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Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Geografia
Aproximações sobre o método progressivo-regressivo: o
Parque Jardim da Luz como lugar da análise
Renan Coradine Meireles
São Paulo
Setembro de 2013
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Geografia
Aproximações sobre o método progressivo-regressivo: o Parque
Jardim da Luz como lugar da análise
Renan Coradine Meireles
Trabalho de Graduação Individual II
apresentado ao Departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo como
requisito para obtenção do título de Bacharel
em Geografia, sob orientação da professora
Ana Fani Alessandri Carlos.
São Paulo
Setembro de 2013
Ventana sobre la utopia
Ella está en el horizonte – dice Fernando Birri -.
Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino
diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá.
Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué
sirve la utopia? Para eso sirve: para caminar.
Eduardo Galeano em Las Palabras
Andantes, 1993.
Agradecimentos e Dedicatória
Certamente tenho muitas pessoas a agradecer, afinal, os anos passados aqui na
USP foram muito intensos. Centenas de colegas, dezenas de amigos e muitas histórias
inesquecíveis, viagens, festas, trabalhos de campo, papos no corredor, jogos no CEPE,
eventos no Brasil e no exterior.
Começarei com as bixetes especiais, não só pela capacidade de me irritar e encher
o saco (rs!), mas também de me ouvir, aconselhar, conversar, rir. Lady, Laís, Camila e
Jéssica. Sem dúvida vocês fizeram meus dias muito mais engraçados!
Aos colegas da Paisagens, de 2009 a 2011: Alê, Fernandão, Douglas, Ilda,
Rogerinho, Garça, Márcio, Lígia, Pedrão, Caco e de 2011 e 2012: Leozinho, Bruno,
Maíra, Natacha, Aline, Letícia, Leozão, Olívia, Victoria, Pietra e Yasminni. Mais do
que uma comissão editorial, as reuniões semanais se tornaram um momento de encontro
e conversas instigantes. À Flor, pela disponibilidade constante e pela sempre prazerosa
conversa.
Ao Rogerinho, pelos momentos de descontração e aprendizado e ainda pela ajuda
fundamental na feitura dos mapas. Aos ex e atuais companheiros de república que
sempre me aguentaram nos momentos de angústia. Em especial ao Douglas,
companheiro de vários anos, na república e na Geografia.
Aos amigos de Pirassununga, que apesar da distância física permanecem ao meu
lado, sempre: Elô, Chú, Bonho, Chris, Mayara e Marina. Sinto que estou esquecendo
alguém!
Aos professores e funcionários do DG, que me acolheram desde o primeiro dia e
me mostraram que é possível, através da Geografia, compreender e produzir um mundo
diferente. Aos professores e colegas do GESP que também foram fundamentais no meu
amadurecimento intelectual. Em especial as professoras Isabel e Simone, pelo grupo de
estudo e monitoria de disciplina, respectivamente.
A professora Fani, pela dedicação e paciência, infindáveis. Por ser exemplo de
intelectual, responsável e comprometida com a Geografia e com os alunos. Por várias
vezes ouvi: “- o importante aqui não é a pesquisa em si, mas sim a formação de vocês”.
Por fim, agradecimentos eternos a três mulheres mais do que especiais, minha avó
Lourdes, minha mãe Cristina e a minha companheira Carina. Nos momentos de
dificuldade é a elas que eu recorro. Ao meu pai, sempre presente, também devo
agradecimentos, sempre! Por fim, dedico este humilde trabalho a todos vocês que, à sua
maneira fizeram da minha vida em São Paulo muito mais do que a realização de um
curso de Geografia!
Sumário
Introdução..................................................................................................................... 07
Capítulo 1 - Parque Jardim da Luz: dos usos e morfologias à prática sócio-
espacial.......................................................................................................................... 09
1.1. Espaço-tempo dos usos no Parque Jardim da Luz.................................................. 16
1.2. O Parque e o entorno vistos do alto......................................................................... 17
Capítulo 2 - Sobre os fundamentos: a centralidade como síntese da morfologia e
dos usos na história do Parque Jardim da Luz......................................................... 24
2.1. As transformações morfológicas no decorrer do século XX.................................. 25
2.2. O lugar como centralidade na passagem para o século XX.................................... 31
2.3. Sobre a prostituição e a transformação nos usos..................................................... 39
Capítulo 3 – O Parque Jardim da Luz e os fundamentos da história: a
constituição como espaço público............................................................................... 44
Capítulo 4 - Considerações sobre o método e a análise do Parque Jardim da
Luz................................................................................................................................. 56
Referências Bibliográficas .......................................................................................... 62
Anexos............................................................................................................................ 64
7
Introdução
“Todo começo é difícil, isso vale em qualquer ciência”
Karl Marx, no prefácio
da primeira edição d’O Capital, de 1867.
Um dos primeiros encontros com o belo Jardim da Luz e as grades que o cercam
chamou-nos particularmente a atenção. Altas e robustas pareciam sufocar o Jardim,
separando-o física e simbolicamente de uma grande quantidade de pessoas. Por que um
espaço público era cercado por grades? Por que determinados tipos de pessoas são
proibidas de entrar e permanecer no Jardim? Estes foram os questionamentos
fundadores. Deles surgiu um projeto de pesquisa sobre o espaço público e a cidade.
Depois de meses a deriva, idas e vindas ao Jardim, entrevistas realizadas e
leituras feitas eis que algumas outras questões entram em cena. Diante de tão complexo
conjunto de situações no Jardim, como nos aproximar e compreender seus usos? Diante
de um lugar na metrópole, como estuda-lo, pesquisa-lo? Surge em meio tantas questões
o interesse pelo método.
Este trabalho de graduação individual emerge como a síntese destes dois
momentos de formação, onde os objetos eram, respectivamente, o lugar e o método.
Desta forma, mais do que uma pesquisa stricto sensu, este trabalho é um momento, de
fim e início de um projeto, de uma formação, privilegiados nos espaços da Universidade
de São Paulo e do Departamento de Geografia.
Neste movimento, o objetivo do trabalho é compreender um fragmento do
espaço urbano: o Parque Jardim da Luz, em São Paulo, em seu sentido atual e a partir de
sua história no movimento de constituição da metrópole.
Trata-se, portanto, de um exercício de pesquisa, a partir do método progressivo-
regressivo, como caminho para o entendimento de um lugar na metrópole. Como ponto
de partida e chegada a realidade atual, no início, caótica, desordenada, no fim explicada,
compreendida, ao menos, explicitada. Para isso, o método se realiza em três momentos:
o primeiro é o da aproximação à realidade, da descrição do visível, do percebido. O
segundo é a regressão, momento de decompor e analisar as temporalidades da história.
O terceiro é a progressão, retorno a realidade, agora elucidada, concebida.
8
Nos quatro capítulos seguintes, procurar-se-á expor como o trabalho se
desenvolveu na busca pela realização do método progressivo-regressivo, como exercício
de pesquisa, na tentativa de elucidar os processos constitutivos do Parque Jardim da Luz
enquanto espaço público na metrópole de São Paulo.
O capítulo inicial, denominado “Parque Jardim da Luz: dos usos e morfologias à
prática sócio-espacial”, trata-se da primeira aproximação da realidade a ser estudada. A
partir da observação e descrição do lugar, buscou-se compreender a morfologia e os
usos, a fim de partir das situações percebidas para depois estabelecer uma análise sobre
o fragmento do espaço urbano.
No segundo capítulo, intitulado “Sobre os fundamentos: a centralidade como síntese
da morfologia e dos usos na história do Parque Jardim da Luz” busca-se fazer uma regressão
histórica a fim de encontrar os fundamentos explicativos da constituição do Parque
Jardim da Luz. Trata-se, portanto, de compreender os diferentes momentos em que
houve transformações significativas na morfologia do Parque e como os usos ocorreram
em diferentes momentos históricos. Nesta etapa da pesquisa, aparece a centralidade
como fundamental para a análise deste lugar. A morfologia e os usos do Parque durante
a história revelam, então, a centralidade como constitutiva desse lugar na metrópole.
No terceiro capítulo, denominado “O Parque Jardim da Luz e os fundamentos
da história: a constituição como espaço público” busca-se analisar o Parque a partir dos
fundamentos históricos já compreendidos como constituidores do Parque enquanto
espaço público. Nesta etapa, procuramos ainda compreender como o conceito de espaço
público se desenvolve a partir dos escritos de Hannah Arendt.
O quarto capítulo, com o título “Considerações sobre o método e a análise do
Parque Jardim da Luz” configura-se como um desvio a realização da pesquisa, mas
explicita o momento de formação no qual este trabalho de graduação se localiza. Busca-
se, desta maneira, compreender a importância do método progressivo-regressivo para a
análise geográfica e a maneira como foi se desenvolvendo a relação entre a própria
pesquisa e o método.
9
Capítulo 1
Parque Jardim da Luz: dos usos e morfologias à prática sócio-espacial
Existem diversas maneiras de iniciar uma investigação sobre um fragmento do
espaço urbano. Optou-se aqui por uma aproximação da realidade a partir da observação
e descrição da morfologia e dos usos do lugar revelando assim as práticas sócio-
espaciais.
Iniciaremos a abordagem pela morfologia, sobre a qual Carlos escreve que,
explicita a sobreposição de tempos em cada lugar da cidade (Carlos, 2007b). Portanto, a
partir de sua análise é possível, compreender os diferentes momentos históricos de cada
lugar, neste caso do Parque Jardim da Luz. Desta maneira, os diferentes usos que esse
lugar teve durante a história podem ser revelados. Carlos complementa que,
a análise da morfologia da cidade revela uma dimensão
que não é apenas espacial, mas também temporal, ao mesmo
tempo em que, aponta uma profunda contradição nos processos
de apropriação do espaço pela sociedade. (Carlos, 2007b, pg.55)
A partir da morfologia, portanto, é possível encontrar os remanescentes de
diversos momentos da historia. No Parque, por exemplo, tempos de “auge” e
“decadência” da sociedade paulistana e do processo de urbanização de São Paulo estão
materializados, mostrando continuidades e descontinuidades do movimento de produção
do espaço daquela região da cidade.
Valdoski, em sua tese A luta pelo espaço: da segurança da posse à política de
regularização fundiária de interesse social em São Paulo, aponta como fundamental
para o início de uma investigação sobre o espaço urbano, a análise da morfologia
diferenciada entre os lugares na cidade. Afirma que a morfologia traz consigo os
conteúdos da história da produção de cada lugar. Nas palavras da autora,
[...] o ponto de partida é o da paisagem desigual da cidade
e da morfologia diferenciada dos lugares produzidos pela pratica
socioespacial que contêm as estratégias de reprodução da
sociedade. Esta materialidade, dada pela forma, é a
representação da historicidade construída ao longo dos anos,
com rupturas e continuidades das determinações sociais que
constrói o espaço social. (Valdoski, 2012, pg. 26)
10
Neste caminho, pode-se apontar que a morfologia guarda o sentido de uma
história social. É nela que os usos foram e são marcados, onde os rastros da história se
inscrevem.
[...] a morfologia urbana, com os traçados das ruas,
avenidas e praças, com suas formas materiais arquitetônicas,
guardam um conteúdo social só permitido pela manifestação que
vem da prática espacial entendida como modos de usos dos
lugares. É como uso, isto é, através do corpo em atividade e
movimento, que os habitantes usam os lugares e, ao fazê-lo,
identificam-se com eles, posto que são os lugares onde se
realizam os atos mais banais da vida cotidiana. (Carlos, 2007b,
pg. 94)
Neste sentido, morfologia e uso se relacionam explicitando a prática sócio-
espacial, revelando-a. Pode-se dizer, então, que a prática contempla, assim, a dimensão
da vida cotidiana, os diferentes usos do lugar. Desta maneira a análise dos usos é capaz
de revelar a prática sócio-espacial. Sobre essa relação entre uso e prática sócio-espacial,
Carlos escreve que,
o que nos parece importante resgatar para a análise, é o
fato de que a cidade revela-se concretamente através do uso que
dá sentido a vida, revelando o conteúdo da prática sócio-
espacial. É pelo uso (como ato e atividade) que a vida se realiza
e é também através do uso que se constroem os “rastros” que
dão sentido a ela, construindo os fundamentos que apoiam
construção da identidade revelada como atividade prática capaz
de sustentar a memória. (Carlos, 2007b, pg. 30)
Desta maneira, esta etapa do trabalho tem como objetivo a análise do Parque
Jardim da Luz a partir da observação e descrição da morfologia e dos usos, e a partir do
plano do lugar acessar os conteúdos das práticas sócio-espaciais. Desta forma, entre
morfologias e usos, pode-se descortinar as relações estabelecidas entre as pessoas e
como se apropriam, produzindo o próprio espaço.
Pessoas indo ao trabalho, vindo da estação, simplesmente caminhando, são
milhares que vem e vão, entram e saem do Parque todos os dias. Grande parte somente
passa, rapidamente, está a caminho de casa, pouco veem, nada sentem. Outros fixam o
olhar, passam devagar, param, sentem a cidade, ouvem a vida urbana. Praticando
11
atividade física, se divertindo, crianças pulando corda, adultos ouvindo música,
trabalhando das mais diversas formas, jogando dominó ou cartas. Há um movimento
incessante. A Estação da Luz, em meio à vizinhança, torna o lugar cheio de pessoas.
“Esse é o jardim mais charmoso [da cidade] de São Paulo”, diz dona Célia. Ao
centro um coreto e a casa de chá, produtos do início do século XX. (figura 1) Mesmo
restaurados guardam um momento da história. Cortando e completando os gramados
verdejantes e os jardins floridos, trilhas e espaço livres se combinam.
Figura 1. Coreto e Casa de Chá no início do século XX. Fonte: Ohtake e Dias, 2011.
Às margens, grades incomodam, delimitam, separam. Parecem violentar àqueles
que passam o dia encostado a ela, separando-os daqueles que estão dentro do Parque,
parecem presos. As grades atuais são produtos da década de 1970, refletem as
contradições da vida na cidade. O Estado, com o discurso da violência e da degradação
justifica a existência das mesmas.
Estátuas, fontes e monumentos estão espalhados, representam momentos,
histórias, vidas. Provocam curiosidade, estranhamento, fazem pensar. Formam um
conjunto, diferentes em cor, data, autor, forma, material: um museu a céu aberto.
Um museu, uma praça, um jardim, um coreto, um lago, árvores, pássaros,
pessoas. Acumulação desigual de tempos, arte a céu aberto, flora centenária, circulação,
permanência de pessoas. Dos caminhos tortuosos que insinuam o encontro aos bancos
que providenciam a permanência. Crianças, jovens, adultos e idosos, vem, vão e ficam,
caminham, correm e brincam. Circulação e encontro se estabelecem.
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O coreto, os bancos, as estátuas, as fontes, chafarizes, as casas: são pontos fixos,
imóveis, sem vida por si só. Mas há quem os dê beleza, cor, sentido e vida. São os que
fazem deste lugar o tempo de estar, e que, portanto, habitam o tempo. (figura 2)
São as crianças com as mães e babás no parquinho, que brincam na areia, que
jogam bola, constroem casinhas, se divertem enquanto as mães conversam. São os
corredores e caminhantes em busca da vida saudável, e que se exercitam até cansar,
ouvindo música, quase sempre com fone de ouvido. Outros param, contemplam o
jardim, tomam sorvete, estabelecem relação com o Parque. A maioria, entretanto, não
faz mais do que passar.
Há os que fazem daquele lugar o próprio ganha pão. Os jardineiros, sorveteiros,
pipoqueiros, seguranças, prostitutas. Esses já são parte da paisagem do lugar, estão ali
todos os dias, faça chuva ou faça sol.
As prostitutas produzem uma história própria. São maioria no jardim e
constituem a primeira palavra que caracteriza o uso do Parque. Estão por todos os lados,
caminhando ou paradas parecem se disfarçar e ao mesmo tempo estar à vista de quem as
interessa. São meninas ou senhoras, com muita ou pouca roupa, carrancudas ou
sorridentes, falantes ou quietas, olhar calmo ou ansioso, que procuram ser vistas e ao
mesmo tempo em que precisam esconder-se. Vivem a ambiguidade de uma vida
marginal. E é isso o que acontece. Para alguns passam por estátuas, simbolizam a
sujeira, a promiscuidade e a vadiagem. Para esses querem se esconder. Para outros
simbolizam o encontro, a sedução, o prazer, para esses querem aparecer.
Um parque não se constitui só por ele mesmo. Constitui-se em conjunto com o
entorno, pelas materialidades e relações que o envolvem. O Parque Jardim da Luz tem
uma vizinhança que o fez centralidade histórica na vida cotidiana dos citadinos
paulistanos.
É um lugar que contempla o uso das praças, o encontro, o diálogo, a diversão, o
trânsito. É também jardim, lugar de observação, contemplação. Tampouco perde seu
caráter de museu. Estátuas, chafarizes e o coreto nos remetem a história, do próprio
lugar, da cidade que o contempla. Torna-se um resíduo no processo de urbanização que
se impõe a metrópole, espaço não homogêneo, pouco funcional, contém as marcas e os
rastros dos tempos pretéritos. Seabra escreve que,
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[...] os espaços residuais e a partir das permanências que
guardam, pode-se indagar sobre as genealogias, sobre as
coexistências, sobre as continuidades e as descontinuidades,
sobre as temporalidades e sobre o devir. Neles, de alguma forma
permanece retida a história inteira, vivida e experimentada com
sua riqueza e pobreza, com seus impasses e contradições, porque
eles são acumulação de tempos sociais e históricos. (Seabra,
2004, pg. 185 e 186)
Figura 2. Imagens do Parque Jardim da Luz. Fonte: Acervo Renan Coradine Meireles (2012).
O Parque localiza-se no distrito do Bom Retiro, nas imediações de equipamentos
culturais como Pinacoteca do Estado, o Museu da Língua Portuguesa e também da
primeira estação ferroviária da cidade de São Paulo, a Estação da Luz (mapa 1). Tal
vizinhança confere ao Parque um papel diferente. Além dos diversos usos, pela região
circulam milhares de pessoas por dia. Lugar histórico e com grande circulação, o Jardim
da Luz torna-se também centralidade.
14
Foi na segunda metade do século XIX que grande parte dos edifícios que
abrigam hoje a Pinacoteca, o Museu da Língua Portuguesa, a Escola Prudente de
Moraes e Estação da Luz foram construídos. Importante citar, também, que esses
edifícios tiveram diferentes usos durante a história. A atual Pinacoteca, por exemplo, foi
construída para ser a sede do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.
Os edifícios são imponentes, chamam a atenção. Todos eles foram restaurados
nos últimos anos. A atual Estação da Luz, inaugurada em 1901, traz uma arquitetura
com influência inglesa, com a típica estrutura em arcos de ferro. O atual edifício da
Pinacoteca, projetado em 1896, traz um estilo neorenascentista, típico das construções
oficiais e ligada a tradição da Belas Artes Parisiense. O fim do século XIX e o início do
XX são de grandes transformações nessa região da cidade.
São muitas as características que colocam o Parque Jardim da Luz como um
lugar na metrópole. Nos dias de semana com caminhantes e corredores, trânsito de
pessoas, trabalho de prostitutas. Nos fins de semana com crianças usando o parquinho,
idosos nas mesas de jogos, contemplando os belos jardins e nas rodas de viola ao lado
do coreto, nas sombras das árvores centenárias. O entorno mobiliza as pessoas, às atrai,
torna o Parque centralidade.
Portanto, uma enorme gama de usos se diferencia, no tempo e no espaço. A hora
do dia ou o dia da semana delimitam certos tipos de atividades no Parque. As diferenças
começam pelos frequentadores, que durante a semana são, em geral, àqueles que
trabalham ou moram no próprio entorno. Aos finais de semana os mesmos se
diversificam, são turistas ou pessoas que vem ao Parque para realizar alguma atividade
relacionada ao ócio e ou ao bem-estar.
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1.1 Espaço-tempo dos usos no Parque Jardim da Luz
Os usos no Parque Jardim da Luz realizam-se em um determinado espaço, com o
emprego de um determinado tempo. Seja todo o Parque ou apenas um coreto, só pela
manhã ou o dia inteiro, as pessoas, diferenciadas entre si, em atividades, faixa etária ou
classes sociais, usam e se apropriam daquele lugar, diferencialmente.
Durante os dias úteis o ritmo é quase sempre o mesmo. Pela manhã o Parque é
local de realização de atividades esportivas, são homens e mulheres, quase nunca
jovens, caminhando, correndo e fazendo alongamentos. Esse é o tempo da atividade
física no Parque. Em geral, os praticantes não ocupam todos os espaços, realizam suas
atividades nos caminhos situados ao redor do Parque, nas bordas. No fim da manhã o
uso começa a se diversificar. As prostitutas chegam e em pouco tempo “tomam conta do
lugar”. São centenas no começo da tarde. Dominam o espaço até o fim do dia. Ocupam
todo o Parque, nas bordas, no centro, nos caminhos, estão em todos os cantos.
Pode-se observar dezenas de idosos contemplando a exuberância das árvores,
dos monumentos e dos jardins bem cuidados, conversando com os amigos ou jogando
cartas ou dominó, principalmente pelas manhãs. Não estão espalhados por todos os
lados, localizam-se sempre próximos ao coreto e a casa de chá. Há ali uma espaçosa
sombra, produzida pelas grandes árvores, e mesas que possibilitam os jogos.
O som dos pássaros ganha a atenção de alguns frequentadores. Apesar de ao
fundo ouvirmos os automóveis, é possível escutar a cidade de outra maneira. Os sons
suaves e harmônicos dão o tom da vida no Parque.
“A tarde é curta, três ou quatro horas e já temos que ir embora. Os traficantes e
usuários de drogas chegam em grande número, fica muito perigoso,” reclamam algumas
prostitutas. Os usos começam a mudar. Algumas prostitutas saem, entram usuários de
drogas.
Aos sábados, domingos e feriados o ritmo das atividades no Parque se modifica.
O número de frequentadores é maior, principalmente pela manhã. O número de
praticantes de atividades físicas aumenta, principalmente no início da manhã e no
entardecer. Durante esses dias, o número de idosos também aumenta bastante, seja na
jogatina ou nas rodas de viola. Pais e filhos enchem o parquinho durante quase todo o
dia.
17
Um diferencial nesses dias são os turistas. Em pequenos ou grandes grupos eles
visitam a região da Luz (Pinacoteca, Museu da Língua Portuguesa e Estação da Luz).
Entram no Parque por alguns instantes, geralmente não caminham muito, ficam dez ou
quinze minutos e vão embora. Algumas vezes o guia turístico que os acompanha tece
alguns comentários, fala um pouco sobre a história do Parque. Desta forma, inclui-se o
Parque Jardim da Luz no circuito turístico de São Paulo.
Em suma, os usuários do Parque são moradores do entorno (Luz, Bom Retiro,
Campos Elíseos e Brás) ou pessoas que por alguma outra atividade passam por ali.
Decididamente não é um espaço que, em geral, atrai frequentadores de lugares
longínquos da cidade. A Estação da Luz, e as regiões comerciais das ruas José Paulino e
Santa Ifigênia trazem um grande contingente de pessoas para a região todos os dias. A
exceção são os turistas, que vem de outros estados ou países e vão ao Parque
acompanhados de um guia turístico.
O Parque Jardim da Luz estabelece-se, então, como um lugar composto por uma
trama justaposta de usos. Tais usos fazem dele um lugar ímpar, espaço de encontro,
flanêur, esportes, diversão e trabalho.
1.2 O Parque e o entorno vistos do alto
A vista do alto, aqui utilizada a partir de imagens de satélites, oferece ao
observador uma visão mais ampla e distante do objeto de análise. Desta forma,
ampliada e distante, o foco da observação deixa de ser as pessoas, os usos e as
atividades e passa a ser um conjunto mais vasto, abrangente. A mudança se dá na escala,
agora abarcando uma maior área, mas com um menor detalhe.
Vista do alto, as imediações da região da Luz, na região central de São Paulo é
um emaranhado de polígonos e linhas, cores e um movimento insistente: edificações
dos mais diversos tipos, antigas fábricas, casas, prédios residenciais e comerciais,
museus, estações, ruas e calçadas, linhas de trem e metrô (Anexos 1, 2 e 3). Em meio a
isso milhares de pontos e linhas circulam de um lado a outro, são carros, ônibus, trens e
pessoas. As cores são poucas, os tons de cinza, do quase branco ao quase preto, dão a
tonalidade ao lugar, o verde das árvores e o marrom dos telhados completam a vista.
18
Nas proximidades do Jardim, o bairro do Bom Retiro é o lugar dos contrastes,
telhados grandes e pequenos aparecem lado a lado. Os grandes galpões fabris ao lado
das pequenas casas de operários. Mas as fábricas não estão mais lá. Dos operários pouco
restou. As edificações parecem abandonadas, quase todas. Não há praças, espaços de
convivência. Descrevendo o início do século XX em São Paulo, escreve Ab’ Saber,
“durante a implantação das primeiras ferrovias foram aproveitados baixos terraços
fluviais, logo transformados em suporte de grandes indústrias e bairros residenciais
populares (Brás, Mooca, Gasômetro, Bom Retiro, Água Branca, Lapa de Baixo, São
Caetano)” (Ab’Saber, 2004, pg. 273).
Os telhados suscitam uma observação à parte. Pelos tamanhos, formas e cores
parecem ser fruto de uma época bem específica da produção da cidade, fazem parte da
descrição mais minuciosa. No Bom Retiro eles são, em sua maioria, estreitos e longos,
formam um retângulo, são as antigas plantas fabris. São muitos, lado a lado,
espremidos, aglomerados, o verde das árvores não tem espaço. A densidade de
construções é alta, são dezenas por quarteirão. Essas são características que podem
deduzir determinadas relações sociais, podem apontar para a contradição capital-
trabalho (Anexo 1).
Do outro lado da linha férrea, nos Campos Elíseos, a vista se transforma. Os
trilhos e os trens parecem estabelecer o limite de mundos diferentes, são poucos metros
que separam realidades históricas diferentes, concomitantes e contraditórias (anexo 3).
A linha férrea estabelece o fim do Bom Retiro e o começo dos Campos Elíseos, ou o
contrário. Dias e Ohtake escrevem que,
de um lado da linha do trem, são construídos grandes
palacetes que abrigariam escritórios e residências dos barões do
café. Um pouco mais tarde, em 1872, seria implantado um dos
primeiros loteamentos de terras urbanas em São Paulo, os
Campos Elíseos, nome que fazia alusão ao bairro de Paris. Em
torno da estação multiplicam-se os hotéis para viajantes e
negociantes, como o outrora famoso Albion, e lojas comerciais.
Do outro lado da ferrovia, desenvolveram-se loteamentos para
operários. Essa é a origem do bairro do Bom Retiro. (Dias e
Ohtake, 2011, pg. 44)
19
Os Campos Elíseos parecem ser o lugar da racionalidade urbanística que orienta
o planejamento. As ruas são largas e retas, os quarteirões são polígonos regulares. As
construções não parecem fábricas e sim casas, grandes, espaçosas, não há o
adensamento presente do outro lado da linha do trem. As extensas ruas estão pintadas,
as calçadas estão conservadas, o verde aparece, concentrado ou espalhado pelos
quarteirões (anexo 2).
Os telhados nos Campos Elíseos indicam uma diferenciação constitutiva
do lugar, apontam para uma história diferente do Bom Retiro. As coberturas são
menores, são mais quadradas, parecem casas. Podemos observar quadras poliesportivas,
piscinas, jardins. Há praças e espaços livres de convivência. Descrevendo a região da
Luz nos fins do século XIX, escreve Ab’Saber, “as elites representativas de uma
poderosa burguesia urbana, em plena formação, deram preferência para os bairros do
além-Anhangabaú, envolvendo os Campos Elíseos [...]” (Ab’ Saber,2004, pg. 139).
Ainda observando as diferenças e desigualdades entre Bom Retiro e Campos
Elíseos, é interessante compreender que,
há, no entanto, continuidades e descontinuidades que se
combinam como conseqüência do espaço/tempo urbanos,
traduzindo a divisão do espaço urbano nos “lugares da
metrópole” com suas rupturas de ritmo, poderes desiguais,
estrutura de classes diferenciadas. Movimentos, construções,
transformações do tecido urbano; uma história que do ponto de
vista espacial torna-se morfologia. (Carlos, 2007b, pg.58)
Entre esse complexo conjunto de formas, aparece imponente o Parque
Jardim da Luz. O verde surge como resquício num plano com tons de cinza. É também
um polígono regular, um quadrado quase perfeito, planejado, desenhado à mão. As
arestas que o separam e o unem às ruas são retas, os vértices quase sempre perfeitos. É
circundado por ruas, largas e finas, pintadas ou não. As ruas dão espaço a um vai-e-vem
incessante, ensurdecedor, interminável. As cores dos carros vão se misturando sobre as
linhas escuras da rua. Os ônibus lotados passam se m parar, os passageiros mal
conseguem observar o que se passa a sua volta. O polígono verde torna-se apenas
relance. As cores, os sons, o cheiro, nada é percebido. A vida passa longe, distante, não
há significado.
20
Perpendiculares às linhas que enlaçam o Parque, muitas morfologias
aparecem, contemplando estações, edifícios e quarteirões. Grandes, imponentes à visão.
Lugares que do alto não tem vida. São formas geométricas mortas, mas que guardam
um passado distante. Estão entre as colinas e os terraços fluviais da bacia sedimentar de
São Paulo, próximo ao entroncamento de dois rios importantes da cidade, o Tietê e o
Tamanduateí.
Esta etapa do trabalho contempla uma busca, via observação, descrição e
uma análise sócio-espacial do lugar, encontrar seus usos. E eles são muitos,
diversificados. Cada momento merece uma análise, cada uso uma explicação, uma
resposta. Afinal, o que seria de um lugar público sem o uso?
Neste sentido, a análise do lugar pode trazer as peculiaridades do uso, sua
dinâmica materialização no espaço. Sobre a importância da análise nesta escala, Santos
escreve que, “a história concreta do nosso tempo repõe a questão do lugar numa posição
central [...]. Impõe-se, ao mesmo tempo, a necessidade de, revisitando o lugar no mundo
atual, encontrar os seus novos significados”. (Santos, 2009, pg. 315).
Sugerido por diversos autores (Carlos 2007ª e 2011, Lefebvre 2008, Santos
2009, Souza, 1995) o trabalho com a escala do lugar torna-se imprescindível na
Geografia, pois, torna-se mediação entre o mundial, o global, e o individual, o privado.
Convergem também na ideia de que é no lugar que a mundialidade se concretiza, ou
como escreve Milton Santos, “cada lugar é, a sua maneira, o mundo”. Sobre isso, Carlos
escreve que,
o lugar permite pensar a articulação do local
com o espaço urbano que se manifesta como horizonte. É a
partir daí que se descerra a perspectiva da análise do lugar
na medida em que o processo de produção do espaço é
também um processo de reprodução da vida humana. O
lugar permitiria entender a produção do espaço atual uma
vez que aponta a perspectiva de se pensar seu processo de
mundialização. Ao mesmo tempo que o lugar se coloca
enquanto parcela do espaço, construção social. O lugar abre
a perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o
consumo, os processos de apropriação do espaço. (Carlos,
2007a, pg. 14)
Sobre o lugar, entendido como categoria de análise e escala, é necessário
ainda tecer alguns comentários, pois é neste plano que o trabalho se desenvolve. No
21
caso do Parque Jardim da Luz, a análise da escala do lugar se faz imprescindível visto
que por se tratar de uma centralidade na metrópole, foi alvo de dezenas de
transformações arquitetônicas e, sobretudo nos usos, através de intervenções estatais e
privadas, com intenções de renová-lo e modernizá-lo, principalmente após a construção
da Estação da Luz em meados do século XIX. Sobre esse momento, Dias e Ohtake
escrevem que,
a chegada da ferrovia abriu uma nova fase na história do
Jardim da Luz. Com a Estação ferroviária de São Paulo
construída em terreno que pertencia ao Jardim, as autoridades
passaram a identificá-lo como “a porta de entrada da cidade” e
investiram em sucessivas reformas para seu embelezamento e
modernização. (Dias e Ohtake, 2011, pg.48)
Assim, partindo do pressuposto de que o Parque se transformou durante a
história da cidade, pode-se analisar o que permanece ao longo dos anos, o que se tornou
marca do lugar e o que se transformou dando lugar ao novo. Carlos escreve que,
no plano do lugar, a extensão do espaço revela novas
formas, funções e estruturas sem que as antigas tenham,
necessariamente desaparecido. Esse fato aponta uma contradição
importante entre as persistências - o que resiste e se reafirma
continuamente enquanto referencial da vida – e o que aparece
como “novo”, pela adoção do processo de modernização.
(Carlos, 2011, pg. 83)
A morfologia do lugar, em suas mutações, é ponto de partida no entendimento
das transformações do espaço urbano mais amplo, da cidade. Valdoski escreve que,
por meio da morfologia espacial, que põe à luz os
usos diferenciados do solo urbano e suas transformações,
alcançamos o plano do lugar, imprescindível para a realização
das estratégias que compõem o movimento de reprodução da
sociedade. É neste plano que se realiza a vida ao mesmo tempo
em que se torna objeto privilegiado das lógicas quantitativas,
muitas vezes expressas como políticas de espaço, que pouco a
pouco vai degradando os usos improdutivos da cidade.
(Valdoski, 2012, pg. 13)
22
Deste modo, a escala do fragmento se associa, justapondo-se a escala da cidade
pela descrição, observação das pessoas em suas relações com o entorno. A morfologia
do Parque exerce uma função importante, os gramados, os espaços de lazer, as trilhas e
os bancos. As atividades que dão vida ao lugar, as pessoas, seus movimentos, suas
atitudes, suas práticas no Parque. Alguns somente de passagem, outros têm no Parque
seu momento de lazer, de diversão, de fuga da agitação da vida urbana. É necessário
iniciar pela descrição, da morfologia, das práticas. E sobre esse primeiro contato com a
realidade a ser estudada, o imediato, Lefebvre escreve que,
o fenômeno urbano depende, primeiro, dos métodos
descritivos, eles próprios variados. [...] A descrição empírica
enfatiza a morfologia; ela dá conta, com exatidão, do que veem
e fazem as pessoas num contexto urbano, desta ou daquela
cidade, de uma megalópolis (cidade que explodiu,
constituindo, entretanto, um conjunto administrativo e político,
com funções urbanas, mesmo se as antigas formas e estruturas
desapareceram). (Lefebvre, 2008, pg. 49 e 50 )
Deste contato com a realidade, instruídos pela descrição pudemos estabelecer
algumas bases para compreender o Parque em sua complexidade, entendendo-o como
fragmento, lugar, e relacionando-o direta e concomitantemente com a escala mais ampla
da cidade. Destacamos, portanto, dois elementos centrais desta descrição que irá nos
encaminhar para uma análise histórica: a morfologia e os usos. Neste movimento, a
centralidade aparecerá como síntese dos elementos constitutivos da análise do Parque,
esclarecendo a relação do fragmento na cidade.
Desta forma, partimos da descrição da morfologia e dos usos do Parque para
estabelecer a primeira aproximação da prática sócio-espacial que ali se desenrola. Desta
etapa inicial do trabalho podemos estruturar alguns questionamentos e hipóteses que
vão balizar as investigações adiante. É, então, a partir da apreensão da prática sócio-
espacial que podemos reelaborar e explicitar questionamentos e hipóteses, de modo que
a pesquisa a seguir aponte encaminhamentos no sentido da compreensão da realidade.
O primeiro questionamento se refere à busca da relação entre o lugar e a própria
cidade. Os usos e as morfologias que se têm no Parque atualmente são produtos de um
processo histórico de (re)produção do espaço urbano de São Paulo, mais precisamente
da região da Luz? A partir desta questão elabora-se a seguinte hipótese: o Parque
23
Jardim da Luz, fundamentalmente nos períodos em que se constata grandes
transformações morfológicas, que a região se torna centralidade em relação à metrópole
e nos momentos de auge nos usos do espaço, é parte das transformações econômicas,
sociais e políticas da cidade de São Paulo e principalmente da região da Luz. Ou seja, os
fundamentos (morfologia, uso e centralidade) são produzidos na relação do Parque com
a reprodução do espaço urbano de São Paulo.
O segundo questionamento trata do uso e da apropriação daquele espaço durante
a história. Desta maneira, o Parque Jardim da Luz se constituiu historicamente como um
espaço público? A partir daqui elabora-se outra hipótese: o Jardim da Luz em diversos
momentos de sua história, diferencialmente, possuiu usos e apropriações que o fez e faz
um espaço público importante no processo de produção do espaço urbano paulistano.
O terceiro questionamento refere-se ao papel da centralidade na constituição
histórica do Parque. Desta forma, qual a importância da centralidade na constituição do
Parque enquanto espaço público? A partir desta questão, elabora-se a seguinte hipótese:
os usos e a morfologia na história do Parque indicam a centralidade como fundamento
da produção deste espaço enquanto público.
Diante destas três questões centrais e das consequentes hipóteses é possível
avançar na busca pelos fundamentos históricos que dão sustentação a prática sócio-
espacial, atualmente. A partir daqui, então, começar-se-á a investigar, na história do
Parque, da região que o envolve e da cidade de São Paulo, os fundamentos que podem
nos auxiliar na compreensão e explicação dos conteúdos da relação entre o lugar,
Parque Jardim da Luz e a cidade, enquanto totalidade.
24
Capítulo 2
Sobre os fundamentos: a centralidade como síntese da morfologia e dos usos
na história do Parque Jardim da Luz
Nesta segunda etapa do trabalho buscou-se delimitar os fundamentos históricos
de constituição do Parque Jardim da Luz. Na etapa anterior, pôde-se aproximar da
realidade do lugar e descrever como se dá a prática sócio-espacial. Agora o objetivo é
pontuar na história as possibilidades que fundamentam a realidade atual do Parque, ou
seja, quais e como se estabeleceram as temporalidades fundamentais da produção do
Parque, em relação à região da Luz e a cidade de São Paulo.
Para isso, parte-se das considerações da etapa anterior do trabalho e das questões
e hipóteses levantadas. Considera-se, então, que são três os elementos importantes para
compreender a história do Parque: a morfologia, os usos e a centralidade. Objetiva-se,
assim, construir um esboço analítico a partir da constituição destes três elementos
durante a história do Parque, relacionando-os.
A busca pelas transformações morfológicas é imprescindível. Pontuar as
transformações que ocorreram no Parque sobretudo no século XIX dará a dimensão do
movimento de transformação de Horto Botânico, no início do século, ao Jardim mais
importante da então metrópole do café. Há mudanças quantitativas e qualitativas no uso
que precisam ser analisadas e compreendidas, pois, transforma-se de um lugar de acesso
restrito e pouco usado, no início do século XIX, a uma centralidade, das feiras, festas,
do ócio e de encontro das pessoas nos fins do mesmo século.
As transformações não ocorreram de maneira isolada da própria cidade de São
Paulo e da região da Luz. Produziu-se na Luz, a partir de diversos eventos como a
construção da Estação, uma centralidade. Centralidade esta que se reproduziu nos anos
posteriores. Portanto, entender como se (re)produziu esta centralidade se torna
importante, visto que o Parque se insere neste movimento. É neste momento, também,
que os usos aparecem com maior intensidade.
Lugar de passeio da elite dos Campos Elíseos, mas também dos operários do
Bom Retiro. Concertos, apresentações de teatro, festas religiosas e públicas, feiras e
lugar privilegiado de conversa com os amigos ou de procurar um namoro. Lugar que
nos anos de 1930 vai se tornar o reduto da prostituição em São Paulo. Expulsas do Bom
25
Retiro, centenas de prostitutas vão fazer do Jardim seu local de trabalho. Os usos se
modificam à medida que a cidade se transforma.
2.1 As transformações morfológicas no decorrer do século XX
Os primeiros mapas, que se tem registro, do que é hoje o Parque Jardim da Luz,
e suas imediações, datam da primeira metade do século XIX (1810 e 1841). Neles pode-
se encontrar a região da Luz bem diferente do que se conhece atualmente. Naquele
momento, o lugar em destaque ainda estava isolado do que era o centro da cidade de
São Paulo (Sé e arredores). Dias e Ohtake escrevem que “em 1811, São Paulo era uma
pequena vila, e o horto botânico, situado a cerca de um quilômetro do sítio urbano da
cidade, era cercado por chácaras”. (Dias e Ohtake, 2011, pg. 29)
O Horto Botânico, construído nos fins do século XVIII era formado por uma
grande quantidade de quadras retangulares e caminhos que se entrecruzavam com
angulação de noventa graus. (figura 3) Esta é uma morfologia típica deste tipo de
atividade. Nestas quadras eram plantadas mudas de espécies nativas e exóticas, a fim da
distribuição entre os agricultores das redondezas. Dias e Othake escrevem que
“atendendo a determinação real, Mello Castro, o capitão-general de São Paulo, ordenou
a criação do Horto Botânico de São Paulo. Era um viveiro que receberia mudas de
árvores exóticas e nativas para reproduzi-las e distribuir entre os agricultores, com
vistas à produção comercial”. (Dias e Ohtake, 2011, pg. 24). O uso deste lugar, então,
restringia-se a plantação e comercialização de mudas.
26
Figura 3. Detalhe do Horto Botânico em Planta Imperial da Cidade de São Paulo, de 1841.1
Já na Planta produzida entre 1844 e 1847 (figura 4), há uma série de
transformações em relação à Planta com base nos registros de 1810. As transformações
morfológicas vistas no então Parque Público revelarão relação estreita com as
metamorfoses da cidade. São indícios de um momento importante da cidade de São
Paulo, a expansão do sítio urbano.
Figura 4. Detalhe do Passeio Público no Mapa da cidade de São Paulo e seus subúrbios, de 1844 a 1847.2
1 Fonte: Carta produzida a partir da carta de São Paulo número 1, de 1910. (Anexo 4) O primeiro
levantamento foi feito pelo Coronel de Engenhos Rufino J. Felizardo e Costa.
27
É neste momento, em que a cidade se expande para além do chamado triângulo
histórico, que o até então Horto Botânico começa a ganhar centralidade e em 1825 vai
ser transformado em Passeio Público3. O historiador Ernani Bruno escreve que,
no primeiro quartel do século dezenove foi que a área
urbana rompeu um pouco mais decisivamente os contornos do
esquema primitivo, pelo menos em algumas direções,
estabelecendo-se uma certa continuidade entre a zona central e
alguns bairros que se desenvolviam para além do Anhangabaú
ou do Tamanduateí, embora êsses bairros guardassem ainda o
aspecto de subúrbios pobres ou de áreas semi-rurais.(Bruno,
1984, pg.198)
Um dado imprescindível deste movimento de crescimento da cidade de São
Paulo em direção a região da Luz é a importante Feira de Pilatos, que começou a
ocorrer nos Campos da Luz na virada do século XVIII para o XIX. Precípuo lugar de
encontro entre as pessoas e troca de mercadorias, a Feira trazia um enorme contingente
de pessoas à região da Luz, que ainda se situava afastada do núcleo urbano da cidade.
Segundo Bruno,
também em feiras, fora da área urbana, o comércio de
quitanda e de outras mercadorias foi feito em fins do século
dezoito e comêço do dezenove. O governador Melo Castro e
Mendonça estabeleceu as chamadas feiras de Pilatos, no Campo
da Luz. Negociantes de São Paulo e das vizinhanças se
transportavam para aquêle local em certos dias do ano, expondo
seus produtos em barracas. (Bruno, 1984, pg.305)
Ainda sobre os registros dos anos de 1840 feitos na Planta de 1847 (figura 4 e
anexo 5) interessa ressaltar duas características fundamentais. A primeira delas refere-se
ao entorno do então Passeio Público ou Jardim Botânico, que apesar de já possuir
2 Fonte: Carta produzida pelo Engenheiro Civil C.A. Bresser à partir da ordem do Presidente da Província
Marechal de Campo Manoel da Fonseca Lima e Silva, entre os anos de 1844 e 1847. (Anexo 5)
3 Entre os autores consultados (Bruno, Dias e Ohtake, Martins, Morse, Segawa, Sant”Anna e Torres) há
diferenças entre as denominações dadas ao local onde hoje se localiza o Parque Jardim da Luz e as datas
em que ocorreram. Neste trabalho, como não se pretende realizar uma história minuciosa do Parque e não
se fez uma pesquisa primária, não entremos no mérito destas diferenças. Utilizaremos nomes e datas de
Dias e Ohtake por se tratar de um trabalho recente e que contou com a análise de diversas obras históricas, documentos primários e produziu-se uma obra sistemática e focada na história do Parque, o
que não foi feito pelos outros autores.
28
arruamento, desde os anos de 1820, ainda é pouco adensado em relação a edificações, o
que leva a concluir que, mesmo tendo se tornado centralidade, a região demorou
décadas para ser local de concentração de habitações e prédio públicos.
A segunda característica diz respeito ao próprio Jardim. É somente nesta carta,
de 1847, que as reformas feitas por volta do ano de 1825, ano de transformação em
Passeio Público, são retratadas. O ano de 1825 marca a fundação institucional do
Passeio Público e a consolidação desta região em lugar de encontro, recreação e lazer.
Alguns autores reafirmam a ideia escrevendo que,
na gestão de Monteiro de Barros, presidente da Província
e futuro Visconde de Congonhas, o horto passou por diversas
reformas para ser transformado em passeio público. Foi aberto
em 29 de outubro de 1825 e passou a ser muito frequentado em
certas ocasiões. (Müller, 1978, pg. 260 apud Dias e Ohtake,
2011, pg. 33)
o bairro da Luz consolidou seu prestígio como local de
passeio e de divertimento com a abertura do Jardim Público, em
1825. (Martins,1973, pg. 137)
Tal reforma, realizada por volta de 1825 dá ao então Passeio Público
características diferenciadas em relação ao Horto Botânico. Agora o lugar torna-se,
oficialmente, um lugar público com intenções de uso pela população, seja para passear,
assistir a espetáculos ou mesmo contemplar a fauna e a flora exuberantes.
Nesta reforma, a morfologia interna do Passeio tem modificações importantes.
As quadras retangulares agora serão intercaladas por caminhos mais curvos e ou
circulares, possibilitando assim uma melhor circulação e encontro de pessoas. A nova
morfologia simétrica, o grande lago ao centro e os canteiros com ângulos retos são
característicos dos jardins franceses do século XVIII. O Horto, então, torna-se Passeio
ao ponto que a plantação e comercialização de mudas cedem lugar ao uso como lazer,
descanso e diversão. Vale citar que as mudanças não são bruscas, e as qualidades do uso
se modificam ao longo dos anos.
Nas primeiras décadas depois de sua criação, o passeio
público de São Paulo era mais utilizado nos finais de semana e
feriados, principalmente quando havia eventos culturais, como
29
apresentação de música. Tornou-se uma alternativa ao recreio às
margens dos rios, tradição que remonta a cultura dos
tupiniquins. (Dias e Ohtake, 2011, pg. 33)
As décadas posteriores à transformação em Passeio Público serão caracterizadas
por momentos de estagnação e abandono do poder público para com o logradouro. É
somente depois do início da década de 1850 que transformações fundamentais naquela
região da cidade vão incidir sobre o Passeio. Torres e Bruno escrevem que,
o panorama da cidade não mudara muito, de fato, durante
os anos que se seguiram à profunda alteração política de 1822.
Os viajantes que visitaram a cidade na primeira metade do
século XIX dirão quase a mesma coisa sobre a cidade,
particularmente quando ao conforto e as diversões. (Torres,
1968, pg. 92)
Parece que não foi a princípio levado muito à sério esse
Parque do bairro da Luz. No ano de 1830 o presidente da
Província Almeida Tôrres, indo ver como ele estava, ficou
espantado. Tinha virado pastagem: cavalos e bois de carro
estavam ali soltos, pastando à vontade dentro dele. E quando o
viajante Kidder estêve na cidade, nove anos mais tarde,
observou mesmo que o parque ainda se achava um tanto
abandonado. (Bruno, 1984, pg. 533)
Torna-se importante, nesta etapa da pesquisa, refletir sobre os momentos
fundamentais nos quais a morfologia do Jardim da Luz se transforma de maneira
expressiva, trazendo ao lugar novas qualidades. Não obstante, tentar relacionar os
momentos fundamentais com a própria história da cidade São Paulo. É desta maneira
que será possível construir uma compreensão que sustentará as considerações
explicativas do Jardim na atualidade. Entretanto, não se trata de produzir uma história
do Jardim da Luz de maneira sistemática ou evolutiva. Busca-se, de outro modo, a
análise dos fundamentos históricos, com a intenção de identificar as possibilidades de
entendimento da realidade.
No Mapa da Capital da Província de São Paulo (figura 5), de 1877, pode-se
observar transformações radicais na morfologia do então Passeio Público realizadas
entre o fim dos anos de 1860 e os anos de 1870. As quadras retangulares agora são
cruzadas por diversos caminhos. Intensifica-se a intenção de caracterizá-lo enquanto
lugar público, privilegiando o encontro de pessoas, de diversas maneiras.
30
Não obstante tôdas as dificuldades, o Jardim recebeu
nôvo alento, e segundo o presidente, a sua transformação deu o
resultado esperado, passando a ser mais frequentado. Sua
reforma teria influído beneficamente sôbre os hábitos de
sociabilidade contribuindo ainda para melhorar o serviço de
bondes. [...] Assim, após quase um século de existência, o antigo
sítio da Luz transformado em Jardim Botânico e Público,
cumprirá o destino que devem ter as praças e jardins, isto é,
nivelar ou aproximar classes sociais, misturar sêres humanos,
estabelecer laços de solidariedade humana, aproximando aquêles
que o procuram para um momento de descanso ou de recreação
talvez até numa busca de si próprios. (Torres, 1968, pg. 103)
Figura 5: Detalhe do Passeio Público no Mapa da Capital da Província de São Paulo, de 18774.
4 Carta publicada por Francisco de Albuquerque e Jules Martin em 1877. (Anexo 6)
31
2.2 O lugar como centralidade na passagem para o século XX
Neste momento, há a construção e reforma de diversos equipamentos do Jardim,
o observatório meteorológico (conhecido como Canudo do João Teodoro), a cimentação
do lago “Cruz de Malta”, os novos muros, a casa dos administradores, as novas estátuas
e, a tão sonhada pelos moradores do local, canalização da água até o Parque. (Dias e
Ohtake, 2011; Bruno, 1984; Martins, 1911 e Torres, 1968)
É desta maneira, no início dos anos de 1860 que a transformação da região da
Luz “tomará o bonde” do crescimento da cidade. É em 1866 que será inaugurada a
primeira Estação da Luz, sob comando da São Paulo Railway. A inauguração se torna
fundamental para São Paulo, visto que trará para a cidade e especialmente para a região
da Luz uma importante ligação com outras regiões do estado, a começar com Jundiaí e
Santos.
A chegada da ferrovia abriu uma nova fase na história do
jardim da Luz. Com a estação ferroviária de São Paulo
construída em terreno que pertencia ao Jardim, as autoridades
passaram a identificá-lo como “a porta de entrada da cidade” e
investiram em sucessivas reformas para o seu embelezamento e
modernização. (Dias e Ohtake, 2011, pg. 48)
Alguns anos depois, em 1872, são inaugurados os primeiros trajetos e estações
de bonde na cidade. Neste momento, a Sé se ligará a Luz, em 1873, de maneira mais
consistente, visto que, a região da Luz, já se tornava importante na vida cotidiana dos
moradores da cidade de São Paulo. O bonde, entretanto, não fará somente esta ligação,
sendo também importante nos trajetos entre Sé, Brás e Luz, até o fim dos anos da
década de 1870.
Os novos bondes a tração animal a partir de 1872 são um
indício da expansão territorial da cidade, particularmente no
sentido do antigo caminho do Guaré. A primeira linha, pois,
ligará a Sé a Estação da Luz, e em 1877 será inaugurada,
festivamente a nova linha para o Brás. (Torres, 1968, pg. 103)
Já nos idos de 1875 mais uma estação na Luz será inaugurada, a Estação
Sorocabana, que será a parada em São Paulo dos trens que fazem o trajeto até a cidade
de Sorocaba. Com uma construção simples, poucos anos depois será demolida para que
outra maior e mais moderna seja construída, já no início do século XX.
32
É inegável que os fatos citados anteriormente, no que concerne a inauguração da
primeira Estação da Luz, em 1866, dos inicio dos serviços dos bondes, em 1872 e da
estação Sorocabana, em 1877, indicam a região da Luz como centralidade na
proeminente cidade de São Paulo. Nos anos seguintes a esse processo, e também fruto
dele, diversos outros edifícios começarão a ser construídos e inaugurados na região,
dentre eles: a Escola de Engenharia, em 1892, a Escola-Modelo Prudente de Morais, em
1895 e o Liceu de Artes e Ofício, em 1900. O Jardim da Luz se insere neste movimento.
Dias e Ohtake escrevem que,
[...] a cidade passou a ganhar milhares de novos
habitantes, que vão ter no jardim o seu principal local de lazer,
condição que foi favorecida pela implantação de uma série de
linhas de bondes para diferentes pontos da cidade. As atividades
no Jardim se intensificaram como nunca: música no coreto,
grandes quermesses, exibição de inovações técnicas vindas da
Europa e manifestações políticas tornaram-se frequentes. O
Jardim da Luz vivia um novo período de apogeu. (Dias e
Ohtake, 2011, pg. 48)
É neste contexto que na segunda metade do século XIX dois importantes bairros
começam a se constituir próximos a Luz, cada qual com suas peculiaridades: o Bom
Retiro, lugar dos imigrantes e operários e os Campos Elíseos, lugar da elite cafeicultora.
No centro da cidade, com o acentuado aumento da população nos fins do século
XIX, os cortiços se proliferavam rapidamente nas proximidades das áreas onde as elites
residiam. O caráter precário das habitações e das condições sanitárias fez com que a
elite buscasse outras regiões da cidade para residir, sendo a mais expoente delas os
Campos Elíseos. Nabil Bonduki escreve que “a decisão de criação de bairros exclusivos
para a população de alta renda é tomada em função da situação de proximidade entre
riqueza e miséria que ocorria em São Paulo no fim do século 19, quando o aumento da
população acentua a precariedade das condições sanitárias” (Bonduki, 1982, pg. 110)
Já o Bom Retiro, do outro lado da ferrovia, se constitui como um bairro operário,
formado no seu início por imigrantes em sua maioria portugueses e italianos. Somente
nos anos de 1940 que chegaram os judeus. “ [...] o Bom Retiro se localiza num setor da
cidade desprezado pelas elites no fim do século 19, devido às dificuldades de acesso ao
centro pela presença da via férrea.” (Villaça, 1978, pg. 175 apud Feldman, 1989, pg. 80)
33
Com a identificação deste processo de constituição da centralidade nesta região
da cidade na segunda metade do século XIX pode-se indicar a possibilidade de
compreensão deste processo em termos de produção e expansão da centralidade.
A primeira Estação da Luz (figura 6), os serviços de bonde e a estação da
ferrovia Sorocabana seriam a materialização do momento pelo qual essa região da
cidade se torna central, ou seja, sem tais adventos a região continuaria uma simples
parada ao longo do caminho do Guaré. Este momento teve seu marco final no ano de
inauguração da Estação Sorocabana, 1877. Este seria o primeiro momento, a produção
da centralidade.
O segundo seria a construção dos diversos equipamentos públicos na região,
principalmente na última década do século XIX e início XX, ou seja, a região se
constitui através da própria expansão da centralidade. Pode-se colocar como marco
inicial a renomeação do caminho do Guaré em Avenida Tiradentes e a inauguração do
quartel da Força Pública e do Hospital Militar, ambos em 1892.
Desta forma, a produção seria dada pelas primeiras atividades e construções
feitas na região e que serão cruciais para que se torne central. A partir das estradas de
ferro e dos bondes, outros equipamentos públicos foram atraídos a Luz, gerando a
reprodução daquele lugar enquanto centralidade.
Já no início do século XX, neste movimento de expansão da centralidade, é
inaugurada, em 1901, a nova Estação da Luz (figura 7), construção que permanece até
1946, ano em que foi incendiada e reconstruída, com diversas modificações
arquitetônicas. A influência inglesa na arquitetura da Estação vai também ser registrada
nos outros edifícios desta época na região da Luz, inclusive no próprio Jardim.
34
Figura 6: Estação da Luz em 18675 Figura 7: Estação da Luz em 1910
6
Na virada do século, a nova Estação da Luz, muito maior e moderna, traz a
dimensão do processo de urbanização da cidade de São Paulo e da centralidade que se
expande na Luz. A população de São Paulo cresce vertiginosamente na virada do século
e parte de aproximadamente 65 mil habitantes em 1890 para 240 mil em 1900. (Morse,
1954 e Bruno, 1991) Analisando o final do século XIX, Torres escreve que,
a situação do Jardim Público em bairro que se torna cada
vez mais populoso, com uma população bastante heterogênea,
formada de paulistas vindos dos mais variados pontos do
interior, de brasileiros de outras Províncias e de imigrantes
europeus cujo número aumenta continuamente. (Torres, 1968,
pg.105)
É neste movimento, na passagem entre os séculos XIX e XX, que o então Jardim
Público sofre sua última grande transformação morfológica. A Planta do Jardim da Luz
publicada em 1905 (figura 8) mostra com eficácia tais transformações. À moda inglesa,
ganhou canteiros mais trabalhados artisticamente e gramados bem cuidados. Nesta
Planta já podem ser visualizados a Escola Prudente de Morais, o Liceu de Artes e
Ofícios, a casa do administrador, as grutas, o restaurante e as mesas, o coreto, a casa de
Chá e as duas entradas, uma pela Avenida Tiradentes e outra pela rua que o liga a
Estação da Luz.
5 Figura retirada do site http://www.estacoesferroviarias.com.br/l/fotos/luz1867.jpg
6 Figura retirada do site http://www.estacoesferroviarias.com.br/l/fotos/luz_cp_gg.jpg
35
Figura 8: Planta do Jardim da Luz, 1905.7
As décadas finais do século XIX e as iniciais do XX em São Paulo foram tema
de muitos estudos clássicos da historiografia realizado no Brasil. Podemos citar quatro
autores que se debruçaram sobre esta época e trouxeram contribuições fundamentais
para este trabalho. À saber, Ernani Silva Bruno, com os três volumes de História e
Tradições da cidade de São Paulo, Richard Morse em Formação Histórica de São
Paulo (de comunidade à metrópole) e Nuto Sant’Anna em São Paulo histórico:
aspectos, lendas e costumes, além do jornalista e cronista Antonio Egydio Martins em
São Paulo Antigo (1554-1910).
Sobre esse período de aproximadamente 40 anos, que vai de 1870 a 1910, é clara
a convergência dos autores para o fato de que impulsionado pelo capital acumulado pelo
café, há uma expansão fundamental da mancha urbana de São Paulo, um aumento
vertiginoso da população e que a região da Luz passa a ter uma centralidade
inquestionável.
Neste contexto, Bruno (1984b e 1991) trabalha com a tese de que São Paulo
possui como marco de transformação em metrópole, o ano de 1872. O autor, então,
7 Fonte: Planta produzida e publicada por Jules Martin em 1905.
36
periodiza a história de São Paulo, deste momento, em Burgo dos Estudantes (1828-
1872) e Metrópole do Café (1872-1918). Segundo o mesmo, na segunda metade do
século XIX se inicia em São Paulo inúmeras reformas e transformações que vão
distanciá-la da cidade provinciana. Escreve Bruno que,
desde meados do século XIX vários fatores – de ordem
econômica, social ou simplesmente técnica – ligados a
fenômenos de caráter nacional ou regional se entrosaram de
forma a contribuir para que a partir de 1870-1872
aproximadamente se marcasse uma fase nova na existência da
cidade de São Paulo. (Bruno, 1991, pg.899)
Em primeiro plano aparecem as linhas telegráficas, a organização de bancos
hipotecários e de créditos e a inauguração da primeira estrada de ferro do país, sendo
esta última de extrema importância. O desenvolvimento econômico condicionado pelo
café e pelas estradas de ferro dão a São Paulo um lugar de destaque no cenário
brasileiro. Em segundo plano aparece a importância dos imigrantes, do interior paulista,
das outras províncias e também europeus, principalmente os italianos. Bruno ainda
destaca os imigrantes como fundamentais no crescimento e expansão do comércio e da
indústria.
Ainda neste movimento, Bruno centraliza o papel do Estado neste processo de
transformação da província em metrópole. Escreve que as autoridades, eclesiásticas e
municipais proibiam festas, como as realizadas na igreja de Nossa Senhora da Penha e
mandavam demolir construções com feições antigas como a igreja de taipas da Santa
Ifigênia para dar lugar a edificações de estilo europeu. Conclui Bruno que, “consciente
ou inconscientemente, o governo municipal e o poder eclesiástico iam eliminando da
cidade os seus aspectos e os seus costumes de feição tradicional ou provinciana mais
acentuada”. (Bruno, 1991, pg.911)
São estes os pilares que sustentam a tese de Bruno de que São Paulo se
transforma em metrópole do café em nos decênio finais do século XIX. Analisando o
mesmo período histórico, Torres acentua que,
o que caracteriza as décadas de 1870 a 1880 é a
transformação da cidade meio colonial em centro de
desenvolvimento cultural e material, com a espantosa riqueza
proveniente da lavoura cafeeira e a influência positiva de seu
37
Curso Jurídico. A paulatina implantação do trabalho livre, à
medida que a campanha abolicionista caminha para sua meta,
incentivada pelos fazendeiros de café e pelas autoridades
concorre para mudar ainda mais o panorama da cidade, com
novos e curiosos elementos cuja influência se faz sentir em
todos os sentidos, tanto na vida material como nos aspectos
culturais. São Paulo é uma cidade que cresce, material e
espiritualmente, com novos valores e novas oportunidades. São
de tal importância as modificações da paisagem urbana de São
Paulo que o prof. Eurípedes Simões de Paula considera o ano
1872 data tão significativa que pode ser considerada como data
da segunda fundação de São Paulo. (Torres, 1969, pg.100)
Não foi em qualquer momento da história de São Paulo que a Luz e o Jardim se
tornam centralidade. São nas décadas de transformação de cidade em metrópole que são
produzidos como lugar central. Ernani Bruno nos auxilia na compreensão deste
momento, trazendo uma análise econômica, social e política desta transformação. Deste
modo, é importante entender a região da Luz e do próprio Parque na relação entre o
lugar e a própria cidade.
É neste momento que o Jardim da Luz torna-se, além de porta de entrada da
cidade, o seu cartão postal. É no Jardim que se realizarão as quermesses, as
apresentações musicais no coreto, os encontros na casa de chá ou no botequim, os
carnavais, as feiras etc. É na virada do século e nas duas décadas seguintes que o Jardim
tem seu “auge”, como lugar de lazer e diversão.8(Bruno, 1991 e Dias e Ohtake, 2011 )
Este momento traz à tona um importante uso na história do Jardim. Torna-se o
lugar das festas e feiras públicas. Realizadas por diversos segmentos sociais,
aglomeravam milhares de pessoas no Jardim ou em torno dele, seja em prol de alguma
entidade beneficente ou somente para pular carnaval, divertir-se e encontrar os amigos.
Ainda na passagem do século XVIII para o XIX começou a realizar-se nos
campos da Luz as Feiras de Pilatos. Eram feiras que reuniam pessoas de todas as vilas
próximas e comercializavam-se diversos gêneros. Escreve Bruno que “as chamadas
8 Sobre esta afirmação comentaremos adiante, visto que está calcada na relação auge-decadência
e ligada intimamente as classes sociais que frequentavam o lugar. Entretanto, apresenta também questões
importantes sobre o uso daquele lugar, nos trazendo um panorama importante sobre a prática social
naquele momento da história.
38
feiras de Pilatos, [eram] mais um divertimento que um mercado, pois como escreveu o
brigadeiro Machado d’Oliveira alimentavam-se bailes, concertos de música e folguedos
nesse sítio” (Bruno, 1987a, pg. 386)
Durante o século XIX pipocavam as feiras e festas nos campos da Luz e no
próprio Jardim, organizadas quase sempre pelas colônias de imigrantes: italianos,
franceses, espanhóis, portugueses, entre outros. Cada qual com sua tradição, seus
costumes, seus alimentos, sua maneira peculiar de festejar. Muito comum também eram
as manifestações dos negros africanos, que realizavam suas festas com música e dança,
porém, afastados das centralidades.
Os franceses, por exemplo, realizaram a primeira quermesse de São Paulo, que
aconteceu em 1882 no Jardim da Luz e trouxeram o hábito dos piqueniques, que logo se
estendeu à população da cidade, que ocupava o Jardim com tais atividades. Escreve
Bruno que “na penúltima década do século dezenove as quermesses e os piqueniques
entraram nos hábitos da população paulistana” (Bruno, 1987b, pg. 1216)
Na passagem do século XIX para o XX, com a construção do coreto, diversas
bandas se apresentavam aos fins de semana no Jardim, trazendo para o lugar centenas
de pessoas, em geral moradores dos Campos Elíseos e do Bom Retiro. A programação
quase sempre trazia autores e canções europeias e aconteciam pela manhã ou nos fins de
tarde.
O Jardim era também o lugar da exibição de diversos filmes e da gravação de
outros, que retratavam as festas que ali ocorriam, como o carnaval e as quermesses. No
Jardim que ocorreram dezenas de festas beneficentes e manifestações, em prol da
libertação dos escravos, em 1887, dos índios bororos, em 1908, do Hospital dos
Tuberculosos em 1914 e assim por diante. Até meados dos anos de 1920 o Jardim era
um dos principais lugares públicos de diversão e lazer da cidade. (Dias e Ohtake, 2011,
pg.108)
Constata-se que o Jardim da Luz produziu-se desde o fim do século XIX como
um importante lugar público, de realização de festas e atividades organizadas pela
população da cidade de São Paulo. Isso demonstra a crescente centralidade que o Jardim
se tornou, principalmente, na virada para o século XX e nos decênios seguintes.
Para os diversos autores consultados, o apogeu do Jardim da Luz se deu nesta
época, pois havia investimento para conservação do lugar e as festas davam à tônica dos
39
usos. Para Dias e Ohtake, “o apogeu do Jardim da Luz acompanhou o da cafeicultura
paulista. No mesmo ano da Revolução de 1930, o Jardim começou a perder algumas de
suas atrações”. (Dias e Ohtake, 2011, pg. 124)
O fim do apogeu e o início do declínio do Jardim, citado por Dias e Ohtake,
estão intimamente ligados a três questões principais: a retirada das grades que cercavam
o Jardim, a mudança dos frequentadores e aos novos usos que se estabelecem após os
anos de 1930. As grades que tinham sido colocadas quase um século antes para evitar a
entrada de animas que fugiam das chácaras vizinhas. Com o tempo, os animais não
ofereciam mais perigo, mas as grades continuaram. A partir da retirada das mesmas, o
Jardim passou a ser usado como uma grande praça, sendo utilizada pelos transeuntes
como corredor entre as paradas de ônibus e as estações de trem. Pessoas de toda a
cidade passavam pelo Jardim, muitas delas mesmo sem perceber o que estava à sua
volta. É neste momento, junto com a crise da cafeicultura e da crescente industrialização
em São Paulo que o Jardim começa a transformar-se novamente, principalmente nos
usos.
É perceptível que a história do Jardim da Luz, trazida aqui com poucos detalhes,
mas buscando os fundamentos constitutivos se mostra como um produto das
conjunturas sociais, econômicas e políticas da cidade de São Paulo. É um lugar como
lócus da materialização de relações mais amplas, da escala da cidade.
Desde o início de suas transformações em lugar público, possibilitador do
encontro de pessoas, da realização de festas e de lugar de descanso, é impossível
dissociar o Jardim das conjunturas na qual São Paulo se inseria. Desde a escala mais
abrangente como o fim do Império, o começo da República, e o auge e a decadência da
cafeicultura às mais regionais como a transformação da cidade em metrópole e a
construção de linhas férreas, o Jardim foi produzido nestas relações.
2.3 Sobre a prostituição e a transformação nos usos
É neste momento que se pode trazer a questão da prostituição no Jardim. Uma
relação de conjunturas que desembocam e se realizam de alguma forma no lugar, neste
caso, o Jardim da Luz. No ano de 1936 havia em São Paulo aproximadamente 10 mil
prostitutas registradas, de todas as idades, nacionalidades e classes sociais. Até então, as
40
casas de tolerância ficavam confinados próximo ao triângulo histórico. (Feldman, 1989,
pg. 28 e 72)
Com a intenção de mantê-las sobre rígido controle do Estado e possibilitar a
renovação do centro histórico, na década de 1940 é decretada uma lei que proibi a
prostituição fora da área que seria destinada a essa atividade. São escolhidas, então,
algumas ruas no bairro operário do Bom Retiro, sendo elas: Itaboca, Aymorés, Carmo
Cintra e Ribeiro de Lima. (mapa 2) Desta maneira, qualquer atividade relacionada a
prostituição deveria se desenvolver nestas ruas, que também contavam com uma
delegacia e três postos de saúde voltado as prostitutas. Estas ruas que margeiam o
Jardim eram sem saída e limitadas fisicamente pelas linhas férreas. Desta maneira,
podia-se esconder as atividades ali realizadas e mantê-las separadas dos bairros das
elites, como os Campos Elíseos. Feldman escreve que “as ruas escolhidas são ruas sem
saída que terminam na parede da linha férrea, barreira física que limita com clareza o
território de prostituição em relação ao centro das elites em processo de expansão”
(Feldman, 1989, pg. 81)
Já partir dos anos de 1950 o Jardim da Luz começou a se caracterizar como um
lugar central da prostituição em São Paulo. Contudo, antes mesmo, já na década de
1930, Mario de Andrade no conto Primeiro de Maio cita a presença das prostitutas no
Parque: [...] Andou mais depressa, entrou no jardim em frente, o primeiro banco era a
salvação, sentou-se. Mas dali algum companheiro podia divisar ele e caçoar mais, teve
raiva. Foi lá no fundo do jardim campear banco escondido. Já passavam negras
disponíveis por ali [...] (Mario de Andrade, 2012, pg.74 ).
Desta época até os dias atuais a prostituição se tornou característica central do
Jardim. A prostituição no Jardim da Luz é fruto de uma dinâmica sócio-espacial,
fortemente influenciada por contextos políticos de uma determinada época da história
de São Paulo.
42
Em 1953, no governo de Lucas Nogueira Garcez, a zona de confinamento da
prostituição é extinta, as casas de tolerância são fechadas e as prostitutas expulsas.
Neste momento, há manifestações de prostitutas que queriam permanecer no local já
que este tinha se tornado o lugar de trabalho e moradia da maioria delas. Escreve
Feldman que “a decretação do fim da zona pelo governo Garcez, em 1953, vai
desencadear a resistência por parte das mulheres prostitutas. [...] o fim da zona
significou para as mulheres prostitutas o fim do emprego e da moradia” (Feldman,
1989, pg. 94)
O fim da zona de confinamento da prostituição vai gerar uma transformação
abrupta nos espaços próximos, incluindo as estações de trem, o bairro do Bom Retiro e
consequentemente o Jardim da Luz. As prostitutas neste momento estarão espalhadas
por toda a cidade com uma grande concentração próxima as estações ferroviárias e
rodoviárias.
É nesta época que o Jardim da Luz torna-se um lugar privilegiado para a
prostituição. Perto do antigo local de trabalho, as prostitutas encontram no Jardim um
lugar profícuo para trabalharem. As alamedas arborizadas e seus bancos em lugares
estratégicos aliados a centralidade e grande circulação de pessoas contribuem para que
se torne um dos lugares com maior concentração desta atividade. Dias e Ohtake, citando
Guido Fonseca, escrevem que “as prostitutas passaram a procurar nas ruas os encontros
com os fregueses. Com seus bancos e ruas tranquilas, sem carros, o Jardim foi
transformado no principal ponto de baixo meretrício da cidade de São Paulo”. (Fonseca,
1982, pg. 214 apud Dias e Ohtake, 2011, pg. 135)
Neste capítulo, abordamos a história do Parque a partir de três aspectos
diferentes, mas que se complementam, constituindo as bases para entendê-lo na
contemporaneidade. A história das transformações morfológicas do Parque, no que
tange a mudança de Horto Botânico a Passeio Público, deu ao lugar a possibilidade de
se tornar lugar de encontro e reunião de pessoas, mais que isso, viabilizou um espaço
concreto para a sociabilidade.
Neste movimento, as dinâmicas entre a Luz e a cidade de São Paulo deram
àquele lugar a centralidade do ponto de vista da vida cotidiana. É a partir da segunda
metade do século XIX que o Jardim da Luz começa a fazer parte da vida dos
paulistanos.
43
Tanto as transformações morfológicas no Parque quanto os usos indicam o
Parque como centralidade na cidade à partir da segunda metade do século XIX.
Concomitante a esses dois aspectos, a expansão da mancha urbana da cidade vem
ratificar esse processo. No final do século XIX, o largo da Luz, às margens da nova
avenida Tiradentes já é parte integrante da cidade de São Paulo. O Jardim da Luz como
centralidade já é uma realidade, e a partir de então os usos se intensificam.
Diante disso e de acordo com contextos históricos distintos, pode-se mostrar
como o acesso ao Parque se deu de maneira diferenciada durante a história e quem eram
as pessoas que o frequentavam, quais as classes elas pertenciam. É clara a diferença
entre os usuários do Parque no auge dos Campos Elíseos, no início do século XX e os
frequentadores pós anos de 1930.
Com os momentos históricos do Parque tratados neste capítulo, é possível
avançar na compreensão da realidade atual. Desta forma, tentar-se-á esboçar, no
próximo capítulo, uma análise o Parque, à partir dos fundamentos e enquanto espaço
público.
44
Capítulo 3
O Parque Jardim da Luz e os fundamentos da história: a constituição como
espaço público
No capítulo anterior procurou-se construir uma análise histórica do Parque
através do que se considerou fundamental em suas transformações. Desta forma,
trabalhou-se com duas categorias de análise: morfologia e uso. Por meio delas foi
possível desvendar a construção de uma centralidade como característica primordial
deste fragmento da cidade. No presente capítulo, buscar-se-á analisar o Parque à luz dos
fundamentos históricos trazidos à tona, ou seja, o que as diferentes temporalidades da
morfologia e dos usos, reveladores da centralidade, auxiliam na compreensão das
dinâmicas do Parque na atualidade.
Neste movimento, é possível afirmar que o Parque, assim como ele se configura
hoje, no que tange a morfologia e os usos, é fruto de disputas políticas, contextos
econômicos e lutas sociais que ocorreram e ocorrem desde sua fundação nos fins do
século XVIII e revelam a produção de um espaço urbano. Desde as feiras no começo do
século XIX, as remodelações na morfologia durante o mesmo século e os diferentes
usos, pode-se considerar que o Parque vem se construindo como espaço de disputas,
entre ricos e pobres, brancos e negros, entre classes sociais.
Diante disso e dos fatos descritos no capítulo anterior acerca da história do
Parque e das relações sociais que ali se desenvolvem é possível entendê-lo como um
lugar público central na metrópole de São Paulo, e analisá-lo à luz do conceito de
espaço público. Desta maneira, buscar-se-á compreender, a partir de agora, como alguns
autores da Geografia constroem o conceito de espaço público e como é possível, através
dele, esboçar uma compreensão da realidade atual do Parque Jardim da Luz.
No âmbito da filosofia e das ciências humanas, principalmente no urbanismo e
nas ciências sociais, o tema da esfera e do espaço público tem sido tratado com afinco já
há muitos anos. No Brasil alguns autores se destacam, cada um à sua maneira, dentre
eles o arquiteto e urbanista Murilo Marx e a filósofa Olgária Matos, com textos sobre a
temática desde os anos de 1980.
Durante a revisão bibliográfica realizada para este trabalho, poucas obras de
referência de autores da Geografia que tratam o espaço público foram encontradas.
45
Pode-se destacar, desta forma, dois autores principais, Paulo César da Costa Gomes,
com o livro A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade, publicado em 2002, e
Angelo Serpa, com O espaço público na cidade contemporânea, publicado em 2007.
Serpa escreve que,
a Geografia pouco se ocupou acerca do espaço público
urbano. Com raras exceções, esse tem sido um tema pouco
explorado pelos geógrafos. Em um livro lançado em 2002,
Gomes busca compreender, na contramão dessa tendência, a
contribuição da Geografia para o entendimento do espaço
público na cidade contemporânea [...] (Serpa, 2007, pg.9)
Já na passagem da primeira para a segunda década do presente século começam
a surgir na Geografia outras importantes publicações acerca do espaço público na cidade
contemporânea. Dentre elas, Del Ágora al Speaker’s corner: El espacio público em la
ciudad e A Condição Espacial, de Ana Fani A. Carlos, a tese Os espaços da
sociabilidade segmentada: a produção do espaço público em Presidente Prudente de
Oscar Sobarzo e diversos trabalhos do grupo Território e Cidadania, na UFRJ, sob a
coordenação de Iná Elias de Castro e Paulo César da Costa Gomes.
Fato evidente em todas estas obras de referência é a importância fundamental
dos escritos de Hannah Arendt, principalmente no que se refere as esferas privada e
pública, desde a Grécia antiga até a modernidade, suas metamorfoses e a centralidade
no processo de produção do Homem. Desta maneira, é imprescindível entendermos
quais as contribuições desta autora ao debate acerca do espaço público na cidade
contemporânea. Destaca-se então, a obra A Condição Humana, publicada em 1958. Em
parte do livro, a autora desenvolve suas ideias acerca das esferas privada e pública e
como, desde a Grécia antiga elas se desenvolveram, chegando a modernidade, onde se
dissolvem na esfera social, fato consumado pelo que a autora chama de ascenção do
social.
Arendt inicia diferenciando as esferas, familiar e da polis na Grécia antiga. A
primeira era o locus da necessidade e da carência. Era no âmbito do lar, da família, que
as preocupações com o corpo físico e a reprodução biológica se localizavam. Deste
modo, estavam lado a lado as necessidades da vida enquanto indivíduo (alimentação,
por exemplo) e enquanto manutenção da espécie. Nesta esfera, o homem e a mulher
tinham papéis bem definidos, enquanto o homem cuidava da reprodução enquanto
46
indivíduo a mulher era responsável pela manutenção da espécie. Arendt escreve que “a
comunidade natural do lar decorria da necessidade: era a necessidade que reinava sobre
todas as atividades exercidas no lar.” (Arendt, 2007, pg. 40)
Nesta esfera privada, considerada pré-política, por ser a esfera da necessidade,
qualquer atitude que a vencesse e levasse o homem a esfera pública, da liberdade, era
válida. Ou seja, utilizar-se da força e da violência contra a mulher ou o escravo era
justificável. Arendt conclui que “Uma vez que todos os seres humanos são sujeitos à
necessidade, têm o direito de empregar a violência contra os outros; a violência é o ato
pré-político de libertar-se da necessidade da vida para conquistar a liberdade do mundo”
(Arendt, 2007, pg. 40)
A liberdade a que se refere é conquistada somente no acesso a esfera da polis, do
público. Esta é caracterizada como a esfera da realização da política, onde os homens
livres do julgo da necessidade se encontravam para discutir os rumos da comunidade.
Nesta esfera todos eram iguais, ou seja, não havia governantes ou governados,
exploradores ou explorados. Arendt destaca que,
a polis diferenciava-se da família pelo fato de somente
conhecer ‘iguais’, ao passo que a família era o centro da mais
severa desigualdade. Ser livre significava ao mesmo tempo não
estar sujeito às necessidades da vida nem ao comando de outro e
também não comandar. (Arendt, 2007, pg. 41)
O que se torna central no entendimento da esfera da polis é que a preocupação
do homem livre, na realização concreta de sua liberdade na esfera pública, é
especificamente o mundo comum, ou seja, o que dá aos homens a igualdade é o
interesse no mesmo objeto, o mundo comum. Arendt escreve que,
conviver no mundo significa essencialmente ter um
mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em
comum, como uma mesa se interpõe entre os que se assentam ao
seu redor; pois como todo intermediário, o mundo ao mesmo
tempo separa e estabelece uma relação entre os homens.
(Arendt, 2007, pg. 62)
Diante disso, a preocupação da autora com a “promoção do social” se torna mais
evidente. É a partir deste momento que, já na modernidade, começarão as
47
transformações das esferas privada e pública, ao tempo que emergirá a esfera social,
fruto da quase dissolução das duas anteriores. Escreve Arendt que,
a passagem da sociedade – a ascensão da
administração caseira, de suas atividades, seus
problemas e recursos organizacionais – do sombrio
interior do lar para a luz da esfera pública também
alterou o significado dos dois termos e sua
importância para a vida do indivíduo e do cidadão,
ao ponto de torná-los quase irreconhecíveis. (Arendt,
2007, pg. 47)
A partir desta afirmação é possível compreender o que a autora compreende
como a promoção do social. Neste momento da história, as questões exclusivas da
esfera privada, familiar, vão ganhar o campo da esfera pública. Desta forma, as
atividades domésticas e econômicas, que outrora eram responsabilidade do ambiente
privado, agora fazem parte do interesse coletivo, ou seja, do mundo comum. Rompem-
se as barreiras de cada esfera e emerge a esfera social.
A esfera do social, acentuação ou mesmo generalização da promoção do social,
traz consigo profundas alterações no que tange a dois aspectos essenciais no debate
sobre o espaço público na cidade contemporânea: a saída do labor da esfera privada para
a esfera pública e a mudança no sentido da propriedade privada.
O labor, que na Grécia antiga estava restrito a esfera privada, por se tratar de
uma atividade voltada à necessidade de manutenção da vida, vê-se extrapolar para o
domínio público, ou seja, a atividade antes individual, monótona e circular cede lugar a
organização da atividade do labor no âmbito da sociedade. Diante disso, vê-se a divisão
e a produtividade do trabalho. É neste momento, portanto, que o labor passa a ser o
centro da preocupação social. Arendt conclui que, “ a nova esfera social transformou
todas as comunidades modernas em sociedades de operários e de assalariados; em
outras palavras, essas comunidades concentram-se imediatamente em torno da única
atividade necessária para manter a vida – o labor.” (Arendt, 2007, pg. 56)
A promoção do labor à estatura de coisa pública, longe de
eliminar o seu caráter de processo – o que teria sido de esperar,
se lembrarmos que os corpos políticos sempre foram projetados
com vistas à permanência e suas leis sempre foram
48
compreendidas como limitações impostas ao movimento –
liberou, ao contrário, esse processo de sua recorrência circular e
monótona e transformou-o em rápida evolução, cujos resultados,
em poucos séculos, alteraram inteiramente todo o mundo
habitado (Arendt, 2007, pg. 56)
Diante da esfera do social, a questão da propriedade privada, que na antiguidade
era questão implícita ao privado passa a ser, na modernidade, objeto de preocupação
coletiva, ou seja, a propriedade sai do âmbito individual do privado e passa ao âmbito
da sociedade. Arendt escreve que “O que chamamos anteriormente de ascenção do
social coincidiu historicamente com a transformação da preocupação individual com a
propriedade privada em preocupação pública.” (Arendt, 2007, pg.78)
Deste modo, Arendt constrói um importante arcabouço para o entendimento da
sociedade moderna, trazendo os fundamentos das esferas pública e privada desde a
Grécia antiga, no intento de entender as transformações na política e na vida privada e
compreender as condições do homem moderno.
Influenciado por essa matriz de pensamento, Angelo Serpa (2007) compreende o
espaço público na cidade contemporânea como espaço da ação política, como espaço
simbólico e ainda na perspectiva critica de sua incorporação como mercadoria. A partir
disso, desenvolve temas centrais como acessibilidade, alteridade e privatização dos
espaços públicos. Temas caros a Geografia e que contribuem de maneira fundamental
para compreendermos a realidade no Parque Jardim da Luz.
Como dito no capítulo anterior, o Jardim da Luz foi alvo de diversas
transformações durante sua história, tanto morfológicas quanto nos usos e
principalmente enquanto centralidade em relação ao entorno e a cidade de São Paulo.
Diante disso, pode-se constatar, em diversos momentos da história, que a acessibilidade
ao Parque também se transformou, tanto física quanto simbolicamente. Dois momentos
são fundamentais para o entendimento: primeiro, a virada do século XIX para o XX,
quando Parque recebe diversas reformas e se torna o lugar de divertimento da burguesia
do café e os anos de 1930 e 1940, com a retirada das grades e a grande ocupação do
Parque por prostitutas e trabalhadores.
No primeiro momento, no movimento de ganho de centralidade e modernização
da região da Luz, o Jardim sofreu reformas de maneira que se tornasse um lugar de
recreação dos moradores dos Campos Elíseos. O coreto em estilo art nouveau, o
49
observatório, a cervejaria e as esculturas são exemplos disso. No coreto cantavam corais
e tocavam bandas, principalmente os compositores Verdi, Puccini, Bizet, Wagner e
Strauss. (Dias e Ohtake, 2011, pg. 98).
De acordo com o viajante francês Paul Adam: aos
domingos, no Jardim da Luz, é agradável ver esse povo
energético, bem trajado, entregar-se aos prazeres da ginástica e
da patinação, por entre o emaranhado das mais belas árvores
tropicais, diante dos quiosques onde as mulheres em sua
elegância saboreiam sorvetes, bebem refrescos. É a vida sadia e
limpa. (Adam, pg. 86 apud Dias e Ohtake, 2011, pg. 110).
Fica evidente que o Jardim era produzido para a elite do entorno, com atividades
de música clássica, áreas para patinação e uma arquitetura importada, principalmente da
França. As pessoas “bem trajadas” e “as mulheres em sua elegância saboreiam sorvetes,
bebem refrescos” podem ser entendidos como imagens e signos de uma classe social,
que neste momento da história do Parque, é predominante. Serpa nos lembra que
“acessibilidade e alteridade têm uma dimensão de classe evidente, o que vai determinar
os processos de territorialização (e na maior parte dos casos, privatização) dos espaços
públicos urbanos.” (Serpa, 2207, pg.10)
Trata-se de um momento em que se realizava uma produção simbólica do
espaço, que de certa maneira, impedia o uso do Parque pela população pobre, que
certamente não encontrava ali seu lugar de recreação. Produziu-se a hierarquização de
um espaço na cidade à partir de seus conteúdos simbólicos. Carlos escreve que, “O
espaço público, saturado de imagens, signos do urbano e da vida moderna, age como
elemento norteador dos comportamentos e definidor dos valores que organizam a troca,
hierarquizando os indivíduos através de seu acesso aos lugares da cidade.” (Carlos,
2011, pg. 138)
No outro extremo, nas décadas de 1930 e 1940 os usos do Parque vão se
transformar fortemente. As grades são retiradas, o terminal de ônibus é construído
próximo ao Jardim e as prostitutas tomam todos os espaços do Parque. Neste momento,
autores como Bruno (1991) e Dias e Ohtake (2011) caracterizam o Parque como
decadente e degradado. Alguns trechos de Dias e Ohtake podem esclarecer o que estes
autores entendem como decadência e degradação. À ver, “O Jardim adquiriu aspectos
de uma praça pública, tornando-se um grande corredor de pedestres que se dirigiam à
50
Estação”; “Paralelamente começou uma lenta e progressiva degradação de toda a região
próxima à estação da Luz, reflexo da crise da cafeicultura paulista. O processo foi
agravado pela construção do novo terminal ferroviário, que intensificou ainda mais o
movimento. As moradias da região cederam espaço par o comércio atacadista e
pequenas indústrias de roupas”. (Dias e Ohtake, 2011, pg. 124)
Desta maneira, constata-se que o auge está intimamente ligado ao uso do Parque
pela burguesia dos Campos Elíseos, bem trajados e apreciadores de concertos de música
clássica, ao tempo que a decadência está ligada ao uso por uma grande maioria, mesmo
que de passagem, de trabalhadores e prostitutas que ali trabalhavam cotidianamente.
Atualmente, o Parque recebe milhares de frequentadores diariamente, desde os
que lá trabalham (vendedores e prostitutas) aos esportistas do início da manhã, dos
senhores que ouvem música e jogam cartas aos turistas, configurando-se um uso por
diferentes classes sociais. Apesar da aparente acessibilidade de diferentes tipos de
pessoas e classes sociais, o Parque é também um lugar com rígidas normas de acesso e
permanência.
O Parque tornou-se, ao longo dos anos, um lugar excessivamente normatizado.
Atualmente, tem hora de abrir e de fechar, os caminhos a serem percorridos são
delimitados. É proibido sair deles, ou seja, pisar na grama. Os piqueniques outrora
muito realizados no Parque são proibidos, assim como música em alto falantes. Durante
todo o dia, dezenas de pessoas, moradores de rua, ficam encostados nas grades externas
do Parque, pois são proibidos de entrar. Há, então, uma seleção de quem entra e
permanece no Parque. É proibido também deitar, seja para descansar ou dormir, nos
bancos ou na grama. Todas essas proibições são levadas a cabo por seguranças privados
que circulam pelo Parque.
Sobre os atuais usos no/do Parque são necessárias algumas considerações. É
possível entender estes usos como realizadores do espaço público ao mesmo tempo em
que constituem as contradições em si próprios. Pode-se iniciar com o exemplo que
coloca de um lado os esportistas e de outro as pessoas (geralmente idosos) que vem para
o Parque para encontrar os amigos.
É fácil caminhar pelo Parque e encontrar diversas pessoas, em grupinhos,
conversando sobre a vida, discutindo temas do cotidiano, sejam eles do mundo comum
ou da vida privada. Durante os trabalhos de campo, pôde-se observar e participar de
51
diversos deles, entre idosos, entre os violeiros e entre as prostitutas. Entre as prostitutas
se estabelecem laços de amizade, visto que passam de seis a oito horas por dia
circulando pelo Parque. Os assuntos são os mais variados, desde os problemas da vida
privada, a relação com os filhos ou o conjugue até os temas públicos, como violência,
política etc. Neste momento a alteridade ganha sentido, quando se forma, a partir de
cada indivíduo, uma teia de relações que é externa a ele. Matos escreve que “[...] o outro
não é nosso limite externo, não é o que nos limita, mas o que nos pluraliza. É por meio
dele que podemos nos totalizar. Restritos a uma única identidade de origem,
diminuímos em ser, em realidade, em humanidade” (Matos, 1999, pg. 343)
De outro lado, observam-se pessoas fazendo atividades físicas, geralmente
correndo e com fones de ouvido. Não expressam interesse em interagir com outros, se
fecham em sua individualidade. Serpa escreve que “Caminhamos para a consagração do
individualismo como modo de vida ideal, em detrimento do coletivo cada vez mais
decadente.”(Serpa, 2007, pg. 35)
Neste contexto, é possível concluir que o espaço do Parque se constitui como
público na realização como lugar de encontro, de debate, lugar onde as aspirações
privadas ganham sentido coletivo e onde as questões coletivas são discutidas. Carlos
escreve que “podemos afirmar que o espaço público aparece como o lugar da realização
concreta da história individual como história coletiva, pela mediação dos lugares de
realização da vida” (Carlos, 2011, pg. 132)
Conclui-se também que o espaço público do Parque se realiza enquanto sua
contradição, ao ponto que o atleta faz sua atividade física sem ao menos manter
qualquer relação com outra pessoa. Trata-se da expressão do individualismo,
característico da urbanidade com a qual nos deparamos atualmente. Desta forma, o
espaço público, na atualidade, contém em si a própria contradição. Da sociabilidade a
segregação, do lugar de encontro ao individualismo exacerbado, do público ao privado.
Contribuindo com este pensamento, Carlos acentua que,
[...] é preciso considerar que os espaço públicos
contemplam contradições em si. Se o espaço público é um lugar
do político, contraditoriamente no mundo moderno, sob a égide
do político, o espaço público se torna o lugar da norma, objeto
de estratégia do Estado. Também, se o espaço público é o lugar
da realização da vida urbana como possibilidade do encontro, é
também o lugar da copresença como negação do outro. Ainda
outra contradição tem a ver com o fato de que o espaço público
52
é o lugar do encontro, por excelência, mas se encontra invadido
pelo mundo da mercadoria, imerso nos processos de valorização
do espaço, que tornam os espaços públicos ótimas oportunidades
de lucro para o setor imobiliário. (Carlos, 2011, pg. 134)
Outro fato importante a se destacar é o papel que a morfologia possui na
realização dos usos no Parque. Não se trata, entretanto, de colocar a morfologia como
geradora dos usos, mas sim como importante elemento na constituição de um espaço
público. Considera-se também que nenhum espaço é público à priori, ou seja, não é a
construção de um espaço (praça, rua, jardim etc) pelo Estado (urbanismo) que vai
qualificar este espaço como público. A qualidade do público só se dará com os usos,
concretamente. É somente a sociabilidade, o encontro com o outro realizando a
alteridade que pode conceder ao espaço o caráter público.
Assim, o espaço público é, sem dúvida, de ordem social
e liga-se a ideia de um espaço de usos que nem sempre são ou
podem ser definidos antecipadamente em relação a uma forma e
uma função inicial [...] Isso quer dizer que o espaço público só
tem um sentido público no uso real, na medida em que permite a
relação social através da simultaneidade dos usos. (Carlos, 2011,
pg. 134)
Neste sentido podemos pensar a morfologia do Parque durante sua história. A
importância fundamental de uma análise morfológica está no fato de que a morfologia
guarda resquícios das diferentes temporalidades do passado, das relações sócio-
espaciais. Não se trata desta forma, explicar a morfologia atual através da história da
morfologia do Parque.
Como foi abordado no capítulo anterior, o Parque sofreu inúmeras
transformações morfológicas (traçados, caminhos, trilhas, bancos, etc). Estas
transformações, iniciadas no começo do século XIX, vão dando ao até então Horto, um
traçado mais curvilíneo, bancos, chafarizes, espaços para encontros e convivência.
Estas transformações são intensificadas ao tempo em que a região da Luz ganha
centralidade (segunda metade do século XIX) na cidade de São Paulo. Aquele antigo
lugar é transformado para ser o mais importante Jardim da cidade. Mas ele não está
isolado, ao seu redor pipocam construções importantes na cidade daquela época, como a
Estação da Luz. Na virada do século já são milhares de frequentadores por dia e o
Parque se torna a porta de entrada da cidade.
53
A centralidade desta região da cidade está intimamente ligada a três contextos
importantes: o auge da produção cafeeira, a construção da Estação da Luz e a ampliação
do tecido urbano da cidade. Neste movimento foi produzido um Parque com certas
características que se mantém até os dias atuais, ou melhor, com características
morfológicas muito parecidas com as do Parque atualmente.
Neste sentido, é importante compreender as temporalidades contidas no lugar.
Por isso, é fundamental entender em quais contextos a morfologia do Parque foi
constituída. Entretanto, não se trata da morfologia em todos os momentos da história do
Parque, mas no exato momento em que, marcada pelo auge do café e da centralização
da Luz, é produzido um espaço. Com isso, pode-se concluir que no movimento da
produção do lugar enquanto lugar de encontro produziu-se também o lugar de uma
classe. Neste sentido, o Jardim da Luz foi por muitos anos lugar de encontro da elite dos
Campos Elíseos, que tinha neste espaço o lugar de realização da vida pública.
Estas transformações morfológicas no sentido de privilegiar o encontro,
guardam nas épocas em que foram feitas e no resto da história do Parque, mesmo como
possibilidade, a realização do público. Desta forma, a história da morfologia do Jardim
da Luz por si só não determinou a constituição de um espaço público, mas guardava em
si esta possibilidade.
Pode-se também buscar nas temporalidades da história a relação entre a
centralidade e os usos, neste caso, predominantemente a prostituição. Como visto
anteriormente, a prostituição se inicia no Jardim da Luz por volta dos anos de 1940.
Naquele momento, o Jardim era um lugar de enorme circulação de pessoas e por sua
morfologia, favorável a permanência, se tornou um lugar importante da prostituição em
São Paulo. Certamente a centralidade do lugar, próximo a Estação da Luz, por exemplo,
foi determinante para a permanência das prostitutas até os dias de hoje.
Diante da tentativa de realização do método progressivo-regressivo, onde a
realidade atual foi decomposta nas temporalidades da história e trouxeram em si
possibilidades de entendimento do fenômeno urbano atual, é possível tratar o então
Parque Jardim da Luz enquanto espaço público. Diante desta tentativa, é necessário
também, pensar o conceito de espaço público, trazendo-o em suas três dimensões:
política, social e espacial.
54
Se baseando em Arendt é possível pensar uma dimensão fundamental do espaço
público, a política. A política como realização das aspirações privadas num âmbito
coletivo, ou seja, é neste espaço que há a publicidade das ideias. É no espaço público
que são dadas as possibilidades de debate, de confronto de ideias, de construção de
argumentos.
Em suma, o espaço público é o lugar da realização esfera pública. Revela-se,
então, a sua dimensão política. Carlos escreve que “Diferenciando-se do nível privado,
[o espaço público] contempla a possibilidade do acaso e do inesperado, sendo também o
lugar da festa e dos referenciais constituidores da identidade. Em sua dimensão política,
não negligenciável, contempla a esfera pública.”(Carlos, 2011, pg. 130)
Neste movimento, grande parte dos autores reduz o espaço público à esfera
pública, não contemplando assim, sua dimensão sócio-espacial. Pode-se pensar que as
relações sociais acontecem e produzem um espaço-tempo determinado, ou seja, as
trocas sociais entre os homens se realizam e produzem espaços e tempos que constituem
a própria vida. Em suma, o espaço público é o lugar da sociabilidade, da alteridade, do
encontro com o outro, da reunião com o diferente. Revela-se, então, a sua dimensão
sócio-espacial.
Para concluir, é importante citar que os fundamentos históricos do Parque foram
centrais para o entendimento do lugar, visto que, apesar de não serem condicionantes,
retomam as diferentes temporalidades que conduzem a realidade atual do Parque. Neste
sentido, foi possível retornar a atualidade com uma análise espaço-temporal, na qual
compunha o Parque Jardim da Luz como um importante espaço público na cidade de
São Paulo.
Enquanto espaço público é o lugar do encontro e da reunião entre diferentes. É
lugar do debate, das tensões e dos conflitos, pois, torna-se o lugar da realização da
história individual como história coletiva, ou seja, onde as aspirações, vontades, hábitos
e ideias se tornam públicas. Desta forma, “as relações sociais se realizam por
apropriações sucessivas dos espaços e dos tempos como condição e realização de sua
existência, dando-lhes conteúdo e sentido.” (Carlos, 2011, pg. 133)
Mas o espaço público, apesar disso, contempla em si contradições. Ao tempo
que é lugar da realização da política encontra-se invadido pelas normas, e ao passo que
é lugar do encontro é também lugar da negação do outro e está, no mundo moderno,
55
submerso pelo mundo da mercadoria, podendo até ser “vendido” em diversos
empreendimentos imobiliários.
No capítulo seguinte, tentar-se-á demonstrar como a pesquisa se realizou, tendo
o método progressivo-regressivo como caminho para a análise espaço-temporal de um
fragmento do espaço urbano da cidade de São Paulo.
56
Capítulo 4
Considerações sobre o método e a análise do Parque Jardim da Luz
Nesta última e breve etapa do trabalho buscar-se-á realizar algumas
considerações sobre o método progressivo-regressivo, a maneira como o mesmo foi
desenvolvido nesta pesquisa e qual a importância deste método nas pesquisas em
Geografia.
Trata-se, portanto, de evidenciar o Trabalho de Graduação Individual como um
momento de formação, não apenas de pesquisa. Neste caso, buscou-se realizar um
exercício de aproximação e compreensão do método no intuito de desvendar um
fragmento do espaço urbano, no movimento da busca pelos fundamentos (na história) e
um retorno a realidade presente, capaz de explica-la.
Iniciar-se-á pela definição, em Marx, das diferenças e complementaridades entre
os métodos de investigação (análise) e exposição (explicação). Martins escreve que
“[...] o método que se foi definindo ao longo da obra de Marx, que combina os
momentos do método de investigação e do método de explicação”. (Martins, 1996,
pg.14)
Neste sentido, o método de análise parte da perspectiva de entender um objeto,
real e objetivo, buscando apreender sua aparência, num primeiro instante, e sua
essência, posteriormente. Somente após chegar a essência, ou seja, as estruturas e
dinâmicas do objeto e delas produzir uma conclusão é que se viabiliza o método de
exposição. Netto conclui que,
[...] para Marx, os pontos de partida são opostos: na
investigação, o pesquisador parte de perguntas, questões; na
exposição, ele já parte dos resultados que obteve na investigação
– por isso, diz Marx, ‘é mister, sem dúvida, distinguir
formalmente o método de exposição do método de pesquisa’
(id., ibid.). (Netto, 2011, pg. 27)
A exposição, desta maneira, não se inicia como a análise, com questionamentos
sobre o objeto e sim à partir dos resultados que se obteve nas análises do objeto real.
Desta forma, é só depois de concluída a análise, o autor é capaz de compreender o
movimento da realidade que foi objeto de sua pesquisa. Marx escreve que, “Só depois
de concluído este trabalho [de investigação] é que se pode descrever, adequadamente, o
movimento real. Se isto consegue, ficará espelhada, no plano ideal, a vida da realidade
pesquisada”(Marx apud Netto, 2011, pg. 26 e 27)
57
No trabalho aqui exposto, todavia, não foi possível realizar os dois movimentos
metodológicos como Marx claramente explicitou, visto que pelo reduzido tempo para a
realização do trabalho de análise, parte da exposição foi sendo construída
concomitantemente.
Apesar disso, o capítulo 1 só foi escrito, exposto, após a realização da descrição
do presente e também da regressão em busca dos fundamentos. Portanto, foi possível
expor, desde o início do capítulo, a pretensão de analisar três elementos (morfologia,
usos e centralidade). Isso só foi possível, pois, com a regressão, pôde-se compreender
estes três elementos como fundamentais no processo de constituição do Parque.
Este trabalho, como já foi dito, procurou realizar o método progressivo-
regressivo a fim compreendê-lo na interface com a realidade, neste caso, o Parque
Jardim da Luz enquanto espaço público central no processo de produção e reprodução
da região da Luz. Desta maneira, é importante buscar compreendê-lo em suas gêneses,
nas formulações de Karl Marx e Henri Lefebvre.
O método progressivo-regressivo9, segundo Lefebvre (1971, pg. 129), foi
indicado e realizado por Marx em algumas de suas obras, e ficou explícito em seu
principal trabalho metodológico, “O método da Economia Política” na introdução do
Grundrisse, de 1857 e 1858. Neste texto, Marx indica que as categorias de análise
elaboradas para a compreensão da sociedade burguesa, a mais desenvolvida e complexa
que temos notícia, é capaz de não só compreendê-la, mas também de analisar todas as
sociedades anteriores, desaparecidas. Marx explica que,
a sociedade burguesa é a mais desenvolvida e
diversificada organização histórica da produção. Por essa razão,
as categorias que expressam suas relações e a compreensão de
sua estrutura permitem simultaneamente compreender a
organização e as relações de produção de todas as formas de
sociedade desaparecidas, com cujos escombros e elementos
edificou-se, parte dos quais ainda carrega consigo como resíduos
não superados , parte [que] nela se desenvolvem de meros
indícios em significações plenas etc. A anatomia do ser humano
é uma chave para a anatomia do macaco. Por outro lado, os
indícios de formas superiores nas espécies animais inferiores só
9 Apesar de ter as bases na obra de Karl Marx, o método progressivo-regressivo, com
esta nomenclatura, só aparece na obra de Henri Lefebvre.
58
podem ser compreendidos quando a própria forma superior já
for conhecida. (Marx, 2011, pg. 58)
Desta maneira, dois momentos são explicitados, primeiro que a sociedade mais
desenvolvida possui a chave para entender as anteriores, isto é, as mais desenvolvidas
possuem em si os resíduos das anteriores, e o segundo que, as sociedades anteriores só
podem ser desvendadas quando as mais desenvolvidas já forem conhecidas, ou seja, só
é possível compreender quais eram as possibilidades inscritas no passados depois que
elas já foram conhecidas no presente. Lefebvre escreve que,
O adulto permite compreender a criança, afirma Marx, e
o homem conhecer o macaco. Não o inverso, como supõe um
procedimento precipitadamente genético. Porquê ? Não apenas
porque é o <<homem>> genérico, encarnado na inteligência
dum sábio, quem procura conhecer um macaco, ou porque é um
adulto quem tenta compreender uma criança. Mais
profundamente, é porque o adulto sai da criança e o homem do
macaco, consistindo o problema em saber como é que a criança
conduz ao adulto – contém em si a possibilidade sendo criança –
e como é que o macaco foi um momento do homem em
formação na natureza. (Lefebvre, 1971, pg. 130)
Diante do exposto, é possível compreender a análise em três momentos distintos.
Trata-se, então, de iniciar a análise pelo presente, fazer uma regressão (retorno ao
passado) e uma progressão (retorno ao presente). O retorno ao passado deve ser
analítico, ao ponto de desvendar as desigualdades temporais contidas na realidade. Só
desta maneira a regressão pode ocorrer de forma a explicitar as contradições espaço-
temporais.
Reconsiderada nesta perspectiva, o conhecimento
histórico poderia ‘servir’ sem se curvar. A démarche regressiva
(indo do presente para o passado para iluminar o passado pelo
que ele tornou-se e o que aconteceu) e depois progressiva
(retornando ao presente a partir de suas múltiplas e complexas
condições, para ‘analisar’, não sem visar uma ‘explicação’
dificilmente exaustiva) permitiria explorar o possível. Não para
fabricar o futuro, mas para compreender o possível, distanciado
[mas não separado] do impossível. (Lefebvre, 1986, pg. 47)10
[tradução do autor]
10
No original, “Reconsidérée dans cette perspective, la connaissance historique pourrait <<
servir>> sans s’abaisser. La démarche régressive (allant du présent au passe pour éclairer le passé par ce
qu’il est devenu et ce qui est advenu) puis progressive ( revenant au présent à partir de sés multiples et
complexes conditions, ceci pour << l’analyser>>, non sans viser une << explication>> difficilement
59
Lefebvre, no texto “Perspectivas de Sociologia Rural”11
, desenvolve uma
preposição metodológica no sentido de compreender a realidade em suas complexidades
horizontais e verticais. Nesta tentativa, propõe três momentos de análise distintos, que
segundo ele, são capazes de compreender a realidade em sua totalidade.
A compreensão da realidade horizontal deve começar pela descrição do visível,
das práticas sociais e reconstituí-las à partir de um olhar teórico. O segundo momento
seria analítico-regressivo, e é nesta incursão que o pesquisador precisa datar as
diferentes temporalidades das relações sociais. Este é o momento de elucidara
complexidade vertical. Martins escreve que, “Cada relação social tem sua idade e sua
data, cada elemento da cultura material e espiritual também tem a sua data. O que no
primeiro momento parecia simultâneo e contemporâneo é descoberto agora como
remanescente de época específica.”(Martins, 1996, pg. 21)
O terceiro momento é histórico-genético. Neste movimento é preciso retornar ao
presente, mas agora de forma elucidada, compreendida. Segundo Martins, este é o
momento em que a “volta à superfície fenomênica da realidade social elucida o
percebido pelo concebido teoricamente e define as condições e possibilidades do
vivido.”(Martins, 1996, pg. 22)
Retomando o primeiro momento da proposta metodológica, a descrição do
visível, é importante salientá-la, visto que se trata de uma característica cara a
Geografia, mas que foi se perdendo ao longo do tempo, talvez no momento em que a
Geografia se repensava, com “ares” críticos, e fazendo a pertinente crítica a uma
Geografia puramente descritiva, onde a descrição se bastava, era começo e fim.
Neste trabalho, todavia, a proposta foi ter a descrição do lugar como uma
aproximação da realidade, de identificação dos usos, da paisagem, das relações sociais
etc. Desta maneira, foi apenas o início do trabalho, um primeiro contato com a realidade
percebida. Foi neste momento que encontramos uma realidade extremamente complexa,
onde uma variedade enorme de pessoas, de cores, credos, faixa etária e classe social se
relacionavam e produziam um lugar, ao mesmo tempo geral e particular.
exhaustive) permettraient d’explorer le possible. Non pour fabriquer l’avenir, mais pour saisir le probable,
écarter l’impossible” (Lefebvre, 1986, pg. 47)
11 Neste texto Lefebvre faz considerações metodológicas à partir da Sociologia Rural, a fim de
compreendê-la em suas complexidades horizontais e verticais.
60
Foi na primeira aproximação e já numa busca pela história do Parque que alguns
aspectos do começaram a chamar a atenção. Os usos, pela diversidade e intensidade, a
morfologia, por ao mesmo tempo possibilitar e negar o encontro, e a centralidade, por se
tratar de um lugar histórico.
Foi com ênfase nestes três aspectos que retornamos a história para tentar
compreender o Parque em relação com a própria produção da cidade de São Paulo. O
retorno à história, portanto, foi visando buscar os fundamentos de constituição do
Parque.
Na história, pode-se compreender como a morfologia do Parque se transformou
até os dias atuais, possibilitando entender cada momento de transformação, suas
implicações, e visualizar como uma grande parte destes momentos ainda está presente
no Parque atualmente. Não se tratou de buscar na história da morfologia do Parque as
causas para explicar a morfologia do Parque no que ele é hoje, e sim as possibilidades
contidas em cada transformação da morfologia.
Nos usos, a tentativa foi compreender como o Parque foi sendo apropriado
diferencialmente (principalmente em relação as classes sociais) em cada momento da
história e como cada um destes momentos foi compondo as possibilidades futuras.
Procurou-se, portanto, mostrar em diferentes épocas como os usos se davam e qual a
relação deles com os usos na atualidade.
A centralidade, todavia, foi importante para a compreensão de como o Parque,
situado às margens da cidade no século XVIII foi se tornando um importante espaço
público na metrópole dos séculos XIX e XX. Neste movimento foi possível localizar o
Parque no espaço urbano de São Paulo.
Todas estas contribuições trazidas da história foram importantes para a
compreensão do Parque, em sua complexidade, no que se refere a sua constituição
enquanto espaço público durante a história. Neste sentido, foi possível identificar na
história do Parque contradições e possibilidades, realizadas ou não. Segundo Martins,
nesse momento regressivo-progressivo é possível
descobrir que as contradições sociais são históricas e não se
reduzem a confrontos de interesses entre diferentes categorias
sociais. Ao contrário, na concepção lefebvriana de contradição,
os desencontros são também desencontros de tempos e,
portanto, de possibilidades. Na descoberta da gênese
contraditória de relações e concepções que persistem está a
61
descoberta de contradições não resolvidas, de alternativas não
consumadas, necessidades insuficientemente atendidas,
virtualidades não realizadas. (Martins, 1996, pg. 22)
Neste sentido, no âmbito da Geografia, torna-se um método importante, pois
circunscreve uma análise que traz a historicidade do lugar como componente
importante. Partindo do presente em direção aos fundamentos no passado, é capaz de
descobrir as relações contraditórias, tanto temporais quanto espaciais. Desta forma, no
retorno ao presente, traz uma compreensão mais totalizadora.
62
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Anexo 5 – Mapa da Cidade de São Paulo e seus Subúrbios – 1847
An
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