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Universidade Estadual do Piauí – UESPI Mulher no espelho de Helena Parente Cunha Lívia Maria Rosa Soares [email protected]

Apresentação Mulher no espelho

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Universidade Estadual do Piauí – UESPI

Mulher no espelho

de Helena Parente Cunha

Lívia Maria Rosa [email protected]

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Helena Gomes Parente Cunha (Salvador BA 1930). Ensaísta, poeta, contista, romancista, professora e tradutora.

Em 1949, ingressa no curso de graduação em letras neolatinas da Universidade Federal da Bahia - UFBA, que conclui em 1952.

Muda-se para o Rio de Janeiro em 1958, e, dez anos depois, publica seu primeiro livro de poemas, Corpo no Cerco. Segue carreira acadêmica na área de letras: mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, de 1969 a 1972; doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, entre 1974 e 1976; livre-docência, em 1976; e pós-doutorado novamente na UFRJ, de 1992 a 1994.

Helena Parente Cunha

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Diferentes fases da vida das mulheres marcadas por opressões e interditos.

Infância:

“A infância é o tempo do medo. Os sustos. O terror. Por que saudade? Quando eu era pequena, ainda não havia aprendido o que nos pode levar a uma vida mais adequada, mais pertencente.”(p. 59)

Adolescência:

“Eu era uma menina ingênua e sozinha, sem ninguém que me explicasse o que significava virgindade.”(p. 56)

Maturidade:

“Minha carne e meu sangue ardem, na ânsia de ser cortada e rasgada pela selvageria de um impulso que me esmagasse e quebrasse. O homem que eu tenho, nunca o tive nem ele nunca me teve.”(p. 28)

Questões norteadoras

OBROBRAA

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• Editado pela primeira vez em 1983, pela Fundação Catarinense de cultura , O Romance Mulher no espelho, recebeu em 1984, o Prêmio Cruz e Sousa de romance PEN Clube do Brasil.

• Este primeiro romance de Helena Parente Cunha foi alvo de muitas controvertidas opiniões.

• O discurso apresentava um tom desafiador, pela coragem de problematizar o jugo masculino na organização familiar, a subserviência feminina aos modelos tradicionais e a transgressão da ordem estabelecida pela sociedade patriarcal.

• O Romance foi traduzido para o Alemão e o Inglês.

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“Historicamente, o cânone literário, tido como um perene e exemplar conjunto de obras-primas representativas e determinadas cultura local, sempre foi constituído pelo homem ocidental, branco, de classe média/alta; portanto, regulado por uma ideologia que exclui os escritos das mulheres, das etnias não-brancas, das chamadas minorias sexuais, dos segmentos sociais menos

A crítica feminina

favorecidos etc. Para a mulher inserir-se nesse universo, foram precisos uma ruptura e o anúncio de uma alteridade em relação a essa visão de mundo centrada no logocentrismo e no falocentrismo.” (ZOLIN, 2009, p.327).

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A obra tem como cenário a cidade de Salvador.

Perseguindo obsessivamente a própria identidade, a voz narradora (a do espelho) descreve amarga e punitivamente a mulher que reflete: a heroína do fracasso cotidiano, do sofrimento anônimo, da miséria sem remédio.

A personagem, inominada, de Mulher no espelho é sangrenta e sexual na flagelação que se inflige, de um lado e se submete, de outro.

Mulher no espelho

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Sobre a obra

A obra leva para o universo ficcional a representação de uma figura feminina que acaba de emergir de um contexto conflituoso de mudanças. No romance, a personagem mostra-se dividida entre a manutenção dos papéis definidos para si pela sociedade e o desejo de escapar daquela conjuntura escravizante.O enredo apresenta posições invertidas da protogonista e sua antagonista – uma espécie de alter ego, continuamente diante de um espelho.

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As duas apresentam uma interdependência, sugerindo uma que não consegue existir sem a outra.

É uma existência em que os rostos de ambas parecem se confundir.

“Mas quando digo eu, não sou a mulher que está escrevendo essa página. Quando digo eu, eu apenas imagino. Quem escreve é ela. E o meu rosto no espelho, quem é?”(CUNHA, 1985, p. 8)

“A mulher, é antes de tudo, uma imagem. Um rosto, um corpo, vestido ou nu. A mulher é feita de aparências. E isso se acentua mais por que, na cultura judaico-cristã, ela é constrangida ao silêncio em publico. Ela deve ora se ocultar, ora se mostrar. Códigos bastante precisos regem suas aparições assim como as tal ou qual parte de seu corpo.” (PERROT, 2009, p. 48)

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A narrativa segue uma ordem psicológica.

As violências que são praticadas no romance contra a "instituição" e o "Nome do Pai" são penalizadas pela morte do filho chorado por ambas, a mulher real e a mulher refletida.

Há um desnudamento – ritmo da memória: passado e presente se entrelaçam e coexistem.

A personagem vive confinada no lar sempre em uma situação-limite.

Mulher no espelho

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Autoflagelação que se transforma em ódio derramado sobre o universo familiar que a cerca e do qual tenta se libertar por rompimento violento, que termina em remorso partilhado pela personagem e seu duplo.

Mulher no espelho

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O final do século XX assistiu, portanto, ao reconhecimento institucional da literatura de autoria feminina como objeto legítimo de pesquisa.

Ao pesquisador de literatura de hoje, resta fazer com que essas vozes outras sejam ouvidas não apenas nos limites da academia, mas também nas salas de aula, como forma de questionar as ideologias hegemônicas.

Crítica feminina

De acordo com Elaine Showalter, o trabalho coletivo de algumas escritoras apresenta uma recorrência, de geração para geração, de temas, padrões, problemas e imagens. De acordo com a ensaísta, as mulheres construíram sua tradição literária.

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Autoria feminina

“Você queria que seu pai morresse, para ficar livre daquela pressão. Era natural

pensar que ele morreria era o mesmo que desejar a sua morte. Você não percebe?”

(CUNHA 1983, p. 39)

-Revolta e submissão.

“ A voz da minha mãe perguntando a meu pai se já podia tirar o jantar. A voz do meu pai chamando minha mãe. Não escuto o que eles dizem, falando baixo no quarto, Eles falam. Eles falavam. Eles riem. Eles sorriam. Eu choro baixinho. Eu me impaciento quando eu chamo meu marido e meus filhos e eles não vêm. Eu me impaciento quando deixam os sapatos espalhados pela casa.” (CUNHA 1983, p.15)

- Mistura de vozes/ manutenção de um único tempo verbal.

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“ Agora estamos paradas, uma olhando para a outra, os pés roídos de ratos. Os espelhos multiplicam as imagens até o infinito. Mas nosso remorso nos une. Meu rosto no espelho é o dela. Ela sou eu. Eu sou ela” .

No final os espelhos se rompem metaforizando o reencontro da própria personalidade e da identidade feminina da protagonista.

Autoria feminina

A identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada” (HALL, 2011, p. 38).

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Surgida na década de 1970, no bojo do feminismo, a crítica feminista toma como perspectiva a alteridade e a diferença para contestar o essencialismo, a homogeneização e o universalismo promovidos pela ideologia patriarcal que se estendia ao cânone literário.

A historicização da produção literária constitui uma resistência à ideologia do homem ocidental, branco e de classe média/alta.

Autoria feminina

Assim como a cultura é protagonista na construção do discurso hegemônico, ela também tem papel essencial na elaboração do conceito de gênero e na produção de estereótipos e preconceitos a respeito da associação do feminino com fragilidade e submissão (BUTLER, 2003, p.26).

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Por muito tempo, as mulheres estiveram à margem da produção literária. A postura crítica discriminadora de alguns, como a de João do Rio, no artigo Feminismo ativo, revela que o cânone é marcada pelo rejeição à diferença:

Autoria feminina

Assim como a cultura é protagonista na construção do discurso hegemônico, ela também tem papel essencial na elaboração do conceito de gênero e na produção de estereótipos e preconceitos a respeito da associação do feminino com fragilidade e submissão (BUTLER, 2003, p.26).

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A crítica, as visadas, as reflexões, reestruturações, redimensionamentos, desconstruções e reposicionamentos de lugares de mulheres e homens (via personagens) são melhor ou mais profundamente discutidos/abordados na escrita de autoria feminina, uma vez que a posição de mulher escritora, histórica e culturalmente, era alocada na posição de outro, frente ao masculino, quanto aos temas: os homens, que milenarmente dominaram os espaços públicos, falavam em sua escrita dos universos das conquistas, dos sujeitos sujeitados e oprimidos pelo poder dominante (o seu); já as mulheres, só podiam falar/escrever do seu cotidiano, das angústias vividas, da maternidade, da prisão do corpo, da rebeldia interna e da conformação social, uma vez que foram dominadas nas esferas do privado, do lar, em razão de não terem acesso a outros espaços afora esses (SILVA, 2010, p. 38)

Autoria feminina

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Mulher no espelho permanece sendo sua obra mais polemizada pelo choque que causaram sua linguagem rasgada e o comportamento quase debochado da protagonista, ainda hoje considerado, por muitos, como inadequado para uma mulher.

Apresenta um foco narrativo múltiplo, além de não possuir

um único narrador ao longo da história. Predomina, no entanto, o foco

narrativo em primeira pessoa.

Existem três figuras que participam do processo de gênese literária: a personagem, a mulher que escreve e a autora. É bom lembrar que a autora é apenas referida no decorrer da narrativa, não chegando, portanto, a ser um personagem inserido na trama. A história surge do enfrentamento entre personagem e mulher que escreve.

Aspectos Estruturais

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“Sozinha no quarto, lá dentro do espelho, eu e eu, gesto de me ver. Eu? Ela? Charmosa e bonita nos sensuais vestidos impedidos, nos vedados sapatos de vedete, os saltos muito altos, a tira de couro em volta da perna Quem é? Quem sou? (...) Sozinha no quarto, não estou sozinha. Estou muitas. Por alguns instantes, me atiro para fora do circulo onde me fecho. Me fecharam.” (CUNHA, 1983. p. 15)

A mulher poeta é uma monstruosidade moral e literária, da mesma forma que um soberano mulher é uma monstruosidade política(PERROT, 2007, p.93).

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O enredo é não linear, e é marcado por constantes digressões e "flashbacks".

O tempo é predominantemente psicológico.

Embora haja a especificação do espaço físico (cidade de Salvador, especialmente bairros do Rio Vermelho e da Vitória), o predomínio ainda é o do espaço psicológico.

A fragmentação dos períodos e o uso de frases nominais é uma marca do estilo da obra.

Aspectos Especiais

- Presença do discurso livre indireto e do fluxo de consciência. - Uso da metalinguagem e da conversa com o leitor.- Presença de monólogos interiores.- A presença do tom lírico-poético em certas partes do romance.

Aspectos Temáticos

- Questionamento metafísico.- A presença da cor local baiana.- A identidade feminina e a condição da mulher na sociedade.- O próprio processo de criação artística

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“O pluralismo linguístico e o consequente diálogo contínuo de linguagens é o que define o romance como gênero inacabado, pois no romance não há uma palavra final, mas o diálogo contínuo de vozes sociais, manifestando, na literatura, as contradições e as divergências de pontos de vista existentes na sociedade”

Bakhtin. M. Questões de literatura e estática: a teoria do romance. São Paulo: Huicitec 1990.

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A crítica feminista é profundamente política na medida em que trabalha no sentido de interferir na ordem social. Trata-se de um modo de ler a literatura confessadamente empenhado, voltado para a desconstrução do caráter discriminatório das ideologias de gênero, construídas ao longo do tempo, pela cultura. (ZOLIN, 2005, p. 182)

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Finalizando....

A ficção produzida pelas escritoras se tornaria o espaço por excelência para as discussões sobre os interditos sociais impostos às mulheres, assumidos de forma conflituosa, na prosa, pela voz da personagem, assim como na poesia, pela voz poética.O espaço da escrita se tornou um meio de libertação. Nele, ela pode transgredir a lei, expor o desejo ou desabafar o sofrimento de opressão.

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BRANCO, Lúcia Castello. O que é escrita feminina. 1ª edição. Coleção Primeiros passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

TELLES. Norma. Escritoras, escritas e escrituras. In História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto 2004. (org. Mary Del Priore)

 

CHIAPPINI, L. BESCIANI. M. Literatura e cultura no Brasil – identidades e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2002.

 

CUNHA. Helena Parente. Mulher no espelho: Santa Catarina: FCC Edições, 1983.

ZOLIN, Lúcia Osana. Crítica feminista. In – Teoria Literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana (Org.). 3. ed. Maringá: EDUEM, 2009. p. 217-242.

Referências

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BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: 2. A experiência vivida. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DPEA, 2011.

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

ZOLIN, Lúcia Osana. Literatura de autoria feminina. In: BONNICI, Thomas. ZOLIN, Lúcia Osana. (orgs.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 3 ed. Maringá, PR: EDUEN, 2009.

Referências

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