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INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
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APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS E PRÁTICA ESCOLAR:
REPRESENTAÇÕES DE UMA PROFESSORA
Márcia Aparecida Silva*
RESUMO: Pensar o processo de ensino e aprendizagem atualmente demanda refletir sobre a inserção de
tecnologias nas aulas, isso porque as tecnologias, tais como: celular, tablet, Ipad, estão presentes na
grande maioria dos lugares. A pesquisa de Costa (2013) revela o quanto o celular pode colaborar para
com as aulas. Dessa maneira, neste trabalho, tenho como objetivo pesquisar as práticas pedagógicas de
uma professora de língua inglesa, no que se refere a inserção de tecnologias digitais nas aulas
presenciais. Para isso, pesquisei e analisei suas representações (BRONCKART, 2012[1997]) sobre
ensinar e aprender línguas usando tecnologias digitais. Para realizar a pesquisa embasei-me em Moran
(2015) que discute o ensino híbrido, um modelo de aprendizagem presencial mesclada com a online. Os
resultados revelaram que a inserção de tecnologias digitais colabora bastante para com a aprendizagem
dos alunos e que o professor precisa refletir sobre suas práticas pedagógicas para que a tecnologia não
seja apenas uma transposição das aulas tradicionais.
ABSTRACT: Thinking about the current learning and teaching process demands to reflect upon the
integration of digital technologies in the classes.That is because the technologies, such ascell phone,
tablet, IPad, are in almost all the places. Costa’s (2013) research shows how usingcell phonesin class
can collaborate a lot with the learning process. Thus, in this work, I aim to research the pedagogical
practices of an English language teacher related to the integration of the digital technologies in classes.
To do so, I researched and analyzed her representations (BRONCKART, 2012[1997]) about teaching and
learning languages through digital technologies. To accomplish the research, I based on Moran (2015)
who discusses blended learning, a learning model that mixes face-to-face and online classes. The results
show that using digital technologies in class collaborates a lot with the students learning and that the
teacher needs to reflect upon his pedagogical practices, so the technology does not become just a
transposition of traditional classes.
PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem de línguas, ensino híbrido, práticas escolares
KEYWORDS: Language learning, Blended learning, school practices
INTRODUÇÃO
As pesquisas que envolvem ferramentas digitais no processo de aprendizagem têm
crescido bastante (LIMA, 2012; MORAN, 2015). Em uma sociedade cada vez mais
digital, faz-se necessário pensar a aprendizagem de uma forma mais tecnológica
também. Contudo, apesar de haver muitas pesquisas e de vários professores inserirem
tecnologias em suas aulas, a utilização de tais tecnologias ainda não ganhou espaço no
ambiente escolar, no sentido de uma exploração pedagógica acentuada que muitas
ferramentas digitais têm a oferecer. Para Prensky, (2010), usar tecnologias apenas como
suporte para as aulas expositivas é um erro e não traz nenhum benefício para o processo
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de aprendizagem dos alunos. Para que “a tecnologia tenha efeito positivo no
aprendizado, os professores precisam primeiro mudar o jeito de dar aula” (PRENSKY,
2010, s/p).
Dessa forma, pensar a inserção de tecnologias em sala de aula com o intuito de
colaborar para com a aprendizagem dos alunos demanda refletir em mudança, tanto no
papel do aluno quanto do professor, e também no sistema de ensino como um todo.
Usar tecnologias possibilita ao aluno uma maior autonomia, pois ele busca, pesquisa,
interage com outros alunos, construindo seu conhecimento, sem depender tanto do
professor.
Segundo Bacich, Neto e Trevisan (2015, p. 51), essa inserção do online no presencial
colabora para que o professor personalize o ensino, pois leva em consideração aspectos
como o “ritmo, o tempo o lugar e o modo como aprendem.” Com isso, em uma
sociedade mais e mais tecnológica, a inserção de ferramentas no cotidiano dos alunos
nos parece ser possível e necessário.
Essa mistura de presencial e online é chamada de ensino híbrido, segundo Moran
(2015), e traz vários benefícios para o processo de aprendizagem dos alunos. O autor
afirma que “o ensino é híbrido porque somos aprendizes e mestres consumidores e
produtores de conhecimentos.” (MORAN, 2015, p. 28) Nessa linha de pensamento, o
aluno também é responsável por construir seu conhecimento, não dependendo apenas do
professor.
Com isso, para pensar a inserção de tecnologias em sala de aula presencial, neste
trabalho, objetivo discutir as representações de uma professora do ensino superior que
ministra aulas de inglês instrumental no curso de Relações Internacionais em uma
universidade pública, e discutir também, quais as possíveis decorrências dessas
representações para as práticas educativas dessa professora no que se refere a
aprendizagem da língua inglesa. Para tanto, em um primeiro momento, exporei algumas
reflexões sobre a aprendizagem de línguas e o ensino híbrido e, depois, discutirei as
representações da professora e algumas ferramentas inseridas por ela em suas aulas.
Antes de iniciar a exposição proposta acima, explico o que compreendo como
representações. Segundo Celani e Magalhães (2002), as representações se relacionam,
influenciando e sendo influenciadas por aspectos culturais, políticos, ideológicos. Dessa
forma, toda essa conjuntura irá contribuir para as verdades que serão proferidas em dado
momento. As autoras definem representação como uma
cadeia de significações, construídas nas constantes negociações entre os
participantes da interação e as significações, as expectativas, as intenções, os
valores e as crenças referentes a: a) teorias do mundo físico; b) normas,
valores e símbolos do mundo social; c) expectativas do agente sobre si
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mesmo como ator em um contexto particular (CELANI e MAGALHÃES,
2002, p. 321).
É possível notar, então, que as representações são individuais e sociais ao mesmo
tempo, se entrelaçando e nos constituindo discursiva e ideologicamente. Bronckart
(2012[1997]), que teoriza sobre o sociointeracionismo discursivo, salienta que as
representações são percebidas e apreendidas pela linguagem e são passadas de geração
em geração. Desse modo, a linguagem pode ser compreendida como uma atividade, um
modo de revelar as representações dos indivíduos.
Conforme Bronckart (2012[1997]), as categorias proporcionadas pelo
sociointeracionismo discursivo levam em consideração a infraestrutura geral do texto,
os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos. Lousada e Barricelli
(2014, p. 232) afirmam que “essa distinção é puramente didática, também, já que, na
prática, os três níveis se apresentam em constante interação.”
Bronckart (2012[1997]) argumenta que a infraestrutura do texto se refere a sua
organização, aos temas encontrados e ao gênero utilizado. Os mecanismos de
textualização se referem ao aspecto linguístico do texto como conexão, coesão e
coerência. O último mecanismo, em que ocorre a análise semântica, se refere aos
protagonistas do texto e podem ser percebidos por: “verbos de ação e seus respectivos
agentes [...], nominalizações [...]e seus respectivos complementos, para, desse modo,
identificar os protagonistas postos em cena no texto de forma explícita ou implícita e os
diferentes papeis que lhes são atribuídos” (LOUSADA E BARRICELLI, 2014, p. 233).
Passo, nesse momento, à exposição da teoria que embasa a pesquisa.
1 APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS E ENSINO HÍBRIDO
Falar em tecnologias digitais em ambiente de aprendizagem presencial implica pensar
em um ensino que seja híbrido, que mescle duas modalidades de ensino: presencial e
online. Essa modalidade de ensino híbrido, mesclado, segundo Moran (2015), é um
reflexo de uma sociedade que também é híbrida, na qual as pessoas estão em um entre
lugar, movente, vivendo um embate entre posicionamentos e ações.
Essa hibridização vivida pela sociedade se reflete também no processo de ensino e
aprendizagem de línguas. Isso porque o que planejamos, como professores, e o que de
fato ocorre em sala de aula nem sempre são compatíveis. Moran (2015) defende que
devemos sair de um modelo tradicional de aprendizagem, no qual o professor tem o
papel exclusivo de ensinar e o aluno o papel de aprender, com funções pedagógicas bem
definidas.
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Na atualidade, tanto o professor quanto o aluno ensinam e aprendem ao mesmo tempo,
os papéis não são mais tão marcados. O professor está perdendo seu papel de único
detentor e transmissor do conhecimento, e está recebendo outro, o de mediador da
aprendizagem. Seu objetivo em sala de aula seria o de guiar, orientar os alunos para que
estes consigam construir seu próprio conhecimento, fornecendo a eles ferramentas para
que aprendam a ser críticos e independentes.
Nesse cenário atual de educação, em que há uma demanda pelo uso de tecnologias
digitais, inclusive pelos documentos oficiais, o ensino híbrido se torna relevante e ganha
espaço. O ensino híbrido, por compreender um espaço presencial e um espaço online,
incentiva o aluno a buscar, compartilhar conhecimento, e possibilita também uma maior
autonomia e responsabilidade, porque o aluno compreende que sua aprendizagem
depende em grande parte, dele também.
Warschauer (1996) realizou uma pesquisa em um curso híbrido, no qual o autor, para
observar as possibilidades desse modelo, comparou a participação dos alunos em
momentos distintos: o presencial e o online. Em suas análises, Warschauer (1996)
descobriu que, nas discussões online, houve uma participação mais igualitária dos
estudantes. Para realizar sua pesquisa, Warschauer (1996) comparou e calculou o
quanto cada aluno, dos dois grupos, participou das interações. Um ponto interessante
que as análises revelaram foi que a linguagem utilizada pelos alunos no ambiente online
foi mais formal que a usada em ambiente presencial, em termos de léxico e sintaxe, o
que demonstra um ponto positivo da metodologia híbrida.
MORAN (2015, p. 39), sobre a aprendizagem nesse contexto,pontua que
Essa mescla entre sala de aula e ambiente virtuais é fundamental para abrir a
escola para o mundo e também trazer o mundo para dentro da instituição.
Outra mescla ou blendedé aquela entre processos de comunicação mais
planejados, organizados e formais e outros mais abertos, como os que
acontecem nas redes sociais, em que há uma linguagem mais familiar, maior
espontaneidade e fluência constante de imagens, ideias e vídeos.
As redes sociais pode ser compreendidas como espaços online em que as pessoas
interagem umas com as outras e compartilham momentos, posicionamentos, etc.
Recuero (2016, p. 17) afirma que as redes sociais são espaços públicos em que os
“discursos emergem, se difundem e são legitimados”. A autora pontua que esse espaço é
híbrido e que as interações ficam armazenadas e que uma quantidade enorme de gêneros
podem ser inseridos.
Bacich, Neto e Trevisani (2015, p. 50) sobre o uso de tecnologias digitais em sala
ponderam que seu uso modifica “o ambiente no qual estão inseridas, transformando e
criando novas relações entre os envolvidos no processo de aprendizagem: professor,
estudantes e conteúdos”. Essas transformações ainda estão em andamento, os papéis de
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aluno e professor estão passando por modificações profundas e ainda não é possível
saber até onde a mudança irá afetar o sistema de ensino. O que se sabe é que não há
nenhuma possibilidade de se continuar ensinando nos moldes tradicionais, tentando
ignorar todas as mudanças que estão ocorrendo.
Warschauer (1996) argumenta que a inserção das tecnologias digitais em sala de aula
traz muitos benefícios, tais como pontos de discussão e interação entre os alunos, maior
independência do aluno, conscientização do aluno do seu papel em sua própria
aprendizagem. Todos esses benefícios rompem com um ensino tido como tradicional.
Em outra pesquisa sobre o mesmo tema, Warschauer (2007, p. 48) enfatiza a relevância
do papel do professor no ensino tecnológico de línguas afirmando que “as novas
tecnologias não substituem a necessidade de uma orientação humana forte, mas, de fato,
amplifica o papel de tal orientação1”. Além disso, apesar de aprender também fora da
escola, em contextos informais, como redes sociais, há “um fortalecimento do papel da
educação formal e um aumento da competitividade da sociedade e da economia2”
(WARSCHAUER, 2007, p. 48).
Dessa maneira, a partir do que foi exposto, as tecnologias têm muito a contribuir para
com o processo de aprendizagem dos alunos. Perceber as representações de professores
sobre tal uso é relevante no sentido de que a depender de quais sejam as representações,
as ações em sala de aula serão favoráveis (ou não) ao uso de tecnologias digitais como
práticas educativas.
Passo, nesse momento, à descrição da metodologia da pesquisa.
2 METODOLOGIA DA PESQUISA
Para realizar essa pesquisa, embasei-me na metodologia de estudos de caso, por se tratar
de um contexto de aprendizagem específico, no qual pesquisei as representações de
professora de língua inglesa que insere ferramentas digitais em suas aulas para ensinar.
Nas pesquisas em estudos de caso, apesar de o pesquisador estar interessado em um
ponto específico, nada impede que “ele esteja atento ao seu contexto e às suas inter-
relações como um todo orgânico, e à sua dinâmica como um processo, uma unidade de
ação” (ANDRÉ, 2008, p. 31).
O instrumento indicado para perceber as representações é a entrevista semiestruturada.
Segundo Rizziniet al (1999), a entrevista é mais abrangente que o questionário, fato que
1Minha tradução para: New technologies do not replace the need for strong human mentorship, but,
indeed, amplify the role of such mentorship. (WARSCHAUER, 2007, p. 48) 2 Minha tradução de: strengthens the role of formal schooling in an increasingly competitive society and
economy. (WARSCHAUER, 2007, p. 48)
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possibilita um melhor diálogo entre o pesquisador e o entrevistado. Além desse diálogo,
quando o entrevistado discorre sobre o assunto, há mais possibilidade de percebermos
suas representações do que em questionários fechados.
Dessa maneira, para coleta de dados, a participante, que escolheu ser chamada de
Amanda, respondeu uma entrevista sobre a inserção de tecnologias em sala de aula de
línguas. Além da entrevista, os dados da pesquisa serão compostos por atividades
realizadas nos ambientes online de aprendizagem. Todos esses dados foram cruzados
para que se pudesse mapear as representações e as decorrências para a aprendizagem
dos alunos.
Passo, nesse momento, à análise dos dados.
3 REPRESENTAÇÕES SOBRE TECNOLOGIAS DIGITAIS E APRENDIZAGEM
DE LÍNGUAS
Para refletir sobre as representações, insiro nas análises prints dos espaços online:
Google Drive e Facebook, em que seja possível observar as possíveis decorrências para
o processo de aprender línguas a partir das representações mapeadas. Ressalto que todas
as imagens foram retiradas do grupo fechado da disciplina inglês instrumental,
hospedado no Facebook e do espaço no Google Drive. Contudo, por uma questão ética,
não serão revelados os links para tais espaços para que a participante e seus alunos não
sejam expostos.
Para uma melhor visualização dos dados, construí um quadro, em que selecionei trechos
nos quais fosse possível observar as representações de Amanda sobre a inserção de
tecnologias digitais na aprendizagem de línguas. Foram mapeadas, a partir da entrevista
e da narrativa, quatro representações, sendo que a maioria delas reflete o papel do
professor em sala, revelando a necessidade de reflexão e mudança sobre tal papel.
Quadro: Representações de Amanda sobre tecnologia digital e aprendizagem de
línguas
Representações Exemplos de fala
A tecnologia
otimiza o tempo em sala de
Como uma maneira em que se justifica o
uso da tecnologia (+) eu acho que se for pra otimizar
alguma coisa, é:::, ou possibilitar uma outra maneira
de trabalhar. (Entrevista)
Eu uso google drive com eles porque eu
acho que otimiza nossa sala, eu uso Facebook também.
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aula (Entrevista)
Eu acho que o Facebook de alguma forma é
um lugar onde eles estão, mas eu acho que vai otimizar
a nossa interação, a dinâmica da sala de aula. Eu acho
que auxiliou a dinâmica da sala de aula (entrevista)
O professor
precisa de justificativa para
usar tecnologias digitais
em sala de aula
Então, eu acho que justifica, não é só pra eu
falar assim’, não gente, vamos usar o google drive
porque é uma coisa legal,’ né’’ (Entrevista)
Eu acho que o professor tem que ter o
cuidado de ter um plano A, B ou C, sempre, isso
independente dele estar usando tecnologia antiga,
papel, quadro, como ele estar utilizando tecnologia
nova. (Entrevista)
[...] tem muito professor que fala assim, ah,
mas depois dá errado. Mas, quer dizer, dá errado
porque tem muito professor que evita utilizar a
tecnologia com medo de dar errado, mas pensa,
gente’’, mas se eu preparar qualquer outra coisa eu
também vou ter que ter plano B. (Entrevista)
Eu acho que tecnologia limita um pouco no
sentido assim, é :::pode limitar se você não se prepara
bem, né’’ é::: eu acho que pode limitar também, no
ambiente onde o aluno não tem acesso à tecnologia,
então isso você tem que pensar bem. (Entrevista)
É preciso
refletir sobre a inserção das
tecnologias em sala de
aula.
Então, eu vejo assim, eu acho que o uso, a
gente tem que pensar muito bem em como utilizar a
tecnologia, mas, e pensar assim, o que que justifica o
uso dessa tecnologia ali? É usar a tecnologia só porque
é legal? Não, não é por ai. É só usar porque os alunos
gostam de utilizar tecnologia? Também eu acho que
não é por ai, eu acho que justifica se for pra fazer
alguma que, de outra forma, eles não fariam.
(Entrevista)
A tecnologia
abre possibilidades para o
professor
Eu acho que não limita o professor de
forma alguma, assim, em relação ao trabalho dele acho
que não, eu acho que abre possibilidades. (Entrevista)
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Em sua entrevista, Amanda enuncia que está sempre estudando para se atualizar e da
necessidade do professor preparar bem as aulas. Aqui, percebo que Amanda é uma
professora que tenta buscar outras formas de ensinar, o que pode gerar reflexão sobre
suas ações. De acordo com Celani e Magalhães (2002), as representações são
influenciadas e constituídas por aspectos culturais, políticos e materiais. Assim, no
momento em que Amanda se insere em um contexto social (mundo social) no qual a
tecnologia tem um papel relevante no contexto escolar, ela tem possibilidades de refletir
sobre suas representações. O contexto, nessa perspectiva, possui relevância para a
reflexão sobre as representações, pois permite problematizar práticas estabilizadas.
Amanda, sobre sua relação com a inserção de tecnologias em suas aulas, pontua que:
Quando eu comecei a trabalhar com tecnologia, [...] eu estava preocupada em
motivar os meus alunos, então eu via muito a inserção de tecnologia em sala
de aula como um fator de motivação. Ai, a medida em que eu fui
estudando, estudando, estudando, eu comecei a ver a inserção da
tecnologia de uma outra forma. (Entrevista)
Por meio do excerto, nota-se a trajetória acadêmica de Amanda, no início de sua
docência, ela possui a representação de que a tecnologia servia para motivar as aulas,
deixar os alunos mais interessados. Depois, à medida que continuou seus estudos e suas
experiências com as tecnologias em sala de aula, passou a vê-las e, consequentemente, a
utilizá-las de outra forma.
É possível pensar que houve uma mudança nas representações de Amanda sobre o uso
de tecnologias em sala de aula, pois ela afirma que, depois de estudar muito, começou a
ver a inserção da tecnologia de uma outra forma. Entretanto, quando Amanda justifica
o seu uso de tecnologia em sala de aula, ela afirma que a tecnologia não deve ser usada
porque é legal ou porque os alunos gostam. Ela afirma: eu acho que justifica se for pra
fazer alguma que, de outra forma, eles não fariam. (Amanda-entrevista).
A partir desse enunciado de Amanda é possível entrever que Amanda se contradiz e que
ela ainda possui a mesma representação de antes, a tecnologia como motivadora para as
aulas. Isso porque ela utiliza a tecnologia para motivar os alunos a fazerem as atividades
que ela propõe. Acredito haver uma tentativa de ressignificação, de reflexão sobre as
práticas pedagógicas, contudo, mudar representações não é algo fácil ou tranquilo, pois
demanda mudar toda uma constituição.
Sobre essa mudança de práticas pedagógicas, Fidalgo (2002) afirma não ser nada fácil.
Em sua pesquisa, a autora resistiu muito tempo em modificar suas práticas, ela
conseguia refletir sobre suas ações, mas mudar provou-se mais difícil (FIDALGO,
2002, p. 140). Posso afirmar, então, que Amanda reflete sobre o uso de tecnologia em
suas aulas e a vê como fator motivacional, um incentivo para que os alunos se
interessem pelas aulas.
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Durante sua narrativa e na entrevista, ficou evidente que Amanda reflete sobre suas
aulas, há um desejo de pensar outras formas de o aluno aprender, questionando todo um
sistema de ensino tradicionalista. Por intermédio do quadro com os excertos, noto que,
para Amanda, o professor tem um papel relevante para o sucesso ou fracasso da
inserção de tecnologias digitais na sala de aula. Contudo, segundo Amanda, esse papel
não é novo, algo muito diferente daquilo que o professor já deveria fazer em sua prática
pedagógica.
Amanda tem a representação de que o professor precisa ter uma justificativa para usar
tecnologias digitais em sala de aula; essa representação pode ser confirmada quando
Amanda fala da necessidade de o professor ter um plano A, B e C. Ou seja,
independentemente de ele usar tecnologia digital ou não, ele precisa ir para a sala de
aula preparado para eventualidades. A não preparação do professor pode ser um fator
limitador, contudo, é fator limitador em qualquer contexto de ensino, com ou sem o uso
de tecnologias.
Sobre a preparação do professor, Prensky (2010, p. 204) discute que, para que a
tecnologia seja inserida de maneira eficaz em sala de aula, devemos “trabalhar com
nossos professores e convencê-los – por mais difícil que isso possa ser em alguns casos
– a pararem de palestrar e a começarem a permitir que seus alunos aprendam por si
mesmos.” Para o autor, esse é um ponto chave: permitir que os alunos aprendam por si
mesmos, tendo o professor como guia do processo. Isso demanda uma preparação das
aulas, para que a tecnologia não seja apenas um enfeite. E mais, demanda que o
professor dê mais espaço ao aluno, dê a ele autonomia para que aprenda por si mesmo.
A necessidade de preparação do professor para as aulas se aproxima da representação de
Amanda de que é preciso refletir sobre a inserção das tecnologias em sala de aula.
Para Amanda, utilizar a tecnologia só porque os alunos gostam ou porque está na moda
não traz benefícios para a aprendizagem, é preciso mais do que isso. Segundo a
participante, é preciso outros benefícios para o aluno. Ao justificar seu uso da
tecnologia, a participante parece usá-la como fator motivacional, durante a entrevista,
ela afirma que a tecnologia vai além do papel, mas as atividades propostas por ela
podem ser desenvolvidas sem a tecnologia e ter resultados positivos. Prensky (2010)
pontua que a tecnologia colabora para que o aluno aprenda por si mesmo, tornando-se
autônomo. O professor é um guia nesse espaço, ele media a aprendizagem.
A representação de Amanda sobre o uso da tecnologia como um fator que otimiza o
espaço de sala de aula é interessante porque vai de encontro ao que a maioria dos
professores pensam sobre o uso da tecnologia: ela pode atrapalhar a dinâmica de sala de
aula, atrasando ou dispersando os alunos. No contexto pedagógico da participante, a
inserção da tecnologia parece ter um aspecto positivo, dinamizando o espaço. Durante a
entrevista Amanda afirma: eu acho que vai otimizar a nossa interação, a dinâmica de
sala de aula. Eu acho que auxiliou a dinâmica de sala de aula.
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Na imagem a seguir, observa-se as decorrências dessa representação para a
aprendizagem dos alunos. As representações do professor têm influência direta em suas
práticas em sala de aula. Nesse caso específico, as representações de Amanda sobre a
inserção de tecnologias nas aulas parece otimizar o tempo e o espaço, e motivar os
alunos. Segundo Bacich, Neto e Trevisan (2015, p. 51), esse modelo de ensino que
mistura o presencial e o online colabora para que o professor personalize a
aprendizagem, pois leva em consideração aspectos como o ritmo, o tempo o lugar e o
modo como aprendem.
As atividades da imagem se encontram no google docs, espaço construído pela
professora para que os alunos possam postar todas as atividades realizadas, e a
professora postar as notas e as datas das atividades. Dessa forma, se o aluno falta a uma
aula, ele não se sente perdido, é só olhar nas atividades realizadas para saber o que deve
fazer. O google docs funciona como um repositório. O uso desse espaço online otimiza
o tempo de aula no sentido de facilitar o trabalho do aluno e do professor, não há pilhas
de papeis a serem lidos e corrigidos, tudo está online e ao acesso de todos.
Posso afirmar, então, que a representação de que a tecnologia otimiza o espaço de sala
de aula tem decorrências positivas para o processo de ensino e aprendizagem. Essa
afirmação também pode ser observada quando Amanda menciona que criou um grupo
secreto na rede social Facebook, que utiliza para manter interações entre os alunos e
para enviar lembretes, como pode ver a seguir:
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A interação entre os alunos nesse espaço de rede social ocorre quase sempre sem a
interferência direta da professora, e na língua que estão aprendendo. A partir da
imagem, é possível notar que a rede social tem um papel relevante para as aulas, não só
para recados entre os alunos ou entre a professora e os alunos, mas também, para
compartilhar links para que os alunos saibam onde hospedar as atividades, caso se
sintam perdidos, ou mesmo para otimizar o tempo de construção da atividade.
As redes sociais, de acordo com Recuero (2016), são espaços híbridos, por
possibilitarem a inserção de diferentes gêneros. Além disso, as interações ficam
armazenadas, o que facilita o acesso e a busca por temas específicos pelos usuários. No
momento em que Amanda insere o Facebook nas aulas, ela compreende que os alunos
poderão trazer informações novas, o que sem dúvida, enriquece a aprendizagem: eu
acho que auxiliou a dinâmica de sala de aula (Amanda-entrevista).
É possível afirmar, com base nos enunciados de Amanda e no mapeamento de suas
representações, que a inserção de tecnologias digitais no processo de ensino e
aprendizagem de línguas é promissor. Essa inserção não demanda do professor algo fora
de sua realidade, mas sim, uma preparação clara das aulas, com objetivos de
aprendizagem específicos, o que já é esperado do professor. Com relação ao manuseio
das ferramentas, corroboro com Prensky (2010), de que o professor não precisa ser um
expert em computação, ele é o professor que irá fornecer ao aluno o contexto necessário
para a realização da atividade. Esse papel de expert é dos alunos e eles, provavelmente,
saberão o que fazer quando forem demandados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para realizar essa pesquisa, propus como objetivos mapear as representações de uma
professora de língua inglesa sobre ensinar usando tecnologias e as possíveis
decorrências dessas representações para a aprendizagem dos alunos. Foi possível
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mapear quatro representações, todas relacionadas com o papel do professor em sala de
aula. Posso afirmar, com base nas representações, que o professor ainda está em
transição, ele não está inserido totalmente em um ambiente tecnológico, mas sente a
necessidade de estar nesse lugar.
É possível concluir que a inserção das tecnologias pode contribuir bastante para a
aprendizagem dos alunos, conforme pôde ser visto na análise, os alunos gostaram da
proposta e interagiram tanto com a professora quanto entre eles. Essa interação gera
uma aprendizagem compartilhada, em que ensinam e aprendem ao mesmo tempo. Além
disso, a aprendizagem se torna mais eficaz quando o aluno aprende a buscar, quando ele
compreende que não precisa esperar o professor, a tecnologia demanda autonomia do
aluno, o que só contribui para o seu amadurecimento acadêmico.
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* Professora do curso de Letras da Universidade Estadual de Goiás – UEG, campus Iporá.
Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia e doutoranda pela
mesma instituição.