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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Engenharia
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
Marcela Gonçalves de Almeida
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Arquitectura (ciclo de estudos integrado)
Orientador: Prof. Doutora Ana Maria Tavares Ferreira Martins
Covilhã, Outubro de 2014
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
ii
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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“Entender é sempre limitado. Mas não
entender pode não ter fronteiras. Sinto que
sou muito mais completa quando não
entendo.” 1
Clarice Lispector
1 http://www.citador.pt/textos/sabedoria-e-nao-entender-clarice-lispector (consultado a 17-09-2014;
às 18:41h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
v
Dedicatória
As únicas pessoas a quem eu me sinto na obrigação de dedicar este trabalho:
À minha família, de modo particular os meus pais.
Tudo o que hoje sou, faço e ambiciono a eles lhes devo. Sem o amor de uma família, a
paciência, os conselhos e ensinamentos, não seria o que hoje sou. Foi no núcleo familiar que
nasceu o meu amor pelas artes em geral, crescendo eu entre uma família criativa, repleta de
dotes artísticos.
A arquitectura nem sempre foi uma certeza para mim, sendo eu fascinada por tantos outros
ramos artísticos que gostaria de desenvolver pessoal e profissionalmente. A escolha foi difícil,
mas eles sempre me incentivaram a seguir em frente, em qualquer que fosse a minha
escolha. Tenciono concretizar muitos outros objectivos para além deste, pelo qual lutei
imenso, e tenho a certeza que serão eles a estar do meu lado, mais uma vez, prontos a
lançarem-me nos meus caminhos e aventuras … algures por aí.
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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Agradecimentos
Difícil será nomear todos aqueles que, directa ou indirectamente, me ajudaram a percorrer
este longo percurso académico.
Não posso assim deixar passar em branco o agradecimento à minha grande e unida família.
Pai, mãe, irmão, avós, padrinho, madrinha, tias, tios, primos e primas. Não poderia pedir
melhor equipa do que esta.
A todos os amigos e colegas que marcaram positivamente a minha vida académica; cada um
deles sabe o quanto foi importante para mim e que já conquistaram um lugar no meu
coração. Obrigada por tudo!
À malta jovem de Guisande, os meus amigos da terra, cada um na sua maneira simples de ser,
são já a segunda família da minha vida e juventude.
Finalmente um grande obrigada a todos os profissionais que contribuíram para a minha
formação e para a transmissão de valores pessoais e profissionais. À professora Ana Maria,
incansável desde o primeiro momento, capaz de acalmar qualquer nervoso miudinho com a
tranquilidade e simpatia que lhe são características.
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
ix
Resumo
O estudo da arquitectura popular de Portugal apenas começou a ganhar relevância quando se
procurou descobrir o verdadeiro estilo da casa portuguesa. A sua formalização reflectiria a
alma e a história de vida do povo português. No entanto, não se trata somente de uma
questão de formato ou imagem, mas sobretudo, a funcionalidade proporcionada pela
autenticidade das formas.
Esta temática pretende abordar a matiz arquitectónica de Entre-Douro-e-Vouga, confinada
entre estes dois rios e acomodada na transição da região do Minho para as Beiras. No
desenrolar de cinco capítulos vive-se uma viagem que, ao partir do esclarecimento do
contexto geográfico deste território, recuará até tempos remotos, esmiuçando a origem dos
primeiros povoados e sua evolução ao longo dos séculos. Nesta terra que herdou da história
povoados castrejos, que assistiu à consequente romanização da traça urbana e da cultura e
que, por se encontrar numa posição estratégica, gerou um castelo como sede de um vasto
território, que tinha por objectivo controlar a grande via militar romana; estão finalmente
lançadas as precedências que o caracteriza actualmente como ele é: um território de forte
índole industrial, mas no qual o progresso não quis esconder o reverso da moeda que atesta
as suas primícias rurais.
A arquitectura popular de qualquer território, e Entre-Douro-e-Vouga não é excepção, resulta
da súmula de factores geográficos, sociais, históricos e económicos. Feita pelo homem, com
pleno consentimento do seu meio nativo, ela pretende tornar-se não somente num
habitáculo, mas também num instrumento agrícola e de subsistência. São os dois últimos
capítulos que ajudarão a descobrir de que características e técnicas se faz prevalecer, o que
a distingue das restantes e quais as influências que absorve. O término do trabalho elucida o
porquê da importância da salvaguarda deste património, deixando uma janela aberta para a
reflexão sobre o valor que se lhe deve a atribuir.
Palavras-chave
Arquitectura; Popular; Entre-Douro-e-Vouga; Habitação; Ruralidade; Vale; Montanha; Minho;
Beiras
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
x
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xi
Abstract
The study of Portugal’s popular architecture only began to gain relevance when someone was
trying to figure out the real style of portuguese house. Its formalization would reflect the
soul and the life’s history of the portuguese people. However, it is not only an issue involving
the form or the image, but mostly the functionality provided by the authenticity of its forms.
This theme aims to approach of Entre-Douro-e-Vouga’s architectural hue, confined between
these two rivers and accommodated in the transition from Minho region to Beiras. In the
course of five chapters a trip is lived when, going from the territory geographical context’s
clarification, it goes back to ancient times scrutinizing the origin of the first villages and
their evolution over time. In this land which inherited settlements from history, which
witnessed a consequent romanization of the urban traces and people’s culture and, for being
in a strategic location, it generated a castle as the seat of a large territory, which aimed to
take control over a great roman military road; there are finally released the precedents
which characterize it as it currently is: a territory with a strong industrial character, but in
which progress wouldn’t want to hide the flip side that attests to their rural first fruits.
The popular architecture of any land, and Entre-Douro-e-Vouga is not an exception, results
from the summary of geographical, social, historical and economic factors. Being handmade
by man, with full consent of his native land, it intends to become not only in housing, but
also in a living and agricultural tool. There are the last two chapters that will help us finding
out the features and techniques prevailing, what distinguishes it from the others and what
influences are absorbed. The last part of the work elucidates the why of safeguarding this
heritage as a matter, leaving an open window for reflection on the value that must be given
to it.
Keywords
Architecture; Popular; Entre-Douro-e-Vouga; Housing; Rurality; Valley; Mountain; Minho;
Beiras
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xii
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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Índice
Capítulo 1. Fundamentação e Objectivos ............................................................... 1
1.1 Introdução ................................................................................................. 2
1.2 Objectivos ................................................................................................. 4
1.3 Metodologia ............................................................................................... 5
1.4 Estado de Arte ............................................................................................ 5
Capítulo 2. Introdução de Entre-Douro-e-Vouga ...................................................... 8
2.1 Enquadramento Geográfico ............................................................................ 9
2.1.1 Território .................................................................................................................. 9
2.1.2 Orografia ................................................................................................................. 10
2.1.3 Geomorfologia e Litologia ...................................................................................... 11
2.1.4 Hidrografia .............................................................................................................. 13
2.1.5 Clima ....................................................................................................................... 14
2.1.6 Vegetação ............................................................................................................... 16
2.2 A História de Entre-Douro-e-Vouga .................................................................. 17
2.2.1 Do Neolítico à Ocupação Castreja............................................................................ 17
2.2.1.1 Neolítico e o Megalitismo .......................................................... 17
2.2.1.2 Fase Proto-Histórica ................................................................ 19
2.2.1.3 Os Castros e a Arquitectura do Granito ......................................... 20
2.2.1.4 Povos Emergentes ................................................................... 22
2.2.2 Romanização ........................................................................................................... 23
2.2.3 A Reconquista Cristã e a Fundação das Terras de Santa Maria................................ 27
2.2.4 Entrada no Condado Portucalense .......................................................................... 30
2.2.5 A Carta Foral e a Emancipação das Terras de Santa Maria ...................................... 30
2.3 A Actualidade de Entre-Douro-e-Vouga ............................................................. 31
2.3.1 Concelhos Integrantes – Síntese ............................................................................. 31
2.3.1.1 Arouca ................................................................................ 31
2.3.1.2 Santa Maria da Feira ............................................................... 33
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xiv
2.3.1.3 São João da Madeira ............................................................... 35
2.3.1.4 Oliveira de Azeméis ................................................................ 36
2.3.1.5 Vale de Cambra ..................................................................... 37
2.3.2 Demografia ............................................................................................................. 38
2.3.3 Actividades Económicas .......................................................................................... 40
2.3.4 Agricultura .............................................................................................................. 43
2.3.5 Ocupação Humana do Território ............................................................................. 46
Capítulo 3. A Arquitectura Popular ..................................................................... 51
3.1 A Casa Elementar ....................................................................................... 52
3.2 A Casa Popular e Suas Variantes Regionais ......................................................... 53
3.2.1 Síntese Descritiva dos Tipos de Habitação Popular ................................................. 56
3.2.1.1 Casa Minhota ........................................................................ 56
3.2.1.2 Casa Serrana ........................................................................ 58
3.2.1.3 Casa de Madeira .................................................................... 60
3.2.1.4 Casa Alpendrada .................................................................... 61
3.2.1.5 Casa Saloia ........................................................................... 63
3.2.1.6 Casa Ribatejana .................................................................... 64
3.2.1.7 Monte Alentejano .................................................................. 65
3.2.1.8 Casa de Povoado .................................................................... 66
3.2.1.9 Casa de Pescadores ................................................................ 68
3.2.1.10 Casa Rural .......................................................................... 69
3.3 Integração da Casa Popular em Entre-Douro-e-Vouga ............................................ 71
Capítulo 4. Arquitectura Popular em Entre-Douro-e-Vouga....................................... 72
4.1 Descrição por Localização Montanha / Vale ........................................................ 73
4.1.1 A Casa de Arouca e de Vale de Cambra ................................................................... 73
4.1.1.1 O Povoado ........................................................................... 74
4.1.1.2 Acessibilidades....................................................................... 75
4.1.1.3 Estrutura .............................................................................. 76
4.1.1.4 Paredes e Pavimento .............................................................. 77
4.1.1.5 Portas e Janelas .................................................................... 80
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xv
4.1.1.6 Cobertura ............................................................................ 83
4.1.1.7 Elementos Decorativos ............................................................ 87
4.1.1.8 Interior ............................................................................... 89
4.1.1.9 Espigueiros e Eiras ................................................................. 90
4.1.1.10 Influências ......................................................................... 94
4.1.2 A Casa de Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Oliveira de Azeméis ........ 97
4.1.2.1 O Povoado ........................................................................... 98
4.1.2.2 Acessibilidades ...................................................................... 99
4.1.2.3 Estrutura ............................................................................ 101
4.1.2.4 Paredes e Pavimento ............................................................. 102
4.1.2.5 Portas e Janelas ................................................................... 104
4.1.2.6 Cobertura ........................................................................... 107
4.1.2.7 Elementos Decorativos ........................................................... 109
4.1.2.8 Interior .............................................................................. 112
4.1.2.9 Espigueiros e Eiras ................................................................ 113
4.1.2.10 Influências ........................................................................ 115
4.2. Identidade de Entre-Douro-e-Vouga, Cômputo Geral ......................................... 119
4.2.1 Elo Entre as Casas Serranas e as Casas de Vale ...................................................... 119
4.2.2 A Conservação das Formas .................................................................................... 121
Capítulo 5. Conclusão ..................................................................................... 126
Bibliografia ................................................................................................... 130
Referências Electrónicas .................................................................................. 135
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xvi
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xvii
Lista de Figuras
Figura 1 - Sub-região de Entre-Douro-e-Vouga ......................................................... 10
Fonte: (adaptado de) http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/3/31/
LocalNUTS3EntreDouroEVouga.svg/250px-LocalNUTS3EntreDouroEVouga.svg.png (consultado
a 19-03-14, às 11:18h)
Figura 2 - Concelhos de Entre-Douro-e-Vouga ......................................................... 10
Fonte: (adaptado de) http://www.cm-arouca.pt/portal/images/stories/distritoaveirop.jpg
(consultado a 19-03-14, às 12:23h)
Figura 3 - Mapa da orografia, em zona 1 ............................................................... 11
Fonte: (adaptado de) MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial
Estampa; Lisboa; 1995; p.17
Figura 4 - Mapa geológico, em zona 1, segundo o inquérito à Arquitectura Popular em
Portugal ....................................................................................................... 12
Fonte: (adaptado de) AA.VV.; Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato
Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.7
Figura 5 - Mapa geológico, em zona 1, segundo Mário Moutinho .................................... 12
Fonte: (adaptado de) MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial
Estampa; Lisboa; 1995; p.15
Figura 6 - Mapa hidrográfico, em zona 1 ................................................................ 14
Fonte: (adaptado de) http://hyperscola.files.wordpress.com/2012/03/afluentes-e-
subafluentes-rios-portugal-001.jpeg (consultado a 20-03-2014, às 15:36h)
Figura 7 - Mapa de pluviosidade anual, em zona 1 .................................................... 16
Fonte: (adaptado de) MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial
Estampa; Lisboa; 1995; p.19
Figura 8 - Castanheiros em Santa Maria da Feira ...................................................... 17
Fonte: fotografia da autora
Figura 9 - Manto vegetal rasteiro da Serra da Freita, Arouca ........................................ 17
Fonte: fotografia da autora
Figura 10 - Mamoa da Portela da Anta, vista do interior ............................................. 19
Fonte: http://pt.wikiloc.com/wikiloc/imgServer.do?id=251300 (consultado a 09-04-2014; às
17:05h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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Figura 11 - Mamoa da Portela da Anta, vista de cima ................................................. 19
Fonte: SILVA, António Manuel S.P.; Memórias da Terra. Património Arqueológico do Concelho
de Arouca; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 2004; p.71
Figura 12 - Castro de Romariz ............................................................................. 20
Fonte: http://www.theperfecttourist.com/wp-content/uploads/2014/03/IMG_4770.jpg
(consultado a 12-04-2014; às 10:16h)
Figura 13 - Exemplo de casa castreja .................................................................... 21
Fonte: http://www.osmeustrilhos.pt/2007/09/18/castro-de-santa-trega-galiza-espanha/
(consultado a 12-04-2014; às 15:41h)
Figura 14 - Castro de Romariz, vista aérea.............................................................. 25
Fonte: https://www.cm-feira.pt/portal/site/cm-feira/template.MAXIMIZE/recursos-
turisticos/?javax.portlet.tpst=6e3fbee686baa2a31dd762d990af8a0c_ws_MX&javax.portlet.prp
_6e3fbee686baa2a31dd762d990af8a0c_viewID=detail_view&javax.portlet.prp_6e3fbee686baa
2a31dd762d990af8a0c_thematicContentPath=%2FThematic%20Navigation%2FTurismo%2FRecur
sos%20Tur%C3%ADsticos%2FCastro%20de%20Romariz%2F&javax.portlet.begCacheTok=com.vign
ette.cachetoken&javax.portlet.endCacheTok=com.vignette.cachetoken (consultado a 12-04-
2014; às 16:23h)
Figura 15 - Planta do castro de Romariz ................................................................. 25
Fonte: retirada de panfleto turístico
Figura 16 - Maqueta da Domus do castro de Romariz ................................................. 26
Fonte: fotografia da autora
Figura 17 - Cartibulum do castro de Romariz........................................................... 26
Fonte: fotografia da autora
Figura 18 - Mapa de antigas vias romanas, em zona 1 ................................................ 28
Fonte: (adaptado de) AA.VV.; Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato
Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.9
Figura 19 - Via romana em Santa Maria da Feira ...................................................... 28
Fonte: https://www.cm-feira.pt/portal/binary/com.epicentric.contentmanagement.servlet.
ContentDeliveryServlet/Thematic%2520Navigation/Urbanismo/Atlas/Atlas%2520de%2520Santa
%2520Maria%2520da%2520Feira/ficheiros/Atlas%2520de%2520Santa%2520Maria%2520da%2520F
eira%2520-%2520Vers%25C3%25A3o%2520Digital/Parte%25203%2520-%2520Conhecimento%2520
Humano.pdf; p.10 (consultado a 19-04-2014; às 10:21h)
Figura 20 - Castelo de Santa Maria da Feira ............................................................ 29
Fonte: http://www.panoramio.com/photo/4832884 (consultado a 23-04-2014; às 11:58h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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Figura 21 - Vista aérea sobre Arouca ..................................................................... 32
Fonte: http://www.google.pt/imgres?imgurl=http://aminhaagenda.aroucaonline.com/wp-
content/uploads/2009/09/IMG_3304.JPG&imgrefurl=http://aminhaagenda.aroucaonline.com
/2009/09/04/4-de-setembro-de-2009-arouca-vista-de-cima/&h=683&w=1024&tbnid=rOqggcV
DKkDiaM:&zoom=1&docid=1w173cs25tqAPM&ei=vR4XVNPfKo_oaM3ZgugG&tbm=isch
(consultado a 24-04-2014; às 09:36h)
Figura 22 - Mosteiro de Arouca ............................................................................ 32
Fonte: http://pedestrianismo.blogspot.pt/2009/10/ciclo-de-caminhadas-pelo-caminhos-
do.html (consultado a 24-04-2014; às 11:08h)
Figura 23 - Vista panorâmica sobre Santa Maria da Feira através do castelo ..................... 34
Fonte: http://www.panoramio.com/photo/5661910 (consultado a 24-04-2014; às 16:27h)
Figura 24 - Vista aérea sobre S. João da Madeira ...................................................... 35
Fonte: http://portugalfotografiaaerea.blogspot.pt/2013/06/sao-joao-da-madeira.html
(consultado a 24-04-2014; às 19:32h)
Figura 25 - Marco da milha XII ............................................................................ 37
Fonte: http://www.cm-oaz.pt/oliveira_de_azemeis.1/freguesias.42/oliveira_de_azemeis.
54/marco_miliario_.a3129.html (consultado a 25-04-2014; às 10:45h)
Figura 26 - Paisagem de Vale de Cambra ................................................................ 38
Fonte: http://www.panoramio.com/photo/17588365?source=wapi&referrer=kh.google.com
(consultado a 25-04-2014; às 14:59h)
Figura 27 - Mapa de indivíduos por concelho em Portugal Continental, Censos 2011 ........... 39
Fonte: (adaptado de) http://www.pordata.pt/Municipios/Populacao+residente+segundo+os+
Censos+total+e+por+grandes+grupos+etarios-22 (consultado a 29-04-2014; às 21:05h)
Figura 28 - Monumento ao Sapateiro, em S. João da Madeira ....................................... 42
Fonte: http://www.panoramio.com/photo/40583789?source=wapi&referrer=kh.google.com
(consultado a 24-04-2014; às 20:02h)
Figura 29 - Museu do Papel e antiga fábrica, em Santa Maria da Feira ............................ 42
Fonte: http://www.timetogo.com/index.php?option=com_pti&view=pti&id=435&lang=pt
(consultado a 25-04-2014; às 15:24h)
Figura 30 - Zona industrial de Santa Maria da Feira ................................................... 42
Fonte: https://www.cm-feira.pt/portal/binary/com.epicentric.contentmanagement.servlet.
ContentDeliveryServlet/Thematic%2520Navigation/Urbanismo/Atlas/Atlas%2520de%2520Santa
%2520Maria%2520da%2520Feira/ficheiros/Atlas%2520de%2520Santa%2520Maria%2520da%2520F
eira%2520-%2520Vers%25C3%25A3o%2520Digital/Parte%25203%2520-
%2520Conhecimento%2520Humano.pdf; p.10 (consultado a 19-04-2014; às 10:21h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xx
Figura 31 - Mapa da utilização dos solos, em zona 1 .................................................. 43
Fonte: (adaptado de) AA.VV.; Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato
Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.22
Figura 32 - Cultivo minifudiário em socalcos, Vale de Cambra ...................................... 44
Fonte: fotografia da autora
Figura 33 - Boi de raça Arouquesa pastando na Serra da Freita ..................................... 46
Fonte: fotografia da autora
Figura 34 - Mapa dos tipos de povoamento, em zona 1 ............................................... 47
Fonte: (adaptado de) AA.VV.; Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato
Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; 1961; p.23
Figura 35 - Povoamento aglomerado, Albergaria-da-Serra (Arouca) ............................... 50
Fonte: Google Earth
Figura 36 - Povoamento disseminado organizado em pequenos núcleos, Cesar (Oliveira de
Azeméis) ...................................................................................................... 50
Fonte: Google Earth
Figura 37 - Casa elementar em Albergaria-da-Serra (Arouca) ...................................... 52
Fonte: fotografia da autora
Figura 38 - Casario de Rio de Frades (Arouca) ......................................................... 53
Fonte: fotografia da autora
Figura 39 - Desenho de uma casa-pátio, elaborado por Ernesto Veiga de Oliveira (2000) ..... 54
Fonte: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional
Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.21
Figura 40 - Desenho de uma casa-bloco, elaborado por Ernesto Veiga de Oliveira (2000) .... 55
Fonte: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional
Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.21
Figura 41 - Mapa dos tipos de arquitectura por região ................................................ 56
Fonte: (adaptado de) MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial
Estampa; Lisboa; 1995; p.39
Figura 42 - Entrada para o pátio de uma casa-bloco minhota ....................................... 58
Fonte: TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de
Arcos de Valdevez; 2013; p.50
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xxi
Figura 43 - Casa-bloco minhota com as suas duas varandas.......................................... 58
Fonte: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional
Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000
Figura 44 - A simplicidade de uma casa serrana ....................................................... 59
Fonte: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional
Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000
Figura 45 - Casa de três pisos, Paúl ...................................................................... 59
Fonte: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional
Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000
Figura 46 - Ortogonalidade urbanística de Espinho .................................................... 60
Fonte: http://retratosdeportugal.blogspot.pt/2013/05/espinho-vista-aerea-do-centro-da-
cidade.html (consultado a 15-05-2014; às 10:14h)
Figura 47 - Casas típicas da Costa Nova.................................................................. 61
Fonte: http://ab-imagensincriveis.blogspot.pt/2011_11_01_archive.html (consultado a 15-05-
2014; às 11:05h)
Figura 48 - Palheiro de Esmoriz ........................................................................... 61
Fonte: http://fotos.sapo.pt/damasofaria/fotos/?uid=306lsJLkuUvDzPZBLZhh (consultado a
15-05-2014; às 11:16h)
Figura 49 - Casa alpendrada da Murtosa ................................................................. 63
Fonte: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional
Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000
Figura 50 - Casa ribatejana ................................................................................ 64
Fonte: MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa;
1995; p.106
Figura 51 - Casa de monte alentejano ................................................................... 65
Fonte: MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa;
1995; p.119
Figura 52 - Casas em povoado alentejano à face a rua ............................................... 66
Fonte: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional
Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000
Figura 53 - Fachada frontal de casa de povoado alentejano ......................................... 67
Fonte: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional
Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xxii
Figura 54 - Casas de pescadores do Algarve............................................................. 69
Fonte: MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa;
1995; p.144
Figura 55 - Casa rural do Algarve ......................................................................... 70
Fonte: OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional
Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000
Figura 56 - Localização dos locais em análise .......................................................... 73
Fonte: (adaptado de) http://www.cm-arouca.pt/portal/images/stories/distritoaveirop.jpg
(consultado a 19-03-14, às 12:23h)
Figura 57 - Aldeia da Lomba ............................................................................... 74
Fonte: fotografia da autora
Figura 58 - Casa com um pequeno pátio (Covêlo de Paivô) ......................................... 75
Fonte: fotografia da autora
Figura 59 - Caminho estreito e escadeada entre casas (Lomba) ................................... 75
Fonte: fotografia da autora
Figura 60 - Casa com cobertura de colmo (Cabaços) ................................................. 76
Fonte: fotografia da autora
Figura 61 - Casa com passadiço sobre o caminho (Rio de Frades) .................................. 77
Fonte: fotografia da autora
Figura 62 - Implantação da casa sobre a rocha natural (Lomba) ................................... 77
Fonte: fotografia da autora
Figura 63 - Parede de xisto onde os blocos maiores reforçam os cunhais (Rio de Frades) ..... 79
Fonte: fotografia da autora
Figura 64 - Junção de xisto e granito numa parede (Covêlo de Paivô) ............................ 79
Fonte: fotografia da autora
Figura 65 - Chão de curral em terra batida, revestido a palha e excrementos (Cabaços) ..... 79
Fonte: fotografia da autora
Figura 66 - Estrutura do pavimento em piso sobradado (Rio de Frades) .......................... 79
Fonte: fotografia da autora
Figura 67 - As portas de casa, de acordo com a sua função (Covêlo de Paivô) .................. 81
Fonte: fotografia da autora
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xxiii
Figura 68 - Porta emoldurada em madeira (Rio de Frades) ......................................... 81
Fonte: fotografia da autora
Figura 69 - Arco de descarga em porta de curral (Covêlo de Paivô) ............................... 81
Fonte: fotografia da autora
Figura 70 - Janela adjacente ao beiral da cobertura (Covêlo de Paivô) .......................... 82
Fonte: fotografia da autora
Figura 71 - Presença de uma janela centrada na empena da casa (Covêlo de Paivô) .......... 82
Fonte: fotografia da autora
Figura 72 - Janela com portadas de madeira (Cabaços) ............................................. 83
Fonte: fotografia da autora
Figura 73 - Laje do peitoril sob a janela (Rio de Frades) ............................................ 83
Fonte: fotografia da autora
Figura 74 - Cobertura de colmo (Cabaços) ............................................................. 84
Fonte: fotografia da autora
Figura 75 - Cobertura em lajes de lousa (Albergaria-da-Serra) ..................................... 85
Fonte: fotografia da autora
Figura 76 - Sobreposição da telha sobre a lousa (Covêlo de Paivô) ................................ 85
Fonte: fotografia da autora
Figura 77 - Grampos de madeira unindo a lajes de lousa na cumeeira (Lomba) ................ 85
Fonte: fotografia da autora
Figura 78 - Estrutura simples de cobertura em lousa (Cabreiros) .................................. 86
Fonte: fotografia da autora
Figura 79 - Telha vã (Covêlo de Paivô) .................................................................. 87
Fonte: fotografia da autora
Figura 80 - Chaminé rectangular (Covêlo de Paivô) .................................................. 87
Fonte: fotografia da autora
Figura 81 - Inscrição ‘A 1894’ gravada em lintel de granito (Covêlo de Paivô) .................. 87
Fonte: fotografia da autora
Figura 82 - Janela ladeado por mísulas (Covêlo de Paivô) ........................................... 88
Fonte: fotografia da autora
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xxiv
Figura 83 - Bancos em casa, junto à porta do curral (Albergaria-da-Serra) ...................... 88
Fonte: fotografia da autora
Figura 84 - Forno embutido na parede no interior de uma cozinha (Espinheiro) ............... 90
Fonte: fotografia da autora
Figura 85 - Parede divisória de tabique com porta para alcova (Espinheiro) .................... 90
Fonte: fotografia da autora
Figura 86 - Espigueiros comunitários com mais de 3,5 m de comprimento (Rio de Frades) ... 92
Fonte: fotografia da autora
Figura 87 - Espigueiros concentrados próximos á capela (Lomba) ................................. 93
Fonte: fotografia da autora
Figura 88 - Alinhamento dos espigueiros em fileiras paralelas (Lomba) .......................... 93
Fonte: fotografia da autora
Figura 89 - Palheira de xisto próxima dos espigueiros (Rio de Frades) ............................ 94
Fonte: fotografia da autora
Figura 90 - Palheiros/Currais agrupados (Lomba) ..................................................... 94
Fonte: fotografia da autora
Figura 91 - Parede arredondada (Covêlo de Paivô) ................................................... 96
Fonte: fotografia da autora
Figura 92 - Mesa/masseira encontrada numa cozinha (Espinheiro) ................................ 96
Fonte: fotografia da autora
Figura 93 - Localização dos locais em análise .......................................................... 97
Fonte: (adaptado de) http://www.cm-arouca.pt/portal/images/stories/distritoaveirop.jpg
(consultado a 19-03-14, às 12:23h)
Figura 94 - Disposição do casario entre campos e incultos (Guisande) ............................ 99
Fonte: fotografia da autora
Figura 95 - Acesso ao quinteiro pela porta carral transpondo um coberto (Fajões) ......... 100
Fonte: fotografia da autora
Figura 96 - Porta carral encimada por telheiro (Carregosa) ....................................... 100
Fonte: fotografia da autora
Figura 97 - Escadas acedidas por quinteiro (Carregosa) ........................................... 100
Fonte: fotografia da autora
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xxv
Figura 98 - Escadas na empena do casa (Carregosa) ................................................ 100
Fonte: fotografia da autora
Figura 99 - Dependências da casa em redor do quinteiro (Guisande) ........................... 101
Fonte: fotografia da autora
Figura 100 - Hortas que servem a casa contíguas ao quinteiro (Romariz) ...................... 102
Fonte: fotografia da autora
Figura 101 - Paredes em pedra tosca à vista (Fajões) .............................................. 103
Fonte: fotografia da autora
Figura 102 - Paredes rebocadas com pintura (Romariz) ........................................... 103
Fonte: fotografia da autora
Figura 103 - Pavimento com laje de pedra (Guisande) ............................................. 104
Fonte: fotografia da autora
Figura 104 - Estrutura de pavimento assoalhado, visto de uma adega (Guisande) ............ 104
Fonte: fotografia da autora
Figura 105 - Piso da adega em terra batida (Guisande) ............................................ 104
Fonte: fotografia da autora
Figura 106 - Portas com acesso a lojas na fachada frontal da casa (Carregosa) ............... 105
Fonte: fotografia da autora
Figura 107 - Porta com moldura granítica sobressaindo em parede rebocada (Carregosa) .. 106
Fonte: fotografia da autora
Figura 108 - Moldura em blocos de pedra irregular, encimada por arco (Carregosa) ......... 106
Fonte: fotografia da autora
Figura 109 - Janela com moldura imitando peitoril (Fajões) ...................................... 106
Fonte: fotografia da autora
Figura 110 - Molduras revestidas em cerâmica (Guisande) ........................................ 106
Fonte: fotografia da autora
Figura 111 - Alinhamento regular e simétrico de janelas e postigos (Carregosa) ............. 107
Fonte: fotografia da autora
Figura 112 - Cobertura em telha de canudo (Romariz) ........................................... 108
Fonte: fotografia da autora
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xxvi
Figura 113 - Cobertura de telha de marselha com beirais de telha de canudo (Fajões) ..... 108
Fonte: fotografia da autora
Figura 114 - Chaminé afunilada (Fajões) ............................................................. 109
Fonte: fotografia da autora
Figura 115 - Chaminé afunilada (Louredo) ........................................................... 109
Fonte: fotografia da autora
Figura 116 - Casa de rodapé pintado sobre parede caiada (Carregosa) ......................... 110
Fonte: fotografia da autora
Figura 117 - Casa com pinturas padronizadas sobre reboco (Covêlo de Paivô) ................ 110
Fonte: fotografia da autora
Figura 118 - Friso de cornija na esquina de casa (Fajões) ......................................... 110
Fonte: fotografia da autora
Figura 119 - Porta carral com motivos floreados esculpidos em granito (Guisande) .......... 110
Fonte: fotografia da autora
Figura 120 - Pináculos em telhado (Guisande) ....................................................... 111
Fonte: fotografia da autora
Figura 121 - Detalhes pintados nas telhas do beiral (Fajões) ..................................... 111
Fonte: fotografia da autora
Figura 122 - Varanda de sacada em casa de lavoura abastada (Guisande) ..................... 111
Fonte: fotografia da autora
Figura 123 - Cubículo de casa-de-banho no exterior, inserido no quinteiro junto às lojas
(Guisande) .................................................................................................. 113
Fonte: fotografia da autora
Figura 124 - Caixa em madeira que faz de sanita .................................................... 113
Fonte: fotografia da autora
Figura 125 - Espigueiro rectangular sobre caixa de pedra (Fajões) .............................. 114
Fonte: fotografia da autora
Figura 126 - Espigueiro quadrangular sobre pilares de granito (Guisande) ..................... 114
Fonte: fotografia da autora
Figura 127 - Eira particular complementada com espigueiro (Louredo) ........................ 115
Fonte: fotografia da autora
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xxvii
Figura 128 - Demarcação a negrito sobre Entre-Douro-e-Vouga, denominada por Arouca,
Jornal Expresso .............................................................................................. 116
Fonte: http://expresso.sapo.pt/casas_tradicionais_portuguesas=f501518 (consultado a 24-07-
2014; às 10:19h)
Figura 129 - Grafismo da Casa de lavoura, Jornal Expresso ........................................ 116
Fonte: http://expresso.sapo.pt/casas_tradicionais_portuguesas=f501518 (consultado a 24-07-
2014; às 10:19h)
Figura 130 - Exemplo de Casa de lavoura em Entre-Douro-e-Vouga (Romariz), este caso
bastante similar ao grafismo apresentado pelo Jornal Expresso .................................. 118
Fonte: fotografia da autora
Figura 131 - A simplicidade e rudeza de uma casa serrana (Albergaria-da-Serra) ............ 118
Fonte: fotografia da autora
Figura 132 - Casa erudita actualmente abandonada (Carregosa) ................................ 118
Fonte: fotografia da autora
Figura 133 - Aldeia de Drave (Arouca) ................................................................ 123
Fonte: http://oscoronas.blogspot.pt/2010/11/drave.html (consultado a 28-07-2014; às
15:12h)
Figura 134 - Fachada revestida a ripado de madeira ................................................ 124
Fonte: fotografia da autora
Figura 135 - As portas adoptadas com janela de portadas ......................................... 124
Fonte: fotografia da autora
Figura 136 - Preservação da traça natural dos edifícios ............................................ 124
Fonte: fotografia da autora
Figura 137 - Interior com vista para a janela ......................................................... 124
Fonte: fotografia da autora
Figura 138 - Pormenor das divisórias em tabuado vertical de madeira, imitando tabique ... 125
Fonte: fotografia da autora
Figura 139 - Pormenor de entrada complementada com candeeiro .............................. 125
Fonte: fotografia da autora
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
xxviii
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
1
Capítulo 1.
Fundamentação e Objectivos
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
2
1.1 Introdução
Falar de arquitectura popular vai muito mais além do que um mero relato construtivo, onde
se apresentam as várias características que distinguem as construções dos diversos povoados
entre si. Falar de arquitectura popular é, primordialmente, partir à descoberta da génese de
um povo. Abre-se um processo de investigação onde o Homem, e a sua relação com o meio, é
o epicentro de todos os acontecimentos. Comprometer-se-ia um estudo isento caso não se
considerassem diversas condicionantes nesta relação: geográficos, económicos, sociais,
históricos e culturais.2 Já o diria Almeida Garrett, no seu livro Romanceiro:
“Nenhuma coisa pode ser nacional se não é popular.”3
A arquitectura popular vai-se desenvolvendo de diferentes formas, conformada a cada região
do país em aliança com o meio natural; existe portanto uma humanização da paisagem.4
Desde os tempos primitivos, o homem extraía da natureza os materiais locais para modelar o
seu habitáculo. Iniciou com barro e materiais vegetais, posteriormente, incluiu a pedra no seu
quadro construtivo, quando surgiu a necessidade de edificar construções mais duradouras e
perenes, aquando da sedentarização do homem. Trabalhados ou simplesmente usados no seu
estado natural, estes materiais e as suas potencialidades atendiam à necessidade de conforto
e protecção do homem.5 No entanto, com a inclusão do trabalho da terra na vida dos povos
“para certos autores, a casa popular, e sobretudo a casa rural, é mesmo concebida não
apenas como um abrigo, mas sobretudo como um verdadeiro instrumento agrícola que é
preciso adaptar às necessidades de exploração da terra.”6 Pode-se então pensar que conhecer
essas necessidades é um passo vital para a compreensão da teoria do habitar do homem do
campo. Na verdade, é um grande progresso, contudo não se devem desvalorizar as restantes
condicionantes acima citadas.
O povo, uma classe de poucos privilégios e ainda assim bastante numerosa, que subsiste do
trabalho da terra e também do mar, foi criando a sua própria linha arquitectónica. Com o
avanço do tempo, as várias gerações foram adquirindo conhecimento e aperfeiçoando as suas
práticas, no entanto, a casa rural queria-se funcional, prática e económica, o que se traduziu
numa permanência das formas ao longo do tempo.7 A arquitectura popular, portanto, “é uma
2 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.13 3 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez;
2013 4 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.13 5 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez;
2013; p.28 6 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; 2000; Lisboa; p.13 7 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez;
2003; p.118
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
3
arquitectura do senso comum, em que prevalece a austeridade, a harmonia e a adaptação ao
meio.”8
A arquitectura popular pode desdobrar-se ainda numa arquitectura erudita9, onde se
encontram os solares rurais, contudo estes não serão objecto de estudo, visto que as
habitações de lavradores e/ou pescadores de poucas posses são as mais elementares e delas
deriva a constituição de uma habitação solarenga.
De norte a sul denota-se uma diversidade de expressões nos povoados que pintam o país,
passando pelas tradições, pela psicologia, pela cultura e economia das populações que neles
habitam. Essa expressão recai inclusive sobre a casa popular, que também entra neste leque
de multiplicidade, como resultante de tudo o resto.10 O livro do inquérito à Arquitectura
Popular em Portugal11, realiza uma divisão do país em seis zonas, caracterizadas
unitariamente por uma certa homogeneidade ou conformidade da expressão popular em
termos construtivos, sociais, geográficos, culturais e económicos.12 As diferentes zonas
consolidam toda a diversidade que Portugal encerra nas suas fronteiras. Já segundo Mário
Moutinho13, estas unidades podem dividir-se em cinco, sendo que este dá preferência à
coerência do factor habitação.
A arquitectura popular transporta padrões advindos de estruturas ancestrais, identificados nos
abrigos primitivos e nas vilas castrejas. A partir destes elementos, o habitáculo vai-se
moldando em conformidade com o meio e sua população.14 Com esse tipo de padrões, e num
país de pequena dimensão como Portugal, é frequente que várias regiões se influenciem entre
si, optando por soluções similares. Nota-se que é sempre complicado definir limites concretos
entre as zonas.15
Os motivos que impulsionaram esta investigação, advêm da vontade de desmistificar esta
incerteza, promovendo uma observação mais detalhada na sub-região de Entre-Douro-e-
Vouga. O desejo de confirmar, ou não, a existência de um modelo habitacional que se tivesse
adequado à identidade e natureza do local, é reforçado pela escassez de estudos cingidos
àquela zona em concreto. A sub-região de Entre-Douro-e-Vouga, está compreendida entre os
rios Douro, a norte, e o Vouga, a sul, e envolve cinco concelhos que estabelecem uma forte
ligação com os seus contíguos: são eles Santa Maria da Feira, S. João da Madeira, Oliveira de
8 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2003; p.9 9 TEIXEIRA, Manuel C.; Op. cit.; p.106 10 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; pp.17-18 11 AA.VV.; Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p. XXIV 12 AA.VV.; Op. cit.; p. XXIII 13 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.37 14 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2003; pp.36-37 15
AA.VV.; Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos
Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p. XXIV
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
4
Azeméis, Arouca e Vale de Cambra. Apesar desta demarcação, de acordo com alguns autores,
parte da sub-região enquadra-se no domínio do Douro Litoral
16, enquanto a restante pertence à Beira Litoral.17 Ainda em Arquitectura Popular em
Portugal, mencionando Zona 118, onde se situa a sub-região alvo de estudo, o autor repara
que destacou mais as casas a norte do Douro, em detrimento das casas a sul do rio. Para
Mário Moutinho, a sub-região Entre-Douro-e-Vouga encerra-se numa só região: Norte, dividida
entre Litoral e Interior e que é estendida quer a norte, quer a sul do Douro19. Nota-se,
portanto, que este local carece de uma identidade concreta dentro dos limites regionais do
nosso país. Além do mais, torna-se uma aliciante para este estudo a própria dicotomia que a
sub-região oferece entre o forte contraste dos concelhos serranos e os concelhos próximos do
litoral. Num primeiro olhar, toda ela, consta de uma diversidade de acepções, fica agora no
ar saber como se manifesta a forma de povoamento que ela abarca.
1.2 Objectivos
Muito mais do que expor os materiais de construção, os estilos e as formas que proporcionam
ao habitar, trata-se acima de tudo de conhecer o processo evolutivo de uma população e as
razões que orientam os seus movimentos, a fim de catalisarem na sua casa, tudo aquilo que
são e possuem. Para chegar à conclusão da existência de um fio condutor arquitectónico para
a sub-região de Entre-Douro-e-Vouga deverão ser tidos em conta uma série de objectivos
sumários para uma correcta execução:
- Definir o enquadramento histórico e geográfico da região.
- Entender o motivo da fixação de populações no local.
- Entender as potencialidades do mesmo e de que modo estas eram aproveitadas.
- Descrever como as diferentes povoações se foram influenciando ao longo do tempo.
- Compreender as funcionalidades construtivas pelas quais essas povoações optavam.
- Eleger o modo mais adequado delas serem exploradas.
- Saber discernir desde a arquitectura de uma pequena habitação, até uma habitação
solarenga de latifúndio, ou quinta.
- Conhecer os elementos construtivos destas arquitecturas.
- Saber a importância de outros elementos intrínsecos ao núcleo habitacional.
- Definir a ligação entre espaço interior e exterior.
- Promover a preservação do património arquitectónico tradicional.
16
HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Descubra Portugal. Douro Litoral; Ediclube; Madrid;
1997; p.36 17 NOGUEIRA, José Couto; Descubra Portugal. Beira Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; p.40 18 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.3 19 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.39
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
5
1.3 Metodologia
A metodologia de trabalho proposta para alcançar os objectivos passa por algumas etapas,
tais como a pesquisa bibliográfica extensível que conduz à contextualização histórica, social e
cultural da região em estudo, tal como a estudos de outros autores acerca da arquitectura
tradicional portuguesa de diferentes zonas do país.
A referenciação de algumas aldeias com casario típico da região é fundamental para a
concretização do levantamento fotográfico, in situ, em cada concelho. Estes visa registar os
edifícios de maior relevo tradicional de modo a proceder a uma avaliação do género
arquitectónico. Para melhor compreender o estudo manteve-se o contacto com os municípios
envolvidos, a fim destes facultarem material de apoio e informação útil para a elaboração da
dissertação.
O contacto com o local é a base para um trabalho produtivo e muitas vezes descobrem-se
particularidades que de outro modo seria impossível. Recorrendo à entrevista de moradores
locais, esclarece-se até que ponto a arquitectura tradicional conseguia envolver as suas
rotinas laborais e sociais.
Por último, e não menos importante, interessa denotar edifícios tradicionais que se
encontram reabilitados, como prova de sucesso da sua conservação e como modelo a seguir
no futuro da arquitectura rural.
1.4 Estado de Arte
Nem sempre a arquitectura popular foi compreendida como um tema que merecesse aval e
preocupação por parte dos arquitectos. No entanto, dos finais do século XIX até à metade do
século XX, gerou-se o movimento da Casa Portuguesa, encabeçado por Raúl Lino. Este
movimento, que contava com outras personalidades
20, aludia à procura e à afirmação do tipo português de habitação. Aqui catalisavam-se uma
série de características pitorescas e regionais num só conceito, a chamada Casa Portuguesa
que deveria caracterizar o país e proliferar em todo o território.21 Este movimento não
arrancou boas reacções da parte de todos aqueles que reconheciam e defendiam a
diversidade da arquitectura popular nacional.
20 Além de Raúl Lino, também integravam o movimento da Casa Portuguesa, Henrique das Neves
(militar), Rocha Peixoto (antropólogo), Joaquim Vasconcelos e João Barreira (historiadores), Abel Botelho (ensaísta), Guilherme Gomes, José Teixeira Lopes, Jorge Segurado, Vasco Regaleira, Carlos Ramos e Crsitino da Silva (arquitectos). 21http://fims.up.pt/ficheiros/LivroFinalConferencias.pdf; pp.5-6 (consultado a 13-09-2014; às 11:15h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
6
Em 1945, Fernando Távora escreve O Problema da Casa Portuguesa,22 um manifesto cujo
objectivo seria combater a tentativa de institucionalização de um protótipo de Casa
Portuguesa, explicando a multiplicidade de regionalismos existentes no país e a importância
da sua salvaguarda. Em 1947, Keil do Amaral redige Uma Iniciativa Necessária,23 apoiando a
linha de pensamento de Távora.
Neste tempo cronológico distinguem-se, de um lado, um grupo de arquitectos conservadores,
fechados à introdução do modernismo em Portugal, e do outro lado, uma nova geração de
arquitectos que lutavam pela afirmação do modernismo no nosso país, tendo em conta que
Portugal não acompanhava a evolução da restante Europa.24
Para toda a nova geração de arquitectos, da qual Fernando Távora e Keil do Amaral faziam
parte, a arquitectura popular era em muito semelhante à arquitectura moderna, pois ambas
detinham princípios de funcionalidade simples, prontos a servir o homem de acordo com as
suas necessidades, e de fusão com o meio envolvente.25 Estava assim lançado o mote para um
daqueles que, até agora, é um dos livros senão o mais representativo da arquitectura popular
em Portugal. O Sindicato Nacional dos Arquitectos, dos anos 50 para os 60, promoveu a
realização do Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal,26 colocando Távora, Keil do
Amaral e outros da sua geração na senda de um exaustivo levantamento da arquitectura
popular. Com isto a diversidade do país seria sublinhada e explicada em dois volumes, que até
então têm vindo a ser constantemente reeditados. Este livro foi contra a Casa Portuguesa e o
seu sucesso tem vindo a ser enorme. Estes foram dois momentos preponderantes na elevação
da temática da arquitectura popular. Desde então alguns estudos vêm sendo elaborados com
forte base no Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal.
Já na década de 30, o Instituto Superior de Agronomia havia realizado o Inquérito à Habitação
Rural,27 este porém, com um teor mais inquisitivo, onde a principal preocupação era saber as
condições de vivência das famílias nas habitações rurais, expondo problemas e possíveis
soluções de 80 casos minuciosamente estudados. Junto com o Inquérito à Arquitectura
Popular em Portugal, pode-se dizer que o Inquérito à Habitação Rural seria um complemento.
Entre as décadas de 50 e 70 alguns antropólogos também se mostram interessados na
temática e, mais tarde, Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano lançam um manual da
22https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/24401/1/FERNANDO%20T%C3%81VORA%20De%20O%20Problema%20da%20Casa%20Portuguesa%20ao%20Da%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20do%20Espa%C3%A7o..p
df; p.35 (consultado a 13-09-2014; às 10:46h) 23 http://fims.up.pt/ficheiros/LivroFinalConferencias.pdf; pp.5-6 (consultado a 13-09-2014; às 11:15h) 24 https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/24401/1/FERNANDO%20T%C3%81VORA%20De%20º %20Problema%20da%20Casa%20Portuguesa%20ao%20Da%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20do%20Espa%C3%A
7o..pdf; p.15 (consultado a 13 -09-2014; às 10:46h) 25 Idem; p.25 26 https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/2084/1/Surveys_VR_JA_MRC_portug.pdf; pp.2-3 (consultado em 13-09-2014; às 11:28h) 27 http://fims.up.pt/ficheiros/LivroFinalConferencias.pdf; pp.9-10 (consultado a 13-09-2014; às 11:15h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
7
Arquitectura Tradicional Portuguesa,28 em 1992, compilando a descrição da arquitectura
popular existente como fundamento de um estudo etnográfico e antropológico. Muitas outras
obras que compilam exemplos de arquitectura popular, abordando o cariz etnográfico,
geográfico, antropológico ou meramente descritivo, têm sido realizadas, tal como Mário
Moutinho e a Arquitectura Popular Portuguesa; Portugal, Arquitectura e Sociedade de Carlos
de Almeida, entre outras. A maioria das obras debruçam-se no país como um todo, não indo
detalhadamente às regiões e abordando as suas cambiantes entre fronteiras.29
O tema escolhido para esta dissertação, expondo a Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-
Vouga, não teve ainda qualquer tipo de tratamento em específico. Mesmo falando de uma
pequena sub-região do país, o que diminui as chances de incidência de um estudo particular,
nota-se que as abordagens ao território do Douro Litoral e da Beira Litoral são muito parcas.
Recentemente, no ano de 2013, foi realizado o Colóquio Internacional de Arquitectura
Popular, em Arcos de Valdevez. Neste colóquio, apenas uma sessão dirigida por José
Francisco Ferreira Queiroz, abordou de leve modo alguma da arquitectura que podemos
encontrar nas proximidades de Entre-Douro-e-Vouga. O tema era “Villas”, Quintãs e Casais;
Aldeias, Lavouras e Montados: Diacronia e Sincronia na Organização Territorial do Douro
Litoral.30 Embora se pudessem recolher alguns dados de referência, por intermédio desta
informação, o colóquio não expôs nenhum tratamento sobre a arquitectura deste local em
concreto.
Sendo este um tema novo, no sentido literal, continua não sendo uma novidade, pois bebe de
diversas fontes da arquitectura popular portuguesa. Como a informação sobre arquitectura
popular não abunda, apesar de já ser notória a relevância do assunto para a
contemporaneidade, as recolhas de informação advêm dos casos que já foram anteriormente
mencionados e que, tal como o frisado, continuam a ser imensamente respeitados e seguidos
por todos os estudiosos. Quiçá, ‘Bíblias’ da arquitectura popular de Portugal.
28 http://fims.up.pt/ficheiros/LivroFinalConferencias.pdf; pp.9-10 (consultado a 13-09-2014; às 11:15h); pp.11-12 29 http://www.arquitecturadouro.blogspot.pt/2007/12 (consultado a 14-09-2014; às 13:33h) 30 https://www.sites.google.com/site/coloquioarquitecturapopular/ (consultado a 14-09-2014; às
13:41h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
8
Capítulo 2.
Introdução de Entre-Douro-e-Vouga
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
9
2.1 Enquadramento Geográfico
2.1.1 Território
A sub-região Entre-Douro-e-Vouga situa-se no noroeste de Portugal, pertencente às NUTS III
(figura 1), ou seja, Nomenclaturas de Unidades Territoriais – para fins estatísticos.31 Desde os
tempos do Rei D. Afonso III de Leão esta área era conhecida como Terras de Santa Maria32,
ainda hoje assim denominada por alguns.
Fazem parte do seu núcleo cinco concelhos.33 São eles: Santa Maria da Feira, Arouca
(integrantes na região do Douro Litoral)34, São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, e Vale
de Cambra (integrantes na região da Beira Litoral)35. Contudo, as Terras de Santa Maria
podem ter um domínio bem mais abrangente:
“Além de Santa Maria da Feira, as Terras de Santa Maria integram também os
concelhos de Albergaria-a-Velha, Arouca, Castelo de Paiva, Espinho, Estarreja,
Gondomar, Murtosa, Oliveira de Azeméis, Ovar, Ovar, S. João da Madeira, Sever
do Vouga, Vale de Cambra e Vila Nova de Gaia.” 36
Todos os cinco concelhos que integram Entre Douro-e-Vouga (figura 2), incluem-se no norte
do distrito de Aveiro. A sub-região é abraçada a oeste pelos concelhos costeiros de Espinho e
Ovar; a Norte por Vila Nova de Gaia, Gondomar e Castelo de Paiva; a leste confinam-lhe os
maciços serranos da Gralheira, já pertencentes ao distrito de Viseu e, finalmente a Sul, está
comarcada pelos concelhos da sub-região do Baixo Vouga: Estarreja, Albergaria-a-Velha e
Sever de Vouga.
A sede de Entre-Douro-e-Vouga é desde longos anos atribuída a Santa Maria da Feira37, a qual
dista de cerca 34 Km38 do Porto e 48 Km39 de Aveiro. Esta é uma sub-região com uma
31 http://terrasdeportugal.wikidot.com/geo:nuts (consultado a 18-03-2014, às 10:33h) 32 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.26 33 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga;
2011; p.134 34 HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Descubra Portugal. Douro Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; pp.190-198 35 NOGUEIRA, José Couto; Descubra Portugal. Beira Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; pp.229-237 36 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.7 37 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Op. cit.; p.7 38 http://pt.distanciacidades.com/calcular?from=Santa+Maria+Da+Feira%2C+Portugal&to=porto
(consultado a 19-03-14, às 11:14h) 39http://pt.distanciacidades.com/calcular?from=Santa+Maria+Da+Feira%2C+Portugal&to=aveiro (consultado a 19-03-14, às 11:18h) 4 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.7
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
10
localização privilegiada, pois contém a confluência dos eixos norte-sul e litoral-beira
interior.40
Dentro dos seus limites analisa-se uma dualidade que contrapõe os concelhos da faixa
ocidental (Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Oliveira de Azeméis), mais
desenvolvidos e povoados e também com uma componente industrial mais forte, aos
restantes concelhos que ainda conservam uma subsistência maioritariamente advinda do
sector primário, ou seja, a agricultura. Neste caso, alude-se aos concelhos das serranias,
Arouca e Vale de Cambra.41
Fig.1 – Sub-região de Entre-
Douro-e-Vouga
Fig. 2 – Concelhos de Entre-Douro-e-Vouga
2.1.2 Orografia
Esta região cambia em diferentes patamares de altitudes, que se desenvolvem a partir da orla
mais ocidental dos concelhos de Santa Maria da Feira e Oliveira de Azeméis, a partir dos 100
metros, e vão alteando a sua cota até atingirem o leste da região, já mais acidentada. (figura
3) A sub-região de Entre-Douro-e-Vouga é envolvida a nascente pelo maciço da Gralheira,
constituído pelas serras da Freita, Arestal e Arada. Arouca e Vale de Cambra ostentam boa
parte do maciço da Gralheira na sua paisagem natural.42 Este facto confirma a subida de
altitude para um expoente compreendido entre os 800 e os 1100 metros.43 Mais
1 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.26
41 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga; 2011; p.135 42 MASSADA, Jorge; Ao Encontro de Aveiro; Edição do Governo Civil de Aveiro; Aveiro; 2002; p.132 43 SILVA, António Manuel S. P.; Aspectos Territoriais na Ocupação Castreja na Região do Entre Douro e
Vouga; Centro de Estudos do Património; Universidade do Minho; 1999; p.2
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
11
concretamente 1085 metros é a altitude do ponto mais alto da serra da Freita, na freguesia
de Albergaria da Serra, pertencente a Arouca.44
No geral, trata-se de uma região definida por uma plataforma de altitudes médias, entre os
200 e os 300 metros45, obtida da transição entre um território muito próximo da costa
marítima e que se alonga para leste, subindo progressivamente, até confrontar uma espécie
de anfiteatro formado pelo surgimento das serras.
Fig. 3 – Mapa da orografia, em zona 1
2.1.3 Geomorfologia e Litologia
De acordo com a informação que é fornecida pelo inquérito à Arquitectura Popular em
Portugal, a Zona 1, denominada por Minho46, onde se situa a área de estudo, geologicamente
é dominada por duas faixas de granito e de xisto, que se desenrolam obliquamente à costa
numa linha que segue de noroeste para sudeste. (figura 4) Incidindo com mais precisão na
área de Entre-Douro-e-Vouga verifica-se que, basicamente a sua constituição se resume a
uma faixa no sector leste, de complexo xisto-grauváquico, e no sector litoral a chamada orla
meso-cenozóica, composta de sedimentos recentes.47 Na região predominam as gnaisses,
micaxistos e xistos. Existem ainda areias e arenitos, mais próximos da costa. Mário Moutinho
também apresenta características similares no seu estudo48. (figura 5) Mostra-nos uma região
marcada pela presença de xistos pouco ou nada cristalinos, areias e grés e vestígios de rochas
cristalinas. No entanto, no caso de Mário Moutinho, a presença da areia estende-se mais para
44 http://geoserradafreita.blogspot.pt/ (consultado a 20-03-2014; às 16:07h) 45 Plano Regional de Ordenamento Florestal da Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga; Fase 2 – Proposta de Plano; Lisboa; 2006; p.29 46 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.7 47 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.11 48 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.17
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
12
o interior da região. Em diversas circunstâncias, ao fazer um deslocamento para a costa
começam a evidenciar-se terrenos baixos de constituição arenosa, começando geralmente em
Espinho e prolongando-se na costa pelo sul. Estes solos arenosos recordam a retirada do
Atlântico destas terras, há longos anos.49 De tal modo, e de acordo com o livro Feira. Terras
de Santa Maria, é consistente afirmar que “o território, é na sua maioria, constituído por um
complexo xisto-grauváquico ante-ordovícico e por séries metamórficas que delas derivam.
Este complexo atesta a existência de um antigo mar onde se depositaram sedimentos que,
por acção das forças tectónicas se foram deslocando e dobrando.”50
Os diferentes tipos de rocha também influenciam o relevo em que se inserem, além de
determinarem tipos de arquitectura distintos. Por exemplo, os solos graníticos, por se
arenizarem com mais facilidade dão origem a uma topografia mais acentuada e rectilínea. Já
os xistos, como é caso, originam formas menos definidas, com maior concentração de vales e
cimos arredondados.51
A composição geológica de um território é por norma, bastante complexa e além destes
elementos aqui presentes, encontram-se também trilhas de granitos porfiróides de grão
grosseiro e médio e granitos não porfiróides de grão médio de duas micas, conhecidos como
os granitos do Porto.52 Recorrendo novamente ao inquérito à Arquitectura Popular em
49 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.7 50
SILVA, Dr. João Belmiro Pinto da, e Dra. Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia
Editores; 2000; p.11 51
MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.13 52 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.11
Fig. 4 – Mapa geológico, em zona 1, segundo o inquérito à Arquitectura Popular em Portugal
Fig. 5 – Mapa geológico, em zona 1, segundo Mário Moutinho
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
13
Portugal confere-se que existe uma formação de granito vinda do Porto53, acima do Douro,
que se vai desvanecendo até atingir os domínios de Santa Maria da Feira. Porém, atentando
na imagem da carta geológica, a presença de granitos puros só começa a destacar-se com
maior evidência para lá do oriente de Entre-Douro-e-Vouga, ao chegar ao distrito de Viseu, e
estendendo-se pelas beiras alta e baixa. O maciço da Gralheira, ainda dentro do limite
regional, é também composto essencialmente por xistos e arenitos. Pelos casos acima
mencionados, crê-se que entre o litoral e a montanha, conforme descrito acima, sendo uma
zona intermédia de médios declives, os xistos e as areias coabitam preponderantemente. É
frequente encontrar ao longo de diversos cursos de água, depósitos de praias antigas e
terraços fluviais. Com efeito a presença de granito ainda não se assume em plena força. 54
2.1.4 Hidrografia
O inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, mostra que a Zona 1 é fortemente irrigada
por vários cursos de água naturais. Eles dispõem-se em intervalos curtos e regulares,
perpendicularmente à linha da costa.55 Este cenário justifica-se pelos seguintes factores:
“A permeabilidade do solo granítico, o denso revestimento vegetal e a
alimentação regular das grandes precipitações atmosféricas são as causas desse
fenómeno.”56
Entre-Douro-e-Vouga, inserida nessa zona povoada por tantos rios e seus afluentes, conta
também com a presença de alguns cursos de água notáveis, dentro dos seus limites e na sua
proximidade. (figura 6) A norte destaca-se o rio Douro, com um grande caudal de água, “que
tem constituído desde sempre, uma das principais fontes de riqueza da região, e contribuiu,
em grande medida, para a fixação de populações e para o desenvolvimento das terras que o
ladeiam.”57 A sul corre o rio Vouga, mais manso, e que desagua na ria de Aveiro. As terras
desta região são ricas em água, mas nem sempre muito férteis.58 Douro e Vouga são os
principais catalisadores de outros cursos afluentes de menor dimensão, tais como os rios
Paiva, Arda, Uíma, Caima, Antuã, entre outros.59 O rio Paiva possui um comprimento de 111
Km, cruza a serra da Freita, em Arouca, e desemboca no concelho de Castelo de Paiva. Já foi
considerado o rio mais limpo da Europa. O Arda também percorre os mesmos concelhos, no
53 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.7 54 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.11 55 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.6 56 AA.VV.; Op. cit., p.6 57 HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Descubra Portugal. Douro Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; p.11 58 NOGUEIRA, José Couto; Descubra Portugal. Beira Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; pp.15-16 59 SILVA, António Manuel S. P.; Aspectos Territoriais na Ocupação Castreja na Região do Entre Douro e
Vouga; Centro de Estudos do Património; Universidade do Minho; 1999; p.2
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
14
entanto possui uma extensão mais reduzida de 30 Km de comprimento. O rio Uíma atravessa
Santa Maria da Feira até Vila Nova de Gaia. Estes três rios desaguam para o Douro. O rio
Caima, tem nascente em Arouca, corre por Vale de Cambra, Oliveira de Azeméis, até chegar
a Albergaria-a-Velha, onde se espraia no rio Vouga. O Antuã nasce em Santa Maria da Feira,
atravessa Oliveira de Azeméis e Estarreja, afluindo por conseguinte num dos braços da ria de
Aveiro.60 Além destes rios, podem ser encontrados muitos mais de menor dimensão, mas como
tal, é possível constatar a riqueza de cursos que alimentam estas terras.
2.1.5 Clima
Portugal situa-se no cruzamento de dois mares, o Atlântico e o Mediterrâneo. O Atlântico
domina sobretudo o noroeste português, enquanto a acção do Mediterrâneo faz-se notar
sobretudo no sul do país.61 O Atlântico é um oceano que é o regulador da atmosfera, através
da acção dos seus ventos, existe uma oscilação moderada entre a temperatura média dos
meses mais frios e dos mais quentes. O céu tende a estar frequentemente nublado, com uma
forte quantidade de humidade na atmosfera e, consequentemente, queda de chuvas
regulares. Do Atlântico deslocam-se massas de ar húmido que, por vezes atingem o país,
causando um tempo instável, húmido e ao mesmo tempo morno. Quando estas massas se
deparam, de inverno, com as regiões montanhosas, originam uma precipitação prolongada
sobre a forma de neve. O clima do Mediterrâneo é contrastante com o Atlântico. Os verões
são secos e quentes, os invernos temperados, as chuvas escasseiam e o céu possui uma forte
luminosidade.62
60 http://www.campoaberto.pt/wp-content/uploads/2010/12/Retrato_da_biodiversidade_na_AMP.pdf;
pp.13-15 (consultado a 20-03-2014, às 16:37h) 61 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.16 62 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993;
p.121
Fig.6 – Mapa hidrográfico, em zona 1
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
15
O noroeste é a zona do país mais influenciada pelo clima Atlântico. O nordeste, devido ao seu
relevo acentuado, encontra-se mais protegido das suas influências. Acaba por adoptar o clima
da Meseta Ibérica que se traduz em verões muito quentes e secos e invernos muito
rigorosos.63
Portanto, Entre-Douro-e-Vouga situa-se numa área ainda bastante Atlântica. O seu clima é
húmido e regular. As suas serras orientadas para o oceano, têm um grande índice de
pluviosidade.64 (figura 7) Segundo Mário de Araújo Ribeiro:
“O clima do Maciço é condicionado pela altitude e pelo facto de esta ser a
primeira cadeia montanhosa que os ventos marítimos dominantes encontram,
provocando uma pluviosidade relativamente intensa.”65
Os seus invernos são rigorosos e húmidos. O verão é quente, mas moderado, comparado com
outras cadeias montanhosas do país.66 Descendo o maciço em direcção à costa de Aveiro, a
pluviosidade decresce para uns 800 mm anuais e a temperatura média ronda entre os 10º e os
12ºC.67 Já para o Douro Litoral, a precipitação aumenta substancialmente para um valor de
1750 mm68 e a sua temperatura média ronda os 10,8ºC69. Visto que Entre-Douro-e-Vouga se
encaixa entre estes dois pólos, estima-se uma temperatura média similar e uma pluviosidade
à volta dos 1000 mm70, já que esta é medida média estimada de pluviosidade para as regiões
litorais, sobretudo no noroeste português. É importante mencionar que a região do Douro
Litoral, estendendo-se ainda a Entre-Douro-e-Vouga, possui bastantes similitudes com o
Minho, quer em termos de clima, como mesmo de orografia.71 O autor António Manuel Silva
descreve esta região como:
“Uma zona litoral e intermédia de altitudes médias, mais a Norte, corredor
tradicional de circulação, pontuada por colinas e vales húmidos e férteis
propícios tanto à agricultura como à criação de gado, no que constitui porventura
o facies mais minhoto desta região.”72
63 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.16 64 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.7 65 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.21 66 RIBEIRO, Mário de Araújo; Op. cit.; p.21 67 NOGUEIRA, José Couto; Descubra Portugal. Beira Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; p.18 68 HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Descubra Portugal. Douro Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; p.12 69 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993; p.121 70 RIBEIRO, Orlando; Op. cit.; p.121 71 HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Descubra Portugal. Douro Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; p.12 72 SILVA, António Manuel S. P.; Aspectos Territoriais na Ocupação Castreja na Região do Entre Douro e
Vouga; Centro de Estudos do Património; Universidade do Minho; 1999; pp.2-3
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
16
Talvez por esses motivos, tenha a Zona 1, do inquérito à Arquitectura Popular em Portugal,
denominada ‘Minho’, toda uma extensão que interliga a região minhota até meados da Beira
Litoral.
2.1.6 Vegetação
Em outras épocas a arborização aqui encontrada era mais densa73, agora não tão densa,
exceptuando os concelhos de Sever de Vouga, Arouca e Castelo de Paiva, que, por se situarem
nas montanhas, ainda conservam grande área de floresta.74 Apesar de tudo, actualmente
ainda dominam algumas espécies como o pinheiro bravo, o carvalho e o castanheiro.75 (figura
8) Salientando o distrito de Aveiro, a fim de obter uma flora mais específica, o pinheiro
bravo, ou também designado por pinheiro marítimo, e o carvalho roble, ou carvalho-comum,
dominam o rol de espécies que se pode aqui encontrar76. O carvalho roble está praticamente
confinado ao noroeste português, não passando abaixo do Mondego. O pinheiro bravo tem um
grande poder de difusão ao longo de todo o território e é bastante apreciado, pois tem um
rápido crescimento e é capaz de fornecer lenha, carvão e madeira para a construção.77 Com a
introdução do eucalipto nas florestas, pode-se constatar que a percentagem de eucaliptos,
40%, está próxima da de pinheiros, 60%, visto que também o eucalipto é uma árvore de célere
crescimento e facilmente apropriável a vários tipos de terrenos.78 Ao entrar na serra da
Freita, e claro, no restante maciço da Gralheira, a flora é bem mais diversificada, não
73 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.7 74 CASTRO, D. José de; Estudos Etnográficos. Aveiro. III tômo. Lavradores; Instituto para a Alta Cultura, Centro de Estudos de Arte e Museologia; Porto; 1944 75 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; 1961; p.7 76 CASTRO, D. José de; Estudos Etnográficos. Aveiro. III tômo. Lavradores; Instituto para a Alta Cultura, Centro de Estudos de Arte e Museologia; Porto; 1944 77 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; 1993; p.122 78 Plano Regional de Ordenamento Florestal da Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga;
Fase 2 – Proposta de Plano; Lisboa; 2006; p.33
Fig. 7 – Mapa de pluviosidade anual, em zona 1
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
17
diferindo muito de outros maciços do Litoral Norte e Centro do país.79 Cerca de 53% encontra-
se arborizado.80 A restante, não arborizada, cobre-se de uma camada vegetal onde se
destacam a carqueja, a urze, os fetos, o tojo, as giestas e o azevinho. (figura 9) Estas plantas
pintam a paisagem da serra de tons violetas, amarelos e verdes, que despontam alegremente
na primavera.81
2.2 A História de Entre-Douro-e-Vouga
2.2.1 Do Neolítico à Ocupação Castreja
2.2.1.1 Neolítico e o Megalitismo
Ao longo dos tempos, várias civilizações de diversas etnias foram chegando à Península Ibérica
e, sendo travadas pelo oceano, acabavam por fixar-se ao longo do território; um facto
recorrente desde o período do Paleolítico até à Idade do Bronze.82
A ocupação desta região durante o período Neolítico supõe-se que tenha ocorrido a partir de
250.000 a.C.83. O Neolítico, também chamado de ‘idade da pedra nova’, foi uma época em
que o trabalho da pedra se aperfeiçoou e deste modo, foram sendo criados, ou melhorados,
79 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas
crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.76 80 Plano Regional de Ordenamento Florestal da Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga; Fase 2 – Proposta de Plano; Lisboa; 2006; pp.38-39 81 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas
crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; pp.76-81 82 SARAIVA, José Hermano; História de Portugal. A Formação do Território – Da Lusitânia ao Alargamento do País; volume 1; Quidnovi; Matosinhos; 2004; p.10 83 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.13
Fig.8 – Castanheiros em Santa
Maria da Feira
Fig.9 – Manto vegetal rasteiro da Serra da Freita, Arouca
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
18
alguns instrumentos que ajudaram a aperfeiçoar as técnicas agrícolas e de caça. Entre eles
encontravam-se mós manuais, machados, enxós de pedra polida, pontas de seta de sílex,
entre outros. O Neolítico incitava uma tentativa de sedentarização do homem.84 Em Feira.
Terras de Santa Maria, vislumbra-se um cenário sedentário quando esta é descrita como uma
terra “ocupada por pequenas unidades sociais sedentarizadas e organizadas com base numa
economia em que as formas iniciais de agricultura eram complementadas com a recolecção
de frutos, com a caça e a pesca, (…).”85
Os monumentos megalíticos de cariz funerário e associados ao culto do sol, foram uma
inovação do Neolítico. Antas, menires, cromeleques e mamoas, traduziam o domínio do
homem sobre a natureza. Em Portugal os dólmenes tiveram o seu epicentro no Alto Alentejo,
a partir daí foram-se difundindo pelo restante território. Estima-se que a origem destes
monumentos provém da Ásia Menor.86
A informação não abunda e a herança mais notável que foi deixada, reparte-se por diversos
monumentos megalíticos, espalhados um pouco por todo o território nacional. No Entre-
Douro-e-Vouga regista-se também a existência de vestígios neolíticos. No concelho de Arouca
podem ser observadas várias mamoas, entre outros vestígios, embora a maioria encontre-se
aluída. A mamoa da Portela da Anta, situada em plena serra da Freita, é um dos monumentos
mais expressivos que subsistiu desde essa era até aos dias de hoje. (figuras 10 e 11) Esta
mamoa é caracterizada da seguinte forma:
“(…)de planta sub-elíptica, com cerca de 35 metros de diâmetro e uma potente
carapaça de blocos graníticos que a impõem na paisagem, envolve os restos ainda
monumentais de um dólmen de corredor de planta poligonal, com cerca de 8
metros de comprimento, de que se vêm ainda cerca de duas dezenas de esteios,
(…)”87
84 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.13 85 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Op. cit.; p.13 86 SARAIVA, José Hermano; História Concisa de Portugal; Publicações Europa-América; Mem-Martins; 1986; p.19 87 SILVA, António Manuel S.P.; Memórias da Terra. Património Arqueológico do Concelho de Arouca;
Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 2004; p.72
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
19
2.2.1.2 Fase Proto-Histórica
Do Neolítico começamos a entrar na Idade do Bronze, a partir dos 10.000 anos a.C.,
conhecida como fase Proto-Histórica. Aqui vemos a introdução de metal na substituição de
alguma pedra.88 As primeiras civilizações urbanas calcorrearam o Mediterrâneo em busca de
minérios, e por ser a Península Ibérica uma região muito rica nesse aspecto, logo atraiu os
povos.89 Nos últimos anos tem sido possível encontrar cada vez mais vestígios da ocupação
populacional da Idade do Bronze, tais como objectos metálicos e peças de ourivesaria90. Os
povos proto-históricos, um pouco à semelhança dos seus antecedentes, sobreviviam da
agricultura, caça, pesca, mas também integravam-se na exploração de metais como o cobre e
o estanho.91 Em Portugal, o cobre exuberava a sul do Tejo e o estanho a norte.92
Estes povos organizavam-se em núcleos populacionais e implantavam o seu aglomerado
populacional em locais estratégicos. Tendiam a situar-se perto de bacias hidrográficas, ou
cursos fluviais e em pontos elevados de médias altitudes. O ponto de implantação deveria
trazer benefícios para a agricultura, através da fertilidade dos solos, e também para a
actividade da exploração mineira, ao contactar com zonas propícias ao seu exercício. Tudo
isto eram requisitos importantes à fixação dos povoados, mas não deve ser descorado outro
aspecto fundamental: a proximidade às vias de comércio. As populações comercializavam
88 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.13 89 SARAIVA, José Hermano; História Concisa de Portugal; Publicações Europa-América; Mem-Martins; 1986; p.19 90 SILVA, António Manuel S. P.; Aspectos Territoriais na Ocupação Castreja na Região do Entre Douro e
Vouga; Centro de Estudos do Património; Universidade do Minho; 1999; pp.6-7 91 SILVA, Dr. João Belmiro Pinto da, e Dra. Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.14 92 CENTENO, Rui M. S., e Ana José Oliveira; Roteiro do Museu Convento dos Lóios. Catálogo Geral;
Câmara Municipal de Santa Maria da Feira; 2008; p.19
Fig.10 – Mamoa da Portela da Anta,
vista do interior
Fig.11 – Mamoa da Portela da Anta, vista de cima
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
20
activamente entre si, tanto bens alimentares como ferramentas e objectos de adorno.93 As
comunidades interligavam-se por uma rede cujos pontos distavam entre 25 a 30 Km uns dos
outros.94 Aos aglomerados destas populações chamavam-se ‘castros’, também conhecidos por
cividades ou citânias. O autor Manuel C. Teixeira explica que “os castros eram povoados pré-
e proto-históricos situados normalmente em cabeços ou colinas isoladas, de altitudes médias,
de difícil acesso e de fácil defesa.”95 No entanto, que fique esclarecido que esta designação
para os povoamentos dos nativos, apenas surge aquando do período da romanização.96
2.2.1.3 Os Castros e a Arquitectura do Granito
Actualmente, a região de Entre-Douro-e-Vouga, e sua envolvente, contabiliza inventariados
37 povoamentos castrejos. 64% destes castros encontram-se a uma cota inferior a 400 metros.
Dois castros excedem os 600m e apenas um ultrapassa os 800m, no concelho de Vale de
Cambra. De todos estes 37, é de notar que mais de metade deles se situam realmente
próximos de cursos fluviais, que se afirmam como pontos estratégicos de defesa, de alimento
e de trocas comerciais.97
Como os estudos arqueológicos nesta região são bastante escassos, importa referir que apenas
dois castros, o de Romariz, em Santa Maria da Feira (figura 12) e Ovil, em Espinho, denotam
plantas gerais que tornam perceptível parte da sua estrutura.98
93 SILVA, Armando Coelho Ferreira da; A Cultura Castreja no Norte de Portugal; Universidade do Minho;
1999; p.5 94 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.32 95 TEIXEIRA, Manuel C.; Op. cit.; p.31 96 SARAIVA, José Hermano; História de Portugal. A Formação do Território – Da Lusitânia ao Alargamento do País; volume 1; Quidnovi; Matosinhos; 2004; p.10 97 SILVA, António Manuel S. P.; Aspectos Territoriais na Ocupação Castreja na Região do Entre Douro e Vouga; Centro de Estudos do Património; Universidade do Minho; 1999; p.5 98 SILVA, António Manuel S. P.; Op. cit.; p.4
Fig.12 – Castro de Romariz
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
21
Os castros, por normais questões defensivas, eram envolvidos em muros pétreos de duas ou
três cortinas concêntricas que formavam uma muralha, esta podia ser também acompanhada
de um fosso. No seu interior distribuíam-se as unidades familiares, casas de planta redonda ou
quadrangular.99 Os casos citados anteriormente, de Romariz e Ovil, “revelam um modelo
organizativo do espaço doméstico aparentemente similar, sugerindo a existência de conjuntos
familiares ocupando vários edifícios, geralmente de planta circular, não raro com átrio,
abrindo para pátios lajeados comuns, segundo a disposição bem conhecida em muitos castros
do Noroeste.”100
As casas de planta circular antecedem as quadrangulares, tinham cobertura em colmo e já
possuíam alicerces de pedra.101 Supõe-se que o formato circular derive de origens
indígenas.102 Estas casas (figura 13) com um diâmetro de 3 a 5 metros, eram precedidas de um
pequeno átrio ou alpendre, conforme foi dito anteriormente, e este era circundado por dois
muros de pedra em forma de garras de caranguejo. As paredes da casa tinham dois
paramentos feitos de pedras médias ou pequenas, irregularmente aparelhadas com o auxílio
de cascalho.103 A parede, no total, compreendia entre os 40 a 60 cm de espessura. Em raros
casos denota-se a utilização de juntoiras (grandes pedras rectangulares que unem os
paramentos) a fim de reforçar as paredes. O paramento interior era feito a partir de pedras
mais pequenas, enquanto as pedras maiores destinavam-se ao paramento exterior.104
99 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; pp.36-37 100 SILVA, António Manuel S. P.; Aspectos Territoriais na Ocupação Castreja na Região do Entre Douro e
Vouga; Centro de Estudos do Património; Universidade do Minho; 1999; p.8 101 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.16 102 SILVA, Armando Coelho Ferreira da; A Cultura Castreja no Norte de Portugal; Universidade do Minho;
1999; p.6 103 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.16 104 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; pp.36-37
Fig.13 – Exemplo de casa castreja
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
22
No interior da casa destacava-se uma lareira e ao centro erguia-se um poste de madeira,
encastrado num pilar rectangular de pedra, onde assentava uma estrutura, também de
madeira, que suportava a cobertura feita de colmo e de formato cónico.105 A lareira baseava-
se numa plataforma de argila encostada a uma parede onde se cozinhava.106
Além das casas verificava-se também a existência de pequenos anexos, com uma construção
menos elaborada. Estes possivelmente serviriam para o resguardo do gado. A envolvente da
casa era cuidadosamente tratada com o empedramento do chão.107
Como as paredes das casas castrejas já não se encontram inteiramente erguidas, apenas se
levanta do chão aquilo que delas resta, cerca de 70 cm. Com esta altura não é possível
determinar se teriam janelas, mas julga-se que o único vão existente seria uma porta, para
além de uma pequena abertura na cobertura destinada ao escoamento de fumos.108
As técnicas construtivas da época eram ainda pouco aprimoradas. Mais tarde, as casas
circulares foram procedidas pelas plantas quadrangulares e, mesmo nestas situações em que
se exigia um método de execução mais apurado, os problemas eram resolvidos de uma forma
ainda incipiente. As paredes encostavam-se umas às outras em ângulo e as esquinas eram
muitas vezes arredondadas.109
2.2.1.4 Povos Emergentes
A origem destes castros deu-se entre os séculos V e IV a.C.. Esta era uma época em que o país
era frequentemente invadido por povos vindos de outras regiões, através da costa. Entrando
pelo sul da península, um grupo de Túrdulos e Turdetanos avançaram ao longo da nossa costa
até chegarem a terras de Entre-Douro-e-Vouga. Pensa-se portanto, que o povo Turduli Vetere
conseguiu tomar posse de parte desta área. Entre-Douro-e-Minho dominavam os Calaeci e os
Bracari. Os Turduli Vetere habitavam sobretudo até ao rio Antuã, no concelho de Oliveira de
Azeméis. A sul do Antuã até ao Vouga, residia o povo Talabrigense.110
Os dados arqueológicos identificados in situ revelam a presença do povo Túrdulo no castro de
Monte Murado, em Vila Nova de Gaia, onde se supunha ser o seu centro, também no castro de
Romariz e no castro de Ul, em Oliveira de Azeméis. O castro de Fiães, em Santa Maria da
105 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; pp.36-37 106 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.17 107 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; pp.36-37 108 TEIXEIRA, Manuel C.; Op. cit.; p.37 109 Idem; p.37 110 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.15
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
23
Feira, foi apontado como o local de Lancobriga e mais a sul, no castro de Cabeço do Vouga,
assinalava-se a população de Talabriga. Lancobriga poderia ter ser habitada pelos Túrdulos,
mas não Talabriga. Não se sabe ao certo se existiria qualquer tipo de unidade entre estes
povoados, todavia são Lancobriga e Talabriga as populações mais características de Entre-
Douro-e-Vouga, os primeiros dominando sobretudo a franja litoral da região e os últimos
dominando o sul, junto ao Vouga.111
2.2.2 Romanização
“Falar de dominação romana é distinto, como se compreende, de focar a
romanização. A primeira é convencional e data-se com alguma precisão,
atendendo aos sucessos militares e aos factos politico-administrativos
documentados historicamente. A romanização, pelo contrário, é um processo de
interacção cultural com diferentes ritmos e graus de progressão, atingindo mais
umas comunidades que outras (…)”112
A romanização portanto, crê-se ser um processo mais tardio e moroso, que só pode suceder
após um domínio romano. Começa a ocorrer uma adopção de todo um conjunto de padrões
romanos e em pouco tempo, a comunidade dominada deixa-se diluir, sem grande resistência,
no seu dominante, neste caso o império Romano.
Os romanos iniciam o processo de reconquista da Península Ibérica a partir de 218 a.C.
Durante o século II a.C. travaram várias lutas com os lusitanos, começando no sul e ao longo
da faixa litoral, chegando até ao norte. Os romanos foram-se instalando em algumas cidades
dessa faixa, nomeadamente Lisboa, Santarém, Tomar, Coimbra e Porto, e daí tentavam
cercar os povos existentes, obrigando-os a recuar. Talabriga, o castro de Cabeço do Vouga,
acima referido, crê-se ter sido cercado no decurso desta campanha. Os Talabrigenses
submeteram-se e acabaram por ser romanizados. Mais tarde, vem a suceder o mesmo com o
castro de Romariz.113
Os romanos efectuaram grandes mudanças no país, passando por vários sistemas. Mas um dos
que mais importa referir, é uma reorganização das redes comerciais e consequente criação de
centros urbanos. Para uma maior eficiência comercial e económica, eles trouxeram até nós
uma rede viária eficaz e de qualidade.114 O rio Douro passou a ser uma linha fluvial cujas
111 SILVA, António Manuel S.P.; Aspectos Territoriais na Ocupação Castreja na Região do Entre Douro e Vouga; Centro de Estudos do Património; Universidade do Minho; 1999; pp.11-12 112 SILVA, António Manuel S.P.; Op. cit.; p.221 113 SILVA, António Manuel S.P.; Memórias da Terra. Património Arqueológico do Concelho de Arouca; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 2004; pp.221-222 114 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.18
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
24
margens enalteciam-se com um porto fluvial (Portus), na área de Cale.115 De acordo com o
Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal:
“Portus Cale seria o porto costeiro, remate para as comunicações marítimas. Daí
partiam ou para aí convergiam as principais artérias.”116
A principal via romana ligava Braga a Lisboa.117 Em Santa Maria da Feira, junto ao castro de
Fiães, existia o cruzamento desta via com outra que ligava Viseu ao litoral.118 É possível
encontrar características que determinam uma via romana, mesmo secundária:
“(…)a preferência pelos traçados rectilíneos, uma largura relativamente uniforme
entre os três e os quatro metros e mesmo a existência de bons troços capeados a
granito (…).”119
Havia ainda outras particularidades típicas destas vias, como a presença de marcos miliários a
identificar as distâncias, toponímia relativa aos imperadores que a mandaram construir, a
existência de alojamentos ao longo do percurso para os viajantes, as suas pendentes pouco
acentuadas.120 Os locais mais afastados destas vias e também de cursos fluviais navegáveis,
eram por norma, ocupados mais tardiamente.
A romanização reflectiu-se não só no ordenamento e estruturamento viário, mas também na
construção. Muitos dos castros proto-históricos, mantiveram-se habitados após a conquista
romana, contudo são notáveis algumas inovações trazidas pelos novos ocupantes. Os castros,
consoante descrito acima, eram definidos pela sua irregularidade formal e contornos
curvilíneos. Com a presença dos romanos eles começam a revelar uma aposta na
ortogonalidade, e os recurvos são precedidos da rectilinearidade.121
As plantas circulares progridem para as plantas quadrangulares, que, devido aos seus cantos
perpendiculares e alinhamentos de paredes, exigem maior habilidade construtiva. Com este
novo protótipo de planta, naturalmente as coberturas redondas e cónicas inviabilizaram-se e
115 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.19 116 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos
Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.9 117 SILVA, Dr. João Belmiro Pinto da, e Dra. Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.19 118 SILVA, António Manuel S.P.; Memórias da Terra. Património Arqueológico do Concelho de Arouca;
Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 2004; p.233 119 SILVA, António Manuel S.P.; Op. cit.; p.233 120 Idem; p.274 121 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; pp.32-33
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
25
tiveram que dar lugar a coberturas quadrangulares de duas águas. A armação requeria assim
um sistema de tesouras, e com o passar do tempo introduz-se a telha nestas coberturas.122
O castro de Romariz é um dos castros de Entre-Douro-e-Vouga que sofreu as influências da
romanização. Nas malhas dos seus quarteirões de traçado irregular, encontra-se a coabitação
de compartimentos circulares e quadrangulares, onde um pátio central lajeado limita o local
comum aos compartimentos circunjacentes. (figuras 14 e 15)
Cada dependência detinha uma função particular, como dormitório, cozinha, armazém, ou
resguardo do gado. Entre as várias unidades destacava-se uma casa de maiores dimensões, a
chamada domus. Esta casa também foi reformulada, crê-se que no reinado de Augusto.
(figura 16) De acordo com o Catálogo Geral do Roteiro do Museu Convento dos Lóios:
“(…) esta reformulação revela particularidades arquitectónicas próprias da
técnica e gosto romanos, ao nível das técnicas construtivas, com a utilização de
blocos esquadriados, sobretudo nos cunhais, e esquinas bem marcadas já pelo
interior, o revestimento das paredes, interna e externamente, com reboco
pintado e, exceptuando os dois edifícios circulares, a adopção de coberturas com
tegula e imbrex nos restantes aposentos; os limites da casa, totalmente fechada
por um muro e pelas paredes de alguns dos compartimentos, eram definidos por
arruamentos, a N, E e S, e pela muralha, a poente, separada da domus por um
estreito caminho de circulação.”123
122 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; pp.36-37 123 CENTENO, Rui M. S., e Ana José Oliveira; Roteiro do Museu Convento dos Lóios. Catálogo Geral;
Câmara Municipal de Santa Maria da Feira; 2008; p.45
Fig.14 – Castro de Romariz, vista aérea Fig.15 – Planta do castro de Romariz
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
26
Além destes factos, existem outros elementos arqueológicos romanos que foram sendo
descobertos pelos investigadores, mas um dos que mais destaque ganhou foi uma mesa de
granito (figura 17), encontrada no pátio da domus, alinhada com uma das portas de entrada,
encostada à parede. Denominavam-na de cartibulum, e caracteriza-se por um tampo
rectangular em granito assente sobre um pé ou colunelo arredondado. A sua função era
simplesmente doméstica.124
Alguns castros mantiveram-se activos, todavia grande parte deles foram abandonados por
volta do século III. Quando a península passou a estar inteiramente sob o domínio romano, os
habitantes castrejos, que sempre preferiram a segurança e a supremacia dos pontos altos,
foram compelidos a descer e assim tiveram que povoar vales e planícies. Os povoamentos
outrora aglutinados, tornavam-se assim mais dispersos, pois as propriedades passam a ser
individuais ao invés de comunitárias.125 Em consequência, implantaram-se em Portugal as
vilas. Baseavam-se num núcleo de terras pertencentes a um proprietário, e que eram
cultivadas por escravos e colonos semilivres. Esses colonos ficavam com uma parte da
produção e a restante deveriam entregar ao proprietário.126
A romanização considera-se, portanto, como uma evolução positiva da cultura e da vida social
e doméstica dos povos autóctones. Além de vários progressos já mencionados, em termos
económicos, políticos e construtivos, também os próprios costumes e padrões de vida
tornaram-se mais refinados e os hábitos mais civilizados. As técnicas e formas construtivas
mediterrânicas, trazidas das villas italianas, foram percorrendo a Europa e dilataram-se por
124 CENTENO, Rui M. S., e Ana José Oliveira; Roteiro do Museu Convento dos Lóios. Catálogo Geral;
Câmara Municipal de Santa Maria da Feira; 2008; p.45 125 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; pp.36-37 126 SARAIVA, José Hermano; História de Portugal. A Formação do Território – Da Lusitânia ao
Alargamento do País; volume 1; Quidnovi; Matosinhos; 2004; p.23
Fig.16 – Maqueta da Domus do castro de Romariz Fig.17 – Cartibulum do castro de Romariz
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
27
todo o nosso país, chegando também ao norte. Por sua vez, as casas tornaram-se mais
complexas, mas também mais adequadas às necessidades da vida doméstica e agrícola, até
porque a agricultura ganhou maior relevo com as novas técnicas de lavoura introduzidas pelos
romanos.127
2.2.3 A Reconquista Cristã e a Fundação das Terras de Santa Maria
Após o domínio romano, as populações peninsulares foram açambarcadas pelos povos
Visigodos. Durante o seu regime, estes criam dioceses e paróquias, através da presença de
vilas. Sucedeu que em 711, chega a vez da península ser invadida pelos muçulmanos, que
conseguem destronar a monarquia visigótica. Os árabes impuseram as suas regras na
sociedade dando, simultaneamente, uma opção de escolha ao povo tomado. Ou se convertiam
à religião do Islão, ou então poderiam manter a sua fé católica, pactuando o pagamento de
tributos. Estes últimos denominavam-se de moçárabes.128
Aconteceu que os proprietários das vilas, vencidos em batalhas contra os mouros, desertaram
de modo que as vilas ficaram entregues somente aos seus servos, que deviam zelá-las. Para
uma melhor gestão dos recursos e como forma de se organizarem socialmente, os servos
criaram os concelhos. As novas técnicas agrícolas dos árabes promovem a proliferação das
propriedades individuais, visto que a agricultura tornou-se muito mais eficaz.129
Os proprietários visigodos evadidos, recolheram-se nas montanhas do norte da península, as
Astúrias, e aos poucos propagaram um movimento de reconquista das terras, a chamada
Reconquista Cristã. As Astúrias eram montanhas inexpugnáveis que davam vantagem àqueles
que as conheciam. Neste caso, os exércitos de homens cristãos foram ganhando território aos
mouros, a começar pelo noroeste peninsular. Instaurou-se uma monarquia cristã cujo primeiro
rei foi Pelágio. No ano de 910, o território cristão está limitado a norte da linha do Douro, por
obra de outro rei, Afonso III.130
Já sob o poder cristão, as terras retornam ao sistema de liderança por senhorios. O Entre-
Douro-e-Minho torna-se uma região de senhores e mosteiros e o Entre-Douro-e-Tejo, uma
terra de concelhos e do rei.131
No tempo de D. Afonso III de Leão, segunda metade do século IX e inícios do século X, Santa
Maria da Feira é cunhada como Terra. Embora a sua situação geográfica se circunscreva em
127 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.10 128 SARAIVA, José Hermano; História de Portugal. A Formação do Território – Da Lusitânia ao Alargamento do País; volume 1; Quidnovi; Matosinhos; 2004; p.39 129 SARAIVA, José Hermano; Op. cit.; p.40 130 Idem; pp.38-39 131 Ibidem; p.41
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
28
Entre-Douro-e-Tejo, o sistema de governação era o mesmo de Entre-Douro-e-Minho. Esta
Terra estava, portanto, sob o domínio de um Senhor que residia no castelo.132
Nesta fase inicial do repovoamento, existiam outras Terras, tal como Viseu, Lamego, Anégia
(Entre-os-Rios), e Coimbra, por exemplo. Além de Terra, a documentação medieval dava-lhes
o cunho de ‘Civitates’. A função de Santa Maria da Feira era controlar a via romana que
comunicava Braga, Porto, Coimbra e Lisboa.133 (figuras 18 e 19) O livro Feira. Terras de Santa
Maria descreve a via do seguinte modo:
“Essa estrada foi um dos principais eixos da romanização. (…) Era igualmente
uma via quase paralela ao mar e que servia directa ou indirectamente os
principais núcleos urbanos como Olisipo (Lisboa), Scalabia (Santarém), Sellium
(Tomar), onde havia uma bifurcação para Collipo (Leiria), Conimbriga,
Aemínium, Talábriga (na região do Vouga), e para o actual território do concelho
da Feira. Daqui seguia para Gaia e para o Porto e daí até Braga. A via era bem
conhecida e tradicional. Nela convergiam, outros itinerários secundários,
regionais e locais.”134
Terra de Santa Maria é uma designação que despontou no século V. Em 1117, num documento
da rainha D. Teresa, é pela primeira vez enunciada como Feira: “Terra de Santa Maria onde
chamam Feira.”135
132 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.27 133 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Op. cit.; p.27 134 Idem; p.9 135 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.10
Fig.18 – Mapa de antigas vias romanas, em zona 1
Fig.19 – Via romana em Santa Maria da Feira
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
29
A partir de meados do século XI, as Terras sofrem um processo de subdivisão, por questões de
maior facilidade de governação, embora não fosse o caso da Terra de Santa Maria, que
acabou por se manter intacta por ser um território “quase plano, uniforme e principalmente
centrado na confluência de duas importantes vias romanas.”136 Os limites naturais desta
Terra, eram o rio Arda a leste, o Douro a norte e o Vouga a sul, até ao concelho de
Albergaria-a-Velha. A Civitas de Santa Maria encabeçava Vila Nova de Gaia, Espinho, Ovar,
Santa Maria da Feira, São João da Madeira, Castelo de Paiva, Arouca, Oliveira de Azeméis,
Murtosa, Estarreja, Vale de Cambra, Albergaria-a-Velha e Sever do Vouga. No século XII, a
fronteira da Terra de Santa Maria recua do Vouga para o Antuã, contudo, mesmo com o recuo
e um menor domínio, continua a existir uma grande familiaridade com esses territórios
vizinhos.137
A região de Entre-Douro-e-Vouga é por tudo isto associada à designação de Terras de Santa
Maria, que como se pode constatar, remanesce de tempos antigos. Uma área abrangente, e
importante ponto geográfico do reino, cujo potencial assenta no seu castelo do século XI
(figura 20), que se supõe ter sido erigido sobre um castro lá existente,138 e na ligação de
importantes eixos viários, que a tornavam um ponto importante de passagem e de grande
fulgor económico, com trocas comerciais na grande feira que se realizava.139
136 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Op. cit.; p.27 137 MATTOSO, José; A Terra de Santa Maria na Idade Média. Limites Geográficos e Identidade Peculiar; Castelo de Santa Maria da Feira Comissão de Vigilância; 1993; pp.32-34 4 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.10 139 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Op. cit.; pp.7-8
Fig.20 – Castelo de Santa Maria da Feira
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
30
2.2.4 Entrada no Condado Portucalense
A Terra de Santa Maria, entre 1064 e 1128, estava sob o poder da Coimbra.140 “Era uma
imensa propriedade que confinava a norte com o rio Douro, abrangia para o interior até à foz
do rio Arda e pelo seu curso acima até ao monte Codal já na nascente do Antuã e saí, para
norte, ao longo do rio Antuã até ao mar.”141 Estes limites estavam estabelecidos como parte
do domínio da diocese de Coimbra. Sucede que em 1091 morre o conde responsável por
Coimbra, o moçárabe Sisnando David, e, seguidamente, o rei Afonso IV concede o condado da
Galiza e de Portucale ao cuidado do seu genro D. Raimundo de Borgonha, que pouco tempo
depois veio a ser destituído e comutado por D. Henrique de Borgonha. O então chamado
‘Território Portucalense’ dominava da Galiza até Coimbra, e tinha a sua sede em
Guimarães.142
A Terra de Santa Maria, situada entre dois pontos de grande vulto, Porto e Coimbra, acaba
por ganhar reconhecimento régio, tal como os dois núcleos acima citados que, por serem tão
distintos, afirmam a sua autonomia e preponderância. Por questões estratégicas, a sede do
condado acaba por ser transferida para o Porto. No decorrer de todos estes acontecimentos, a
diocese do Porto sofre uma reestruturação, e é aí que o seu bispo acha por bem anexar Santa
Maria aos seus domínios. As autoridades da terra gostaram da ideia, ao contrário de Coimbra
que ainda tentou reclamar o seu território, mas em vão.143
Dentro do Condado Portucalense, os cavaleiros das terras, ainda podiam escolher de que lado
lutariam: a favor de D. Afonso Henriques, ou de sua mãe, D. Teresa. Para os habitantes de
Santa Maria, interessava-lhes muito mais associarem-se a D. Afonso Henriques que promovia
um projecto de expansão territorial que acabasse com o domínio dos mouros a sul. A Terra de
Santa Maria era uma espécie de “tampão entre o norte cristão e o sul islamizado”144, e estaria
sempre sujeita a uma invasão repentina. Lutar ao lado de D. Afonso Henriques dava-lhes
maiores garantias de segurança e ambos beneficiariam desta co ajuda.145
2.2.5 A Carta Foral e a Emancipação das Terras de Santa Maria
Quando um rei concedia forais estava a garantir privilégios de carácter fiscal e administrativo
a um determinado território, e assim seria fundado um concelho medieval.146 Em 1514, D.
Manuel redige o foral para a Terra de Santa Maria.147
140 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.33 141 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Op. cit.; p.34 142 Idem; p.34 143 Ibidem; p.33 144 Ibidem; p.33 145 Ibidem; p.35 146 Ibidem; p.50
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
31
Nesse tempo é sabido que “a Feira teria já uma relativa unidade administrativa, centrada no
seu castelo e era já sede dum Julgado desde o reinado de D. Dinis, embora ainda fosse
considerada Terra de Santa Maria, portanto incluindo povoações e vilas, algumas delas a
receberem carta de Foral na mesma data da Feira, como é o caso das terras de Ovar e de
Cambra.”148
Inseridos nessa carta de foral estavam grande parte dos actuais concelhos de Santa Maria da
Feira, de Espinho, de Oliveira de Azeméis, Ovar, duas freguesias de Gaia (Lever e Sandim) e a
freguesia de Mansores, do concelho de Arouca.149
A carta foral veio estabelecer acima de tudo normas sobre o pagamento de foros e outros
tributos pelos moradores destas terras.150 Mas antes de qualquer pretensão, é uma forma de
enaltecer as instituições administrativas de uma terra e de lhes conferir alguma
independência, impulsionando a afirmação do seu próprio carácter popular. Desde esse
momento, a terra deverá gerir-se de acordo com as suas contingências económicas e socias, e
através disso, tentar extrair o máximo de autonomia e eficiência político-administrativa.
Em 1985, quando elevada a cidade, a Vila da Feira e Terra de Santa Maria, como D. Manuel a
nomeou, passa a designar-se como a chamam agora, Santa Maria da Feira.151
2.3 A Actualidade de Entre-Douro-e-Vouga
2.3.1 Concelhos Integrantes – Síntese
2.3.1.1 Arouca
Arouca é uma vila dotada de uma vasta e “deslumbrante paisagem rural”152, o seu centro
situado num vale verdejante entre montanhas (figura 21), no nordeste de Entre-Douro-e-
Vouga, a 80 Km da cidade do Porto.153 Insere-se na área do Douro Litoral e cobre a maior
parte da extensão da Serra da Freita.154
147 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.52 148 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Op. cit.; p.52 149 Idem; p.54 150 Ibidem; p.33 151 HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Descubra Portugal. Douro Litoral; Ediclube; Madrid;
1997; p.190 152 HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Op. cit.; p.198 153 Idem; p.198-199 154 SILVA, António Manuel S.P.; Memórias da Terra. Património Arqueológico do Concelho de Arouca;
Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 2004; p.25
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
32
Começou a ser ocupada ainda antes da era cristã, conforme o historiado nos capítulos
anteriores, e por ocasião do domínio romano, o imperador César Augusto fundou ali uma
cidade com o nome de ‘Araducta’, que em 716 finda após ser assolada pelos árabes. A vila,
posteriormente, recebe os forais de D. Afonso Henriques e D. Manuel.155
Arouca caracteriza-se como uma terra onde o seu mosteiro construído no século X156 (figura
22) é o coração que, ainda hoje, regula a vila e lhe confere a sua identidade. Esta foi a terra
que D. Mafalda, a Rainha Santa, escolheu para viver, estabelecendo-se no mosteiro, onde veio
a instituir, aquando da sua reforma, uma comunidade de cistercienses.157
155 HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Descubra Portugal. Douro Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; p.190 156 HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Op. cit.; p.198 157 À Descoberta de Portugal; Selecções do Reader’s Digest; Lisboa; 1982; p. 139
Fig.21 – Vista aérea sobre Arouca
Fig.22 – Mosteiro de Arouca
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
33
Arouca é uma terra fértil de grandes culturas e colheitas, e embora seja uma vila pacata, vive
num frenesim por alturas de Setembro, quando se realiza a sua Festa das Colheitas.158
De acordo com a Carta Regional de Competitividade de Entre-Douro-e-Vouga, Arouca
enquadra um cenário de ´mundo rural´, onde o território sofre com a desertificação e a
paisagem é maioritariamente marcada pela ocupação agro-natural.159 Ainda assim, trata-se de
um cenário de uma agricultura condicionada onde os solos agráveis ocupam apenas 10% da
totalidade do terreno, além do facto de estarem restringidos ao cultivo em socalcos, devido à
pendente do piso.160
2.3.1.2 Santa Maria da Feira
Quando o condado da Feira se desarticulou, por volta de 1708161, deu origem a uma
quantidade de concelhos vizinhos, dos quais Santa Maria da Feira continua a ser a cabeça.
Porém deve ter-se em atenção, de acordo com o livro À Descoberta de Portugal:
“Mas as separações administrativas são uma coisa, as tradições culturais e as
comunidades são outras. Por isso salientamos que este itinerário constitui o
prolongamento natural e harmónico de paisagens, usos, costumes, hábitos, e
lugares do anterior. É difícil encontrarmos uma fronteira física e etnográfica para
esta região do Sul do Douro, que já não é Minho, mas ainda não é Beira.”162
Actualmente, se o concelho de Arouca se destaca pelo seu mosteiro, Santa Maria da Feira
continua a ostentar o seu castelo medieval do século XI como ex-libris.163 Este castelo é um
espelho da pujança económica e social que esta terra revelou desde tempos antigos. (figura
23) Ao redor deste marco, a grande feira agrícola que se realizava e que ajudou a dar nome à
terra, catapultou o crescimento de população envolvente.164
158 À Descoberta de Portugal; Selecções do Reader’s Digest; Lisboa; 1982; p. 138 159 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga; 2011; p.134 160 SILVA, António Manuel S.P.; Memórias da Terra. Património Arqueológico do Concelho de Arouca; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 2004; p.29 161 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.53 162 À Descoberta de Portugal; Selecções do Reader’s Digest; Lisboa; 1982; p. 134 163 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.10 164 https://www.cm-
feira.pt/portal/binary/com.epicentric.contentmanagement.servlet.ContentDeliveryServlet/Thematic%2520Navigation/Urbanismo/Atlas/Atlas%2520de%2520Santa%2520Maria%2520da%2520Feira/ficheiros/Atlas%2520de%2520Santa%2520Maria%2520da%2520Feira%2520-%2520Vers%25C3%25A3o%2520Digital/Parte%25203%2520-%2520Conhecimento%2520Humano.pdf; p.110;
(consultado a 17-04-2014; às 17:05h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
34
Santa Maria da Feira continua a ser um importante pólo económico para o país. A ruralidade
do passado foi desvanecendo à medida que o território se foi encobrindo de uma malha
urbana e industrial mais densa.165 Já desde o século XIII166 a cidade revelou potencial na
expansão da sua vertente económica. Hoje ainda continua a facturar, sobretudo com a
indústria da cortiça, do calçado e da metalurgia.167 A forte dinâmica no sector terciário tem
atraído população para o concelho ao longo dos anos e o crescimento populacional é outro
notório causador de desenvolvimento.168
Apesar de todo este progresso constante e crescente, Santa Maria da Feira, uma terra de
solos férteis e boa agricultura, ainda consegue conservar alguma ruralidade e vai mantendo as
suas tradições locais activas, preocupando-se em salvaguardar a sua herança histórica.169
Remata o livro Feira. Terras de Santa Maria, alegando sobre Santa Maria da Feira:
“Apresenta-se mesmo como uma realidade nuclear e central para toda a região a
sul do Douro. Afinal de contas, há mais de um milénio que assim é.”170
165 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga; 2011; p.134 166 https://www.cm-feira.pt/portal/binary/com.epicentric.contentmanagement.servlet.ContentDeliveryServlet/Thematic%2520Navigation/Urbanismo/Atlas/Atlas%2520de%2520Santa%2520Maria%2520da%2520Feira/ficheiros/Atlas%2520de%2520Santa%2520Maria%2520da%2520Feira%2520-
%2520Vers%25C3%25A3o%2520Digital/Parte%25203%2520-%2520Conhecimento%2520Humano.pdf; p.111; (consultado a 17-04-2014; às 17:05h) 167 HENRIQUES, Ana Mendes, Nuno Xavier Casimiro; Descubra Portugal. Douro Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; p.190 168 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores; 2000; p.10 169 MASSADA, Jorge; Ao Encontro de Aveiro; Edição do Governo Civil de Aveiro; Aveiro; 2002; p.126 170 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.12
Fig.23 – Vista panorâmica sobre Santa Maria da Feira através do castelo
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
35
2.3.1.3 São João da Madeira
Localizado no centro de Entre-Douro-e-Vouga, a cerca de 20 Km da costa marítima e a 30 Km
do Porto, está o concelho mais pequeno de Portugal em termos de área geográfica, com
apenas 8,1 Km2 e uma freguesia.171 São João da Madeira embora seja um município pequeno,
é, juntamente com Santa Maria da Feira, um dos municípios mais densamente povoados de
Entre-Douro-e-Vouga, camuflado numa imensidão industrial e urbana.172 (figura 24) E mais
uma vez, tal como a Feira, pode-se afirmar que o factor localização, com a passagem da
grande via militar romana, foi determinante para fazer florescer toda a sua evolução.173
S. João da Madeira outrora integrava o concelho de Oliveira de Azeméis, mas em 1926 tornou-
se um município independente, sendo elevado a cidade em 1984.174 Desde 1802, quando S.
João da Madeira recebeu a sua primeira fábrica de chapéus, a vila não parou de crescer e a
chapelaria tornou-se a actividade mais tradicional lá exercida.175 Os habitantes sanjoanenses
eram alcunhados de ‘unhas negras’ por trabalharem neste ramo, considerado um trabalho
sujo. Além dos chapéus, S. João da Madeira também viu a proliferação de fábricas de calçado
que aos poucos foram dominando sobre a chapelaria.176 Pelo grande protagonismo que tem
adquirido nesta área, é considerada a capital do calçado em Portugal.177
171 FERNANDES, M. Antonino; São João da Madeira. Cidade do Trabalho; Câmara Municipal de São João
da Madeira; São João da Madeira; 1996; pp.17-21 172 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga; 2011; pp.134-135 173 FERNANDES, M. Antonino; São João da Madeira. Cidade do Trabalho; Câmara Municipal de São João
da Madeira; São João da Madeira; 1996; p.35 174 http://terrasdeportugal.wikidot.com/sao-joao-da-madeira ; (consultado a 17-04-2014, às 17:32) 175 NOGUEIRA, José Couto; Descubra Portugal. Beira Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; p.232 176 NOGUEIRA, José Couto; Op. cit.; p.237 177 À Descoberta de Portugal; Selecções do Reader’s Digest; Lisboa; 1982; p. 197
Fig.24 – Vista aérea sobre S. João da Madeira
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
36
A cidade possui um vasto leque industrial passando também pela metalurgia, os artefactos de
borracha, os tapetes, as vassouras, entre outros, tornando a cidade num dos centros mais
prósperos do distrito de Aveiro.178 Esta terra deve o seu enriquecimento e progresso a isso
mesmo, ao seu fervor produtivo, aliás, no brasão da cidade podemos encontrar a letras
douradas o lema que faz jus àquilo que a cidade revela: ‘Labor’.179
Entre os vários feitos industriais que tem alcançado, acabou por ganhar o epíteto de ‘Cidade
do Trabalho’ e assim reconhecida até hoje.
2.3.1.4 Oliveira de Azeméis
Oliveira de Azeméis situa-se no sudoeste de Entre-Douro-e-Vouga. Juntamente com Santa
Maria da Feira e São João da Madeira, os três concelhos da sub-região, mais próximos da linha
costeira, Oliveira de Azeméis é também um forte pólo industrial, embora dos três seja o
menos citadino.180 Ainda contém um vasto cobrimento florestal e agrícola ao longo do seu
território, sendo a batata e a vinha as culturas mais relevantes.181
A cidade de Oliveira de Azeméis destaca-se por ter sido o primeiro fabricante de vidro do
país. A sua indústria mais tradicional, para além do centro vidreiro actualmente extinto,
orienta-se, como não podia deixar de ser, para o calçado, para o tratamento de arroz e para
os lacticínios.182
A história deste concelho já se prolonga desde povoamentos pré e proto-históricos.183 Durante
o século XVIII a urbe começa a crescer o que leva a que em 1799 seja reconhecido como vila e
sede de concelho e apenas em 1984 é elevado a cidade.184
A grande via militar romana que fazia a travessia de Santa Maria da Feira e São João da
Madeira, como já vem sido anteriormente apontado, ligando Olisipo e Bracara, deixou em
Oliveira de Azeméis vestígios, um marco da milha XII (figura 25), actualmente bem
preservado e exposto como um monumento.185 Como se tem vindo a constatar ao longo destes
capítulos anteriores, a passagem desta grande via romana resulta fundamental para a
florescência dos povoados e fixação das populações nestas terras. E no caso de Oliveira de
Azeméis, ao recuar às suas origens toponímicas, surge a prova da influência que a via teve no
178 À Descoberta de Portugal; Selecções do Reader’s Digest; Lisboa; 1982; p. 197 179 FERNANDES, M. Antonino; São João da Madeira. Cidade do Trabalho; Câmara Municipal de São João
da Madeira; São João da Madeira; 1996; pp.13-14 180ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga; 2011; p.134 181 NOGUEIRA, José Couto; Descubra Portugal. Beira Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; pp.137-138 182 MASSADA, Jorge; Ao Encontro de Aveiro; Edição do Governo Civil de Aveiro; Aveiro; 2002; p.117 183 MASSADA, Jorge; Ao Encontro de Aveiro; Op. cit.; p.116 184 À Descoberta de Portugal; Selecções do Reader’s Digest; Lisboa; 1982; p. 197 185 CRUZ, Márcia (Dra.), Ricardo Freitas pinheiro, J. Costa; “Terras” Actualidades Regionais. Oliveira de
Azeméis; Publimagem, Publicações e Imagem Empresarial; Santa Maria da Feira; p.5
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
37
incremento da população. Julga-se que o nome Oliveira advenha da ocupação romana. Os
romanos tinham o costume de denominar as terras com nomes de plantas ou vegetação nativa
que nela encontrassem em quantidade, e que considerassem relevante. Certamente, este
seria um local onde as oliveiras despontavam com alguma significância.186
A designação ‘Azeméis’, atribuída posteriormente, deriva do nome pelo qual eram chamados
os transportadores das azémolas, designação dada aos animais de carga. Na época medieval,
quando chegava a altura de pagar o foro, pessoas e animais percorriam longas distâncias, e
assim aproveitavam as oliveiras para amarrarem as suas azémolas enquanto recuperavam
energias para continuar a viagem.187 Eis que uma terra de passagem e pousada começa a
despontar maiores ambições, pelas gentes que a cruzavam e acabavam por reconhecer os
benefícios do território, ocupando-o continuadamente.
2.3.1.5 Vale de Cambra
Vale de Cambra, juntamente com Arouca, perfazem a faixa interior de Entre-Douro-e-Vouga.
Se Arouca é um município que ainda conserva grande ruralidade, Vale de Cambra caminha no
mesmo plano, ainda assim em menor escala.188 A sua paisagem desenha-se de montanhas e
campos trabalhados. (figura 26) O facto de esta terra se acomodar num vale onde três rios
(Caima, Vigues e Muscoso) confluem, confere-lhe um solo fértil e de fácil amanho.
186 CRUZ, Márcia (Dra.), Ricardo Freitas pinheiro, J. Costa; “Terras” Actualidades Regionais. Oliveira de Azeméis; Publimagem, Publicações e Imagem Empresarial; Santa Maria da Feira; p.5 187 À Descoberta de Portugal; Selecções do Reader’s Digest; Lisboa; 1982; pp. 196-197 188 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga;
2011; pp.134-135
Fig.25 – Marco da milha XII
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
38
Inserida na Região Demarcada dos Vinhos Verdes, Vale de Cambra, é uma zona propícia à
plantação da vinha.189 A existência da barragem Duarte Pacheco serve para suster o rio Caima
e distribuir melhor a água para as populações.190 Por curiosidade, Vale de Cambra é conhecida
como ‘a Suíça Portuguesa’191, certamente um epíteto inspirado nas montanhas verdejantes e
jorros de água por todo o solo.
Apesar de toda esta fecundidade agrícola, a maior especialidade da terra sempre foi os
lacticínios e a produção de derivados de leite, que actualmente continuam a destacar-se na
economia da cidade. A aposta na indústria em Vale de Cambra veio serenar o êxodo das
populações decorrido nos anos 60 e trazer um novo ânimo a esta terra, que apenas em 1993
foi elevada a cidade.192
2.3.2 Demografia
Ao longo do território nacional a distribuição das populações (figura 27) difere atendendo a
certos factores e condicionantes que já têm vindo a ser falados em anteriores capítulos e
também por influências de antigas ocupações civilizacionais. Uma das diferenças mais
notáveis trata-se da dicotomia entre ocupação populacional de litoral e de interior. A banda
litoral, mais precisamente entre Minho e Tejo, assinala uma densidade populacional bem
superior ao restante país.193
189 MASSADA, Jorge; Ao Encontro de Aveiro; Edição do Governo Civil de Aveiro; Aveiro; 2002; p.128 190 NOGUEIRA, José Couto; Descubra Portugal. Beira Litoral; Ediclube; Madrid; 1997; pp.229-232 191 À Descoberta de Portugal; Selecções do Reader’s Digest; Lisboa; 1982; p.197 192 MASSADA, Jorge; Ao Encontro de Aveiro; Edição do Governo Civil de Aveiro; Aveiro; 2002; p.128 193 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.22
Fig.26 – Paisagem de Vale de Cambra
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
39
A sub-região alvo de estudo insere-se no domínio dessa banda próxima da cidade do Porto e,
por via de uma localização geográfica privilegiada, pode-se dizer que logra de uma vasta
camada populacional, significante para os quadros demográficos de Portugal. No ano de 2009,
Entre-Douro-e-Vouga contava com aproximadamente 289.000 habitantes no seu todo. Este
número representa 7,7% da população do Norte e 2,7% da população do país. 194
Em 2011 registou-se uma quebra com aproximadamente 275.000 habitantes. O aumento da
emigração e a baixa da natalidade contribuíram para esse declínio, acompanhando assim a
tendência do restante país. Dos cinco concelhos da sub-região, Santa Maria da Feira contribui
com mais de metade dos habitantes que perfazem esse número; tem sido até à data o
concelho mais populoso, contando com 139.312 habitantes. É até à data o 17º concelho a
nível nacional com mais habitantes, logo abaixo de Coimbra.195
São João da Madeira, embora seja o menos populoso com 21.713 habitantes, é o mais
densamente povoado com 2.749 hab./Km2, quase o triplo da média nacional. Arouca, sendo o
de maior área geográfica da sub-região, tem pouco mais habitantes que S. João da Madeira,
apenas 22.359. É de facto um caso bastante contrastante e que acaba por espelhar a situação
de desertificação vivida na faixa interior do país, comparada com o sobrepovoamento do
litoral. Vale de Cambra aproxima-se também de Arouca, com 22.864 habitantes. Por se
encontrarem numa faixa interior, menos industrializada e ainda bastante cingida ao sector
194 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga;
2011; p.136 195 https://www.mapas.ine.pt/map.phtml (consultado a 08-08-2014; às 20:13h)
Fig.27 – Mapa de indivíduos por concelho em
Portugal Continental, Censos 2011
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
40
primário, não conseguem cativar tanta população para os seus domínios. Já em Oliveira de
Azeméis a população aumenta substancialmente para os 68.611 habitantes, cerca de metade
da população de Santa Maria da Feira.196 De acordo com informações fornecidas pelo livro
Feira. Terras de Santa Maria, observa-se que a população apenas se viu crescer
consideradamente a partir da década de 40. Mas em 1974, ano da revolução, é que se dá uma
explosão urbana, com a construção civil em alta em prejuízo das práticas agrícolas.197
O autor Carlos Alberto Medeiros198, transmite uma explicação mais detalhada para a
explicação do fenómeno demográfico a nível nacional. A retracção e aumento da população
eram, e são, afectadas por quatro pontos: a taxa de variação natural (diferença entre as
taxas de natalidade e mortalidade); a emigração; o regresso dos habitantes das antigas
colónias e a presença de estrangeiros. Não alongando no esclarecimento destes parâmetros,
deixa-se a informação, segundo o mesmo autor, que nas décadas de 10, 50 e 60, Portugal viu
o seu crescimento populacional encolher, por culpa da grande vaga de emigração e das
consequências da guerra. Segundo Carlos Alberto Medeiros:
“Os grandes aumentos da população coincidem com períodos em que a emigração
se tornou diminuta, como o de 1931-1949 e o que se segue a 1973.”199
Na década de 80, depois do surto populacional, a taxa de variação natural diminui, visto que
houve uma quebra na taxa de natalidade. Cruzando esta súmula de dados nacionais
apresentados pelo autor referido, com a informação anterior, é de notar que Santa Maria da
Feira e as cercanias acompanharam a tendência do país, portanto nem esta região escapou à
situação político-económica do país.
2.3.3 Actividades Económicas
Entre-Douro-e-Vouga sustenta uma vasta gama industrial, imprescindível à economia do país,
que visa a exportação.200 Conferindo a subsecção anterior, 2.3.1, a descrição de cada
município já deixou antever a sua situação económica. Globalmente, extraindo as
particularidades de cada um, verifica-se actualmente um forte impacto da indústria do
calçado (figura 28), da cortiça, dos plásticos e da madeira, sendo todas elas pautadas pela
196 https://www.mapas.ine.pt/map.phtml (consultado a 08-08-2014; às 20:13h) 197 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.12 198 MEDEIROS, Carlos Alberto; Geografia de Portugal. Ambiente Natural e Ocupação Humana. Uma Introdução; Editorial Estampa; Lisboa; 1996; pp.132-144 199 MEDEIROS, Carlos Alberto; Op. cit.; pp.132-133 200 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga;
2011; p.140
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
41
sua especialização, com destaque em Santa Maria da Feira para o Centro Tecnológico da
Cortiça e em S. João da Madeira o Centro Tecnológico do Calçado.201
Existem muitas outras fontes de rendimento na sub-região, passando pelos lacticínios e a
metalúrgica. Mas nem sempre a sub-região esteve voltada para estes sectores económicos,
visto que a indústria sofre vários processos de mutação ao longo dos tempos. Muito antes
destas actividades se afirmarem, as terras laboravam através das suas aptidões com o
objectivo de se autoproclamar, sustentar e desenvolverem.
Em tempos medievais, a urbe que prosperava em torno do castelo da Feira, podia equiparar-
se a uma cidade de grande dimensão devido à economia nela efectuada. As Terras de Santa
Maria, de férteis culturas, apoiavam-se primeiramente, tal como grande parte das terras
daquela época, na agricultura como maior fonte de ganho e sustento, numa altura em que o
mercado funcionava em sistema de trocas. Ainda assim a evolução continuou e, pelo século
XIII, surgiram na região novos suplementos comerciais, como taberneiros, carniceiros e
sapateiros, e eram estas actividades que conferiam à terra a dinâmica de um grande pólo
urbano e comercial.202
Verificam-se vestígios na actualidade de uma região que desde cedo revelou perícia para
auferir de uma base económica sólida. Trata-se de uma evolução paulatina, mas rentável no
seu tempo. Pelos finais do século XX, princípios do século XIX, Santa Maria da Feira enceta o
negócio corticeiro, contudo o seu grande motor económico era o fabrico do papel (figura 29)
desde o século XVIII.203 Não esquecendo ainda as preciosas indústrias chapeleiras, que
impulsionaram o crescimento de S. João da Madeira, e a vidreira em Oliveira de Azeméis, na
altura única no país.
Actualmente as indústrias do papel e dos chapéus permanecem representadas em museus,
enquanto a vidreira se desvaneceu no tempo para dar lugar a apostas mais compensadoras. É
bom nunca menosprezar tais origens, outrora preciosas e fulcrais no impulsionamento e
reconhecimento destas cidades.
201 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga;
2011; p.140 202 https://www.cm-feira.pt/portal/binary/com.epicentric.contentmanagement.servlet.ContentDeliveryServlet/Thematic%2520Navigation/Urbanismo/Atlas/Atlas%2520de%2520Santa%2520Maria%2520da%2520Feira/ficheiros/Atlas
%2520de%2520Santa%2520Maria%2520da%2520Feira%2520-%2520Vers%25C3%25A3o%2520Digital/Parte%25203%2520-%2520Conhecimento%2520Humano.pdf; p.110; (consultado a 19-04-2014; às 10:21h) 203 SILVA, João Belmiro Pinto da, e Catarina Sofia Gomes; Feira. Terras de Santa Maria; Anégia Editores;
2000; p.10
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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Durante o Estado Novo, a indústria portuguesa vê um crescimento decisivo. Portugal não
podia continuar a manter-se isolado da restante Europa, e assim investiu algum capital no
reforço da indústria.204
Apesar da economia da região se alimentar por uma densa malha industrial (figura 30), o
sector primário ainda exerce a sua actividade, embora mais discreta. Avança-se deste modo
para o próximo tópico e lá será explicado com mais exactidão o perfil da agricultura destas
terras.
204 MEDEIROS, Carlos Alberto; Geografia de Portugal. Ambiente Natural e Ocupação Humana. Uma
Introdução; Editorial Estampa; Lisboa; 1996; pp.117-118
Fig.28 – Monumento ao Sapateiro, em S. João da Madeira
Fig.29 – Museu do Papel e antiga fábrica, em Santa Maria da Feira
Fig.30 – Zona industrial de Santa Maria da Feira
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
43
2.3.4 Agricultura
Grande parte da paisagem portuguesa é delineada de traços rurais, oscilantes por entre
montanhas, planaltos, vales e planícies, exibindo vários elementos naturais que caracterizam
a agricultura praticada. O autor Orlando Ribeiro, mencionado no livro Portugal Rural. Da
Tradição ao Moderno, remete para uma agricultura jovem que se veio a expandir ao longo dos
tempos, confrontando o remoto manto selvático que cobria o país, e transformando-o
progressivamente em terrenos de cultura e pastorícia. Esta reforma do solo começou a
verificar-se primeiramente na faixa atlântica a norte do Mondego.205 Sincronicamente com o
mesmo local onde grande parte das povoações castrejas escolheram para se fixarem,
consoante já foi exposto em capítulos anteriores.206
O inquérito à Arquitectura Popular em Portugal apresenta as várias utilizações dos solos na
zona Minhota (figura 31), que circunscreve Entre-Douro-e-Vouga.
Nesta sub-região que interessa apurar há preeminência do chamado campo-prado. Em menor
extensão, a leste da área, reside culturas de centeio, havendo também lugar a sudoeste para
205 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e Agricultura; Lisboa; 1992; p.22 206 Ver subsecção 2.2.1 – “Do Neolítico à Ocupação Castreja”; p.16
Fig.31 – Mapa da utilização dos solos, em
zona 1
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
44
culturas de montanha com gado grosso.207 Se houver uma deslocação mais para o interior do
país, a cultura do milho esvanece-se para ser substituída pelo trigo e o centeio.208 O campo-
prado ocupa em grande escala o noroeste do país, como o esquema revela, e chega a
estender-se, já mais timidamente, até ao vale do Vouga, mas o suficiente para deixar claro,
mais uma vez, que esta é uma zona de grandes similitudes minhotas.209 Aliás, constatar-se-ão
no desenvolvimento deste capítulo outras referências que aludem uma identidade minhota
nesta sub-região.
No cômputo geral dos tipos de solo do país, sobressaem dois contrapostos: o campo-prado do
noroeste e o campo aberto, limpo ou arborizado do interior e sul do país. O campo aberto não
possui aparentes divisões, o campo-prado é parcelado e abriga sobretudo a cultura do milho
em regadio.210 (figura 32)
No Minho, as várzeas, as meias encostas e os cimos dos montes, são minuciosamente
aproveitados através de socalcos que sustentam as parcelas de campo-prado, preenchidas de
milho no Verão e deixadas como lameiros no Inverno, onde se prepara a pastagem do gado.211
O milho veio substituir o trigo, a partir do momento em que foi introduzido com sucesso em
Portugal. No século XVI, proveniente da América, chegou até nós como uma aquisição da vaga
dos descobrimentos. Começou por ser cultivado na Espanha como experimento e, logo que
207 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.22 208 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.29 209 Ver subsecção 2.1.5 – “Clima”. Nele mencionam-se semelhanças de Entre-Douro-e-Vouga com o Minho, através da orografia e clima naturais. 210 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e
Agricultura; Lisboa; 1992; p.23 211 CAVACO, Carminda; Op. cit.; pp.52-53
Fig.32 – Cultivo minifudiário em socalcos, Vale de Cambra
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
45
deu fruto abundante, passou para Portugal.212 Orlando Ribeiro explica do seguinte modo o
método de cultura preferencialmente empregue no noroeste português:
“Entre o milho semeia-se o feijão, que se enrola aos caules dele e cujas raízes
fasciculadas abrigam bactérias nitrificantes, que restituem a fertilidade ao solo,
e as abóboras, plantas rasteiras que protegem da erosão; nas extremas plantam-
se hortaliças, regadas pela mesma água; é exactamente este sistema que
praticam os índios americanos; na orla dos campos, dispõem-se alinhadas as
árvores de fruto ou as uveiras por onde trepa a vinha.” 213
Os campos-prados são, portanto, solos de policultura intensiva sazonal destinada ao consumo
próprio. Não só o milho é cultivado como, juntamente com ele se plantam o feijão, a abóbora
e a vinha e também cebolas, couves e batatas.214 O sistema de regadio é feito através de
canais abertos na terra, onde correm águas provenientes de poças naturais de lugares altos.215
Em Entre-Douro-e-Vouga designam-se essas poças por ‘presas’ de água.
Um constituinte de Entre-Douro-e-Vouga, o Maciço da Gralheira, é remetido pelo autor de
Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno, para o capítulo ‘Beiras’, nomeadamente ‘Beira
Alta’. Sobre o Maciço da Gralheira o autor, no entanto, esclarece:
“As montanhas, elevadas e relativamente próximas do mar, são o prolongamento
das do Minho, e tal como lá, acentuam a pluviosidade e proporcionam abundância
de água.”216
A identidade minhota é visível por estas andanças, junto às aldeias é possível observar os
campos socalcados onde prevalece o milho cercado de vinha que produz também o vinho
verde. Mais para o cimo das montanhas situam-se os incultos, ou matos, para onde o gado das
aldeias vai pastar. Esta zona mais agreste baseia a sua economia na transumância, que tem
vindo a diminuir com o êxodo rural.217 A pastagem é uma modalidade da agricultura, e se nos
campos-prados o espaço de lameiro é mais restringido, tendo os animais que estar atados
para não terem tanta margem de manobra, nas montanhas o cenário é de maior liberdade
para o gado bovino.218 É frequente, quem se deslocar até ao Maciço da Gralheira, encontrar
212 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993; p.135 213 RIBEIRO, Orlando; Op. Cit.; p.138 214 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e Agricultura; Lisboa; 1992; p.54 215 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993; p.138 216 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e Agricultura; Lisboa; 1992; p.74 217 CAVACO, Carminda; Op. Cit.; pp.74-74 218 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993;
p.138
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
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bois arouqueses a deambular despreocupadamente pelas estradas numa coexistência pacífica
com pessoas e veículos. (figura 33)
A paisagem formada pelos diversos elementos rurais tem vindo a perder alguma força, devido
ao progressivo crescimento urbano e industrial a que se vai assistindo, mas ainda assim, não
deve ser desprezada pois ela é a moldura que vangloria a pictórica singular das regiões.219
2.3.5 Ocupação Humana do Território
No seguimento do capítulo anterior, atribui-se à agricultura, nomeadamente ao tipo de
utilização de solo que ela implica, uma clara acção no modelamento da ocupação do
território pelo homem. Não omitindo, no entanto, que a agricultura requere influências
orográficas, hidrográficas e climáticas para se afirmar dentro de determinado perfil.
Conhecer esta relação de posse que o homem toma do território, e a afinidade que cria com
as condições que este lhe proporciona, envolve muito mais do que simplesmente questões
naturais. Tudo o que vem sendo abordado, desde a história civilizacional até às questões
demográficas, compactua com o modo de ser e estar das povoações dos tempos vetustos até
ao presente. Por razões desta ordem assiste-se a um território adaptado pelos povos às suas
necessidades, e como nem todos dispõem dos mesmos requisitos, sucede que o panorama de
ocupação territorial desenvolve diferentes conjecturas ao longo do país.
A população reparte-se de modo desigual. Não existe uma regra geral que reúna todos os
casos de apropriação do território num só modelo. A maior dissonância de concentração dos
pólos demográficos é, sem deixar de ser óbvio, entre o litoral e o interior do país, e é
219 MEDEIROS, Carlos Alberto; Geografia de Portugal. Ambiente Natural e Ocupação Humana. Uma
Introdução; Editorial Estampa; Lisboa; 1996; p.181
Fig.33 – Boi de raça Arouquesa pastando na Serra da Freita
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
47
precisamente no litoral que se regista a maior densidade de práticas agrícolas, e
especialmente a norte do Tejo, num país onde 1/5 da população activa vive da agricultura.220
Segundo a anterior subsecção, alusivo à agricultura, foi possível confirmar a prática de dois
tipos de agricultura: a cultura intensiva dos campos-prados, oposta à cultura extensiva dos
campos abertos.221 Observa-se que estas diferentes formas de economia agrária são também
responsáveis por diferentes tipos de ocupação das populações do território. A agricultura
intensiva, registada sobretudo no noroeste do país, só consegue ser realizada nos campos-
prados que oferecem condições para a sua prática. Estas propriedades rústicas, parceladas
cuidadosamente no pendor dos solos do noroeste, alastram-se por entre um casario
disseminado, pois cada família possui uma porção de terreno própria e o seu trabalho acaba
por se individualizar e dar origem a um arredamento da vizinhança.222 O mesmo se pode
corroborar pelo esquema apresentado (figura 34), onde Entre-Douro-e-Vouga apresenta uma
dispersão em pequenos núcleos a oeste. No Minho a disseminação é mais abrangente. Pode-se
assim reforçar que Entre-Douro-e-Vouga estrutura-se na intermediação da disseminação
quase completa e da dispersão orientada, atingida sobretudo nas cidades costeiras a sul do
rio Douro. Contrapondo com a faixa da dispersão, existe ainda a mancha da aglomeração em
povoados de montanha a oeste, já abarcando o Maciço da Gralheira, onde “as populações
aglomeram-se em aldeias de grandes dimensões, procurando colectivamente vencer as
dificuldades impostas pela natureza.”223
220 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e
Agricultura; Lisboa; 1992; pp.18-19 221 CAVACO, Carminda; Op. cit.; p.19 222 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993; p.140 223 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.26
Fig.34 – Mapa dos tipos de povoamento, em zona 1
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
48
As parcelas de campo-prado combinadas com bouças, pequenos matos, e contíguas a uma
casa (certamente do proprietário), são, no norte, designadas por casal. Nos casais, há maior
ligação entre a casa e o campo. Cada família tem a sua porção de terreno e a ela dedicam
grande parte do seu tempo laboral, sobretudo no Verão. Por ser uma agricultura intensiva,
minuciosa, em pequenos retalhos de terreno, todo o espaço é aproveitado para o cultivo.224
Ainda assim, isto verifica-se nas zonas mais baixas de planalto, pois quando se sobe à
montanha do noroeste, o povoamento condensa-se mais, de modo a facilitar a ajuda
comunitária,225 tal como descreve Orlando Ribeiro:
“Acima de 400 metros a fisionomia da paisagem modifica-se. Os habitantes
concentram-se em povoações pequenas de 20, 30, 50, 100 almas, não muito
distantes umas das outras, mas com exclusão o casal avulso ou do lugar de casas
dispersas. A aglomeração é a forma de povoamento da Montanha, a dispersão a
da Ribeira.”226
A par das condições geográficas que perfazem o modo de assentamento do povoado, existe
também a herança histórica. Remontando à ocupação proto-histórica, os aglomerados
populacionais compactavam-se em castros e era notória uma dinâmica de entreajuda nos
povos. Todos trabalhavam como um colectivo, em comunidade. Com a conquista romana, a
população viu-se obrigada a descer do topo dos montes para as terras baixas, e assim acabou
por se dispersar. A propriedade colectiva dos castros foi substituída pela propriedade
individual das villas rusticas.227 Orlando Ribeiro explica o que são:
“Uma villa era um prédio de extensão média, com terras bravias e cultivadas, a
habitação do senhor, dos trabalhadores, estábulos e celeiros; mas, desde cedo,
apareceu a tendência para fraccioná-la dentro dos terminos antiquos que, esses,
chegarão até às freguesias rurais da alta Idade Média.”228
Aqui, as villas assemelham-se, na sua constituição, ao casal do norte. Existe um legado
deixado pelos romanos no tipo de povoamento disperso, definido exactamente pelas
qualidades climáticas e geológicas do território. Nos dias de hoje o legado ainda prevalece.
Sintetizando o conteúdo exposto, dividimos então a organização social dos povoamentos em
duas formas: o disperso e o aglomerado, intrínsecos ao tipo de agricultura praticada e ao
224 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993; p.140 225 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e Agricultura; Lisboa; 1992; p.20 226 RIBEIRO, Orlando; Aldeia: Significação e Tipos. Opúsculos Geográficos. IV Volume: O Mundo Rural; Fundação Calouste Gulbenkian; Lisboa; 1991; p.252 227 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993; p.130 228 RIBEIRO, Orlando; Op. cit.; p.130
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
49
local de implantação. Nas montanhas, de clima mais rude e de solos pouco fecundos, com
mais zonas incultas, a população adensa a conjunção das suas habitações e cria um estilo de
vida comunitário. Fora da montanha, maior fertilidade do solo corresponde a uma cultura
intensiva que autonomiza as famílias e as dissemina.229
Entre-Douro-e-Vouga, com traços de agricultura marcadamente minhota, explora a cultura de
campo-prado. Segundo as observações do autor de A Arquitectura Popular em Portugal230,
Entre-Douro-e-Vouga cobre-se maioritariamente de uma mancha que corresponde à dispersão
em pequenos núcleos. Para o seu interior, junto ao Maciço da Gralheira, começam a pintar-se
os lugares aglomerados (tipo montanha), enquanto a norte do Douro, já fora da sub-região em
análise, a disseminação é mais evidente, embora ordenada.
Em suma, pelo que se conhece e pelo que a informação dispõe, trata-se de uma sub-região
composta por povoamentos dispersos em grande parte do seu território, embora este seja
bastante diverso na sua composição geográfica, dando também lugar aos povoamentos
aglomerados residentes numa faixa mais interior, demarcada pelo Maciço da Gralheira,
abrangendo Arouca (figura 35) e parte de Vale de Cambra. Contudo, este último concelho
também apresenta um semblante oposto, a elucidar a dispersão populacional, cujo escritor
Ferreira de Castro traça do seguinte modo:
“A terra é verde e o céu azul; é tudo verde e azul com raras pintas brancas do
casario, que mais do que moradias de homens, parecem janelas da própria
paisagem.”231
Contudo, estes géneros ocupacionais não devem ser extremados em demasiada, pois há lugar
também para um género intermédio, que a Beira Litoral e o Minho tão bem conhecem. Este é
um povoamento mais organizado, junto às vias de comunicação, com destaque em locais mais
urbanizados, onde as acessibilidades têm primazia e a vida rural é mais domesticada.232 Pela
lógica, os concelhos mais desenvolvidos, como Santa Maria da Feira, São João da Madeira e
Oliveira de Azeméis (figura 36), estão maioritariamente revestidos desta intermediação
ocupacional, visto que não abandonaram traços de ruralidade que pontuaram o seu passado,
mas ao mesmo tempo, não se encontram no seu estado mais puro, tendo em conta que já
sofreram diversas mutações causadas pela industrialização e consequente modernização.233
229 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.40 230 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos
Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; 1961; p.23 231 MASSADA, Jorge; Ao Encontro de Aveiro; Edição do Governo Civil de Aveiro; Aveiro; 2002; p.127 232 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; 1995; p.26 233 ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA; Carta Regional de Competitividade: Entre Douro e Vouga;
2011; p.134
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
50
O que diz Ernesto Veiga de Oliveira acerca dos assentamentos no território abrangente á zona
de estudo, esclarece e confirma o que vem sendo explicado, deixando antever a disseminação
intermédia e ordenada ao longo dos caminhos:
“(…) nesta área, e mormente no Minho, não há verdadeiras aldeias, aglomerados
em bloco; há casas espalhadas no meio das terras de cultura, ligeiros
adensamentos em certos lugares esparsos, ou junto das estradas e caminhos, por
vezes um pequeno núcleo que nunca chega a ser compacto; com frequência, só a
torre branca da igreja (…) marca a sede da freguesia, (…)”234
234 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.26
Fig.35 – Povoamento aglomerado, Albergaria-da-Serra (Arouca)
Fig.36 – Povoamento disseminado em pequenos núcleos, Cesar (Oliveira de Azeméis)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
51
Capítulo 3.
A Arquitectura Popular
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
52
3.1 A Casa Elementar
Segundo Ernesto Veiga de Oliveira, existe um tipo de casa que serve como unidade básica e
forma basilar à arquitectura popular. Ele chama-a de ‘casa elementar’.235 A casa elementar é
como uma antecessora de todas as formas arquitectónicas rurais. O autor condensa a casa
como “a célula de base da organização social, o centro da estrutura de exploração da terra e
o seu primeiro instrumento.”236
A casa elementar (figura 37) patenteia precisamente o primeiro desígnio do homem perante o
meio. Ainda sem grandes recursos e técnicas para extrair proveito de um local, o homem
limita-se a criar uma unidade habitacional simples, capaz de se implantar em qualquer
território. Trata-se de uma casa de piso térreo, de planta quadrangular e cobertura de duas
águas. Envolve uma só divisão, que muitas vezes está separada por um tabique de tábuas de
madeira, numa tentativa de separar as funções de dormitório e de cozinha.
Manuel C. Teixeira explica que “a arquitectura da casa rural evoluiu lentamente a partir de
formas e de estruturas ancestrais, das quais ainda mantém alguns elementos, cuja origem
remota se encontra nos abrigos primitivos, na casa castreja e nas vilas romanas que se
construíram pelos vales após a conquista.”237 Foi, portanto, a arquitectura castreja238 que
estimulou o aparecimento da casa elementar, próxima do traçado básico das habitações
proto-históricas. Por ser uma casa que não experimentou maiores transformações, acaba por
não se ajustar às exigências da agricultura. Esta unidade inseria as necessidades primárias de
protecção e conforto (que baste). A casa elementar é, por isso, associada à pobreza das
235 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.23 236 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.23 237 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.44 238 Ver sub-secção 2.2.1 – Do Neolítico à Ocupação Castreja - 2.2.1.3
Fig.37 – Casa elementar em Albergaria-da-Serra (Arouca)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
53
famílias. Estabelecem-se tanto em serras, como nas cidades, ao longo de todo o país, mas os
seus habitantes são, em regra, desprovidos de terras e de gado próprios. 239
O débil avanço de uma habitação elementar pode suprimi-la na satisfação de necessidades
laborais. O homem pode dar a entender alguma despreocupação quanto à conexão da casa
com o meio em que se instala, devido à modéstia nata deste lar, no entanto está assente que
ele, não sendo proprietário de terrenos de cultivo, não precisa de se preocupar com um
ajuste melhorado. Porém, este desprendimento não implica que qualquer local seja propício
à implantação de uma habitação. Seja ela elementar ou mais evoluída, existem factores em
que o homem deve manobrar com o intuito de melhorar o seu conforto. Na escolha do local
de implantação, preferem-se os solos rochosos, por serem mais impermeáveis, e também por
questões de aproveitamento da rocha pré-existente na construção da casa. A exposição ao sol
também é controlada, tal como a exposição aos ventos dominantes. A fachada mais exposta
ao vento costuma ser praticamente cega, ou então, possui menos aberturas. E existe também
o cuidado em situar a casa na proximidade de vias de acesso, de preferência em locais
abastecidos de água potável, e junto a solo férteis, potenciais terrenos agrícolas.240 Estas são
premissas básicas, que mostram que a terra e a casa não se podem desvincular,
independentemente das intenções do homem. A casa é um prolongamento do meio. (figura
38)
3.2 A Casa Popular e Suas Variantes Regionais
O país oferece uma diversidade regional explícita na sua fauna, flora, clima, orografia, e não
só. Em qualquer local que o homem se instala, com o intuito de se sustentar das mercês que o
território oferece, ele sabe que, primeiramente, deve ter o conhecimento de como tirar
239 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.23 240 BARROS, Fernando Cerqueira; Construção do Território e Arquitectura na Serra da Peneda, Padrão
(Sistelo) e suas “brandas” – um caso de estudo; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.117
Fig.38 – Casario de Rio de Frades (Arouca)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
54
proveito das suas características e assim saberá a melhor maneira de se introduzir nele. A
casa é o espelho dessa ciência.
Vistas as coisas, a heterogeneidade do território conduz a soluções arquitectónicas
diversificadas. A arquitectura popular dentro de certa área, adopta uma fisionomia base, mas
vai-se mimetizando de região para região. Construída com técnicas rudimentares, a casa
popular ganhou um carácter de permanência ao longo dos tempos, pois a sua concepção era
funcional, acessível e útil ao homem dos meios rurais, e assim tornaram-se legados que
perduraram de geração em geração.241 Ernesto Veiga de Oliveira diz que “em Portugal
ocorrem, em inúmeras versões e variantes regionais, os géneros básicos conhecidos da casa
popular: casas térreas e casas de andar, ou casas-torres; casas-blocos e casas de pátio, aberto
ou fechado; casas de pedra, granito, xisto ou calcário, conforme a natureza dos solos e o
costume local, e casas de materiais leves, de taipa, adobo ou tijolo (…).”242 Existe uma
diferenciação de casas, relativamente à disposição das suas dependências, sugerida por
Demangeon: a casa-bloco e a casa-pátio.243 A casa-bloco emparelha todas as dependências
num bloco compacto, fazendo jus ao nome. Podem incluir outras estruturas independentes no
mesmo terreno, anexos para arrumos, instrumentos agrícolas, produtos ou animais e até
mesmo espigueiros e eiras. As independências delimitavam um espaço chamado de quinteiro,
que servia para executar trabalhos a céu-aberto, complementares da lavoura. As casas-bloco
são casas de andar, com um piso térreo e um piso sobrado. Em regra geral, o piso térreo
destinava-se a guardar o gado e o sobrado acolhia as vivências da família.
A casa-pátio, de piso térreo ou de andar, constitui-se por um alinhamento das dependências
em torno de um pátio, que pode ser aberto ou fechado. (figura 39) Os anexos também se
alinhavam ao redor do pátio, imitando as divisórias de habitação.
241 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.44 242 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; pp.17-18 243 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; pp.18-19
Fig.39 – Desenho de uma casa-pátio, elaborado por Ernesto Veiga de Oliveira (2000)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
55
As casas-bloco, associadas ao Norte, (figura 40) podem ser vistas nas regiões do Minho, Trás-
os-Montes, Beiras Alta e Baixa, e distribuídas pela zona da Beira Litoral - de Coimbra até às
terras saloias dos arredores de Lisboa. As casas térreas244, estão um pouco por todo o país,
pois são associadas a famílias mais modestas, porém a sua tradição vigora no Sul do país. Na
Estremadura, Ribatejo, Alentejo e Algarve, as casas de piso térreo são características tanto
nos montes como nas terras baixas.
Fig.40 – Desenho de uma casa-bloco, elaborado por Ernesto Veiga de Oliveira (2000)
A casa térrea é também a casa dominante nas zonas costeiras. A Beira Litoral, por exemplo, é
ocupada por casas-blocos nas suas terras altas; descendo para a proximidade da faixa
atlântica, precisamente nas comunidades piscatórias, a casa térrea é o modelo adoptado. O
mesmo se verifica no Minho Litoral, descendo até Aveiro.
De acordo com esta classificação estrutural da casa, já é possível discernir um dos
antagonismos mais básicos na arquitectura popular entre norte e sul, tendo em conta que a
linha que os separa cruza o país entre Leiria e Castelo Branco.245 Apesar de esta ser uma das
dicotomias mais evidentes, existem outras igualmente importantes, que se complementam.
Refira-se igualmente o material construtivo, granítico e cinzento no norte, contrastando com
a brancura da argila caiada do sul. A plasticidade que estes materiais oferecem transpõe-se
para a construção. O granito, mais duro, não permite aos nortenhos notáveis motivos
decorativos, já a argila, sendo mais maleável, é usada para ornar fachadas e chaminés.246
Constata-se que as casas do sul são formalmente mais cuidadas, com os seus traços delicados.
Em contrapartida, a rudeza e cinzentismo das casas do norte são também sinónimos de maior
244 Não se confunda aqui a casa térrea com a casa-pátio. Fala-se simplesmente da estrutura da casa e
não da sua organização espacial, até porque o facto de ser térrea, não implica que seja obrigatoriamente organizada em torno de um pátio. 245 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.21 246 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; pp.151-153
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
56
robustez e resistência. São como que uma espécie de casas ‘todo-o-terreno’, algo que não se
pode exigir no sul, devido à escassez de relevo que facilita a inclusão da casa no terreno.
Estas são as diferenças mais notórias, também por serem as mais primárias; muito mais existe
por contar. O esquema apresentado (figura 41), do autor Mário Moutinho, ajuda a explicar a
diversidade arquitectónica que existe no país, divide-o em 5 regiões com uma arquitectura
popular comum. São elas o Norte, dividido entre Norte Litoral e Norte Interior, o Centro
Litoral, o Alentejo e o Algarve.
Dentro de cada uma delas figura uma casa-tipo. Sinteticamente será explicado cada tipo de
casa, para que se crie uma visão abrangente desta heterogeneidade nacional e assim se
lancem as primeiras bases para o posterior reconhecimento da arquitectura popular de sub-
região em particular de Entre-Douro-e-Vouga.
3.2.1 Síntese Descritiva dos Tipos de Habitação Popular
Inicia-se no Norte, abrangendo a região do Minho, onde se distinguem a casa minhota,
consolidada em zonas de vale e a casa serrana no interior minhoto.247
3.2.1.1 Casa Minhota
As características desta casa nortenha, tal como todas as outras, registam influências locais
da geologia, orografia e clima. O solo granítico e xistoso do norte fornece o material
247 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.41
Fig.41 – Mapa dos tipos de arquitectura por região
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
57
empregue na sua construção, são assim casas erguidas em granito ou xisto, geralmente bem
aparelhado, unido por argamassa.248 Além da facilidade de extracção e recolhimento do
material, existe também a sua adequada apropriação às especificidades climatéricas da
região. O granito e o xisto são indicados para climas húmidos devido à sua impermeabilidade.
Em termos estruturais, outra característica da casa minhota, é que se trata de uma casa-
bloco, com piso sobradado, onde o rés-do-chão resguarda os animais. “(…) é legítimo
relacionar-se a estrutura desta casa, de rés-do-chão e andar, com as qualidades de
resistência e força do material de que ela é feita.”249
A casa minhota retrata a casa-bloco, mas no povoamento disseminado dos vales por onde se
estende, é também reconhecida uma casa-pátio. (figura 42) O Inquérito à Arquitectura
Popular em Portugal vê o pátio como um núcleo distribuidor:
“O pátio ou eido, vedado à volta pelo conjunto de que se compõem estes
organismos, é uma autêntica sala ao ar livre. Por ela se tem acesso a tudo e para
ela dão todas as portas.”250
Sendo uma casa sobradada com um quinteiro, consoante o referido, o acesso ao piso superior
é efectuado por uma escadaria externa em pedra, paralela ou perpendicular à fachada, que
dá acesso a uma varanda, ou alpendre. (figura 43) Ela é coberta pelo prolongamento da
cobertura e apoiada, a partir do chão, por pilares de madeira ou granito.251O telhado da casa
minhota é na maioria executado com quatro águas, mas também é provável encontrar de
apenas duas. No norte do país, estes telhados não eram providos de chaminé, pois o fumo
escoava de telhas-vãs. Os casos onde a chaminé aparece são mais recentes.252
O interior destas casas era composto, no piso superior, por sala, quartos e cozinha. A cozinha
era o compartimento principal e mais utilizado, em contrapartida a sala destinava-se apenas
a ocasiões solenes. No piso inferior, já acima foi descrito que se destinava a acolher os
animais e outros compartimentos para fins agrícolas.253
248 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.31 249 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.30 250 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.38 251 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; pp.35-37 252 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.119 253 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.47
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
58
3.2.1.2 Casa Serrana
Segundo o esquema de Mário Moutinho acima exposto, a demarcação que contém o tipo de
casa serrana, envolve não só o Minho, como também Trás-os-Montes e Beiras Alta e Baixa. A
maior diferença entre as casas do noroeste e as do nordeste, prende-se ao facto da
pulverização da população. No noroeste, os casais disseminados ao longo das várias aldeias,
permitem que a casa possua um quinteiro, ou pátio, ao redor do qual se vão enquadrando os
seus anexos. No nordeste, entrando nas serras, o povoamento aglomera-se e as casas perdem
a liberdade de usufruir de um quinteiro, visto que a sua área de implantação diminui. O
Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal confirma-o:
“Nas zonas altas de sequeiro, onde o gado é um dos sustentáculos principais da
vida do serrano, a construção limita-se praticamente à casa e ao curral; onde o
milho aparece, aparecem também os espigueiros e as eiras (…).”254
Esta casa serrana, é em muito similar à minhota, porém com uma execução mais tosca.
(figura 44) O granito ou o xisto empilham-se para formar as paredes, sem qualquer tipo de
aparelho ou de argamassa entre eles A construção da casa parte directamente da rocha
natural do solo, e ela acaba por se envolver nos declives naturais do terreno, aproveitando-os
para a criação de acessibilidades em diferentes pisos.255 O sistema de cobertura é executado,
254 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.29 255 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.42
Fig.42 – Entrada para o pátio de uma casa-bloco minhota
Fig.43 – Casa-bloco minhota com as suas duas varandas
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
59
geralmente, em lâminas de xisto ou lousa.256 O mais arcaico, em colmo, também pode ser
encontrado pelo norte, sobretudo nas montanhas, menos evoluídas.257
Algumas das casas do norte, mesmo as serranas, podem também ser dotadas de uma varanda
que percorre a fachada mais comprida. Esta varanda é utilizada como sequeiro ou para
arrumações. A estrutura da varanda varia consoante a região.258
Na Cova da Beira, algumas casas serranas possuem um terceiro piso chamado balcão (figura
45), que se trata de uma varanda coberta com um balaústre de madeira, cuja finalidade é
também servir de sequeiro para fruta e milho.259
Em suma, as semelhanças formais que a casa serrana pode revelar em relação à casa minhota
de vale, apresentam maior diversidade de solucionamento, passando por algumas adaptações
mais contextualizadas na pobreza e rudeza do local, como é o caso da substituição da telha
pelas lâminas de lousa ou até mesmo o colmo. No fundo, estas casas imbuíram-se do conceito
das casas de vale, e há que ter em conta que, mesmo na montanha, ainda é possível
encontrar casas características da zona de vale, embora seja raro, e normalmente, quando
esta situação sobrevém, associa-se a casa a uma família mais abastada que as demais famílias
serranas.260
256 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.42 257 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; 1961; p.31 258 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.35 259 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.42 260 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.51
Fig.44 – A simplicidade de uma casa serrana Fig.45 – Casa de três pisos, Paúl
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
60
Passando para o Centro Litoral, afigura-se o tipo de povoamento organizado ao longo das vias
de comunicação. Aqui pressupõe-se um maior planeamento territorial, reflectido também nas
aldeias. As cidades costeiras e piscatórias, são as mais estruturadas, sendo dotadas de um
ordenamento cuidado, com a frequente aparição de traçados ortogonais. Sobre elas o
Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal cita:
“Fundadas por esta ou aquela razão, acidente geográfico que facilite a indústria,
vizinhança de estabelecimento humano aglutinante, circunscritas primeiro por
defesa ao espaço fechado das suas muralhas, transbordando depois em torno pelo
exterior, e mais tarde radialmente ao longo das estradas que as atravessam ou
passam ao seu alcance, e que são outros tantos factores de sobrevivência e
crescimento.”261
Vizinha de Entre-Douro-e-Vouga, a cidade de Espinho é um exemplar desse modelo
urbanístico, com a sua característica malha quadriculada (figura 46), onde as ruas são
conhecidas pela sua numeração e as vias principais são perpendiculares à linha da costa.
Dentro desta região do Centro Litoral, Mário Moutinho evidencia mais quatro géneros de casa.
3.2.1.3 Casa de Madeira
A casa de madeira é precisamente o tipo de habitação edificado nas zonas costeiras. A casa
de madeira associa-se ao norte do Douro, a “barracos de abrigo e habitação temporária262 de
pescadores”263 e a sul do Douro a casa de madeira aparece em maior número e passa a
261 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.33 262 O carácter temporário diferia a norte e a sul do Douro. A norte do Douro conjugava-se a actividade agrícola com a marítima, visto que os povoados agrícolas ficavam próximos dos marítimos. Neste caso,
os barracos eram usados para dormidas de curta duração e, também como arrecadações de barcos e outros materiais. A sul do Douro, a actividade era exclusivamente marítima, e os pescadores apenas permaneciam durante a época da apanha da sardinha, estando afastados durante o Inverno. 263 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; pp.256-257
Fig.46 – Ortogonalidade urbanística de Espinho
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
61
designar-se por ‘palheiro’.264 Estas casas de madeira começaram a estabelecer-se, agrupadas
em pequenos núcleos, em locais que outrora eram desocupados. Só mais tarde as habitações
se foram organizando ao longo das vias. O seu uso era sazonal, os povoados de barracos ou
palheiros apenas ganhavam vida durante a época da faina. Estruturalmente, este tipo de casa
dos pescadores construída em tabuado vertical ou horizontal, possui um só piso elevado sobre
estacas em madeira, ou pilares de pedra. Quando a estacaria não é evidente, pode estar
encerrada em madeira, ou pedra, o que cria um compartimento vazio para arrumos. É
cumeada por um telhado de duas águas, com a empena voltada para a rua. O acesso à casa é
feito por uma varanda corrida na sua fachada frontal, ao nível do andar, que por sua vez faz a
ligação à rua por uma escadaria.265
Também no distrito de Aveiro, existe o exemplo das típicas casas da Costa Nova, em Ílhavo.
(figura 47) São casas de madeira, famosas pelo seu tabuado colorido. Mais perto ainda de
Entre-Douro-e-Vouga, existem alguns exemplos dessas casas de madeira coloridas no concelho
circunjacente de Ovar, em Esmoriz. Os palheiros de Esmoriz podem ter mais de dois andares
acima da estacaria.266 (figura 48)
3.2.1.4 Casa Alpendrada
O segundo tipo de casa é a casa alpendrada. Dentro da zona Centro Litoral, de acordo com
Ernesto Veiga de Oliveira, encontramos com grande força a casa alpendrada na região
gandaresa. Sobre esta região ele refere:
264 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; pp.256-257 265 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.89 266 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.257
Fig.47 – Casas típicas da Costa Nova Fig.48 – Palheiro de Esmoriz
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
62
“Gândara é um topónimo que se aplica a muitos lugares do Noroeste Peninsular;
neste estudo, porém, referimo-nos em especial à zona do nosso país
compreendida entre as bacias do Vouga e do Mondego, que se distingue, no
conjunto provincial da Beira Litoral, por um certo número de características
muito peculiares.”267
Nesta região da Gândara destacam-se algumas casas alpendradas, tais como as casas de Mira
e as de Murtosa.268 De modo geral, Mário Moutinho traça as casas alpendradas com a
frequente planta rectangular, térreas, com um telhado de duas águas. São construídas em
adobe de barro e caiadas de branco. Costumam possuir contrafortes, também em adobe, no
exterior a reforçar as suas paredes, atributos que em muito as identificam com as demais
casas térreas espalhadas ao longo do país, exceptuando a maior distinção, e neste caso a sua
particularidade, que se trata do característico alpendre.269
Existem mais algumas terras pontuais no mapa nacional com casas caracteristicamente
alpendradas, embora a sua situação seja fora dos limites do Centro Litoral; pode-se
mencionar as casas da Maia, Matosinhos e Vila do Conde, nos arredores do Porto.270
Voltando aos casos das casas de Mira e Murtosa, se o alpendre é a maior particularidade que
as une, a disparidade mais manifesta reside no seu formato. A casa de Mira “é pois uma
construção em L, com pátio fechado à retaguarda, que não se nota da rua.”271 O seu alpendre
confronta-se na retaguarda, orientado para o pátio interior. Formata-se num prolongamento
da cobertura que se apoia em colunas de adobe ou de madeira, consoante os casos.272 Em
Murtosa (figura 49), a planta passa a ser simplesmente rectangular, e quanto ao alpendre é a
principal entrada na habitação, mesmo que orientado para a eira, na retaguarda.273 Ainda
assim, segundo a descrição de Ernesto de Oliveira, deduz-se que os alpendres da casa de
Murtosa são algo mais elaborados que os de Mira. Entre outros pontos, eles são dotados de um
poal, um pequeno murete, sobre o qual assentam as colunas que sustentam a cobertura. Este
poal deixa espaço para uma ou duas aberturas que permitem aceder ao alpendre, sempre
numa das extremidades, nunca no meio.274
267 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; pp.182-183 268 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; pp.192-205 269 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; pp.89-90 270 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; pp.86-89 271 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.194 272 Idem; p.198 273 Ibidem; pp.205-207 274 Ibidem; p.209
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
63
Estas poderão ser as casas alpendradas que merecem maior destaque, naturalmente existem
muitas outras variantes, que não estão restritas apenas a Mira e a Murtosa. De facto, a zona
litoral central do país possui várias referências neste parâmetro, todas elas com suas
afinidades. Desde Leiria, com fachadas pouco gandaresas, mas alpendres aparentados de
Murtosa, a outros concelhos com casas mais influenciadas pela arquitectura da Gândara.275
3.2.1.5 Casa Saloia
A casa saloia aproxima-se da região da Estremadura, e por isso ela evidencia certos
delineamentos pombalinos.276 Este género define-se pelo agrupamento de dois blocos
distintos277, erguidos em taipa.278 De um lado, um bloco térreo, do outro um bloco de dois
pisos, ambos adjacentes. No bloco de dois pisos o telhado detém duas águas, enquanto no
térreo destacam-se quatro águas.279 Pode-se constatar que a casa saloia possui um certo
charme, com certos pormenores decorativos e traçados aprimorados não granjeados por
outras casas. Distinguem-se os seus telhados arqueados com motivos de andorinhas, ou os
cachorros de pedra ladeando na parte superior das janelas, como alguns dos apontamentos
responsáveis pela fina atmosfera estremenha desta casa.280
275 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.218 276 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.178 277 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.90 278 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.178 279 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.90 280 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.178
Fig.49 – Casa alpendrada da Murtosa
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
64
3.2.1.6 Casa Ribatejana
Aproximando-se mais do sul da região Centro, eis o Ribatejo com a sua casa típica. (figura 50)
Trata-se de uma edificação térrea, erigida em adobe ou tijolo e de acabamento caiado, com
um telhado de duas águas coroado de uma chaminé rectangular. É algo semelhante à casa
alpendrada, porém sem o alpendre e com caiações policromadas.281 Esta casa pode ser
julgada uma variante da casa alentejana, visto que aproxima das suas feições e só em
determinados casos pode ter uma certa especialidade local.282
Nesta zona do mapa (a sul do Centro) deparam-se as portas que abrem para o Alentejo. Vasta
planície de exíguos relevos e paisagem homogénea, de tonalidades quentes, enfrenta extremo
calor nos longos meses de verão (ultrapassando os 40ºC) e ao longo do ano a pluviosidade é
baixa. Pode ser o Alentejo apelidado de deserto português, pela sua baixa ocupação e
demográfica e densidade populacional e pela sua planura quente e seca.283 Onde as
propriedades agrícolas passam a latifúndios de cultura extensiva284, neste território a
população agrupa-se em pequenos aglomerados nos centros urbanos e dispersa-se nos
montes.285 Ernesto Veiga de Oliveira aponta que “o Alentejo rural se partilha
fundamentalmente entre os dois extremos: o proprietário – senhor de vastos domínios, que
em muitos casos explora a sua propriedade por sistemas racionalizados, mas que com muita
frequência a aluga a um rendeiro – e o trabalhador amarrado à terra, mas que nada
possui.”286
281 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.90 282 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.177 283 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e
Agricultura; Lisboa; 1992; pp.104-105 284 CAVACO, Carminda; Op. cit.; pp.107-108 285 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.168 286 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; pp.159-164
Fig.50 – Casa ribatejana
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
65
3.2.1.7 Monte Alentejano
As casas do monte alentejano situam-se em vastas propriedades de agricultura extensiva.
(figura 51) Por serem elementos de um povoamento disperso, devem ser abrangentes às
necessidades dos senhores e trabalhadores locais. De tal modo, estes edifícios, que cumprem
as premissas básicas da arquitectura popular meridional, são grandes complexos térreos, de
planta rectangular, construídos de adobe de taipa ou tijolo, caiados, com telhado de duas
águas que contém várias chaminés, e reúnem ao longo do seu comprimento, o espaço de
habitação juntamente com outras dependências essenciais ao trabalho rural. As paredes são
reforçadas com contrafortes no seu exterior, o pavimento quer interior como exterior é de
terra batida, na maioria dos casos, ou em habitações mais abonadas, em laje ou ladrilhos.287
Em relação à organização do espaço interior, a entrada principal é feita pela cozinha ou pela
sala de fora, um espaço contíguo à cozinha.288 Uma das particularidades destas casas trata-se
de uma parede que surge a meio da largura do edifício e eleva-se até formar o cume do
telhado. Esta parede acaba por funcionar como divisória de funções: do lado maior
geralmente habita o senhor, e do lado menor o seu caseiro.289
Ernesto Veiga de Oliveira, mostra que existem casas de monte pequeno, pertencentes ao
simples lavrador, e de monte grande, as residências solarengas, onde habitam o senhorio da
terra e alguns caseiros.290 As casas de monte pequeno, como o previsto, são de menores
dimensões e possui menos dependências, geralmente, apenas as essenciais ao
armazenamento de produtos agrícolas e resguardo de gado de um homem de poucos recursos:
despensas ou arrecadações, a amassaria, um forno exterior cilíndrico, celeiro, palheiro e
cavalariça.
287 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.117 288 MOUTINHO, Mário; Op. cit.; p.117 289 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.169 290 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.169
Fig.51 – Casa de monte alentejano
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
66
Os montes grandes, por vezes deixam de ser casas térreas e passam a ter até três pisos. Estes
são de dimensões bem maiores e possuem uma dinâmica que Ernesto de Oliveira compara a
uma “aldeia do Norte”291, condensada num só complexo que abriga vários cómodos, capaz de
hospedar e zelar por vários trabalhadores e criados dentro das suas paredes, inclusive abrigar
forasteiros ou mendigos. Além das dependências de um monte pequeno, contém também uma
casa de entrada, onde estão as loiças, uma despensa maior, uma queijaria ou rouparia, entre
outras necessidades.292
As casas do monte, basicamente, são um acomodar de diversas funções, lado a lado umas com
as outras, em torno de um “vasto recinto de limites pouco determinados”293, logo apreende-
se que se trata de uma organização em modelo de pátio aberto.
3.2.1.8 Casa de Povoado
Este é o tipo de casa que perfila os aglomerados populacionais, as aldeias alentejanas. As
casas do povoado dispõem-se de forma continuada, adjacentes umas às outras, ao longo da
rua e frente a frente com outras fileiras de casas. (figura 52) Um aspecto típico de um
povoamento aglomerado.
Ao contrário do monte, estas aldeias “(…) são habitadas por operários rurais que não possuem
terras nem alfaias (…). As suas casas, por isso, são unicamente de habitação e não de lavoura;
a própria ferramenta agrícola fica na herdade.”294 Quer isto dizer que os trabalhadores que
trabalham permanentemente, alojam-se no monte alentejano, e os outros ficam nas aldeias
291 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.169 292 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.169 293 Idem; p.169 294 Ibidem; p.164
Fig.52 – Casas em povoado alentejano à face a rua
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
67
mais próximas.295 Por estes motivos, a casa de povoado é bem mais reduzida que o monte,
além de não desempenhar todas aquelas funções. Mário Moutinho, sucintamente a descreve
como uma casa térrea, ou de dois pisos, planta rectangular e cobertura em telha de uma ou
duas águas; em suma, diversas características comuns ao monte, tal como o pavimento, o
material construtivo, entre outras, mas maior modéstia. Talvez o elemento mais proeminente
seja a sua lareira de grandes dimensões, que ressalta à vista, não só de quem entra na
cozinha, como também no exterior, a quem passa na rua e consegue discernir a sua
volumetria que se sobressai na fachada frontal. Mais uma vez, intrínseco à lareira, o
apontamento da grande chaminé. As casas alentejanas (monte e povoado) usufruem sempre
de imensas chaminés rectangulares. (figura 53)
No seu interior, entra-se directamente na cozinha e, ao fundo, as portas que dão acesso aos
quartos e ao ‘quintalão’, um pequeno quintal nas traseiras da casa, onde pode existir um
galinheiro ou curral. No caso das casas de dois pisos, os quartos reservam-se para o piso
superior, com acesso feito pela cozinha.296 Outro traço das casas alentejanas, é a ausência de
aberturas nas suas fachadas. Comparativamente às casas nortenhas, as casas alentejanas
possuem poucas janelas, precisamente por uma questão de evitar a entrada dos quentes raios
solares e assim conservar a frescura no interior. Da brancura da fachada, muitas vezes
destaca-se apenas a porta, e também pode suceder que em vez de janelas surjam postigos a
pontuar a fachada.297
Saindo do território alentejano, culmina-se no extremo sul no Algarve uma região de clima
mediterrânico de grande secura, que respira os quentes ares africanos. Protegido pelas serras
295 RIBEIRO, Orlando; Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico; Edições João Sá da Costa; Lisboa; 1993; p.102 296 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.118 297 MOUTINHO, Mário; Op. cit.; p.141
Fig.53 – Fachada frontal de casa de povoado alentejano
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
68
de Monchique e do Caldeirão, o Algarve é resguardado dos ventos do Norte.298 Existe uma
subdivisão da região entre Serra e Algarve, sendo que o Algarve se resume à orla costeira.299 O
contraste entre estas duas faces é notório, sendo a serra mais pobre, menos povoada, menos
desenvolvida:
“A serra pobre e triste, onde apenas no fundo dos vales sinuosos se junta um
pouco de terra e há água para regar umas «hortas», é, com efeito, um mundo
áspero, estranho à alacridade do casario disperso entre pomares com hortas
viçosas onde não falta a água, onde tudo é límpido e claro, e onde do chão
ressequido e vermelho crescem alfarrobeiras sempre verdes.”300
Porém, o confronto dá-se para além da serra e orla, ele também se evidencia de ocidente
para oriente. “O desenvolvimento da região no sentido oeste-leste traduz-se numa
diferenciação climática, o Barlavento mais chuvoso, mais fresco e mais ventoso e com maior
humidade atmosférica, e o Sotavento mais quente e seco, mais exposto ao levante, (…).”301
3.2.1.9 Casa de Pescadores
A casa de pescadores algarvia conhece duas vertentes, uma mais tosca que a outra. Ao longo
de toda a sua costa, banhada pelo Atlântico e Mediterrâneo, as edificações a ocidente são
mais modestas, semelhantes às serranas algarvias, as orientais ostentam um aspecto mais
cuidado.302 A característica mais diferenciadora das casas algarvias, em relação ao restante
país, é o aparecimento das açoteias – “um terraço situado no alto da casa, em lugar do
telhado, e que serve de local de secagem de certos produtos alimentares, e sobretudo como
logradouro (…)”303 - e platibandas, mormente nas casas de pescador. (figura 54) Para além do
traçado natural de casas do sul – a estrutura de piso térreo, as brancas paredes caiadas com
rodapés coloridos – a casa algarvia já se abstém do uso do adobe de barro e da taipa, usados
nas casas do Alentejo e em algumas do Centro Litoral, e passa a erguer-se em pedra ou tijolo.
Seguidamente, eis que surgem as típicas chaminés decoradas, de inspiração muçulmana,
juntamente com a açoteia e a platibanda que a contorna.
298 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e Agricultura; Lisboa; 1992; p.122 299 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e Agricultura; Lisboa; 1992; p.125 300 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.170 301 CAVACO, Carminda; Portugal Rural. Da Tradição ao Moderno; Direcção Geral de Planeamento e Agricultura; Lisboa; 1992; p.123 302 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.171 303 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.173
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
69
Estas casas possuem diversas singularidades que só se encontram nesta região do país, com
efeito, o seu género é de rápida identificação. No seu interior acomoda-se um pátio fechado
onde está centrado um poço de roldana.304 As suas divisões são abobadadas, tais como as
alentejanas, e a entrada principal acede directamente à sala ou a um corredor, sendo que a
cozinha volta-se para a retaguarda.305 Sobre as suas singularidades atesta Ernesto Veiga de
Oliveira:
“Estas casas, cuja fachada é profundamente decorada com cunhais e guarnições,
molduras, platibandas trabalhadas e coloridas, etc., difundem-se profusamente
pelo triângulo Loulé-Alportel-Faro, (…).”306
3.2.1.10 Casa Rural
A casa da serra de tratamento mais tosco, já não apresenta alguns elementos peculiares da
casa de pescadores. No meio do monte, entre dez a vinte casas, os edifícios reflectem uma
tez pobre. Define-se então esta casa como uma estrutura térrea de planta quadrangular,
erigida em alvenaria de taipa, pedra ou tijolo rebocado e caiada.307 (figura 55) Todavia, é
também muito frequente encontrar a pedra nua, sem o caiado. A cobertura de uma ou duas
águas pode preservar o forro a colmo, em certos locais da serra, e sem a presença de
chaminés.308
304 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.141 305 MOUTINHO, Mário; Op. cit.; p.141 306 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.173 307 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.142 308 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.171
Fig.54 – Casas de pescadores do Algarve
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
70
Se percorrer até ao litoral ocidental, vestígios de platibandas e açoteias despontam dos
telhados, consolidadas com a cobertura em telha, embora seja uma característica “rara no
barlavento”309. Quando elas existem, acedem-se a partir da cozinha, por uma escada
interior.310 Também por estas bandas “são raras e recentes as chaminés decoradas
características do resto do Algarve”311. Facto com o qual parece não concordar Mário
Moutinho, afirmando que “é neste tipo de habitação que aparecem os exemplos mais
decorativos das chaminés algarvias.”312 Apenas neste aspecto, os autores não concordam, os
restantes são sincrónicos. As divisões interiores organizam-se de modo semelhante à dos
pescadores, com a sala voltada para a dianteira e a cozinha nas traseiras. Estes edifícios são
também dotados de dependências como forno, estábulo e galinheiro.313
Quando voltadas para sul, as casas algarvias parecem querer ganhar de novo traços mais
cotejados à casa de pescador, descrita anteriormente. Aliás, nota-se que, à medida que se
aproxima o oriente, os elementos característicos algarvios vão ganhando maior evidência e
aprimoramento.
Posto o término nesta sucinta descrição, que visa esclarecer a pluralidade popular das casas
nacionais, importa reter as suas características comuns, pois se a arquitectura popular é
definida pela parelha homem-meio, deve haver um claro entendimento da inconstância do
meio em Portugal, daqui derivam diferentes respostas aos problemas que a natureza coloca
ao homem. Mesmo havendo esta mutabilidade e identidade regional, existe algo que é comum
a todo o território português: a herança dos ensinamentos dos nossos antepassados. Com
309 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.173 310 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.141 311 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.171 312 MOUTINHO, Mário; A Arquitectura Popular Portuguesa; Editorial Estampa; Lisboa; 1995; p.142 313 MOUTINHO, Mário; Op. cit.; p.141
Fig.55 – Casa rural do Algarve
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
71
estruturas rudimentares, do mais básico que poderia existir, são os seus legados
universalizados, em tempos históricos, que expõem as regras gerais a respeitar, seja a norte
ou a sul.
As características comuns das casas populares de todo o país residem na “grande singeleza de
linhas e de estilo”314 que o homem emprega na sua obra. Muitas vezes encontram-se variados
exemplos de casas elementares, por elas aludirem precisamente a essa singeleza. E
finalmente, outro traço que todas as casas respeitam, é a planta quadrangular simples.315
3.3 Integração da Casa Popular em Entre-Douro-e-Vouga
Conhecendo a gama de casas que modelam o país, coloca-se uma questão:
- Qual o perfil de casa popular é afecto à sub-região de Entre-Douro-e-Vouga?
Esta é a temática primordial para a qual toda a pesquisa, até agora exposta, apontará.
É interessante verificar que o esquema apresentado por Mário Moutinho (ver figura 41),
inscreve a sub-região numa área onde vigora a casa minhota, mas também se sobrepõe num
pujado limite branco. Este limite, embora careça de explicação, supõe tratar-se de uma área
transitória, onde a arquitectura absorve influências de outras regiões circunjacentes. Em
Arquitectura Popular em Portugal, já foi referido que Entre-Douro-e-Vouga está patente na
zona 1, denominada Minho. Algumas observações anteriormente expostas já deram a prova
que Entre-Douro-e-Vouga, quer na sua configuração geológica, climática, social e agrícola,
assemelha-se ao carácter minhoto. Em suma, seria bastante fácil declarar que a arquitectura
desta sub-região é obviamente minhota. No entanto, não deve ser descurado o cariz
heterogéneo do local, com concelhos inseridos na pobreza da serra e outros afectados pelo
desenvolvimento regional e industrial, mais próximos da costa.
314 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.21 315 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.21
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
72
Capítulo 4.
Arquitectura Popular em Entre-Douro-e-
Vouga
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
73
4.1. Descrição por Localização – Montanha / Vale
4.1.1 A Casa de Arouca e de Vale de Cambra
Em Arouca, um concelho espraiado em território serrano, foram investigados os casos
particulares das freguesias de Cabreiros – lugares de Rio de Frades e Covêlo de Paivô e
Albergaria-da-Serra e Cabaços.
Vale de Cambra também se estende sobre parte da encosta do Maciço da Gralheira, e é
precisamente esse o ponto onde se encontram os locais de estudo escolhidos: a freguesia de
Arões – lugares de Cabrum e Lomba. Por esta via, Arouca e Vale de Cambra complementam-se
no contexto de terras serranas do norte da Beira.316 (figura 56)
Os vários locais confrontados inserem-se em diferentes contextos e conforme a sua situação
concebem uma arquitectura, que embora semelhante, revela certas particularidades
provocadas pela disparidade de condicionantes dos locais. Albergaria-da-Serra e Cabaços,
situam-se na parte alta da serra, o Alto da Freita317 , gozando da contiguidade ao rio Caima318,
onde as principais actividades económicas são a agricultura e a criação de gado.319 As
restantes povoações são mais baixas que as anteriores, sendo que Rio de Frades e Covêlo de
Paivô também podem ser considerados lugares ribeirinhos, pela sua proximidade aos rios
Frades e Paivô, respectivamente.320 Sobre as várias possibilidades de assentamentos Filomena
Silva clarifica:
316 https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/.../mrc_aeaulp2012_atas.pdf ;p. 1 (consultado a 16-07-2014; às 16:13h) 317 Idem; p. 2 (consultado a 16-07-2014; às 16:13h) 318 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.23 319 RIBEIRO, Mário de Araújo; Op. cit.; p.90 320 Idem; pp.23-25
Fig.56 – Localização dos locais em análise
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
74
“O homem sempre procurou fixar-se nos locais que lhe pareciam mais favoráveis
à sua sobrevivência, conforme a tipografia do solo, abundância de água,
exposição solar, possibilidades de circulação e, sobretudo, devido ao seu instinto
gregário.”321
4.1.1.1 O Povoado
Nas terras altas e baixas do Maciço da Gralheira os povoamentos definem-se de forma muito
idêntica, por um conjunto de casas compactadas em lugarejos, assentes em locais onde a
topografia se torna mais cómoda, evitando acentuados declives. Mesmo assim, o sobe e desce
é inevitável e o povo percorre-o por entre caminhos e ruelas esguias por entre as casas, em
caminhos calçados por largas pedras graníticas ou xistosas. Os locais de cultivo não
flanqueiam com esses arruamentos, situando-se nas traseiras das casas. ”Por vezes as terras
encontram-se longe do povoado, nos locais onde a produtividade justifique o trabalho
despendido.”322
No caso da Lomba, situada no alto de uma colina (figura 57), os terrenos de cultivo
permanecem no sopé. Os habitantes acedem aos seus campos através de esguios carreiros em
terra, não calçados, que despontam dos caminhos principais, geralmente afunilados entre
duas casas, e que muitas vezes vencem o declive do terreno com o auxílio de escadas feitas
de grandes blocos de pedra. Os campos de cultivo, minifúndios, espelham a cultura intensiva
que se vive nestas terras. Todos os lugares mencionados sobrevivem da criação de animais e
da agricultura da batata e do milho.323
321 SILVA, Filomena; Rio Paiva; Campo das Letras; Arouca; 1999; p.59 322 SILVA, Filomena; Op. cit.; p.48 323 Idem; p.50
Fig.57 – Aldeia da Lomba
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
75
4.1.1.2 Acessibilidades
Casas de cariz serrano, arrumadas em povoamentos condensados que formam pequenos
lugares, foram erigidas com grande proximidade umas das outras, não sobrando área para
pátios ou quinteiros privativos, o que significa que o acesso ao espaço público é directo.
Contudo, situações pontuais, em Covêlo de Paivô, demonstram alguns pequenos pátios na
dianteira da casa, circundados por um muro granítico mal aparelhado (figuras 58), ao qual se
acede por um portal de madeira. Não possui as grandes dimensões de um pátio de uma casa
de vale, no entanto esta situação verifica-se em casas de maior relevo que as restantes.
Vagueando por estas terras percepciona-se automaticamente a pobreza do povoado, a
modéstia da habitação compatível com a sua reduzida área e a sua tosca estruturação.
Percorrendo os caminhos do lugarejo serrano, curto é o passo que permite contactar a
habitação. Muitas vezes a porta de entrada está logo ali a um braço de distância, escancarada
para a rua, com um ou dois degraus que a separam da cota térrea. (figura 59) Quando tal
situação ocorre, verifica-se que a casa implantou-se no terreno de modo a tirar proveito do
seu declive natural. Ernesto Veiga de Oliveira confirma:
“Quando o declive permite entradas para os dois pisos, vêem-se duas portas,
cada uma no seu nível. Se a escada é necessária, ela é então exterior, de pedra,
e fica encostada à parede, na fachada frontal, a partir da rua, mostrando um
patim no alto.”324
324 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.132
Fig.58 – Casa com um pequeno pátio (Covêlo de Paivô) Fig.59 – Caminho estreito e escadeada entre casas (Lomba)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
76
São menos frequentes as escadas, precisamente pelo motivo de que são muitas as habitações
que exploram a pendente do solo para garantir acesso aos dois pisos, sem necessidade de
recorrer a elas.
4.1.1.3 Estrutura
As casas serranas são, na esmagadora maioria, sobradadas, rareando por estas bandas a casa
térrea. No século passado, as zonas altas da serra eram ocupadas pelas ditas ‘casas terreiras
de montanha’, pequenas casas, de génese elementar, com uma cobertura de colmo.325 (figura
60) Em Albergaria-da-Serra e Cabaços ainda se podem encontrar estes exemplares.
Seguindo a regra geral, das casas sobradadas, o seu piso inferior está reservado para o
resguardo das cortes de gado e palheiro, no entanto, como nem todas as famílias sustentam
gado, aquelas que não o têm utilizam o rés-do-chão para arrumos das ferramentas agrícolas e
dos produtos colhidos do campo. Consoante a sua função é denominado de curral, caso
abrigue gado, ou de loja, para efeitos de armazenamento de utensílios e alfaias.326
As habitações possuem uma planta quadrangular, no entanto, existem vários casos de casas
com esquinas arredondadas que se adaptam aos limites do arruamento, gerindo da melhor
forma a largura da rua. Outra técnica de gestão do espaço é o uso de passadiços (figura 61),
ou corredores, que ligam as casas de cada lado do caminho uma à outra, por intermédio do
piso sobradado.
325 https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/1822/1/mrc_aeaulp2012_atas.pdf ;p. 2 (consultado a 16-07-2014; às 16:13h) 326 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas
crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.112
Fig.60 – Casa com cobertura de colmo (Cabaços)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
77
No que toca aos alicerces, em edifícios de pedra, eles apenas existem caso a construção
cresça em altura. André Leroi Gourhan explica o facto:
“As habitações privadas não exigem normalmente uma base tão sólida, pelo que,
na maior parte dos casos, as pedras, após o nivelamento do solo, são colocadas
directamente sobre este, ou, como por vezes também sucede, numa vala pouco
funda; encontram-se edifícios deste tipo em toda a parte onde abunde a pedra,
mas sobretudo quando a madeira e argila não existem.”327
A rocha do terreno é usada como parte da fundação, e quando um andar está parcialmente
enterrado no solo, aproveita a rocha para formar a parede. (figura 62)
4.1.1.4 Paredes e Pavimento
As paredes do casario são compostas pelo aparelho de granito e/ou xisto, sem ligação de
argamassa. Justificado pelo facto de que “o maciço da Gralheira é marcado pela alternância
de faixas de xistos e de granitos, com estes últimos a dominarem na Freita e os primeiros a
marcarem as encostas de aproximação ao Paiva.”328
A pedra fica à vista, tanto no exterior como no interior da habitação. Em Arouca, cada lugar
possui um modo muito particular de consolidar as paredes de suas casas. Os casos estudados
testemunham essa variedade nas paredes. Em Rio de Frades, Covêlo de Paivô e Lomba, o
327 GOURHAN, André Leroi; Evolução e Técnicas. II-O Meio e as Técnicas; Edições 70; 1984; p.188 328 https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/1822/1/mrc_aeaulp2012_atas.pdf ;p.2 (consultado a
16-07-2014, às 16:13h)
Fig.61 – Casa com passadiço sobre o caminho (Rio de Frades)
Fig.62 – Implantação da casa sobre a rocha natural (Lomba)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
78
principal material empregue é o xisto-grauváquico329, com uma tonalidade acastanhada.
Blocos de xisto, por vezes faceados, de tamanhos diversos, são aparelhados uns nos outros,
conjugando-se como peças de um puzzle de modo a colmatar vazios. As esquinas são
reforçadas com os blocos de xisto maiores, precisamente para conferir maior resistência e
solidez. (figura 63)
Algumas casas conjugam blocos de granito com o xisto, desta feita com um aparelho mais
aprimorado. (figura 64) Este cenário é mais frequente em Covêlo de Paivô, sendo que em
imensos casos, os cunhais compõem-se de blocos de granito, enquanto a restante parede é
xistosa. Isto trata-se de um indício da composição geológica dos dois lugares330, mostrando
que o xisto abunda em contraponto com o granito, contudo, em Rio de Frades e Lomba a
quase ausência de granito é bem mais evidente, sendo que nestes lugares a construção é
xistosa na sua totalidade. O caso oposto acontece quando se passa para as terras altas da
serra como Albergaria-da-Serra, Cabaços, entre outros. Aqui predomina o granito enquanto o
xisto escasseia. Acerca do uso do granito, Mário de Araújo Ribeiro escreve:
“O granito é usado de modo diverso, mas o mais apelativo e assaz frequente é
aquele em que os grandes blocos regulares constituem percentagem substancial
das paredes. Este modo de construção é particularmente visível em Cabreiros,
tanto na sede como em Tebilhão, mas é vulgar em todas as povoações das zonas
graníticas.”331
O aparelho do granito, dentro de um lugar, tanto pode conhecer aparelhamentos de pedra
mais escorreitos como mais descuidados. Tudo depende do proprietário e do cuidado, meios e
técnicas que este pretende empenhar na habitação, por exemplo, os edifícios dependentes
das habitações, como currais ou lojas, são visivelmente mais primários, devido à função que
desempenham.
329http://www.patrimoniocultural.pt/media/uploads/trabalhosdearqueologia/36/4.pdf; p.18 (consultado a 19-06-2014, às 15:25h) 330 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.109 331 RIBEIRO, Mário de Araújo; Op. cit.; pp.110-111
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
79
O pavimento das casas é de madeira ou de pedra, no piso sobradado. Quando as casas são
térreas, assentam-se pedras grandes no chão, ou em situações mais pobres, o pavimento
resume-se apenas a terra batida, apenas com uma laje de pedra no local da lareira. No caso
da casa ser sobradada, no curral permanece o solo de terra batida (figura 65), ou então
aproveita-se a rocha na qual a casa se implanta. De qualquer modo as irregularidades não são
sentidas pelos animais, pois ao chão acrescenta-se uma camada de palha ou saibro.332 Para o
piso sobradado recorre-se ao soalho, apoiando-se este em vigas de madeira encastradas nas
paredes. (figura 66) “Os soalhos, como é natural, prendem-se com a habitação acima do nível
do solo (a qual é normalmente de madeira), visto que as pranchas colocadas directamente
sobre o solo não só acabariam por apodrecer, como serviriam de refúgio a animais
parasitas.”333
332 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.74 333 GOURHAN, André Leroi; Evolução e Técnicas. II-O Meio e as Técnicas; Edições 70; 1984; p.202
Fig.63 – Parede de xisto onde os blocos maiores reforçam os cunhais (Rio de Frades)
Fig.64 – Junção de xisto e granito numa parede (Covêlo de Paivô)
Fig.65 – Chão de curral em terra
batida, revestido a palha e excrementos (Cabaços)
Fig.66 – Estrutura do pavimento em piso sobradado (Rio de
Frades)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
80
4.1.1.5 Portas e Janelas
Praticamente todas as casas dispõem apenas de uma porta de entrada para o seu piso
sobradado e outra porta mais larga para o andar térreo. Em alguns casos, a porta dos currais,
embora larga, era mais baixa que o habitual. A primeira é uma porta de tabuado de madeira
vertical, com um batente, a segunda, de arranjo mais rude, costuma ser executada em
madeira chapeada e por ser mais larga chega a ter dois batentes. (figura 67) Ainda é possível
encontrar trancas de madeira em algumas portas, visto que estas eram usadas inicialmente,
só mais tarde se propagou o uso de fechos metálicos.334
A moldura das portas é composta por ombreiras e lintel, ou padieira. As ombreiras são pedras
tão grandes como os cunhais ou maiores até, dependendo das situações. De modo geral elas
erigem-se em granito, mas no caso de Rio de Frades e Lomba, onde o granito rareia, as
ombreiras formam-se com blocos de xisto: dois maiores na base, um de cada lado, conjugados
com outros de tamanho médio na horizontal. Como explica Manuel C. Teixeira:
“As ombreiras das portas são formadas, de cada lado, por várias pedras: as
pedras tranqueiras, verticais, e as agulhas, horizontais, que ligam a moldura à
parede.”335
Em edifícios mais pobres, onde não existem grandes blocos para formar as ombreiras com
solidez suficiente, utilizam-se tábuas de madeira como reforço, assemelhando-se a uma
moldura em torno da porta. (figura 68) Já os lintéis ou padieiras tratam-se de um só bloco
disposto na transversal sobre as ombreiras, em granito ou xisto (Rio de Frades e Lomba), e
menos frequente, mas também possível, em barrotes de madeira:
“Como o xisto é muitas vezes excessivamente miúdo e quebradiço, as padieiras
de portas e janelas são quase sempre grossas tábuas ou barrotes de madeira, que
se inserem nas paredes, e sobre as quais a construção segue com maior
segurança; (…)”336
334 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.78 335 TEIXEIRA, Manuel C.; Op. cit.; p.78 336 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.33
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
81
Fig.67 – As portas de casa, de acordo com a sua função (Covêlo de Paivô)
Fig.68 – Porta emoldurada em madeira (Rio de Frades)
Existem ainda os lintéis que funcionam com arcos de descarga, utilizados nas portas dos
currais ou lojas. (figura 69) Por estas serem de maior dimensão, consequentemente aumenta
a pressão exercida pela parede sobre o lintel, assim o arco de descarga mitiga esse efeito.337
Um dado curioso acerca das ombreiras e dos lintéis das portas é a sua tonalidade. Os
moradores procuravam um material geralmente de cor mais clara que as paredes, ou então,
raros os casos caiavam-nos. Julga-se que seria para contrastar durante a noite, assim quando
voltassem a casa seria mais fácil encontrar a porta de entrada.338
Fig.69 – Arco de descarga em porta de curral (Covêlo de Paivô)
337 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.78 338 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas
crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.111
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
82
A quantidade de janelas por cada destas casas serranas não é muito numerosa339, mas as que
existem encontram-se sobretudo voltadas para sul/oeste, para o aproveitamento máximo da
luz solar e também próximas do beiral do telhado, defendendo-se mais facilmente das
inclemências do clima. (figura 70) Apenas o piso sobradado de habitação contém janelas. No
piso do curral ou da loja as paredes são cegas, por vezes as únicas aberturas são uns pequenos
postigos, um ou dois, cujo objectivo se prende à circulação de ar no interior.
O alinhamento das janelas numa casa não é muito rigoroso, mas ainda assim é possível
encontrar uma tentativa de simetrização em alguns edifícios. É normal uma janela alinhar-se
com a cumeeira do telhado, em casos onde só existe uma janela na empena do edifício.
(figura 71) Com duas janelas numa fachada, é costume o construtor utilizar uma porta, seja
do rés-do-chão ou do sobradado, como eixo divisor, arrumando então uma janela para cada
lado da porta. Este tipo de organização das aberturas numa fachada acabam por sugerir um
animismo, fazendo lembrar a quem passa uma cara com os seus dois olhos (janelas) e a boca
(porta).
As janelas possuem uma estrutura pobre com uma caixilharia quadriculada de madeira. O seu
sistema de abertura é sobretudo deslizante vertical, também chamado de guilhotina.
Inicialmente, quando as janelas não tinham vidro, eram protegidas por portadas de
madeira.340 (figura 72) À semelhança das portas, as janelas inserem-se na fachada com o
auxílio de ombreiras e lintéis, apesar de serem algumas as casas que dispensam o uso de
ombreiras nas janelas e optam pelo sistema da moldura de madeira. Há ainda um detalhe
interessante, avistado por estas bandas, o qual Mário de Araújo Ribeiro ressalta:
339 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.78 340 TEIXEIRA, Manuel C.; Op. cit.; p.78
Fig.70 – Janela adjacente ao beiral da cobertura (Covêlo de Paivô)
Fig.71 – Presença de uma janela centrada na empena da casa (Covêlo de Paivô)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
83
“Mais interessante é o facto de, por debaixo das janelas, que são sempre de
pequena dimensão e com o topo muito perto do tecto, se usar uma enorme pedra
que não só serve de parapeito como forma a própria parede, mais estreita que a
restante, como é de regra em todos os edifícios com paredes de pedra.”341
Estas janelas com a laje do parapeito, chamadas de janela de peitoril, (figura 73) no seu
interior costumam ter bancos de pedra embutidos na própria parede, chamados as
namoradeiras.342
4.1.1.6 Cobertura
Coberturas de duas águas, com pouca inclinação acumeiam grande parte destas casas. As
coberturas de quatro águas são menos incidentes. As mais primitivas são as coberturas de
colmo, que ainda podem ser avistadas em Cabaços, porém em estado avançado de
degradação. A palha de colmo, para não levantar com o vento, é calcada com varas de
madeira em paralelo. (figura 74)
341 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.111 342 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.78
Fig.72 – Janela com portadas de madeira (Cabaços) Fig.73 – Laje do peitoril sob a janela (Rio de Frades)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
84
As vantagens deste material detinham-se em “dar mais aconchego à casa, não permitindo a
formação de humidade, como actualmente acontece, já que as geadas ou neves se conservam
melhor na telha.”343
Aos poucos estas coberturas vieram a ser substituídas e ao longo da serra o material mais
usado para o seu capeamento é a lousa preta, ou ardósia. Finas lajes irregulares de lousa
agregam-se umas sobre as outras, formando um revestimento semelhante a uma superfície
escamada. (figura 75) As coberturas de telha também se podem encontrar em algumas
localidades, embora sejam mais recentes. Ainda assim, há quem diga que “(…)os telhados de
laje são muito melhor isolante do que a telha, mais quentes de inverno e mais frescos de
verão.”344
Muitas das coberturas são tão básicas que não possuem alguns dos elementos que podem
surgir na arquitectura popular, tais como cumes de telhões, contrafeitos (tábuas que
suavizam a inclinação, junto ao beiral) e guarda-ventos.345 Avistam-se muitas casas onde as
lajes de lousa apenas se encostam entre si, existem também situações em que se usam telhas
para reforçar e revestir os cumes. Vê-se comummente a telha sobrepondo-se à ardósia,
mantendo-a apenas nos seus beirais. (figura 76) Este é um sistema de raízes antigas, como
comprova Mário de Araújo Ribeiro:
“Os cumes dos telhados de lajes eram outrora vedados com torrões ou, em zonas
de granito, com caleiras invertidas dessa pedra, chamadas telhões. Nas
343 SILVA, Filomena; Rio Paiva; Campo das Letras; Arouca; 1999; p.53 344 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.110 345 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.70
Fig.74 – Cobertura de colmo (Cabaços)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
85
coberturas de ardósia mais recentes, vêem-se com frequência cumes feitos com
telha, que não destoam muito da lousa tradicional.”346
Os contrafeitos e os guarda-ventos não são usados nestes povoados, encontram-se mais na
arquitectura minhota serrana, em que as coberturas são algo mais complexas que estas.347
Existe também uma solução interessante adoptada para reforçar os cumes, e que passa por
ligar as duas águas, no seu topo, com um arame perfurando as lajes, ou no caso da aldeia da
Lomba, são usados grampos de madeira que furam as lajes de um lado ao outro. (figura 77)
346 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.110 347 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.132
Fig.75 – Cobertura em lajes de lousa (Albergaria-da-Serra) Fig.76 – Sobreposição da telha sobre a lousa (Covêlo de Paivô)
Fig.77 - Grampos de madeira unindo a lajes de lousa na cumeeira (Lomba)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
86
As coberturas são “em todo o lado a parte mais delicada da construção”348 e compõem-se de
estruturas de madeira subjacentes que sustentem os revestimentos. A estrutura consiste
numa cumeeira, uma grossa trave que assenta no eixo da casa, no topo das paredes extremas,
indo de um lado ao outro. Os caibros apoiam-se sobre a cumeeira, pousando nas fachadas
principais, sobre as terças, vigas paralelas à cumeeira encaixadas nas paredes das empenas ao
longo da sua inclinação, e sobre os frechais, vigas colocadas sobre as fachadas principais.
(figura 78) Através deste sistema simples o revestimento apoia-se com segurança. Existe
ainda outras estruturas mais complexas com asnas, formando um sistema de tesouras
triangulares que se vão repetindo ao longo do comprimento da habitação. Este método
permite “repartir a pressão exercida sobre as paredes e combater o efeito de achatamento
que tenderia a derrubá-las”349, porém o primeiro método é o mais encontrado, pela sua
simplicidade de execução.
Fig.78 – Estrutura simples de cobertura em lousa (Cabreiros)
No interior a telha é vã e o fumo escoa por uma abertura ou pelas suas fendas, acentuando a
negrura do interior, por isso as chaminés nestes locais eram desnecessárias. Os sistemas
usados para a abertura das fendas podem ir desde telhas levantadas, ou duas telhas erguidas
e encostadas uma à outra. (figura 79) Nos telhados de colmo as fendas são mais raras.350 No
entanto, Covêlo de Paivô e Cabreiros fogem ligeiramente à regra, pois ao longo dos povoados
vão-se descobrindo grandes chaminés rectangulares, que apesar de ser um tipo de chaminé
associado a casas mais abastadas, destaca a sua posição em casas pobres. (figura 80) A
chaminé é vista como um motivo de vaidade, quanto mais elaborada for. Estas acompanham o
comprimento da empena da casa e à medida que vão subindo, afunilam. A boca da chaminé é
protegida com conjuntos de telhas erguidas e encostadas. Trata-se do mesmo sistema
348 GOURHAN, André Leroi; Evolução e Técnicas. II-O Meio e as Técnicas; Edições 70; 1984; p.191 349 GOURHAN, André Leroi ; Op. cit.; p.192 350 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.120
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
87
utilizado nas fendas dos telhados, anteriormente descrito, mas adaptado a uma utilização
mais laborada. As restantes chaminés que se percebem não serem executadas com mesmo
material da casa, são na realidade mais recentes, tanto como as caleiras e cumes de alumínio
que se vão avistando, às quais os moradores recorrem para melhorar as suas condições de
conforto.
4.1.1.7 Elementos Decorativos
“Nesta arquitectura racional e necessariamente austera, a decoração é contida na maior
parte dos casos”,351 além disso, o granito e o xisto não permitem grandes possibilidades de
motivos decorativos nas casas. Nem todas os possuem, na verdade são poucas as que possuem
algo de relevante. O mais comum são inscrições das datas de construção das casas, por cima
das portas, esculpidas no lintel. É interessante notar que esta situação sobrevém nos locais
onde o granito predomina. De modo especial, em Covêlo de Paivô, a inscrição devia ser uma
prática habitual, e as que se distinguiam pertenciam ao século XIX. (figura 81)
351 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.84
Fig.79 – Telha vã (Covêlo de Paivô) Fig.80 – Chaminé rectangular (Covêlo de Paivô)
Fig.81 – Inscrição ‘A 1894’ gravada em lintel de granito (Covêlo de Paivô)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
88
Outro elemento decorativo a destacar são umas saliências de pedra, chamadas mísulas,
encastradas na própria parede, ladeando as janelas, encontradas em algumas casas. (figura
82) Conta Filomena Silva que “era sobre estas que se colocavam vasos com sardinheiras e com
uma planta conhecida por «erva de Santa Bárbara» destinada a afugentar as trovoadas.”352
Em Albergaria-da-Serra avistam-se bancos de pedra no exterior da casa, encostados à sua
fachada frontal. (figura 83) Podem ser reconhecidos como componentes decorativos, um de
cada lado da porta, geralmente uma porta de dois batentes em piso térreo. Os bancos de
pedra vêm preencher a lacuna da varanda, usados como uma componente que convida ao
descanso fora de portas.353
352 SILVA, Filomena; Rio Paiva; Campo das Letras; Arouca; 1999; p.55 353 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos
Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.246
Fig.82 – Janela ladeado por mísulas (Covêlo de Paivô)
Fig.83 – Bancos em casa, junto à porta do curral (Albergaria-da-Serra)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
89
Aproveitando para esclarecer que a presença de varandas, como elemento decorativo nas
serras confinantes a Entre-Douro-e-Vouga é praticamente nula. As poucas varandas existentes
destacam-se da natureza do edifício, como se de um acréscimo recente se tratassem, até
porque ocorrem em casas que sofreram uma reabilitação. As casas que mantêm o seu estado
natural não fazem uso de varanda. O autor Manuel C. Teixeira refere que “a varanda é
simultaneamente local de comunicação entre todos os compartimentos, zona de estar e de
trabalho, dependência que partilha do espaço interior e simultaneamente aberta ao exterior,
participando da vida da casa e do quinteiro.”354 Certamente por estes motivos não
detectados na arquitectura destes povoamentos, a varanda não encontra razões para existir,
especialmente em casas pobres de pequenas dimensões, o mais económicas possível.
4.1.1.8 Interior
O interior destas casas apresenta alguma precariedade, pois absorve a mesma austeridade e
rudeza do exterior. Relativamente às suas divisórias Mário de Araújo Ribeiro refere o de maior
destaque, a sala-cozinha:
“Dentro da casa, o aposento principal era a sala-cozinha, com certo relevo para a
lareira e espaço circundante e quase sempre sem chaminé ou só com uma
abertura no telhado, adequadamente disposta para a saída (parcial) do fumo.”355
Nestas casas não existem salas independentes, a cozinha é o espaço de excelência da casa. O
elemento que ressalta à vista quando nela se entra é a sua lareira, encostada à parede a meio
desta, com o forno ao lado. (figura 84) A lareira baseia-se numa simples laje de pedra onde a
fogueira é ateada. Algumas lareiras, quando a casa possui chaminé, são compostas também
por uma “saia”356 de pedra, ou tabique, por onde o fumo entra até desembocar na chaminé.
Essa saia assenta em pilares de pedra e pode ter uma prateleira na fronte onde se colocam
utensílios de cozinha. Ainda “por trás da lareira, cavada na parede, fica uma espécie de caixa
alta ou pequeno armário aberto – a borralheira ou cinzeiro – onde se deita a cinza.”357 Esta
borralheira não passa de um vazio quadrangular escavado na própria parede. O forno
geralmente situa-se ao pé da lareira, num canto da casa, e em certas ocasiões, à semelhança
da borralheira também se destaca por uma abertura embutida na própria parede.
Além da cozinha existem os quartos ou alcovas e a casa de banho, ambos compartimentos de
dimensões mais reduzidas e separados da cozinha por um tabique. (figura 85) Nestes últimos a
354 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.84 355 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.112 356 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.43 357 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.42
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
90
telha vã é ocultada por tectos de esteira (tábuas entre 10 a 20 cm de largura encostadas
umas às outras).358
O mobiliário das casas é muito parco, constituído essencialmente por uma mesa, uma
masseira, um comprido banco de madeira esculpido rudemente de um tronco, chamado de
escano, situado junto à lareira. Pode-se encontrar também uma ou outra prateleira de
madeira onde se pousavam as louças.359
4.1.1.9 Espigueiros e Eiras
Após a introdução da cultura do milho no país, por volta do século XVIII, começam a surgir os
espigueiros na arquitectura popular, que se tratam de estruturas apropriadas para armazenar
e secar as espigas de milho.360
Nos povoados serranos, os espigueiros encontrados situam-se próximos uns dos outros,
podendo aglomerar-se ao redor de uma eira. (figura 86) Quando assim o é, uma eira comum a
vários espigueiros, trata-se de um local comunitário. Quando a eira apenas possui um
espigueiro adjacente, logo próximos de uma habitação, é porque se trata de uma eira
privada. A eira é o local usado para malhar o trigo ou o centeio.361 As eiras nos locais
visitados, ao contrário dos espigueiros, escasseiam, pois nem todos os espigueiros são
assistidos de eiras. As que se encontram nestas terras são do mais simples em que uma eira
358 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.74 359 SILVA, Filomena; Rio Paiva; Campo das Letras; Arouca; 1999; p.54 360 SILVA, Filomena; Op. cit.; p.57 361 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.91
Fig.84 - Forno embutido na parede no interior de uma cozinha (Espinheiro)
Fig.85 – Parede divisória de tabique com porta para alcova (Espinheiro)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
91
pode consistir, simplesmente distinguidas por um pavimento nu em terra batida, por lajes de
pedra ou assentando directamente na rocha virgem do solo. O formato das eiras pode ser
quadrado ou circular.
Os espigueiros, nesta região, são preferencialmente designados de canastros. “No entanto, o
termo também não é exclusivo desta zona: usa-se em toda a região de Terras de Santa Maria
e até mais para sul ou para poente. Penso que é o termo generalizado na zona de Entre-
Douro-e-Vouga e mesmo mais para sul; segundo Orlando Ribeiro, até ao Buçaco.”362
O termo ‘canastro’ deriva do processo de construção da caixa com que a estrutura é
erigida.363 Esta caixa rectangular estreita alonga-se consoante a capacidade de milho que
cada canastro pretende suportar. Avaliando a olho, um canastro pode ir dos 3,5 metros de
comprimento até atingir as dezenas de metros e a sua largura varia entre os 1,30 e 1,50
metros.364 Observa-se que, em eiras comunitárias, o seu comprimento aumenta
consideravelmente, dividindo-se em corpos ou secções.365 Estas divisões interiores podem ser
removíveis.366
A caixa do canastro é, na maioria das situações, acedida por uma porta presente num dos
topos. É coberta com um telhado de duas águas, em placas de xisto ou telha, semelhante ao
das habitações. O material empregue na construção da caixa são ripas de madeira, dispostas
na vertical ou horizontal, que vão sendo espaçadas de alguns centímetros entre si, devido à
necessidade de ventilação. A estrutura costuma ser reforçada com uma moldura granítica,
apesar de nas zonas mais pobres, se optar pela caixa integral de madeira. Consoante o
comprimento do canastro, vão sendo adicionando colunas nas laterais, para reforço
estrutural.
Segundo Manuel C. Teixeira, os canastros para serem funcionais e eficazes obedecem sempre
a duas regras: “(…) assegurar a ventilação para secar o grão e impedir a entrada dos ratos.
Por essa razão, procuram-se para a sua implantação locais privilegiados relativamente à sua
exposição solar e aos ventos.”367
362 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; pp.113-114 363 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos
Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.58 364 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.90 365 RIBEIRO, Mário de Araújo; O Maciço da Gralheira. Da Freita ao S. Macário. Um guia com algumas
crónicas; Câmara Municipal de Arouca; Arouca; 1999; p.114 366 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.58 367 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.90
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
92
Fig.86 – Espigueiros comunitários com mais de 3,5 m de comprimento (Rio de Frades)
Na Lomba, em Vale de Cambra, os espigueiros agrupam-se alinhados em duas filas, situados
no ponto alto e ermo da aldeia, junto à capela. (figuras 87 e 88) A localização destes é
privilegiada pelas boas condições de exposição solar e ventilação a que estão sujeitos. Em Rio
de Frades, os espigueiros comunitários situam-se na parte mais alta da localidade. Do mesmo
modo, procura-se elevar a caixa do canastro da superfície do solo, para evitar a humidade do
solo e prevenir a chegada de roedores ao seu interior. Para o efeito, eles dispõem de suportes
que combinam pés - blocos graníticos ou em xisto assentes verticalmente numa soleira – nos
quais se apoia uma mesa ou mó - uma laje vertical do mesmo material.368 É esta a base
responsável pelo suporte da caixa de madeira. Em Rio de Frades observam-se mesas vazias,
sem os seus respectivos canastros, algumas delas apoiadas em muros ladeando o caminho.
Este pormenor deve-se ao facto de alguns canastros se situarem atravessados sobre os
caminhos dos povoamentos. Neste caso em particular, o canastro já tinha desparecido.
Constata-se, à semelhança do apresentado pelo Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal,
sobre estes elementos:
“Assumem assim posições inesperadas, ombreando com as árvores vizinhas e,
enquanto todas as outras construções se aconchegam à terra, estas estreitas e
compridas urnas sobressaem do conjunto.”369
368 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.90 369 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos
Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.60
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
93
Fig.87 – Espigueiros concentrados próximos á capela (Lomba) Fig.88 – Alinhamento dos espigueiros em fileiras paralelas (Lomba)
Sendo que os canastros são também avistados com imensa frequência na região do Minho,
pode-se dizer que existe uma grande diferença para os espigueiros minhotos e estes canastros
serranos de Entre-Douro-e-Vouga. Essa diferença reside na carência de motivos decorativos e
na rudeza destes últimos. Os minhotos cuidam mais a estética dos seus espigueiros, criando
frontões de granito nas empenas, coroando os seus topos com cruzes, gravando detalhes na
pedra e optando por um aparelho mais cuidado do granito, visto que no Minho todos os
espigueiros combinam o granito com a madeira. Segundo Manuel C. Teixeira:
“É nos espigueiros que a arte do granito alcança maior detalhe e alguma
exuberância.”370
Contrariamente, pelas terras em estudo, não existe tanta preocupação no tratamento, devido
à maior pobreza de recursos. Os frontões de granito não se usam, apenas a madeira que sobe
até atingir a cobertura, e as cruzes também não aparecem.
Neste conjunto de eira-canastro, avistam-se por vezes edifícios de arquitectura elementar,
chamados de casas de eira ou palheiras. (figura 89) As palheiras avistadas são erigidas com o
mesmo material das habitações. Filomena Silva relata-os como “edifícios simples, por vezes
amplos, e com grande arejamento, na medida em que podiam ser utilizados como locais de
seca de alguns produtos, caso das cebolas, dos alhos, ou outros, antes de serem
enrestiados.”371
370 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.90 371 SILVA, Filomena; Rio Paiva; Campo das Letras; Arouca; 1999; p.59
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
94
Na Lomba é interessante observar que na colina destinada aos espigueiros existem, para além
deles e da capela, um conjunto de edifícios térreos, elementares, que se tratam de lojas,
palheiros e até currais. (figura 90) À semelhança dos espigueiros alinham-se lado a lado,
formando no seu conjunto uma espécie de abertura de alas que culmina com a capela no seu
extremo. Sem uma eira presente, esta colina é especialmente reservada ao armazenamento e
tratamento de alfaias agrícolas e animais, mantendo simultaneamente a essência do local de
culto. Por uma questão de crenças, assemelhadas aos minhotos, os frutos do trabalho são
depostos aos cuidados divinos.
Fig.90 – Palheiros/Currais agrupados (Lomba)
4.1.1.10 Influências
Embora o livro Arquitectura Popular em Portugal, introduza a sub-região de Entre-Douro-e-
Vouga na região intitulada ‘Minho’, esta apresenta traços que, apesar de familiares, são bem
Fig.89 – Palheira de xisto próxima dos espigueiros (Rio de Frades)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
95
mais assingelados que a arquitectura minhota serrana, examinando-se pela ausência de
varandas, pela simplificação das coberturas, a modéstia dos canastros e a redução dos
detalhes decorativos.
Segundo a autora Filomena Silva, as habitações tradicionais da bacia do Paiva, enquadram-se
no estilo da arquitectura beirã.372 Por uma verosímil semelhança de conceito entre as
habitações serranas de toda esta sub-região, afectas ao conjunto do Maciço da Gralheira,
poderiam ser todas elas associadas à arquitectura beirã, e não exclusivamente as da bacia do
Paiva.
As características da arquitectura beirã não discordam muito “dos caracteres gerais da casa
nortenha”373. Para Mário Moutinho, a zona beirã interior do país, povoa-se pelo tipo da casa
serrana374, logo é viável admitir que a arquitectura beirã e a arquitectura minhota
desassociam-se numa linha muito ténue, sendo que no seu todo patenteia-se um grande
vínculo entre ambas. Adindo ainda o ponto exposto pelo inquérito à Arquitectura Popular em
Portugal, em que imputa à Zona 3, chamada Beiras, a falta de unidade arquitectónica,375 é
compreensível que existe dificuldade em demarcar fronteiras que apartam a casa minhota da
beirã:
“E a expressão geral dos edifícios é sóbria, rude, máscula, sem subtilezas, nem
grandes grandes voos de imaginação-“376
Na via das particularidades, pode-se distinguir na arquitectura beirã a construção de um
palheiro independente ao lado da casa, de modo mais precário, em alguns casos, um terceiro
piso para armazenamento de produtos agrícolas e também o caiado das molduras das
portas.377 A presença do palheiro como construção contígua é confirmada em certas terras,
com destaque para Albergaria-da-Serra, Cabaços e Lomba, no entanto, ainda não
suficientemente consolidada para se afirmar como um traço predominante da arquitectura de
montanha da sub-região. A utilização de bancos de pedra no exterior junto à porta é também
uma característica repercutida nas Beiras, onde as varandas escasseiam.378 Outro factor
característico de uma região mais restrita das Beiras são as casas térreas de telhados de
colmo. Esta é uma particularidade evidenciada na serra de Montemuro, contígua ao Maciço da
372 SILVA, Filomena; Rio Paiva; Campo das Letras; Arouca; 1999; p.53 373 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.145 374 Ver secção 3.2 – “Arquitectura Popular” 375 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos
Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.241 376 AA.VV.; Op. cit.; p.241 377 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; pp.145-146 378 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos
Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.246
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
96
Gralheira, e fruto dessa imediação distendeu a sua influência a alguns territórios cercanos,
como é o caso de Cabaços.379
Constata-se que a vertente serrana de Entre-Douro-e-Vouga poderá carecer de algumas
técnicas construtivas, aliadas ao isolamento e pobreza do loca, porém, do outro lado da
moeda, poderá habitar um povo não tão preocupado com certas questões formais,
conformando-se somente com a resposta às necessidades básicas, que confrontam a
agricultura e o repouso. Esta é a mesma premissa pela qual se regiam os povos proto-
históricos, sendo que algumas marcas castrejas ainda são notórias nos povoados serranos. As
paredes arredondadas (figura 91), as coberturas vegetais, em colmo e o aparelho rudimentar
da pedra, no exterior. No interior mantem-se a importância e centralização da lareira,
sempre com a sua base lajeada. Ao redor, no povoado, o chão revestido de lajes de pedra, é
uma herança das vias romanas. Outro motivo que denota influências castrejas do período da
romanização, é a mesa/masseira (figura 92), encontrada em algumas casas. O seu aspecto
assemelha-se muito à mesa romana encontrada no castro de Romariz380, no entanto, talhado
de modo mais grosseiro e com dois pés na vez do colunelo central.
Nem por isso se deve subentender que a modéstia arquitectónica desta zona pressuponha uma
menor evolução. A evolução existe de facto, verificada como a adaptação das características
proto-históricas e romanas às exigências das vivências destes povoamentos de montanha.
Fig.91 – Parede arredondada (Covêlo de Paivô) Fig.92 – Mesa/masseira encontrada numa cozinha (Espinheiro)
379 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos
Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.245 380 Ver subsecção 2.2.2 - Romanização
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
97
4.1.2 A Casa de Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Oliveira de
Azeméis
Descendo da faixa interior serrana de Entre-Douro-e-Vouga para o território de vale a poente,
deparam-se estes três concelhos que, como acima já se pode concluir, por vários factores,
inserem-se no mesmo padrão de áreas urbanizadas consolidadas com o meio rural.
Em Santa Maria da Feira observam-se os casos particulares das freguesias de Guisande,
Romariz e Louredo, três freguesias da nascente do concelho, que ainda não foram afectadas
pelo acrescido desenvolvimento urbanístico vivido a poente.
Em Oliveira de Azeméis analisam-se as freguesias de Fajões (lugares de S. Mamede e S.
Martinho) e Carregosa (lugares de Azagães e Marvila). (Figura 93) Estas terras contêm
pequenos lugares irradiados pela malha verde dos campos e incultos, onde ainda é possível
avistarem-se casas antigas de lavoura por entre o casario adulterado.
O concelho de S. João da Madeira, o de menor em extensão geográfica do país381, trata-se
actualmente de um centro urbano, homogéneo e sólido. O crescente progresso cobriu
qualquer vestígio de uma precedente ruralidade. Porém, considerando que S. João da Madeira
foi parte de Oliveira de Azeméis até princípios do século XX382, este último concelho contém a
informação necessária para deslindar a arquitectura sanjoanense mais obsoleta.
Fig.93 – Localização dos locais em análise
381 Ver subsecção 2.3.1 – “Concelhos Integrantes – Síntese” - ponto 2.3.1.3 – “São João da Madeira” 382 Ver subsecção 2.3.1 - “Concelhos Integrantes – Síntese” - ponto 2.3.1.3 - “São João da Madeira”
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
98
4.1.2.1 O Povoado
São estas terras de planalto, já fora do domínio das montanhas, povoamentos assinalados pela
disseminação do casario, com algumas semelhanças aos povoados de vale minhotos, contudo,
numa sub-região como Entre-Douro-e-Vouga, que admite a transição da região minhota para a
beirã, a dispersão descortinada a norte evidencia-se a uma escala menor, para dar lugar à
organização beirã litoral, onde o casario se alinha ao longo das vias de comunicação. Nada
que não tenha sido anteriormente esclarecido.383
As terras dispostas como casos de estudo são locais algo pobres, analogamente à sede do seus
concelhos, que ainda se esforçam para manter o seu elo com a agricultura e outras tradições
populares. Estas populações também sofrem com o êxodo rural, todavia em menor escala que
os povos serranos. Os seus familiares tendem a aproximar-se dos centros urbanos, optando
por fixar lá residência. Desta forma, a nova construção civil é parca por estes lugares, ainda
assim o difícil é encontrar a pureza das raízes tradicionais e não propriamente os frutos da
modernidade. E se por um lado estas terras vão sofrendo de uma paulatina incúria e
indiferença, por outro, as directrizes populares que as definem não se vêem derrubadas pelo
preço da evolução, apenas abandonadas, degenerando com o passar dos anos.
À semelhança dos povoamentos de montanha destacados anteriormente, avistam-se inúmeros
minifúndios, cultivados de batatas e milho, espalhados por toda a parte. A paisagem é
verdejante, alternando a horizontalidade das terras, com a verticalidade das árvores do
mato, sobretudo o pinheiro bravo.
Um contraponto com os povoados serranos é a heterogeneidade do casario. (figura 94) Por
aqui não existe um estilo único, repetido de casa em casa. Não se podem definir
simplesmente como aldeias de xisto ou aldeias de granito. Há uma profusão de soluções
arquitectónicas que, embora aparentadas, dificultam a tarefa de formalizar uma definição
abrangente. As edificações que surgem vão desde casas de lavoura do século XIX, até às mais
contemporâneas, contudo, a grande maioria tratam-se de casas datadas de meados do século
XX.
383 Ver subsecção 3.1.2 - “Síntese Descritiva dos Tipos de Habitação Popular”.- ponto 3.1.2.2 – “Casa
serrana”
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
99
4.1.2.2 Acessibilidades
As ruas são de fácil acesso, com largura suficiente para a circulação automóvel. Ao contrário
da montanha, por aqui não existem os caminhos de terra, que outrora eram numerosos. Todas
as vias estão alcatroadas, raros os casos revestem-se de calçada. Este é outro dos principais
contrapontos com a serra, onde a presença de asfalto é uma raridade, e seria talvez uma
preciosidade para as populações isoladas.
As habitações de interesse, as mais antigas, não possuem um núcleo de inserção, pois tal
como os povoamentos disseminados do Minho fazem ver, elas surgem em pontos aleatórios da
freguesia, ou lugar, numa penetrante afinidade com os terrenos de cultivo. Por disporem de
mais espaço na sua envolvente, ao contrário das casas serranas, estas não costumam
comunicar directamente com a rua. Têm a oportunidade de proverem de um quinteiro, no
qual se entra por uma larga porta de dois batentes, a chamada porta carral.384 “Por vezes,
este portal abria-se na fachada da casa construída à face da rua, acedendo-se ao quinteiro
situado nas traseiras através de uma passagem por baixo do piso sobradado.”385 (figura 95) Ou
como alternativa, a porta carral rasga altos muros, encimada por um pequeno telheiro de
duas águas (figura 96) e sem passar sob o piso sobradado alcançava directamente o quinteiro.
384 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.46 385 TEIXEIRA, Manuel C.; Op. cit.; p.46
Fig.94 – Disposição do casario entre campos e incultos (Guisande)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
100
Uma vez dentro do quinteiro poderá aceder-se ao interior da casa pelas escadarias que
conectam ao andar da habitação. Encostadas ou perpendiculares à fachada, elas culminam
num patamar simples, quadrangular, protegido, ou não, por uma guarda de pedra ou por
grades de ferro. (figura 97) Em algumas situações encontram-se escadarias na empena ou na
fachada frontal, encostadas à parede. (figura 98)
Esta situação não implica que não exista um quinteiro, mas pode significar que o acesso ao
quinteiro não é feito directamente por uma porta carral, antes contornando a casa, visto que
algumas vezes as portas carrais abrem directas para a loja, não comunicando com o quinteiro.
Quando sucedem estes casos, os quinteiros, por norma, não se encontram cercados de
independências, sendo que podem ser meramente utilizados como simples hortas.
Fig.95 – Acesso ao quinteiro pela porta carral transpondo um coberto (Fajões)
Fig.96 – Porta carral encimada por telheiro (Carregosa)
Fig.97 – Escadas acedidas por quinteiro (Carregosa) Fig.98 – Escadas na empena do casa (Carregosa)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
101
A regra do quinteiro não é geral, nem obrigatória, mas nas casas de maiores dimensões tem
sempre um ponto de destaque.
4.1.2.3 Estrutura
As casas de vale seguem igualmente a regra do modelo arquitectónico das casas de andar e de
planta rectangular alongada.386 Novamente o piso de rés-do-chão destinado a currais e o
andar sobradado para habitação. As casas serranas obedecem encontram-se nesta matriz,
logicamente, porém mais modestas e básicas. A casa das terras baixas, ou casa de vale, é
guarnecida de um quinteiro e a existência deste vazio, complementar da propriedade
privada, propícia a criação de mais espaços anexos. Assim o quinteiro sustenta ao seu redor
outros compartimentos dependentes da habitação que se distinguem pelas diferentes
finalidades propostas. (figura 99) Partilham da mesma utilidade do piso de rés-do-chão,
podendo conter outros currais, nesta zona designados de aidos, palheiros, adegas, lojas de
arrumos das alfaias e instrumentos agrícolas, entre outros. Nestas situações, com a existência
destes anexos, o rés-do-chão nem sempre é utilizado como cortes de gado. Esta solução era
preferencialmente adoptada para o aproveitamento do calor emanado pelos animais, para o
aquecimento do piso superior.387
A casa térrea erigida nesta zona, quando não possui dependências anexas, assimila-se à casa
térrea serrana, ou seja, assinala a pobreza maior das famílias que não detêm propriedades.
Embora muitas famílias destas terras sejam consideradas economicamente carecidas,
sobrevivem à custa dos produtos que cultivam e dos animais que criam. Além dos campos,
ainda trabalham pequenas ou médias hortas dentro dos limites das suas casas (figura 100),
pois os campos nem sempre eram contíguos à habitação. As famílias serranas não usufruem de
386 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.42 387 TEIXEIRA, Manuel C.; Op. cit.; p.46
Fig.99 – Dependências da casa em redor do quinteiro (Guisande)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
102
hortas em terreno privado, nem têm a mesma proximidade dos centros urbanos que uma
povoação de vale. A pobreza vivida em povoados solitários das serranias agrava-se,
analogamente às terras baixas. Como reflexo dessa evidência, a casa de uma família de
poucas posses, nas terras de povoamento disperso, possui maiores dimensões e melhores
condições que um pobre lar de montanha. Não são famílias ricas, mas com um nível de vida
satisfatório para contraporem nitidamente as dimensões e condições das suas casas com as
famílias serranas. Nas terras baixas encontra-se “sem meio termo: ou estes discretos abrigos
ou as arquitecturas monumentais.”388
Por fim os habitáculos das famílias mais abastadas, proprietárias de abundantes terrenos,
entendem-se como arquitectura erudita. Na visão de Manuel C. Teixeira:
“(…) podemos caracterizar a arquitectura erudita como sendo aquela que
resultou de um maior investimento de material, em que havia a possibilidade de
recorrer a especialistas ou a pedreiros mais hábeis (…).”389
4.1.2.4 Paredes e Pavimento
As soluções apresentadas para resolver a elevação das paredes diversificam-se nestes
povoados. Em todas as freguesias vários modelos ganham vida com a aplicação de técnicas
mais elaboradas do que nas serras. Por lá, um lugarejo assente num afloramento xistoso,
usufruía exclusivamente do xisto, por exemplo. Nestas terras baixas o xisto desaparece,
restrito apenas para a serra. A alvenaria de pedras toscas, de dimensões irregulares é
388 AA.VV.;Arquitectura Popular em Portugal; volume 1; Edição Sindicato Nacional dos Arquitectos/Ordem dos Arquitectos Portugueses; Lisboa; 1961; p.72 389 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.106
Fig.100 – Hortas que servem a casa contíguas ao quinteiro (Romariz)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
103
mormente empregue até ao século XX, neste tipo de construções.390 (figura 101) Em oposição
às casas serranas, de pedra seca391 (sem ligação de argamassa), a junção dos blocos é
reforçada por uma argamassa de cal e areia.392 A parede possui duas fiadas de alvenaria,
preenchidas no seu interstício por material granuloso de pequenas dimensões. Para garantir a
firmeza da parede, utilizam-se perpianhos, ligadores de pedra ou madeira, que cumprem toda
a espessura da parede.393 Devido a este sistema construtivo as paredes ficam com uma
espessura entre os 0,30 e os 0,40 metros. Frequentemente revestidas de reboco, elaborado
em saibro e cal, as casas de vale optam por não deixar a pedra a descoberto. Nas habitações
mais abastadas alguma pintura cobria o reboco. (figura 102) Actualmente encontram-se
parcos vestígios da sua presença, pois a demão de tinta veio-se deteriorando com o passar dos
anos.
Fig.101 – Paredes em pedra tosca à vista (Fajões)
Fig.102 – Paredes rebocadas com pintura (Romariz)
O pavimento destas habitações utiliza a regra serrana. O piso sobradado é assoalhado
frequentemente em solho ripado. Nas cozinhas, o soalho dá a vez à pedra, em blocos ou laje,
no local destinado à lareira, similar à casa serrana. (figuras 103 e 104) Este soalho apoia-se
em vigas de madeira que se inserem em cavidades aprofundadas na própria parede. Em
algumas situações também podem suportar-se em frechais, vigas maiores de madeira
encostadas à parede e encastradas nestes, circundando todo o perímetro.
390 http://www.civil.ist.utl.pt/~joaof/ad/05%20-%20Alvenaria%20de%20pedra-patologia%20e%20Inspec%C3%A7%C3%A3o%20-%20PB.pdf ;p.18 (consultado a 19-07-2014, às 20:40h) 391 Idem; p.19 (consultado a 19-07-2014, às 20:40h) 392 Ibidem; p.17 (consultado a 19-07-2014, às 20:40h) 393 Ibidem; p.17 (consultado a 19-07-2014, às 20:40h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
104
Fig.103 – Pavimento com laje de pedra (Guisande) Fig.104 – Estrutura de pavimento assoalhado, visto de uma adega
(Guisande)
Os compartimentos inferiores, onde residem as lojas e os aidos, mantêm-se em terra batida,
do mesmo modo que o quinteiro.394 (figura 105)
4.1.2.5 Portas e Janelas
As aberturas de janelas nas fachadas das casas das terras baixas são mais numerosas que as da
serra. Na serra elas procuram localizar-se nas fachadas principais, voltadas para a rua, e
também nas mais beneficiadas pela exposição solar, caso estas não sejam as principais. É
normal encontrar paredes sem qualquer tipo de abertura, usualmente as empenas do edifício.
Em terras baixas todas as fachadas são aproveitadas. Existe maior afastamento entre
394 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.74
Fig. 105 – Piso da adega em terra batida (Guisande)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
105
edifícios, para além de que o terreno não apresenta fortes declives, havendo mais planura, e
estes são motivos que reforçam a probabilidade da incidência solar se verificar com mais
homogeneidade nas diversas orientações das casas.
A porta principal da habitação, e frequentemente a única, continua a ser a porta de madeira
que acede à cozinha. Além desta existem os largos portais de madeira chapeada, de dois
batentes, comunicando com as lojas e currais. (figura 106) As casas possuem algumas
dependências, os compartimentos anexos não se resumem apenas ao rés-do-chão, logo é
natural que cada dependência possua a sua própria porta, algumas de um só batente,
conforme a função que desempenhe.
Fig.106 - Portas com acesso a lojas na fachada frontal da casa
(Carregosa)
O sistema construtivo de portas e janelas é exactamente o mesmo empregue nos povoados de
montanha. Porém, sendo estes últimos mais escassos de recursos, nomeadamente a pedra,
recorriam inúmeras vezes ao uso de barrotes de madeira, ou tábuas, para a contenção e
reforço das ombreiras e lintéis. Nos povoados de vale a madeira é muito pouco avistada a
desempenhar esta função, sendo que a estrutura, na íntegra, é preferencialmente de pedra.
Em várias casas, as ombreiras e os lintéis que abrem o vão das aberturas (portas e janelas),
concretizam-se em blocos de pedra bem aparelhada. A moldura do vão, quando tem este
tratamento cuidado, destaca-se do reboco. (figura 107) Quando se tratam das portas
principais da habitação, o cuidado na imagem é maior, visto que as portas dos edifícios
anexos não detêm a mesma importância, sendo que as ombreiras e lintéis usam as pedras
mais toscas, rebocadas ou não. As habitações mais pobres, com a pedra à vista, utilizam
vários blocos de dimensões irregulares, à semelhança das serranas, tentando compor soluções
delicadas como o exemplo abaixo exposto, onde um arco em pequenos blocos de pedra coroa
o vão de entrada da porta carral. (figura 108)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
106
Outra diferença em relação às casas serranas, aponta para a localização da janela, com maior
intervalo da cobertura e de maiores dimensões e ainda para a ausência do grande singular
bloco granítico empenhado como peitoril. Contudo este pormenor é relembrado numa ou
outra situação em que o edifício, passando por um processo de reabilitação no qual a
dimensão ou o posicionamento da janela são alterados, acaba por evocar o peitoril da janela,
delineado numa esquadria de pedra cuidadosamente executada. (figura 109) No âmago da
questão, o modo de operação na abertura dos vãos partilha, ainda assim, das normas
construtivas genéricas das singelas casas da serrania. As habitações mais abastadas tendem a
esmerar o entalhamento da moldura das suas janelas, rebuscando detalhes no granito, ou em
alguns casos, revestindo-a de azulejos cerâmicos. (figura 110) O estilo de abertura da janela
continua em guilhotina ou em dois batentes, com caixilharia e portadas de madeira. Os
postigos abrem-se nos pisos inferiores para permitirem a entrada de ar nos aidos e lojas.
FIg.107 – Porta com moldura granítica sobressaindo em parede rebocada (Carregosa)
Fig.108 – Moldura em blocos de pedra irregular, encimada por arco (Carregosa)
Fig.109 – Janela com moldura imitando peitoril (Fajões)
Fig.110 – Molduras revestidas em cerâmica (Guisande)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
107
Observa-se um enquadramento mais regulado das aberturas na fachada. (figura 111) As
janelas alinham-se de modo mais organizado e sem muita variação nos seus tamanhos,
característica poucas vezes avistada nos povoamentos serranos, onde a desmesura era bem
comum.
4.1.2.6 Cobertura
As coberturas repartem o protagonismo entre duas e quatro águas. As coberturas de duas
águas revelam-se sobretudo em casas mais pequenas, quase elementares, sendo que todas as
outras casas optam pela cobertura de quatro águas, com uma inclinação ligeiramente mais
acentuada, comparativamente às serranas. As lâminas de xisto e as coberturas de colmo não
se empregam em terras baixas e apenas a telha de canudo ou a telha de marselha, posterior à
de canudo, são responsáveis pelo revestimento do telhado. (figura 112) A utilização de
materiais cerâmicos em coberturas é um costume que remonta ao tempo dos romanos395, já
observado na domus do castro de Romariz. A telha de canudo sempre foi a preferida para
soluções tradicionais devido à facilidade em ser produzida manualmente e sem grandes
exigências de qualidade do barro.396 “São montadas em filas de canais longitudinais com
juntas simplesmente sobrepostas, sem que haja um travamento lateral eficaz, o que origina
uma má estanquicidade em coberturas pouco inclinadas.”397
Actualmente, com as reformas constantes às coberturas, a telha de aba e canudo, conhecida
por telha lusa, é a solução mais optada.398 A cobertura de telha, quer em canudo ou em telha
marselha, permitia soluções mais eficazes do que as propostas nos povoados da serra. Lá,
395 http://home.fa.utl.pt/~lcaldas/Telha1.pdf; p.1 (consultado a 20-07-2014, às 20:27h) 396 Idem; p.7 (consultado a 20-07-2014, às 20:27h) 397 Ibidem; p.7 (consultado a 20-07-2014, às 20:27h) 398 Ibidem; p.8 (consultado a 20-07-2014, às 20:27h)
Fig.111 – Alinhamento regular e simétrico de janelas e postigos (Carregosa)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
108
onde as cumeeiras e os beirais eram suprimidos pela simplicidade extrema da ardósia, apenas
em casos de serventia da telha eram preenchidas estas lacunas. Nos telhados em canudo ou
executam-se os beirais com telhas em menor inclinação, podendo ser usada também a técnica
da aplicação da telha no sentido oposto às restantes. Alguns telhados em telha de marselha
optam pela telha de canudo para a execução dos beirais. Encontram-se beirais das empenas e
cumeeiras delineadas com a sobreposição de canudos ligados com argamassa (figura 113),
visto que “a aplicação de argamassas nas telhas aumenta a sua estanquicidade mas também
aumenta o peso total do telhado e dificulta a sua substituição.”399
A estrutura de madeira subjacente ao telhado segue os mesmos preceitos das casas serranas,
elegendo o método simples dos caibros, terças e vigas, apoiados na cumeeira e encastrados
nas paredes, ou o método das asnas, chamado sistema de tesouras.400
As chaminés existem nas coberturas das terras baixas, delgadas e quadrangulares ou
rectangulares, da largura da casa e afunilando até ao topo (figura 114 e 115), sendo estas
últimas as mais antigas. Estas iniciam no interior da cozinha, sobre o espaço destinado à
lareira, com um largo saial que se prolonga pelas paredes até atingir o cume. Sobre a
chaminé Ernesto Veiga de Oliveira revela:
“A chaminé pequena, estreita e alta parece, por toda a parte, ser de introdução
recente (…).”401
A boca da chaminé, nas serranias, protegida com conjuntos de telhas erguidas e encostadas,
passa a funcionar por intermédio de aberturas laterais no topo da chaminé. Quando assim não
399 http://home.fa.utl.pt/~lcaldas/Telha1.pdf; p.1 (consultado a 20-07-2014, às 20:27h) 400 Ver subsecção 4.1.1 – “A Casa de Arouca e de Vale de Cambra” - ponto 4.1.1.6 – “Cobertura” 401 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.35
Fig.112 – Cobertura em telha de canudo (Romariz) Fig.113 – Cobertura de telha de marselha
com beirais de telha de canudo (Fajões)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
109
se verifica, é normalmente protegida com o mesmo processo da cobertura, um pequeno
tejadilho de duas águas. A telha vã rareia e praticamente já não se avista.
4.1.2.7 Elementos Decorativos
Em casas como estas os elementos decorativos não têm visível destaque. Prendem-se a
pequenas detalhes que não vemos na serra, enquanto outros são repetidos ou adaptados,
como mísulas aprimoradas e até bancos e canteiros adunados à fachada.
Nas paredes, fachadas lisas rebocadas, a pintura é um primor que quando empregue,
geralmente em branco, colore os rodapés da casa e as molduras dos vãos de uma cor
diferente. (figura 116) Ernesto Veiga de Oliveira acrescenta a este facto, alegando que “é
frequente mostrarem um rodapé de cor, geralmente cinzento, e cunhais, e beirais e
guarnições de portas e janelas de cantaria, perpianho ou alvenaria.”402
Este hábito de caiar molduras já é visto nos povoados serranos, quando a moldura das portas
é caiada para contrastar do material da casa. Eis a prova que nas terras baixas, este ensejo
decorativo é levado mais avante, por famílias com mais meios de subsistência. Ainda assim,
considera-se aqui a pintura como uma opção decorativa, pois nem todas as casas escolhem
colorir o seu reboco. Curiosamente, voltando às cercanias da serra, a única casa rebocada e
ornada com motivos pintados de azul, formando um padrão que imitava azulejaria na fachada
frontal, era precisamente a residência mais abonada do local, certamente pertencente a uma
família bem influente. (figura 117)
402 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.31
Fig.114 – Chaminé afunilada (Fajões) Fig.115 – Chaminé afunilada (Louredo)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
110
Fig.116 – Casa de rodapé pintado sobre parede caiada (Carregosa)
Fig.117 – Casa com pinturas padronizadas sobre reboco (Covêlo de Paivô)
Os frisos de cornijas, os beirais e cunhais abrilhantam a fachada (figura 118), ainda que de
modo discreto, transportando reminiscências neoclássicas para o rústico das aldeias, ainda
que não seja um fausto para todas as famílias, somente para as mais influentes. É uma arte
que implica um fino lavramento da pedra de granito e aplica-se em outros motivos
decorativos que embelezam as molduras das portas, com guarnições floreadas, inscrições e
símbolos. (figura 119)
Fig.118 – Friso de cornija na esquina de casa (Fajões) FIg.119 – Porta carral com motivos
floreados esculpidos em granito (Guisande)
Os telhados também podem ser motivo de decoro com o acréscimo de pináculos nos seus
cumes, tal como nas chaminés e até mesmo pequenos detalhes pintados nos seus beirais.
(figura 120 e 121)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
111
As varandas mais uma vez não são usuais, a não ser nas casas de arquitectura erudita. Em
habitações de lavradores abonados, abriam-se pequenos varandins em sacada, protegidos por
grades de ferro. (figura 122) Estas grades quer em varandas, quer em escadarias, são um luxo
repletas de motivos.
O adorno do edifício também pode ser concretizado por intermédio de vegetação.
Usualmente encontram-se plantas trepadeiras, por exemplo as heras, revestindo parte da
fachada. Porém a sua utilização não se baseia somente a fins estéticos, mas também
contribui para amenizar a temperatura do edifício.
Fig.120 – Pináculos em telhado (Guisande)
Fig.121 – Detalhes pintados nas telhas do beiral (Fajões)
Fig.122 – Varanda de sacada em casa de lavoura abastada (Guisande)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
112
4.1.2.8 Interior
A simplicidade reflectida no aspecto exterior do edifício é um eco do que as suas quatro
paredes encerram. Observa-se que o interior da casa serrana canaliza o núcleo do habitar
para a cozinha, o maior e mais importante cómodo da casa. Em terras de vale, a importância
da cozinha permanece activa, embora deixe de ser o compartimento de excelência da casa
legando o seu desempenho à sala, que surge assim com o objectivo de reunir a família em
ocasiões cerimoniais. Possui dimensões menores que a cozinha, pois não se mantém
constantemente ocupada. Mesmo sendo de uso esporádico, foi criada e mantida, até aos dias
actuais, como o cartão-de-visita da casa, destacando-se então como um local arrojado, onde
o melhor mobiliário é exposto. Em alguns casos, especialmente quando a casa é térrea, a sala
costuma possuir uma porta que a conecta ao exterior.403
As cozinhas pouco variam do exemplo da serra. Adoptam o mesmo negrume interior e
conferem a mesma primazia à lareira. Mais uma vez é um elemento central, onde a sua base
revestida em laje de pedra deixa facilmente a função. No perímetro da laje levanta-se uma
saia, ou campana, edificada em tabique ou pedra, que se abre na largura total da chaminé,
suportada por um barrote de madeira de percorria todo o comprimento da cozinha, acabando
normalmente encastrado na parede, ou apoiado em pilares. Nas casas de montanha, a saia
não tem uma utilização costumeira, devido à quase inexistência de chaminé. Pelo contrário,
nas terras baixas elas sempre têm evidência. O forno mantém as premissas da casa serrana,
tal como o restante mobiliário.“Os fornos mais antigos eram feitos de pedra, revestidos a
barro, sendo mais recentemente construídos inteiramente de barro ou de tijolo.”404
Estas habitações controlam a organização dos vários cómodos com a mediação de um espaço
nulo ou corredor, nas casas mais antigas em formato quadrangular. Assim utilizam-se portas
interiores, algo que na serra era evitado, precisamente pela ligação directa da cozinha às
alcovas. Sucede que as casas mais simples, próximas da elementaridade, permanecem nas
normas encontradas nas casas de montanha. Quanto mais abonada a habitação, mais aumenta
o número de cómodos. As divisórias mantêm-se em tabique, revestidas de gesso e cal.
Existe uma repartição da habitação que em alguns casos era deslocada para fora do núcleo
habitacional, passando a ter lugar num pequeno cubículo nas traseiras, ou quinteiro, da casa.
Refere-se à casa de banho (figura 123 e 124), que mais não era do que uma escura cabina
com uma caixa de madeira a um canto, onde se abria um orifício que ligava directamente ao
depósito de águas residuais, a chamada fossa. Nas figuras abaixo observadas, denota-se que o
403 De relembrar que as habitações com varanda não são muito usuais. A varanda, servindo também
como conexão entre alguns compartimentos, por exemplo, sala e cozinha, o que implica que cozinha e sala possuam porta. Com a ausência de varanda, o acesso à sala passa a ser feito por intermédio da cozinha. 404 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de
Valdevez; 2013; p.47
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
113
cubículo foi executado em tijolo de barro, mas apenas neste caso, visto tratar-se de um
acréscimo feito pelo proprietário numa ocasião em que o antigo cubículo tinha sido demolido.
Quando existia a desvinculação da casa de banho em relação à habitação, devia-se
principalmente à rápida conexão com a fossa e assim também uma forma de afastar um local
considerado menos decoroso da restante residência.
Fig.123 – Cubículo de casa-de-banho no exterior, inserido no quinteiro junto às lojas (Guisande)
Fig.124 – Caixa em madeira que faz de sanita
4.1.2.9 Espigueiros e Eiras
Tomando como influência os espigueiros minhotos, as terras baixas são algo mais arrojadas na
construção destes celeiros e, embora não chegue a reproduzir na íntegra a mestria minhota, o
certo é que se destaca pela diversidade formal dos seus canastros.
Na serra, tal como o povoado aglomerado, também os canastros comunitários se aglomeravam
num local específico e alto. No povoamento disperso, casa habitação tem o seu próprio
canastro, sendo este de uso privado, e com efeito, o comprimento da caixa diminui face aos
serranos. Cada lar constrói o canastro a seu próprio gosto, adaptando-o ao espaço e
conferindo-lhe a forma e o material preferentes, ou convenientes.
Relativamente à forma, existem canastros rectangulares, de duas águas, como existem
também os canastros quadrangulares de quatro águas. (figuras 125) Os seus apoios podem ser
em pilares, mas também é frequente o apoio numa caixa de pedra maciça. Esta última é a
mais comum por terras de Entre-Douro-e-Vouga. A caixa de pedra pode englobar mais
material, mas a construção e os acabamentos são bem mais práticos do que o sistema de
pilares. O objectivo de afastar o canastro da humidade do solo e da invasão dos roedores,
continua bem-sucedido. Em canastros mais ricos, abrem-se na base de pedra orifícios
quadrangulares, cuja função é permitir a saída das espigas directamente para a eira, aquando
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
114
da época da malha do milho. Outros canastros que se anexam a alguma loja ou palheiro,
estão providas de uma porta ao centro da base de pedra, que faz o acesso a esse espaço.
A construção da estrutura dos canastros coaduna madeira e granito. Os casos cuja caixa se
concretiza na totalidade em madeira, são encontrados apenas nos pobres povoados serranos.
Nas terras baixas, os esteios de granito sustentam as esquinas e o restante revestimento pode
ser, quer em ripado de madeira, quer em tijolo de burro, alinhado de modo a permitir frestas
para a circulação do ar.
Fig.125 – Espigueiro rectangular sobre caixa de pedra (Fajões)
Fig.126 – Espigueiro quadrangular sobre pilares de granito (Guisande)
E se os canastros serranos revelam uma rara ornamentação, estes das terras baixas
aproximam-se mais do ideal espigueiro minhoto, que neste caso, “para além dos elementos
arquitectónicos que caracterizam o espigueiro, este é frequentemente encimado por algum
elemento de adorno, na maioria das vezes uma cruz, pretendendo-se assim abençoar o milho
que se irá transformar (…).”405
A cruz não tem tanta visibilidade nestas terras, mas na sua substituição adornam-se os
telhados dos canastros com pináculos e também andorinhas de barro cozido.
As eiras são na sua maioria em terra batida ou de lajes de pedra, de formato quadrangular,
ladeadas por pequenos muretes de pedra. Todavia, o desenvolvimento das técnicas
construtivas, deu azo a que muitas delas se revestissem de cimento, permitindo uma
superfície mais regular e sadia. As eiras emparelham com o canastro, integrando-se no
complexo do quinteiro, ou então retiradas deste, noutro ponto do edifício, consoante as
condições que a sua situação deve proporcionar: boa ventilação e exposição solar. (figura
127)
405 http://www.folclore-online.com/textos/carlos_gomes/espigueiros2.html (consultado a 19-08-2014;
às 14:55h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
115
Fig.127 – Eira particular complementada com espigueiro (Louredo)
4.1.2.10 Influências
Já desde os tempos proto-históricos, estas terras eram escolhidas para a implantação de
povoados castrejos e deles provém grande herança construtiva, passando pelos resquícios
romanos, transportados para os telhados, para a os pavimentos lajeados e para os rebocos e
caiados. Várias são as influências repescadas na história, mas também na arquitectura
produzida ao longo do país surgiam técnicas e costumes que se poderiam adaptar a diferentes
locais, desde que e os recursos assim o permitissem.
De acordo com uma animação criada pelo jornal Expresso no ano 2009406, relativa à Casa
Tradicional Portuguesa, um gráfico é exposto no qual, enveredando pela opção ‘Norte’, se
distinguem três regiões: Minho, Trás-os-Montes e Beiras. Clicando na opção Beiras, o
interessado depara-se com um pequeno grafismo que demonstra a súmula da casa beirã. Do
que se sabe até ao momento, uma casa de dois pisos, o inferior para as cortes de gado e o
superior para habitação do homem; uma cobertura de duas águas em telha vã; paredes
graníticas; escadaria na frontaria, entre outros atributos. Nada de novo, apenas um consolidar
dos apanágios mais testemunhados na região das Beiras, visto que existem variantes deste
modelo espalhadas por todo o território. Ciente desta certeza, o gráfico progride e exibe
quatro sub-regiões específicas inteiradas na região. Delimitadas dentro de um perímetro
encarnado, existe a sub-região de Entre-Douro-e-Vouga, alargando-se além dos seus limites
naturais, porém inserida na circunscrição, que, note-se, demarca como ponto geográfico de
selecção Arouca. (figura 128) O modelo de casa instantaneamente exposto é a ‘Casa de
406 http://expresso.sapo.pt/casas_tradicionais_portuguesas=f501518 (consultado a 24-07-2014; às
10:19h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
116
lavoura’ (figura 129), a qual contém a seguinte inscrição: “Construção em granito e telhado
de quatro águas. Arrumações no piso térreo.”407
Fig.129 – Grafismo da Casa de lavoura, Jornal Expresso
Embora se trate de uma singela síntese generalista, não deixa de ser oportuna a sugestão ao
telhado de quatro águas, de claro predomínio minhoto408, que acaba por contrariar as duas
águas da arquitectura beirã. Outro atributo desenhado na imagem, e que não parecendo
despropositado, vem confirmar a pesquisa concretizada no terreno de estudo, é uma
chaminé. Este elemento não consta na típica arquitectura do norte do país, mesmo assim é
avistada regularmente pelas paragens de Entre-Douro-e-Vouga. As chaminés são elementos
transmitidos pelas terras a norte do Douro, onde elas adquirem grande vulto devido à
presença de casas rurais enriquecidas. Não tendo uma origem ancestral, no norte a chaminé
407 http://expresso.sapo.pt/casas_tradicionais_portuguesas=f501518 (consultado a 24-07-2014; às 10:19h) 408 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações
Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.33
Fig.128 – Demarcação a negrito sobre Entre-Douro-e-Vouga, denominada por Arouca, Jornal Expresso
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
117
era sinónimo de fortuna.409 Ernesto Veiga de Oliveira menciona casas de características
peculiares, cujas chaminés fazem parte do rol:
“Tal é o caso da zona situada da Maia para o interior, por exemplo, onde a
chaminé ora estreitece para o alto, acima do cume do telhado (Paços de
Ferreira, Penafiel, etc.), ora se mantém sempre da mesma largura, ocupando
toda ou grande parte daquela parede, (…). Estas chaminés grandes são
especialmente notáveis na zona litoral minhota, nos concelhos de Esposende,
Barcelos e Viana do Castelo (…).”410
Daqui chega a inspiração para as chaminés, que cruza o Douro, chegando à sua margem sul e
alastrando-se por Entre-Douro-e-Vouga. Todavia, constatou-se anteriormente que a chaminé é
marcante no sul do país, desde as ostensivas chaminés esguias algarvias, até às largas e
rectangulares alentejanas, estas últimas mais próximas do modelo em estudo:411
“A chaminé alentejana primitiva parece ter sido em tronco de pirâmide
quadrangular, semelhante à forma minhota (…).”412
Uma das funções da chaminé alentejana era a entrada de ar para refrescar o interior, daí a
sua extensa largura.413 No norte, esse desígnio não é o principal, vem antes a vontade de
escoar o fumo, permitindo maior limpeza na cozinha e, um nítido desejo exibicionista, arcado
apenas por habitações capazes de financia-los.
A casa de lavoura é, no final de contas, aquela que, ainda influenciada pelas Beiras, pisa o
limiar dos modelos minhotos, mesmo que estes últimos sejam mais arrojados e mais
propensos a aprimores ornamentais, exibindo belas varandas guarnecidas de colunas414 que
Entre-Douro-e-Vouga não apresenta. A própria designação de ‘casa de lavoura’ é entendida
pelos populares da terra quando estes pretendem assinalar as grandes casas dos agricultores
que possuem melhores propriedades. (figura 130) Podem subtilmente ser confundíveis com
residências de arquitectura erudita, mas não é esse o caso. A verdade é que estas apelidadas
casas de lavoura que despontam um pouco por todas as freguesias do território, encontram-se
a meio caminho entre a pobre casa serrana (figura 131) e a faustosa casa erudita, que na
região de Entre-Douro-e-Vouga assuma de forma preponderante uma planta em ‘U’ (figura
132), e são assim, as casas de lavoura, um arquétipo que elucida o confortável modo de vida,
409 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; p.34 410 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Op. cit.; p.34 411 Idem; pp.154-155 412 Ibidem; p.155 413 http://www.restapia.es/files/14811 ;p.4 (consultado a 25-06-2014; às 22:30h) 414 Ver subsecção 3.2.1 - “Síntese Descritiva dos Tipos de Habitação Popular” - ponto 3.2.1.1 – “Casa
Minhota”
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
118
proporcionado pela fertilidade das terras baixas, sua vasteza de recursos e proximidade dos
grandes centros.
Fig.130 – Exemplo de Casa de lavoura em Entre-Douro-e-Vouga (Romariz), este caso bastante similar ao grafismo apresentado pelo Jornal Expresso
Fig.131 – A simplicidade e rudeza de uma casa serrana (Albergaria-da-Serra)
Fig.132 – Casa erudita actualmente abandonada (Carregosa)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
119
É válido referir que a grande maioria das populações das terras baixas de Entre-Douro-e-
Vouga não conheceram a extrema pobreza. Este facto ajuda a entender o represamento de
algumas características oriundas de outras regiões do país, sendo que algumas das que mais
chamam à atenção são as grandes e é o caiado da habitação com pintura de rodapés e
também de molduras. Trata-se de uma particularidade das casas rurais do sul, que caiavam as
suas paredes por motivos de controlo de temperatura no interior.415 O branco ajuda a atenuar
o aquecimento da fachada, pois retrai a luz. Os embasamentos e as molduras das portas
pintavam-se de cores vivas para afugentar mosquitos (contrapondo o facto do branco os
atrair) e ainda maus-espíritos, segundo crendices populares.416 Consoante o observado,
algumas casas do norte controlavam a temperatura recorrendo à vegetação trepadeira, uma
técnica empregue quer na serra, quer nas terras baixas. Contudo, esta vegetação não chega a
cobrir a totalidade da casa, sendo que o caiado é uma solução bem mais eficaz. De qualquer
modo, Entre-Douro-e-Vouga o bom viver das famílias e as suas posses, permitem-lhes estes
usos que, mesmo não se justificando, tendo em conta que não é uma zona tão quente quanto
o sul, é aproveitada para dar o ar de sua graça. Os rodapés das casas não possuem as mesmas
cores vivas do sul, porventura a sua aplicação seja meramente estética sem outro tipo de fim.
Num território onde existe uma transição regional, é vulgar acharem-se tantos apêndices
arquitectónicos inter-regionais. Permanece a ideia que existe uma busca de uma identidade
própria que recorre a particularidades já existentes.
4.2. Identidade de Entre-Douro-e-Vouga, Cômputo Geral
4.2.1 Elo Entre as Casas Serranas e as Casas de Vale
No decorrer da descrição da arquitectura vigente em cada concelho que constitui a sub-
região, por diversas vezes se recorre a comparações de técnicas construtivas entre as casas
de vale, ou terras baixas, e as casas serranas. A diferença entre os géneros é visível
detectando-se numa primeira linha, ao nível do tratamento e cuidado dos materiais, a
oposição da simplicidade tosca da serra à simplicidade cuidada do vale. Seguindo no correr
dos contrastes, muitas outras linhas de combate se erguem. No ar paira a questão, afinal,
entre várias divergências o que relaciona a arquitectura dos povoados serranos com a dos
povoados baixos?
415 OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, e Fernando Galhano; Arquitectura Tradicional Portuguesa; Publicações Dom Quixote; Lisboa; 2000; pp.151-152 416 http://www.restapia.es/files/14811 ; p.4 (consultado a 25-06-2014; às 22:30h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
120
Na verdade é mais aquilo que as une, do que o que as separa. Ambas bebem da mesma fonte
da arquitectura proto-histórica.417 É natural, porém, que se considere as casas serranas como
as mais fiéis aos modelos primários. A escassez de recursos e o isolamento social e cultural do
homem levam-no a limitar-se aos ensinamentos ancestrais, sem influxos que interfiram,
provenientes do meio urbano, um meio aberto e captativo das propensões que surgiam de
todo o mundo e, por isso, um meio mutável.
“As diferenças, muitas vezes de cariz regional ou mesmo local, prendem-se com
a disponibilidade dos materiais; a redução do tempo e custos do transporte,
questão hoje muitas vezes minimizada, mas que se assumia até ao início do
séc.XX como factor condicionante.”418
De facto, quando se começa a percorrer as terras pertencentes aos NUTS litorais419 como é o
caso de Entre-Douro-e-Vouga, depara-se com uma diferença abissal das terras do interior do
país.“Este contraste deve-se, essencialmente, à expansão do processo de urbanização do
litoral, que contribuiu para uma transformação das freguesias rurais e consequente
diminuição destas a favor das freguesias medianamente urbanas e urbanas.”420
Até aqui não existe nenhuma novidade que não venha sendo consecutivamente abordada,
acontece que submergindo na recôndita serra avista-se uma arquitectura ainda incauta, que,
consoante já foi referido, incrementa-se de estilismos beirãos. As casas das terras baixas, não
possuindo a pureza incólume das habitações serranas, deixaram-se paulatinamente
metamorfosear por diversos protótipos arquitectónicos. É condescendente, portanto, afirmar
que as terras baixas recolhem ensinamentos das casas dos povoamentos aglomerados, o que
não implica que estas últimas sejam necessariamente mais antigas. Ambas provêm de épocas
semelhantes, somente as técnicas variam, aprimorando-se à medida que os recursos
aumentam.
Indissociáveis de um mesmo padrão, elas assumem-se pela estrutura de casa de andar,
imposta para fins agrícolas intensivos. Ambas recorrem aos materiais oriundos de suas terras
mais facilmente extraíveis, e isso deve-se à riqueza granítica e xistosa da sub-região. O
emprego da madeira é parco e os materiais preferentemente à vista, ou rebocados, mantendo
a matiz natural, conferem um aspecto robusto e agreste às habitações, como se
417 Ver subsecção 2.2.1 – “Do Neolítico à Ocupação Castreja” - ponto 2.2.1.3 – “Os Castros e a Arquitectura do Granito” 418https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCAQFjAA&url=http%3A%2F%2Frepositorio-aberto.up.pt%2Fbitstream%2F10216%2F64313%2F1%2F113225_T-6-4-9-1_TM_01_C.pdf&ei=LpvrU_a3Fcag0QWArYCgDQ&usg=AFQjCNHwJ-QN8EU2sZhvrcEtk4YsXFFm1g ; p.62 (consultado a 26-07-2014; às 18:02h) 419 Por NUTS entendam-se os NUTS 3, que fraccionam Portugal em 30 sub-regiões. A menção aos litorais pretende abordar as sub-regiões mais próximas da orla marítima, a norte do Mondego, como é o caso das sub-regiões do Minho e Lima; Cávado; Ave; Grande Porto; Tâmega; Entre-Douro-e-Vouga e Baixo Vouga. 420 http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/314.pdf ; p.201 (consultado a 26-07-2014; às 18:08h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
121
desabrochassem da rudeza do solo. Minadas por tímidas janelas no piso sobradado,
assemelham-se a muralhas defensivas, rasgadas por escassas portas de madeira, ora estreitas,
ora largas, destinadas aos animais e alfaias. No piso inferior, à falta de janelas, espreitam
postigos. O acesso à habitação efectua-se por um sólido lanço de escadas, normalmente
encostado à parede, executado com o mesmo material do restante edifício. As varandas que
povoam o universo da arquitectura popular, dotando-o de riqueza decorativa e graciosidade,
são evitadas. Ignoradas nos povoados aglomerados, ignoradas nos povoados disseminados. Se
estes últimos encontram na montanha as directrizes construtivas que os valem, apesar de
possuírem mais condições e justificativas para a aplicação de varandas, optam por não
complicar e do mesmo modo cumpliciam-se da agrestia dos povoados mais pobres.
Crê-se que facilmente se podem identificar estes protótipos construtivos dentro de um
padrão. Distinguem-se dos demais pela sua sobriedade de linhas, e pela singularidade que
dispensa varandas e apenas salienta uma escadaria que liga somente à porta de acesso à
habitação através de um patim, na grande maioria das vezes sem guarda. No rés-do-chão,
uma porta carral demarca o acesso ao quinteiro nas traseiras da casa, ou simplesmente a um
curral ou loja.
Outra característica típica, destacada nas habitações serranas, os seus sólidos blocos que
preenchem o peitoril da janela até ao solo. Particularidade também destas casas, as suas
esquinas arredondadas, frequentemente apenas uma esquina em cada casa junto a
cruzamento de caminhos. São estas as marcas que ajudam a distinguir uma arquitectura
tenuemente diferenciada dos arquétipos421 que figuram por todo o país.
4.2.2 A Conservação das Formas
“Durante milhares de anos, desde o aparecimento dos primeiros aglomerados
populacionais no Neolítico, a arquitectura vernacular evoluiu parcimoniosamente
em função das necessidades das populações. As competências inerentes a esta
foram sendo transmitidas pelas comunidades de geração em geração, até ao
momento em que a Revolução Industrial e as grandes alterações consequentes
quebraram esta linha evolutiva do conhecimento vernacular.”422
Na segunda metade do século XVIII as populações urgem deslocar-se para as cidades em busca
de postos de trabalho na grande indústria, o que inicia aos poucos e poucos o abandona dos
povoamentos rurais. A industrialização não só cria uma ruptura entre cidade e campo, como
421 Os arquétipos tratam-se da Casa Minhota, Casa Serrana; Casa de Madeira, Casa Alpendrada, Casa Saloia, Casa Ribatejana, Casa de Monte, Casa de Povoado, Casa de Pescadores e Casa Rural. Ver subsecção 3.2.1 – “Síntese Descritiva dos Tipos de Habitação Popular”. 422 http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/15423/1/arquitectura%20vernacular.pdf;
p.207 (consultado a 27-07-2014, às 10:16h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
122
desenvolve novos materiais construtivos como o aço, o cimento e o vidro.423 Também os
municípios de Entre-Douro-e-Vouga conhecerem este novo modo de vida, veja-se Oliveira de
Azeméis com destaque na época para a produção do vidro.424
Este progresso chega a todo o lado, sobrepondo-se aos recursos presenteados pela natureza,
como a pedra e a madeira. Deste modo, a construção torna-se mais comodamente exequível,
independentemente do meio em que se introduza. Os obstáculos impostos pelo meio natural
são bem mais fáceis de solucionar com as novas ofertas engenhadas pela produção em série.
A construção evolui de modo mais homogéneo e as particularidades envolvidas na
arquitectura popular, dissipam-se gradativamente em detrimento das novas soluções.
Com o surgimento do regime do Estado Novo na década de 30 do último século, houve um
desejo de valorizar aquele, que até à época, era considerado património nacional. Com a
adopção de um conjunto de medidas específicas que salvaguardavam a sua permanência,
criou-se uma campanha de inventariação, classificação e intervenção nas edificações que
carregavam a herança histórica e cultural do país, conferindo-lhe a sua própria imagem
arquitectónica. A obra Arquitectura Popular em Portugal, elaborada pelo Sindicato Nacional
dos Arquitectos entre 1955 e 1960 é fruto dessa campanha, comportando um vasto
levantamento dos exemplares de arquitectura popular ao longo do país.425 Na altura a
degradação dos edifícios já era notável. Outro exemplo de valorização do património rural
popular é observado num concurso ocorrido nos anos 40, onde se elegeria ‘A aldeia mais
portuguesa de Portugal’. Ganha-o a aldeia de Monsanto.426
Com o êxodo rural e a emigração assistida a partir dos anos 60, devido à crise nacional, as
aldeias são cada vez mais deixadas no esquecimento.427 É nas décadas de 70 e 80 que se inicia
o fenómeno da chegada das casas dos emigrantes. Até as aldeias serranas, mais isoladas e
menos propensas a alterações deste cariz, começaram a sentir aos poucos a introdução destes
novos elementos.428 A aldeia de Albergaria-da-Serra em Arouca é um exemplar da convivência
da casa do emigrante com a casa popular. A casa do emigrante intervém fazendo face à casa
popular, entendida como representação de um país pobre. Por isso ela exibe-se com técnicas
inovadoras e um desenho diferenciado bem mais arrojado. Quando a casa do emigrante
assimila-se como uma ameaça à preservação do estilo popular deve-se ter em atenção que ela
não se consegue desligar completamente de práticas ancestrais. Voltando a Albergaria-da-
423 http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/15423/1/arquitectura%20vernacular.pdf; p.207 (consultado a 27-07-2014, às 10:16h) 424 Ver subsecção 2.3.1 – “Concelhos Integrantes – Síntese” - ponto 2.3.1.4 – “Oliveira de Azeméis” 425https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCAQFjAA&url=http%3A%2F%2Frepositorio-aberto.up.pt%2Fbitstream%2F10216%2F64313%2F1%2F113225_T-6-4-9-1_TM_01_C.pdf&ei=LpvrU_a3Fcag0QWArYCgDQ&usg=AFQjCNHwJ-QN8EU2sZhvrcEtk4YsXFFm1g ; p.19
(consultado a 26-072014; às 18:02h) 426 Idem; p.18 (consultado a 26-07-2014; às 18:02h) 427 Ver subsecção 2.3.2 – “Demografia” 428 https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/.../mrc_aeaulp2012_atas.pdf ;p. 4 (consultado a 26-07-
2014; às 19:13h)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
123
Serra, é curioso observar que muitas dessas casas novas adoptam as tradicionais coberturas de
xisto. Verifica-se portanto uma “permanência de formas que não têm outra justificação que
não seja a existência de tradições e de memórias ancestrais a exigir a sua continuidade.”429
Entre-Douro-e-Vouga é o espelho da transformação da arquitectura, consolidando tradição
com modernidade e numa terra onde o progresso aflora continuamente, é frequentemente
observarem-se alguns atentados à preservação do panorama tradicional. Na aldeia da Lomba,
em Vale de Cambra, chama à atenção, pelos piores motivos, uma casa de emigrante
encimada por painéis solares nada encobertos. Esta habitação, como se de um postal de boas-
vindas se tratasse, pontua a entrada na zona nobre, diga-se, da aldeia, onde se encontra a
capela rodeada de espigueiros e palheiros. Destoando completamente do conjunto, é mácula
num local tão pitoresco e genuíno como a aldeia da Lomba.
Nas terras baixas, onde a arquitectura popular vai rareando, assolada pelo rápido progresso
vindo das cidades, estes cenários assomam-se de modo incontrolável. Resta agora o respeito
pelo pouco que existe, e a insistência numa decente reabilitação, que aos poucos vai
espreitando aqui e acolá. Em plena serra, as aldeias de xisto na sua encosta poente são as
mais conservadas e a sua grande maioria permanece intacta. Albergaria-da-Serra é
provavelmente uma das que mais conhece o custo da evolução. A aldeia de xisto de Drave
(figura 133), situada em Covêlo de Paivô, Arouca, é um exemplo de sucesso na preservação e
recuperação dos valores do património. Sendo uma terra desabitada, encontra-se
actualmente sob a protecção dos escuteiros servindo como a Base Nacional IV do CNE (Corpo
Nacional de Escutas).430
E enquanto algumas servem fins institucionais, pela riqueza e peculiaridade do seu legado,
existem ainda as que lentamente se vão fundindo em conceitos turísticos, discretamente
429 TEIXEIRA, Manuel C.; Arquitecturas do Granito, Arquitectura Popular; Município de Arcos de Valdevez; 2013; p.118 430 http://drave.cne-escutismo.pt/pt/main.php?action=drave#historia (consultado a 28-07-2014; às
15:12h)
Fig.133 – Aldeia de Drave (Arouca)
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
124
afastadas dos olhares e das atenções dos curiosos. A aldeia do Trebilhadouro é outra boa
surpresa para quem procura a permanência da tradição assente em causas contemporâneas.
De momento espera-se a finalização deste espaço que servirá o turismo rural no concelho de
Vale de Cambra, freguesia de Rôge.431 Cada casa está a ser cuidadosamente reabilitada, de
acordo com uma linguagem conjunta que conjuga a pedra natural dos edifícios com ripados
de madeira encarnada. A traça natural é preservada, melhorando-se apenas alguns aspectos.
(figuras 134, 135, 136, 137, 138 e 139)
431 http://www.atra.pt/noticia/tracos-de-outrora-aldeia-trebilhadouro-serra-da-freita-alojamento-ferias (consultado a 26-07-2014, às 19:23h)
Fig.134 – Fachada revestida a ripado de madeira Fig.135 – As portas adoptadas com janela de
portadas
Fig.136 – Preservação da traça natural dos edifícios Fig.137 – Interior com vista para a janela
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
125
No universo das aldeias serranas ainda existe esta preocupação de garantir a preservação do
património rural e é bom que assim continua, para que nunca se percam as raízes ancestrais.
Afinal de contas, a história é o esqueleto de um povo, aquilo que o move em direcção ao
futuro. É bom que todas as articulações que arquitectam sejam mantidas com salubridade.
Para isso é necessário readaptar de forma eficiente os ensinamentos e as materialidades
tradicionais, o que traz benefícios à construção, tendo em conta que os materiais tradicionais
oferecem níveis de conforto superiores aos industrializados. Além disso, em muitas situações
a reabilitação de um edifício pode ficar mais em conta que a construção de origem.
"Mais do que mimetizar formas de outras épocas e outras vivências, importa
saber se é possível preservar algumas delas com novas funcionalidades, mas
mantendo a coerência de conjuntos que são verdadeiras lições da arte de
construir, com economia de meios e estreita relação com o sítio." 432
432 ROSETA, Helena; Prefácio da 4° edição; Arquitectura Popular em Portugal, 4 " edição; Ordem dos
Arquitectos; Lisboa; 2004; p.VI
Fig.138 – Pormenor das divisórias em tabuado vertical de madeira, imitando tabique
Fig.139 – Pormenor de entrada complementada com candeeiro
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
126
Capítulo 5.
Conclusão
Arquitectura Popular de Entre-Douro-e-Vouga
127
Quando se pensa que a arquitectura poderá nascer da necessidade do homem se refugiar, é
pouco provável que o avanço da casa, como se conhece até agora, tenha sido despoletado
por tal recolhimento. Já escreveu Alexandre Alves da Costa433 que, foi o facto do homem
ousar encarar as circunstâncias que o rodeavam como desafios a serem superados, que
contribui para o repensamento de um modo de habitação. As características próprias
desenvolvidas deflectem do que o meio oferece ao homem e do modo como o homem se
procura integrar nele. Portugal, embora seja um país de reduzida dimensão, à escala dos
outros países, como se tem esclarecido é um território com uma variedade de
condicionantes, quer climatéricas, como geológicas, orográficas, sociais e culturais, entre
outras. O norte português encabeça uma heterogeneidade e aspereza geomorfológica aliada
a um clima pouco clemente, com tendências frias e chuvosas. Em contrapartida as terras são
de uma fertilidade invejável e, devido a tal caso, a agricultura é parte da família nortenha
que convive de muito perto com a realidade rotineira do campo. As suas casas ergueram-se
também para abraçarem esta realidade de exploração agrícola intensiva que a natureza lhes
proporciona. Por todos estes factores, em regiões nortenhas as técnicas construtivas
assemelham-se bastante e as influências captadas entre territórios vizinhos é empregue não
pelo ‘querer’ mas pelo ‘dever’.
Não existem diferenças abissais entre arquitectura beirã, entre arquitectura minhota e entre
arquitectura transmontana, mas as que existem justificam-se naquilo que o meio envolvente
dispõe e permite, sem esquecer também as necessidades de cada povoado face ao seu modo
de vida. Se o clima é agreste, combate-se com a robustez dos materiais; se os assentamentos
são ardilosos, estreitam-se caminhos, acotovelam-se as casas; se os declives assustam,
vencem-se os medos, socalcam-se os terrenos e descobrem-se seus potenciais. Ora Entre-
Douro-Vouga, sendo uma sub-região de contrastes, abrange um pouco de tudo aquilo que
caracteriza o norte português, passando da montanha para o vale. É demarcada por três
diferentes faixas geológicas, do litoral para o interior começa com uma faixa arenosa,
passando pela granítica e a xistosa. Todos estes factores no seu conjunto exigem um modelo
arquitectónico característico. Na montanha repescam-se premissas da Beira Interior, também
ela dominada pela montanha e pela alternância entre faixas xistosas e graníticas. Descendo
para o vale, a arquitectura dos NUTS do Cávado, do Tâmega, do Grande Porto434, inseridos
grande parte na região minhota, é ela a mais revisada. À medida que vão escoando para sul
do rio Douro, os géneros abrangidos pela malha de vale incorporam-se, até confluírem no
Entre-Douro-e-Vouga. A sul, na sub-região do Baixo Vouga, o efeito é semelhante, contudo
começam a ser maioritariamente observados os influxos chegados de sul, provenientes da
arquitectura da Beira Litoral, como as casas alpendradas e térreas caiadas e outros vindos do
433 ALVES COSTA, Alexandre; A arquitectura escreve a sua própria paisagem; Jornal Arquitectos; 217
(Outubro, Novembro, Dezembro); Ordem dos Arquitectos; Lisboa; 2004; p.8 434 São notadas influências na arquitectura de Entre-Douro-e-Vouga provenientes de certas terras referidas por Ernesto Veiga de Oliveira como a Maia, Paços de Ferreira, Penafiel, Esposende, Barcelos e Viana do Castelo. Ver subsecção 4.1.2 – “A Casa de Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Oliveira
de Azeméis" – ponto - 4.1.2.10 “Influências”
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interior das Beiras. Na súmula deste facto, também as influições causadas no Baixo Vouga
perpassam timidamente para uma pequena fracção de Entre-Douro-e-Vouga. O seu domínio
porém é escasso, ficando-se apenas pelo poente e sudoeste da sub-região, que são os pontos
onde a faixa arenosa se começa a manifestar. Embora existam estas remanescências que
parecem fugir ao estilo da vigorosa casa de andar, a quase totalidade da arquitectura
encontrada em Entre-Douro-e-Vouga destrona esta última. Na verdade, os solos arenosos
representam um abandono das práticas agrícolas comuns, visto serem muito pouco férteis.
Compreensivelmente é avistado este novo modelo adaptado a diferentes condições. Não se
trata aqui de uma tentativa de diferenciamento ou da busca de uma identidade exclusiva,
mas sim daquilo que vem sendo exposto ao longo do texto, como a adopção das estratégias de
arquétipos externos que melhor se adequam à situação do meio envolvente.
Em tempos remotos a humanidade não era muito numerosa e os povos isolavam-se em grupos,
sendo natural que cada qual acaba-se por definir o seu próprio modo construtivo, não como
finalidade em si, mas apenas como resultado das condicionantes do meio.435O homem foi
compreendendo a natureza, aprendendo a extrair dela o melhor para si. Agora, somam-se
todas as experiências e conhecimentos adquiridos para respirar fundo e contemplar
pacificamente este meio natural que nunca faltou com nada ao homem. Na mesma medida
em que tira, sabe dar. Diante dos nossos olhos dispôs tudo o que seria necessário, e cabe ao
homem reconhecer a bondade da mãe-natureza para consigo. O desenvolvimento tecnológico
fortalece as bases da humanidade, revestindo-a de uma multiplicidade de soluções
construtivas que em tempos eram impensáveis. Atingem-se fasquias cada vez mais elevadas e
é sabido que continuarão subindo sem um fim previsível à vista. No entanto, tanto poder é
perigoso nas mãos de quem o desregra e é conveniente ao ser humano que este se
consciencialize, a fim de não desprezar o conhecimento primário que o lançou nesta viagem,
aquele sem o qual nada seria exequível.
Quer-se com este discurso apologista, infundir o respeito pelo património antigo e a sua
preservação, pois é este que define e identifica gerações e culturas. É este que sela a aliança
do homem e o seu meio. É este património que não quer evidenciar-se, apenas harmonizar-
se. Nada como terminar, embuído no espírito, recordando uma pequena história contada por
Fernando Távora436, onde o arquitecto fazia uma projecção de slides exibindo algumas
fotografias de casas populares portuguesas. Salazar estava presente e, ao ver a foto de uma
casa tradicional alentejana, disse algo que marcou Távora. Encantado pela traça simples da
casa e pela força das suas robustas chaminés, Salazar apelidou-a de ‘arquitectura moderna’.
Bem ao gosto de Távora, que sempre olhou dessa forma arrojada a arquitectura popular, nada
de mais inusitado e inspirador poderia ter dito o ministro.
435 LÉVI-STRAUSS, Claude; Mito e Significado; Edições 70; Lisboa; 2007; p.31 436 http://fims.up.pt/ficheiros/LivroFinalConferencias.pdf; p.16 (consultado a 13-09-2004; às 11:15h)
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