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1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.1 - Objetivos dos Direitos Humanos
A concepção atual de direitos humanos foi moldada ao longo dos anos a partir de ideias e
pensamentos de diferentes povos, desenvolvendo-se através de diversas civilizações, mas que tinham em
comum as mesmas necessidades:
- Proteção contra o abuso do poder do Estado.
- Garantia do respeito à dignidade humana.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.2 Primeiros Indícios
Os primeiros indícios de reconhecimento de direitos do homem podem ser encontradas nas
sociedades do antigo Egito e Mesopotâmia, três milênios antes de Cristo. Já nessa época, havia alguns
mecanismos para proteção do indivíduo perante o poder do Estado.
1 - Direitos Humanos 1 –Origens - 1.3 - Código de Hamurábi
Mas foi em 1690 a.C. que surgiu uma das primeiras e mais concretas manifestações do
reconhecimento dos direitos humanos: Hamurabi, o então rei da Mesopotâmia, compilou um código escrito de
leis.
O Código de Hamurabi, talhado em pedra, é um dos conjuntos de leis escritas mais antigos já
encontrados, e pode ter sido o primeiro a prever direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a
propriedade, a honra, a dignidade, a família e, principalmente, a supremacia das leis em relação aos
governantes.
Um tanto quanto radical, o Código de Hamurabi não tolerava desculpas ou explicações para erros ou falhas,
sendo famoso pela rigorosa reciprocidade entre crimes previstos e penas cominadas (olho por olho, dente por
dente).
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.4 - Influências religiosas
Os direitos do homem também sofreram a influência filosófico-religiosa das ideias de Zoroastro
(Pérsia, século VII a.C), Confúcio (China, século VI a.C.) e Buda (índia, século V a.C.), sobre a igualdade de
todos os homens e as necessidades de tolerância, respeito, generosidade e conduta correta tanto por parte
dos indivíduos quanto de seus governantes.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.5 – Grécia
Na Grécia, a partir do século V a.C., surgiam também vários estudos sobre a necessidade da
igualdade e liberdade do homem, da participação política dos cidadãos (república) e a existência de leis
naturais e superiores às leis escritas, válidas para todos os homens em todas as partes do mundo
(jusnaturalismo).
1 - Direitos Humanos 1 – Origens1.6 - Lei das Doze Tábuas
Outro marco para os direitos humanos é o surgimento da Lei das Doze Tábuas (450 a.C.), logo após a
queda da monarquia e o nascimento da república romana, e que pode ser considerada a origem dos textos
consagradores da liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos do cidadão.
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A Lei das Doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum ou simplesmente Duodecim Tabulae, em latim)
formava o cerne da constituição da República Romana e constituía a origem do direito romano. O texto
original das Doze Tábuas perdeu-se quando os gauleses incendiaram Roma em 390 a.C.
Embora seus originais tenham se perdido, historiadores reconstituíram parte de seu conteúdo com
base em fragmentos e citações de outros autores.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.7 - Cristianismo
O Cristianismo, pregado por Jesus Cristo no século I, na região da atual Palestina, foi rápida e
vigorosamente difundido.
Sua popularização também influenciou diretamente a consagração dos direitos humanos, posto que
defendia, entre outras coisas, a igualdade de todos os homens, independente de origem, raça, sexo ou credo,
o que era essencial à dignidade da pessoa humana.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.8 - Idade Média
Durante a Idade Média também ocorreram fatos importantes para o desenvolvimento dos direitos
humanos.
A Idade Média compreende o período que vai da desintegração do Império Romano do Ocidente
ocasionado pelas invasões bárbaras (476 d.C) até o fim do Imperio Romano do Oriente, com a Queda de
Constantinopla em 1453 (alguns historiadores consideram como marco final da Idade Média a descoberta da
América em 1492).
Para realmente compreender o desenrolar dos acontecimentos, é preciso entender como era a vida
naquela época: na Idade Média, caracterizada pelo feudalismo (organização em feudos), os direitos humanos
mais fundamentais eram permanentemente violados; havia uma rígida separação de classes, com a
consequente subordinação dos vassalos (trabalhadores camponeses / servos) para com seus suseranos
(senhores feudais, que tinham o domínio das terras).
Os vassalos, em troca de proteção contra invasões bárbaras e de uma pequena porção de terra para
obter seu sustento através da agricultura de subsistência, tinham de trabalhar as terras do senhor, pagar
impostos ao rei, dízimos à Igreja, além de uma infinidade de taxas em dinheiro ou produtos de suas colheitas
particulares, além de prestar serviços domésticos na casa ou castelo do suserano e lutar nas guerras quando
convocados. Era uma situação análoga à de escravos.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.9 - Magna Carta - 1215
Entretanto, no século XIII, começou na Inglaterra uma transformação. É na Inglaterra que encontramos
alguns dos marcos mais importantes relacionados ao surgimento dos direitos humanos.
Depois que o rei João I da Inglaterra (conhecido como João Sem-Terra, já que não herdou terras
quando da morte de seu pai) violou uma série de antigas leis e costumes através dos quais a Inglaterra tinha
sido governada, os barões ingleses o obrigaram a assinar, em 15 de julho de 1215, a Magna Carta (Magna
Charta Libertatum).
A Magna Carta, que resultou do desentendimento do rei com o papa e os barões ingleses, tinha por
objetivo limitar o poder monárquico, sendo um tratado de direitos, mas também de deveres do rei para com
os seus súditos.
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Entre suas disposições estava o direito da Igreja estar livre do controle governamental e interferências
do mesmo, os direitos de todos os cidadãos serem livres para possuir e herdar bens e serem protegidos de
impostos excessivos e até o direito das viúvas que possuíam propriedade de escolherem não se casar
novamente.
A Magna Carta estabeleceu ainda os princípios do devido ao processo legal e a igualdade de todos
perante a lei. Ela também continha disposições proibindo o suborno e a má conduta oficial.
Considera-se a Magna Carta o primeiro capítulo de um longo processo histórico que levaria ao
surgimento do constitucionalismo.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.10 - Petition of Right - 1628
Quatro séculos depois, novamente em resposta a uma série de violações da lei cometidas pelo rei da
Inglaterra, que desta vez era Carlos I, o Parlamento, em 1628, durante o período que antecedeu a guerra civil
inglesa, elaborou a Petition of Right (Petição de Direitos), uma declaração de liberdades civis, que foi um
marco registrado no desenvolvimento dos direitos humanos.
A Petition of Right foi baseada em estatutos e cartas anteriores e previa expressamente, entre outras
coisas, que:
- nenhum imposto poderia ser cobrado sem o consentimento do Parlamento;
- nenhuma pessoa poderia ser presa sem justa causa apresentada;
- a lei marcial (restritiva de direitos) não poderia ser utilizada em tempo de paz.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.11 - Habeas Corpus Act - 1679
Outro acontecimento ocorrido na Inglaterra e também de grande importância para o desenvolvimento
dos direitos humanos foi o surgimento do Habeas Corpus Act em 1679, que foi uma lei do Parlamento da
Inglaterra criada durante o reinado do Rei Charles II que buscava definir e reforçar o antigo e já existente
instituto do habeas corpus, como garantia da liberdade individual contra a prisão ilegal, abusiva ou arbitrária.
Obs.: O Habeas Corpus Act muitas vezes é erradamente descrito como a origem do recurso de
habeas corpus. Entretanto, o habeas corpus já existia na Inglaterra há pelo menos três séculos antes.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.12 - Bill of Rights - 1689
Dez anos depois, durante a Revolução Gloriosa, o rei da Inglaterra Jaime II foi deposto e o parlamento
ofereceu a coroa a Guilherme de Orange, com a condição de que se comprometesse a respeitar a declaração
de direitos (Bill of Rights) por eles produzida, e que determinava, entre outras coisas, os direitos à liberdade,
à vida e à propriedade privada e o pelo qual o rei ficava impedido de suspender a aplicação de leis, além de
não poder aumentar impostos e recrutar ou manter exércitos em épocas de paz sem sua autorização,
assegurando o poder do Parlamento na Inglaterra.
Apesar dos avanços em termos de declaração de direitos, a Bill of Rights não garantia a liberdade e
igualdade religiosa.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.13 - Act of Settlement - 1701
Também na Inglaterra, mais um documento pode ser citado como um dos antecedentes históricos dos
direitos humanos: o Act of Settlement (Ato de Estabelecimento), de 12 de junho de 1701, que foi criado para
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garantir a sucessão protestante (no sentido religioso) do trono inglês e o poder do parlamento.
Basicamente, reafirmou o princípio da legalidade ao exigir que os governantes também se
submetessem às leis, garantiu a independência e a autonomia dos órgãos jurisdicionais, colocando-os acima
da vontade livre da Coroa, e levantou a possibilidade de responsabilização política dos agentes públicos,
prevendo inclusive a possibilidade do impeachment.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.14 - As declarações norte-americanas
Algumas décadas depois, ainda no século XVIII, encontramos contribuições imprescindíveis ao
desenvolvimento dos direitos humanos no continente norte-americano:
Declaração de Direitos da Virgínia - 12 de junho de 1776 - Previa expressamente direitos humanos
fundamentais, tais como o direito à vida, à liberdade e à propriedade, além dos princípios da legalidade, do
devido processo legal, do juiz natural (segundo o qual deve haver regras objetivas de competência
jurisdicional, garantindo a independência e a imparcialidade do órgão julgador), da liberdade de imprensa e
ainda a liberdade religiosa.
Declaração de Independência dos Estados Unidos - 4 de julho de 1776 - A Declaração da
Independência dos Estados Unidos da América, que teve como principal articulador Thomas Jefferson, foi o
documento com o qual as Treze Colônias na América do Norte, revoltadas com os abusos da metrópole,
declararam sua independência do Reino Unido. A Declaração teve como tônica principal a limitação do poder
estatal.
Emendas à Constituição dos Estados Unidos da América – 1791 - Em 1787, foi discutida e
aprovada a primeira e única Constituição dos Estados Unidos, que prevê um sistema de alterações por meio
de Emendas (ao longo dos anos foram aprovadas apenas 27 emendas).
As 10 primeiras emendas, cujo texto não foi inserido na constituição original por não ter obtido
consenso, entraram em vigor em 1791 e ficaram conhecidas como Bill of Rights(Lista de Direitos), tendo
como aspecto primordial a limitação do poder estatal e o estabelecimento de vários direitos fundamentais.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.15 - Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem e do
Cidadão
Mas foi na França que se deu a consagração do reconhecimento dos direitos fundamentais, com
a Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem e do Cidadão, em 26/08/1789, que também previa,
em seu art. 16, que a adoção de garantias fundamentais seria um elemento fundamental ao próprio conceito
de constituição, dando um caráter constitucional aos direitos humanos fundamentais e influenciando sua
declaração expressa nas constituições seguintes.
1 - Direitos Humanos 1 - Origens1.16 - Século XIX
No decorrer do século XIX, ocorreu na Europa a efetivação dos direitos fundamentais por meio de
diplomas como:
- a Constituição Espanhola (19/03/1812);
- a Constituição Portuguesa (23/09/1822);
- a Constituição Belga (01/02/1831);
Em 1848, a França, mais uma vez, dá um passo à frente com a Declaração Francesa de 1848, que
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ampliou o rol dos direitos fundamentais, servindo de base para as constituições modernas.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.17 - Século XX
No Século XX, surgiram diplomas comprometidos com as causas sociais. Destacam-se
a Constituição Mexicana (1917), que garantia direitos trabalhistas e também direitos relativos à educação; e
ainda a Constituição de Weimar (1919), que previu direitos e deveres fundamentais dos Alemães, tais como
a inviolabilidade de correspondências, a liberdade de pensamento, a igualdade entre os sexos, a liberdade de
culto , alguns direitos especificamente direcionados à juventude e ainda um sistema de seguridade social.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.17 - Século XX
Na então União Soviética, surgiram a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado
(1918) e, logo depois, a Lei Fundamental Soviética, que apesar de ter sido considerada retrógrada e
ditatorial em muitos aspectos (principalmente por abolir o direito de propriedade privada, sendo todas as
terras divididas entre os trabalhadores de forma igualitária e em usufruto, já que passaram a ser propriedade
do Estado), proclamou o princípio de igualdade, independente de raça ou nacionalidade.
1 - Direitos Humanos 1 – Origens - 1.17 - Século XX
Mesmo a Itália, que enfrentava um regime ditatorial (fascismo), contribuiu e trouxe um grande avanço
aos direitos humanos com a proclamação da Carta do Trabalho de 1927, que estabelecia direitos sociais
dos trabalhadores.
MARCO CONTEMPORÂNEO DOS DH
As violações generalizadas dos direitos e liberdades humanas na década de 1930, que culminaram
com as atrocidades da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), marcaram o fim da noção de que os Estados
não tinham o dever de prestar contas a nenhuma outra instância a respeito da maneira como tratavam seus
cidadãos.
A assinatura da Carta das Nações Unidas em junho de 1945 levou os DH para a esfera do direito
internacional.
A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Instituída em 1948 pela ONU. Tecnicamente, a DUDH é uma recomendação, que a Assembléia Geral
das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, artigo 10). H
Há dois Pactos que a implementam e são juridicamente vinculantes: Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Juntos, estes três instrumentos costumam se chamar de Carta Internacional dos Direitos Humanos.
BRASIL
País-membro da ONU (24 de outubro de 1945).
A Constituição Brasileira de 1988 (Constituição Cidadã) introduz indiscutível avanço na consolidação
legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira.
Desde seu preâmbulo a Carta de 1988 projeta a construção de um Estado Democrático de Direito
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“destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos (…)”. J.J Canotilho.
Gerações de Direitos.
Os direitos de 1ª geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades
públicas: direito à vida, à liberdade, à expressão e à locomoção).
Os direitos de 2ª geração são os direitos sociais, econômicos e culturais (direito ao trabalho, ao
seguro social, à subsistência, amparo à doença, à velhice, entre outros).
Os direitos de 3ª geração, também chamados de solidariedade ou fraternidade, englobam um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, a paz, uma qualidade de vida saudável, a autodeterminação dos
povos, além de outros direitos difusos.
Os direitos de 4ª geração, também chamados de direito dos povos, são provenientes da última fase da
estruturação do “Estado Social” (globalização do Estado Neoliberal), englobam o direito à democracia, à
informação, ao pluralismo, entre outros. Há quem entenda ser o direito vinculado a evolução da ciência
(genética, DNA, clonagem, biodireito, biotecnologia, entre outros).
Direitos Humanos: Coisa de Polícia
Treze reflexões sobre polícia e direitos humanos
Durante muitos anos o tema “Direitos Humanos” foi considerado antagônico ao de Segurança
Pública. Produto do autoritarismo vigente no país entre 1964 e 1984 e da manipulação, por ele, dos aparelhos
policiais, esse velho paradigma maniqueísta cindiu sociedade e polícia, como se a última não fizesse parte
da primeira.
Polícia, então, foi uma atividade caracterizada pelos segmentos progressistas da sociedade, de forma
equivocadamente conceitual, como necessariamente afeta à repressão anti-democrática, à truculência, ao
conservadorismo. “Direitos Humanos” como militância, na outra ponta, passaram a ser vistos como
ideologicamente filiados à esquerda, durante toda a vigência da Guerra Fria (estranhamente, nos países do
“socialismo real”, eram vistos como uma arma retórica e organizacional do capitalismo). No Brasil, em
momento posterior da história, à partir da rearticulação democrática, agregou-se a seus ativistas a pecha de
“defensores de bandidos” e da impunidade.
Evidentemente, ambas visões estão fortemente equivocadas e prejudicadas pelo preconceito.
Estamos há mais de um década construindo uma nova democracia e essa paralisia de paradigmas
das “partes” (uma vez que assim ainda são vistas e assim se consideram), representa um forte impedimento
à parceria para a edificação de uma sociedade mais civilizada.
Aproximar a policia das ONGs que atuam com Di-reitos Humanos, e vice-versa, é tarefa
impostergável para que possamos viver, a médio prazo, em uma nação que respire “cultura de cidadania”.
Para que isso ocorra, é necessário que nós, lideranças do campo dos Direitos Humanos, desarmemos as
“minas ideológicas” das quais nos cercamos, em um primeiro momento, justificável , para nos defendermos
da polícia, e que agora nos impedem de aproximar-nos. O mesmo vale para a polícia.
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Podemos aprender muito uns com os outros, ao atuarmos como agentes defensores da mesma
democracia.
Nesse contexto, à partir de quase uma década de parceria no campo da educação para os direitos
humanos junto à policiais e das coisas que vi e aprendi com a polícia, é que gostaria de tecer as singelas
treze considerações a seguir:
CIDADANIA, DIMENSÃO PRIMEIRA
1ª - O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser. Irmana-se,
assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua condição de cidadania é, portanto,
condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre suposta dualidade ou antagonismo
entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade policial”. Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando
se trata da Polícia Militar, que é um serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade única, da qual
todos os segmentos estatais são derivados. Portanto não há, igualmente, uma “sociedade civil” e outra
“sociedade militar”. A “lógica” da Guerra Fria, aliada aos “anos de chumbo”, no Brasil, é que se encarregou
de solidificar esses equívocos, tentando transformar a polícia, de um serviço à cidadania, em ferramenta para
enfrentamento do “inimigo interno”. Mesmo após o encerramento desses anos de paranóia, seqüelas
ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas, a elucidação da real função policial.
POLICIAL: CIDADÃO QUALIFICADO
2ª - O agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado: emblematiza o Estado, em
seu contato mais imediato com a população. Sendo a autoridade mais comumente encontrada tem, portanto,
a missão de ser uma espécie de “porta voz” popular do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder.
Além disso, porta a singular permissão para o uso da força e das armas, no âmbito da lei, o que lhe confere
natural e destacada autoridade para a construção social ou para sua devastação. O impacto sobre a vida de
indivíduos e comunidades, exercido por esse cidadão qualificado é, pois, sempre um impacto extremado e
simbolicamente referencial para o bem ou para o mal-estar da sociedade.
POLICIAL: PEDAGOGO DA CIDADANIA
3ª - Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras profissões de suporte
público, antecede as próprias especificidades de sua especialidade.
Os paradigmas contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar o agente educacional
de forma mais includente. No passado, esse papel estava reservado únicamente aos pais, professores e
especialistas em educação. Hoje é preciso incluir com primazia no rol pedagógico também outras profissões
irrecusavelmente formadoras de opinião: médicos, advogados, jornalistas e policiais, por exemplo.
O policial, assim, à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um pleno e legitimo
educador. Essa dimensão é inabdicável e reveste de profunda nobreza a função policial, quando
conscientemente explicitada através de comportamentos e atitudes.
A IMPORTÂNCIA DA AUTO-ESTIMA PESSOAL E INSTITUCIONAL
4ª - O reconhecimento dessa “dimensão pedagógi-ca” é, seguramente, o caminho mais rápido e
eficaz para a reconquista da abalada auto-estima policial. Note-se que os vínculos de respeito e solidariedade
só podem constituir-se sobre uma boa base de auto-estima. A experiência primária do “querer-se bem” é
fundamental para possibilitar o conhecimento de como chegar a “querer bem o outro”. Não podemos viver
para fora o que não vivemos para dentro.
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Em nível pessoal, é fundamental que o cidadão policial sinta-se motivado e orgulhoso de sua
profissão. Isso só é alcançável à partir de um patamar de “sentido existen-cial”. Se a função policial for
esvaziada desse sentido, transformando o homem e a mulher que a exercem em meros cumpridores de
ordens sem um significado pessoalmente assumido como ideário, o resultado será uma auto-imagem
denegrida e uma baixa auto-estima.
Resgatar, pois, o pedagogo que há em cada policial, é permitir a ressignificação da importância social
da polícia, com a conseqüente consciência da nobreza e da dignidade dessa missão.
A elevação dos padrões de auto-estima pode ser o caminho mais seguro para uma boa prestação de
serviços.
Só respeita o outro aquele que se dá respeito a si mesmo.
POLÍCIA E ‘SUPEREGO’ SOCIAL
5ª - Essa “dimensão pedagógica”, evidentemente, não se confunde com “dimensão demagógica” e,
portanto, não exime a polícia de sua função técnica de intervir preventivamente no cotidiano e
repressivamente em momentos de crise, uma vez que democracia nenhuma se sustenta sem a contenção do
crime, sempre fundado sobre uma moralidade mal constituída e hedonista, resultante de uma com-plexidade
causal que vai do social ao psicológico.
Assim como nas famílias é preciso, em “ocasiões extremas”, que o adulto sustente, sem vacilar,
limites que possam balizar moralmente a conduta de crianças e jovens, também em nível macro é necessário
que alguma instituição se encarregue da contenção da sociopatia.
A polícia é, portanto, uma espécie de superego social indispensável em culturas urbanas, complexas
e de interesses conflitantes, contenedora do óbvio caos a que estaríamos expostos na absurda hipótese de
sua inexistência. Possivelmente por isso não se conheça nenhuma sociedade contemporânea que não tenha
assentamento, entre outros, no poder da polícia. Zelar, pois, diligentemente, pela segurança pública, pelo
direito do cidadão de ir e vir, de não ser molestado, de não ser saqueado, de ter respeitada sua integridade
física e moral, é dever da polícia, um compromisso com o rol mais básico dos direitos humanos que devem
ser garantidos à imensa maioria de cidadãos hones-tos e trabalhadores.
Para isso é que a polícia recebe desses mesmos cidadãos a unção para o uso da força, quando
necessário.
RIGOR versus VIOLÊNCIA
6ª - O uso legítimo da força não se confunde, contudo, com truculência.
A fronteira entre a força e a violência é delimi-tada, no campo formal, pela lei, no campo
racional pela necessidade técnica e, no campo moral, pelo antagonismo que deve reger a metodologia
de policiais e criminosos.
POLICIAL versus CRIMINOSO:
METODOLOGIAS ANTAGÔNICAS
7ª - Dessa forma, mesmo ao reprimir, o policial oferece uma visualização pedagógica, ao antagonizar-
se aos procedimentos do crime.
Em termos de inconsciente coletivo, o policial exerce função educativa arquetípica: deve ser “o
mocinho”, com procedimentos e atitudes coerentes com a “firmeza moralmente reta”, oposta radicalmente
aos desvios perversos do outro arquétipo que se lhe contrapõe: o bandido.
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Ao olhar para uns e outros, é preciso que a sociedade perceba claramente as diferenças
metodológicas ou a “confusão arquetípica” intensificará sua crise de moralidade, incrementando a ciranda da
violência. Isso significa que a violência policial é geradora de mais violência da qual, mui comumente, o
próprio policial torna-se a vítima.
Ao policial, portanto, não cabe ser cruel com os cruéis, vingativo contra os anti-sociais, hediondo com
os hediondos. Apenas estaria com isso, liberando, licenciando a sociedade para fazer o mesmo, à partir de
seu patamar de visibilidade moral. Não se ensina a respeitar desrespeitando, não se pode educar para
preservar a vida matando, não importa quem seja. O policial jamais pode esquecer que também o observa o
inconsciente coletivo.
A ‘VISIBILIDADE MORAL’ DA POLÍCIA: IMPORTÂNCIA DO EXEMPLO
8ª - Essa dimensão “testemunhal”, exemplar, peda-gógica, que o policial carrega irrecusavelmente é,
possivel-mente, mais marcante na vida da população do que a pró-pria intervenção do educador por ofício, o
professor.
Esse fenômeno ocorre devido à gravidade do mo-mento em que normalmente o policial encontra o
cidadão. À polícia recorre-se, como regra, em horas de fragilidade emocional, que deixam os indivíduos ou a
comunidade fortemente “abertos” ao impacto psicológico e moral da ação realizada.
Por essa razão é que uma intervenção incorreta funda marcas traumáticas por anos ou até pela vida
inteira, assim como a ação do “bom policial” será sempre lembrada com satisfação e conforto.
Curiosamente, um significativo número de policiais não consegue perceber com clareza a enorme
importância que têm para a sociedade, talvez por não haverem refletido suficientemente a respeito dessa
peculiaridade do impacto emocional do seu agir sobre a clientela. Justamente aí reside a maior força
pedagógica da polícia, a grande chave para a redescoberta de seu valor e o resgate de sua auto-estima.
É essa mesma “visibilidade moral” da polícia o mais forte argumento para convencê-la de sua
“responsabilidade paternal” (ainda que não paternalista) sobre a comunidade. Zelar pela ordem pública é,
assim, acima de tudo, dar exemplo de conduta fortemente baseada em princípios. Não há exceção quando
tratamos de princípios, mesmo quando está em questão a prisão, guarda e condução de malfeitores. Se o
policial é capaz de transigir nos seus princípios de civilidade, quando no contato com os sociopatas, abona a
violência, contamina-se com o que nega, conspurca a normalidade, confunde o imaginário popular e rebaixa-
se à igualdade de procedimentos com aqueles que combate.
Note-se que a perspectiva, aqui, não é refletir do ponto de vista da “defesa do bandido”, mas da
defesa da dignidade do policial.
A violência desequilibra e desumaniza o sujeito, não importa com que fins seja cometida, e não
restringe-se a áreas isoladas, mas, fatalmente, acaba por dominar-lhe toda a conduta. O violento se dá uma
perigosa permissão de exercício de pulsões negativas, que vazam gravemente sua censura moral e que,
inevitavelmente, vão alastrando-se em todas as direções de sua vida, de maneira incontrolável.
“ÉTICA” CORPORATIVA versus ÉTICA CIDADÃ
9ª - Essa consciência da auto-importância obriga o policial a abdicar de qualquer lógica corporativista.
Ter identidade com a polícia, amar a corporação da qual participa, coisas essas desejáveis, não se
podem confundir, em momento algum, com acobertar práticas abomináveis. Ao contrário, a verdadeira
identidade policial exige do sujeito um permanente zelo pela “limpeza” da instituição da qual participa.
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Um verdadeiro policial, ciente de seu valor social, será o primeiro interessado no “expurgo” dos maus
profissionais, dos corruptos, dos torturadores, dos psicopatas. Sabe que o lugar deles não é polícia, pois,
além do dano social que causam, prejudicam o equilíbrio psicológico de todo o conjunto da corporação e
inundam os meios de co-municação social com um marketing que denigre o esforço heróico de todos aqueles
outros que cumprem corretamente sua espinhosa missão. Por esse motivo, não está disposto a conceder-
lhes qualquer tipo de espaço.
Aqui, se antagoniza a “ética da corporação” (que na verdade é a negação de qualquer possibilidade
ética) com a ética da cidadania (aquela voltada à missão da polícia junto a seu cliente, o cidadão).
O acobertamento de práticas espúrias demonstra, ao contrário do que muitas vezes parece, o mais
absoluto desprezo pelas instituições policiais. Quem acoberta o espúrio permite que ele enxovalhe a imagem
do conjunto da instituição e mostra, dessa forma, não ter qualquer respeito pelo ambiente do qual faz parte.
CRITÉRIOS DE SELEÇÃO, PERMANÊNCIA E ACOMPANHAMENTO
10ª - Essa preocupação deve crescer à medida em que tenhamos clara a preferência da psicopatia
pelas profissões de poder. Política profissional, Forças Armadas, Comunicação Social, Direito, Medicina,
Magistério e Polícia são algumas das profissões de encantada predileção para os psicopatas, sempre em
busca do exercício livre e sem culpas de seu poder sobre outrem.
Profissões magníficas, de grande amplitude social, que agregam heróis e mesmo santos, são as
mesmas que atraem a escória, pelo alcance que têm, pelo poder que representam.
A permissão para o uso da força, das armas, do direito a decidir sobre a vida e a morte, exercem
irresistível atração à perversidade, ao delírio onipotente, à loucura articulada.
Os processos de seleção de policiais devem tornar-se cada vez mais rígidos no bloqueio à entrada
desse tipo de gente. Igualmente, é nefasta a falta de um maior acompanhamento psicológico aos policiais já
na ativa.
A polícia é chamada a cuidar dos piores dramas da população e nisso reside um componente
desequilibrador. Quem cuida da polícia?
Os governos, de maneira geral, estruturam pobremente os serviços de atendimento psicológico aos
policiais e aproveitam muito mal os policiais diplomados nas áreas de saúde mental.
Evidentemente, se os critérios de seleção e permanência devem tornar-se cada vez mais exigentes,
espera-se que o Estado cuide também de retribuir com salários cada vez mais dignos.
De qualquer forma, o zelo pelo respeito e a decência dos quadros policiais não cabe apenas ao
Estado mas aos próprios policiais, os maiores interessados em participarem de instituições livres de vícios,
valorizadas socialmente e detentoras de credibilidade histórica.
DIREITOS HUMANOS DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO versus HIERARQUIA
11ª - O equilíbrio psicológico, tão indispensável na ação da polícia, passa também pela saúde
emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, sabe-mos que policiais maltratados
internamente tendem a descontar sua agressividade sobre o cidadão.
Evidentemente, polícia não funciona sem hierarquia. Há, contudo, clara distinção entre hierarquia e
humilhação, entre ordem e perversidade.
Em muitas academias de polícia (é claro que não em todas) os policiais parecem ainda ser
“adestrados” para alguma suposta “guerra de guerrilhas”, sendo submetidos a toda ordem de maus-tratos
(beber sangue no pescoço da galinha, ficar em pé sobre formigueiro, ser “afogado” na lama por superior
11
hierárquico, comer fezes, são só alguns dos recentes exemplos que tenho colecionado à partir da narrativa
de amigos policiais, em diversas partes do Brasil).
Por uma contaminação da ideologia militar (diga-se de passagem, presente não apenas nas PMs mas
também em muitas polícias civis), os futuros policiais são, muitas vezes, submetidos a violento estresse
psicológico, a fim de atiçar-lhes a raiva contra o “inimigo” (será, nesse caso, o cidadão?).
Essa permissividade na violação interna dos Direitos Humanos dos policiais pode dar guarida à ação
de personalidades sádicas e depravadas, que usam sua autoridade superior como cobertura para o exercício
de suas doenças.
Além disso, como os policiais não vão lutar na extinta guerra do Vietnã, mas atuar nas ruas das
cidades, esse tipo de “formação” (deformadora) representa uma perda de tempo, geradora apenas de
brutalidade, atraso técnico e incompetência.
A verdadeira hierarquia só pode ser exercida com base na lei e na lógica, longe, portanto, do
personalismo e do autoritarismo doentios.
O respeito aos superiores não pode ser imposto na base da humilhação e do medo. Não pode haver
respeito unilateral, como não pode haver respeito sem admiração. Não podemos respeitar aqueles a quem
odiamos.
A hierarquia é fundamental para o bom funciona-mento da polícia, mas ela só pode ser
verdadeiramente al-cançada através do exercício da liderança dos superiores, o que pressupõe práticas
bilaterais de respeito, competência e seguimento de regras lógicas e suprapessoais.
DIREITOS HUMANOS DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO versus HIERARQUIA
12ª - No extremo oposto, a debilidade hierárquica é também um mal. Pode passar uma imagem de
descaso e desordem no serviço público, além de enredar na malha confusa da burocracia toda a prática
policial.
A falta de uma Lei Orgânica Nacional para a polícia civil, por exemplo, pode propiciar um desvio
fragmentador dessa instituição, amparando uma tendência de definição de conduta, em alguns casos, pela
mera junção, em “colcha de retalhos”, do conjunto das práticas de suas delegacias.
Enquanto um melhor direcionamento não ocorre em plano nacional, é fundamental que os estados e
instituições da polícia civil direcionem estrategicamente o processo de maneira a unificar sob regras claras a
conduta do conjunto de seus agentes, transcendendo a mera predisposição dos delegados localmente
responsáveis (e superando, assim, a “ordem” fragmentada, baseada na personificação). Além do conjunto da
sociedade, a própria polícia civil será altamente beneficiada, uma vez que regras objetivas para todos
(incluídas aí as condutas internas) só podem dar maior segurança e credibilidade aos que precisam executar
tão importante e ao mesmo tempo tão intrincado e difícil trabalho.
A FORMAÇÃO DOS POLICIAIS
13ª - A superação desses desvios poderia dar-se, ao menos em parte, pelo estabelecimento de um
“núcleo comum”, de conteúdos e metodologias na formação de ambas as polícias, que privilegiasse a
formação do juízo moral, as ciências humanísticas e a tecnologia como contraponto de eficácia à
incompetência da força bruta.
Aqui, deve-se ressaltar a importância das academias de Polícia Civil, das escolas formativas de
oficiais e soldados e dos institutos superiores de ensino e pesquisa, como bases para a construção da Polícia
Cidadã, seja através de suas intervenções junto aos policiais ingressantes, seja na qualificação daqueles que
12
se encontram há mais tempo na ativa. Um bom currículo e professores habilitados não apenas nos
conhecimentos técnicos, mas igualmente nas artes didáticas e no relacionamento interpessoal, são
fundamentais para a geração de policiais que atuem com base na lei e na ordem hierárquica, mas também na
autonomia moral e intelectual. Do policial contem-porâneo, mesmo o de mais simples escalão, se exigirá,
cada vez mais, discernimento de valores éticos e condução rápi-da de processos de raciocínio na tomada de
decisões.
CONCLUSÃO
A polícia, como instituição de serviço à cidadania em uma de suas demandas mais básicas —
Segurança Pública — tem tudo para ser altamente respeitada e valorizada.
Para tanto, precisa resgatar a consciência da importância de seu papel social e, por conseguinte, a
auto-estima.
Esse caminho passa pela superação das seqüelas deixadas pelo período ditatorial: velhos ranços
psicopáticos, às vezes ainda abancados no poder, contaminação anacrônica pela ideologia militar da Guerra
Fria, crença de que a competência se alcança pela truculência e não pela técnica, maus-tratos internos a
policiais de escalões inferiores, corporativismo no acobertamento de práticas incompatíveis com a nobreza da
missão policial.
O processo de modernização democrática já está instaurado e conta com a parceria de organizações
como a Anistia Internacional (que, dentro e fora do Brasil, aliás, mantém um notável quadro de policiais a ela
filiados).
Dessa forma, o velho paradigma antagonista da Segurança Pública e dos Direitos Humanos precisa
ser subs-tituído por um novo, que exige desacomodação de ambos os campos: “Segurança
Pública com Direitos Humanos”.
O policial, pela natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais marcante promotor
dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e qualificando-se como um personagem
central da democracia. As organizações não-governamentais que ainda não descobriram a força e a
importância do policial como agente de transformação, devem abrir-se, urgentemente, a isso, sob pena de,
aferradas a velhos paradigmas, perderem o concurso da ação impactante desse ator social.
Direitos Humanos, cada vez mais, também é coisa de polícia!
APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO EM DIREITOS HUMANOS PELOS OPERADORES DE
SEGURANÇA PÚBLICA OU ENCARREGADOS DE APLICAÇÃO DA LEI
" Os operadores diretos de Segurança Pública - policiais, bombeiros guardas municipais,
agentes penitenciários - são entes de tal importância para a manutenção de culturas democráticas de
direito, são agentes tão impactantes na consciência e também no inconsciente popular, que deles não
se pode pedir apenas que respeitam os direitos humanos (...) cabe-lhes, muito além, coprotagonizar
a promoção dos direitos humanos, cônscios de que são agentes proponentes de uma cultura moral,
balizadores imprescindíveis das condutas coletivas, contendedores de desvios individuais e grupais
13
que atacam os direitos e garantias do conjunto da sociedade e das pessoas dos cidadãos. (...)
Precisamos intensificar esforços no sentido da construção de uma cultura permanente de direitos
humanos, justiça e paz. Não há outra forma de fazê-lo a não ser através da educação."
(Ricardo Balestreri)
Arcabouço jurídico
Direito internacional: conceito, fontes e responsabilidade dos Estados
Conceito
Evolução histórica da proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana é
conquista no sentido de limitar e controlar os abusos cometidos pelo Estado e de suas autoridades
constituídas em favor da pessoa humana. É uma idéia bastante antiga e que nos dias de hoje se
cristalizam em forma de tratados e instrumentos internacionais e mesmo de legislação nacional. É
nesse contexto que se tem usado o direito internacional de modo a aprimorar e fortalecer o grau de
proteção dos direitos consagrados.
A definição clássica de direito internacional, ou de uma maneira mais restrita, o direito
internacional público, consiste no corpo de regras que governam as relações entre os Estados, mas
compreende também nas normas relacionadas ao funcionamento de instituições ou organizações
internacionais, a relação entre elas e a relação delas com o Estado e os indivíduos. Regula muitos
aspectos das relações internacionais e inclui regras sobre os direitos territoriais dos Estados
(relativas a: terra, mar e espaço aéreo), proteção do meio ambiente, comércio internacional, uso de
força pelos Estados, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional
Humanitário.
Como ensina MORAES (2000, p. 35), a necessidade primordial de proteção e
efetividade aos direitos humanos possibilitaram, em nível internacional, o surgimento de uma
disciplina autônoma ao direito internacional público, denominada Direito Internacional dos Direitos
Humanos, cuja finalidade precípua consiste na concretização da plena eficácia dos direitos humanos
fundamentais, por meio de normas gerais tuteladoras de bens da vida primordiais (vida, dignidade,
segurança, liberdade, honra, moral, dentre outros) e previsão de instrumentos políticos e jurídicos
de implementação dos mesmos.
É possível concluir que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é um ramo do
direito internacional público, criado para proteger a vida, a saúde, e a dignidade dos indivíduos,
que você estudará e compreenderá no decorrer deste curso, bem como entenderá qual sua
relação com a atividade policial.
Fontes do direito internacional
MELO (2002, p. 113) explica que as fontes do direito internacional se constituem dos
modos pelos quais o direito se manifesta, isto é, as maneiras pelas quais surge a norma jurídica.
Atualmente utiliza-se como referência de fonte do direito internacional, o artigo 38, do
Estatuto da Corte Internacional de Justiça, estabelecida pela Carta das Nações Unidas como o
14
principal órgão judiciário das Nações Unidas:
( http://www.unicrio.org.br/BibliotecaTextos.php?Texto=ESTATUTO %20DA CORTE.htm )
Artigo 38
A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que
lhe forem submetidas, aplicará:
a. As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras
expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b. O costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o
direito;
c. Os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas; e
d. Sob ressalva da disposição do artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos
juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das
regras de direito.
A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex
aeauo et Bono, se as partes com isto concordarem.
"Ex aequo et bono"
É expressão latina, comumente empregada na terminologia do direito para exprimir tudo o
que se faz ou se resolve, "segundo a equidade e o bem". Assim, decidir ou julgar ex aequo et bono,
quer significar decidir ou julgar por equidade.
Verifica-se que o costume e os tratados, para os funcionários encarregados pela
aplicação da lei, são sem dúvida as fontes mais importantes. Apesar disso, é útil mencionar fontes
subsidiárias de direito internacional, sem, contudo, entrar em detalhes sobre elas:
• Princípi
os gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
• Decisõ
es judiciais de cortes e tribunais internacionais;
• Ensina
mentos dos publicistas mais altamente qualificados das várias nações; e
• Resolu
ções da Assembléia Geral da ONU.
De acordo com ROVER (2005), a importância legal das resoluções da Assembléia Geral da
ONU é cada vez mais um assunto em debate. No que diz respeito ao funcionamento interno da
ONU, essas resoluções possuem efeito jurídico pleno. A questão que permanece, no entanto, é até
que ponto essas resoluções são legalmente obrigatórias aos Estados Membros, principalmente
àqueles que votaram contra as mesmas. Os critérios importantes para se determinar a
obrigatoriedade subsistem no grau de objetividade que cerca a adoção das resoluções e, até que
ponto, uma resolução pode ser considerada a expressão da consciência legal da humanidade como um
15
todo. Esse último aspecto é ainda mais importante do que a maioria dos Estados simplesmente adotar
a resolução. As resoluções emanadas da Assembléia Geral estão recebendo um apoio cada vez maior
por parte de escritores e publicistas como um meio subsidiário para se determinar estados de direito.
Responsabilidade dos Estados
Uma vez que um Estado assume obrigações no âmbito da comunidade internacional, como
por exemplo, assinando e ratificando tratados, convenções e protocolos, isto, muitas vezes, significa
que concordou em cumprir suas obrigações de maneira específica, assegurando que seus
governos, suas constituições e suas leis os possibilita cumprir suas obrigações internacionais.
Frequentemente é esse o caso na área dos direitos humanos, onde os Estados assumiram a
responsabilidade de fazer com que certas condutas - tortura e genocídio - sejam consideradas
crimes, e de puni-las por meio de seus sistemas jurídicos nacionais.
Um Estado não pode alegar disposições em sua Constituição ou legislação nacional como
desculpa para furtar-se a cumprir suas obrigações perante o direito internacional.
No direito internacional, a responsabilidade surge a partir da violação de qualquer
obrigação devida sob ele mesmo. Assim, todo ato ilícito internacional por parte de um Estado
resulta na sua própria responsabilidade internacional. Isso é tido como real quando:
A conduta resultante de uma ação ou omissão é atribuível (imputável) ao Estado perante
o direito internacional; e
A conduta resulta na violação de uma obrigação internacional daquele Estado.
A responsabilidade existe nos casos onde o próprio Estado (Legislativo, Executivo,
Judiciário, Constitucional ou outra autoridade) é o perpetrador e em situações onde a conduta de
uma pessoa ou órgão pode ser imputada ao Estado. O Estado não é responsável perante o direito
internacional pela conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas que não age em seu nome.
Quanto aos encarregados pela aplicação da lei, suas ações, quando executadas em
capacidade oficial, são imputáveis ao Estado e, consequentemente, são uma questão de
responsabilidade do mesmo.
É um princípio do direito internacional que qualquer inobservância ou violação de um
compromisso resulta na obrigação de fazer uma reparação.
A reparação deve, tanto quanto possível, eliminar todas as conseqüências do ato ilegal,
e restaurar a situação que teria existido, com toda a probabilidade, não fosse o ato cometido.
Direito Internacional Humanitário
Definição
O Direito Internacional Humanitário (DIH) é parte importante do direito internacional
público. É também conhecido pelo nome de Direito dos Conflitos Armados ou Direito da Guerra. É o
conjunto de normas cuja finalidade, em tempo de conflito armado, é de um lado, proteger as
pessoas que não participam, ou que deixaram de participar nas hostilidades e, por outro, limitar os
meios e métodos de fazer a guerra.
16
Existe um conflito armado quando elementos de Forças Armadas adversárias
empreendem, intencionalmente, operações militares contra as Forças Armadas do Estado, atacando
objetivos no território ou em águas territoriais de outro Estado.
O DIH se aplica nas seguintes situações:
Conflito armado internacional: Conflito armado entre Estados, inclusive se não houver
sido declarada guerra formalmente ou mesmo se não há atividades militares;
A totalidade do território de um Estado ou parte dele tenha sido ocupada,
inclusive se não tiver havido resistência armada a essa ocupação;
Quando povos lutem contra a dominação colonial, contra ocupação estrangeira ou
contra regimes racistas, no exercício de seu direito à livre determinação; e
Conflito armado não-internacional: Conflito armado que se desenvolve dentro do
território de um Estado, e se as forças armadas de outro Estado não participam das operações
militares.
O DIH não se aplica às situações de violência menor, tais como supressão de
motins, reuniões violentas, passeatas, manifestações, desordens e atos isolados de violência
análogos. Esses podem ser caracterizados como distúrbios ou tensões internas. Nesses casos se
aplicará a legislação nacional do país em questão.
Por que o policial deve conhecer o Direito Internacional Humanitário (DIH) na
aplicação da lei?
De acordo com ROVER (2005, p. 149), as situações de conflito armado não surgem
espontaneamente. São resultantes da deterioração do estado da lei e da ordem em um país, pelos
quais as organizações de aplicação da lei possuem uma responsabilidade direta. Pela verdadeira
natureza de seus deveres, o envolvimento prático dos encarregados pela aplicação da lei, em casos
de manifestações de violência, distúrbios e tensões, que podem gerar uma guerra civil, requer deles
que sejam cuidadosos e capazes de integrar os princípios de DIH e direitos humanos em suas
operações e treinamento. Por essa razão, para o correto desempenho de sua atividade, certo nível de
conhecimento do Direito Internacional Humanitário (DIH) é indispensável a eles.
Embora a função de aplicação da lei possa ser temporariamente suspensa durante as
situações de conflito armado, a subsequente investigação de (graves) violações do Direito de Guerra,
naturalmente, abrangerá uma responsabilidade pela aplicação da lei. Isso pode ser tomado como uma
razão adicional pela qual os encarregados pela aplicação da lei precisam estar familiarizados com o
DIH.
Princípios básicos do direito humanitário
1. Trato humano e não-discriminação
Toda pessoa deve ser tratada com humanidade e sem discriminação (sexo,
nacionalidade, raça, crença religiosa ou política). Ex: Os que estão fora de combate (combatentes que
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se renderam, feridos, enfermos, náufragos, prisioneiros de guerra), detidos, pessoas civis, pessoal
sanitário e religioso.
2. Necessidade militar
Toda atividade de combate deve justificar-se por motivos militares. Estão proibidas as
atividades que não sejam militarmente necessárias. São aquelas que não são proibidas pelo direito
humanitário e necessárias para derrotar o inimigo. Deve ser analisada, juntamente, com os princípios
de distinção e proporcionalidade.
3. Limitação
As armas e os métodos de guerra que podem ser utilizados são limitados. Estão proibidas
as armas que causem sofrimentos desnecessários ou danos supérfluos. Ex.: Estão proibidas aquelas
que causem ferimentos de impossível tratamento ou que causem morte lenta e cruel.
4. Distinção
Deve-se distinguir entre combatentes e não-combatentes. Deve-se também distinguir entre
objetivos militares (que podem ser atacados) e bens de caráter civil (que não podem ser atacados).
5. Proporcionalidade
Quando são atacados objetivos militares, as pessoas civis e os bens de caráter civil devem
ser preservados o melhor possível de danos colaterais. Não devem ser excessivos os danos
colaterais com respeito à vantagem militar direta e concreta esperada de qualquer ataque contra um
objetivo militar.
6. Boa-fé
Deve prevalecer a boa-fé nas negociações entre as partes beligerantes (que fazem
guerra ou estão em guerra).
A essência do Direito de Guerra:
• Atacar
somente alvos militares;
• Poupa
r pessoas e objetos sujeitos à proteção que não contribuam para o esforço militar; e
• Não
usar mais força do que o necessário para cumprir sua missão militar.
Divisão do Direito Internacional Humanitário
O Direito Internacional Humanitário é dividido basicamente em duas categorias:
Direito de Genebra
Trata da proteção das vítimas de guerra, sejam elas militares ou civis, na água ou em terra.
Protege todas as pessoas fora de combate, isto é, que não participam ou não estão mais participando
nas hostilidades: os feridos, os doentes, os náufragos e os prisioneiros de guerra. As quatro
Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, constituem o conjunto dessas normas de
proteção.
18
O Brasil ratificou as quatro convenções em 29 de junho de 1957. As convenções foram
ampliadas e suplementadas pela adoção dos dois Protocolos Adicionais de 10 de junho de 1977. O
Brasil ratificou os dois Protocolos Adicionais em 5 de maio de 1992.
Direito de Haia
Preocupa-se mais com a regulamentação dos métodos e meios de combate, e concentra-
se na condução das operações militares. O Direito de Haia é, portanto, de interesse fundamental ao
comandante militar em terra, mar e ar.
São exemplos atuais do Direito de Haia e suas ratificações pelo Brasil:
• Conve
nção sobre a proibição do desenvolvimento, produção e destruição de armas biológicas e tóxicas
(1972) - Brasil: 27 de fevereiro de 1973;
• Conve
nção sobre proibições e restrições do emprego de certas armas convencionais que causam danos
excessivos (1980) - Brasil: 3 de outubro de 1995; e
• Conve
nção sobre a proibição do emprego, armazenamento, produção e
transferência de minas antipessoal e sua destruição (Tratado de Ottawa - 1997) -
Brasil: 30 de abril de 1999.
As Convenções de Genebra e os Protocolos Adicionais
• A
Primeira Convenção de Genebra visa melhorar a situação dos feridos e doentes das Forças
Armadas em campanha.
• A
Segunda Convenção de Genebra visa melhorar a situação dos feridos, doentes e náufragos das
Forças Armadas no mar.
• A
Terceira Convenção de Genebra é relativa ao tratamento dos prisioneiros de guerra.
• A
Quarta Convenção de Genebra protege a população civil em tempo de guerra.
• O
Protocolo I trata também dos conflitos armados internacionais, incluindo guerras de libertação nacional
e destina-se, particularmente, a assegurar a proteção de civis contra os efeitos das hostilidades.
• O
artigo 3o, comum as quatro convenções de 1949, tem sido chamado de uma «miniconvenção»» por
direito próprio, porque contém regras que são aplicáveis não só a conflitos internacionais, mas também
a conflitos internos. Atualmente, essas regras são consideradas como sendo regras do Direito
Internacional Consuetudinário, isto é, uma coisa à qual os beligerantes (fazem guerra ou estão na
19
guerra) estão obrigados, independentemente das obrigações que eles possam ter em relação a
tratados. Elas representam um mínimo que tem de ser observado em todas as circunstâncias.
• O
Protocolo II, adicional às Convenções de Genebra, pode ser considerado como um desenvolvimento
do artigo 3o. Ele contém regras mais detalhadas aplicáveis no caso de um conflito armado interno.
• A
aplicação do DIH em tempo de conflito armado é necessária, pois:
Obriga juridicamente aos Estados e aos indivíduos nos Estados;
As graves violações do DIH são consideradas crimes de guerra que podem ser julgadas
perante tribunais, nacionais ou internacionais; e
Sua aplicação:
• Ressalt
a o profissionalismo dos integrantes das Forças Armadas;
• Reforç
a a moral e a disciplina;
• Tem o
apoio da população civil;
• Permit
e a reciprocidade, principalmente com relação a feridos, doentes e
prisioneiros de guerra;
• Melhor
ará as chances de uma paz sem ressentimentos;
• Logra
concentrar o esforço militar somente na derrota das Forças Armadas
inimigas; e,
• É uma
escolha política sensata.
(Para conhecer mais sobre o Direito Internacional Humanitário: página do Comitê Internacional da
Cruz Vermelha, (http://www.icrc.org/por).
Direito Internacional dos Direitos Humanos
Contexto e definição
De acordo com Rover (2005, p. 72), um direito é um título. É uma reivindicação que uma
pessoa pode fazer para com outra de maneira que, ao exercitar esse direito, não impeça que outrem
possa exercitar o seu. Assim sendo, os direitos humanos são títulos legais que toda pessoa possui
como ser humano. São universais e pertencem a todos, ricos ou pobres, homens ou mulheres.
Atualmente os direitos humanos são direitos legais, isto significa que fazem parte da
20
legislação. Estão tanto nos instrumentos internacionais como também são protegidos pelas
constituições e legislações nacionais da maioria dos países do mundo.
Os princípios fundamentais que constituem a legislação moderna dos direitos humanos
têm existido ao longo da história. No entanto, foi somente no século XX que a comunidade
internacional se tornou consciente da necessidade de desenvolver padrões mínimos para o tratamento
de cidadãos pelos governos.
Conforme ensina MORAES (2000, p. 36), a evolução histórica da proteção dos direitos
humanos fundamentais em diplomas internacionais é relativamente recente, iniciando-se com
importantes declarações sem caráter vinculativo, para posteriormente, assumirem a forma de
tratados internacionais, no intuito de obrigarem os países signatários ao cumprimento de suas normas.
Parte do Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH):
“Reconhecimento da dignidade inerente e... direitos iguais e inalienáveis a todos os
membros da família humana constituem o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo... o
desconhecimento e o desprezo dos direitos humanos conduziram a atos de barbárie... é essencial a
proteção dos direitos do homem, através de um estado de direito, para que o homem não seja
compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão...”
Torna-se necessário contextualizar os direitos humanos para que se possa explicar o papel
que os encarregados pela aplicação da lei devem desempenhar para promover e proteger os direitos
humanos.
Os encarregados pela aplicação da lei devem ser levados a compreender como o Direito
Internacional dos Direitos Humanos afeta o desempenho individual de seu serviço. Isso, por sua
vez, requer explicações adicionais sobre as consequências das obrigações de um Estado perante o
direito internacional para a lei e práticas nacionais.
O direito conhecido por Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) consiste num
conjunto de princípios e regras, com base nas quais os indivíduos ou grupos de indivíduos podem
esperar uma certa qualidade de comportamento ou benefícios, da parte das autoridades, somente por
virtude de serem seres humanos.
A Carta Internacional dos Direitos Humanos
A Carta Internacional dos Direitos Humanos é o termo utilizado como uma referência
coletiva a três instrumentos importantes dos direitos do homem, a saber:
Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) - Ratificada pelo Brasil em 10 de
dezembro de 1948;
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) - Ratificado pelo Brasil em
24 de janeiro de 1992; e
Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) -
Ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.
Os seguintes tratados sobre direitos do homem são também importantes:
21
Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio - Ratificada pelo
Brasil em 6 de maio de 1952;
Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação
Racial - Ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968;
Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as
Mulheres - Ratificada pelo Brasil em 1o de fevereiro de 1984;
Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis. Desumanos ou
Degradantes - Ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989;
Convenção sobre os Direitos da Criança - Ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de
1990;
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados - Ratificada pelo Brasil em 28 de janeiro
de 1961; e
Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados - Ratificado pelo Brasil em 7 de agosto de
1972.
Para aprofundar os estudos, acessar esses e outros instrumentos internacionais nas
seguintes páginas eletrônicas:
http://www.onu-brasil.org.br/documentos.php
http://www2.camara.gov.br/comissoes/cdhm/instrumentos
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sumario.htm
http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy of 20020319150524/link.20
06-01-24.8149148319/
http://www.mi.gov.br/main.asp?Team=%7B73F2E3CA
%2D0CF1%2D4375%2DAAA0%2DD 31EDF33B616%7D
http://www2.mre.gov.br/dai/quadros.htm
Vários corpos estabelecidos sob os auspícios da Carta das Nações Unidas ou dos
principais tratados internacionais sobre direitos humanos constituem, no seu conjunto, um sistema
internacional de supervisão dos direitos humanos.
Os funcionários encarregados de aplicar as leis devem estar familiarizados com os
relevantes sistemas de tratados regionais sobre direitos humanos, a saber:
A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos:
A Convenção Americana dos Direitos Humanos - Ratificada pelo Brasil em 25 de
setembro de 1992;
A Convenção Européia sobre a proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais
Conclusão
Neste módulo, estudamos o direito internacional, Direito Internacional Humanitário (DIH)
22
e Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). O estudo desse conteúdo possibilitou a
compreensão da relação existente, e não excludente, entre direitos humanos e as atividades
realizadas pelos profissionais da área de Segurança Pública.
Premissas básicas na aplicação da lei
Aplicação da lei nos Estados Democráticos
Conceitos
Democracia
O termo "democracia" tem muitos significados e existem várias formas de governos
democráticos.
De acordo com Cees de ROVER (1998, p. 142), é difícil chegar a uma definição
satisfatória de "democracia". A tentativa de definir democracia, provavelmente, levará ao
estabelecimento de características de um regime democrático que possam ser consideradas
denominadores comuns independente do sistema vigente em determinado Estado. Essas
características incluem:
• Um
governo democraticamente eleito que represente o povo e seja responsável perante a ele;
• A
existência do estado de direito e o respeito por ele; e
• O
respeito pelos direitos humanos e liberdades.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1o, estabelece
que o Estado Brasileiro constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos:
I. A
soberania;
II. A
cidadania;
III. A
dignidade da pessoa humana;
IV. Os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e
V. O
pluralismo político.
Acrescenta, ainda, em seu parágrafo único que:
Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.
Da mesma forma que explicitado no artigo 21, da Declaração Universal dos Direitos
23
Humanos (DUDH), que estipula que "a vontade do povo é a base da autoridade do governo..." e
complementa:
3. "(...) esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio
universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto."
1. Toda
pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de
representantes livremente escolhidos.
2. Toda
pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país."
Estado de direito
A existência do estado de direito e o respeito por ele origina uma situação onde os
direitos, liberdades, obrigações e deveres estão incorporados na lei para todos, em plena igualdade,
e com a garantia de que as pessoas serão tratadas, equitativamente, em circunstâncias similares.
(Cees de ROVER 1998, p. 143) Esse aspecto fundamental pode ser encontrado no artigo 26, do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que estipula que "todas as pessoas são iguais perante a
lei e têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei...", bem como no caput do artigo 5o,
da Constituição Federal:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes".
Você pode perceber que esses ideais são interdependentes e fundamentais para que os
direitos humanos sejam mais bem protegidos pelo processo democrático e a aplicação da lei.
Democracia e direitos humanos caminham juntos. "Não há democracia sem direitos
humanos e não há direitos humanos sem democracia" (PIOVESAN, 2003). No caso do Brasil, a história
dos direitos humanos está diretamente vinculada com a história das constituições brasileiras.
Aplicação da lei
Na ação global do Estado para a realização da lei, existe um conjunto de instituições
públicas encarregadas com diferentes funções com esse propósito comum, ocupando-se dela, em
particular de tornar realidade o direito no campo da ordem e a Segurança Pública, conforme ensina
Andrés Domingues Vial (1996,36).
Em um Estado Democrático de Direito, o conceito de ordem e Segurança Pública tem sua
origem nos fundamentos da democracia e recebem dos órgãos encarregados pela aplicação da lei, o
conteúdo substantivo de sua missão, o que não implica, por sua vez, que não tenha autonomia
ideológica para defini-la e tampouco lhes corresponde invadir esferas de ação que não são próprias
desses órgãos do Estado.
É importante saber, que os órgãos que aplicam a lei recebem seus poderes dos órgãos
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próprios ao Estado Democrático de Direito - Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário - para garantia
da ordem e a Segurança Pública, tal como surgem das bases da institucionalização da democracia,
desenvolvendo as políticas de justiça para a aplicação da lei que é definida por quem representa a
vontade do povo. É requisito essencial, no Estado Democrático de Direito, que os órgãos
encarregados pela aplicação da lei prestem contas de seus serviços prestados à comunidade,
direta ou indiretamente, através de seus representantes.
Conduta ética e legal pela aplicação da lei
Qual a conduta ética e legal a adotar para cumprir nosso papel de encarregados de
aplicação da lei?
O ambiente social global está em constante mutação e exige cada vez mais dos
Estados, suas instituições e seus funcionários. As pessoas não esperam apenas que o Estado
disponibilize os melhores serviços, mas aguardam também que a conduta de suas instituições e seus
funcionários seja ética e responsável.
Não basta fazer as coisas bem, é fundamental fazê-las da forma correta. A forma como
os funcionários efetuam o seu trabalho é tão importante como o trabalho em si. É fundamental que
sua conduta seja íntegra e em conformidade com as leis e os regulamentos que regem as suas
atividades.
Na atividade dos órgãos encarregados pela aplicação da lei essa questão deve ser
tratada com especial distinção, pois, seus Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei
(FEAL) possuem, com exclusividade, as faculdades profissionais para privar uma pessoa de
liberdade ou, até mesmo, usar a força e arma de fogo contra um cidadão.
O emprego desses poderes deve ajustar-se aos princípios de legalidade, necessidade e
proporcionalidade. Porém, esses três conceitos podem ser interpretados subjetivamente, como
por exemplo:
• No
caso da legalidade, não é só importante a lei, mas também saber seu espírito, cabendo ao FEAL
aplicar o poder discricionário.
• Na
hipótese de recorrer à força, o grau a ser empregado (proporcionalidade) em uma determinada
situação depende de uma avaliação subjetiva dessa necessidade.
Essa avaliação subjetiva, por sua vez, não pode depender somente de uma noção pessoal
de ética, mas sim de uma ética profissional. Quando se busca um médico ou um advogado está se
manifestando confiança nessa pessoa. O mesmo acontece quando os cidadãos necessitam da ajuda
de um FEAL. Esperam, dentre outras coisas, que se guarde a confidencialidade da informação e
proteção.
Para auxiliar nessa tarefa é que existem códigos, princípios, guias e manuais que
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orientam a conduta desses profissionais. Alguns deles você estudará a seguir.
Código de Conduta das Nações Unidas para os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei
As pessoas confiam na existência de uma deontologia profissional e, neste contexto, o
que mais se destaca é o Código de Conduta das Nações Unidas) para os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei.
Esse instrumento foi adotado por intermédio da Resolução n° 34/169, de 17 de
dezembro de 1979, da Assembléia Geral das Nações Unidas.
Por meio dessa resolução, o código de conduta foi transmitido aos governos com a
recomendação de que uma consideração favorável fosse dada à sua utilização, dentro da estrutura da
legislação ou prática nacional como um conjunto de princípios a ser observado pelos funcionários
responsáveis pela aplicação da lei. Não é um tratado, mas pertence à categoria dos instrumentos que
proporcionam normas orientadoras aos governos sobre questões relacionadas com direitos humanos
e justiça criminal.
É importante notar que, como foi reconhecido por aqueles que elaboraram o código, esses
padrões de conduta deixam de ter valor prático a não ser que o seu conteúdo e significado, através de
educação, treinamento e acompanhamento, passem a fazer parte da crença de cada indivíduo
encarregado pela aplicação da lei.
O código consiste em oito artigos, acompanhados por seus respectivos
comentários explicativos. Acompanhe-os a partir de agora:
O artigo 1o estipula que "os encarregados pela aplicação da lei devem sempre
cumprir o dever que a lei lhes impõe..."
Nos parágrafos a. e b., dos comentários do artigo 1o, a seguinte definição é fornecida:
a. O termo 'funcionários encarregados pela aplicação da lei' inclui todas as
autoridades legais, tanto nomeadas quanto eleitas, que exercem poderes policiais,
especialmente poderes de prisão e de detenção.
b. Nos países onde os poderes policiais são exercidos por autoridades militares,
quer estejam uniformizadas ou quer não, ou por forças de segurança do Estado, a
definição de funcionários encarregados pela aplicação da lei deve ser considerada
incluindo as autoridades desses tais serviços."
O artigo 2o requer que os encarregados pela aplicação da lei, no cumprimento do dever,
respeitem e protejam a dignidade humana, mantenham e defendam os direitos humanos de
todas as pessoas.
O artigo 3o fornece normas sobre o uso da força, nos seguintes termos: "Os funcionários
encarregados pela aplicação da lei podem fazer uso da força quando estritamente necessário
e até a extensão requerida para o cumprimento de seu dever".
O parágrafo a., dos comentários desse artigo, estabelece que o uso da força policial
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deveria ser excepcional e que, enquanto a polícia faz uso de uma tal força dentro do razoavelmente
necessário, para a prevenção do crime, a realização ou para a assistência à detenção legítima de
delinqüentes ou de cidadãos suspeitos, nenhuma outra força além dessa pode ser usada.
O parágrafo b. destaca que a lei nacional, normalmente, restringe o uso da força policial
de acordo com o princípio da proporcionalidade, e afirma que deve ser entendido que tais princípios
nacionais de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretação daquele artigo.
O parágrafo c. dá ênfase ao uso de armas de fogo, o qual é considerado como sendo uma
medida extrema e que qualquer esforço deveria ser feito para proibir seu uso, especialmente contra
crianças. Ele estabelece que, em geral, as armas de fogo não deveriam ser usadas, a não ser quando
um cidadão suspeito oferece uma resistência armada ou, ainda, coloca em risco a vida de outras
pessoas, e que medidas menos extremas não são suficientes para detê-lo ou apreendê-lo. O mesmo
parágrafo obriga a rápida apresentação de um relatório às autoridades competentes cada vez que uma
arma de fogo é utilizada pela polícia.
As normas sobre o uso da força pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
incorporadas no artigo e no comentário, reiteram a importância dos princípios de proporcionalidade
(a força sendo usada somente até a necessária extensão) e da necessidade (a força sendo usada
somente quando é estritamente necessária).
Parágrafos do artigo 3o:
O primeiro parágrafo do comentário do artigo põe em evidência as razões para as quais
o uso da força é considerado necessário - na prevenção do crime e no exercício dos poderes legais
de apreensão, porém, o termo "razoavelmente necessário", utilizado no parágrafo, parece abrandar
um pouco o termo "estritamente necessário", utilizado no próprio artigo (e, da mesma maneira, o
termo "absolutamente necessário", utilizado no artigo 22, da Convenção Européia sobre os Direitos
Humanos). A diferença é provavelmente atribuída a falta de cuidado na redação do instrumento
legal, pois é claro que a norma se apoia na noção de "estrita" ou "absoluta" necessidade.
O terceiro parágrafo do comentário exclui a utilização das armas de fogo por qualquer
outra razão que não seja a legítima defesa. O significado da exigência, como expressa naquele
parágrafo, pela qual um relatório deve ser apresentado quando uma arma de fogo é disparada por
um policial, é parte do processo para assegurar uma responsabilidade efetiva da polícia para com
seus atos. Não se trata de uma mera formalidade. É de fato um elemento importante na
investigação obrigatória que segue uma morte causada por uma autoridade policial, e pode agir
como uma dissuasão contra o uso ilegítimo de armas de fogo pela polícia.
Como se verifica, o poder do uso da força e o emprego de armas de fogo pelos FEAL têm
implicações de grande alcance e profundidade e, por essa razão, foi elaborado um instrumento
internacional específico que estabelece princípios para seu emprego. Esse documento denominado
Princípios Básicos sobre o uso da Força e Armas de Fogo foi adotado pelo Oitavo Congresso das
Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de Infratores, em 7 de setembro de 1990.
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O artigo 4o estipula que os assuntos de natureza confidencial em poder dos
encarregados pela aplicação da lei devem ser mantidos confidenciais, a não ser que o cumprimento do
dever ou a necessidade de justiça exijam estritamente o contrário.
Em relação a esse artigo, é importante reconhecer o fato de que, devido à natureza das
suas funções, os encarregados pela aplicação da lei se vêem em uma posição na qual podem obter
informações relacionadas à vida particular de outras pessoas, que podem ser prejudiciais aos
interesses ou reputação delas. A divulgação dessas informações só pode ser feita com o fim de suprir
as necessidades da Justiça ou o cumprimento do dever. Fora disso, é imprópria, e os encarregados
pela aplicação da lei devem abster-se de fazê-lo.
O artigo 5o reitera a proibição da tortura ou outro tratamento ou pena cruel, desumano
ou degradante.
O artigo 6o diz respeito ao dever de cuidar e proteger a saúde das pessoas privadas da
sua liberdade.
O artigo 7° proíbe os encarregados pela aplicação da lei de cometer qualquer ato de
corrupção. Também devem opor-se e combater rigorosamente esses atos.
O artigo 8o trata da disposição final aconselhando os encarregados pela aplicação da lei a
respeitar a lei e o código. Os encarregados pela aplicação da lei são incitados a prevenir e se opor a
quaisquer violações da lei e do código. Em casos onde a violação do código é (ou está para ser)
cometida, os encarregados pela aplicação da lei devem comunicar o fato aos seus superiores e, se
necessário, a outras autoridades apropriadas ou organismos com poderes de revisão ou reparação.
Princípios orientadores para a aplicação efetiva do Código de Conduta para os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei
Com o objetivo de promover a aplicação do citado código de conduta, o Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas, em 24 de maio de 1989, por ocasião de sua 15a sessão
plenária, adotou os Princípios orientadores para a aplicação efetiva do Código de Conduta para os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei, que prevê uma série de providências.
Íntegra dos Princípios orientadores para a aplicação efetiva do Código de Conduta para
os FEAL: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/ajus/prev19.htm
Providências
"A. Princípios gerais
1. Os princípios consagrados no código deverão ser incorporados na legislação e práticas
nacionaisf...]
4. Os governos devem adotar as medidas necessárias para que os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei recebam instrução, no âmbito da formação de base e de todos os cursos posteriores de
formação e de aperfeiçoamento, sobre disposições da legislação nacional relativas ao código, assim como
outros textos básicos sobre a questão dos direitos do homem [...]
B. Questões específicas
2. Remun
eração e condições de trabalho. Todos funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ser
satisfatoriamente remunerados e beneficiados de condições de trabalho adequadas[...]
28
3. Discipli
na e supervisão. Devem ser estabelecidos mecanismos eficazes para assegurar a disciplina interna e o controle
externo, assim como a supervisão dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei [...]
II. Implementação do código
A. A nível nacional
1. O código deve estar à disposição de todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei e
das autoridades competentes na sua própria língua [...]
B. A nível internacional
1. Os governos devem informar o secretário-geral, em intervalos apropriados de, pelo menos, cinco
anos, sobre os progressos na implementação do código ...]"
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem contribuído, significativamente, com a difusão dessas
normas, através da capacitação de profissionais de várias forças policiais e de segurança pelo mundo e, mais
recentemente, com o trabalho de integração das Normas Internacionais de Direitos Humanos aplicáveis às Funções
Policiais, nas matrizes curriculares de cursos de formação, na área de treinamento e na área de doutrina policial de
algumas polícias no Brasil e outros paises latino-americanos, com os quais firmou convênio para esse fim.
Conheça o "Guia de Direitos Humanos - Conduta ética. técnica e legal para
instituições policiais militares":
http://www.mi.gov.br/sedh/popc/publicacoes/f_dh_policia.pdf publicação da Secretaria Nacional
dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Conclusão
Foram estudados os aspectos legais, morais e éticos da profissão sob pena de cometer
desvios de conduta e abusos nos poderes que nos foram conferidos para atuação em defesa da
sociedade.
Tivemos oportunidade de verificar que existem normas internacionais e legislação
nacional própria que dizem respeito ao tema e dão uma excelente orientação para a conduta a ser
adotada. Entretanto, não basta somente ter a base legal para que isso se reflita em comportamentos
na linha de frente operacional, é necessário ter sob constante avaliação e treinamento tanto o
conhecimento como as habilidades práticas dos policiais.
Módulo 3 - Responsabilidades básicas da atividade policial1 - Prevenção e detecção do crime
De acordo com Rover (2005), a prevenção e detecção do crime estão entre as áreas de
interesse imediato das organizações de aplicação da lei em todo o mundo.
O crime é inerente à vida cotidiana e as organizações de aplicação da lei fazem o
máximo para erradicar sua ocorrência. Entretanto, o número de crimes solucionados pela polícia é
menor que o número de crimes praticados.
A responsabilidade pela prevenção e detecção do crime é atribuída primariamente às
organizações policiais, mas a efetiva prevenção e detecção do crime também dependem muito dos
níveis existentes e da qualidade da cooperação entre a organização de aplicação da lei e a
comunidade (políticos, membros do judiciário, grupos comunitários, corporações públicas e privadas,
29
bem como indivíduos) a que essa serve.
Esse ponto é bastante claro na Constituição Brasileira de 1988: Artigo 144. A
Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (...)
É claro que nas suas tarefas de prevenir e detectar crimes, a polícia deve respeitar os
direitos humanos em todas as ocasiões. Por isso, uma prevenção e detecção de crimes devem
basear-se em práticas e tácticas legais e não-arbitrárias.
Dentre os princípios do Direito Internacional de Direitos Humanos que delimitam as
práticas de aplicação da lei, destacam-se os seguintes:
- A presunção da inocência;
- O direito de todas as pessoas a um julgamento justo; e
- O respeito pela dignidade, honra e privacidade.
A presunção da inocência
Esse direito está consagrado em vários instrumentos e normas internacionais das
quais se destacam:
O artigo 11, da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento
público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
O artigo 14 (2), do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos:
2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.
O artigo 7o (1,b), da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos:
1. Toda pessoa tem direito que a sua causa seja apreciada. Esse direito
compreende:
b) O direito de presunção de inocência, até que a sua culpabilidade seja
estabelecida por um tribunal competente.
O artigo 8o (2), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa.
O artigo 6o (2), da Convenção Européia dos Direitos do Homem:
2. Everyone charged with a criminal offence shall be presumed innocent until
proved guilty according to law. (Qualquer pessoa acusada de um crime deve presumir-se
inocente até que seja legalmente considerada culpada.)
A Constituição Brasileira também faz essa previsão em seu artigo 5 o . LVII:
LVII - Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.
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Como é possível verificar o direito fundamental da presunção da inocência está contido
em vários instrumentos e normas internacionais e nacionais, do que é possível entender:
• A culpabilidade ou a inocência só pode ser determinada por um tribunal regularmente
constituído, com base em um processo regular no âmbito do qual tenham sido concedidas ao
acusado todas as garantias necessárias para a sua defesa;
e
• O direito à presunção de inocência, até prova em contrário, é essencial para garantir
um julgamento justo.
Rover (2005) reforça esse entendimento enfatizando que uma das tarefas primárias na
aplicação da lei é a de trazer os infratores à Justiça e não compete aos encarregados da aplicação
da lei decidir sobre a culpa ou inocência de uma pessoa capturada por um delito. Sua
responsabilidade é registrar, de forma correta e objetiva, todos os fatos relacionados a um crime
cometido. Os encarregados da aplicação da lei são responsáveis pela busca de fatos, ao passo que o
Judiciário é o responsável pela apuração da verdade, analisando esses fatos com o propósito de
determinar a culpa ou inocência da(s) pessoa(s) acusada(s).
O direito de todas as pessoas a um julgamento justo
Em relação ao direito a um julgamento justo tem-se que ter em mente que essa garantia
se aplica tanto aos processos civis como aos criminais e administrativos. É imprescindível oferecer as
partes do processo o direito à ampla defesa e ao contraditório, ou seja, dar às partes a chance de
contra-argumentar e expor os argumentos de sua defesa.
Esse direito está consagrado no artigo 10, da Declaração Universal dos Direitos do
Homem: Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por
parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 14,
estabelece disposições e uma série de garantias mínimas consideradas necessárias para
assegurar o direito a um processo justo. Essas garantias mínimas foram incorporadas na legislação
da maioria dos países do mundo.
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
Artigo 14 (...)
1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa
terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal
formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o
público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, que por motivo de moral
pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o
interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida em que isso seja estritamente necessário
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na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os
interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tornar-
se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou o processo diga
respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.
2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, a, pelo menos, as
seguintes garantias:
a) De ser informado, sem demora, numa língua que compreenda e de forma minuciosa,
da natureza e dos motivos da acusação contra ela formulada;
b) De dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a
comunicar-se com defensor de sua escolha;
c) De ser julgado sem dilações (demora) indevidas;
d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio de
defensor de sua escolha; de ser informado, caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo
e, sempre que o interesse da justiça assim exija, de ter um defensor designado "ex offício",
gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo;
e) De interrogar ou fazer interrogar as testemunhas da acusação e de obter o
comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que
dispõem as de acusação.
f) De ser assistida gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda ou não fale a
língua empregada durante o julgamento;
g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
4. O processo aplicável a jovens que não sejam maiores nos termos da legislação penal
levará em conta a idade dos menores e a importância de promover sua reintegração social;
5. Toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença
condenatória e da pena a uma instância, em conformidade com a lei;
6. Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente anulada ou se
indulto for concedido, pela ocorrência ou descoberta de fatos novos que provem cabalmente a
existência de erro judicial, a pessoa que sofreu a pena decorrente dessa condenação deverá ser
indenizada, de acordo com a lei, a menos que fique provado que se lhe pode imputar, total ou
parcialmente, não-revelação dos fatos desconhecidos em tempo útil; e
7. Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou
condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais
de cada país.
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O respeito pela dignidade, honra e privacidade
De acordo com Rover (2005), as ações e investigações conduzidas por policiais na
prevenção ou detecção do crime conduzirão a situações em que muitas das ações tomadas
resultarão na invasão da vida privada de indivíduos.
É preciso levar em conta que todos os países têm um código do processo penal ou
orientações que definirão os poderes de investigação e as competências dos policiais e seu alcance
prático.
Abaixo alguns dispositivos internacionais que prevêem a proteção da privacidade, a honra
e a reputação dos indivíduos.
Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Artigo 12. Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em
seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem
direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade
1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade;
2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua
família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou
reputação; e
3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.
Como se percebe, todas essas normas têm repercussões óbvias sobre as ações e
investigações policiais. Como exemplo, é possível citar as revistas e buscas de pessoas, instalações,
veículos e outros bens, bem como a interceptação de correspondência, mensagens telefônicas e
outras comunicações. Todas essas ações deverão respeitar a lei e ser, absolutamente, necessárias
para fins legítimos de aplicação da lei.
Outro instrumento internacional que já estudamos é o Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, onde a proteção da intimidade é reforçada pelas
disposições do artigo 4o que estabelece:
As informações de natureza confidencial em poder dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem ser mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento do dever ou as
necessidades da justiça estritamente exijam outro comportamento.
Comentário
Devido à natureza dos seus deveres, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
obtêm informações que podem relacionar-se com a vida particular de outras pessoas ou ser
potencialmente prejudiciais aos seus interesses e, especialmente, à sua reputação. Deve-se ter a
máxima cautela na salvaguarda e utilização dessas informações as quais só devem ser divulgadas no
desempenho do dever ou no interesse. Qualquer divulgação dessas informações para outros fins é
33
totalmente abusiva.
As responsabilidades dos policiais e suas práticas de aplicação da lei nessa área
requerem supervisão estrita, tanto internamente na organização (superiores hierárquicos e
corregedoria) como um controle externo (ouvidorias de polícia, Ministério Público, dentre outros). O
registro e o controle das ações são fundamentais, pois permitirão que um juízo justo e imparcial seja
feito a respeito de sua legitimidade e não-arbitrariedade, quando um caso em particular vier a
julgamento.
Rover (2005) ressalta que a prevenção e detecção do crime são áreas da aplicação da lei
que exigem padrões altos de moralidade e ética dos policiais, pois é justamente na condução
de investigações que se verificam grande parte das violações dos direitos e liberdades
individuais das pessoas capturadas e/ou detidas. Ele cita como exemplos: o preconceito por
parte dos encarregados das investigações, o uso de provas obtidas por meio de práticas ilícitas, a
pressão sutil sobre a pessoa acusada para obter testemunho.
O modo como nós todos desempenhamos nossa atividade profissional é que darão a
exata noção do que significa a presunção da inocência, um julgamento justo e o respeito pela
dignidade da pessoa humana. O modo profissional de se trabalhar resultará na contribuição
individual para os resultados coletivos e a imagem da sua corporação como um todo.
É possível concluir que a polícia e outros profissionais encarregados pela
aplicação da lei são, muitas vezes, a primeira linha de defesa dos direitos fundamentais da
pessoa humana e, agindo assim, reforçam a noção de Estado Democrático de Direito.
A manutenção da ordem pública
A ordem pública
De ROVER (2005) explica que a paz, a estabilidade e a segurança de um país
dependem, em larga escala, da capacidade de suas organizações de aplicação da lei em fazer cumprir
a legislação nacional e manter a ordem pública de forma eficaz. Ressalta que policiar ocorrências de
vulto, inclusive reuniões e manifestações, requer mais do que a compreensão das responsabilidades
legais dos participantes de tais eventos. Requer, também, a compreensão simultânea dos direitos,
obrigações e liberdades perante a lei daquelas pessoas que deles não participam. Conclui o autor
afirmando que uma das descrições da essência da manutenção da ordem pública é permitir a reunião
de um grupo de pessoas, que esteja exercitando seus direitos e liberdades legais sem infringir os
direitos de outros, enquanto, ao mesmo tempo, assegurar a observância da lei por todas as partes.
Lazzarini (2001) escreve que o homem é o cidadão que vive em uma determinada
sociedade, certo que o fato de ser cidadão propicia a cidadania, ou seja, condição jurídica que pode
ostentar as pessoas físicas e morais, que, por expressar o vínculo entre o Estado e seus membros,
implica, de um lado, submissão à autoridade e, de outro, o exercício de direito, porque o cidadão é
membro ativo de uma sociedade política independente.
O vínculo entre o Estado e seus cidadãos, com submissão desses à autoridade do Estado,
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há de estar disciplinada por princípios jurídicos que informam, em especial, as atividades
administrativas, inclusive as desenvolvidas no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e as do Poder
Executivo.
No conjunto do ordenamento jurídico de um Estado, é muito comum falar-se em leis de
ordem pública. As leis são os preceitos escritos, formulados pelas autoridades constituídas com poder
de legislar. As leis de ordem pública são as que vão estabelecer princípios indispensáveis à vida e
manutenção e preservação do próprio Estado. Ao contrário, as leis de ordem privada dizem respeito,
principalmente, aos interesses de ordem particular, regulando as relações dos indivíduos entre si ou
deles com o Estado.
As idéias que surgem do conceito de ordem pública são as de vida em paz, bem-estar
social, cooperação dos membros de uma sociedade para o convívio harmonioso e que todos possam
desenvolver plenamente suas potencialidades, exercerem seus direitos, ter a garantia de que podem
invocar a proteção de um órgão superior do Estado, no caso de violações dos mesmos.
"Es el estado de paz y armonía de una sociedad cuando se somete al respeto de Ias normas
establecidas por el estado, entre Ias Ubertades y derechos individuales y el interés general y cuya
ruptura haría imposible Ia convivência y el cumplimento de los fines del estado y de sus
instituciones" (RAMIREZ, p. 12)
É a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas
precípuas atribuições, os cidadãos estão em harmonia, respeitando as regras formais de coexistência.
A ordem pública não se confunde com a ordem jurídica, embora tenha a sua existência dela
derivada. (KLINGER, 1983)
Ordem pública
Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da nação, tendo por
escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de
convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou
condição que conduza ao bem comum. (R-200).
Entretanto, existem situações em que pessoas ou coletividades não se submetem ou não
querem submeter-se à autoridade estatal podendo ocorrer dessa forma, uma ruptura no cumprimento
e na obediência das normas legais e sociais. Nesse momento, o Estado tem a incumbência de
manter e preservar essa ordem social, em favor da coletividade. Um dos meios mais comumente
utilizados para restaurar a ordem violada na administração pública é a polícia e, em casos extremos
onde a instituição policial é deficitária ou insuficiente, essas funções são atribuídas às forças
militares (Forças Armadas).
Nesse caso, as forças militares desempenham funções na comunidade civil que,
habitualmente, é uma incumbência dos funcionários responsáveis pelo cumprimento da lei (polícia).
As forças militares devem aplicar as normas legais que regem a atuação dos funcionários
35
responsáveis pelo cumprimento da lei, especialmente com relação ao uso da força e das armas de
fogo.
Deve-se prestar especial atenção à instrução dos militares antes de empreender uma
operação de segurança interna. Pois, apesar de realizarem tarefas relacionadas para fazer cumprir a
lei, perdura a essencialidade da força militar. Os membros das Forças Armadas não são policiais
quando realizam uma operação de segurança interna, eles apenas ajudam a polícia a manter a ordem
pública.
As forças militares que participam de operações de segurança interna não necessitam
receber instruções a respeito de toda a gama de capacidades e poderes relacionados com a polícia, tal
como a investigação do delito. Mas, devem receber instrução efetiva sobre os poderes fundamentais
relacionados com o fato de cumprir a lei: uso da força, prisão e detenção.
Surge, assim, a necessidade da intervenção do Estado para realizar a manutenção da ordem
pública violada e assegurar o estado de legalidade impedindo a ruptura dessa mesma ordem, velando
para que as leis e normas decorrentes sejam observadas.
A manutenção é ação; manutenção da ordem pública é ação inerente a órgão policial no
campo da Segurança Pública.
Verifica-se que o tema da manutenção da ordem pública é abordado em vários
manuais policiais como sinônimo de controle da ordem pública e operações de controle de
distúrbios civis. Já em manuais militares aparece como sinônimo de operações de segurança
interna [operaciones de seguridad interna I Internai securíty operations], operações de garantia da
lei e da ordem, low intensity operations [operações de baixa intensidade], operations other than
war [operações - militares - distintas da guerra], military operations other than war (MOOTW)
[outras operações militares que não sejam a guerra] - muito utilizada pelas fontes norte-americanas,
dentre outras.
Não existe uma definição padrão para as operações de segurança interna. Utilize a
seguinte:
Operações que impliquem o emprego de forças armadas em apoio às autoridades civis
com a finalidade principal e manter e restabelecer a ordem. (ROBERTS, 2002)
Manutenção da ordem pública
É o exercício dinâmico do poder de polícia, no campo da Segurança Pública,
manifestado por atuações predominantemente ostensivas, visando prevenir, dissuadir, coibir ou
reprimir eventos que violem a ordem pública.
Perturbação da ordem
Abrange todos os tipos de ação, inclusive as decorrentes de calamidade pública que, por
sua natureza, origem, amplitude e potencial possam vir a comprometer na esfera estadual, o exercício
dos poderes constituídos, o cumprimento das leis e a manutenção da ordem pública, ameaçando a
população e propriedades públicas e privadas. (R-200)
36
No conceito de Lazzarini (2001), o ramo do direito que deve instrumentalizar tudo
isso em termos de administração pública é o direito administrativo. Esse como principal ramo do
direito público, infraconstitucional, se relaciona, à evidência, com os denominados "direitos humanos
fundamentais", considerados por Alexandre de Morais (2000) como sendo:
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por
finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder
estatal e o estabelecimento de condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade
humana.
Poderes da Administração Pública
Como poderes instrumentais da administração pública estão os poderes: vinculado,
discricionário, hierárquico, disciplinar, regulamentar e o de polícia, não se podendo considerar
como poder o arbítrio, porque arbítrio significa extrapolar os limites da legalidade na manifestação
da vontade do órgão administrativo, no que se diferencia do discricionário que, nos critérios de
conveniência e oportunidade, se sujeita aos princípios da legalidade, da realidade e da
razoabilidade.
Embora não se possa dizer da prevalência de um sobre outro poder instrumental, é
forçoso reconhecer que o poder de polícia, do qual decorre o poder da polícia e a própria razão da
existência da polícia, como força pública do Estado. É um dos mais importantes desses poderes
administrativos, como se examinará em especial na realização plena dos direitos de cidadania, que
envolve o exercício efetivo e amplo dos direitos humanos, nacional e internacionalmente
assegurados. É o poder que exerce a administração pública sobre todas as atividades e bens que
afetam ou possam afetar a coletividade.
O Estado, por intermédio de suas polícias, deve zelar e velar pelo bem-estar coletivo e
dos cidadãos em particular, cabendo-lhe, como conseqüência, o direito-dever ou, até mesmo, o
dever-poder de tudo fazer na defesa desses direitos. (MAGALHÃES, 1987, p. 61)
O poder de polícia
Poder de polícia é a competência institucional que a administração pública tem para
impor restrições a certas atividades privadas e obrigar ou proibir determinadas formas de
utilização das coisas, tendo em vista o bem comum.
Consiste numa limitação do exercício da liberdade e da propriedade dos indivíduos para
que, no uso delas, os membros da coletividade se mantenham ajustados a padrões compatíveis
com os objetivos sociais. O Estado cumpre sua missão de defensor e propagador dos interesses
gerais, coibindo os excessos e prevenindo as perturbações à ordem jurídico-social. (MEIRELLES 1997,
p. 115)
MARQUES (2001) explica que o poder de polícia é a denominação de um dos poderes
concedidos ao Estado para atuar, no uso de sua função social, em benefício da ordem jurídica e
socioeconômica vigente. Usando esse poder, a administração estabelece medidas, mesmo que
37
restritivas aos direitos individuais, que se tornam necessárias para a manutenção e segurança da
ordem, da moralidade social e da saúde pública, visando, em última instância, assegurar a própria
liberdade individual, a propriedade pública e privada e o bem-estar coletivo.
Na visão de HELY LOPES MEIRELES (1997), "poder de polícia é a faculdade de que dispõe
a administração pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos
individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado". Para o autor, ele é o
mecanismo de frenagem de que dispõe a administração pública para conter os abusos do direito
individual. O Estado detém a atividade dos particulares que se revela contrária, nociva ou
inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.
Atributos do poder de polícia
MEIRELLES (1997, p. 120) e MARQUES (2001) apontam como sendo três os atributos ou
características do poder de polícia:
- Discricionaríedade;
- Autoexecutoríedade; e
- Coercibilidade.
O que consiste cada um dos atributos:
Discricionaríedade
Discricionaríedade traduz-se na livre escolha e conveniência de a administração
exercer o poder de polícia, bem como aplicar as sanções e empregar os meios para atingir o fim
pretendido, que é a proteção de algum interesse público. Ela é legítima desde que o ato da polícia
administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é
atribuída.11 Na maioria dos Estados, os encarregados de aplicação da lei (...) têm poderes
discricionários de captura, detenção e do uso da força e de armas de fogo, e podem exercê-los em
qualquer situação de aplicação da lei." (DE ROVER, 2005)
Esse poder pode se tornar um problema se o policial não for bem preparado. BEATO critica
esse poder ao afirmar que um dos aspectos mais difíceis no gerenciamento das atividades policiais é o
grau de discricionariedade dos policiais nas ruas. O autor alega que esse problema adquire
contornos dramáticos quando se trata de avaliar a necessidade ou não do uso de força letal pelos
policiais. No dia-a-dia da atividade policial, esses extremos não são tão freqüentes. As decisões dos
policiais sobre quando se deve ou não acionar as leis para a manutenção da ordem determinam os
próprios limites da implementação da lei. Policiais detêm uma larga margem de decisão sobre esse
ato. A visibilidade dessas decisões é, freqüentemente, baixa e, raramente, são sujeitas a mecanismos
de supervisão por parte de superiores.
MEIRELLES (1997, p. 120), ao tratar do assunto, afirma que "discricionariedade não se
confunde com arbitrariedade. Discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites legais,
arbitrariedade é ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder". O ato arbitrário é
38
sempre ilegítimo e inválido, portanto nulo.
Autoexecutoriedade
Autoexecutoriedade é a faculdade da administração em decidir e executar
diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário.
A administração impõe diretamente as medidas ou sanções de polícia administrativa
necessárias à contenção da atividade antissocial que visa impedir. Esse princípio autoriza a prática
do ato de polícia administrativa pela própria administração, independentemente de mandato judicial.
Para MARQUES, a executoriedade permite à administração executar diretamente a sua
decisão pelo uso da força. E, em decorrência desse atributo, que a administração impõe aos seus
administrados atos decorrentes do poder de polícia e os pratique, imediata e diretamente, sem a
interveniência do Poder Judiciário, embora tenha que, posteriormente, sujeitar-se ao controle de
legalidade.
Coercibilidade
Coercibilidade é a imposição coativa das medidas adotadas pela administração. Todo ato
de polícia é imperativo, obrigatório para seu destinatário, admitindo até o emprego da força pública
para seu cumprimento, quando resistido pelo administrado. Segundo MEIRELLES (1997, p. 122),
"não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para
torná-los efetivos, e essa coerção também independe de autorização judicial". É a própria
administração que determina e faz executar as medidas de força que se tornarem necessárias para
a execução do ato ou aplicação da penalidade administrativa resultante do exercício do poder de
polícia.
Para MARQUES, "a coercibilidade [...] é indissociável da autoexecutoriedade. O ato de
polícia só é autoexecutório porque é dotado de força coercitiva. É a necessidade de se ver as medidas
adotadas pela administração através dos meios de coerção".
Sobre o atributo da coercibilidade, MEIRELLES (1997, p. 120) diz que: O atributo da
coercibilidade do ato de polícia justifica o emprego da força física quando houver oposição do
infrator, mas não legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência, que em tal caso
pode caracterizar o excesso de poder e abuso de autoridade nulificadores do ato praticado e
ensejadores das ações civis e criminais para reparação do dano e punição dos culpados.
MOREIRA NETO (1987, p.11) afirma em sua obra que o poder de polícia, com seus
instrumentos, a discricionariedade e a executoriedade são o tripé do direito administrativo da
Segurança Pública.
O poder de polícia e a segurança pública
Confundida, de um lado, com a ordem jurídica e, de outro, com a ordem nas ruas, o
conceito de ordem pública mereceu exaustivos debates. Embora toda violação à ordem jurídica
possa caracterizar-se como uma violação à ordem pública, a recíproca não é verdadeira, o que
demonstra que esse conceito tem matizes meta-jurídicos que se referem às vigências sociais
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essenciais à convivência harmoniosa e pacífica, como a moral e os costumes.
Para MOREIRA NETO (1987, p.13), "ordem pública, objeto da Segurança Pública, é a
situação de convivência pacífica e harmoniosa da população, fundada nos princípios éticos vigentes na
sociedade".
Sobre Segurança Pública, MOREIRA NETO (1987, p.19) diz que o Estado atua
juridicamente na sua vertente normativa, estabelecendo as leis que a disciplinarão, e na sua vertente
jurisdicional, aplicando a lei aos casos contenciosos e, em especial, impondo a pena criminal. Na
vertente administrativa, o Estado atua aplicando a lei para restabelecer a ordem violada, de forma
discricionária e executória. É nessa atuação que se denomina a atividade de polícia de Segurança
Pública, exercendo o Estado o poder de polícia administrativa.
Na Segurança Pública, o Estado atua pelo poder de polícia, exercitado em suas quatro
modalidades de ação (AGU):
A ordem de polícia
Geralmente um comando negativo, se contém num preceito, que, necessariamente, nasce
da lei, pois se trata de uma reserva legal (artigo 5o, II, Constituição Federal 1988), e pode ser
enriquecido discricionariamente, de acordo com as circunstâncias, pela administração;
O consentimento de polícia
Subordina certas atividades a um controle prévio. Quando couber, será a anuência,
vinculada ou discricionária do Estado com a atividade submetida ao preceito vedativo relativo, sempre
que satisfeitos os condicionamentos exigidos;
A fiscalização de polícia
É uma forma ordinária e inafastável de atuação administrativa que se dá para verificar o
cumprimento das ordens ou observar as condições do consentimento. No caso específico da atuação
da polícia de preservação da ordem pública, é que toma o nome de policiamento;
A sanção de polícia
É a atuação administrativa autoexecutoria que se destina reprimir a infração. No caso da
infração à ordem pública, a atividade administrativa, autoexecutoria, no exercício do poder de
polícia, se esgota no constrangimento pessoal, direto e imediato, na justa medida para restabelecê-
la, ou seja, o direito, o costume e a moral.
Nos países democráticos e onde impera o estado de direito, uma conseqüência lógica dessa
democracia e liberdade é o direito que as pessoas têm de saírem às ruas pacificamente em passeatas
ou manifestações para expressar suas opiniões e sentimentos publicamente, sobre qualquer tema
que considerem importante.
Os instrumentos e normas internacionais prevêem certo número de direitos e
liberdades, que se aplicam às reuniões, manifestações, passeatas e eventos similares. Como
exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) que prevê:
• O direito de ter opiniões próprias sem interferência (PIDCP, artigo 19.1);
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• O direito à liberdade de expressão (PIDCP, artigo 19.2);
• O direito à reunião pacífica (PIDCP, artigo 21); e
• O direito à liberdade de associação (PIDCP, artigo 22.1).
Nenhum direito pode ser exercido sem limites. Ao exercício desses direitos podem ser
impostas restrições, desde que legítimas e necessárias para que se respeite o direito à reputação de
outrem, para a proteção da segurança nacional ou da ordem pública, ou da saúde pública e moral.
Veja o mesmo PIDCP nos artigos 19.3, 21 e 22.2. Além dos citados, a Segurança Pública pode ser
uma razão legítima para restrição do direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de
associação.
O mesmo pode ser observado na leitura atenta do artigo 29 (1 e 2), da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH):
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às
limitações_determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido
reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da
moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. (...)
O equilíbrio está justamente no fato de que cada direito corresponde a uma obrigação
que, neste caso, estão nos deveres da pessoa humana para com a comunidade na qual está
inserida. Lembrando sempre que as limitações devem ser legais e não-arbitrárias.
A violência
Em toda sociedade podem surgir situações especiais e excepcionais que podem colocar
em perigo a ordem pública, a segurança das pessoas e, em última instância, do próprio Estado. São
circunstâncias provocadas por conflitos armados, distúrbios civis ou desastres naturais, que requerem
do Estado uma atuação especial para restaurar a ordem e a normalidade.
A ruptura da condição normal da ordem pública associa-se, muitas vezes, a idéia de
violência que ultrapassa aquela dos tempos "normais". De acordo com (CAPUTO, 1996), [por
violência "normal" entenda-se, por exemplo, a delinquência comum de todos os dias, ou em
outro plano, as medidas da repressão corrente que desempenha o aparelhamento policial nos
limites do consentimento legal].
As Nações Unidas (2001) classificam e definem uma hipotética hierarquia da violência em
pelo menos cinco níveis sucessivos:
Nível 1 Situação normal;
Nível 2 Tensões internas, distúrbios internos, tumultos, atos de
violência isolados e esporádicos;
41
Nível 3 Estado de exceção proclamado no segmento de tensões
internas e de violências esporádicas que ameaçam a existência da
nação;Nível 4 Conflito armado não-intemacional (guerra civil); e
Nível 5 Conflito armado internacional.
É importante considerar que as fronteiras entre os diferentes níveis de violência não são
sempre claras, entretanto, de maneira didática é possível considerar que cada situação requer a
aplicação das seguintes categorias de normas:
Nível 1: Todos os direitos humanos, sem qualquer derrogação (abolição);
Nível 2: Todos os direitos humanos, sem qualquer derrogação, sob reserva única das
restrições autorizadas pela lei com o único fim de garantir plenamente o reconhecimento e respeito
pelos direitos e liberdades de terceiros, bem como as justas exigências da moral, ordem pública e
bem-estar geral numa sociedade democrática.
Nível 3: Todos os direitos humanos, salvo algumas exceções limitadas, as quais permitem
derrogações (anulações) não-discriminatórias, nos estritos limites necessários pelas exigências da
situação. Não é autorizada qualquer derrogação no que diz respeito ao direito à vida, à proibição de
tortura, da escravidão ou de sujeitar uma pessoa à prisão por incapacidade de execução de uma
obrigação contratual.
Nível 4: O artigo 3o, comum as quatro Convenções de Genebra de 1949, e o Protocolo
Adicional II às Convenções de 1977, bem como as restantes disposições de direitos humanos, incluindo
a proteção dos direitos que não são derrogáveis.
Nível 5: As quatro Convenções de Genebra e o Protocolo Adicional I às Convenções de 1977,
bem como as outras disposições relativas aos direitos humanos, incluindo a proteção dos direitos que
não são derrogáveis.
Distúrbios e tensões internas
A doutrina vigente não atribuiu uma definição objetiva e precisa sobre distúrbios e
tensões internas, e nenhum instrumento internacional correu o risco de fazê-lo. Entretanto, para os
efeitos deste curso, e com intuito de padronizar e esclarecer seu significado, adotaram-se os conceitos
constantes do "Diccionarío de Derecho Internacional de los Conflictos Armados - Pietro Verri
(1998)".
Diccionario de Derecho Internacional de los Conflictos Armados - Pietro Verri (1998)
Distúrbios internos: Según definición dada por ei CICR en 1971, esta expresión cubre Ias
situaciones en Ias que, sin que haya un conflicto armado propiamente dicho, existe, no obstante en
ei plano interno, un enfrentamiento que presenta cierto caracter de gravedad o de duración y que
implica actos de violência. Estos últimos pueden revestir formas variables que pueden ir desde Ia
generación espontânea de actos aislados de revuelta hasta Ia lucha entre grupos más o menos
organizados y Ias autoridades en el poder. En esas situaciones, que no degeneran necesariamente
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luchas abiertas, Ias autoridades en ei poder recurren a vastas fuerzas de policia, incluso Ias fuerzas
armadas, a fin de restablecer el orden interior.
Tensiones internas: Según una definición dada por ei CICR en 1971 (con motivo de uma
consulta de expertos gubernamentales), se trata de situaciones que pueden caracterizarse por:
Gran número de detenciones;
Gran número de detenidos políticos o de seguridad;
Probables maios tratos inflingidos a los detenidos;
Promulgación deo estado de emergência; y
Alegaciones de desapariciones.
Al contrario de las situaciones de distúrbios interiores - en Ias que rebeldes están
suficientemente organizados y son identificables - en el caso de tensiones internas, Ia oposición
está rara vez organizada de manera visible.
Estado de emergência: Situación jurídica similar ai estado de sitio, pero que produce
efectos menos severos que este último. En general, se declara a causa de un peligro del momento o
inminente, resultante de una catástrofe, de una perturbación grave dei orden público, de uma crisis
internacional o de un conflicto armado.
Estado de sitio: La situación de peligro en Ia que se encuentra una localidad sitiada
impone, en general, medidas que limitan o suspenden los derechos y Ias libertades fundamentales. De
ahí Ia expresión "estado de sitio" que, por extensión indica Ia proclamación de una situación de
gravedad particular, en el interior de un Estado, causada por el estado de guerra o por otras
circunstancias excepcionales, así como Ias medidas consiguientes adoptadas para garantizar o
restablecer ei orden público. Estas medidas pueden hasta Ia delegación de los poderes civiles a Ia
autoridad militar.
Tanto CAPUTO (1996-1997) como DE ROVER (2005) compartilham do entendimento
que nenhum dos instrumentos do direito internacional oferece uma definição adequada do que se
entende pelos termos distúrbios interiores e tensões internas. Indicam-nos que, para tentar dar uma
definição, devemos confrontá-los com uma categoria mais ampla, que é o conflito armado não-
internacional (guerra civil). Remetem-nos ao artigo 1o, parágrafo 2o, do Segundo Protocolo Adicional
às Convenções de Genebra de 1949 que estabelece:
Artigo 1.2 O presente Protocolo não se aplica às situações de tensão e perturbação
internas, tais como motins atos de violência isolados e esporádicos e outros atos análogos, que não
são considerados conflitos armados.
O diploma legal não oferece uma definição, ou melhor, nos indica uma definição
"negativa", isto é, por exclusão. Assim sendo, "situações de tensão e perturbação internas" não
podem ser caracterizadas como conflitos armados (guerra). Portanto, o Protocolo II não se aplica a
elas.
CAPUTO (1996-1997) afirma que o direito internacional distingue três categorias de
43
conflito armado não-internacional:
a) A guerra civil no sentido clássico do direito internacional;
b) Conflito armado não-internacional no sentido dado pelo artigo 3 o comum as quatro
Convenções de Genebra de 1949; e
b) Conflito armado não-internacional no sentido do P.A. II de 1977.
A classificação de um conflito, segundo essa categoria juridicamente reconhecida, é difícil
dada a complexidade dos vários conflitos existentes e da freqüente divergência doutrinária, mas é
certo dizer que a aplicação de uma norma jurídica em detrimento de outra a um caso concreto ou
evento específico depende de sua qualificação, isto é, deve-se sempre perguntar que tipo de conflito
está sendo tratado.
DE ROVER (2005) menciona que nem sempre fica claro quando incidentes separados, como
reuniões, passeatas, manifestações, desordens e atos isolados de violência tornam-se relacionados
e que, vistos conjuntamente, adquirem um padrão consistente descrito como distúrbios e tensões.
Todos os esforços devem ser focalizados na eficaz aplicação da lei, na prevenção e
detecção do crime e no restabelecimento da Segurança Pública. Quando esses esforços falham, um
senso de ilegalidade aliado à impunidade pode crescer dentro de uma sociedade, intensificando ainda
mais os níveis de tensão existentes.
Distúrbios e tensões podem levar a situações que ameacem a existência da nação e deixar
o governo tentado a declarar o estado de emergência.
Dificuldade de conceituação
DE ROVER (2005) verificou que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tentou
definir distúrbios e tensões. Entende que, embora a fórmula do CICV não seja plenamente
reconhecida como tal, proporciona uma descrição completa, que serve aos propósitos de
aprofundamento dos estudos. Em um documento do CICV oferece a seguinte descrição de
distúrbios interiores:
Envolvem situações em que inexiste um conflito armado não-internacional como tal, mas
consistem numa confrontação dentro do país, que é caracterizada por certa gravidade ou duração e
que envolve atos de violência. Esses últimos podem assumir várias formas, desde a geração
espontânea de atos de revolta à luta entre grupos mais ou menos organizados e as autoridades no
poder. Nessas situações, que não necessariamente degeneram em confronto aberto, as autoridades no
poder utilizam-se de forças policiais em grande número, ou mesmo das Forças Armadas, para
restaurar a ordem interna. O alto número de vítimas tornou necessária a aplicação de um mínimo de
regras humanitárias, (grifei)
Com relação a tensões internas, indica que o termo geralmente refere-se a:
• Situações de grave tensão (política, religiosa, racial, social, econômica, etc); ou
• Sequelas de um conflito armado ou distúrbios interiores.
• Direito/legislação aplicável
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DEYRA (2001), assim como DE ROVER (2005) e CAPUTO (1996-1997), verifica que o artigo
1.2, do II PA (Protocolo Adicional II), exclui de sua proteção as situações de tensões e distúrbios
interiores, como os motins, os atos isolados e esporádicos de violência e outros atos análogos não
considerados como conflitos armados.
Entende que se trata, por isso, de uma situação extraconvencional, na qual a proteção
conferida às vítimas não pode ter por base o Direito Internacional Humanitário (DIH). Conclui que os
critérios para a qualificação dos conflitos armados não-internacionais enunciados no artigo 1.1, do II
Protocolo Adicional, são suficientes para excluir as tensões e distúrbios interiores do campo de
aplicação do DIH.
Nas situações de distúrbios interiores, as regras do DIH somente podem ser
invocadas por analogia. Por outro lado, os Estados devem respeitar certos princípios humanitários
universalmente reconhecidos e os instrumentos de direitos humanos dos quais fazem parte. Devem
respeitar, em particular, aqueles direitos que não admitem derrogação (abolição), mesmo quando a
vida da nação estiver ameaçada por um perigo público de caráter excepcional. Isso remete aos
princípios basilares de toda operação de segurança interna: primazia do poder civil, uso mínimo da
força e legitimidade.
Primazia do poder civil se deve ao fato das Forças Armadas normalmente serem
empregadas para manter e restaurar a ordem em nome das autoridades civis, baseando-se nas
normas de direito contidas no direito penal e no civil do Estado em questão.
Uso mínimo da força entende-se a mínima necessária para levar a cabo uma missão lícita
que pode ir desde a defesa própria até o emprego de técnicas tradicionais de guerra.
Legitimidade diz respeito às operações que devem ter como objetivo a proteção do
estado de direito. Deve-se velar para que as forças militares sejam parte da solução e que não se
convertam em parte do problema. A legitimidade existe quando se considera que a missão militar e
seu desempenho são justos. Quanto mais alta a legitimidade, maior é a probabilidade de êxito. É
fundamental que as Forças Armadas atuem respeitando o direito interno e o direito internacional.
São instrumentos internacionais básicos de direitos humanos que devem ser do
conhecimento dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei quando atuarem na manutenção da
ordem pública:
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
Pacto Internacional de Direitos Civis e Politicos (PIDCP):
Pacto Internacional de Direitos Econômicos. Sociais e Culturais (PIDESC):
Convenção contra a Tortura e outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou
degradantes:
Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela aplicação da Lei:
Princípios Básicos sobre o emprego da Forca e Armas de Fogo pelos Funcionários
Encarregados pela aplicação da Lei:
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Princípios relativos a uma eficaz prevenção e investigação das execuções
extralegais. arbitrárias ou sumárias:
Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as pessoas submetidas a
qualquer forma de detenção ou prisão.
Um dos instrumentos mais importantes do Direito Internacional dos Direitos Humanos é
o "Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos" (PIDCP), de 1966. Ele prevê, em seu artigo 4o,
as situações de emergências públicas que uma nação pode confrontar.
O artigo 4 o . do PIDCP, indica de maneira imperiosa a proibição da derrogação de certos
direitos fundamentais à pessoa humana quando submetida a essas circunstâncias.
Artigo 4o
1. Quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam proclamadas
oficialmente, os Estados Partes do presente Pacto podem adotar, na estrita medida exigida pela
situação, medidas que suspendam as obrigações decorrentes do presente Pacto, desde que tais
medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam impostas pelo direito
internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça, cor, sexo, língua,
religião ou origem social.
2. A disposição precedente não autoriza qualquer suspensão dos artigos 6°, 7°, 8° (§S1
° e 2o), 11,15, 16 e 18.
3. Os Estados Partes do presente pacto que fizerem uso do direito de suspensão devem
comunicar imediatamente aos outros Estados Partes do presente Pacto, por intermédio do secretário-
geral das Nações Unidas, as disposições que tenham suspenso, bem como os motivos de tal
suspensão. Os Estados Partes deverão fazer uma nova comunicação, igualmente por intermédio do
secretário-geral da Organização das Nações Unidas, na data em que terminar tal suspensão.
As Nações Unidas se preocuparam em comentar e interpretar o artigo 4o do pacto.
Comentam que se permite a um Estado Parte revogar de maneira unilateral e temporária, algumas
obrigações previstas no pacto, mas, por outro lado, o artigo 4o sujeita tanto as medidas de
derrogação como suas conseqüências materiais a um regime especifico de salvaguardas.
As medidas derrogatorias do conteúdo do pacto devem ser excepcionais e temporárias.
Antes mesmo de o Estado invocar o artigo 4o, duas condições fundamentais devem ser
preenchidas:
a) A situação deve ser uma emergência pública que ameace a vida da nação; e
b) O Estado Parte deve proclamar oficialmente o estado de emergência, o que é
essencial para a manutenção dos princípios de legalidade e império da lei nas situações em que
são mais necessárias.
O artigo 4o (2) dispõe que não autoriza derrogação dos seguintes artigos, que
contemplam os seguintes direitos inalienáveis:
• Artigo 6o, direito à vida;
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• Artigo 7o, proibição da tortura, penas ou tratamentos cruéis ou degradantes;
• Artigo 8o, proibição da escravidão e servidão;
• Artigo 11, proibição de prisão por falta de cumprimento de obrigação
contratual;
• Artigo 15, princípio da anterioridade da lei penal;
• Artigo 16, reconhecimento da personalidade jurídica da pessoa; e
• Artigo 18, direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
Já o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, no mesmo sentido, possui a
Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), Pacto de San José, de 22 de novembro de 1969 ,
que tem a seguinte disposição no artigo 27 .
Artigo 27
Suspensão de garantias
1. Em caso de guerra, de perigo público ou de outra emergência que ameace a
independência ou segurança do Estado Parte, este poderá adotar disposições que, na medida e pelo
tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em
virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais
obrigações que lhe impõem o direito internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em
motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.
2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos
seguintes artigos: 3 (Direito ao Reconhecimento da Personalidade Jurídica), 4 (Direito à Vida), 5
(Direito à Integridade Pessoal), 6 (Proibição da Escravidão e Servidão), 9 (Princípio da Legalidade e
da Retroatividade), 12 (Liberdade de Consciência e de Religião), 17 (Proteção da Família), 18
(Direito ao Nome), 19 (Direitos da Criança), 20 (Direito à Nacionalidade) e 23 (Direitos Políticos),
nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.
3. Todo Estado Parte que fizer uso do direito de suspensão deverá informar,
imediatamente, aos outros Estados Partes na presente Convenção, por intermédio do secretário-geral
da Organização dos Estados Americanos, das disposições, cuja aplicação haja suspendido, dos motivos
determinantes da suspensão e da data em que haja dado por terminada tal suspensão.
O uso da força e armas de fogo em manifestações
Apesar de ser objeto de estudo específico na aula sobre uso da força e armas de fogo,
o tema merece aqui uma consideração mais específica. A questão do emprego da força e armas de
fogo é, muitas vezes, uma questão de doutrina da instituição ou corporação policial colocando-se
sempre em evidência a questão do serviço e do interesse público. Entretanto, atualmente, se
enfatiza que os policiais e outros funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ter
conhecimento teórico e prático sobre o uso progressivo da força.
O uso progressivo da força é a possibilidade da seleção adequada de opções de
força em resposta ao nível de acatamento/submissão do indivíduo a ser controlado. O policial
47
deve perceber o grau de risco oferecido quando se depara com pessoas que deve abordar. Sua
percepção desse risco é que vai permitir ao policial escolher pelo aumento ou diminuição do grau
de força a ser empregado em cada situação específica. Isso requer muito treinamento e experiência
profissional.
O exercício do poder para usar da força e armas de fogo não é uma questão individual,
mas sim uma questão funcional. Qualquer uso que não esteja dentro da legalidade estará sujeito a
uma crítica por excesso, desvio, abuso de autoridade ou poder.
Relembre o artigo 3 o , do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei (CCEAL):
Artigo 3o: Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força
quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu
dever. Comentários:
a) Essa disposição salienta que o emprego da força por parte dos funcionários
responsáveis pela aplicação da lei deve ser excepcional. Embora admita que esses funcionários
possam estar autorizados a utilizar a força na medida em que tal seja razoavelmente considerada
como necessária, tendo em conta as circunstâncias, para a prevenção de um crime ou para deter ou
ajudar à detenção legal de delinqüentes ou de suspeitos, qualquer uso da força fora desse contexto
não é permitido.
b) A lei nacional restringe, normalmente, o emprego da força pelos funcionários
responsáveis pela aplicação da lei, de acordo com o princípio da proporcionalidade. Deve-se entender
que tais princípios nacionais de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretação dessa
disposição. A presente disposição não deve ser, em nenhum caso, interpretada no sentido da
autorização do emprego da força em desproporção com o legítimo objetivo a atingir.
c) O emprego de armas de fogo é considerado uma medida extrema. Devem fazer-se
todos os esforços no sentido de excluir a utilização de armas de fogo, especialmente contra as
crianças. Em geral, não deverão utilizar-se armas de fogo, exceto quando um suspeito ofereça
resistência armada, ou quando, de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e não haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter. Cada vez que uma arma de fogo for
disparada deverá informar-se prontamente as autoridades competentes.
d) Recorde-se que as disposições que se referem ao uso da força e de armas de fogo se
baseiam sempre em três princípios:
Legalidade: A ação a ser praticada é legal? Tem previsão na lei? Necessidade: A ação a
ser praticada é necessária para preservar ou restabelecer a ordem pública e proteger a vida humana
(própria ou de terceiros)? Proporcionalidade: Os meios a serem empregados são moderados e
estão em proporção à gravidade do delito cometido e ao objetivo legítimo a ser alcançado?
Os Princípios Básicos sobre o uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei (PBUFAF) se configuram com instrumento internacional que faz
48
referência ao uso da força e armas de fogo.
Os dispositivos desses princípios devem ser lidos e interpretados integralmente. De
particular importância para o policiamento de reuniões e manifestações estão os princípios básicos
12 . 13 e 14: Policiamento de reuniões ilegais.
Os princípios básicos 12 , 13 e 14: Policiamento de reuniões ilegais.
12.Como todos têm o direito de participar de reuniões legítimas e pacíficas, de acordo com os
princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, os governos, entidades e os responsáveis pela aplicação da lei deverão reconhecer que a força e as
armas de fogo só podem ser usadas nos termos dos princípios 13 e 14.
13.Ao dispersar grupos ilegais, mas não-violentos, os responsáveis pela aplicação da lei deverão
evitar o uso da força, ou quando tal não for possível, deverão restringir tal força ao mínimo necessário.
14.Ao dispersar grupos violentos, os responsáveis pela aplicação da lei só poderão fazer uso de
armas de fogo quando não for possível usar outros meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente
necessários. Os responsáveis pela aplicação da lei não deverão fazer uso de armas de fogo em tais casos, a não
ser nas condições previstas no princípio 9.
Ao estudar o princípio básico 14, a conclusão inicial poderia ser de que ele apresenta uma
circunstância adicional para o uso legal de armas de fogo. Isso, porém, não é verdade, pois apenas
reitera que somente as condições mencionadas no PB 9: uma ameaça iminente de morte ou lesão
grave é que justificam o uso de armas de fogo.
Os riscos acrescentados por uma reunião violenta - grandes multidões, confusão e
desorganização - fazem com que seja questionável a conveniência ou praticabilidade do uso de armas
de fogo nessas situações, tendo em vista as consequências em potencial para as pessoas que estejam
presentes, porém não envolvidas.
O princípio básico 14 não permite o disparo indiscriminado contra uma multidão violenta
como uma tática aceitável para dispersar aquela multidão.
Conclusão
Estudamos a responsabilidade das organizações policiais relacionadas, principalmente, à
prevenção e à manutenção da ordem pública. Também abordamos o poder de polícia do qual
decorre o poder da polícia e a própria razão da existência dela, como força pública do Estado.
Verificamos os atributos do poder de polícia e as quatro modalidades de ação do Estado na
atuação desse poder: a ordem da polícia, consentimento da polícia, a fiscalização da polícia e a
sanção da polícia.
Acompanhamos a discussão sobre a definição de distúrbios e tensões internas e os
princípios que regem o uso da força e da arma de fogo na ação da polícia nessas situações.
Módulo 4 - Poderes básicos na aplicação da lei
49
Definições
Nos Estados Democráticos de Direito todos têm direito à vida, liberdade de
segurança (PIDCP- 9.1), porém, frente à violação da lei, a privação de liberdade pessoal é um dos
meios legítimos para o Estado exercer sua atividade soberana.
Privação da liberdade é a definição mais ampla da violação da liberdade de ir e vir. Essa
inclui a retenção de menores, de pessoas mentalmente doentes, de viciados em drogas ou em álcool e
de desocupados. A privação se estende a situações em que esta é causada tanto por pessoas comuns
quanto por agentes públicos.
As definições na próxima página foram extraídas do Conjunto de Princípios para a
Proteção de todas as pessoas sob qualquer forma de detenção ou prisão, aqui designado de
Conjunto de Princípios.
Captura designa o ato de reter uma pessoa sob suspeita da prática de um delito ou pela
ação de uma autoridade.
Detenção é a condição de manter qualquer pessoa privada de sua liberdade, exceto no
caso de condenação por um delito.
Prisão significa a condição de manter qualquer pessoa privada de sua liberdade como
resultado da condenação por um delito.
Autoridade judicial ou outra autoridade perante a lei cujo status e mandato
assegurem as mais sólidas garantias de competência, imparcialidade e independência.
Para saber mais: Conjunto de Princípios.
http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/legislacao-pfdc/docs sistem-prisional/coni princípios. pdf
Captura - Definição
Esclarecimento inicial
Utiliza-se o termo "captura" como tradução da palavra "arrest", em inglês, para
padronizar este curso aos instrumentos internacionais aqui referidos, e também para marcar a
distinção entre a captura da pessoa sob suspeita e a prisão da pessoa sentenciada.
O artigo 9, item 1, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) prescreve:
Ninguém será privado de [sua] liberdade exceto com base em e de acordo com os
procedimentos estabelecidos por lei. (PIDCP, artigo 9o, item 1)
Para que alguém seja capturado ou detido é necessário que os motivos estejam
claramente estabelecidos na legislação nacional ou não sejam contrários a ela.
O Conjunto de Princípios declara que captura, detenção ou prisão somente deverão ser
efetuados em estrita conformidade com os dispositivos legais e por encarregados
competentes (qualidade e a experiência) ou pessoas autorizadas para aquele propósito (Princípio 2).
Direitos no ato da captura
Sempre que uma pessoa for capturada, a razão deve ser pela suspeita da prática de um
delito ou por ação de uma autoridade (Conjunto de Princípios, Princípio 36.2).
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Toda pessoa capturada deverá ser informada, no momento de sua captura, das razões
da captura, devendo ser prontamente informada de qualquer acusação contra ela. (PIDCP, artigo
9.2, Conjunto de Princípios, Princípio 10)
A pessoa capturada deverá ser levada a um local de custódia, devendo ser
conduzida prontamente perante um juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer poder
judicial, que decidirá sobre a legalidade e a necessidade da captura. (PIDCP, artigo 9.3, Conjunto de
Princípios, Princípios 11 e 37)
Não há uma definição clara do que se entende por prontamente. Em muitos Estados, o
período máximo permitido, antes que uma pessoa capturada seja trazida perante um juiz ou
autoridade similar é limitado a 48 horas. Há Estados em que esse período é limitado a 24 horas. Esse
período, de 48 ou 24 horas, é mais comumente chamado de custódia policial. O período que o segue é
chamado de prisão preventiva.
As autoridades responsáveis pela captura devem, no momento da captura, ou pouco
depois, prestar-lhe informação e explicação sobre os direitos e sobre o modo de os exercer.
(Conjunto de Princípios, Princípio 13)
Para proteger a situação especial das mulheres e das crianças e adolescentes existem
disposições adicionais a respeito de sua captura, detenção e prisão.
Aula 3 – Detenção
Esclarecimento inicial
Nos vários instrumentos de direitos humanos relativos à detenção, é feita uma distinção
entre aquelas pessoas que aguardam julgamento e aquelas que foram condenadas por um delito. O
primeiro grupo é chamado de detidos, e o segundo de presos. No entanto, essa distinção não é
aplicada uniformemente em todos os instrumentos. As Regras Mínimas para o Tratamento de Presos
(RMTP), embora aplicáveis a ambas as categorias, somente usam o termo presos e,
subsequentemente, os divide em presos não-condenados e condenados.
Independente da terminologia usada, a distinção entre pessoas condenadas e não-
condenadas é importante, pois os direitos que os indivíduos de cada um dos grupos tem não são
exatamente os mesmos, tampouco as normas para o tratamento de cada categoria.
É também importante observar que, como regra geral, os encarregados da aplicação da lei
policial somente serão responsáveis por (e exercer autoridade sobre) pessoas que ainda não foram
condenadas por um delito e que ficam um tempo curto em locais de detenção policial.
Instituições penais
Conforme exposto, a maioria dos Estados desenvolveu um sistema no qual os
encarregados da aplicação da lei policial não têm responsabilidade pelos presos condenados ou não
exercem autoridade sobre eles. Essa responsabilidade e autoridade são deixadas aos
encarregados da aplicação da lei, agentes penitenciários, que tenham recebido instrução e
treinamento especiais para o desempenho de suas funções.
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O treinamento dos policiais, geralmente, não os qualifica como pessoal competente para
exercer funções em instituições penais ou correcionais. Caso recebam essas funções, ao menos
treinamento e instruções adicionais serão necessários.
Como já visto, o instrumento básico que estabelece a boa prática no tratamento de presos
e na gestão de instituições penais é denominado Regras Mínimas para o Tratamento de Presos
(RMTP). Ele é dividido em duas partes:
1a parte - Normas de aplicação geral
2a parte - Normas aplicáveis a categorias especiais
1a parte: Normas de aplicação geral
A 1a parte é aplicável a todas as categorias de presos - homens ou mulheres,
menores ou adultos, criminais ou civis, julgados ou sem julgamento. Ela contém dispositivos a
respeito de uma série de matérias, incluindo:
Separação de categorias (Regra 8);
• Acomodação (Regras 9 a 14);
• Higiene pessoal (Regras 15 e 16);
• Vestimenta e roupas de cama (Regras 17 a 19);
• Comida (Regra 20);
• Exercício e esporte (Regra 21);
• Serviços médicos (Regras 22 a 26);
• Disciplina e punição (Regras 27 a 32);
• Instrumentos restritivos (Regras 33 e 34);
• Informações ao presos e queixas destes (Regras 35 e 36);
• Contato com o mundo externo (Regras 37 a 39);
• Livros (Regra 40);
• Religião (Regras 41 e 42);
• Retenção da propriedade dos presos (Regra 43);
• Notificação de morte, doença, transferência, etc. (Regra 44);
• Remoção de presos (Regra 45);
• Pessoal institucional (Regras 46 a 54); e
• Inspeção (Regra 55).
2a parte: Normas aplicáveis a categorias especiais
A 2a parte das RMTP identifica cinco categorias diferentes de presos:
A - Presos condenados;
B - Presos que sofrem de insanidade e doenças mentais;
C - Presos detidos ou aguardando julgamento;
D - Presos condenados a prisão civil; e
52
E - Pessoas detidas ou presas sem acusação.
Saiba mais: Íntegra do texto das RMTP, também conhecido como Regras Mínimas para
Tratamento de Prisioneiros/Reclusos. ( http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/legislacao-pfdc/docs sistem-
prisional/regras minimas.pdf)
Uso da força e arma de fogo
Esse "poder" é de fundamental importância para o desempenho das atividades dos
encarregados pela aplicação da lei, por essa razão o Sistema de Educação ao Alcance de Todos
(SENAT) - SENASP desenvolveu um curso de EAD específico para os interessados em se aprofundar
no tema. Portanto, esta aula fará apenas a necessária abordagem para que você compreenda a
responsabilidade e extensão do uso da força e arma de fogo na atividade de Segurança Pública.
Uso da força
Como estudado, o artigo 3o, do CCEAL, fornece normas sobre o uso da força, nos
seguintes termos:
"Os funcionários encarregados pela aplicação da lei podem fazer uso da força quando
estritamente necessário e até a extensão requerida para o cumprimento de seu dever".
O parágrafo o., dos comentários, estabelece que o uso da força policial deveria ser
excepcional e que, enquanto a polícia faz uso de uma tal força dentro do razoavelmente
necessário, para a prevenção do crime, realização ou para a assistência à detenção legítima de
delinqüentes ou de cidadãos suspeitos, nenhuma outra força além dessa pode ser usada.
O parágrafo b. destaca que a lei nacional, normalmente, restringe o uso da força policial
de acordo com o princípio da proporcionalidade, e afirma que deve ser entendido que esses
princípios nacionais de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretação daquele artigo.
O parágrafo c. dá ênfase ao uso de armas de fogo, que é o próximo tema a ser
estudado.
Uso da arma de fogo
O parágrafo c. indica que o uso de armas de fogo é considerado uma medida
extrema. Ele estabelece que, em geral, as armas de fogo não deveriam ser usadas, a não ser quando
um cidadão suspeito oferece uma resistência armada ou, ainda, coloca em risco a vida de outras
pessoas, e que medidas menos extremas não são suficientes para detê-lo ou apreendê-lo. O
mesmo parágrafo obriga a rápida apresentação de um relatório às autoridades competentes cada vez
que uma arma de fogo é utilizada pela polícia.
O terceiro parágrafo dos comentários exclui a utilização das armas de fogo por qualquer
outra razão que não seja a legítima defesa. O significado da exigência, como expressa naquele
parágrafo, pela qual um relatório deve ser apresentado quando uma arma de fogo é disparada por
um policial, é parte do processo para assegurar uma responsabilidade efetiva da polícia para com
seus atos. Não se trata de uma mera formalidade. É de fato um elemento importante na
53
investigação obrigatória que segue uma morte causada por uma autoridade policial, e pode agir como
uma dissuasão contra o uso ilegítimo de armas de fogo pela polícia.
Como se verifica, o poder do uso da força e o emprego de armas de fogo pelos FEAL têm
implicações de grande alcance e profundidade e, por essa razão, foi elaborado um instrumento
internacional específico que estabelece princípios para seu emprego. Esse documento denominado
Princípios Básicos sobre o uso da Força e Armas de Fogo foi adotado pelo VIII Congresso das Nações
Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de Infratores, em 7 de setembro de 1990. Saiba
mais...
Conclusão
Neste módulo, foram estudados os poderes de captura, detenção e o poder de uso da
força e arma de fogo.
Captura designa o ato de deter uma pessoa sob suspeita da prática de um delito ou pela
ação de uma autoridade.
Detenção é a condição de manter qualquer pessoa privada de sua liberdade, exceto no
caso de condenação por um delito.
O Conjunto de Princípios declara que captura, detenção ou prisão somente deverão ser
efetuados em estrita conformidade com os dispositivos legais e por encarregados competentes
(qualidade e a experiência) ou pessoas autorizadas para aquele propósito (Princípio 2).
O artigo 3o, do CCEAL, fornece normas sobre o uso da força, nos seguintes termos: Os
funcionários encarregados pela aplicação da lei podem fazer uso da força quando estritamente
necessário e até a extensão requerida para o cumprimento de seu dever.
Módulo 5 - Comando, gestão e investigação de violações de direitos humanos
Procedimentos de supervisão e revisão
Responsabilidades dos órgãos encarregados da aplicação da lei
A função de aplicação da lei compreende uma larga gama de serviços.
No desempenho de seu serviço público, os funcionários encarregados pela aplicação da lei
têm um alto grau de responsabilidade individual, pois devem tomar decisões difíceis, inclusive sobre
questões de vida ou morte, na maioria das vezes por sua própria conta.
Em situações reais, suas decisões imediatas não são orientadas por um superior
hierárquico que lhes dá a ordem e, sim, orientadas por seu próprio juízo e pelos princípios de
legalidade, necessidade e proporcionalidade.
Princípios, como a aplicação de meios pacíficos antes do uso da força e emprego de níveis
mínimos de força em qualquer circunstância, são fundamentais para o policiamento. Considerando
esses princípios e a concentração da força, explícita ou implícita, para o policiamento; considerando
a natureza do policiamento com suas incertezas e seus perigos; e considerando a importância do
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policiamento na sociedade, é claro que o poder do uso da força só poderia ser atribuído àquelas
pessoas qualificadas para exercê-la convenientemente. Isso implica uma seleção extremamente
rigorosa e processos de treinamento, um comando efetivo, um controle e uma supervisão dos
policiais pelos seus superiores, e uma estrita responsabilidade da polícia frente à lei quando há abuso
de poder. (VIANNA, 2000)
Os órgãos encarregados pela aplicação da lei e aqueles em função de comando devem
dar ênfase especial aos aspectos: Contratação e seleção e Educação e a formação.
Contratação e seleção
É necessário que se estabeleçam os perfis físicos e psicológicos mínimos para seleção e
contratação dos funcionários encarregados pela aplicação da lei, em conformidade com as funções
que devem desempenhar.
Educação e a formação
É necessário garantir uma grande qualidade e velar para que estejam em consonância com
as normas internacionais de direitos humanos. Além do que, deve-se continuamente examinar os
procedimentos de aplicação da lei, lembrando que o artigo 2o, do Código de Conduta dos Funcionários
Encarregados pela aplicação da lei, estabelece que:
• Os funcionários encarregados pela aplicação da lei têm o dever de respeitar e
proteger a dignidade humana e manter e defender os direitos humanos de todas as pessoas.
• Também é de fundamental importância que cada funcionário encarregado pela
aplicação da lei passe por exames e avaliações periódicas, para que se verifiquem suas condições
físicas e psíquicas adequadas para o desempenho de suas funções.
Prestação de contas
Os cidadãos têm direito de pedir aos órgãos encarregados pela aplicação da lei que
prestem contas de seus trabalhos e do desempenho de suas funções. Portanto, esses órgãos devem
registrar, analisar e avaliar seus próprios desempenhos e dar conhecimento das conclusões aos
cidadãos.
Cabe distinguir três níveis de prestação de contas dos órgãos encarregados pela
aplicação da lei e seus membros:
1. Prestação de contas no plano Internacional aplicável aos governos dos países;
2. Prestação de contas a um órgão externo pelas práticas dos órgãos encarregados pela
aplicação da lei; e
3. Prestação de contas no plano interno dos órgãos encarregados pela aplicação da lei.
Os três níveis de prestação de contas têm a finalidade de assegurar que a prática de
aplicação da lei está em conformidade como os princípios de legalidade, necessidade e
proporcionalidade.
1. Prestação de contas no plano internacional aplicável aos governos dos países
Trata de situações que dentro de um território de um Estado revelem um quadro
55
persistente de violações graves constantes de direitos humanos.
Ainda que essas violações sejam cometidas por agentes individuais de ordem pública, a
comunidade internacional considera responsável o Estado. Mas, a ação de um funcionário encarregado
pela aplicação da lei pode ter repercussões internacionais.
2. Prestação de contas a um órgão externo pelas práticas dos órgãos encarregados
pela aplicação da lei
Em uma sociedade, os órgãos encarregados pela aplicação da lei fazem parte de um
sistema maior que compreendem a comunidade, as autoridades locais e o poder judicial.
De uma maneira ou de outra, os órgãos encarregados pela aplicação da lei devem prestar
contas a esses outros interlocutores. A prestação de conta pode ser direta ou indireta.
As instituições que enviam recursos de apoio aos órgãos encarregados pela aplicação da lei
têm direito a opinar sobre a forma que se utilizam os recursos, as demais autoridades locais
participam nas políticas de aplicação da lei.
Outra pressão evidente são as queixas derivadas da comunidade. Na prática, as queixas
oficiais sobre a atuação desses funcionários podem influenciar de maneira determinante nas
estratégias e planos de aplicação da lei.
No processo de prestação de contas deve-se ter em conta todos os interessados que
formam o entorno da aplicação da lei.
Os governos e os órgãos encarregados da aplicação da lei deverão estabelecer
procedimentos eficazes de comunicação e revisão aplicáveis a todos os incidentes em que morte ou
ferimento for causado pelo uso da força e armas de fogo pelos encarregados da aplicação da lei; os
encarregados da aplicação da lei fizerem uso de armas de fogo no desempenho de suas funções.
(Rover, 2005)
Para os incidentes registrados de acordo com esses procedimentos, os governos e os
órgãos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que:
• Haja um processo eficaz de revisão disponível;
• Autoridades administrativas ou de promotoria independentes tenham condições de
exercer jurisdição nas circunstâncias apropriadas;
• Nos casos de morte, ferimento grave ou outras conseqüências sérias, um relatório
pormenorizado seja prontamente enviado às autoridades competentes responsáveis pelo controle e
avaliação administrativa e judicial (PB 22);
• As pessoas afetadas pelo uso da força e armas de fogo ou seus representantes legais
tenham acesso a um processo independente, incluindo um processo judicial; e
• Em caso de morte desses indivíduos, essa disposição aplica-se a seus dependentes (PB
23).
3. Prestação de contas no plano interno dos órgãos encarregados pela aplicação da lei
Diz respeito à responsabilidade individual de cada integrante desses órgãos relativa às
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suas ações lícitas ou arbitrárias, com relação ao desempenho de suas funções. Inclusive quando
cumprem ordens de seus superiores, os funcionários encarregados de aplicação da lei são
responsáveis pelos seus atos.
Caso um funcionário encarregado pela aplicação da lei constate que uma ordem é ilegal e
tem a possibilidade razoável, por mínima que seja de negar-se a acatá-la, não está obrigado a
cumpri-la.
Em qualquer caso, os superiores que dão a determinação são plenamente responsáveis
se sabem (deveriam saber), que os agentes sob seu comando recorrem a práticas ilícitas ou arbitrárias.
Em tais casos, os superiores têm a obrigação de tomar todas as medidas à sua
disposição para impedir, eliminar ou denunciar essas práticas.
Responsabilidade dos encarregados da aplicação da lei
Os governos e os órgãos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que os oficiais
superiores sejam responsabilizados, caso:
Fique provado ou presumido, terem tido conhecimento de que encarregados sob o seu
comando estão, ou tenham estado, recorrendo ao uso ilegítimo de força e armas de fogo, e não
tenham tomado todas as providências a seu alcance a fim de impedir, reprimir ou comunicar tal
uso. (Princípios Básicos PB - 24)
Os governos e os órgãos de aplicação da lei deverão assegurar que não seja imposta
qualquer sanção criminal ou disciplinar aos encarregados da aplicação da lei que, de acordo com o
Código de Conduta para os encarregados pela aplicação da lei e esses princípios:
• Se recusarem a cumprir uma ordem [ilegal] para usar força ou armas de fogo; ou
• Comuniquem tal uso [ilegal] realizado por outros encarregados. (PB25)
Obediência a ordens superiores não será nenhuma justificativa quando os policiais:
• Tenham conhecimento de que uma ordem para usar força e armas de fogo que tenha
resultado em morte ou ferimento grave de alguém foi manifestamente ilegítima; e
• Tiveram oportunidade razoável para se recusar a cumpri-la.
Nessas situações, a responsabilidade caberá também ao superior que tenha dado as
ordens ilegítimas.
O que é deixado claro pelos Princípios Básicos sobre o uso da Força e de Armas de Fogo
para os Funcionários Encarregados pela Aplicação da Lei é que a responsabilidade cabe tanto
aos encarregados envolvidos em um incidente particular com o uso da força e armas de fogo,
como a seus superiores. Esses princípios afirmam que os chefes têm o dever de zelo sem que
isso retire a responsabilidade individual dos encarregados por suas ações.
O relacionamento existente entre essas disposições e as disposições sobre o uso
indevido de força e armas de fogo (PB 7 e 8) deve ser compreendido pelos encarregados pela
aplicação da lei.
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Mecanismos de queixa
Os cidadãos que consideram que foram vítimas de procedimentos arbitrários ou abusivos
por parte de um funcionário encarregado pela aplicação da lei, devem ter a possibilidade de
apresentar uma queixa.
O artigo 9, item 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, estabelece que
as vítimas têm direito de reparação.
Muitos países possuem mecanismos e recursos para tratar das queixas de seus cidadãos.
Esses recursos vão desde as comissões internas de remissão até serviços especiais. Sejam quais forem
os mecanismos existentes em um país, as queixas sobre o trabalho dos funcionários encarregados
pela aplicação da lei são sempre um assunto delicado. Para um agente não é fácil encarar críticas
de um cidadão, que é considerado como uma pessoa de fora. A resistência coletiva por parte dos
agentes de uma determinada organização encarregada pela aplicação da lei em receber queixas
oriundas dos cidadãos é muito comum e, às vezes, vêem essas reclamações de modo muito
questionável. Por essa razão, os superiores e função de comando devem levar em conta todas as
queixas e investigá-las de maneira pronta, completa e imparcialmente. Além disso, deve orientar a
seus subordinados de que todos os cidadãos têm direito de apresentar queixas.
Como já estudado, em sistema democrático os órgãos encarregados pela aplicação da
lei devem prestar contas sobre suas atividades.
Ao final desse tema, caberá estudar os Princípios Orientadores para a aplicação efetiva
do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (24/5/1989)
adotados por ocasião da 15a sessão plenária, do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas,
que prevê várias providências, dentre as quais se destacam:
B. Questões específicas
1. Seleção, educação e formação. Deve ser dada uma importância primordial à seleção,
educação e formação dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei. Os governos devem,
igualmente, promover a educação e a formação através da frutuosa troca de idéias em nível regional e
inter-regional.
2. Remuneração e condições de trabalho. Todos os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem ser satisfatoriamente remunerados e beneficiados de condições de trabalho
adequadas.
3. Disciplina e supervisão. Devem ser estabelecidos mecanismos eficazes para assegurar
a disciplina interna e o controle externo, assim como a supervisão dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei.
4. Queixas de particulares. Devem ser adotadas disposições especiais, no âmbito dos
mecanismos previstos pelo parágrafo 3, para o recebimento e tramitação de queixas
formuladas por particulares contra os funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
e a existência dessas disposições será dada a conhecer ao público.
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Investigação de violações de direitos humanos
Violações de direitos humanos
As violações aos direitos humanos são violações das normas pertinentes do direito penal
(âmbito nacional) e/ou do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Num sentido legal restrito, os direitos humanos podem ser violados somente quando
o ato ou omissão é imputável ao Estado.
Como funcionário encarregado pela aplicação da lei, você deve oferecer proteção e
assistência a todas as vitimas de delitos. Entretanto, isso não se limita a situações em que cidadãos
são vítimas de outros cidadãos. Contraditoriamente, os funcionários encarregados pela aplicação da
lei, em virtude de suas atividades profissionais são sujeitos ao abuso de poder e, em consequência
disso, cometem graves violações de direitos humanos.
As vítimas de violações de direitos humanos merecem atenção especial já que a
responsabilidade de seus atos recai sobre o Estado. Vale dizer que as violações cometidas por um
funcionário público comprometem a relação entre o Estado e a comunidade. Até os eventos isolados
podem comprometer a imagem dos órgãos encarregados pela aplicação da lei. É necessário considerar
que se os cidadãos não confiam na polícia, não irão prestar seu apoio e assistência aos funcionários
encarregados pela aplicação da lei. Portanto, a prevenção desses incidentes é de grande
importância.
Quando se constatam violações de direitos humanos, os superiores em função de comando
têm a obrigação de dar uma atenção especial às vítimas e assegurar para que haja uma investigação
completa, pronta e imparcial.
Recursos da jurisdição nacional
Os Estados Partes que assinaram a Convenção de Genebra têm obrigação de garantir que
toda pessoa, cujos direitos tenham sido violados, possa interpor recurso efetivo, principalmente,
quando tal violação tenha sido cometida por pessoas que atuavam em exercício de suas funções
oficiais.
Os Estados Partes têm a obrigação de submeter tais atos ou omissões a um controle
judicial, assim como de proteger as vítimas dos mesmos. Se essas violações de direitos humanos já
estiverem previstas na legislação penal nacional, as medidas devem ser tomadas em âmbito da
jurisdição nacional.
Alguns países adotam mecanismos de controle externo para captação de queixas através
de um defensor do povo, também conhecido como "ombudsman" ou "ouvidor", que recebem as
reclamações individuais, atuam como mediador imparcial e propõem medidas às organizações
encarregadas da aplicação da lei.
Alguns Estados Partes também têm um acompanhamento e controle sobre as violações
de direitos humanos feitas através do Poder Legislativo, onde se instalam comissões sobre o tema.
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Recursos da jurisdição internacional
No plano internacional, os Estados Partes podem ter que responder pelas suas
práticas no campo dos direitos humanos, através de uma larga variedade de mecanismos
jurídicos, quase-jurídicos e políticos, incluindo processos de queixas individuais estabelecidas
amparadas em alguns tratados sobre direitos humanos.
As queixas individuais dirigidas a um dos corpos que controlam os tratados podem
ser processadas somente quando o Estado, em questão, tenha aceitado a competência desse
corpo para receber e considerar essas comunicações. Todos os recursos possíveis em nível
nacional devem estar já esgotados.
Como você já estudou, os recursos nacionais compreendem procedimentos
legais, quer se trate de procedimentos penais ou civis, arbitragem ou mecanismos de
conciliação, um intermediário nacional ou uma comissão de direitos humanos.
Mecanismos de queixa internacional oferecem uma plataforma internacional e
estão lastreados em instrumentos de direitos humanos que contêm disposições relativas às
comunicações interestatais, tais como:
• Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP);
• Convenção Contra a Tortura (CCT); e
• Convenção Internacional sobre todas as Formas de Discriminações Raciais
(CEDR).
Entretanto, só podem receber comunicações dos Estados aqueles que reconhecem
a competência do:
• Comitê de Direitos Humanos;
• Comitê Contra a Tortura; e
• Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial.
Esses comitês têm a função de mediação e conciliação. O que se pretende é que os
governos prestem conta em matéria internacional de direitos humanos.
Os órgãos de aplicação das leis têm um dever, baseado no direito nacional e nas
obrigações dos Estados, em face das leis internacionais, de investigar prontamente as violações dos
direitos humanos rapidamente, completamente e imparcialmente.
O estabelecimento de procedimentos de controle e de revisão é indispensável para
garantir que os funcionários que aplicam as leis possam prestar contas individualmente.
A importância de assegurar o fim dos abusos de poder no uso da força precisa ser
enfatizada. A violência policial, no entanto, pode resultar em sérias violações do direito à vida. Além
disso, ela exacerba as dificuldades e os perigos do policiamento, já bastante difícil e perigoso em si
mesmo, por causa das reações imediatas e de longa duração que provoca. A violência policial
ilegítima pode levar a uma séria desordem pública, à qual a polícia tem, então, que responder,
podendo assim expô-la a situações perigosas e desnecessárias, fazendo com que ela se torne mais
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vulnerável aos contra-ataques, conduzindo a uma falta de confiança na própria polícia por parte da
comunidade - o que se torna prejudicial a um policiamento efetivo. (Vianna, 2000)
É muito aconselhável que seja visitado o site da Secretaria Especial de Direitos
Humanos ( http://www.sedh.gov.br/ ) conhecendo os recursos e instrumentos disponíveis para a
investigação das violações de direitos humanos.
Conclusão
Neste módulo verificamos as responsabilidades dos encarregados e dos órgãos
encarregados pela aplicação da lei.
Os funcionários que aplicam a lei têm o dever de respeitar e proteger a dignidade humana
e manter e defender os direitos humanos de todas as pessoas. Cabe aos órgãos investirem em
procedimentos que auxiliem para que a atuação dos seus servidores ocorra dentro dos limites legais,
éticos e técnicos.
As violações dos direitos humanos são violações das normas pertinentes do direito penal
(âmbito nacional) e/ou do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Num sentido legal restrito, os
direitos humanos podem ser violados somente quando o ato ou omissão é imputável ao Estado.
Quando se constatam violações de direitos humanos, os superiores em função de comando
têm a obrigação de dar uma atenção especial às vítimas e assegurar para que haja uma investigação
completa, pronta e imparcial.
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