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LNGUA PORTUGUESA E LINGUSTICA
Mdulo
Professora Dra. Maria Leda Pinto
Unidade Didtica Estudos da Lngua
Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
BookUniderp61LinguaPort.indb 1 11/11/09 7:13:44 PM
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3AULA
LNGUAS
Contenho vocao pra no saber lnguas cultas.
Sou capaz de entender as abelhas do que alemo.
Eu domino os instintos primitivos.
A nica lngua que estudei com fora foi a
portuguesa.
Estudei-a com fora para poder err-la ao dente.
A lngua dos ndios Guats murmura: como se
ao dentro de suas palavras corresse um rio entre
pedras.
A lngua dos Guaranis grrula: para eles muito
mais importante o rumor das palavras do que o
sentido que elas tenham.
Usam trinados at na dor.
Na lngua dos Guans h sempre uma sombra do
charco em que vivem.
Mas lngua matinal.
H nos seus termos rstias de um sol infantil.
Entendo ainda o idioma inconversvel das pedras.
aquele idioma que melhor abrange o silncio das
palavras.
Sei tambm a linguagem dos pssaros s cantar.
BARROS, M. Ensaios fotogrficos. Rio de Janeiro:
Record, 2000. p. 17, 18.
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Apresentao
Caro(a) acadmico(a) de Letras,
O homem sempre buscou o conhecimento, e essa busca no est ligada s curiosidade na-
tural do ser humano. A busca do conhecimento , para o homem, uma forma de domnio do
mundo, por isso procura explicar tudo o que existe. O conhecimento da linguagem uma des-
sas buscas. Segundo Orlandi (2003), a seduo que a linguagem exerce sobre o homem existe
desde sempre. Esse fascnio se expressa de vrias maneiras: pela literatura, pela religio, pela
filosofia... e por meio de diversos gneros textuais: poesia, mitos, histrias, lendas e tambm
polmicas muito antigas que revelam essa curiosidade pela linguagem.
Essa seduo contribuiu muito para o desenvolvimento da linguagem por meio dos tempos
e trouxe at ns um aspecto relevante que a pesquisa lingustica. Na Grcia antiga, os pensa-
dores j desenvolviam grandes debates para saber se os nomes imitam as coisas ou se so dados
por pura conveno. Temos tambm os hindus e seus sofisticados estudos da linguagem, movi-
dos pelo interesse religioso. Eles buscam: (...) estabelecer pela palavra uma ntima relao com
Deus (ORLANDI, 2003, p. 8, 9). Na Idade Mdia, os estudos lingusticos apresentam um mar-
co muito importante: os Modistae procuram construir uma teoria geral da linguagem, que tem
incio a partir da autonomia da gramtica com relao lgica. Segundo Orlandi (2003, p. 9),
essa teoria considera trs tipos de modalidades (modus) manifestados pela linguagem natural:
o modus essendi (de ser), o intelligendi (de pensamento) e o significandi (de significar).
So muitos os fatos que evidenciam essa curiosidade que os homens, em diferentes pocas,
tm demonstrado pelos estudos da linguagem, mas com a criao da lingustica que essa
seduo do ser humano torna-se cincia da linguagem. E, como podemos ver, a questo da
significao est presente como um dos pontos relevantes desses estudos.
A semntica a disciplina que vai estudar a significao e, muito embora seja estudada desde
os primrdios, considerada nova. Isso se deve, em parte, porque os estudiosos centraram sua
ateno inicialmente em reflexes sobre morfologia, fontica, fonologia e sintaxe, ficando o
estudo da significao, de certa forma, abandonado por um determinado tempo. Digo signifi-
cao porque o termo semntica s foi criado em 1883, por Michel Bral. Nas ltimas dcadas,
um estudo mais rigoroso sobre o significado e o sentido tem se evidenciado.
Em razo disso, caros(as) acadmicos(as), constitui-se um grande desafio adentrarmos nesse
estudo, especialmente porque, segundo Oliveira (2001, p. 17), definir o objeto de estudos da
semntica no uma tarefa fcil, tendo em vista que no h consenso entre os semanticistas
sobre o que se entende por significado. Esse desafio, porm, necessrio e relevante para os
estudos e o ensino-aprendizagem da lngua portuguesa e para a formao dos educadores que
trabalham e/ou iro trabalhar com a linguagem. Para tanto, selecionamos alguns pesquisadores
que iro fundamentar o nosso estudo.
Vamos juntos nessa caminhada?! Tenho certeza de que vocs esto prontos para mais esse
desafio.
Professora Dra. Maria Leda Pinto
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AULA
1CONTExTUALIzAO DA SEMNTICA
ContedoIntrodu o da lingustica geral
A semnt ica nesse contexto
Competncias e habilidadesCompre ender o contexto histrico da lingustica geral como a cincia da linguagem, as reas estudadas por essa cincia e sua importncia para os estudos da lngua portuguesaCompreender o lugar da semntica no contexto da lingustica geralReconhecer a importncia do estudo da significao como parte essencial da linguagemCompreender, a partir do estudo da significao, a semntica como a rea que trata do
significado e do sentido e a relevncia destes para os estudos da linguagem
Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade
Durao2 h-a via satlite com professor interativo2 h-a presenciais com professor local
4 h-a mnimo sugerido para autoestudo
LINGUSTICA BREVE INTRODUO1
A lingustica o estudo cientfico da lngua(gem).2
A palavra lingustica comeou a ser usada em me-
ados do sculo XIX para enfatizar a diferena en-
tre uma abordagem mais inovadora do estudo da
1 O ttulo original do texto Introduo. Acrescentamos/al-teramos por questes didticas para este livro. No entanto, o contedo foi reproduzido do livro: WEEDWOOD, Brbara. Histria concisa da Lingustica. Traduo de Marcos Bagno. 2. ed. So Paulo: Parbola Editorial, 2002.
2 Como o ingls s dispe da palavra language para se referir tanto linguagem (capacidade humana de se comunicar por meio da fala e da escrita) quanto lngua (sistema lingustico particular, idioma), traduziremos o termo ingls ora por ln-gua, ora por linguagem e, eventualmente, por lngua(gem), quando ambas as noes estiverem, a nosso ver, contempladas no discurso da autora (N. do T.).
lngua, que estava se desenvolvendo na poca, e a
abordagem mais tradicional da filologia. Hoje em
dia, comum fazer uma distino bem ntida en-
tre a lingustica como cincia autnoma, dotada de
princpios tericos e de metodologias investigativas
consistentes, e a gramtica tradicional, expresso
que engloba um espectro de atitudes e mtodos en-
contrados no perodo do estudo gramatical anterior
ao advento da cincia lingustica. A tradio, no
caso, tem mais de dois mil anos de idade, e inclui o
trabalho dos gramticos gregos e romanos da Anti-
guidade Clssica, os autores do Renascimento e os
gramticos prescritivistas do sculo XVIII. difcil
generalizar sobre uma variedade to ampla de abor-
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6Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
dagens, mas os linguistas em geral usam a expresso
gramtica tradicional um tanto pejorativamente,
identificando um exame no cientfico do fenme-
no gramatical, em que as lnguas eram analisadas
com referncia ao latim, com pouca ateno sendo
prestada aos fatos empricos. No entanto, muitas
noes bsicas usadas pelas abordagens modernas
podem ser encontradas naquelas obras muito anti-
gas, e hoje existe um renovado interesse pelo estu-
do da gramtica tradicional como parte da histria
das ideias lingusticas. A lingustica, tal como hoje
compreendida, inclui todos os tipos de exame dos
fenmenos da linguagem, inclusive os estudos gra-
maticais tradicionais e a filologia.
De fato, a distino entre lingustica e filologia
tinha ligao, no sculo XIX, e em grande medida
ainda tem, com questes de atitude, nfase e obje-
tivo. O fillogo se preocupa primordialmente com
o desenvolvimento histrico das lnguas tal como
se manifesta em textos escritos e no contexto da li-
teratura e da cultura associadas a eles. O linguista,
embora possa se interessar por textos escritos e pelo
desenvolvimento das lnguas por meio do tempo,
tende a priorizar as lnguas faladas e os problemas
de analis-las num dado perodo de tempo.
O campo da lingustica pode ser dividido por
meio de trs dicotomias:
(1) sincrnica vs. diacrnica;
(2) terica vs. aplicada;
(3) microlingustica vs. macrolingustica.
Figura 1 Microlingustica e macrolingustica.
Uma descrio sincrnica de uma lngua descre-
ve esta tal como existe em dada poca. Uma descri-
o diacrnica se preocupa com o desenvolvimento
histrico da lngua e com as mudanas estruturais
que nela ocorreram. Hoje em dia, no entanto, essas
duas abordagens esto cada vez mais em convergn-
cia, e muitos estudiosos at consideram impossvel
separar o sincrnico do diacrnico.
O objetivo da lingustica terica a construo
de uma teoria geral da estrutura da lngua ou de um
arcabouo terico geral para a descrio das lnguas.
O objetivo da lingustica aplicada , como diz o pr-
prio nome, a aplicao de descobertas e tcnicas do
estudo cientfico da lngua para fins prticos, espe-
cialmente a elaborao de mtodos aperfeioados
de ensino de lngua.
Os termos microlingustica e macrolingusti-
ca ainda no se estabeleceram definitivamente, e
de fato so usados aqui por pura convenincia. O
primeiro se refere a uma viso mais restrita e o se-
gundo, a uma viso mais ampliada do escopo da
lingustica. Pela viso da microlingustica, as lnguas
devem ser analisadas em si mesmas e sem referncia
a sua funo social, maneira como so adquiridas
pelas crianas, aos mecanismos psicolgicos que
subjazem produo e recepo da fala, funo
literria ou esttica ou comunicativa da lngua, e
assim por diante. Em contraste, a macrolingustica
abrange todos esses aspectos da linguagem.
Dentro da microlingustica, ento, poderamos
incluir os estudos que se preocupam com a lngua
em si: fontica e fonologia, sintaxe, morfologia, se-
mntica, lexicologia. comum a referncia a essas
reas de estudo como o ncleo duro da lingustica
(em referncia ao termo ingls hard-core). Repre-
sentam tambm boa parte do conjunto mais antigo
e tradicional de estudos da linguagem: basta ver que
boa parte da terminologia tcnica at hoje empre-
gada na microlingustica (substantivo, adjetivo, pre-
posio, verbo, pretrito, antnimo, pronome etc.)
remonta aos estudos lingusticos da Antiguidade
greco-romana.
Diversas reas dentro da macrolingustica tm
recebido reconhecimento na forma de nomes pr-
fonticafonologia
sintaxemorfologialexicologiasemntica
lingustica do texto
soci
olin
gus
tica
lingu
stic
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str
ica
pragmti
ca
anlise
da con
versa
o
psicolingustica
neurolingustica
anlise do discurso
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7AULA 1 Contextualizao da Semntica
prios: psicolingustica, sociolingustica, lingustica
antropolgica, dialetologia, lingustica matemtica
e computacional, estilstica etc. No se deve confun-
dir a macrolingustica com a lingustica aplicada. A
aplicao de mtodos e conceitos lingusticos ao en-
sino da lngua pode muito bem envolver outras dis-
ciplinas de um modo que a microlingustica desco-
nhece. Mas existe, em princpio, um aspecto terico
em cada parte da macrolingustica, tanto quanto da
microlingustica.
A especulao e investigao lingusticas, tal
como as conhecemos at hoje, foram levadas a cabo
somente num pequeno nmero de sociedades. Em-
bora as culturas mesopotmicas, chinesa e rabe te-
nham se preocupado com a gramtica, suas anlises
estiveram to entranhadas nas particularidades de
seus prprios idiomas e se mantiveram to desco-
nhecidas do mundo europeu at pouco tempo atrs,
que na prtica no tiveram impacto algum sobre a
tradio lingustica ocidental. A tradio lingusti-
ca e filolgica dos chineses remonta a (sic) mais de
dois mil anos, mas o interesse daqueles eruditos se
concentrava amplamente na fontica, na ortografia
e na lexicografia; sua considerao dos problemas
gramaticais estava estreitamente vinculada ao estu-
do da lgica.
Sem dvida, a tradio gramatical no oci-
dental mais interessante e mais original e inde-
pendente a da ndia, que remonta a (sic) pelo
menos 2.500 anos e que culmina com a gramtica
de Panini, do sculo V a.C., que analisava a lngua
sagrada da ndia, o snscrito. Foram trs os modos
principais de impacto da lngua snscrita sobre a
cincia lingustica moderna. To logo o snscrito
se tornou conhecido do mundo intelectual oci-
dental, ocorreu a ecloso incontida da gramtica
comparativa indo-europeia, e foram lanadas as
bases para todo o edifcio da filologia comparativa
e da lingustica histrica do sculo XIX. Mas, para
esse edifcio, o snscrito era simplesmente parte
dos dados; a doutrina gramatical indiana no de-
sempenhou papel influente direto algum. Os estu-
diosos do sculo XIX, porm, reconheceram que
a tradio de fontica da ndia antiga era ampla-
mente superior ao conhecimento ocidental nesse
campo, e isso teve importantes consequncias para
o crescimento da cincia fontica no Ocidente. Em
terceiro lugar, nas regras ou definies (sutras) de
Panini, existe uma descrio notavelmente refina-
da e penetrante da gramtica snscrita. A constru-
o de frases, nomes compostos e assim por dian-
te explicada por meio de regras ordenadas que
operam sobre estruturas subjacentes de maneira
espantosamente semelhante a diversos aspectos da
teoria lingustica contempornea. Como se pode
imaginar, esse perspicaz trabalho gramatical in-
diano suscitou grande fascnio na lingustica te-
rica do sculo XX. Um estudo da lgica indiana
vinculada gramtica de Panini com a lgica aris-
totlica e ocidental vinculada gramtica grega e
suas sucessoras poderia trazer descobertas ilumi-
nadoras.
Enquanto na China antiga praticamente no
se firmou um campo autnomo de estudo que
pudesse ser chamado de gramtica, na ndia
antiga uma verso sofisticada dessa disciplina se
desenvolveu bem cedo ao lado das demais cincias.
Muito embora o estudo da gramtica do snscrito
possa originalmente ter tido o objetivo prtico de
manter puros e intactos os textos sagrados dos
Vedas e seus comentrios, o estudo da gramtica
na ndia, no primeiro milnio antes de Cristo, j
tinha se tornado uma prtica intelectual em si
mesma (WEEDWOOD, Brbara. Histria concisa
da Lingustica. Traduo Marcos Bagno. 2. ed. So
Paulo (SP): Parbola Editorial, 2002.).
DIVISES DA LINGUSTICA
De modo geral, os linguistas apresentam uma di-
viso da lingustica em reas que so estudadas mais
ou menos de forma independente. As divises mais
comuns so:
Fontica compreende o estudo dos diferentes
sons empregados em linguagem.
Fonologia estuda os padres dos sons bsicos
de uma lngua.Morfologia o estudo da estrutura interna
das palavras.
BookUniderp61LinguaPort.indb 7 11/11/09 7:13:44 PM
8Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
Sintaxe compreende o estudo de como a lin-
guagem combina as palavras para formar fra-
ses gramaticais.
Semntica o estudo dos sentidos, do signifi-
cado das frases e das palavras no texto, podendo
ser, por exemplo, formal ou lexical, cognitiva.
Lexicologia o estudo do conjunto das pala-
vras de um idioma, ramo de estudo que contri-
bui para a lexicografia, rea de atuao dedica-
da elaborao de dicionrios, enciclopdias e
outras obras que descrevem o uso ou o sentido
do lxico.
Estilstica o estudo do estilo na linguagem.
Pragmtica compreende o estudo de como as
oralizaes so usadas (literalmente, figurati-
vamente ou de quaisquer outras maneiras) nos
atos comunicativos.
Filologia o estudo dos textos e das lingua-
gens antigas.
Nem todos os linguistas concordam que todas
essas divises tenham grande significado. A maior
parte dos linguistas cognitivos, por exemplo, acha,
provavelmente, que as categorias semntica e
pragmtica so arbitrrias, e quase todos concor-
dariam que essas divises se sobrepem considera-
velmente. Por exemplo, a diviso gramatical usual-
mente cobre fonologia, morfologia e sintaxe.
Ainda existem outros campos como os da lin-
gustica terica e da lingustica histrica (Texto Lin-
gustica. Disponvel em: . Acesso em:
27 mar. 2007. p. 3.).
A cincia constituda por Saussure apresenta qua-
tro disciplinas que compreendem quatro diferentes
nveis de anlise: fonologia (estudo das unidades
sonoras); sintaxe (estudo da estrutura das frases)
e morfologia (estudo da forma das palavras), que
juntas constituem a gramtica; e a semntica (estu-
do dos significados) (ORLANDI, 2003, p. 22).
A abordagem defendida pela autora considera a
semntica fora da constituio da gramtica, dife-
rentemente de outros autores que defendem ser a
o seu lugar.
Orlandi (2003, p. 27) apresenta os eixos para-
digmtico (substituio) e sintagmtico (combi-
nao), propostos por Saussure, como o suporte
da organizao geral da lngua. Afirma ainda que
essas relaes de substituio e combinao que
estruturam a lngua tornam mais satisfatria a
anlise das formas significantes (do nvel da fono-
logia e da sintaxe), mas pouco acrescentam an-
lise dos significados (nvel semntico). Esse um
limite que sempre vai perturbar o estruturalismo,
afirma a autora.
AtividadesInstrues
1. As atividades devero ser realizadas individu-
almente.
2. O professor local dever orientar os acadmi-
cos durante a resoluo das atividades.
3. As atividades devem ser corrigidas pelo pro-
fessor local e depositadas no Portflio do aca-
dmico.
ExercciosObserve o trecho de Ilari (2001. p. 78) sobre as
frases feitas para a resoluo das questes de 1 a 3.
Frases feitasCaracterizao geral
Chamamos de idiomticas as expresses com-
postas de diferentes palavras cujo sentido vale para
o todo, e no pode ser obtido pela montagem dos
sentidos das palavras que as compem. Por exem-
plo: rodar baiana ou armar o barraco, por bri-
IMPORTANTE !Ferdinand de Saussure considerado o pai
da lingustica moderna e ficou conhecido pela
obra pstuma Curso de Lingustica Geral, publi-
cado em 1916, e que possibilitou lingustica a
denominao de cincia. Saussure hoje refe-
rncia fundamental para as teorias lingusticas
atuais, estando sempre no centro das diferentes
reflexes.
BookUniderp61LinguaPort.indb 8 11/11/09 7:13:44 PM
9AULA 1 Contextualizao da Semntica
gar; roer a corda, por fugir; ou andar no mundo
da lua, por ser distrado etc.
O oposto das expresses idiomticas so as com-
posicionais; nessas, as palavras mantm seu sentido
corrente e so analisadas uma a uma, de modo que
possvel entender o sentido do todo como uma
composio ou montagem, a partir do sentido
das partes.
1. Algumas expresses idiomticas fazem refern-
cia a personagens cuja identidade se perdeu no
tempo. Mas no custa imaginar quem seriam
e como seriam essas personagens. Como que
voc imagina:
a) O Ona, do tempo do Ona.
b) A me Joana, de a casa da me Joana.
2. Muitas piadas tiram sua graa de uma confuso
feita entre interpretao formulaica e interpreta-
o composicional para a mesma expresso. Leia
as piadas a seguir e diga qual a expresso cujo du-
plo sentido est na base de suas interpretaes.
a) Seu Manuel era um marido exemplar, cari-
nhoso, incapaz de matar uma mosca. Um dia,
Maria precisou ir ao mercado e pediu ao bom
homem:
Manuel, meu amor, no tire os olhos do Ma-
nuelzinho enquanto vou ao mercado, certo?
Oh, Maria, voc sabe que eu no mato uma
mosca. Acha que teria a coragem de tirar os olhos
do meu prprio filho?
b) Certa mulher aguardava com seu marido o
diagnstico da doena dele. O mdico se apro-
xima dos dois com expresso austera e diz:
No estou gostando nada da cara dele.
Eu tambm no, mas ele muito bom para as
crianas.
c) Aula de catecismo.
Qual dos alunos sabe onde est Deus? Per-
guntou o professor.
No banheiro de casa! Responde Joozinho,
levantando o dedo.
No banheiro de sua casa, Joozinho???
sim, professor! Todos os dias a mame bate
na porta do banheiro e pergunta: Meu Deus, voc
ainda est a?
3. Por meio de um desenho, caricatura ou charge,
tente representar dois dos seguintes ditados:
a) As paredes tm ouvidos.
b) Escreveu, no leu, o pau comeu.
c) Falar pelos cotovelos.
Atividades de autoestudoLeia os textos Sobre semntica, da professora Dra.
Ana Maria T. Ibaos, e A semntica como disciplina
lingustica, do professor Eduardo Guimares, que
esto na galeria, e responda as questes que acom-
panham os referidos textos. Deposite os exerccios
resolvidos no seu Portflio.
No esquea!Seu exerccio dever ser corrigido pelo professor
local antes de ir para o Portflio.
ANOTAES *
BookUniderp61LinguaPort.indb 9 11/11/09 7:13:44 PM
10
Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
SEMNTICA1
Introduo
Definir o objeto de estudos da semntica no
uma tarefa simples. Podemos afirmar que a se-
mntica busca descrever o significado das pala-
vras e das sentenas, mas devemos, ento, definir
esse conceito. O problema que no h consenso
1 O texto de OLIVEIRA, R. P. de. Semntica. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs.). Introduo lingustica: domnios e fronteiras. v. 2. So Paulo: Cortez, 2001.
entre os semanticistas sobre o que se entende por
significado. Uma das dificuldades de definirmos
esse termo se deve ao fato de que ele usado para
descrever situaes de fala muito diferentes. Veja-
mos: em qual o significado de mesa?, indaga-
mos sobre o significado de um termo, mesa; em
qual o significado de sua atitude?, perguntamos
sobre a inteno no lingustica de nosso interlocu-
tor. Falamos ainda sobre o significado de um livro,
da vida, do verde no semforo, da fumaa (o que
significa aquela fumaa?) e sobre muitos outros
Un
idad
e D
idt
ica
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gu
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rtu
gu
esa:
Sem
nti
ca e
Lin
gu
sti
ca G
eral
AULA
2SIGNIFICAO E SENTIDO
ContedoSemntica a questo da significao e do sentido
Linhas semnticas: uma viso geral
Semntica lexical
Competncias e habilidadesReconhecer a significao como conceito relevante para o estudo da semntica
Compreender o processo scio-histrico da significao e do sentido na construo de uma
viso crtica do mundo
Conhecer as linhas semnticas que compreendem os estudos da lngua portuguesa
Reconhecer a importncia dessas linhas semnticas para o estudo da lngua portuguesa e a
compreenso de sentido e significado
Reconhecer a importncia da semntica lexical para estudo e compreenso de significao
e sentido em lngua portuguesa
Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade
Durao2 h-a via satlite com professor interativo
2 h-a presenciais com professor local
4 h-a mnimo sugerido para autoestudo
BookUniderp61LinguaPort.indb 10 11/11/09 7:13:44 PM
11
AULA 2 Significao e Sentido
significados. Se tentamos abarcar todas essas situ-
aes e outras em que o termo aparece, minamos
o prprio projeto de se construir uma teoria cien-
tfica sobre o significado, porque j no saberemos
mais o significado de significado2.
Da a afirmao do filsofo Putnam: o que atra-
palha a semntica ela depender de um conceito
pr-terico de significado.
A essa dificuldade se soma ainda outra: a proble-
mtica do significado transborda as prprias fron-
teiras da lingustica, porque ela est fortemente li-
gada questo do conhecimento. Responder como
atribumos significado a uma cadeia de rudos im-
plica adotar um ponto de vista sobre a aquisio de
conhecimento. o significado uma relao causal
entre palavras e coisas? Ser ele uma entidade men-
tal? Ele pertence ao indivduo ou comunidade, ao
domnio pblico? Essas perguntas, caras ao seman-
ticista, levam inevitavelmente a enfrentar a questo
espinhosa da relao entre linguagem e mundo, e
consequentemente a buscar uma resposta sobre
como possvel (se possvel) o conhecimento.
Se no h acordo sobre as questes anteriormen-
te levantadas, ento h vrias formas de se descrever
o significado. H vrias semnticas. Cada uma elege
a sua noo particular de significado, responde dife-
rentemente questo da relao linguagem e mun-
do e constitui, at certo ponto, um modelo fechado
e incomunicvel com outros. O estruturalismo de
vertente saussuriana, por exemplo, definia o signifi-
cado como uma unidade de diferena, isto , o sig-
nificado se d numa estrutura de diferenas com re-
lao a outros significados. Assim, o significado de
uma palavra se define por no ser um outro: mesa
se define por no ser cadeira, sof, abajur. Nessa
perspectiva, o significado no nada tem a ver com o
mundo, mesa no o nome de um objeto no mun-
do, a estrutura de diferena com os outros objetos.
Essa postura pode implicar uma posio relativista,
j que cada lngua, cada sistema de diferenas, ins-
titui sua prpria racionalidade. J para a Semntica
2 Sobre o significado de significado, o texto clssico de Os-gden e Richards (1976).
Formal o significado um termo complexo que se
compe de duas partes: sentido e referncia. O sen-
tido de um nome, a mesa da professora, por exem-
plo, o modo de apresentao do objeto/referncia
mesa da professora. Assim, no modelo lgico, a rela-
o da linguagem com o mundo fundamental.
Para a Semntica da Enunciao, herdeira do
estruturalismo, o significado o resultado do jogo
argumentativo criado na linguagem e por ela. Di-
ferentemente do estruturalismo, mesa, na Semn-
tica da Enunciao, significa as diversas possibili-
dades de encadeamentos argumentativos das quais
a palavra pode participar. Seu significado o so-
matrio das suas contribuies em inmeros frag-
mentos de discurso. Comprei uma mesa, Senta
ali na mesa.... Para a Semntica Cognitiva, mesa
a superfcie lingustica de um conceito, adquirido
por meio de nossas manipulaes sensrio-moto-
ras com o mundo. tocando em objetos que so
mesas que formamos o conceito pr-lingustico
desse elemento que aparece nas prticas lingusti-
cas como mesa. Esse conceito tem estrutura proto-
tpica, porque se define pelo membro mais emble-
mtico: um objeto de quatro pernas (OLIVEIRA,
2001. p. 17-19).
A pluralidade de semnticas mais discutida e es-
tudada compreende: Semnticas Lexical, Formal, da
Enunciao e Cognitiva. Buscaremos mostrar como
a questo de significao e sentido abordada nes-
sas linhas semnticas. Segundo Oliveira (2001. p. 19),
por exemplo:
[...] na sentena O homem de chapu saiu h, se-
gundo a Semntica Formal, uma pressuposio de
existncia: existe um e apenas um indivduo tal que
ele homem e est de chapu e saiu. A Semntica
da Enunciao v nesta mesma sentena a presen-
a da polifonia, a voz de mais de um enunciador:
uma fala que diz que h um indivduo, outra, que
ele est de chapu e outra, que ele saiu.
Esperamos que, ao final da unidade, essa plurali-
dade de semnticas possa ser compreendida e apli-
cada na leitura, na produo de textos e na prtica
do dia a dia.
BookUniderp61LinguaPort.indb 11 11/11/09 7:13:44 PM
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Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
A SEMNTICA LEXICAL31
Semntica e lxico: lexemas e destinos
de lexemas42
A intuio de que os dois planos da linguagem, o
plano da expresso (significantes) e o do contedo
(significados), podem ser descritos pelos mesmos
princpios permitiu aos linguistas efetuarem uma
transposio dos mtodos j aplicados com xito
descrio dos fonemas s unidades do contedo.
A fonologia j descrevera as unidades do plano da
expresso seguindo um procedimento metdico
de decomp-las em seus traos distintivos. Dessa
maneira, pode-se organizar o sistema fonolgico
de uma lngua, evidenciando suas classes internas.
O conjunto das consoantes oclusivas orais do por-
tugus, por exemplo, est distribudo como se v a
seguir:
3 Esse texto sobre a Semntica Lexical de PIETROFORTE, A. V. S.; LOPES, I. C. A semntica lexical. In: FIORIN, J. L. (org.). Introduo Lingustica: princpios de anlise II. So Paulo: Contexto, 2003. p. 118-35.
4 Por uma questo didtica, optamos por destacar apenas os aspectos que julgamos relevantes para o estudo da semntica lexical, em aula, indicando como leitura aos acadmicos, em suas atividades de autoestudo, o texto completo.
Cada unidade assim descrita comporta pelo me-
nos um trao em comum com as demais, e tambm
ao menos um trao que a diferencia do resto da s-
rie. Pelos mesmos princpios, possvel desvendar
a composio das unidades de um campo lexical, e
agora j estaremos situados no domnio da semn-
tica. No lugar dos traos distintivos prprios da fo-
nologia, introduziremos os do contedo, isto , os
chamados semas. Observemos, para ilustrar, como
esto formadas algumas unidades do campo lexical
dos chapus. Na tabela a seguir, os lexemas esto
dispostos em linhas e os semas que os compem,
em colunas:
J com um quadro parcial como esse, podemos
perceber que tal tipo de descrio, denominada
anlise componencial ou smica, ordena da manei-
ra mais explcita os contedos focalizados dentro de
um campo lexical, pondo mostra o que esses itens
lexicais possuem em comum, bem como aquilo que
faz a especificidade de uns e outros. Obviamente
esse mtodo tem tambm suas limitaes: traos
como de matria flexvel e com copa alta, por
exemplo, no se prestam bem a uma anlise binria,
Oral Oclusivo Bilabial Dental Velar Vozeado
/p/ + + +
/t/ + + +
/k/ + + +
/b/ + + + +
/d/ + + + +
/g/ + + + +
Para cobrir a cabea
Com copa
Com copa alta
Com abas
Com abas largas
Com pala sobre os
olhos
De matria flexvel
Ajustvel
cabea
Masculino
Bon + + + + + +/
Gorro + + + + +/
Sombreiro + + + + + +
Panam + + + + +
Cartola + + + + + +
Coco + + + +
Boina + + + +/
Quepe + + + +
Chapelina + + + +/ +
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AULA 2 Significao e Sentido
sendo notoriamente uma questo de gradaes ao
longo de um eixo contnuo. A anlise em termos de
presena (+)/ausncia ( ) dos traos distintivos
na verdade um expediente til para introduzirmos
categorizaes em grandes linhas, mas deve ser refi-
nada com ajuda de ferramentas descritivas aptas ao
processamento do contnuo. Tal discusso, contudo,
ultrapassa os limites desta breve exposio.
Uma unidade lexical da lngua portuguesa, esco-
lhida arbitrariamente, vai nos ajudar a ilustrar esses
rudimentos da anlise smica do lxico: trata-se do
lexema faca. Diremos, por brevidade e comodida-
de, que um lexema uma entrada de dicionrio.
Definindo semema como um conjunto de semas,
podemos afirmar que a cada lexema deve corres-
ponder no mnimo um semema, ou seja, uma acep-
o aceita culturalmente no mbito da lngua em
apreo. costume, nos dicionrios, separar os dife-
rentes sememas ou acepes de um mesmo lexema
por nmeros. Nesse raciocnio, o semema de vaca
comporta os semas: boi + fmea + adulto. Classi-
ficam-se diversos tipos de semas. Por exemplo, os
lexemas pertencentes ao campo lexical dos assentos,
de que o semanticista Bernard Pottier fez uma des-
crio hoje clssica, comportam semas funcionais
(para sentar-se), morfolgicos (com/sem ps,
com/sem encosto), matricos (de matria rgi-
da) etc., podendo-se, por meio de suas combina-
es, estabelecer um quadro preciso das distines
entre lexemas como cadeira, banco, poltrona, pufe
e outros. Esse tipo de anlise introduziu, ainda nos
anos 1960, uma srie de princpios teis para o de-
senvolvimento dos estudos semnticos posteriores.
Vamos apresentar agora uma rpida aplicao des-
ses princpios, indo da faca dos dicionrios s facas
de Joo Cabral de Melo Neto.
Dicionrio Contemporneo da Lngua Portuguesa-
Caldas Aulete, 5. ed., 1964:
Aurlio:
Michaelis Moderno dicionrio da lngua portu-
guesa:
Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa:
Em todas essas definies, a faca apresentada
como um instrumento, que por seu turno, :
Instrumento s.m. 1. Objeto, em geral mais sim-
ples do que o aparelho, e que serve de agen-
te mecnico na execuo de qualquer traba-
lho [.u]. 2. p. ext. Qualquer objeto considera-
do em sua funo ou utilidade. [...] (Aurlio)
Instrumento s.m. (1048 cf. JM) 1. Objeto simples
ou constitudo por vrias peas, que se usa para
executar uma obra, levar a efeito uma operao
mecnica, fazer alguma observao ou mensurao
(em geral trabalhos delicados e de preciso); dispo-
sitivo, apetrecho, ferramenta. 2. p. ext. Todo objeto
que serve de ajuda para levar a efeito uma ao f-
sica qualquer. 3. p. ext. Qualquer objeto considera-
do em relao sua funo, ao uso que dele se faz;
utenslio.[...] (Houaiss)
Isso situa, de incio, a faca em uma posio bem
peculiar nessa qualidade de instrumento: podemos
dizer que um instrumento est colocado entre a ca-
tegoria dos objetos e a dos sujeitos, uma vez que,
sem deixar de ser um objeto, segundo os dicion-
rios, ele atua como um meio para fazer algo; ora, o
fazer no visto culturalmente como atributo dos
objetos, mas dos sujeitos. Um instrumento um
FACA S.f. Instrumento cortante formado
por uma lmina curta de ferro ou ao e um
cabo. [...]
FACA 1 S.f. Instrumento cortante, consti-
tudo de lmina e cabo.
FACA s.f. 1 Instrumento cortante forma-
do por uma lmina com gume engastada em
um cabo. [...]
FACA s.f. (s. XV cf. Fich IVPM) 1. Instru-
mento constitudo por lmina cortante presa a
um cabo; cuchila. [...]
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adjuvante da ao. Essa posio intermediria ocu-
pada por ele permite v-lo ora mais como objeto,
ora mais como sujeito. H uma diferena de agen-
tividade entre instrumentos de tipos distintos. O
que decidir se um determinado instrumento vai
aparecer mais com feies de sujeito ou de objeto
o discurso que o puser em cena, j que, ao ser em-
pregada em um determinado texto, uma unidade
lingustica qualquer sofre sempre algumas especifi-
caes. Na passagem do sistema virtual da lngua ao
processo de seu uso discursivo, uma unidade, por
exemplo, uma palavra, sofre simultaneamente duas
transformaes:
(i) mobilizao desigual dos semas contidos em seu
semema, pois a atualizao em discurso corresponde
a uma seleo dos semas que ganharo destaque no
texto em pauta;
(ii) ncleo smico o conjunto daqueles semas j re-
conhecidos nas definies dos dicionrios acresci-
do de semas contextuais.
Somados, esses dois fenmenos produziro um
efeito de relevo ou de perspectiva, projetando se-
mantismos de primeiro plano e de planos secun-
drios, num dispositivo comparvel aos processos
perceptivos de que se ocupa a psicologia da Gestalt
(forma-fundo). Assim, num catlogo de facas de
colecionador, projetadas por designers e vendidas
como peas de joalherias, essas podem ser apresen-
tadas como objetos de fruio esttica pelos mate-
riais de que so feitas, pelas linhas de seu perfil etc.
ou de evocao de modelos marcados pelo tem-
po (histricos) ou espao (exticos); nesses casos,
no ser tanto pelo que permite fazer, mas sobre-
tudo pelo seu prprio ser que ser avaliada esta
ou aquela pea: valor de troca, mais do que valor de
uso, e isso demonstra que estamos lidando com os
limites da definio de faca, pois como concebera-
mos um instrumento que no serve para ser usa-
do? Em outras palavras, um utenslio no utilitrio?
Bem outros j sero os valores em foco, obviamente,
num catlogo de facas para sobrevivncia na selva
ou para uso militar.
Do que acabamos de dizer decorre que a lingua-
gem, longe de precisar atrelar-se a algum referente-
coisa do mundo, cria por si prpria um mundo para
o homem, que o mundo do sentido. Nesse mundo,
estamos s voltas no com um real nico e onto-
lgico, mas com um nmero varivel de realizados
(grandezas de linguagem historicamente atestadas
em discurso) e realizveis (grandezas calculveis,
mas no necessariamente presentes em discurso),
para usarmos os termos de Hjelmslev. por isso que,
ainda no sculo XVIII, Georg Christoph Lichtenberg
pode brincar, sem se machucar, com imagens como
a de uma faca sem lmina, qual falta o cabo. Mes-
mo que parea inslito, esse objeto no semantica-
mente equivalente a nada: no se trata de ir buscar
o referente, a coisa em si, mas as significaes reali-
zveis dessa expresso, as quais incluem os semas
instrumento, cortante, com lmina, com cabo.
Pela mesma razo, por mais que a flecha tenha de-
saparecido das armas modernas, ela continua a ferir,
conforme bem colocou talo Calvino (citado por
Denis Bertrand em Caminhos da semitica literria,
Cap. 5). Nenhuma dessas discursivizaes da faca ou
da flecha exige, para ser interpretada, que verifique-
mos a existncia real da coisa no mundo: indepen-
dentemente disso, seus efeitos de sentido nos tocam,
pedindo interpretaes, e o que importa.
Mesmo um pequeno conjunto de definies,
como essas que acabamos de transcrever de dicio-
nrios usuais da lngua portuguesa, j exibe alguns
matizes de significado dignos de nota. Perceba-se
que o Michaelis, diferentemente dos demais, opta
por reiterar o trao afiado, duplamente declarado
em ... cortante... com gume. O Caldas Aulete, entre-
tanto, vai alm dos outros em grau de especificida-
de: instrumento cortante formado por uma lmina
curta de ferro ou ao e um cabo. Das duas partes
componentes da faca, lmina e cabo, essa definio
explicita as propriedades da primeira, que dita
curta (dimenso) e de ferro ou ao (matria).
O primeiro desses dois traos s pode ser afirma-
do mediante um cotejo tcito com outros instru-
mentos comparveis: a faca curta, confrontada ao
faco ou ao sabre, mas j ser considerada longa pe-
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AULA 2 Significao e Sentido
rante o canivete de bolso. Em outras palavras, esse
primeiro trao semntico situa-se num ponto rela-
tivamente direita, sobre um continuum que leva
das propriedades objetivveis ( ) s subjetivadas (),
tal como as expe Bemard Pottier (1992: 100):
Quanto segunda propriedade atribuda pelo
Caldas Aulete lmina, a de ser feita de ferro ou
ao, e que estaria evidentemente posicionada mais
esquerda sobre essa mesma linha, trata-se de um
indcio mais sintomtico da poca de redao do
verbete. Esse dicionrio anterior multiplicao
das redes de fast food, onde tudo, pratos, copos e ta-
lheres, feito de plstico descartvel e destinado a ir
para o mesmo cesto de lixo aps a refeio.
Examinemos algumas das metamorfoses sofridas
pela faca sob a pena de Joo Cabral. Entre as nu-
merosas manifestaes dessa figura da agresso e do
assassinato, que retoma obsessivamente a obra do
poeta, destacamos suas aparies em dois poemas
do volume A escola das facas.
A escola das facas
O alsio ao chegar ao Nordeste
baixa em coqueirais, canaviais;
cursando as folhas laminadas,
se afia em peixeiras, punhais.
Por isso, sobrevoada a Mata,
suas mos, antes fmeas, redondas,
ganham a fome e o dente da faca
com que sobrevoa outras zonas.
O coqueiro e cana lhe ensinam,
sem pedra-m, mas faca a faca,
como voar o Agreste e o Serto:
mo cortante e desembainhada.
MELO NETO, J. C. de. A escola das facas (1975-1980). In: A educao
pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 109.
Nesse texto, o semema de faca acrescido de certos
semas contextuais, como faminta e com dente(s);
este lhe empresta uma caracterstica morfolgica de
animal, e aquele, uma intencionalidade rudimentar,
tambm animal, representada pela fome. Essa fome
no poema a seguir ser a vez da sede da peixeira
faz j desse vento-faca um sujeito ainda no humano,
mas j animado e mostrado tambm como macho
e agressivo (cortante), empenhado em buscar algum
objeto para saciar-se. Os principais elementos figu-
rativos presentes nesse texto (Zona da Mata, Agres-
te, Serto, peixeiras, punhais) so postos em cena de
maneira mais extensa no segundo poema, As facas
pernambucanas. A associao observada na Escola
das facas entre faca e ar, mediante sua especificao
pelo vento, ceder lugar, no prximo texto, a ligaes
entre as facas e dois outros elementos da natureza, a
gua no caso da peixeira e o fogo, no do punhal.
As facas pemambucanas
O Brasil, qualquer Brasil,
quando fala do Nordeste,
fala da peixeira, chave
de sua sede e de sua febre.
Mas no s praia o Nordeste,
ou o Litoral da peixeira:
tambm o Serto, o Agreste
sem rios, sem peixes, pesca.
No Agreste, e Serto, a faca
no a peixeira: l,
se ignora at a carne peixe,
doce e sensual de cortar.
No d peixes que a peixeira,
docemente corte em postas:
cavalas, perna-de-moa,
carapebas, serras, ciobas.
L no Agreste e no Serto
outra a faca que se usa:
menos que de cortar,
uma faca que perfura.
O couro, a carne-de-sol,
no falam lngua de cais:
esse livro : quadrado volumoso
OBJ. (normas definveis em termos relativos) SUB J.
interessante
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Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
de cegar qualquer peixeira
a sola em couro capaz.
Esse punhal do Paje,
faca-de-ponta s ponta,
nada possui da peixeira:
ela esguia e lacnica.
Se a peixeira corta e conta,
o punhal do Paje, reto,
quase mais bala que faca,
fala em objeto direto.
MELO NETO, J. C. de. A escola das facas (1975-1980). In: A educao pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 117, 118.
Novas especificaes do semema de faca se obser-
vam nesse poema. Subdividem-se agora claramente
os tipos de facas pernambucanas, numa categoriza-
o orientada da costa para o interior. A faca per-
nambucana do litoral a peixeira, apresentada com
os semas de cortar e (especificao suplementar)
para cortar peixes. Uma vez que a carne do peixe
est assinalada como doce e sensual de cortar, os
semas doce e sensual passam a compor, metoni-
micamente, o semema da peixeira. Contrape-se
regio costeira um conjunto composto por Agres-
te + Serto, conjunto que se destaca pela privao
tanto pragmtica, material (sem rios, sem peixes,
pesca) quanto cognitiva (l, se ignora at a car-
ne peixe, doce e sensual de cortar). O punhal dessa
regio dado, no texto, como uma faca destituda
da capacidade de cortar, pois seu semema exclui o
de cortar para incluir outra especificao smica,
de perfurar. Tambm esta faca do Agreste + Serto
est marcada pela metonmia com figuras materiais
da civilizao tpica da regio, o couro e a carne-de-
sol. Desses, o couro mostrado como obstculo a
toda ao da peixeira.
Ao darmos mais um passo na abstrao, notare-
mos que a peixeira cumpre a um papel de sujei-
to. Com efeito, a posio sinttica das facas evolui.
A peixeira surge como algo de que o Brasil fala e
depois passa a fazer coisas; o punhal surge como
outra faca que se usa, mas depois passa tambm
posio de sujeito das oraes. O couro o an-
tissujeito contraposto peixeira, que no somen-
te invulnervel ao dessa faca litornea como
ainda pode tirar-lhe todo corte, privando-a de seu
poder de ao. A no ser pela sua condio comum
de facas, o punhal e a peixeira contrapem-se em
tudo na encenao do texto (Esse punhal do Pa-
je,/faca-de-ponta s ponta,/nada possui da pei-
xeira). A partir da transformao da outra faca
em punhal, entra em pauta uma nova oposio: a
faca litornea do gnero feminino, contrariamente
ao punhal sertanejo, do gnero masculino. Da por
diante, passam a motivar-se pela oposio cultural
entre masculino e feminino.
A peixeira ganha, com aquela metonmia do doce
e sensual da carne do peixe, algo de desacelerado,
sendo essa desacelerao aquilo que permite a essa
faca, alm de cortar, contar. Esse contar admite ao
menos duas leituras: (i) contar (enumerar) as pos-
tas de peixe que a peixeira vai cortando; (ii) contar
(narrar) uma histria. Tanto uma operao como
outra exigem um certo tempo, uma certa durao.
Duas acepes provenientes do mesmo timo, lat.
computare. Em contraposio, o punhal do Paje
dito reto e quase mais bala que faca, ele tem a
rapidez da linha reta (a menor distncia entre dois
pontos) e da bala disparada pelas armas de fogo.
Entra a tambm novo trao no semema do punhal,
um trao/fogo/, por intermdio dessa bala, que re-
percute aquele sol da carne-de-sol. Esse fogo vem
Peixeira Punhal
de cortar de perfurar
a lmina a ponta
metonmia: a carne doce e sensual do peixe, ligada gua
do mar
metonmia: a carne-de-sol, ou seja, carne/seca/; o fogo
metonmia: o couro e sua dureza/, por oposio /doura/da carne do
peixe
feminina masculino
durao instantaneidade
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AULA 2 Significao e Sentido
fazer contrapeso /gua/, metonimizada na peixei-
ra. Graficamente:
Nosso percurso das facas dicionarizadas s
facas de Joo Cabral permitiu-nos apreender, j
nessa anlise abreviada, algumas das transforma-
es por que passa o semantismo das palavras,
por ocasio de seu emprego em discurso. A in-
corporao de traos semnticos provenientes do
contexto processo observvel a cada novo uso
discursivo, alterando parcialmente a identidade
das acepes das unidades de que se trata. No
significa que a passagem ao discurso implique um
abandono completo das acepes dicionarizadas:
significa sua transformao parcial, no interior de
limites aceitos intersubjetivamente pelos falantes
da lngua focalizada.
Atividades1. Mediante um clculo simples, possvel mos-
trar que trs traos distintivos bastam em condi-
es ideais para distinguir at oito palavras. Pen-
se cada uma das linhas da ltima coluna como o
final de um percurso que comea em mvel para
sentar e passe pelas trs escolhas indicadas. Deci-
da em que linhas voc colocaria as palavras cadei-
ra, banquinho, sof, banco, pufe, poltrona.
2. Imaginar que um certo objeto possa ter as
propriedades contrrias (que se expressam por um
par de antnimos) contrrio ao bom-senso. Mas
os provrbios, com sua antiga sabedoria, lembram-
nos que essas situaes paradoxais podem acon-
tecer. Escolha um desses provrbios e conte uma
histria a que ele se aplica.
O barato sai caro.
O timo inimigo do bem.
H males que vm para bem.
Mais vale um mau acordo do que uma boa
demanda.
3. Leia com ateno as expresses abaixo e explicite
a sua interpretao de cada um dos trechos lidos.
a) [...] Afirmao do filsofo Putnam: o que
atrapalha a Semntica ela depender de um
conceito pr-terico de significado.
b) [...] A linguagem, longe de precisar atrelar-se a
algum referente-coisa do mundo, cria por si pr-
pria um mundo para o homem, que o mundo
do sentido.
AS RELAES ENTRE AS PALAVRAS
As palavras so definidas umas com relao s
outras. Por isso, na prpria estruturao do sistema
lexical, elas estabelecem diversos tipos de relaes
entre si. Vamos examinar seis dessas relaes: sino-
nmia, antonmia, hiperonmia/hiponmia, homo-
nmia, paronomsia e polissemia.
Sinonmia
Dois termos so chamados sinnimos quando
apresentam a possibilidade de se substituir um ao
outro em determinado contexto. Novo sinni-
mo de jovem, porque, no contexto, homem novo
pode ser substitudo por jovem. No entanto, no
existem sinnimos perfeitos, a no ser nas termino-
logias (por exemplo, em botnica, o nome cientfi-
co de uma planta e seu nome popular), porque eles
no so intercambiveis em todos os contextos. Na
expresso livro novo, no se pode substituir a pala-
vra novo por jovem. Mesmo quando os termos
podem substituir-se no mesmo contexto, eles no
so sinnimos perfeitos porque as condies de em-
prego discursivo so distintas.
Antonmia
Na antonmia d-se o contrrio da sinonmia.
Nela, significados contrrios so realizados por
meio do lxico. Bonito vs. feio, alto vs. baixo, pe-
queno vs. grande etc. so palavras antnimas. As-
Mvel para sentar
Para uma pessoa
Com encosto
Com estofamento
Sem estofamento
Sem encosto
Com estofamento
Sem estofamento
Para mais de uma pessoa
Com encosto
Com estofamento
Sem estofamento
Sem encosto
Com estofamento
Sem estofamento
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Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
sim como no existe semelhana total de sentido
entre sinnimos, no h oposio absoluta entre
antnimos. Palavras diferentes podem ter um mes-
mo antnimo, desde que tenham ao menos um
sentido em comum: fresco e jovem tm o ant-
nimo velho, porque fresco significa, quando se
refere a alimentos, que acabou de ser preparado,
novo. Por isso, usam-se as expresses po fresco e
po velho. Apenas uma e mesma palavra pode ter
tantos antnimos quantos forem seus significados:
preto ope-se a colorido em TV em branco e
preto, a mais claro em seu gnero em po preto,
a limpo em tinha as unhas pretas etc.; negro
ope-se a destinado ao bem em magia negra; a
legal em mercado negro etc.
H antnimos que expressam oposies polares:
dar vs. receber; morto vs. vivo; comprar vs. vender.
Outros definem os limites de um contnuo que, por
sua vez, pode ser recortado por gradaes: rico vs.
pobre (pode-se ter mais ou menos rico, mais ou me-
nos pobre).
A aplicao desses antnimos sujeitos gradao
depende do ponto de vista colocado em discurso. O
que grande, de um ponto de vista, pode ser peque-
no de outro.
Hiperonmia e hiponmia
A hiperonmia e a hiponmia so fenmenos de-
rivados das disposies hierrquicas de classificao
prprias do sistema lexical. H significados que,
pelo seu domnio semntico, englobam outros sig-
nificados menos abrangentes. Na taxionomia ani-
mal, por exemplo, mamfero engloba felino, candeo,
roedor, primata etc.
Essa disposio smica permite que se construa
uma rvore de classificao, que coloca os termos
com menos semas no alto e os com mais semas, em-
baixo:
Nesse tipo de disposio hierrquica, h uma
relao entre significados englobantes e engloba-
dos, de acordo com o domnio semntico de cada
termo da classificaco. O significado de animal
englobante dos de rptil, aves e mamferos, cujos
significados so englobados por ele. O significado
de mamfero, por sua vez, englobante com relao
aos de roedor, cetceo, felino, candeo, marsupial e
primata, seus englobados. O termo englobante
chamado hipernimo dos demais, e os engloba-
dos, hipnimos seus. Ser um ou outro depende de
como enfocada a sua posio na taxionomia, pois
mamfero hipernimo de primata, mas hipni-
mo de animal. Essa categorizao smica tam-
bm construda pelo discurso.
Homonmia
A homonmia resulta da coincidncia entre signi-
ficantes de palavras com significados distintos. En-
tre manga fruta e manga da camisa h apenas uma
coincidncia entre imagens acsticas iguais. Geral-
mente a explicao desse fenmeno diacrnica.
Certas palavras com significantes e significados dis-
tintos nas lnguas de partida terminam por apresen-
tar o mesmo significante na lngua de chegada.
A manga da camisa tem sua origem no latim ma-
nica, que quer dizer parte da vestimenta que cobre
os braos, j a manga fruta tem sua origem no t-
mul mankay, que quer dizer fruto da mangueira.
Ambas tm origens, significados e significantes dis-
tintos. No entanto, a partir de uma sonorizao que
transforma o fonema/k/em/g/em portugus elas
passam a ter significantes idnticos.
Paronomsia
Na paronomsia, significantes com imagens
acsticas semelhantes podem ter seus significados
aproximados em um engenho potico ou em um
equvoco de vocabulrio. Confundir retificar com
ratificar comum devido semelhana entre os
significantes, embora os significados sejam contr-
rios. J gritar, grifar, grafar e gravar no se confun-
dem, nem escravo e escrevo, mas nos versos do po-
ema Greve, de Augusto de Campos, a semelhana
ANIMAL
AVES MAMFERORPTIL
MARSUPIAL PRIMATACANDEOFELINOROEDOR CETCEO
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AULA 2 Significao e Sentido
entre os significantes utilizada para reforar uma
aproximao entre os significados.
arte longa vida breve
escravo se no escreve
escreve s no descreve
grita grifa grafa grava
uma nica palavra
greve
CAMPOS, A. de. Poesia. So Paulo: Duas Cidades, 1979. p. 109.
As palavras gritar, grifar, grafar e gravar no se rela-
cionam, por seus sentidos, com a palavra greve, nem
a palavra escravo se relaciona com a palavra escrevo. A
palavra gritar pertence ao campo semntico dos sons,
as palavras grifar e grafar, ao campo semntico da es-
crita, e a palavra gravar, a ambos os campos. O poema
Greve tematiza a atitude poltica de paralisar o traba-
lho, em sinal de protesto, quando no h condies
aceitveis para realiz-lo, e um dos modos de atua-
o em uma greve divulg-la por meio da palavra,
gritada em megafones, ou por meio de comunicados
escritos ou gravados. Desse modo, os significados de
gritar, grifar, grafar, gravar e greve, aproximados pelo
discurso dos versos do poema, tm seus significantes
aproximados em paronomsias.
Polissemia
Tanto a homonmia quanto a paronomsia so
fenmenos da ordem do significante. A homonmia
entre a manga da camisa e a manga da fruta, bem
como a paronomsia entre escravo e escrevo, dizem
respeito, respectivamente, a identidades e semelhan-
as entre suas imagens acsticas. Os prprios termos
tcnicos so cunhados referindo-se aos significantes,
homnymos, que tem o mesmo nome, e parnymos,
nome prximo de outros, ambos do grego.
Quando se utiliza o termo polissemia, o critrio
de definio muda do significante para o signifi-
cado. Assim, palavras polissmicas, que possuem
mais de um significado para o mesmo significante,
opem-se s palavras monossmicas, que possuem
apenas um. Na polissemia, a um nico significan-
te correspondem vrios significados: por exemplo,
ao significante vela correspondem os significados
objeto para iluminao formado de um pavio
constitudo de fios entrelaados, recoberto de cera
ou estearina; pea que causa a ignio dos moto-
res; pano que, com o vento, impele as embarca-
es etc.
A polissemia e a monossemia esto relacionadas
com o uso discursivo que se faz de uma mesma
palavra.
A linguagem humana polissmica, pois os sig-
nos, tendo um carter arbitrrio e ganhando seu
valor nas relaes com os outros signos, sofrem al-
teraes de significado em cada contexto. A polisse-
mia depende do fato de os signos serem usados em
contextos distintos:
a) A bab tomou a mo da criana. (segurou)
b) Os EUA tomaram Granda. (ocuparam)
c) Agora ele s toma gua. (bebe)
d) A Cidade Universitria toma vrios alqueires.
(ocupa)
e) Depois que ele virou universitrio, tomou um
ar insuportvel. (assumiu)
AtividadesLeia o texto Algumas noes da histria dos con-
ceitos em semntica, da professora Claudete Pereira
Gomes, que est na galeria, e responda s questes
que acompanham o referido texto. Deposite os exer-
ccios resolvidos no seu Portflio.
No esquea!Seu exerccio dever ser corrigido pelo professor
local antes de ir para o Portflio.
ATENO !As atividades a serem desenvolvidas na hora
aula atividade (presencial) com o professor lo-
cal esto postadas no Portal da INTERATIVA,
na unidade didtica Estudos da Lngua Portu-
guesa Semntica e Lingustica Geral, como
atividades da Aula 2.
BookUniderp61LinguaPort.indb 19 11/11/09 7:13:45 PM
20
Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
SEMNTICA FORMAL1
Iniciamos pela semntica formal porque histo-
ricamente ela antecede as demais, o que a torna o
referencial terico e o grande inimigo a ser destru-
do. A semntica formal descreve o problema do sig-
nificado a partir do postulado de que as sentenas
se estruturam logicamente.2 Para ilustrar relaes
1 Este texto de OLIVEIRA, R.P.. Semntica. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A.C. (org.). Introduo Lingustica: domnios e fron-teiras. v. 2. So Paulo: Cortez, 2001. p.19-27.
2 A bibliografia em Semntica Formal extensa. Manuais in-trodutrios so: Lyons (1977), Kempson (1980), Ilari & Geraldi (1985), Saeed (1997). H muitos estudos sobre fenmenos do portugus brasileiro que adotam a perspectiva formal. Ver, en-tre outros, Ilari (1998), Negro (1992), Borges (1991).
lgicas retomemos a anlise de Aristteles, um pio-
neiro nesse tipo de estudo. Ao analisar o raciocnio
dedutivo presente nas sentenas a seguir, Aristte-
les mostra que h relaes de significado que se do
independentemente do contedo das expresses.
Vejamos:
(1) Todo homem mortal.
Joo homem.
Logo, Joo mortal.
Se garantirmos que as duas sentenas, chamadas
premissas, so verdadeiras, conclumos a terceira.
Estamos diante de uma relao entre conjuntos: o
Un
idad
e D
idt
ica
Es
tud
os
da
Ln
gu
a Po
rtu
gu
esa:
Sem
nti
ca e
Lin
gu
sti
ca G
eral
AULA
3LINhAS SEMNTICAS: A SEMNTICA FORMAL
ContedoA semntica formal
Competncias e habilidadesReconhecer a importncia do estudo da semntica formal como linha semntica que desem-
penha uma funo relevante no estudo da construo do sentido
Compreender, a partir do estudo da semntica formal, significado e sentido como aspectos
fundamentais para os estudos da linguagem
Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade
Durao2 h-a via satlite com o professor interativo
2 h-a presenciais com professor local
4 h-a mnimo sugerido para autoestudo
BookUniderp61LinguaPort.indb 20 11/11/09 7:13:45 PM
21
AULA 3 Linhas Semnticas: A Semntica Formal
dos homens est contido no dos mortais; se Joo
um componente do conjunto dos homens, ento
ele necessariamente um componente do conjun-
to dos mortais. O interessante que esse raciocnio
se garante apenas pelas relaes que se estabelecem
entre os termos, independentemente do que homem
ou mortal significam. Se alterarmos as expresses e
mantivermos as relaes, o raciocnio ser sempre
vlido. Experimente verificar se o raciocnio seguin-
te vlido e tente justificar sua validade: todo ca-
chorro tem quatro patas; Bela um cachorro; logo,
Bela tem quatro patas.
Essas so relaes lgicas, ou formais, porque po-
demos represent-las por letras vazias de contedo,
mas que descrevem as relaes de sentido. Podemos,
pois, dizer que se A um conjunto qualquer que
est contido em um outro conjunto qualquer, o
conjunto B, e se C um elemento do conjunto A,
ento, C um elemento do conjunto B.
A semntica, em geral, deve muito definio
de significado estabelecida pelo lgico alemo Got-
tlob Frege (1848-1925). Frege nos legou pelo menos
duas grandes contribuies: a distino entre senti-
do e referncia e o conceito de quantificador. Esse
autor afirma que o estudo cientfico do significado
s possvel se diferenciarmos os seus diversos as-
pectos para reter apenas aqueles que so objetivos.
Ele exclui da semntica o estudo das representaes
individuais que uma dada palavra pode provocar.
Ao ouvir o nome prprio estrela da manh, formo
uma ideia, uma representao, que s minha, uma
vez que ela depende de minha experincia subjetiva
no mundo. O estudo desse aspecto do significado
cabe psicologia. semntica, cabe o estudo dos
aspectos objetivos do significado, isto , aqueles que
esto abertos inspeo pblica. Sua objetividade
garantida pela uniformidade de assentimento entre
os membros de uma comunidade. Eu e voc temos
representaes distintas de estrela voc talvez a as-
socie a um sentimento nostlgico, eu, euforia das
viagens espaciais , mas compartilhamos o senti-
do de estrela, j que sempre concordamos quando
algum diz estrela apontando um certo objeto no
cu que reconhecemos como estrela. Ns tambm
concordamos em discordar do uso de estrela para se
referir lua, a menos que estejamos diante de algum
tipo de uso indireto da palavra ou de um engano. O
sentido de um nome prprio como estrela da ma-
nh o que permite alcanar, falar sobre, um certo
objeto no mundo da razo pblica, o planeta Vnus,
a sua referncia.
O sentido , pois, o que nos permite chegar a uma
referncia no mundo. Frege (1978) precisa que sem essa
distino no possvel explicar a diferena entre:
(2) A estrela da manh a estrela da manh.
(3) A estrela da manh a estrela da tarde.
A sentena (2) uma tautologia, uma verdade
bvia que independe dos fatos do mundo. Da seu
grau de informatividade tender a zero. J em (3)
afirmamos uma igualdade, cuja veracidade deve
ser verificada no mundo. Se, de fato, aquilo que
denominamos estrela da manh o mesmo objeto
que denominamos estrela da tarde, ento, quando
aprendemos que a estrela da manh a estrela da
tarde, aprendemos uma verdade sobre o mundo:
que podemos nos referir ao planeta Vnus de pelo
menos duas maneiras diferentes. A sentena (3)
expressa uma verdade sinttica, isto , uma verda-
de que s pode ser apreendida pela inspeo de fa-
tos no mundo, por isso ela pode nos proporcionar
um ganho real de conhecimento. Ela exprime uma
descoberta da astronomia: a estrela da manh no
era, como se pensava desde os gregos, uma estrela
diferente da estrela da tarde, mas o mesmo planeta
Vnus. Estrela da manh e estrela da tarde so dois
caminhos para se chegar mesma referncia.
S conseguimos explicar a diferena entre as sen-
tenas (2) e (3) se distinguimos sentido de refern-
cia: embora ambas as sentenas tenham a mesma
referncia, elas expressam pensamentos diferentes.
Se o sentido o caminho que nos permite alcanar a
referncia, quando descobrimos que dois caminhos
levam mesma referncia, aprendemos algo sobre
esse objeto e sobre o mundo. Todos ns j expe-
rimentamos a sensao de entusiasmo quando de
repente descobrimos que 3 + 3 o mesmo que 10
4. Ao tomarmos conscincia da igualdade, desco-
brimos dois caminhos, dois sentidos para alcanar-
BookUniderp61LinguaPort.indb 21 11/11/09 7:13:45 PM
22
Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
mos a mesma referncia, o nmero 6. Uma mesma
referncia pode, pois, ser recuperada por meio de
vrios sentidos. Considere a cidade de Florianpo-
lis. Podemos nos referir a ela por meio de diferen-
tes sentidos: a cidade de Florianpolis, Florianpolis,
a capital de Santa Catarina, a ilha da magia... Voc
certamente j viveu a experincia de descobrir que
Florianpolis a capital de Santa Catarina, isto ,
de falar de um objeto, a cidade de Florianpolis, de
modos distintos. Atente para a distino entre lin-
guagem e mundo: Florianpolis e Florianpolis.
Para esclarecer a diferena entre sentido e refe-
rncia, Frege prope uma analogia com um teles-
cpio apontado para a lua. A lua referncia: sua
experincia e propriedades independem daquele
ou daquela que a observa. Ela pode, no entanto, ser
olhada a partir de diferentes perspectivas, e obser-
v-la de um ngulo pode nos ensinar algo novo so-
bre ela. A imagem da lua formada pelas lentes do
telescpio o que tanto eu quanto voc vemos. Essa
imagem compartilhada o sentido. Ao mudarmos o
telescpio de posio, vemos uma face diferente da
mesma lua, alcanamos o mesmo objeto por meio
de outro sentido. Lembremos que a imagem mental
que cada um de ns forma da imagem objetiva do
telescpio est fora dos interesses da semntica.
O sentido s nos permite conhecer algo se a ele
corresponder uma referncia. Em outros termos, o
sentido permite alcanarmos um objeto no mundo,
mas o objeto no mundo que nos permite formular
um juzo de valor, ou seja, que nos permite avaliar se
o que dizemos falso ou verdadeiro. A verdade no
est, pois, na linguagem, mas nos fatos do mundo.
A linguagem apenas um instrumento que nos per-
mite alcanar aquilo que h, verdade ou falsidade.
Por isso para Frege, mas no para a semntica for-
mal contempornea, sentenas que falam de perso-
nagens fictcios carecem de valor de verdade. Uma
sentena ficcional, como por exemplo Papai Noel
tem a barba branca, no pode ser cognitiva, porque
ela no se refere a um objeto real.
Para Frege (1978), um nome prprio deve ter
sentido e referncia. Florianpolis e a capital de
Santa Catarina so dois nomes prprios, porque
tm sentido e nos permitem falar sobre um obje-
to no mundo, a cidade de Florianpolis. Os nomes
prprios so saturados porque eles expressam um
pensamento completo e podemos, por meio deles,
identificar uma referncia. H, no entanto, expres-
ses que so incompletas, que no nos possibilitam
chegar a uma referncia, porque no expressam um
pensamento completo, elas no servem para alcan-
armos uma referncia. Alm disso, fcil notar que
a expresso ser capital de recorrente em inme-
ras sentenas:
(4) So Paulo a capital de So Paulo.
(5) So Paulo a capital de Santa Catarina.
(6) Florianpolis capital de Santa Catarina.
(7) Florianpolis capital de So Paulo.
As sentenas anteriores so nomes prprios por-
que elas expressam um pensamento completo e tm
uma referncia. Em (4) e (6), a referncia a verda-
de, j que de fato So Paulo a capital de So Paulo
e Florianpolis a capital de Santa Catarina; em (5)
e (7), a referncia o falso. O que se repete nessas
sentenas a expresso ser capital de, que insa-
turada. Para expressar um pensamento completo, a
expresso dever ser preenchida em dois lugares: um
que a antecede, outro que a sucede. Esses vazios so
chamados argumentos. A expresso insaturada cha-
ma-se predicado. O predicado ser capital de de
dois lugares, porque h dois espaos a serem preen-
chidos por argumentos: _____ ser capital de _____.
Podemos, no entanto, transform-lo em um predi-
cado de um lugar: _____ser capital de So Paulo,
por exemplo. Voc conseguiria recortar diferentes
predicados de um lugar a partir das sentenas de (4)
a (7)? So Paulo a capital de ____; Florianpolis
a capital de _____; _____ a capital de Florianpo-
lis so alguns exemplos.
O contraste que Frege constri , pois, entre
funes incompletas, isto , aquelas que compor-
tam pelo menos um espao e pedem, portanto,
pelos menos um argumento, e funes completas,
que remetem a uma referncia. Uma expresso
insaturada combinada com um argumento gera
uma expresso completa, um nome prprio, que
tem como referncia um valor de verdade, isto , o
BookUniderp61LinguaPort.indb 22 11/11/09 7:13:45 PM
23
AULA 3 Linhas Semnticas: A Semntica Formal
verdadeiro ou o falso. Podemos entender o predi-
cado como uma mquina, que toma elementos ou
que os relaciona. Em (4), o predicado ser capital
de relaciona So Paulo com So Paulo, gerando o
nome prprio, So Paulo capital de So Paulo, que
tem sentido, expressa um pensamento, e tem uma
referncia, a verdade.
O predicado pode ser preenchido por um nome
prprio, como nos exemplos dados, mas ele pode
tambm ser preenchido por outro tipo de argumen-
to, a expresso quantificada. Uma expresso quan-
tificada indica um certo nmero de elementos, da
o termo quantificador. Vejamos alguns exemplos de
sentenas quantificadas:
(8) Uma cidade de Santa Catarina a capital de
Santa Catarina.
(9) Todos os homens so mortais.
(10) Todos os meninos amam uma professora.
Em (8), afirmamos que h uma cidade de San-
ta Catarina tal que ela a capital daquele estado,
embora a sentena no especifique qual cidade
essa. Em (8) temos um exemplo de quantificador
existencial. J a sentena (9) comporta um quan-
tificador universal que pode ser informalmente
traduzido por o predicado ser mortal se aplica a
todos os elementos aos quais se aplica o predicado
ser homem. Na sentena (10) temos a presena
de dois quantificadores combinados: o universal
(todos) e o existencial (uma). Essa sentena pode
ter duas interpretaes, ou, em termos tcnicos, ela
ambgua: para todo aluno h pelo menos uma
professora que ele ama trata-se de uma leitura
distributiva ; h uma nica professora que todos
os alunos amam. No primeiro caso, o quantifica-
dor universal antecede o existencial; no segundo,
inverte-se a situao de modo que o existencial
precede o universal.
Os quantificadores podem, pois, se combinar e
sua combinao produz interpretaes distintas. O
modo como combinamos operadores e os quantifi-
cadores so um tipo de operador extremamente im-
portante porque sua combinao implica um tipo
de ambiguidade semntica. Considere a sentena:
(11) O Joo no convidou s a Maria.
Voc consegue enxergar duas interpretaes
para ela? A sentena (11) pode descrever duas si-
tuaes bem distintas: ou o Joo s convidou a
Maria, ou o Joo no s convidou a Maria, mas
tambm outras pessoas. A diferena entre essas
interpretaes explicada pelo modo como se
combinam os operadores no e s: ou o no atua
sobre o s, gerando no s, ou o s atua sobre o
no, produzindo s no. Esta relao em que um
operador atua sobre um certo domnio tem sido
denominada de escopo: na primeira leitura, o ope-
rador s tem escopo sobre a negao; na segunda,
a negao que tem escopo sobre o s: O Joo no
s convidou a Maria.
Considere agora a sentena:
(12) O presidente do Brasil socilogo.31
Ela se compe de um nome prprio, o presiden-
te do Brasil, e de um predicado de um lugar, ser
socilogo. Note que nesse sintagma afirma-se que
h uma e apenas uma pessoa tal que essa pessoa
presidente do Brasil. Chamamos a esse tipo de
sintagma de descrio definitiva. Uma descrio
definitiva caracteriza-se por ser uma expresso
nominal introduzida por um artigo definido.
possvel trat-la como um tipo particular de ope-
rador: aquele que afirma existir um e apenas um
elemento tal que este elemento tem determinada
propriedade. Se a sentena (12) for proferida em
1999, ento a referncia da descrio definida
Fernando Henrique Cardoso. Dessa entidade no
mundo predicada a propriedade ser socilogo.
Neste momento, ela verdadeira, j que h um e
apenas um presidente do Brasil, Fernando Henri-
que Cardoso, e ele socilogo. Evidentemente, se
a sentena fosse proferida em 1991, ela seria fal-
sa, j que o ento presidente do Brasil, Fernando
Collor de Mello, no socilogo. O artigo definido
carrega uma marca de dixis, ou seja, ele remete
situao em que a sentena proferida.
At aqui no h problema. Note, no entanto, que
para atribuirmos um valor de verdade sentena
3 No pode ser esquecido o fato de que o texto foi publicado em 2001.
BookUniderp61LinguaPort.indb 23 11/11/09 7:13:45 PM
24
Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
(12), imaginamos que existe algum com aque-
las propriedades. Para Frege, essa pressuposio
de existncia faz parte das condies de verdade
da sentena, mas no do seu sentido. Em outros
termos, a sentena (12) expressa um pensamento
completo, mas para atribuirmos a ela um valor de
verdade pressupomos a existncia de uma entida-
de da qual predicamos algo. Essa pressuposio
existencial no semntica. Frege mantm que se
a pressuposio fosse semntica, ento a negao
da sentena seria ambgua. Vejamos:
(13) O presidente do Brasil no socilogo.
Se a pressuposio fosse semntica, afirma Frege,
ento (13) significaria: ou no existe um presidente
do Brasil ou o presidente do Brasil no socilogo.
No entanto, em (13), no negamos a existncia de
algum que presidente do Brasil, mas a afirma-
o de que ele socilogo. Isto , a pressuposio
de que existe algum que presidente se mantm
inalterada na negao, por isso ela no se confunde
com o contedo da sentena.
Mas imagine que (12) seja proferida num momen-
to em que no h presidente do Brasil. Se, por exem-
plo, ela fosse proferida em 1888, quando viva-mos
ainda na Monarquia, ser que ela teria valor de verda-
de? Essa questo gerou muita discusso na Semntica
Lgica. A soluo de Frege caminha paralelamente
soluo com relao aos nomes prprios que indi-
cam seres imaginrios, o Batman, por exemplo: sen-
tenas que se referem a seres ou coisas que no tm
existncia real, isto , sentenas cuja pressuposio de
existncia falsa, tm sentido, mas no tm refern-
cia. Elas no so nem verdadeiras nem falsas.
Bertrand Russell prope outra soluo. Ele trata
o artigo definido o como um quantificador. Como
j vimos, os operadores podem se combinar. As-
sim, dado que o artigo definido um quantifica-
dor e que o no, um operador que incide sobre a
proposio ou parte da proposio alterando-lhe
o valor de verdade, ento entre eles se estabelecem
relaes de escopo. A sentena (13) seria, portanto,
ambgua: a negao pode ter escopo sobre o artigo
definido, e teremos a forma lgica (14) a seguir, ou
o artigo definido tem escopo sobre a negao, e a
forma lgica ser (15):
(14) [no [existe um apenas um indivduo tal que
[ele presidente] e [ socilogo]]].
(15) [existe um e apenas um indivduo tal que
[ele presidente] e [no [ socilogo]]].
A proposta de Russell trata a pressuposio exis-
tencial como parte do contedo da sentena. Nesse
caso, proferir a sentena (12) quando no existe
algum que presidente do Brasil afirmar uma
falsidade.
Independentemente dessa controvrsia, a Se-
mntica Formal considera que h pressuposio
quando tanto a verdade como a falsidade da senten-
a dependem da verdade da sentena pressuposta.
H muitos tipos de pressuposio. A sentena (16)
contm uma, mas dessa vez no se trata de uma
pressuposio existencial:
(16) Maria parou de fumar.
Para que eu possa atribuir um valor de verdade a
essa sentena, devo pressupor que seja verdade que
Maria fumava. Se Maria nunca fumou, ento ter
parado de fumar algo que simplesmente no se
aplica Maria: no nem verdadeiro nem falso.
A dcada de 1970 conheceu uma exploso de
trabalhos sobre a pressuposio. Salienta-se entre
eles o trabalho de Oswald Ducrot que, certamente
influenciado pelos trabalhos de mile Benveniste e
pela escola francesa de Anlise do Discurso, ope-
se veementemente ao tratamento que a Semntica
Formal oferece para a pressuposio em particular
e para o significado em geral.
So as crticas e os estudos de Ducrot que, se-
gundo Oliveira (2001. p. 27), vo possibilitar o
surgimento de outro modelo: a Semntica da
Enunciao. Esse modelo semntico o assunto da
Aula 4.
AtividadesInstrues
1. As atividades devero ser realizadas em dupla.
2. O professor local dever orientar os acadmi-
cos durante a resoluo das atividades.
BookUniderp61LinguaPort.indb 24 11/11/09 7:13:45 PM
25
AULA 3 Linhas Semnticas: A Semntica Formal
3. As atividades devem ser corrigidas pelo pro-
fessor local e depositadas no Portflio do aca-
dmico.
Exerccios
1. Considere as sentenas a seguir e recorte-as segundo os conceitos de predicado e argumento em Frege:
Joo casado com Maria.
Maria brasileira.
Oscar jogador de basquete.
2. A partir dos conceitos de quantificadores uni-
versal e existencial e da noo de escopo, descreva as
sentenas abaixo:
Todo homem casado com alguma mulher.
Um homem casado com todas as mulheres.
A Maria no danou s com o Pedro.
3. A partir das noes de escopo e operador, des-
creva a ambiguidade presente na sentena a seguir:
O rei da Frana no calvo.
4. Determine se h pressuposio na sentena a
seguir e justifique sua resposta:
Joo lamenta a morte do pai.
5. So muitas as piadas que tiram proveito de
alguma ambiguidade. Quando isso acontece, geral-
mente rimos da personagem que, contrariando o
bom-senso, escolheu a interpretao menos apro-
priada. Veja as piadas transcritas a seguir e explique
quais so as duas interpretaes em jogo.
a) Indivduo A No deixe sua cadela entrar em
minha casa. Ela est cheia de pulgas.
Indivduo B Diana, no entre nessa casa. Ela
est cheia de pulgas.
b) Desculpe, querida, mas eu tenho a impres-
so de que voc quer casar comigo s porque herdei
uma fortuna do meu tio.
Imagine, meu bem! Eu me casaria com voc
mesmo que tivesse herdado a fortuna de outro pa-
rente qualquer!
c) Na festa, o secretrio pede um cigarro ao presi-
dente da empresa. O presidente comenta:
No sabia que voc fumava.
Eu fumo, mas no trago.
Pois devia trazer.
Atividades de autoestudoLeia o texto O Significado, do professor Stephen
Ullmann, que est na galeria e relacione-o com os
textos estudados nas Aulas 1 e 2, estabelecendo os
pontos que se entrecruzam e se completam. A partir
dessa reflexo, produza o seu texto sobre significa-
o e sentido. Deposite seu texto no Portflio.
No esquea !Seu texto precisa passar pelo crivo do professor
local antes de ir para o Portflio.
ANOTAES *
BookUniderp61LinguaPort.indb 25 11/11/09 7:13:46 PM
26
Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral
SEMNTICA DA ENUNCIAO1
A viso de linguagem que, segundo Ducrot, sub-
sidia a semntica formal inadequada porque, argu-
menta o autor, ela se respalda em um modelo infor-
macional, em que o conceito de verdade externo
linguagem. Na semntica formal, a linguagem um
meio para alcanarmos uma verdade que est fora
da linguagem, o que nos permite falar objetivamen-
te sobre o mundo e, consequentemente, adquirir um
conhecimento seguro sobre ele. possvel que o con-
1 Texto de OLIVEIRA, R. P. Semntica. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs.). Introduo Lingustica: domnios e fronteiras. So Paulo: Cortez, 2001. v. 2. p. 27-33.
ceito de referncia em Frege esteja mesmo revestido
de tal realismo: a metfora do telescpio deixa cla-
ro que o objeto descrito, a lua, no uma funo da
descrio dada, do sentido. o nosso conhecimento
da lua que depende do sentido. Vemos a mesma lua
a partir de pontos de vista diferentes, no vemos luas
diferentes. A diferena sutil, mas necessria para
distinguirmos entre semnticas ditas objetivistas ou
realistas, que postulam uma ordem no mundo que
d contedo linguagem, e semnticas mais prxi-
mas do relativismo, que acreditam que no h uma
ordem no mundo que seja dada independentemente
da linguagem e da histria. A linguagem constitui o
mundo, por isso no possvel sair dela. A semntica
Un
idad
e D
idt
ica
Es
tud
os
da
Ln
gu
a Po
rtu
gu
esa:
Sem
nti
ca e
Lin
gu
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ca G
eral
AULA
4LINhAS SEMNTICAS: A SEMNTICA
DA ENUNCIAO
ContedoA semntica da enunciao
Competncias e habilidadesReconhecer a impo rtncia do estudo da semntica da enunciao para a leitura, interpre-tao e produo de textos e consequente estudo dos textos a partir de uma perspectiva da linguagem em usoCompreender, a partir do estudo da semntica da enunciao, o significado e o sentido
como aspectos fundamentais para os estudos da linguagem
Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade
Durao2 h-a via satlite com o professor interativo2 h-a presenciais com professor local
4 h-a mnimo sugerido para autoestudo
BookUniderp61LinguaPort.indb 26 11/11/09 7:13:46 PM
27
AULA 4 Linhas Semnticas: A Semntica da Enunciao
da enunciao certamente se inscreve nessa perspec-
tiva, mas h abordagens formais que no se vinculam
a uma metafsica realista.
De qualquer modo, para a semntica da enuncia-
o, a referncia uma iluso criada pela linguagem.
Estamos sempre inseridos na linguagem: o fato de
que utilizamos diticos termos cujo contedo
a remisso externalidade lingustica, os pronomes
isto, eu, voc, o artigo definido o, por exemplo que
nos d a sensao/iluso de estar fora da lngua. Es-
tamos, no entanto, sempre fechados nela e por ela.
A semntica formal, diz Dicrot, um jogo de ar-
gumentao enredado em si mesmo; no falamos
sobre o mundo, falamos para construir o mundo e
a partir dele convencer nosso interlocutor da nossa
verdade, criada pelas e nas nossas interlocues. A
verdade deixa, pois, de ser um atributo do mundo
e passa a ser relativa comunidade que se forma na
argumentao. Assim, a linguagem uma dialogia,
ou melhor, uma argumentalogia; no falamos
para trocar informaes sobre o mundo, mas para
convencer o outro a entrar no nosso jogo discursivo,
para convenc-lo de nossa verdade.
Essa diferena de concepo da linguagem sur-
te efeitos na forma como os fenmenos semnticos
so descritos. Tomemos, em primeiro lugar, a ques-
to da pressuposio. Se a linguagem no se refere,
se a referncia interna ao prprio jogo discursivo,
ento tambm a pressuposio, seja ela existencial
ou de qualquer outro tipo, cri