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El vocal de la Sexta Sala que votó a favor de la continuidad del caso 'Castillo de Arena', Og Fernandes, explica los cuatro motivos por los que no debió archivarse las investigación.
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Superior Tribunal de Justia
HABEAS CORPUS N 159.159 - SP (2010/0004039-3) (f)
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO OG FERNANDES: No dia 10.1.08, a autoridade
policial (Delegacia de Represso a Crimes Financeiros) encaminhou ofcio, distribudo
ao Juzo da 6 Vara Federal Criminal de So Paulo, no qual aludia ao recebimento de
denncia annima, "dando conta de que uma pessoa de nome K. P. estaria se
dedicando atividade de compra e venda de dlares no mercado paralelo, sem
qualquer respaldo legal para tanto" (fls. 382).
Ainda segundo a referida comunicao oficial, teriam sido efetuadas
pesquisas nos bancos de dados da polcia, sendo possvel "identificar a pessoa
mencionada como K. P. P., nascido na Sua, detentor do CPF n..." (fls. 382).
Aps mencionar "enorme dificuldade na obteno de provas" (fls. 382),
relacionadas aos crimes a serem apurados, pleiteava-se fosse determinado s
empresas operadoras de telefonia o fornecimento de senhas para os policiais lotados
naquela unidade, a fim de que esses agentes do Estado pudessem "acessar os
bancos de dados das empresas telefnicas e obterem dados relativos ao
cadastro de assinantes e usurios" (fls. 383).
Em virtude de inicial resistncia por parte do rgo ministerial, foram
prestados esclarecimentos pelo Delegado condutor das investigaes, aps o que o
Parquet opinou favoravelmente ao pedido, deferido pelo Magistrado Federal substituto
daquela Vara, em deciso 22.1.08. Da referida deciso, colho estas passagens (fls.
395/6):
Averiguando a informao recebida, a Autoridade Policial, aps pesquisa em seu banco de dados, identificou a pessoa de K. P. P., nascido na Sua e detentor do CPF n (...), como sendo o possvel envolvido na atividade de compra e venda de dlares no mercado paralelo.Desse modo, como meio de prosseguimento das investigaes, a quebra do sigilo telefnico revela-se indispensvel investigao, pois cuidam-se de fatos graves, que envolveriam delitos contra o Sistema
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Financeiro Nacional e eventual 'lavagem' de valores.Portanto, diante da existncia de indcios apurados em trabalhos de inteligncia de que K. P. P. possa ser um 'doleiro' e consequentemente estar atuando na prtica de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e na 'lavagem' de valores, e no havendo outros meios para apurar os fatos, impe-se o acolhimento da medida acautelatria para identificar o suposto modus operandi e a origem dos recursos.Ante o exposto, com fundamento no artigo 1 da Lei n 9.296, de 24.7.1996, defiro o pedido de QUEBRA DE SIGILO TELEFNICO, e DETERMINO a expedio de ofcios s empresas de telefonia (...) a fim de que sejam fornecidas senhas, com o prazo de 30 (trinta) dias , aos policiais (....), todos em exerccio na UADIP/DELEFIN/SR/DPF/SP, para que possam acessar os bancos de dados das referidas empresas telefnicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usurios . (sem destaques no original)
J no dia 8.2.08, a autoridade policial representou pela interceptao
telefnica de linhas constantes em nome do acusado K. P. P., esclarecendo o seguinte
(fls. 410):
Foram realizados levantamentos prvios pela Unidade de Inteligncia desta Especializada que constatou que K. P. P. suo naturalizado brasileiro, RNE (...), CPF n (...), residente na (...).Constam nos bancos de dados disponveis que j participou do quadro societrio das seguintes empresas: Cornwall Representaes e Participaes e Empreendimentos Comerciais LTDA., Swiss bank Corporation e Venture Partness Negcios e Finanas S/C LTDA.Atravs de investigaes preliminares foi obtida a informao de que K. prestaria seus servios ilegais a construtoras de grande porte, como, por exemplo, a construtora Camargo Correa.Todavia, no foi possvel prosseguir nas investigaes. Como de conhecimento de Vossa Excelncia, por trabalhar em uma das varas especializadas em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de dinheiro, os delitos desta natureza so de difcil comprovao, seja pelo prprio modus operandi , que normalmente envolvem operaes de 'cabo', nas quais no existem transferncias fsicas de valores, seja pela dificuldade de identificao de agentes, ou mesmo pela praxe de destruio de provas, na maioria das vezes, faxes e anotaes pessoais.Desta forma, para prosseguirmos com as investigaes, h necessidade de nos valermos da interceptao telefnica, de acordo com a
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interpretao a contrario sensu do artigo 2, da Lei n 9.296/96.
O Juiz Federal substituto novamente deferiu o pedido (fls. 414/8
13.2.08), aps manifestao favorvel do representante do Ministrio Pblico.
No curso das investigaes, sucederam-se pedidos de prorrogao da
interceptao telefnica, sempre acolhidos pela autoridade judicial.
Em 20.3.09, o Juiz Federal titular apreciou novos pedidos formulados
pelas autoridades policiais, destacando-se estas pretenses:
a) decretao de prises (preventiva ou temporria) de pessoas supostamente envolvidas no esquema criminoso desvendado a partir das investigaes;b) expedio de mandados de busca e apreenso;c) quebra do sigilo fiscal e bancrio dos envolvidos; ed) bloqueio de contas.
Parte desses pleitos foi acolhida e, no dia 29.5.09, sobreveio o
oferecimento da pea acusatria, recebida em 18.6.09.
Menciono a relao de denunciados com a correspondente imputao:
DENUNCIADO IMPUTAO
P. F. G. B.Artigos 6 e 22, da Lei n 7.492/86; artigo 1, incisos VI e VII, 1, inciso I e II, da Lei n 9.613/98; e artigo 288, do Cdigo Penal.
D. B.Artigos 6 e 22, da Lei n 7.492/86; artigo 1, incisos VI e VII, 1, inciso I e II, da Lei n 9.613/98; e artigo 288, do Cdigo Penal.
F. D. G.Artigos 6 e 22, da Lei n 7.492/86; artigo 1, incisos VI e VII, 1, inciso I e II, da Lei n 9.613/98; e artigo 288, do Cdigo Penal.
R. B. N. Artigo 22, da Lei n 7.492/86 e artigo 288, do Cdigo Penal.
K. P. P.Artigos 6, 16 e 22, da Lei n 7.492/86; artigo 1, incisos VI e VII, 1, inciso I e II, da Lei n 9.613/98; e artigo 288, do Cdigo Penal.
J. D. M.Artigos 6, 16 e 22, da Lei n 7.492/86; artigo 1, incisos VI e VII, 1, inciso I e II, da Lei n 9.613/98; e artigo 288, do Cdigo Penal.
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J. F. de A.Artigos 6, 16 e 22, da Lei n 7.492/86; artigo 1, incisos VI e VII, 1, inciso I e II, da Lei n 9.613/98; e artigo 288, do Cdigo Penal.
M. S. D. (ou M. B.)Artigos 16 e 22, da Lei n 7.492/86; artigo 1, incisos VI e VII, 1, inciso I e II, da Lei n 9.613/98; e artigo 288, do Cdigo Penal.
M. B. I. Artigo 22, da Lei n 7.492/86 e artigo 288, do Cdigo Penal.
D. F. A. Artigo 22, da Lei n 7.492/86 e artigo 288, do Cdigo Penal.
G. S. Artigos 6 e 22, da Lei n 7.492/86; e artigo 288, do Cdigo Penal.
Houve aditamento, recebido em 19.6.09, quando se incluiu Raimundo
Antnio de Oliveira, acusado da suposta prtica dos delitos previstos nos arts. 6, 16 e
22 da Lei n 7.492/86; art. 1, incisos VI e VII, 1, incisos I e II, da Lei n 9.613/98; e art.
288 do Cdigo Penal.
Irresignados, os defensores dos acusados impetraram dois habeas
corpus junto ao Tribunal Regional Federal da 3 Regio HC-2009.03.00.014446-1
(paciente K. P. P.) e HC-2009.03.00.027045-4 (pacientes P. F. G. B. e F. D. G.).
No dia 1.12.09, foi apreciado o mrito do HC- 2009.03.00.027045-4. Na
ocasio, foi concedida a ordem em parte, "para garantir aos pacientes, por
intermdio de seus advogados regularmente constitudos, o direito de acesso a todas
as investigaes preliminares, concomitantes, ou mesmo posteriores ao procedimento
de interceptao telefnica, e que aos mesmos digam respeito, determinando a sua
pronta vinda aos autos" (fls. 265).
Na mesma data, foi tambm julgado o HC-2009.03.00.014446-1, sendo
concedida a ordem, de ofcio, nos termos supramencionados.
Da a impetrao dos habeas corpus ora trazidos a julgamento (Habeas
Corpus nos 137.349/SP e 159.159/SP).
O primeiro dos writs aqui impetrados (HC n 137.349/SP) tem como
beneficirio K. P. P. e aponta como autoridade coatora a Desembargadora Relatora
do HC-2009.03.00.014446-1.
Os impetrantes salientam que, embora tenha sido revogada a segregao
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cautelar do ora paciente, ele continuaria a responder ao penal originada das
investigaes da Polcia Federal levadas a efeito na chamada Operao Castelo de
Areia.
Dizem que, no curso dessas investigaes, foram determinadas vrias
medidas invasivas, tais como quebras de sigilos de dados, interceptaes telefnicas,
escutas ambientais, alm do monitoramento de pessoas e determinao de busca e
apreenso em diferentes locais, inclusive a residncia do citado paciente.
Alegam os doutos defensores que as investigaes so nulas desde seu
nascedouro, em virtude de terem sido iniciadas a partir de denncia annima.
Sustentam que todas as provas que sucederam aquela primeira seriam
tambm imprestveis, dada a incidncia da teoria dos frutos da rvore envenenada
(fruits of poisonous tree).
Asseveram faltar efetiva fundamentao deciso que determinou o
fornecimento de senhas aos agentes policiais, a fim de que estes pudessem acessar o
banco de dados das companhias telefnicas, pontuando que a generalidade da
determinao, que envolveria pessoas no identificadas, configura constrangimento
ilegal.
Apontam que a alegao de que as investigaes seriam embasadas
tambm no compartilhamento de provas com a Operao Downtown inverdica, pois
o referido compartilhamento s teria sido autorizado alguns meses aps o incio dos
trabalhos na Operao Castelo de Areia.
Entendem ser exacerbada a durao da interceptao telefnica, que
perdurou por mais de um ano. Aduzem, nesse ponto, ter sido desrespeitado o prazo
previsto na Lei n 9.296/96.
Pedem, ao final, seja reconhecida como imprestvel toda a prova colhida
a partir da denncia annima, includos os elementos obtidos atravs das quebras de
sigilo, interceptaes telefnicas e mandados de busca e apreenso.
Subsidiariamente, pugnam pela transcrio integral dos dilogos
interceptados.
A liminar foi indeferida e, aps prestadas as informaes pela autoridade
coatora, o Ministrio Pblico Federal opinou pelo no conhecimento da ordem.Documento: 15524495 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 5 de 46
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Os impetrantes do segundo habeas corpus (HC n 159.159/SP) tem
como beneficirios P. F. G. B., D. B. e F. D. G., e se volta contra acrdo proferido pelo
TRF 3 Regio no HC-2009.03.00.027045-4.
Trazendo em seu bojo alegaes semelhantes ao remdio constitucional
acima mencionado, o writ teve a liminar deferida pelo ento Presidente desta Corte,
para sobrestar o curso da ao penal de que aqui se trata.
Houve agravo regimental contra a deciso deferitria da liminar, no
conhecido por esta Sexta Turma.
Aps prestadas as informaes de estilo, o Ministrio Pblico Federal
opinou pela denegao da ordem, em parecer assim ementado:
Habeas Corpus . Crimes contra o sistema financeiro nacional, de lavagem de dinheiro e formao de quadrilha, detectados atravs de investigaes realizadas pela Polcia Federal, no curso da Operao "Castelo de Areia". Writ que visa o reconhecimento da ilicitude da quebra do sigilo telefnico determinada no bojo da referida operao, com a consequente anulao de todos os procedimentos realizados com base nas provas produzidas. Alegativa de que as interceptaes telefnicas foram deflagradas com apoio em simples denncia annima. Descabimento. Ainda que com reservas, a denncia annima admitida em nosso ordenamento jurdico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguao, se apresentar elementos informativos idneos suficientes e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito identidade do investigado. Precedentes do STJ. Medida invasiva precedida por diversas investigaes preliminares, cujos resultados se mostraram harmnicos com o teor da delao apcrifa. Alegativa de ausncia de motivos para a autorizao da quebra do sigilo das comunicaes telefnicas, bem como para sua prorrogao por 14 meses. Descabimento. Interceptao telefnica autorizada de forma devidamente fundamentada, pelo Magistrado competente, no curso do procedimento criminal preparatrio. Obedincia aos requisitos dispostos na Lei 9.296/96. Inexistncia de restrio legal ao nmero de prorrogaes do monitoramento telefnico, se a complexidade das infraes penais exigir o prosseguimento de tal providncia investigativa e se essa circunstncia ficar demonstrada por deciso suficientemente motivada. Parecer pelo conhecimento e pela denegao do writ.
Na sesso do ltimo dia 14.9.2010, a douta Relatora, Ministra Maria
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Thereza, trouxe voto pela concesso parcial das ordens, "para anular a denncia
recebida nos autos da Ao Penal n 2009.61.81.004839-9, permitindo-se o
oferecimento de outra pea sem a indicao da prova considerada nula por esta
deciso, estando prejudicadas as demais alegaes".
Sua Excelncia apontou, ainda, desfecho subsidirio, se a tese
encampada no voto no fosse vencedora. Resumidamente, conclua-se pela concesso
de habeas corpus de ofcio, a fim de se determinar que a Corte Regional seguisse no
enfrentamento das teses l sustentadas e julgadas prejudicadas quando da apreciao
do mrito dos writs originrios.
Sem embargo da clareza do substancioso voto da culta Relatora, pedi
vista dos autos para anlise.
Feito esse necessrio relato, passo a proferir meu voto, dividindo-o nos
temas que considero centrais para elucidao da questo.
1) Sobre a possibilidade de utilizao da denncia annima como ponto de
partida de investigaes:
A vedao ao anonimato busca evitar a impunidade daqueles que, de
maneira irresponsvel e valendo-se de variados subterfgios, culminem por imputar a
prtica de delitos a outras pessoas, escudando-se nessa ocultao da identidade para
se furtar acusao de denunciao caluniosa.
esse o motivo para que a aceitao da denncia annima pelas
autoridades pblicas marcadamente na seara penal seja cercada de todas as
cautelas, de modo a no fomentar um "denuncismo" irresponsvel.
Por outro lado, o Poder Judicirio no pode fechar os olhos realidade
global do nosso tempo, onde grupos criminosos atuam ora de forma insidiosa, ora de
maneira violenta, achacando aqueles que ousam denunciar os delitos por eles
praticados. Impem, assim, uma invisvel "Lei do Silncio" aos que, tementes das
funestas consequncias de eventuais delaes, optam por permanecer inertes, sem
colaborar na elucidao de delitos, na identificao dos culpados. A histria da
criminalidade do sculo passado e do incio deste sculo apontam exemplos como nos Documento: 15524495 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 7 de 46
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Estados Unidos, na Itlia e, mais recentemente, no Mxico.
Demonstrando idntica preocupao, manifestou-se Eugnio Pacelli:
A questo deveras complexa, tendo em vista que, no raras vezes, o autor da notitia criminis permanece no anonimato precisamente como meio de proteo pessoal e de seus familiares. Ento, exatamente por isso, de se receber com ressalvas a aludida deciso [de admisso da denncia annima como apta a deflagrar procedimentos de averiguao], at mesmo porque ela deixa consignada a necessidade de cautela no exame de cada caso.(OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 12 edio. Rio de Janeiro: Lmen Jris. 2009, pg. 52)
Foi nesse contexto que surgiram ferramentas como os conhecidos
Disque-Denncia, os quais so importantes meios para auxiliar o Estado a desvendar
um sem nmero de delitos.
Em artigo publicado no Boletim IBCCRIM, Gustavo Henrique Moreira do
Valle fez interessante apanhado dos resultados advindos da utilizao desse
mecanismo, circunscrito ao Estado de Minas Gerais. Disse o doutrinador:
No mbito do Estado de Minas Gerais, a experincia do foro criminal tem revelado ser extremamente comum o incio de persecues penais em virtude de noticia criminis annima, na maioria das vezes realizada por meio do 'Disque Denncia', tambm conhecido como 'Disque 181', servio implantado pela Secretaria de Estado de Defesa Social do Estado de Minas Gerais em parceria com o Instituto Minas pela Paz...................................................................................................Para se ter uma ideia de sua utilizao, destaca-se, com base em dados fornecidos pela Polcia Civil do Estado de Minas Gerais (Disponvel em: http://www.sesp.mg.gov.br/internas/noticias/materiais/NOT-00728MAR2008.php. Acesso em: 27 fev 2009), que, nos primeiros trs meses de funcionamento , o servio recebeu cerca de trezentas e noventa mil ligaes , sendo que, desse total, doze mil, quinhentas e trinta e seis 'denncias' foram encaminhadas para investigao , resultando em cento e noventa e cinco pessoas presas , trinta e seis adolescentes apreendidos e trinta e nove foragidos da Justia recapturados .(A denncia annima no processo penal brasileiro. In Boletim IBCCRIM Ano 17 n 208 maro/2010, sem destaques no original)
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Esses dados superlativos, referentes a curto perodo de tempo lembro:
apenas trs meses, somente em uma unidade da federao do mostras da
importncia das denncias annimas (ou delaes apcrifas ou notitia criminis
inqualificada).
A doutrina ptria, de hoje e de ontem, perfilha a orientao de que no
deve a autoridade policial pura e simplesmente desprezar as notcias chegadas atravs
de denncia annima. Ao revs, a ela cabe diligenciar em busca de novos elementos,
principalmente quando essa delao sem identificao aponte de maneira satisfatria
possvel prtica delitiva.
Veja-se, a esse respeito, os ensinamentos de Frederico Marques:
No direito ptrio, a lei penal considera crime a denunciao caluniosa ou a comunicao falsa de crime (Cdigo Penal, arts. 339 e 340), o que implica a excluso do anonimato na notitia criminis , uma vez que corolrio dos preceitos legais citados a perfeita individualizao de quem faz a comunicao de crime, a fim de que possa ser punido, no caso de atuar abusiva e ilicitamente. Parece-nos, porm, que nada impede a prtica de atos iniciais de investigao da autoridade policial, quando delao annima lhe chega s mos, uma vez que a comunicao apresente informes de certa gravidade e contenha dados capazes de possibilitar diligncias especficas para a descoberta de alguma infrao ou seu autor. Se, no dizer de G. Leone, no se deve incluir o escrito annimo entre os atos processuais, no servindo ele de base ao penal, e tampouco como fonte de conhecimento do juiz, nada impede que, em determinadas hipteses, a autoridade policial, com prudncia e discrio, dele se sirva para pesquisas prvias . Cumpre-lhe, porm, assumir a responsabilidade da abertura das investigaes, como se o escrito annimo no existisse, tudo se passando como se tivesse havido notitia criminis inqualificada.(MARQUES, Jos Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2 edio. Volume I. Campinas: Millennium. 2000, pg. 147, sem destaques no original)
Em igual sentido, tem-se o posicionamento de Capez:
A delao annima (notitia criminis inqualificada) no deve ser repelida de plano, sendo incorreto consider-la sempre invlida; contudo, requer cautela redobrada, por parte da autoridade policial, a qual dever, antes
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de tudo, investigar a verossimilhana das informaes.(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 7 edio. So Paulo: Saraiva. 2001, pg. 77)
Ainda sobre a possibilidade de deflagrao de investigaes a partir de
denncia annima, escrevi, quando do julgamento do Habeas Corpus n 94.546/RJ,
que:
Esta Corte tem proclamado ser possvel o desencadeamento da persecuo penal a partir de denncia annima, desde que sejam realizadas antes da instaurao de inqurito policial ou procedimento investigativo equivalente diligncias ou averiguaes preliminares que atestem, por meio de elementos indicirios, a verossimilhana da notcia-crime apcrifa. Afinal, no se pode descurar que a autoridade policial, por mister constitucional, tem o poder-dever de apurar as infraes penais e a sua autoria (art. 4 do CPP), valendo-se dos meios legtimos que lhe so disponibilizados (art. 6 do CPP), no podendo quedar-se inerte diante do conhecimento da prtica de fato criminoso.
Nesse diapaso, confiram-se os seguintes julgados:
Ainda que com reservas, a denncia annima admitida em nosso ordenamento jurdico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguao, como o inqurito policial, quando presentes indcios da participao do agente na prtica delitiva, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito identidade do investigado. (HC-76.749/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 11.5.09)
Inexiste ilegalidade na instaurao de inqurito com base em investigaes iniciadas por notcia annima, eis que a autoridade policial tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados. (Inteligncia do artigo 4, 3 CPP).(HC-106.040/SP, Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJe de 8.9.08)
No h ilegalidade na instaurao de inqurito com base em investigaes deflagradas por denncia annima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, desde que se
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proceda com a devida cautela, o que se revela no presente caso, pois tanto a investigao quanto o inqurito vm sendo conduzidos sob sigilo.(HC-38.093/AM, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 17.4.04)
De acordo com a jurisprudncia da Quinta Turma desta Corte, no h ilegalidade na instaurao de inqurito policial com base em investigaes deflagradas por denncia annima, eis que a autoridade policial tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, desde que se proceda com a devida cautela (HC 38.093/AM, 5 Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 17/12/2004). Alm disso, as notcias-crimes levadas ao conhecimento do Estado sob o manto do anonimato tm auxiliado de forma significativa na represso ao crime (HC 64.096/PR, 5 Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 04/08/2008). A propsito, na mesma linha, recentemente decidiu a c. Sexta Turma desta Corte no HC 97.122/PE, Rel. Min. Jane Silva - Desembargadora Convocada do TJ/MG -, DJ de 30/06/2008. Enfim, a denncia annima admitida em nosso ordenamento jurdico, sendo considerada apta a determinar a instaurao de inqurito policial, desde que contenham elementos informativos idneos suficientes para tal medida, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito identidade do investigado (HC 44.649/SP, 5 Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 08/10/2007).(HC-93.421/RO, Relator Ministro Felix Fischer, DJe de 9.3.09)
A culta Relatora lembrou-nos do que se decidiu nesta Sexta Turma,
quando do julgamento do Habeas Corpus n 95.838/RJ, de relatoria do nclito Ministro
Nilson Naves. Sua Excelncia, naquela ocasio, redigiu a seguinte ementa:
Procedimento criminal (acusao annima). Anonimato (vedao). Incompatibilidade de normas (antinomia). Foro privilegiado (prerrogativa de funo). Denncia apcrifa (investigao inconveniente).1. Requer o ordenamento jurdico brasileiro e bom que assim requeira que tambm o processo preliminar preparatrio da ao penal inicie-se sem mcula.2. Se as investigaes preliminares foram iniciadas a partir de correspondncia eletrnica annima (e-mail), tiveram incio, ento, repletas de ndoas, tratando-se, pois, de natimorta notcia.3. Em nosso conjunto de regras jurdicas, normas existem sobre sigilo, bem como sobre informao; enfim, normas sobre segurana e normas sobre liberdade.
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4. Havendo normas de opostas inspiraes ideolgicas antinomia de princpio , a soluo do conflito (aparente) h de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda frente dos outros bens da vida, salvo frente da prpria vida. 5. Deve-se, todavia, distinguir cada caso, de tal sorte que, em determinadas hipteses, esteja a autoridade policial, diante de notcia, autorizada a apurar eventual ocorrncia de crime . 6. Tratando-se, como se trata, porm, de paciente que detm foro por prerrogativa de funo, ao admitir-se investigao calcada em denncia apcrifa, fragiliza-se no a pessoa, e sim a prpria instituio qual pertence e, em ltima razo, o Estado democrtico de direito.7. A Turma ratificou a liminar de carter unipessoal e concedeu a ordem a fim de determinar o arquivamento do procedimento criminal.(HC-95.838/RJ, Relator Ministro Nilson Naves, DJe de 17.3.08)
Deve ser destacado que, no bojo do voto, o Relator originrio ressaltou
questo peculiar, qual seja, a existncia de prerrogativa de foro.
Essa circunstncia foi por ele utilizada como sustentculo para justificar e
garantir, em ltima anlise, o resguardo das instituies democrticas, e no do agente
singularmente considerado. Houve, tambm, a ressalva da possibilidade de utilizao
do servio do disque-denncia.
Recupero, a propsito, o que consta no mencionado voto:
Talvez seja lcito distinguirmos casos, de sorte que, em determinados momentos, possa a autoridade policial, de posse de notcia, ainda que annima, apurar eventual ocorrncia de crimes . o que vemos, por exemplo, no chamado "disque-denncia". Penso, entretanto, estarmos ns diante de outra peculiaridade: o paciente, como vimos de ver, detm foro por prerrogativa de funo . Conceituando tal instituto, Faustin Hlie dizia-o "une garantie assure l'independence et l'impartialit de la justice, et qui, par consquent, est destine proteger um intrt general" (apud Frederico Marques. "Apontamentos sobre o processo penal brasileiro". So Paulo: Revista dos Tribunais, 1959).Ao se admitir a submisso de pessoa com tal prerrogativa a investigao calcada em denncia apcrifa mesmo eletrnica , fragiliza-se no a pessoa, e sim, a prpria instituio qual ela pertence e, em ltima razo, o prprio Estado democrtico de direito . (sem destaques no original)
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Vou alm para tambm consignar que os precedentes mencionados no
multicitado voto (QO na Sindicncia n 81/SP, DJ de 28.8.06 e QO na Notcia-Crime
n 280/TO, DJ de 5.9.05) igualmente diziam respeito a acusados com foro privilegiado,
aplicando-se as ressalvas j deduzidas.
Uma vez assentada a possibilidade de as investigaes partirem de
denncia annima, deve-se perquirir se essa notitia criminis inqualificada,
isoladamente considerada, seria instrumento hbil a embasar o deferimento de acesso
aos dados cadastrais, junto s empresas de telefonia.
Consultando a jurisprudncia deste Pretrio, encontrei um julgado da
Quinta Turma desta Corte, no qual se rechaou a possibilidade de a denncia annima
servir, por si s, de supedneo autorizao de interceptao telefnica.
Sem olvidar esse precedente, ao que quero crer, a hiptese presente
guarda maior relao com o decidido no Habeas Corpus n 150.820/SC, assim
ementado:
HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICNCIA E ASSOCIAO PARA O TRFICO DE DROGAS. SENTENA CONDENATRIA J PROFERIDA. ALEGAO DE NULIDADE DA AO PENAL, POR ILICITUDE DA PROVA COLHIDA POR MEIO DE INTERCEPTAO TELEFNICA, QUE TERIA SIDO DEFERIDA A PARTIR DE DENNCIA ANNIMA. AUSNCIA DE COMPROVAO DA TESE SUSTENTADA. INVIABILIDADE DE DILAO PROBATRIA EM HC. INVESTIGAO DEVIDAMENTE INSTAURADA PELA AUTORIDADE POLICIAL, QUE, JUSTIFICADAMENTE, REQUEREU A QUEBRA DE SIGILO TELEFNICO PARA IDENTIFICAO DE OUTROS MEMBROS DA ORGANIZAO CRIMINOSA. DECISO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PELO JUZO. PARECER DO MPF PELA DENEGAO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.1. A assertiva de que denncias annimas automaticamente conduziram quebra de sigilo telefnico de um dos envolvidos, o que possibilitou a identificao dos demais, bem como deflagrou as buscas e apreenses, e, por isso, todas as provas derivadas daquela interceptao seriam nulas, em verdade, no restou comprovada; ao contrrio, ao que se tem dos autos, algumas pessoas, inclusive o primeiro paciente, estavam sendo investigadas por trfico de entorpecentes na regio de Itaja/SC. A representao da Autoridade
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Policial pela quebra de sigilo telefnico restou bem fundamentada e objetivou, principalmente, a identificao de outros membros da organizao criminosa, tendo sido deferida a medida em deciso judicial devidamente motivada.2. No comprovado, de plano, pelos documentos constantes nos autos, que o inqurito foi iniciado com base apenas em denncia annima e sendo invivel ampla dilao probatria em HC, no h como dar azo irresignao . Precedentes.(HC 150.820/SC, Relator Ministro Napoleo Nunes Maia Filho, DJe de 3.5.2010, sem destaques no original)
De fato, a controvrsia em torno da existncia ou no de outros
elementos servindo de amparo s medidas restritivas de liberdades individuais
ultrapassa, a meu ver, os estreitos limites da garantia constitucional do habeas corpus
e encontra terreno frtil em sua sede natural, a saber, na prpria ao penal ora
suspensa, por fora de liminar.
De todo modo, consta que na hiptese presente existiriam
investigaes preliminares, efetivadas pela autoridade policial. A propsito,
recupero o que consta no primeiro ofcio encaminhado ao Juzo do processo, quando
se requereu o acesso aos dados cadastrais de P. K. P. (fls. 382):
Recebemos nesta Unidade de Anlise e Inteligncia (UADIP/DELEFIN/DRCOR/SR/DPF/SP) notitia criminis annima, dando conta de que uma pessoa de nome K. P. estaria se dedicando atividade compra e venda de dlares no mercado paralelo, sem qualquer respaldo legal para tanto.Tratar-se-ia de verdadeiro 'doleiro', atuando no mercado negro de moedas estrangeiras e, como tal, envolvido na prtica de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e, provavelmente, de lavagem de dinheiro.Atravs de pesquisas em nossos bancos de dados foi possvel identificar a pessoa mencionada como Kurt Paul Pickel , nascido na Sua, detentor do CPF n ... (sem destaques no original)
Ainda quando a culta Relatora fazia a leitura de seu alentado voto, veio-me
lembrana outro habeas corpus que, a meu sentir, guarda estrita relao com os
agora julgados. Trata-se do Habeas Corpus n 128.776/SP, cuja relatoria coube ao
ilustre Desembargador convocado Celso Limongi.
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A fim de constatar a ntima semelhana entre o precedente citado e a
hiptese presente, recupero alguns trechos do voto ento proferido pelo Relator:
A similitude entre o aresto citado e a hiptese presente est delineada em
toda a extenso do julgado.
Primeiramente, o eminente Relator, ao fazer a narrativa das alegaes
vazadas na impetrao, salientou que teria havido "um requerimento de autorizao
judicial para interceptao telefnica dos pacientes, baseado apenas em uma
denncia annima."
Diziam l os impetrantes, tambm, que no estaria "demonstrada nos
autos a imprescindibilidade do monitoramento telefnico, uma vez que se observa
que a autoridade policial no tentou nenhum outro meio de dar prosseguimento s
investigaes."
O Relator, entretanto, no acolheu os argumentos defensivos, salientando
que "as medidas adotadas pelo MM. Juiz, entre elas a interceptao telefnica,
foram necessrias para o prosseguimento das investigaes sobre a ocorrncia dos
crimes pelos quais os pacientes foram, posteriormente, denunciados."
Em outra passagem, ele asseverou, com propriedade:
Como se v, as investigaes estavam em curso e, diante da impossibilidade de obteno de provas por meios diversos, foi requerido o monitoramento telefnico . O movimento reduzido das operadoras de turismo, comprovado aps a denncia annima, reforou a convico de anormalidade da agncia e mostra a necessidade de prosseguimento das investigaes, de modo que no se pode afirmar que a denncia annima fora o nico elemento a lastrear a autorizao do monitoramento . (sem destaques no original)
Aps o voto do Desembargador Haroldo Rodrigues seguindo o Relator e
o da Ministra Maria Thereza, pela concesso da ordem, pedi vista dos autos,
trazendo-os a julgamento na sesso de 22.6.2010, quando me manifestei nestes
termos:
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Cinge-se o writ, em suma, na alegao de que a ao penal a que respondem os pacientes teria se iniciado a partir de interceptao telefnica deferida pelo magistrado de primeiro grau, com base exclusiva em denncia annima. Requer, diante disso, a extino do feito, sustentando que a Constituio Federal veda o anonimato e que no foi demonstrada, no caso, a imprescindibilidade do monitoramento telefnico.Observo, como muito bem salientado pelo ilustre Relator, que cuidou a autoridade policial de proceder a investigaes preliminares, a fim de verificar a verossimilhana dos fatos narrados na denncia annima . o que se deduz do seguinte trecho da representao formulada pela autoridade policial:
Em investigaes realizadas percebeu-se que os escritrios dessas agncias no apresentam movimento normal de operadoras de turismo, o que mais uma vez aponta a possvel veracidade das denncias proferidas anonimamente.
Em casos tais, o Supremo Tribunal Federal tem entendido ser a denncia annima perfeitamente aceitvel . A propsito, cito como exemplo o recente julgado:................................................................................................................. Por fim, verifico que a interceptao telefnica s foi deferida diante da impossibilidade de obteno de provas por outros meios . Nesse particular, ponderou a autoridade policial:
De tal sorte que a investigao se mostra necessria de acordo com as orientaes legais no contexto de polcia judiciria.A complexidade na produo de provas de crimes financeiros aconselha a medida de exceo admitida constitucionalmente de interceptaes telefnicas e de dados desses investigados, uma vez que a operacionalizao de transaes financeiras ocorre no somente atravs de papel-moeda, como tambm por diversos meios eletrnicos conhecidos.
Alis, tal circunstncia restou salientada pelo magistrado quando do deferimento da medida excepcional (fl. 48):
O sigilo telefnico que tem por objetivo a preservao da intimidade do indivduo no pode dar abrigo prtica de crimes e pode ser quebrado mediante autorizao judicial, desde que a medida se demonstre concretamente necessria investigao dos fatos, tal como se apresenta no caso.Ademais, havendo indcios razoveis da autoria ou participao das
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pessoas mencionadas na representao da autoridade policial em infraes penais punidas com pena de recluso (...) e "diante da inexistncia de outros meios disponveis que no ponham em risco a investigao" (...) "considerando-se ser, no presente momento, a nica medida capaz e eficaz para permitir a apurao das infraes penais em curso, com a identificao dos detalhes das prticas fraudulentas, bem como a autoria das pessoas fsicas e jurdicas envolvidas "...
Como se v, cai por terra a alegao de que no foi demonstrada a imprescindibilidade do monitoramento telefnico .Com tais consideraes, acompanho o Desembargador convocado Celso Limongi e denego a ordem . (sem destaques no original)
Nos casos agora em debate, h ainda uma outra peculiaridade. Alm
dessas diligncias preliminares, existiriam tambm declaraes prestadas por parte de
pessoas acusadas em outro processo. Esses delatores teriam, meses antes da
prpria delao apcrifa, firmado acordo com as autoridades do Estado em troca
dos benefcios constantes na Lei n 9.807/99.
Nessa diretriz, haveria de vir baila o entendimento sufragado por este
Tribunal em casos assemelhados. Trago julgados de ambas as Turmas Criminais:
Ainda que com reservas, a denncia annima admitida em nosso ordenamento jurdico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguao, como o inqurito policial, quando presentes indcios da participao do agente na prtica delitiva, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito identidade do investigado.2. O deferimento do pedido de interceptao telefnica, ao contrrio do que afirma o Impetrante, no foi fundado em denncia annima, mas em outros elementos probatrios colhidos na averiguao inicial realizada de forma regular, com a devida observncia dos preceitos legais .(HC 76749/SP, Quinta Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 11.5.09, sem destaques no original)
Para a determinao da quebra do sigilo telefnico dos investigados, mister se faz a demonstrao, dentre outros requisitos, da presena de
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razoveis indcios de autoria em face deles. Inteligncia do artigo 2, I da Lei 9.296/1996.A presena de denncia annima e de matrias jornalsticas indicando a possvel participao dos investigados na empreitada criminosa suficiente para o preenchimento desse requisito . certo que elementos desse jaez devem ser vistos com relativo valor, porm, no se pode negar que, juntos, podem constituir indcios razoveis de autoria de delitos.(HC 116.375/PB, Sexta Turma, Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJe de 16.12.08, sem destaques no original)
Em outro julgado, a Desembargadora convocada Jane Silva repisou a
orientao colacionada, consoante se depreende da seguinte ementa:
HABEAS CORPUS ASSOCIAO PARA O TRFICO ILCITO DE ENTORPECENTES CORRUPO PASSIVA INSTAURAO DO INQURITO E QUEBRA DO SIGILO TELEFNICO COM BASE EM DENNCIAS ANNIMAS POSSIBILIDADE WRIT DENEGADO.1- Para determinao da quebra de sigilo telefnico, h exigncias de que existam indcios de autoria, no havendo, por outro lado, impedimento de que o inqurito policial tenha se iniciado aps denncias annimas .2- Writ denegado.(HC 97.212/PE, Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJe de 30.6.08, sem destaques no original)
Inconformados com a denegao da ordem supra-aludida, os defensores
foram ao Supremo Tribunal, que, em deciso majoritria, assim decidiu:
Habeas corpus. Constitucional e processual penal. Possibilidade de denncia annima, desde que acompanhada de demais elementos colhidos a partir dela. Instaurao de inqurito. Quebra de sigilo telefnico . Trancamento do inqurito. Denncia recebida. Inexistncia de constrangimento ilegal. 1. O precedente referido pelo impetrante na inicial (HC n 84.827/TO, Relator o Ministro Marco Aurlio, DJ de 23/11/07), de fato, assentou o entendimento de que vedada a persecuo penal iniciada com base, exclusivamente, em denncia annima. Firmou-se a orientao de que a autoridade policial, ao receber uma denncia annima, deve antes realizar diligncias preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa "denncia" so materialmente verdadeiros, para, s ento, iniciar
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as investigaes. 2. No caso concreto, ainda sem instaurar inqurito policial, policiais federais diligenciaram no sentido de apurar as identidades dos investigados e a veracidade das respectivas ocupaes funcionais , tendo eles confirmado tratar-se de oficiais de justia lotados naquela comarca, cujos nomes eram os mesmos fornecidos pelos "denunciantes". Portanto, os procedimentos tomados pelos policiais federais esto em perfeita consonncia com o entendimento firmado no precedente supracitado, no que tange realizao de diligncias preliminares para apurar a veracidade das informaes obtidas anonimamente e, ento, instaurar o procedimento investigatrio propriamente dito . 3. Habeas corpus denegado.(HC 95.244/PE, Relator Ministro Dias Toffoli, julgado em 23.3.2010, DJe de 30.4.2010, sem destaques no original)
No mesmo sentido, a Suprema Corte decidiu o Habeas Corpus n
98.345/RJ (Primeira Turma, julgado em 16.6.2010 DJ de 17.9.2010), vencido o
eminente Ministro Marco Aurlio .
De se ressaltar, ainda, que esses dois julgados do Tribunal Maior
confirmaram aquilo que fora decidido por esta Sexta Turma. Isso porque o
Habeas Corpus n 98.345/RJ segundo precedente citado se voltava contra
acrdo proferido no Habeas Corpus n 103.566/RJ, igualmente de relatoria da
laboriosa Desembargadora Jane Silva.
Destaco, outrossim, que a orientao levada a efeito pela Primeira Turma
do STF foi tambm perfilhada pelo outro rgo fracionrio daquele Tribunal.
Veja-se, a propsito, trecho este precedente:
HABEAS CORPUS. "DENNCIA ANNIMA" SEGUIDA DE INVESTIGAES EM INQURITO POLICIAL. INTERCEPTAES TELEFNICAS E AES PENAIS NO DECORRENTES DE "DENNCIA ANNIMA". LICITUDE DA PROVA COLHIDA E DAS AES PENAIS INICIADAS. ORDEM DENEGADA. Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, nada impede a deflagrao da persecuo penal pela chamada 'denncia annima', desde que esta seja seguida de diligncias realizadas para averiguar os fatos nela noticiados (86.082, rel. min. Ellen Gracie, DJe de 22.08.2008; 90.178, rel. min. Cezar Peluso, DJe de 26.03.2010; e HC
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95.244, rel. min. Dias Toffoli, DJe de 30.04.2010). No caso, tanto as interceptaes telefnicas, quanto as aes penais que se pretende trancar decorreram no da alegada 'notcia annima', mas de investigaes levadas a efeito pela autoridade policial. A alegao de que o deferimento da interceptao telefnica teria violado o disposto no art. 2, I e II, da Lei 9.296/1996 no se sustenta, uma vez que a deciso da magistrada de primeiro grau refere-se existncia de indcios razoveis de autoria e imprescindibilidade do monitoramento telefnico . Ordem denegada.(HC 99.490/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 23.11.2010, DJe de 1.2.2011)
de ver que todos os julgados referidos ocorreram no ano de 2010 e
sinalizam a orientao da Suprema Corte sobre o tema.
Feito esse enquadramento, dvidas no tenho acerca da higidez das
investigaes iniciais levadas a efeito no bojo da ao penal ora em anlise.
A uma, porque a autoridade policial, aps o recebimento da denncia
annima, efetivamente efetuou diligncias preliminares, tal qual preceituam a
doutrina e a jurisprudncia desta Casa e do Supremo Tribunal, identificando, as
sociedades comerciais constitudas pelo paciente K. P., alm de outros dados
vinculados Receita Federal.
A duas, porque havia delao premiada, levada a efeito meses antes da
prpria delao apcrifa, o que corrobora com a necessidade das investigaes.
Sobre a sua juntada nos autos em momento posterior, manifestar-me-ei adiante.
Dito isso, afasto a nulidade inicial, aventada nas impetraes aqui
dirigidas.
2) Da necessidade/licitude das medidas determinadas primeiramente pelo Juzo
condutor do feito:
Entendo necessrio, primeiramente, esclarecer acerca da aplicao da
Lei n 9.296/96 s hipteses de quebra de sigilo de dados telefnicos.
Ressalto que essa Lei surgiu da prescrio contida no inciso XII do art. 5
de nossa Constituio, de seguinte redao:Documento: 15524495 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 20 de 46
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XII - inviolvel o sigilo da correspondncia e das comunicaes telegrficas, de dados e das comunicaes telefnicas, salvo, no ltimo caso, por ordem judicial, nas hipteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigao criminal ou instruo processual penal;
A questo aqui versada controvertida na doutrina. H vigorosos
argumentos tecidos por doutrinadores no sentido de que a Lei n 9.296/96 regularia no
s as hipteses de interceptao telefnica.
A primeira corrente defende que a norma editada pelo legislador ordinrio
abrangeria igualmente o sigilo de dados telefnicos.
Para outros, no entanto, estaria afastada da incidncia da Lei n 9.296/96
a disciplina referente aos dados telefnicos. Veja-se, a propsito, o que escreveu Luiz
Flvio Gomes: "no o caso (...) de se aplicar a Lei n 9.296/96 aos registros
('dados') telefnicos, pois ela s disciplina a interceptao (ou escuta)
telefnica" (GOMES, Luiz Flvio. A CPI e a quebra do sigilo telefnico. In Direito &
Justia. Correio Braziliense. 28.4.1997).
Corroborando esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes assevera:
Para o STF, ademais, o sigilo garantido pelo art. 5, XII, da CF refere-se apenas comunicao de dados, e no aos dados em si mesmos . A apreenso de um computador, para dele se extrarem informaes gravadas no hard disk, por exemplo, no constitui hiptese abrangida pelo mbito normativo daquela garantia constitucional RE 418.416, Rel. Ministro Seplveda Pertence, Plenrio, 10-5-2006 .(MENDES, Gilmar; COELHO, Inocncio Mrtires; e BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 edio. So Paulo: Saraiva. 2008, pg. 386, sem destaques no original)
Seja qual for a corrente a ser seguida, um outro ponto que me parece
relevante dar escorreito enquadramento jurdico ao que fora determinado,
inicialmente, pelo Juzo do processo.
No Ofcio n 2.504/08, datado de 10.1.2008, a autoridade policial, aps
breve relato dos fatos, formulou este pedido (fls. 1.429):
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Desta forma, para iniciarmos a investigao, requeiro seja determinado s empresas operadoras de telefonia (Telefnica, Embratel, Vsper, Vivo, Tim, Claro, Oi, Nextel) o fornecimento de senhas para os Policiais Federais Karina Murakami Souza, Otavio Margonari Russo, Paulo Correa Almeida, Renato Sadaike, Alexandre Lino de Souza, todos em exerccio na UADIP/DELEFIN/SR/DPF/SP, para que possam acessar os bancos de dados das empresas telefnicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usurios . (sem destaques no original)
Quinze dias depois, aps manifestao favorvel do representante do Parquet , o magistrado substituto da 6 Vara Federal de So Paulo deferiu o pleito, nestes termos (fls. 1.439):
Ante o exposto, com fundamento no artigo 1 da Lei n 9.296, de 24.07.1996, defiro a quebra de sigilo telefnico e determino a expedio de ofcios s empresas de telefonia (Telefnica, Embratel, Vsper, Vivo, Tim, Claro, Oi, Nextel) a fim de que sejam fornecidas senhas, com o prazo de 30 (trinta) dias , aos Policiais Federais Karina Murakami Souza, Otavio Margonari Russo, Paulo Correa Almeida, Renato Sadaike, Alexandre Lino de Souza, todos em exerccio na UADIP/DELEFIN/SR/DPF/SP, para que possam acessar os bancos de dados das referidas empresas telefnicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usurios . (sem destaques no original)
Vimos, pois, que a permisso dada, na verdade, foi para que os agentes
do Estado tivessem acesso aos bancos de dados das concessionrias de telefonia,
com o fim de obterem dados cadastrais dos assinantes.
Verifique-se:
Especificamente no que concerne alegao da senha fornecida aos agentes policiais federais, tem-se que referidas senhas foram deferidas ao Delegado de Polcia Federal e aos agentes de Polcia Federal , participantes da operao, para consulta ao cadastro de assinantes e usurios , tais como dados qualificativos do assinante do usurio, endereos de cobrana, telefones de contato e extrato, tendo, ento, sido expedido ofcio s Operadoras de Telefonia, informando tal determinao judicial. (fls. 1.129)
... mister se faz diferenciar o que acesso a dados de contrato de Documento: 15524495 - VOTO VISTA - Site certificado Pgina 22 de 46
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prestao de servios telefnicos e o que acesso interceptao das comunicaes telefnicas. Inicialmente, a autoridade policial pediu o acesso ao cadastro contratual em 10.01.2008 e a autoridade impetrada deferiu o pedido no dia 22.01.2008, com prazo de 30 dias e no por prazo indeterminado , como alegam os impetrantes. (fls. 1.279)
Esses dados cadastrais, de um modo geral, ficavam, at bem pouco
tempo, disponveis para serem consultados no servio telefnico "102" ou, ainda, nos
catlogos telefnicos, entregues periodicamente em todos os domiclios.
Por certo, caso houvesse legtima resistncia por parte do usurio da linha
telefnica, esses registros poderiam ser restringidos do grande pblico.
A partir dessa situao, tenho que a hiptese versada no atrairia a norma
vazada no inciso XII da Lei Maior (inviolabilidade de sigilos), mas, sim, aquela que
protege a intimidade da vida privada, esculpida no inciso X do mesmo diploma.
Em artigo publicado na Revista da AJUFERGS, Jos Paulo Baltazar
Jnior, escorado em precedentes deste Tribunal e tambm da Suprema Corte,
escreveu:
3.4. DADOS CADASTRAIS TELEFNICOS:Os dados cadastrais, como nome dos assinantes do servio telefnico e as relaes de chamadas feitas e recebidas no esto sujeitos ao regime da Lei n 9.296/96, constituindo-se em registros pblicos quanto a dados cuja autorizao divulgada pelo tomador do servio, nos termos do artigo 213 da Lei n 9.472/97 . Quanto aos demais dados, devem-se atender ao princpio da proporcionalidade.................................................................................................Afasta-se aqui, a tentativa de fundamentar o sigilo de dados telefnicos no inciso XII do art. 5 da Constituio, que trata das comunicaes de dados, e no dos dados, que no esto, por si, cobertos por sigilo, mas encontram-se protegidos enquanto objeto de correspondncia ou de comunicao . Tanto assim, que se admite a interceptao apenas no caso de comunicao telefnica, em virtude de sua instantaneidade.................................................................................................Caso se entenda que os dados referidos no inciso XII do art. 5 da Constituio so quaisquer dados, entendidos estes como informaes, independentemente de estarem sendo ou no comunicados, todo e qualquer registro de informaes, em qualquer
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suporte, como papel, fitas gravadas, disquetes, computadores, estaria coberto por sigilo . Essa soluo inviabilizaria, na prtica, a prova de qualquer ilcito, administrativo ou penal, bem como as provas no processo civil, de modo que no pode ser esta a interpretao do dispositivo constitucional.Nesse ponto, merece ser transcrito o seguinte trecho de autoria do Min. Francisco Rezek , em voto proferido no MS n 21.729-4/DF:
Do inciso XII, por seu turno, de cincia corrente que ele se refere ao terreno das comunicaes : a correspondncia comum, as mensagens telegrficas, a comunicao de dados, e a comunicao telefnica. Sobre o disparate que resultaria de entendimento de que, fora do domnio das comunicaes, os dados em geral e a seu reboque o cadastro bancrio so inviolveis, no h o que dizer . O funcionamento mesmo do Estado e do setor privado enfrentaria um bloqueio. A imprensa, destacadamente, perderia sua razo de existir.
No mesmo sentido a manifestao do Min. Seplveda Pertence no julgamento do MS n 23.452/RJ, como segue:
Com relao especificamente requisio de dados telefnicos que aqui s se enfrentou de raspo a minha convico a de que o problema h de ser encarado luz do princpio da proteo constitucional da intimidade, e no propriamente do inc. XII do art. 5, que diz respeito ao sigilo das comunicaes, em suas diversas modalidades: so desdobramentos que a tecnologia imps ao multissecular princpio da inviolabilidade da correspondncia. O que ali se protege, pois, a comunicao telemtica de dados : a no ser assim, ento, todos os dados, todos os apontamentos, todos os fichrios antigos e modernos existentes no mundo estariam protegidos por uma reserva que at se pode sustentar absoluta, porque a aluso final do inc. XII do art. 5, restrita s comunicaes telefnicas. A meu ver, o absurdo a que levaria conferir quanto a tudo o mais uma reserva absoluta mostra que, naquele inciso, s se cogitou das diversas tcnicas de comunicao. E, por isso mesmo, teve-se de resguardar mesmo de intromisso judicial o prprio ato de comunicao, salvo se cuidar da comunicao telefnica, nica em que a interceptao necessria, porque no deixa prova de seu contedo.
Consequncia da fundamentao da proteo de dados, includos os dados telefnicos, no inciso XII do art. 5 da Constituio seria a impossibilidade de sua quebra para fins extrapenais, uma vez que o dispositivo somente prev sua relativizao para fins de investigao
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criminal ou instaurao processual penal. Mais que isso, albergada a proteo de dados no inciso XII do art. 5 da Constituio, somente poderiam ser fornecidos com autorizao judicial, como est expressamente previsto no dispositivo.Ainda assim, se entende fundada a proteo de dados telefnicos no direito fundamental vida privada, objeto do incio X do art. 5. Sendo a proteo da vida privada um direito disponvel, os dados fornecidos pelo usurio da linha telefnica como nmero, nome completo e endereo podero ser divulgados livremente pela companhia em lista impressa, na rede mundial de computadores ou por telefone se houver autorizao expressa ou tcita do contratante do servio . A questo sobre a preservao da vida privada surgir quando inexistir autorizao do usurio para a divulgao dos dados cadastrais, por no ter autorizado a sua publicao em lista ou quando se referir a contatos feitos, relao de chamadas, horrios, durao, ligaes recebidas e estaes de origem, em caso de telefnica celular. Em tais casos, no permitido empresa de telefonia a divulgao das informaes (STJ, ROHC, 8.493/SP, Luiz Vicente Cernicchiaro, 6 T., un., DJ 2.8.99). inaplicvel a tais dados a disciplina das interceptaes telefnicas, objeto da Lei n 9.296/96, que recai sobre as comunicaes telefnicas (STF , MS 23.452/RJ, Celso de Mello , Pl., un., DJ 12.5.00), ressalvada a possibilidade de sua aplicao analgica (TRF 4 R., ACR 2000.70.02.001445-6/PR, Jos Luiz B. Germano. T. Especial, un., DJ 20.2.02). No h, de outro lado, lei disciplinadora de tal questo, faltante em nosso ordenamento uma lei geral de proteo de dados. (BALTAZAR Jr., Jos Paulo. Dez anos da Lei da Interceptao Telefnica (Lei n 9.296/96, de 24 de julho de 1996). Interpretao jurisprudencial e anteprojeto de mudana, in Revista da AJUFERGS/03, pg. 124-7, sem destaques no original)
De todo modo, qualquer que seja o princpio constitucional a ser
equacionado (X ou XII ambos do art. 5 da CR), no vislumbro, na deciso judicial
que originou o acesso aos dados cadastrais, a mcula apontada pelos ilustres
defensores.
Com efeito, no se pode negar que a quebra do sigilo de dados
cadastrais/registros telefnicos como o das comunicaes telefnicas
constituem medidas invasivas, que devem ser levadas a efeito em situaes
excepcionais, somente aps uma cautelosa ponderao de valores/interesses
envolvidos.
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O sigilo haver de ser quebrado em havendo necessidade de preservar um outro valor com status constitucional, que se sobreponha ao interesse na manuteno do sigilo. Alm disso, deve estar caracterizada a adequao da medida ao fim pretendido, bem assim a sua efetiva necessidade i.e., no se antever outro meio menos constritivo par alcanar o mesmo fim. O pedido de quebra do sigilo bancrio ou fiscal deve estar acompanhado de prova da sua utilidade. Cumpre, portanto, que se demonstre que "a providncia requerida indispensvel, que ela conduz a alguma coisa"; vale dizer, que a incurso na privacidade do investigado vence os testes da proporcionalidade por ser adequada e necessria .(MENDES, Gilmar; COELHO, Inocncio Mrtires; e BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 edio. So Paulo: Saraiva. 2008, pg. 386, sem destaques no original)
Volta-se, assim, necessidade de se observar detidamente o princpio
constitucional da proporcionalidade, bem assim seus subprincpios.
A esse respeito, trago considerao as lies de Paulo Bonavides:
A adoo do princpio da proporcionalidade representa talvez a nota mais distintiva do segundo Estado de Direito , o qual, com a aplicao desse princpio, saiu admiravelmente fortalecido. Converteu-se em princpio constitucional, por obra da doutrina e da jurisprudncia, sobretudo na Alemanha e Sua. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional 20 edio. So Paulo: Malheiros. 2007. pgs. 399, sem destaques no original)
Em outra passagem, o mestre cearense arremata:
Constatou a doutrina a existncia de trs elementos, contedos parciais ou subprincpios que governam a composio do princpio da proporcionalidade.Desses elementos, o primeiro a pertinncia ou aptido (geeingnetheit), que, segundo Zimmerli, nos deve dizer se determinada medida representa 'o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse pblico' , conforme a linguagem constitucional dos tribunais. Examina-se a a adequao , a conformidade ou a validade do fim. .................................................................................................................O segundo elemento ou subprincpio da proporcionalidade a
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necessidade (erforderlichkeit), ao qual tambm alguns autores costumam dar tratamento autnomo e no raro identific-lo com a proporcionalidade propriamente dita . Pelo princpio ou subprincpio da necessidade, a medida no h de exceder os limites indispensveis conservao do fim legtimo que se almeja , ou uma medida para ser admissvel deve ser necessria..................................................................................................................Finalmente, depara-se-nos o terceiro critrio ou elemento de concretizao do princpio da proporcionalidade, que consiste na proporcionalidade mesma, tomada stricto sensu . Aqui, assinala Pierre Muller, a escolha recai sobre o meio ou os meios que, no caso especfico, levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo .Quem utiliza o princpio, segundo esse constitucionalista, se defronta ao mesmo passo com uma obrigao e uma interdio; obrigao de fazer uso de meios adequados e interdio quanto ao uso de meios desproporcionados . (sem destaques no original)
Voltando-me aos elementos do princpio da proporcionalidade acima
referidos, entendo que a deciso judicial era adequada aos fins pretendidos,
necessria no caso presente e tambm proporcional ao vulto dos delitos
supostamente perpetrados. Vejamos:
Digo ser adequada, pois, como bem nos lembra Reinaldo Rossano:
... possvel at mesmo a decretao do grampo como incio de investigao , respeitados os requisitos legais, ou seja, devem existir indcios razoveis de autoria ou participao em infrao penal punida com recluso, ordem judicial competente e a prova no pode ser feita por outros meios disponveis. No se exige, pois, que haja um procedimento penal em andamento ou que a investigao criminal j se tenha iniciado.(ALVES, Reinaldo Rossano. Direito Processual Penal. 7 edio. Rio de Janeiro: mpetus. 2010, pg. 345)
Reputo necessria, por entender que no havia outros meios menos
gravosos/invasivos de as provas serem eficazmente coletadas. Nessa quadra,
basta uma leitura aligeirada da pea acusatria para nos depararmos com toda a sorte
de artifcios utilizados sempre e sempre com o objetivo de se furtar ao aparelho estatal.
Trago, a ttulo de exemplo, algumas das prticas utilizadas nesse
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desiderato:
a) uso de criptografia, "instalada em alguns telefones utilizados, inclusive
a partir da aquisio de equipamento israelense" (fls. 103);
b) utilizao de cdigos com nomes de animais (fls. 106) e de linguagem em idioma alemo (fls. 105); c) realizao de transferncias de altos numerrios de forma fracionada, com vistas a passar inclume fiscalizao do COAF Conselho de Controle de Atividades Financeiras (fls. 105/106);d) comunicao atravs dos sistemas Voip e Skype (fls. 103), alm de as conversas acontecerem, preferencialmente, de forma presencial (fls. 104), de modo a evitar que os dilogos fossem possivelmente interceptados;e) utilizao de empresas 'fantasma' e de 'fachada' para viabilizar movimentaes financeiras clandestinas (fls. 119/120);f) inteno, demonstrada por um dos acusados, de trocar o HD hard disk de seu computador pessoal, temeroso de que o referido aparelho fosse apreendido pela autoridade policial (fls. 107);g) preocupao na "destruio dos comprovantes das transaes realizadas" (fls. 112).
A descoberta desses elementos indicirios foi viabilizada atravs da
quebra do sigilo de dados e, principalmente, de interceptaes telefnicas.
A propsito, confira-se (fls. 1.280):
Cumpre salientar, ainda, que, ao contrrio do alegado pelos impetrantes, a autoridade policial, em sua Representao pela Interceptao Telefnica, frisou que, atravs de investigaes preliminares, foi obtida a informao de que P. K. P., trabalharia como 'doleiro' em favor da CCCC, mantendo, para tanto, intenso e dirio relacionamento com os pacientes P. F G. B., D. B. e F. D. G. (diretores estatutrios da empresa e chefes da operao) e, em razo das dificuldades de se comprovar delitos desta natureza, as interceptaes telefnicas eram imprescindveis para a continuidade das investigaes .Desta forma, verifica-se que o acesso aos cadastros e a realizao das escutas eram medidas imprescindveis , tendo sido realizadas por autoridade pblica, sob superviso do Juzo Federal e do Ministrio Pblico Federal. Todos os documentos atinentes colheita da prova indicam a cautela no seu registro e o controle sobre os atos realizados.
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No houve qualquer abuso.Por outro lado, o contedo das conversas gravadas e registradas nos autos no pode ser objeto de anlise aprofundada nos autos do HC, como propem os impetrantes. Questes de fato controvertidas so insuscetveis de anlise em sede de habeas corpus , que no comporta no seu rito sumrio dilao probatria.
Dada a complexidade e dificuldade de apurao dos fatos, os
responsveis pelas investigaes tiveram de lanar mo, at mesmo, das
denominadas TEI Tcnicas Especiais de Investigao incorporadas ao
ordenamento jurdico nacional (Lei n 9.034/95) e usualmente explicitadas em tratados
internacionais dedicados represso da criminalidade (sofisticadamente) organizada.
Uma dessas tcnicas especiais foi a instalao de escutas ambientais,
instrumento que se mostrava mais apropriado apurao dos dilogos feitos
pessoalmente. A prova da advinda foi reputada lcita pelo Plenrio da Suprema Corte
(deciso majoritria) .
A propsito, transcrevo trecho do Informativo n 529/STF:
Escuta Ambiental e Explorao de Local: Escritrio de Advogado e Perodo Noturno - 4
Prosseguindo, rejeitou-se a preliminar de ilicitude da prova de escuta ambiental , por ausncia de procedimento previsto em lei. Sustentava a defesa que a Lei 9.034/95 no teria traado normas procedimentais para a execuo da escuta ambiental , razo pela qual a medida no poderia ser adotada no curso das investigaes. Entendeu-se no proceder a alegao, tendo vista que a Lei 10.217/2001 deu nova redao aos artigos 1 e 2 da Lei 9.034/95 , definindo e regulando meios de prova e procedimentos investigatrios que versem sobre ilcitos decorrentes de aes praticadas por quadrilha ou bando ou organizaes ou associaes criminosas de qualquer tipo . Salientou-se o disposto nesse art. 2, na redao dada pela Lei 10.217/2001 ("Em qualquer fase de persecuo criminal so permitidos, sem prejuzo dos j previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigao e formao de provas: ... IV - a captao e a interceptao ambiental de sinais eletromagnticos, ticos ou acsticos, e o seu registro e anlise, mediante circunstanciada autorizao judicial;"), e concluiu-se pela licitude da escuta realizada, j que para obteno de dados por meio dessas formas excepcionais seria apenas
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necessria circunstanciada autorizao judicial , o que se dera no caso. Asseverou-se, ademais, que a escuta ambiental no se sujeita, por motivos bvios, aos mesmos limites de busca domiciliar, sob pena de frustrao da medida, e que, no havendo disposio legal que imponha disciplina diversa, basta a sua legalidade a circunstanciada autorizao judicial.Inq 2.424/RJ, rel.
Escuta Ambiental e Explorao de Local: Escritrio de Advogado e Perodo Noturno - 5
Afastou-se, de igual modo, a preliminar de ilicitude das provas obtidas mediante instalao de equipamento de captao acstica e acesso a documentos no ambiente de trabalho do ltimo acusado, porque, para tanto, a autoridade, adentrara o local trs vezes durante o recesso e de madrugada. Esclareceu-se que o relator, de fato, teria autorizado, com base no art. 2, IV, da Lei 9.034/95, o ingresso sigiloso da autoridade policial no escritrio do acusado, para instalao dos referidos equipamentos de captao de sinais acsticos, e, posteriormente, determinara a realizao de explorao do local, para registro e anlise de sinais pticos. Observou-se, de incio, que tais medidas no poderiam jamais ser realizadas com publicidade alguma, sob pena de intuitiva frustrao, o que ocorreria caso fossem praticadas durante o dia, mediante apresentao de mandado judicial. Afirmou-se que a Constituio, no seu art. 5, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domiclio dos cidados, sendo equiparados a domiclio, para fins dessa inviolabilidade, os escritrios de advocacia, locais no abertos ao pblico, e onde se exerce profisso (CP, art. 150, 4, III), e que o art. 7, II, da Lei 8.906/94 expressamente assegura ao advogado a inviolabilidade do seu escritrio, ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondncia, e de suas comunicaes, inclusive telefnicas ou afins, salvo caso de busca ou apreenso determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB. Considerou-se, entretanto, que tal inviolabilidade cederia lugar tutela constitucional de raiz, instncia e alcance superiores quando o prprio advogado seja suspeito da prtica de crime concebido e consumado, sobretudo no mbito do seu escritrio, sob pretexto de exerccio da profisso . Aduziu-se que o sigilo do advogado no existe para proteg-lo quando cometa crime, mas proteger seu cliente, que tem direito ampla defesa, no sendo admissvel que a inviolabilidade transforme o escritrio no nico reduto inexpugnvel de criminalidade . Enfatizou-se que os interesses e valores jurdicos, que no tm carter absoluto, representados pela inviolabilidade do domiclio e pelo poder-dever de punir do Estado, devem ser ponderados e conciliados luz da proporcionalidade
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quando em conflito prtico segundo os princpios da concordncia . No obstante a equiparao legal da oficina de trabalho com o domiclio, julgou-se ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de coliso e aplicao do princpio da concordncia prtica, qual o direito, interesse ou valor jurdico tutelado por essa previso. Tendo em vista ser tal previso tendente tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana, considerou-se ser, no mnimo, duvidosa, a equiparao entre escritrio vazio com domiclio stricto sensu , que pressupe a presena de pessoas que o habitem. De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lcitas por encontrarem suporte normativo explcito e guardarem precisa justificao lgico-jurdico constitucional , j que a restrio conseqente no aniquilou o ncleo do direito fundamental e est, segundo os enunciados em que desdobra o princpio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoo de fins legtimos de ordem pblica. Vencidos os Ministros Marco Aurlio, Celso de Mello e Eros Grau, que acolhiam a preliminar, ao fundamento de que a invaso do escritrio profissional, que equiparado casa, no perodo noturno estaria em confronto com o previsto no art. 5, XI, da CF.Inq 2.424/RJ, rel. (sem destaques no original)
Como visto, entendeu aquela Corte ser proporcional a instalao de
escutas ambientais em escritrio de advocacia abarcado pelo conceito de domiclio
durante o perodo noturno.
Na ocasio, lembrou o eminente Relator, Ministro Cezar Peluso, inexistir
direito absoluto. Naquele caso foi reafirmado que um direito constitucional (na
hiptese, a intimidade da vida privada e a inviolabilidade de domiclio) no poderia ser
usado como escudo para a prtica de toda sorte de delitos.
Da que vislumbro a similitude de situaes, a atrair tambm aqui a
adequao, necessidade e, principalmente, proporcionalidade das medidas
procedidas no bojo das referidas investigaes.
Certo que temos, na presente hiptese, uma situao de tenso, de
h muito anunciada, entre preceitos constitucionais de igual envergadura.
Diante desse inevitvel conflito surgido entre princpios/regras de mesma
estatura jurdica, cabe ao intrprete recorrer ao mtodo da ponderao de
interesses, perquirindo, caso a caso, qual ou quais dessas normas haver ou
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havero de prevalecer.
Nesse contexto de tenso dialtica, assevera Srgio Cavalieri Filho caber
ao "intrprete encontrar o ponto de equilbrio entre princpios constitucionais em
aparente conflito, porquanto, em face do 'princpio da unidade constitucional', a
Constituio no pode estar em conflito consigo mesma, no obstante a diversidade de
normas e princpios que contm" (Programa de Responsabilidade Civil. 6 edio. So
Paulo: Malheiros. 2005. pgs. 129/131, item n 19.11).
Esse juzo interpretativo no tem o condo de inquinar como
inconstitucional nenhum dos direitos/garantias envolvidos, at mesmo porque no se
adota, no ordenamento ptrio, a teoria das normas constitucionais inconstitucionais (ou
inconstitucionalidade de normas originrias), defendida pelos professores Otto Bachof
e Jorge Miranda.
Ressalto que a necessidade dessa ponderao de interesses propalada
por toda a doutrina, nacional e estrangeira. Ela se liga diretamente com o princpio da
proporcionalidade em sentido estrito, conforme declara Gilmar Mendes, citando Robert
Alexy. Verifique-se:
O juzo de ponderao a ser exercido liga-se ao princpio da proporcionalidade, que exige que o sacrifcio de um direito seja til para a soluo do problema, que no haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto , que o nus imposto ao sacrificado no sobreleve o benefcio que se pretende obter com a soluo. Devem-se comprimir no menor grau possvel os direitos em causa, preservando-se a sua essncia, o seu ncleo essencial (modos primrios tpicos de exerccio do direito). Pe-se em ao o princpio da concordncia prtica, que se liga ao postulado da unidade da Constituio, incompatvel com situaes de coliso irredutvel de dois direitos por ela consagrados.O juzo de ponderao diz respeito ao ltimo teste do princpio da proporcionalidade (proporcionalidade em sentido estrito).................................................................................................................. importante perceber que a prevalncia de um direito sobre outro se determina em funo das peculiaridades do caso concreto. No existe um critrio de soluo de conflitos vlido em termos abstratos. Pode-se, todavia, colher de um precedente um vis para soluo de conflitos vindouros. Assim, diante de um precedente especfico, ser admissvel afirmar que, repetidas as mesmas condies de fato, num caso futuro,
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um dos direitos tender a prevalecer sobre o outro .
Volto os olhos ao caso presente.
De um lado, busca-se a preservao da intimidade da vida privada e de
seus consectrios (inviolabilidade de sigilos de dados e das comunicaes
telefnicas). De outro lado, temos a segurana da coletividade, o poder-dever do
Estado de reprimir a prtica delitiva e tambm a probidade da Administrao.
Reporto-me a esse princpio regedor da Administrao Pblica, pois a
partir da leitura dos autos, deparo-me com a acusao de possvel atuao delitiva
indicadamente reiterada em licitaes pblicas, abrangendo cifras exponenciais.
Diante das supostas condutas, dvidas no me acorrem quanto
necessidade de se investigar a possvel prtica de crimes, que teriam causado prejuzo
aos cofres pblicos.
Consta da incoativa que aos pacientes dos writs em anlise so atribudos
delitos com suposto enraizamento na mquina estatal.
Demais disso, a deciso do Magistrado de piso est devidamente
fundamentada e, ao contrrio do que asseverou a defesa, teve prazo determinado 30
(trinta) dias.
Houve prorrogaes autorizadas das interceptaes, tema no analisado
pelo Tribunal de origem, motivo pelo qual evito tecer consideraes, ante a supresso
de instncia.
O Juiz teve a cautela de determinar o sigilo dos autos e de limitar o acesso
deles "somente s partes e autoridades que nele oficiarem" (fls. 1.439), agindo,
notadamente, com vistas a resguardar a intimidade das pessoas a serem investigadas.
Aps me debruar sobre todos os elementos at ento evidenciados,
conveno-me da semelhana entre a hiptese presente e o que se decidiu na Suprema
Corte, no Mandado de Segurana n 24.369-MC/DF.
Vejamos:
inquestionvel que a delao annima pode fazer instaurar situaes de tenso dialtica entre valores essenciais, igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, dando causa ao
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surgimento de verdadeiro estado de coliso de direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades revestidas de idntica estatura jurdica, a reclamar soluo que, tal seja o contexto em que se delineie, torne possvel conferir primazia a uma das prerrogativas bsicas, em relao de antagonismo com determinado interesse fundado em clusula inscrita na prpria Constituio .O caso ora exposto pela parte impetrante - que entidade autrquica federal - pode traduzir, eventualmente, a ocorrncia, na espcie, de situao de conflituosidade entre direitos bsicos titularizados por sujeitos diversos.Com efeito, h, de um lado, a norma constitucional, que, ao vedar o anonimato (CF, art. 5, IV), objetiva fazer preservar, no processo de livre expresso do pensamento, a incolumidade dos direitos da personalidade (como a honra, a vida privada, a imagem e a intimidade), buscando inibir, desse modo, delaes annimas abusivas. E existem, de outro, certos postulados bsicos, igualmente consagrados pelo texto da Constituio, vocacionados a conferir real efetividade exigncia de que os comportamentos funcionais dos agentes estatais se ajustem lei (CF, art. 5, II) e se mostrem compatveis com os padres tico-jurdicos que decorrem do princpio da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput). Presente esse contexto, resta verificar se o direito pblico subjetivo do cidado rigorosa observncia do postulado da legalidade e da moralidade administrativa, por parte do Estado e de suas instrumentalidades (como as autarquias), constitui, ou no, limitao externa aos direitos da personalidade (considerados, aqui, em uma de suas dimenses, precisamente aquela em que se projetam os direitos integridade moral), em ordem a viabilizar o conhecimento, pelas instncias governamentais, de delaes annimas, para, em funo de seu contedo - e uma vez verificada a idoneidade e a realidade dos dados informativos delas constantes -, proceder-se, licitamente, apurao da verdade, mediante regular procedimento investigatrio..................................................................................................................Parece registrar-se, na espcie em exame, uma situao de colidncia entre a pretenso mandamental de rejeio absoluta da delao annima, ainda que esta possa veicular fatos alegadamente lesivos ao patrimnio estatal, e o interesse primrio da coletividade em ver apuradas alegaes de graves irregularidades que teriam sido cometidas na intimidade do aparelho administrativo do Estado .Isso significa, em um contexto de liberdades em conflito, que a coliso dele resultante h de ser equacionada, utilizando-se, esta Corte, do mtodo - que apropriado e racional - da ponderao de bens e valores, de tal forma que a existncia de interesse pblico na revelao e no esclarecimento da verdade, em torno de supostas ilicitudes penais e/ou administrativas que teriam sido praticadas por entidade autrquica
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federal, bastaria, por si s, para atribuir, denncia em causa (embora annima), condio viabilizadora da ao administrativa adotada pelo E. Tribunal de Contas da Unio, na defesa do postulado tico-jurdico da moralidade administrativa, em tudo incompatvel com qualquer conduta desviante do improbus administrator.Na realidade, o tema pertinente vedao constitucional do anonimato (CF, art. 5, IV, in fine) posiciona-se, de modo bastante claro, em face da necessidade tico-jurdica de investigao de condutas funcionais desviantes, considerada a obrigao estatal, que, imposta pelo dever de observncia dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), torna imperioso apurar comportamentos eventualmente lesivos ao interesse pblico . (MS n 24.369-MC/DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 16.10.2002, sem destaques no original)
Essas consideraes foram feitas pelo Ministro Celso de Mello em
mandado de segurana impetrado contra deciso do Tribunal de Contas da Unio.
Sem embargo disso, entendo-as perfeitamente ajustadas ao caso
presente, pois, como j explicitei, as condutas supostamente praticadas
transbordariam a seara privada, entrelaando-se nocivamente no aparelho
estatal e contaminando a esperada licitude de procedimentos licitatrios. Assim,
inegvel tambm a afronta a outros postulados de cariz constitucional, tais como a
legalidade e a moralidade administrativas.
Fao tais consideraes sem olvidar toda a problemtica relativa tambm
suposta prtica dos delitos de 'lavagem' de capitais, formao de quadrilha etc.
Quanto a essas infraes, ressalto a acusao de possvel transferncia
de valores a diferentes pases (muitos deles considerados 'parasos fiscais'),
evidenciando, em tese, a transnacionalidade dos delitos.
Sob essa tica, entendo necessrio registrar a preocupao que
compartilho do referenciado Ministro Celso de Mello em relao represso s
infraes que excedam as fronteiras nacionais. Veja-se:
A ausncia de efetiva reao estatal ao desrespeito sistemtico das leis, por parte daqueles que atuam no mbito de organizaes criminosas transnacionais, traduz omisso que frustra a autoridade do Direito, que
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desprestigia o interesse pblico, que gera o descrdito das instituies e que compromete o princpio da solidariedade internacional na represso incondicional aos delitos que ofendem a conscincia universal e o sentimento de decncia e dignidade dos povos. Por isso mesmo, a impunidade representa preocupante fator de estmulo delinqncia, gerando, no esprito do cidado honesto, o sentimento de justa indignao contra a indiferena tica do Estado, que se revela incapaz ou destitudo de vontade poltica para punir aqueles que transgridem as leis penais . (www.stf.jus.br)
Foi exatamente para coibir a prtica de delitos dessa magnitude que a
comunidade internacional firmou a Conveno de Palermo, Tratado Internacional
contra o "Crime Organizado Transnacional".
O referido tratado traz em seu bojo, entre outras, a regra segundo a qual
"as autoridades responsveis pela administrao, regulamentao, deteco e
represso e outras autoridades responsveis pelo combate lavagem de dinheiro
(incluindo, quando tal esteja previsto no seu direito interno, as autoridades judiciais),
tenham a capacidade de cooperar e trocar informaes em mbito nacional e
internacional, em conformidade com as condies prescritas no direito interno".
E mais, no intuito de viabilizar a apurao das infraes, tambm se
consignou que "os Estados Partes diligenciaro no sentido de desenvolver e promover
a cooperao escala mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autoridades
judiciais, os organismos de deteco e represso e as autoridades de regulamentao
financeira, a fim de combater a lavagem de dinheiro".
J no plano interno, o Estado brasileiro vem editando leis, no sentido de
corroborar a necessidade de cooperao entre os rgos de combate criminalidade
organizada.
Nesse sentido, cito a Lei Complementar n 104/01, que, em seu art. 199,
pargrafo nico, dispe:
A Fazenda Pblica da Unio, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convnios, poder permutar informaes com Estados estrangeiros no interesse da arrecadao e da fiscalizao de tributos .
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A norma acima colacionada diz respeito matria tributria. Esse
compartilhamento, com muito mais vigor, pode ocorrer tambm na represso a crimes.
A propsito, confira-se o que consta na Lei Complementar n 105/01:
Art. 2o (...)................................................................................................................. 4o O Banco Central do Brasil e a Comisso de Valores Mobilirios, em suas reas de competncia, podero firmar convnios :I - com outros rgos pblicos fiscalizadores de instituies financeiras, objetivando a realizao de fiscalizaes conjuntas, observadas as respectivas competncias;II - com bancos centrais ou entidades fiscalizadoras de outros pases , objetivando:a) a fiscalizao de filiais e subsidirias de instituies financeiras estrangeiras, em funcionamento no Brasil e de filiais e subsidirias, no exterior, de instituies financeiras brasileiras;b) a cooperao mtua e o intercmbio de informaes para a investigao de atividades ou operaes que impliquem aplicao, negociao, ocultao ou transferncia de ativos financeiros e de valores mobilirios relacionados com a prtica de condutas ilcitas .
No se pode deixar de lado uma pronta resposta estatal atuao de
requintadas organizaes criminosas, que se valem de robustos artifcios, buscando
escapar dos mecanismos de controle.
Em data recente 10.12.2010 foi realizado o seminrio 'Provas e
Gesto da Informao: Novos Paradigmas'. Na oportunidade, o insigne Ministro
Cezar Peluso, salientando a necessidade da busca de novas tcnicas de investigao,
anotou:
No s o processo penal pode, seno deve, ser eficiente, sem que isso represente violao aos limites do processo penal constitucional. O caminho para essa soluo de compromisso entre legalidade e eficincia est, necessariamente, na utilizao de novas tecnologias para colheita e gerenciamento das informaes probatrias .(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=16782)
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de ver que h um crescente esforo, nacional e internacional, em fechar
o cerco criminalidade organizada, a qual, no mais das vezes, no respeita as
fronteiras de nenhuma Nao, rumando a uma "atuao globalizada" na prtica delitiva.
Todos os cuidados tm sido tomados pelos legisladores e tambm
pelos operadores do Direito no intuito de no esvaziar um ncleo essencial, contedo
mnimo a ser preservado invariavelmente.
Na hiptese de que aqui se trata, entendo, com a vnia devida dos que
pensam em sentido diverso, que esse ncleo intangvel no foi ferido de morte.
Ao que quero crer, as investigaes encetadas na ao penal em epgrafe
vo ao encontro da necessidade de resguardo da coletividade, represso da
criminalidade organizada, desestimulando a busca da prtica do "crime perfeito".
3) Das provas produzidas antes da denncia e mantidas fora do alcance da
defesa:
Insurgem-se tambm os zelosos defensores sobre as provas que teriam
sido coletadas em arrepio ao princpio do contraditrio, pois que s mencionadas pelo
Juiz do processo quando prestou informaes ilustre Desembargadora Relatora dos
writs originrios.
Sob este ponto, no de hoje a controvrsia sobre a aplicabilidade dos
princpios do contraditrio e da ampla defesa durante a fase pr-processual (inqurito
policial).
Alexandre de Moraes, citando jurisprudncia, pontua:
O contraditrio nos procedimentos penais no se aplica aos inquritos policiais , pois a fase investigatria preparatria acusao, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois, mero procedimento administrativo, de carter investigatrio, destinado a subsidiar a atuao do titular da ao penal, o Ministrio Pblico.(MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23 edio. So Paulo: Atlas, 2008, pg. 108)
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Tal entendimento, no entanto, vem sofrendo uma releitura nos mais
recentes julgados. Prova disso a edio da Smula Vinculante n 14, de seguinte teor:
direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, j documentados em procedimento investigatrio realizado por rgo com competncia de polcia judiciria, digam respeito ao exerccio do direito de defesa.
Mas, no desate da controvrsia ora posta, essa questo fica em um
segundo plano.
Vale dizer, aps o recebimento da denncia e instaurao da ao
penal, havia provas coletadas pelo rgo acusador que, sendo de
conhecimento do Juiz do processo, permaneceram fora do alcance dos
acusados.
A existncia desses elementos probatrios s foi tornada pblica com o
julgamento do writ originrio, aps a Desembargadora Ceclia Mello determinar a
juntada de ofcio encaminhado, em carter sigiloso, pelo Magistrado condutor do feito.
Lembro, outrossim, que devem ser mantidos em sigilo os termos do
acordo de delao e no as informaes que digam respeito aos delatados. Essas
devem ser trazidas ao feito, a fim de que possam ser contraditadas.
A propsito, recupero as palavras do Ministro Gilson Dipp em voto
proferido no Habeas Corpus n 59.115/PR, quando discorria acerca do instituto da
delao premiada:
O que importa nos acordos que haja o controle jurisdic