos 1980, a participação efetiva dos movimentos sociais norteados pelo (...) ideário da Reforma Urbana possibilitou que Belo Horizonte assumisse um papel pioneiro na discussão da política de regularização fundiária das áreas de Vilas/Favelas, (...), que permitiu mudanças significativas na condução das políticas públicas voltadas para o reconhecimento e a consolidação desses assentamentos (Plano Local de Habitação de Interesse Social, Prefeitura de Belo Horizonte, p. 26).
Com a democratização do país, e a ausência de ação do governo federal, de um
modo geral, as administrações municipais assumem o compromisso da formulação da
política habitacional, como ocorre em Belo Horizonte. A partir da década de 1990, tem-
se “como característica marcante (...) a coexistência de uma pratica reivindicativa que
incorpora a dimensão do direito à cidadania, mas que ainda carrega resquícios de uma
tradição clientelista de ação política.” (Bois, 2013, p. 38). No caso particular de Belo
Horizonte, ainda na década de 90, mesmo antes da promulgação do Estatuto da Cidade,
a Administração coloca a democratização da gestão da política habitacional como um de
seus compromissos.
A cidade de Belo Horizonte, marcada pela presença dos atuantes movimentos
sociais pela reforma urbana, inaugura então uma política habitacional municipal gerida
pelo órgão executor, Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte –
URBEL, com a criação em 1993 do Fundo Municipal de Habitação Popular, com
previsão de recursos do próprio município. Em 1994, é implantado o Sistema Municipal
de Habitação de Belo Horizonte, a partir da percepção da necessidade de elaboração de
políticas de habitação locais pelo governo à época (gestão 1993-1996), concebidas
dentro das especificidades políticas, econômicas, sociais e urbanas dos municípios
(Bittar, 1992, p.46). No mesmo ano é criado o Conselho Municipal de Habitação,
responsável pela publicação também em 1994 da Política Habitacional para o Município
de Belo Horizonte através da sua Resolução n.º II, que estabelece em seu artigo 2º:
4
Art. 2º - Constituem-se diretrizes gerais da política de habitação para o município:
I - Promover o acesso à terra e à moradia digna para os habitantes da cidade; II – Promover processos democráticos na formulação e implementação da política habitacional; III – Utilizar processos tecnológicos que garantam maior qualidade e menor custo da habitação; IV – Priorizar formas de atuação que propiciem a geração de emprego e renda; V – Assegurar a vinculação da política habitacional com a política urbana; VI- assegurar a articulação da política habitacional com outras políticas setoriais.
Até 2003, devido à sempre ausência de ação do governo federal, a política
habitacional formulada diretamente pelo poder local mantinha-se praticamente como
único caminho de acesso à moradia para as camadas de baixa renda. Apesar de
apresentar uma política que estabelecia um diálogo direto com a população, a
Administração de Belo Horizonte sempre encontrou dificuldades em cumprir seus
compromissos. É então em 2003, que a política muda seu rumo:
Fruto de uma reivindicação histórica do movimento social pela reforma urbana, em especial o FNRU, a criação do MCidades representou a oportunidade de se fazer em escala nacional uma política urbana que fosse guiada pelo direito à cidade, pela função social da cidade e da propriedade, e pela gestão democrática das cidades (Bois, 2013, p. 33)
Com a criação do Ministério das Cidades – MCidades – em 2003 e a aprovação
da Política Nacional de Habitação (PNH) pelo Conselho Nacional das Cidades, em
2004, a política habitacional passou a se vincular quase que exclusivamente aos
programas federais de habitação recém-lançados, destacadamente o Programa Minha
Casa Minha Vida em 2009.
Neste momento, o movimento por moradia tradicional já se encontrava
estruturado em núcleos dos sem casa ou associações (estruturada em Belo Horizonte a
partir do governo da Frente BH Popular, 1993-1996). Em função das exigências de
acesso a programas habitacionais, agora vinculados a um sistema de gestão federal, os
núcleos se viram obrigados a estabelecer uma maior formalização e organização
jurídica, constituindo-se em entidades organizadas e com autonomia para buscar
5
recursos para implantação de projetos habitacionais. Também as associações de
moradores, não somente de favelas, mas de loteamentos privados irregulares e outros
tipos de assentamentos de interesse social, passaram a se focar muito na disputa de
recursos.
Além da luta pela moradia do movimento social organizado, surgem as
ocupações organizadas para mostrar que a demanda por habitação através dos canais
institucionalizados não mais funcionavam ou, ao menos, não atendiam às demandas por
eles apresentadas. Em Belo Horizonte, defendem a ocupação de áreas vagas para a
conquista de moradias, lideradas pelo movimento intitulado “Brigadas Populares”, que
atua em conjunto com entidades do movimento estudantil. A rivalidade entre o
movimento organizado e as ocupações organizadas é declarada, já que os primeiros
alegam que as ocupações “furam a fila” do acesso à habitação.
Porém, a nova política habitacional idealizada e promovida pelo governo federal
tomou um rumo muito diferente do esperado. Apesar do significativo aumento do
número de unidades habitacionais produzidas anualmente, a política implementada se
mostrou muito mais preocupada com dinamização do mercado imobiliário do que
comprometida com a solução do problema do déficit e qualidade da habitação para as
camadas de baixa renda, resultando na indignação até mesmo de uma parcela dos
núcleos institucionalizados de luta por moradia, que inicialmente lutaram pela criação
da política nacional de habitação. Mesmo com a produção acelerada, de acordo com
dados do PLHIS de Belo Horizonte de 2010, mais de seis milhões de famílias no Brasil
ainda não tem acesso à moradia e mais de quatro milhões de domicílios são
considerados inadequados por apresentarem carência de infraestrutura1, quadro que
reflete a situação também da capital mineira.
Instrumentos da política habitacional atual
O fenômeno da exclusão sócio-territorial (...) reparte a cidade em áreas com padrões de urbanização e níveis de inserção diferenciados, cabendo à política habitacional e urbana não somente trabalhar no sentido da prevenção dessa desigualdade como também em sua correção. (Plano Local de Habitação de Interesse Social, Prefeitura de Belo Horizonte, p. 26).
1 Plano Local de Habitação de Interesse Social, Prefeitura de Belo Horizonte, p. 14.
6
A longa trajetória de luta por moradia possibilitou a existência e fortalecimento
da política habitacional abrindo às possibilidades que hoje se constituem, sem
negarmos, porém, que esta ainda se encontra longe do idealizado pelos diversos grupos
de luta por moradia.
A legislação urbanística e mais especificamente a política habitacional se
fortaleceu como um importante setor da política federal, constituindo-se através de um
leque de instrumentos legais. No cenário federal, destacamos, além da própria
Constituição Federal e do Estatuto da Cidade, já mencionados: a aprovação da Política
Nacional de Habitação (PNH) pelo Conselho Nacional das Cidades em 2004; a
instituição do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), do Fundo
Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e seu Conselho Gestor em 2005; a
construção do Plano Nacional de Habitação (PlanHab) em 2008; e a Lei Federal nº
11.977/2009, (alterada pela Lei Federal nº 12.424/2011) que dispõe sobre o Programa
Minha Casa Minha Vida e sobre a regularização fundiária;
Já no cenário municipal, além dos mencionados instrumentos criados na década
de 1990, (Fundo Municipal de Habitação Popular em 1993; Sistema Municipal de
Habitação de Horizonte, Conselho Municipal de Habitação e Política Habitacional para
o Município em 1994) é importante dar-se o devido destaque ao Plano Diretor e à Lei de
Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo (LPOUS), criados em 1996 e atualizados em
2000 e 2010, além de uma série de decretos complementares a estas legislações. Estas
leis prevêem diretrizes para a política urbana, instrumentos urbanísticos de ordenamento
territorial e estabelecem regras específicas para o tratamento das áreas de interesse
social. Por fim, destaca-se o desenvolvimento do Plano Local de Habitação de Interesse
Social (PLHIS).
O Plano Local de Habitação de Interesse Social2 de Belo Horizonte foi
desenvolvido em 2010, sendo a sua conclusão pré-requisito para que a cidade aderisse
ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e consequentemente
tivesse acesso ao FNHIS, e aos programas federais de habitação.
O PHLIS diagnosticou a situação da habitação de interesse social, de Belo
Horizonte identificando quatro tipologias de assentamentos de interesse social3 na
2 Instrumento de planejamento que objetiva viabilizar a implementação da política habitacional na perspectiva da garantia do acesso à moradia digna por parte da população de baixa renda e da expressão dos agentes sociais envolvidos.3 Considera-se de interesse social o assentamento onde a população é predominantemente de baixa renda. O conceito de população de baixa renda pode ter como referência a Política Nacional de Habitação, que estabelece como corte para atendimento do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social famílias
7
cidade, sendo eles: 1) conjuntos habitacionais e loteamentos públicos; 2) loteamentos
privados irregulares; 3) vilas/favelas; 4) ocupações organizadas.
Para sanar o problema garantindo moradia digna a toda a população a Política
Habitacional atual se apóia em três principais pilares: 1) integração urbana de
assentamentos precários; 2) a produção de habitação; 3) a integração com a política de
desenvolvimento urbano. Portanto, as ações para a supressão do déficit habitacional
dividem-se em duas linhas:
A linha de ação em assentamentos existentes foi criada para regulamentar as intervenções em favelas e loteamentos precários existentes, enquanto a segunda linha de atuação atenderia à implantação de novos empreendimentos habitacionais (Bois, 2013, p. 46).
Para que a Administração pudesse atuar nestas linhas a legislação municipal
criou alguns instrumentos que, espacializados no território na cidade, buscam
reconhecer áreas caracterizadas como de interesse social e demarcar novos terrenos para
a provisão de novas unidades habitacionais. Os principais instrumentos previstos
atualmente na legislação municipal são as ZEIS e as AEIS.
A ZEIS (Zona de Especial Interesse Social), instituída pioneiramente em Belo
Horizonte em 1996 é um zoneamento voltado para a regularização e urbanização de
áreas já ocupadas, sujeitas a critérios especiais de parcelamento, ocupação e uso do solo,
que visem à promoção da melhoria da qualidade de vida de seus habitantes e à sua
integração à malha urbana. Dividem-se em ZEIS-1: áreas ocupadas de forma
espontânea, nas quais há interesse público em ordenar a ocupação por meio de
implantação de programas habitacionais de urbanização e regularização fundiária,
urbanística e jurídica; e ZEIS-3: regiões edificadas, em que o Executivo tenha
implantado conjuntos habitacionais de interesse social.
Já as AEIS (Áreas de Especial Interesse Social) dividem-se em AEIS-1 e AEIS-
2. As AEIS-1 são o mapeamento de áreas desocupadas que a partir da sua classificação
como tal passar a ser destinadas exclusivamente para a produção de habitação de
interesse social, recebendo parâmetros urbanísticos que possibilitam melhor
aproveitamento dos terrenos. A AEIS-2, por sua vez, surge como recurso para a
regularização de loteamentos clandestinos passíveis de regularização.
com renda mensal de até seis salários mínimos.
8
Apesar do notável avanço nos recursos para solucionar o problema do déficit
habitacional, os instrumentos hoje existentes não resolvem todos os problemas da
habitação na cidade, destacadamente o problema das ocupações organizadas. Esta
categoria, apesar de identificada no território de Belo Horizonte pelo PLHIS, não se
enquadra em nenhuma das linhas de ação do governo, como se vê no apontamento
expresso no próprio Plano ao apresentar o conceito de ocupação organizada:
Ocupações Organizadas: assentamentos originados de ocupações em terrenos ou edificações de propriedade de terceiros, públicas ou privadas, por iniciativa de movimentos organizados, anteriormente a julho de 2009; as ações voltadas para este universo de assentamentos ainda não estão sob a coordenação de um órgão municipal específico (Plano Local de Habitação de Interesse Social, Prefeitura de Belo Horizonte, p. 26).
Apesar das ocupações organizadas entrarem no cálculo do déficit habitacional
apresentados pelo PLHIS, não existe hoje uma política de regularização para estas áreas
dentre as políticas municipais de habitação. Estas não se enquadram em ZEIS-1, pois
não podem ser consideradas como assentamentos espontâneos como é o caso das vilas e
favelas. Tampouco se encaixam no conceito de AEIS-2, uma vez que para se configurar
um loteamento clandestino deve haver a figura de um loteador e da venda de lotes. Fica
claro, portanto, o gap existente entre a demanda por habitação e as possibilidades que a
Política Habitacional Municipal oferece.
Esta questão é ainda agravada pelos desdobramentos gerados pela Política
Federal de Habitação que, com a implantação do PMCMV, estabeleceu um modelo de
repasse de recursos aos municípios para habitação, levando ao abandono da produção de
moradias no âmbito municipal em grande parte das cidades do país, que optaram pelas
facilidades ofertadas pelo governo federal. No caso específico de Belo Horizonte,
fechou-se as oportunidades de acesso à moradia para aqueles que não se enquadram no
formato do PMCMV, tendo-se que o programa trabalha exclusivamente com a produção
padronizada de unidades habitacionais, em edificações preocupadas apenas em atender
à lógica do mercado.
As duas questões apresentadas sinalizam as deficiências da política habitacional
atual, que impõe modelos prontos do modo de morar e que exclui a população
diretamente interessada de decidir a sua forma de integração a cidade, formato que
muito se distancia dos fundamentos básicos que definem o direito à cidade apresentado
9
por Lefebvre. É necessário entender o desafio da habitação como algo muito “além da
acomodação de cada família numa unidade habitacional” (Kapp, 2012, p.465), mas
sim como uma forma de reconhecer e incluir determinados atores na construção da
cidade a qual pertencem. É o desafio que a política habitacional enfrenta em garantir o
pertencimento à cidade que aqui nos interessa e será discutido a partir do caso
específico da comunidade de ciganos Calons em Belo Horizonte e sua luta por moradia.
A presença cigana em Belo Horizonte e o seu modo de morar
Os ciganos estão entre os grupos sociais formadores da diversidade étnica e cultural do Brasil. São, no entanto, um dos menos assistidos pelas políticas destinadas a preservar as condições de produção do patrimônio imaterial da nação. (Relatório Antropológico, Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais - NuQ, 2013, p.4)
Estudos sobre a presença da comunidade cigana no Brasil apontam para a
existência de duas principais etnias de procedência européia “os Calon, que vieram da
Península Ibérica a partir do século XV, e os Rom, vindos do Leste Europeu no século
XIX” (Ferrari, 2010; Teixeira, 2008 Apud: Relatório Antropológico, NuQ, 2013, p. 12).
Pode-se afirmar que a chegada desta população ao país é fruto de constantes medidas
contra os ciganos adotadas em toda a Europa principalmente durante o período colonial,
ações que alcançam a expulsão em países como Portugal. Também no Brasil, a partir do
século XIX, a relação entre os ciganos e a sociedade brasileira era conflituosa, reflexo
de um imaginário popular construído sobre a comunidade cigana, associada ao roubo e a
vadiagem.
Estima-se que o estado de Minas Gerais abrigue cerca de 400 mil ciganos, mas nenhuma pesquisa oficial foi realizada para confirmar estes números. O quadro de desconhecimento dos ciganos no Brasil é resquício de um histórico de invisibilidade e exclusão desses povos pelo Estado brasileiro, que vem desde o período colonial e persiste ate os dias de hoje, contribuindo para a atual incompreensão quanto às suas reivindicações e demandas específicas, principalmente no que diz respeito ao modo de viver e se relacionar com o espaço-território (Ferrari, 2010, Apud: Relatório Antropológico, NuQ, 2013, p. 11).
A proteção dos modos de "criar, fazer e viver" da tradição cigana depende
diretamente da criação de condições de moradia que permitam a manutenção destes
10
modos tão particulares, e, portanto, merece destaque a luta desta comunidade pelo
direito à moradia, pelo seu reconhecimento perante a política habitacional. O acesso a
terra é o ponto de partida para possibilitar a realização das atividades e práticas ciganas
e, consequentemente, a preservação do seu patrimônio imaterial. Como bem
apresentado no relatório antropológico sobre os ciganos Calons residentes no Bairro São
Gabriel em Belo Horizonte:
A preservação dos processos dinâmicos de criação cultural, dos quais depende a expressão de sua identidade cultural e social, precisa ter asseguradas as condições sociais, materiais e ambientais que permitem a sua manutenção e reprodução. (Relatório Antropológico, Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais - NuQ, 2013, p. 4)
Inicialmente, cabe desmistificar alguns mitos criados a cerca do modo de vida
dos ciganos. Reconhecidos pela população em geral como um grupo caracterizado pelo
nomadismo, é comum certo estranhamento quanto à demanda por terra desta
comunidade e a sua reivindicação por moradia fixa. Entretanto, o nomadismo não se
trata de um atributo natural e constitutivo do povo cigano, mas, como afirmado por
representantes da própria comunidade cigana, as migrações estão quase sempre ligadas
à expulsão desta população dos locais onde se instalavam, decorrentes da discriminação
e rejeição das pessoas por onde passavam e buscavam permanecer. (Relatório
Antropológico, Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais - NuQ,
2013).
De fato, “a sedentarização dos povos ciganos e os efeitos deste processo no seu
modo de viver e na relação com o território ainda é um fenômeno muito pouco
conhecido” (Relatório Antropológico, Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e
Tradicionais - NuQ, 2013, p.10), resultado muitas vezes de uma adaptação da tradição
cigana aos tempos atuais. A história deste povo marcado pelas expulsões gerou uma
relação particular dos ciganos com o espaço físico e geográfico e resultou em um modo
de morar próprio caracterizado pelos acampamentos. Entretanto, a parte ao fato de se
mudar frequentemente como resposta às recorrentes expulsões, pode-se atribuir a esta
comunidade tradições de vida semi-sedentárias. Se por um lado os ciganos se
estabelecem em acampamentos, espaço onde vivem e realizam suas atividades
tradicionais, também fazem parte de sua cultura as viagens periódicas que garantem a
sua sobrevivência, já que vivem em sua grande maioria do comércio de trocas. Porém,
11
os grupos de viajantes procuram outros acampamentos ciganos para se estabelecer. São
comuns também as viagens para acampamentos de outras famílias para participarem de
eventos da comunidade como festas familiares de rituais religiosos.
O acampamento é ao mesmo tempo zona de proteção nas relações (quase sempre de potencial hostilidade) com o mundo não-cigano e território de intensa produção e reprodução das referências internas ao modo de vida e a cultura cigana. Nele se desenvolvem as atividades da vida cotidiana que reiteram e qualificam as redes de compadrio e os vínculos sociais entre as famílias, assim como as festas que são grandes momentos rituais de reafirmação das alianças. (Relatório Antropológico, Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais - NuQ, 20131 p.16).
Para garantir-se a sobrevivência das tradições ciganas é, portanto, necessário
garantir que a mobilidade das famílias ciganas esteja associada a escolhas voluntárias, e
não a expulsões, como se tem visto.
No caso de Belo Horizonte, tem-se cerca de 70 famílias ciganas instaladas há 30
anos no bairro São Gabriel que vivem diariamente a insegurança da expulsão. Conforme
relatos dos próprios ciganos residentes nesta área a situação tem se agravado pelo fato
de não haverem mais espaços disponíveis na região onde vivem:
A mobilidade no espaço rural foi, no passado, muito mais importante do que e hoje. Até três ou quatro décadas passadas, os Calon andavam em tropas e eram muito mais andarilhos. Seus acampamentos, mais breves e maiores do que os de hoje, eram armados em fazendas ou nos arredores dos pequenos povoados. Com o crescimento das cidades houve quase o desaparecimento das grandes caravanas. No seu lugar, a itinerância é feita por famílias isoladas ou em número reduzido que se movem entre acampamentos relativamente fixos e menores, localizados em áreas marginais de bairros das cidades mineiras. (Relatório Antropológico, Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais - NuQ, 2013, p.2)
A demanda atual dos ciganos do São Gabriel pela permanência no local onde se
encontram a 30 anos instalados extrapola a dificuldade de se encontrar novas áreas, e
incluem outras “motivações como a continuidade das relações sociais - os ciganos
calon destacam a boa relação - com a vizinhança - e o fácil acesso a bens e serviços
públicos próximos ao acampamento cigano” (Relatório Antropológico, Núcleo de
Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais - NuQ, 2013, p. 6). Entretanto, este
12
grupo tem enfrentado dificuldades em ter sua luta reconhecida pela Política
Habitacional, oriundas tanto de uma concepção equivocada da cultura cigana como da
limitação imposta pelos caminhos institucionalizados e padronizados que o governo
oferece para o acesso à moradia.
A luta cigana: da terra ao reconhecimento
Existe hoje cerca de 70 famílias ciganas instaladas no Bairro São Gabriel em
Belo Horizonte, local em que a permanência da comunidade já se encontra em sua
terceira geração. Estas famílias fazem parte do déficit habitacional de Belo Horizonte
apresentado pelo PLHIS, que prevê a necessidade de provisão de 70.000 unidades
habitacionais como solução do problema da moradia na cidade, número bastante
elevado, assim como se vê em grande parte das grandes cidades brasileiras.
Enquadrada no Plano Local de Habitação de Interesse Social de Belo Horizonte,
dentro da categoria Ocupação Organizada, a comunidade cigana Calon do São Gabriel,
assim como os demais grupos assim enquadrados4, participam da luta pela moradia. O
grupo reivindica o acesso a terra, mas não através do viés institucional padrão, atendido
pelas moradias produzidas pelo PMCMV. Devido ao modo de viver autêntico, os
ciganos apresentam ao governo uma demanda bastante singular. Exatamente pelas
particularidades do modo de morar reivindicados pelas ocupações organizadas, a
política de habitação atual, enrijecida em um modelo único de mercado, não consegue
inserir estes grupos dentro do seu programa de acesso a moradia, excluindo esses grupos
do seu direito a ampla cidadania.
Pela falta de espaço das reivindicações ciganas dentro da política habitacional
posta, este grupo procurou o apoio da Defensoria Pública da União5. A luta por
reconhecimento dos Calons, com o apoio da Defensoria Pública, alcançou um estado de
negociação com o poder público, que resultou numa proposta de doação de terra
proporcional aos padrões pré-estabelecidos para a moradia atribuídos pela Política
Habitacional, através do cálculo padrão de metros quadrados por família. Os ciganos
4 Apesar de devidamente enquadrada como Ocupação Organizada pelo PLHIS, a comunidade cigana se vê muito diferente das demais ocupações lideradas pelas Brigadas Populares. Como relatado pelos próprios Calons, eles são diferentes dos sem-terra, pois só se estabelecem em lugares desocupados e pedem autorização a prefeitura.5 A seguinte legislação embasa e suporta os direitos das comunidades tradicionais: Decreto n° 5.051 de 2004; Decreto n° 6.872 de 2009; Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho; Convenção para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU; Decreto n° 6.040 de 2007 e artigos 215 e 216 da Constituição da República de 1988.
13
alegam, porém, que devido às tradições de mobilidade desta comunidade, existe a
necessidade de um acampamento com área superior que possibilite o fluxo de famílias
no local, bem como áreas comunitárias espaço utilizado para a realização das festas e
dos ritos tradicionais. Entretanto, vê-se que a reivindicação por mais áreas não se trata
meramente da luta por mais metros quadrados, mas pelo reconhecimento de uma
cultura.
A composição flexível, relativa à mobilidade laboral e sociocultural das famílias, significa que a demanda por um lugar de pouso na área de São Gabriel e maior do que aquela expressa pelo número de famílias presentes no momento. A particularidade do pleito cigano pede um exercício de compreensão para, a partir de uma disposição inventiva, acomodar o modelo canônico de habitação urbana ao modo de ocupação do espaço dos ciganos. (Relatório Antropológico, Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais - NuQ, 2013)
Pode-se afirmar que a causa dos ciganos Calons de Belo Horizonte, portanto, vai
muito além da reivindicação por terra. A terra, neste caso, é apenas a materialização de
reivindicações de dimensão imaterial. A luta cigana almeja reverter a sua invisibilidade
aos olhos da do governo e sua política habitacional, e ter o seu modo de vida e suas
tradições reconhecidas. Trta-se da soma de luta por igualdade e simultaneamente por
reconhecimento da diferença, ou pelos termos colocados por Taylor, a relação existente
entre políticas da dignidade igualitária e políticas da diferença:
(...) o desenvolvimento da noção moderna de identidade deu origem a políticas da diferença. (...) Com as políticas de dignidade igualitária, o que é estabelecido se entende por ser universalmente o mesmo, uma cesta idêntica de direitos e imunidades; com as políticas da diferença, o que nós somos questionados a reconhecer é a identidade única deste indivíduo ou grupo, sua distinção de todos os demais. (Taylor, 1994, p.38)
Em um contexto em que as lutas pela moradia alcançaram a aceitação do direito
à moradia digna como direito universal, compreendendo igualdade de direitos a todos os
sujeitos da cidade, a questão em disputa passa a ser a necessidade de reavaliação da
homogeneização desta política, que se mostra invisível às diferenças. Quando se tem o
acesso a moradia como um direito universal, são as políticas da diferença que vêm à
tona.
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Pode-se dizer então, que a luta pela inclusão da comunidade cigana é uma luta
por reconhecimento, por autorrealização, elemento fundamental para a promoção de
justiça (Mendonça, 2013, p.118). Portanto, para que os ciganos se vejam incluídos como
cidadãos, essa transformação precisa acontecer em três dimensões necessárias à
autorrealização assim colocadas por Honneth (2003): o amor, o direito e a estima social.
O amor, entendido como as relações primárias (pais e filhos, dois parceiros e
amizades) é a preparação dos sujeitos para a relação intersubjetiva e “constitui o
pressuposto psíquico do desenvolvimento de todas as outras atitudes de auto-respeito”.
(Honneth, 2003, p.177). O direito deve ser entendido como a dimensão da
imputabilidade moral, onde “(...) todo membro de uma coletividade política deve caber
o direito igual à participação no processo democrático de formação de vontade”.
(Honneth, 2003, p.191). Por fim, a estima social “se aplica às propriedades particulares
que caracterizam os serem humanos em suas diferenças pessoais” (Honneth, 2003,
p.199).
Na luta cigana pela moradia, se percebe o entrelace das três dimensões da luta
pelo reconhecimento, principalmente a do direito e da estima social. Observa-se que ao
reivindicar a inclusão na política habitacional, os ciganos lutam por igualdade, ou seja,
reconhecimento como cidadãos que têm direitos iguais. Simultaneamente, demandam o
reconhecimento da autenticidade de sua reivindicação através da compreensão dos
valores de suas tradições. Perpassa também o entendimento da dimensão emotiva, já
que revindica a proteção das suas tradições que estão diretamente ligadas à forma como
se dão as relações primárias desta comunidade e como se estabelecem os vínculos
familiares.
São as lutas moralmente motivadas de grupos sociais, sua tentativa coletiva de estabelecer institucional e culturalmente formas ampliadas de reconhecimento recíproco, aquilo por meio do qual vem a se realizar a transformação normativamente geridas das sociedades. (Honneth, 2003, p.156)
No contexto da cidade e do cidadão, pode-se pensar em um paralelo das três
dimensões do reconhecimento com dimensões de pertencimento à cidade. Na primeira
dimensão, das relações afetivas, têm-se a necessidade de identificação do sujeito com o
local onde vive e o estabelecimento de vínculos com o espaço que ocupa. Na dimensão
da estima social, vê-se a importância da construção das relações de vizinhança, e a
aceitação do grupo pelos demais com os quais estabelecem relações intersubjetivas. Por
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fim, na dimensão do direito, mais do que o acesso à moradia digna e aos serviços
urbanos, a garantia do direito à cidade, ou seja, o direito de participar das decisões sobre
a urbe e o seu papel neste espaço.
Considerações finais
A luta pela reforma urbana no Brasil conquistou uma série de instrumentos
legais que tratam das questões do acesso à moradia. Entretanto, verifica-se que a criação
de um universo de legislações em torno do tema não assegura o que a população
realmente reivindica que é a cidadania plena.
Henri Lefebvre ao definir o conceito de direito à cidade categoriza os sujeitos
que residem na urbe em dois tipos: os citadins, que inclui todos os habitantes da cidade
e os citoyens, aqueles a quem o Estado reconhece a cidadania política. É pela
sobrevivência desta distinção entre os sujeitos ainda nos dias atuais que as lutas pela
moradia não podem ser tratadas como simples reivindicações por terra, mas como a luta
pela integração de uma parte excluída da população ao espaço da cidade.
A cidadania, então, é entendida aqui, não apenas como a conquista pelos
direitos, ou no caso da política habitacional, pelo direito a uma unidade habitacional,
mas sim, como algo que só pode ser alcançado quando todos os sujeitos se virem
reconhecidos e autorealizados. E para que se autorrealizem, é essencial que as minorias
vejam suas necessidades compreendidas pelos demais sujeitos, dentre os quais se inclui
o próprio Estado, cujo comportamento se vê a partir das suas ações. Como anunciado
por Honneth:
(...) quanto mais os movimentos sociais conseguem chamar a atenção da esfera pública para a importância negligenciada das propriedades e das capacidades representadas por eles de modo coletivo, tanto mais existe para eles a possibilidade de elevar na sociedade o valor social, ou mais precisamente, a reputação de seus membros. (Honneth, 2003, p.207)
A partir desta análise, fica evidente, a importância do papel do Estado nesta luta
e, portanto a necessidade de se repensar a Política Habitacional para que esta se
aproxime efetivamente do almejado direito à cidade. Fica claro ainda, que a luta pela
moradia das ocupações organizadas, especificamente a luta dos ciganos, vai muito além
da luta por um abrigo. Ela sintetiza a luta pelo reconhecimento de uma comunidade e
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suas tradições dentro do universo segregado da cidade. Entende-se assim, a concessão
de condições especiais de moradia para atendimento das necessidades dos ciganos como
necessária para o reconhecimento de sua cultura e da sua constituição como parte da
cidade.
Avalia-se ainda, que uma mudança do viés institucional da política habitacional,
que proporcione maior poder de decisão para os sujeitos a quem a política é dirigida,
seja um importante instrumento para a integração destes sujeitos tradicionalmente
excluídos à cidade, diminuindo as desigualdades e injustiças hoje sedimentadas.
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Referências
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Mariuccia Galfetti. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1982.
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São Paulo: Ed. 34, 2003.
KAPP, Silke. Direito ao espaço cotidiano: moradia e autonomia no plano de uma
metrópole. Cad. Metrop, São Paulo, v. 14, n. 28, pp. 463-483, jul/dez 2012.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo. Moraes, 2001.
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TAYLOR, Charles. The politics of recognition. In: GUTMANN, Amy (ed.)
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