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183 Revista TCEMG|jan.|fev.|mar.|2013| COMENTANDO A JURISPRUDÊNCIA Aplicação e limites do princípio da insignificância no âmbito dos julgamentos proferidos pela Corte de Contas Mineira* 1 * Ver a íntegra do voto proferido pelo Conselheiro José Alves Viana na Prestação de Contas n. 710.096, a fls. 128. Resumo: O princípio da insignificância ou da bagatela é normalmente aplicado na seara do Direito Penal, sendo aquele derivado do princípio da razoabilidade, uma diretriz do senso comum aplicada ao Direito. Ainda é controversa a possibilidade de aplicação do princípio da bagatela em outros ramos do Direito, inclusive no Administrativo. O objetivo do presente artigo é apresentar uma breve reflexão acerca da aplicação do princípio da insignificância no âmbito dos tribunais de contas brasileiros. A partir da análise de decisões proferidas pela Corte de Contas mineira, discutiremos sobre a diversidade de posicionamentos encontrados e a necessidade de uniformização da jurisprudência sobre o assunto, especialmente, no que se refere ao alcance e aos efeitos decorrentes de sua aplicação. Assim, é forçoso reconhecer a necessidade de estabelecer parâmetros que assegurem os princípios constitucionais da isonomia e da segurança jurídica. Palavras-chave: Princípio da insignificância. Aplicação. Tribunais de contas. Uniformização de jurisprudência. Alexandra Recarey Eiras Noviello Bacharela em Direito pela Faculdade Milton Campos. Especialista em Controle Externo e Avaliação da Gestão Pública pela Escola de Contas e Capacitação Pedro Aleixo/ PUC Minas. Servidora do TCEMG. Camila Costa Nunes Bacharelanda em Direito pela Fumec. Estagiária do TCEMG. Fernando Vilela Mascarenhas Bacharel em Direito pela UFMG. Pós-graduando em Controle de Contas, Transparência e Responsabilidade pela Escola de Contas e Capacitação Pedro Aleixo/PUC Minas. Servidor do TCEMG. 1 INTRODUÇÃO A atuação da administração pública é pautada pela observância a normas e princípios jurídicos previamente instituídos. Com a promulgação da Constituição da República de 1988 e o estabelecimento de novas diretrizes institucionais a serem seguidas, diversos preceitos foram introduzidos no ordenamento jurídico pátrio. Nesse ínterim, destaca-se a ascensão do princípio da insignificância, oriundo do Direito Penal, como elemento aplicável em diversas searas, entre elas, as concernentes ao estudo do Direito Administrativo e, em especial, ao julgamento das contas públicas.

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Aplicação e limites do princípio da insignificância no âmbito dos

julgamentos proferidos pela Corte de Contas Mineira*1

* Ver a íntegra do voto proferido pelo Conselheiro José Alves Viana na Prestação de Contas n. 710.096, a fls. 128.

Resumo: O princípio da insignificância ou da bagatela é normalmente aplicado na seara do Direito Penal, sendo aquele derivado do princípio da razoabilidade, uma diretriz do senso comum aplicada ao Direito. Ainda é controversa a possibilidade de aplicação do princípio da bagatela em outros ramos do Direito, inclusive no Administrativo. O objetivo do presente artigo é apresentar uma breve reflexão acerca da aplicação do princípio da insignificância no âmbito dos tribunais de contas brasileiros. A partir da análise de decisões proferidas pela Corte de Contas mineira, discutiremos sobre a diversidade de posicionamentos encontrados e a necessidade de uniformização da jurisprudência sobre o assunto, especialmente, no que se refere ao alcance e aos efeitos decorrentes de sua aplicação. Assim, é forçoso reconhecer a necessidade de estabelecer parâmetros que assegurem os princípios constitucionais da isonomia e da segurança jurídica.

Palavras-chave: Princípio da insignificância. Aplicação. Tribunais de contas. Uniformização de jurisprudência.

Alexandra Recarey Eiras NovielloBacharela em Direito pela Faculdade Milton Campos. Especialista em Controle Externo e Avaliação da Gestão Pública pela Escola de Contas e Capacitação Pedro Aleixo/PUC Minas. Servidora do TCEMG.

Camila Costa NunesBacharelanda em Direito pela Fumec. Estagiária do TCEMG.

Fernando Vilela MascarenhasBacharel em Direito pela UFMG. Pós-graduando em Controle de Contas, Transparência e Responsabilidade pela Escola de Contas e Capacitação Pedro Aleixo/PUC Minas. Servidor do TCEMG.

1 INTRODUÇÃO

A atuação da administração pública é pautada pela observância a normas e princípios jurídicos previamente instituídos. Com a promulgação da Constituição da República de 1988 e o estabelecimento de novas diretrizes institucionais a serem seguidas, diversos preceitos foram introduzidos no ordenamento jurídico pátrio. Nesse ínterim, destaca-se a ascensão do princípio da insignificância, oriundo do Direito Penal, como elemento aplicável em diversas searas, entre elas, as concernentes ao estudo do Direito Administrativo e, em especial, ao julgamento das contas públicas.

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Observa-se que, diante das especificidades que decorrem do estudo do tema, a doutrina e a jurisprudência nacional ainda apresentam posicionamentos divergentes acerca do alcance da aplicação do princípio na análise dos processos de prestação de contas. Embora haja a tendência de reconhecer a utilização do princípio no caso concreto, permanecem ainda dissidências quanto ao seu alcance e aos efeitos no processo de prestação de contas.

Cabe ressaltar que a escolha do tema foi baseada na relevância prática do tema e na diversidade de posicionamentos existentes no âmbito da Corte de Contas Mineira, que ainda não apresenta entendimento uniforme quanto à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância nas decisões tomadas pela Casa.

Iniciaremos a discussão apresentando uma noção do princípio da insignificância e de sua aplicação no âmbito do Direito Administrativo, bem como dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Essa breve construção teórica será importante para estruturar a sistemática de aplicação do princípio da insignificância no âmbito dos tribunais de contas. Em seguida, passaremos à análise da aplicação da insignificância nos casos de sanção administrativa e em procedimentos licitatórios, com o intuito de demonstrar como vêm sendo as decisões da Casa e dos demais tribunais sobre o tema. Por fim, será apresentada uma análise das decisões da Corte de Contas Mineira quanto à aplicação de recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino e em ações e serviços públicos de saúde, bem como quanto aos casos de repasse de recursos ao Poder Legislativo.

2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA RAzOABILIDADE

Inicialmente, cabe ressaltar que a noção de insignificância surgiu no âmbito do Direito Penal, propagando-se posteriormente para os demais ramos do direito punitivo. A partir da ideia do Direito Romano do de minimis non curat praetor1, o princípio da insignificância preocupa-se em evitar que se aplique pena quando a lesão for insignificante, por não se tratar de fato punível, ficando limitada a sanção penal àquilo que efetivamente for necessário. Muito embora não haja previsão no ordenamento jurídico positivado, o princípio da insignificância é constantemente aplicado, de forma concreta, jamais abstratamente. Portanto, a verificação das especificidades de cada caso é imprescindível para a correta utilização desse instituto.

O princípio da insignificância consiste na ausência de tipicidade, de uma ação ou omissão formalmente típica, e na inexistência de lesão, ou risco de lesão, a um bem jurídico penalmente relevante. Sua aplicação se dá na hipótese de a reprimenda imposta pelo ordenamento jurídico revelar-se desproporcional ou irrazoável, considerada a ação típica ou o resultado dela. De acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para que se desconfigure a conduta punível, é necessário que ocorra: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada 2.

Embora haja pouca doutrina especializada sobre o assunto em estudo, é de se ressaltar que a Corte de Contas mineira vem aplicando o princípio da insignificância em processos sob o seu crivo. No julgamento do Processo de Prestação de Contas Municipal n. 710.096, o Conselheiro José Alves Viana ensina que, segundo o princípio da insignificância,

a análise de cada caso concreto irá determinar um balanceamento entre o grau de lesão jurídica causada pela conduta ilícita do agente e a necessidade de intervenção do poder do Estado. Por meio desse princípio, defende-se que o direito deve atuar apenas nas situações nas quais

1 “o pretor não se ocupa das coisas sem importância”.2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 98152/MG. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DF. DJe, 5 jun. 2009.

No mesmo sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (Segunda Turma). Habeas Corpus n. 96.688/RS. Relatora: Min. Ellen Gracie. Brasília, DF. DJe, 5 jun. 2009.

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é necessário proteger bens considerados importantes para a sociedade e muitas vezes, ainda que esteja configurado um fato ilícito, não havendo significativa lesão ou dano aos interesses sociais, não restará violado nenhum bem jurídico. Ao lado do Princípio da Insignificância, tem-se o Princípio da Razoabilidade, que permite à Administração Pública ponderar a aplicação da norma jurídica no caso concreto e, por conseguinte, avaliar qual será a medida que irá atender, da melhor forma, o interesse público3.

Certo é que o princípio da insignificância é derivado do princípio da razoabilidade, que, apesar de não ter sido mencionado no caput do art. 37 da Carta Republicana de 1988, está expresso na Constituição Estadual do Estado de Minas Gerais de 1989, no caput do art. 13. O princípio da razoabilidade é uma diretriz do senso comum, do bom senso, aplicada ao Direito. Sua existência é fundamental para o controle da discricionariedade concedido em favor dos agentes administrativos. Por diversas vezes, o legislador não define a melhor solução para o interesse público, mas outorga aos agentes a competência para fazê-lo, em vista das peculiaridades dos casos concretos que lhes são apresentados.

Não há critérios objetivos para definir o conceito de razoabilidade, mas, segundo esse princípio, deve a Administração pautar-se em uma atuação racional, por meio de práticas de condutas coerentes, prudentes e equilibradas, no exercício de suas atividades discricionárias ou vinculadas. O princípio da razoabilidade se propõe a eleger a solução mais razoável para os conflitos, tendo em vista as circunstâncias sociais, econômicas, culturais e políticas, sem se afastar dos parâmetros legais. Neste prisma, constata-se que a Administração Pública, ao exercer suas funções, deve primar pela razoabilidade de seus atos a fim de legitimar as suas condutas, fazendo com que o princípio seja utilizado como vetor para justificar a emanação e o grau de intervenção administrativa imposto pela esfera administrativa ao destinatário, como bem assevera José Roberto Pimenta Oliveira4.

A utilização do princípio da razoabilidade no âmbito do Direito Administrativo é de suma importância diante do caráter sancionador da Administração frente à população, o qual constantemente se manifesta por meio de dispositivos legais abertos e abstratos, utilizando-se da discricionariedade para tanto. Desta forma, esta competência de natureza discricionária vem sendo utilizada, na atuação administrativa, com o objetivo de melhor atender tanto às conveniências da administração quanto às necessidades coletivas. Serve como um poder instrumental, que consiste na liberdade de ação dentro de critérios estabelecidos pelo legislador.

Buscando diferenciar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, Niebuhr faz o seguinte paralelo:

Pois bem, o principio da razoabilidade é mais abrangente do que o principio da proporcionalidade. Ele significa que as decisões administrativas, especialmente as discricionárias, devem encontrar amparo em justificativas racionais, no bom senso. Dessa sorte, o principio em tela proíbe que os agentes administrativos tomem decisões que não visem a quaisquer utilidades, despropositadas, que fujam dos parâmetros do senso comum.

[...]

Noutro lado, o principio da proporcionalidade apresenta-se como faceta do principio da razoabilidade, apesar de não se confundir com ele. O princípio da proporcionalidade requer adequação entre os meios e os fins dos atos tomados pela Administração. Logo, ele tem a ver com gradação, com a potência, com a intensidade dos atos administrativos.5

Como dito anteriormente, muito embora os princípios ora abordados tenham sua origem na esfera penal, não ficaram restritos somente a essa área jurídica, migrando, entre outros, para o campo do Direito 3 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 710.096. Relator: Cons. José Alves Viana. DOC, 6 nov.

2012. 4 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros,

2006, p. 473.5 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. Curitiba: Zênite, 2008, p.37.

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Administrativo. Dessa forma, passamos a analisar hipóteses de aplicação de tais princípios na esfera administrativa.

3 INSIGNIFICÂNCIA EM SANÇÃO ADMINISTRATIVA

A insignificância, presente em vários ramos punitivos do Direito, não raro é aplicada na esfera administrativa e, conforme explicado alhures, busca extinguir a tipicidade dos atos que produzam danos ínfimos sobre o bem jurídico protegido, tornando irrelevante e irrazoável sua punição no âmbito administrativo.

Diversas são as decisões desta Corte de Contas que aplicam o princípio da insignificância, tendo em vista os valores irrisórios da lesão jurídica causada pela prática de determinada conduta.

Como exemplo, cita-se a Prestação de Contas do Executivo Municipal n. 835.144, aprovada por unanimidade na Sessão de 19/10/2010:

Nos termos do art. 45, inciso II, da Lei Orgânica deste Tribunal — Lei Complementar n. 102/2008 —, e considerando o parecer ministerial às fls. 306/307, voto pela emissão de Parecer Prévio pela aprovação com ressalva das contas do exercício de 2009, de responsabilidade do Prefeito do Município de Patrocínio, Sr. Lucas Campos de Siqueira, com fundamento no princípio da insignificância, devido à pequena expressividade do percentual dos créditos especiais abertos sem cobertura legal. 6 (grifo nosso)

É importante salientar que o legislador originário dispôs, no caput do art. 37 da Constituição da República de 1988, a observância irrestrita do administrador público aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sob pena de seus atos configurarem improbidade administrativa7, nos termos do art. 37, § 4° da CR/888.

A doutrina brasileira ainda não é unânime em afirmar sobre a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância quando configuradas hipóteses de improbidade administrativa.

Autores mais progressistas, como Marcelo Harger, defendem a possibilidade de aplicação do referido princípio em casos de improbidade de menor potencial ofensivo, conforme destacado:

A aplicação da lei de improbidade administrativa também deve sofrer a incidência do princípio. Isso significa dizer que a conduta do agente público deve ser lesiva.

[...]

[...] não é somente em relação à inobservância da forma que se aplica o princípio. Pode-se aplicá-lo quando o valor do dano causado for inferior a R$10.000,00 (dez mil reais). O fundamento para esse raciocínio é equivalente ao da jurisprudência dominante relativamente aos casos de descaminho. A diferença é que o critério adotado está previsto no art. 1b da Lei n. 9.469/97 e não no art. 20 da Lei n. 10.522/02.

[...]

6 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Primeira Câmara. Prestação de Contas do Executivo Municipal n. 835.144. DOC, 26 out. 2010. No mesmo sentido: MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Processo Administrativo n. 715.981. Relator: Auditor Gilberto Diniz. DOC, 3 set. 2012

7 O sentido do vocábulo improbidade é genérico e amplo. Agregando-se a ele a palavra administrativa, adjetiva-se a desonestidade decorrente do entendimento de improbidade, formando-se a expressão improbidade administrativa, que pode ser considerada como a falta de honestidade e de moralidade no âmbito da Administração, por ocasião da prática de atos indignos, indecentes, incorretos e amorais, mediante transgressão das normas administrativas. A doutrina não define a improbidade administrativa de forma consensual. Na verdade, a variedade de definições decorre do enfoque que cada doutrinador procura destacar na análise da improbidade administrativa, ora ressaltando aspectos da moralidade administrativa, ora dando maior ênfase ao enriquecimento ilícito do agente. (SOBRANE, Sérgio Turra. Improbidade administrativa — Aspectos materiais, dimensão difusa e coisa julgada. São Paulo: Atlas, 2010, p. 24.)

8 Art. 37, §4º: Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

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[...] pode-se opor a inexistência de diferença ontológica entre o ilícito criminal e o previsto na lei de improbidade. As sanções tampouco apresentam diferenças ônticas e, na verdade, a lei de improbidade estabelece diversas sanções que acarretam efeitos mais graves do que algumas penalidades criminais. Cite-se como exemplo a perda de cargo público e a suspensão de direitos políticos.

Demonstra-se, assim, que o princípio da insignificância tem plena aplicabilidade à lei de improbidade. 9

Na mesma linha de entendimento, José Roberto Pimenta Oliveira enfatiza:

As mesmas considerações de tipificação material da ilicitude estendem-se ao campo punitivo da improbidade administrativa. Não é qualquer ofensa à probidade administrativa que justifica acionar o dever-poder punitivo cristalizado e fundamentado no artigo 37, §4° da Constituição. Por força do princípio da proporcionalidade, somente havendo agressão em nível suficiente para abalar os bens jurídicos tutelados. Condutas ilegais formalmente ímprobas podem deixar de ser reprimidas no nível do sistema de improbidade, sem prejuízo de que venham seus responsáveis sofrer sanções jurídicas em outras órbitas de responsabilização. [...]10

Nota-se que tal posicionamento, mesmo em menor escala, é observado em respeitados órgãos julgadores do País, a exemplo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul11:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ESCOLHA DE PLACA DE AUTOMÓVEL. APLICAÇÃO POR ANALOGIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (BAGATELA). Caso concreto em que a ação deve ser extinta sem resolução de mérito, de plano, por falta de interesse de agir, por ser aplicável, por analogia, o princípio da insignificância ao ato dito ímprobo (escolha de número de placa de automóvel, no valor de R$ 169,94), sendo que tal valor não foi arcado pelo Município, logo inexistindo prejuízo ao erário. Ressaltando que, posteriormente, houve alteração da placa. Quando há incidência do princípio da insignificância, resta afastada a ocorrência de crime ou contravenção, razão pela qual na hipótese afasto a ocorrência de ato de improbidade administrativa. A circunstância em tela é excepcional, por ser ínfimo o valor do bem supostamente ofendido, sendo mínima a reprovabilidade do ato de improbidade. Segundo o princípio da insignificância, sobre algumas condutas, embora típicas, não deve incidir o direito penal, por não atingirem patrimônio considerável, o que é perfeitamente aplicável ao caso em tela, tendo em vista o valor do possível prejuízo com a escolha do número da placa de automóvel é irrisório. Não é proporcional ou razoável movimentar todo o aparato judicial com intuito de punir conduta que não gerou prejuízo ao patrimônio público. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO E AGRAVO REGIMENTAL JULGADO PREJUDICADO.12 (grifo nosso)

Por outro lado, frisa-se que a doutrina administrativista clássica brasileira, captaneada pelo posicionamento imposto pelo Superior Tribunal de Justiça, nega a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa. Tal entendimento parte do pressuposto da indisponibilidade do interesse público e da obrigatoriedade dos agentes públicos manterem uma conduta proba, em obediência ao princípio da moralidade, o qual não admite exclusões.

Nesse sentido de obediência aos princípios constitucionais da legalidade e moralidade, Waldo Fazzio Júnior traz importante lição: 9 HARGER, Marcelo. Utilização de conceitos de direito criminal para a interpretação da lei de improbidade. Interesse Público, Belo Horizonte, v. 12,

n. 61, p. 123-125, maio 2010.10 OLIVEIRA. José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.281-282.11 Não obstante tenha a Casa Julgadora, em outras oportunidades, apresentado posicionamento contrário, conforme se depreende da análise do

Agravo de Instrumento n. 70029616547, julgado em 09/07/2009.12 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 70026712927. Relator: Des. Jorge Maraschin dos

Santos. Data do julgamento: 10 dez. 2008.

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Atentar contra princípios jurídicos é muito mais grave que violar regras; significa agredir todo o sistema. Justamente por isso, o texto do art. 4° da LIA, ao exigir que os agentes públicos cumpram e façam cumprir os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, repercute o disposto no art. 37, caput, da Constituição Federal.

[...]

Honestidade, imparcialidade e lealdade são deveres do prefeito, é certo. A bem dizer, são deveres de qualquer agente público. Não são meros adornos positivos, mas autênticas imposições ditadas pela natureza do cargo que exerce e pela incidência dos princípios constitucionais da administração, dos quais é subalterno. O dare, facere, prestare do administrador público devem ser consoantes à natureza intransacionável de suas funções e condizentes com a noção corrente daquilo que é honesto, leal e imparcial.13

Segue trecho do bem lançado voto do Ministro Herman Benjamin, em julgado que evidencia o posicionamento majoritário do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MERA IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DISTINÇÃO ENTRE JUÍZO DE IMPROBIDADE DA CONDUTA E JUÍZO DE DOSIMETRIA DA SANÇÃO.

[...]

5. Nem toda irregularidade administrativa caracteriza improbidade, nem se confunde o administrador inábil com o administrador ímprobo. Contudo, se o juiz, mesmo que implicitamente, declara ou insinua ser ímproba a conduta do agente, ou reconhece violação aos bens e valores protegidos pela Lei da Improbidade Administrativa (= juízo de improbidade da conduta), já não lhe é facultado — sob o influxo do princípio da insignificância, mormente se por “insignificância” se entender somente o impacto monetário direto da conduta nos cofres públicos — evitar o juízo de dosimetria da sanção, pois seria o mesmo que, por inteiro, excluir (e não apenas dosar) as penas legalmente previstas.

[...]

11. A Quinta Turma do STJ, em relação a crime de responsabilidade, já se pronunciou no sentido de que “deve ser afastada a aplicação do princípio da insignificância, não obstante a pequena quantia desviada, diante da própria condição de Prefeito do réu, de quem se exige um comportamento adequado, isto é, dentro do que a sociedade considera correto, do ponto de vista ético e moral.” (REsp 769317/AL, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 27/3/2006).

Ora, se é assim no campo penal, com maior razão no universo da Lei de Improbidade Administrativa, que tem caráter civil.14

Da mesma forma entendeu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, conforme trecho destacado do voto proferido pelo Desembargador Luiz Fernando na Apelação Cível n. 0000692-73.2005.8.19.0016

Ademais, não é possível a aplicação do princípio da insignificância à conduta caracterizada como ato de improbidade administrativa, pois o bem jurídico que a Lei de Improbidade busca salvaguardar é a moralidade administrativa, que deve ser objetivamente considerada, ou seja, não comporta relativização a ponto de permitir “só um pouco” de ofensa. Daí

13 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos: de acordo com a lei de responsabilidade fiscal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 175 e 180.

14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Recurso Especial n. 892818/RS. Relator: Min. Herman Benjamin. Data do Acórdão: 11 nov. 2008.

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não se aplicar o princípio da insignificância às condutas judicialmente reconhecidas como ímprobas, pois não existe ofensa insignificante ao princípio da moralidade.15

Analisando a discussão a partir do pressuposto de que nenhum princípio jurídico é absoluto, e que a ponderação entre eles é absolutamente compatível com a ordem jurídica posta, podemos concluir que a possibilidade de aplicação da insignificância deve ser verificada tendo em conta as particularidades existentes no caso concreto. Nas situações em que se verifique que o prejuízo causado ao bem jurídico tutelado é mínimo, a tipicidade da conduta deve ser afastada, sem a cominação de sanções de caráter penal16. Não se pode deixar de observar a boa-fé dos agentes públicos envolvidos, aplicando-se sempre a medida mais razoável e proporcional ao caso analisado.

3.1 Princípio da insignificância em procedimentos licitatórios

Ao abordar o tema da insignificância nos processos de licitação, entram em cena dois princípios jurídicos de igual importância, quais sejam, razoabilidade e proporcionalidade.

Os agentes administrativos gozam de discricionariedade para praticar certos atos, nas hipóteses em que a lei não predetermina a conduta a ser adotada, devendo, no caso concreto, com base na razoabilidade e proporcionalidade, escolher a opção que melhor se adeque ao interesse público. Nesse sentido, é importante trazer à baila os ensinamentos de Joel de Menezes Niebuhr:

Na licitação pública, os agentes públicos administrativos devem praticar uma série de atos no exercício de competência discricionária, tais quais os atos de definição do objeto da licitação, dos quantitativos a serem exigidos nos atestados de capacitação técnica, dos índices contábeis, da medida da sanção administrativa a ser aplicada em relação a licitantes faltosos, etc. Daí a importância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que se prestam a servir de parâmetro a tais competências discricionárias, rechaçando atos arbitrários e injustos, incompatíveis com o interesse público.17

Atualmente, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, com base no princípio da insignificância, apresenta o entendimento de que falhas meramente formais, cometidas em contratações precedidas de procedimento licitatório, sejam relevadas. Veja-se:

[...] considerando a descontinuidade das despesas e as finalidades diversas das hospedagens, entendo que não há que se falar em fracionamento do objeto para fins de fraudar a realização da licitação. E, ainda, apesar de o valor de R$8.415,00, gasto no mês de dezembro, ultrapassar o limite de dispensa de licitação (R$8.000,00), considero que o ínfimo valor de R$415,00 remete ao princípio da insignificância, bem assim ao princípio da razoabilidade.

A propósito, essa é a orientação desta Corte na resposta dada à Consulta nº 833.254, relatada pelo Conselheiro Sebastião Helvecio, na Sessão de 02/3/2011, da qual se reproduz este excerto:

‘Extrapolado o limite estabelecido pela legislação para contratações com dispensa de licitação, a irrisoriedade ou insignificância do valor excedente é uma circunstância que deve ser considerada no que se refere à aplicação de normas punitivas, frente ao exame de cada caso concreto.’ (grifo nosso)18

15 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. 3ª Câmara Cível. Apelação Cível n. 0000692-73.2005.8.19.0016. Relator: Des. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho. Data do Acórdão: 3 set. 2012.

16 É importante ressaltar que a aplicação do princípio da insignificância neste caso não implica na desoneração do ressarcimento ao erário e as demais sanções administrativas e civis.

17 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. Curitiba: Zênite, 2008, p. 36-37.18 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Segunda Câmara. Processo Administrativo — Licitação n. 715.981. Relator: Auditor Gilberto Diniz. Data

do Acórdão: 30 ago. 2012. DOC, 3 set. No mesmo sentido: Processo Administrativo n. 694.637 (Acórdão de 14 ago. 2012) e 615.096 (27 set. 2011).

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Verifica-se também ser possível invocar o princípio da insignificância nas sanções administrativas decorrentes de falhas em procedimentos licitatórios, cabendo à Administração analisar os prejuízos causados pela conduta danosa e a boa ou má-fé dos envolvidos. Não havendo prejuízo para a administração, ou sendo o valor insignificante, a penalidade poderá ser afastada, com os mesmos fundamentos aventados na seara penal.

Em consulta19 respondida em 2011, o Plenário da Corte de Contas mineira reiterou o posicionamento de que, nos casos de dispensa de licitação em função do valor do objeto licitado, determinado pelo art. 24, I e II, da Lei n. 8.666/9320, a previsão existente é taxativa, sem nenhum conteúdo variável ou passível de interpretação. Realizando uma análise da questão do ponto de vista estritamente legal, o relator concluiu que a norma jurídica destacada não dá margem para o administrador extrapolar os limites previstos, configurando-se o ato em questão como tipicamente vinculado.

Entretanto, o relator, Conselheiro Sebastião Helvecio, reverberou que há situações em que o gestor excede o limite estabelecido para contratações com dispensa de licitação de forma tão irrisória ou insignificante que pode o julgador, devido à baixa ofensividade da conduta, entendê-la como escusável, deixando de aplicar multa. Vejamos:

O administrador, destinatário por excelência da legislação que rege a gestão de recursos públicos, deve rigorosa subserviência ao princípio da legalidade. Os atos administrativos, por sua vez, assim compreendidos como aqueles que se sujeitam ao regime jurídico administrativo, têm por requisito primeiro de validade a observância à lei.

[...]

Os casos de dispensa de licitação em função do valor do objeto licitado, previstos à primeira vista nos incisos I e II do art. 24 da Lei n. 8.666/93, encerram previsão taxativa, sem qualquer conteúdo variável ou passível de interpretação, precedendo, portanto, a edição de ato tipicamente vinculado.

Sendo assim, analisando a questão sob o ponto de vista estritamente legal, em termos abstratos, a norma legal não dá margem ao administrador para extrapolar os limites estabelecidos no art. 24 da lei de licitações — salvo configurada qualquer das hipóteses de dispensa de licitação autorizadas pelo ordenamento jurídico a despeito do valor do objeto contratado.

Entretanto, as consequências previstas no ordenamento para a hipótese de inobservância da lei por parte do administrador, vislumbradas sob uma perspectiva positivista, ou seja, dentro de uma abordagem abstrata, podem não ser aplicáveis ao caso concreto.

Isso, pois, as sanções cominadas pela lei, nas esferas administrativa, civil ou penal, só são aplicadas levando-se em consideração as circunstâncias fáticas peculiares a cada situação.

A própria improbidade administrativa, ventilada pelo Consulente à fl. 01, possui conteúdo jurídico por demais amplo abstrato, transcendendo a mera atuação em conformidade, ou não, à literalidade da lei.

Com efeito, ainda que o administrador atue rigorosamente nos termos dispostos na norma, o ato praticado pode configurar improbidade administrativa, dependendo da análise das circunstâncias específicas do caso concreto.

19 MINAS GERAIS. Tribunal Pleno. Consulta n. 833.254. Relator: Cons. Sebastião Helvecio. Data do Acórdão: 2 mar. 2011.20 Art. 24. É dispensável a licitação: I — para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea a do inciso

I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; II — I — para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea a do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente.

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Contrario sensu, a violação à letra da lei, sob o ponto de vista fático, pode apresentar-se escusável caso presentes condições concretas — e reconhecidas pelo ordenamento jurídico — que o justifiquem.

Extrapolado o limite estabelecido pela legislação para contratações com dispensa de licitação, a irrisoriedade ou insignificância do valor excedente é uma circunstância que deve ser considerada no que se refere à aplicação de normas punitivas, frente ao exame de cada caso concreto.

4 ANÁLISE DAS PRESTAÇÕES DE CONTAS MUNICIPAIS NO ÂMBITO DO TCEMG

Historicamente, o Estado brasileiro apresenta uma tendência ao desenvolvimento de mecanismos institucionais de controle dos gastos públicos, ocasionada tanto pela aplicação inadequada quanto pela escassez de recursos.

A história do controle no Brasil remonta ao período colonial, a partir da criação, ainda no século XVIII21, de institutos para acompanhar a execução da despesa pública. Com a evolução dos sistemas de controle interno e externo, sobremaneira após a previsão explícita da criação de uma Corte de Contas na primeira Constituição Republicana Brasileira, de 1891, observou-se o fortalecimento de uma tendência de gestão responsável dos recursos.

A promulgação de uma nova ordem jurídica nacional em 1988 apresentou, entre outras inovações, a inclusão no rol de obrigações do chefe do Executivo Federal do dever de prestar as contas22, as quais serão julgadas pelo Legislativo, após a emissão do parecer prévio pelo Tribunal de Contas da União.

Tal obrigação, de acordo com o princípio da simetria, estende-se aos governadores e aos prefeitos municipais, sendo a matéria regulada na legislação mineira pelos arts. 76, I, e 180 da Constituição Estadual de 1989. Salienta-se aqui que o parecer prévio enviado pelo Tribunal de Contas estadual às Casas Legislativas, pugnando pela aprovação ou rejeição das contas só não deverá prevalecer por decisão de dois terços dos membros das Câmaras Municipais23.

Esse munus atribuído à Corte de Contas mineira — o qual será objeto de análise posterior — encontra-se atualmente regulamentado pela Resolução n. 12/08 do TCEMG e pela Lei Complementar Estadual n. 102/08, que prevê, no art. 48, o seguinte:

Art. 48. As contas serão julgadas:

I — regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis e a legalidade, a legitimidade, a economicidade e a razoabilidade dos atos de gestão do responsável;

II — regulares, com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário;

III — irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:

a) omissão do dever de prestar contas;

b) prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico;

c) infração grave a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;

21 BRASIL. Tribunal de Contas da União. O Tribunal de Contas da União de ontem e de hoje. Brasília: TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 1999. (Prêmio Serzedello Corrêa 1998: Monografias Vencedoras).

22 Art. 84, XXIV, da CR/88: “compete privativamente ao Presidente da República prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior”.

23 Nos termos do art. 31 da CR/88.

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d) dano injustificado ao erário, decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico;

e) desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos.

§ 1º O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestação de contas.

§ 2º Serão consideradas não prestadas as contas que, embora encaminhadas, não reúnam as informações e os documentos exigidos na legislação em vigor, bem como nos atos normativos próprios do Tribunal.

Portanto, destaca-se que o parecer prévio emitido pela Corte de Contas mineira deverá concluir pela aprovação, aprovação com ressalvas ou rejeição das contas municipais.

É importante salientar que, por limitações técnicas e de pessoal, a realização pelo Tribunal de uma análise completa de todas as despesas realizadas nos exercícios financeiros não se mostra economicamente viável. Diante disso, o Regimento Interno do TCEMG atribuiu ao presidente a competência para expedir ordens de serviço, atos formais monocráticos pelos quais são emitidas determinações gerais ou específicas às unidades internas do Tribunal, relativas às atividades do controle externo, funcionais, e à delegação de competência. Com base nas normas gerais de auditoria pública da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), bem como nas normas brasileiras de contabilidade, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais otimizou a análise das prestações de contas municipais por meio da seletividade e da racionalidade dos aspectos relevantes e de maior materialidade.

No que tange aos procedimentos a serem adotados nos exames das prestações de contas anuais apresentadas pelos chefes dos poderes executivos municipais, encontra-se em vigência a Ordem de Serviço n. 09/2012, que determina, para fins de emissão de parecer prévio, os seguintes escopos24:

I — cumprimento do índice constitucional relativo às ações e serviços públicos de saúde;

II — cumprimento do índice constitucional relativo à manutenção e desenvolvimento do ensino, excluído o índice legal referente ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação — Fundeb —;

III — cumprimento do limite de despesas com pessoal, fixado nos artigos 19 e 20 da Lei Complementar Federal n. 101, de 04/05/2000;

IV — cumprimento do limite definido no art. 29-A da CR/88 para o repasse de recursos ao Poder Legislativo Municipal; e

V — cumprimento das disposições previstas nos incisos II, V e VII do art. 167 da CR/88 e nos artigos 42, 43 e 59 da Lei Federal n. 4.320, de 17/03/64, na abertura de créditos orçamentários e adicionais.

Ante essa perspectiva, analisaremos como se dá a aplicação do princípio da insignificância (ou razoabilidade), no âmbito das prestações de contas municipais analisadas pela Corte mineira, enfatizando-se os itens I, II e IV — cumprimento dos índices constitucionais de aplicação na saúde e educação e repasse de recursos ao Poder Legislativo.

4.1 Aplicação de recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino e ações e serviços públicos de saúde

A educação é um direito constitucional25 assegurado a todos, sendo dever do Estado e da família, promovida

24 Embora não haja óbice para a inclusão, pelo relator ou pelo órgão técnico, de outros aspectos analisados durante o exercício financeiro no processo de Prestação de Contas.

25 Conforme consta no art. 205 da CR/88, a qual dispõe ser a educação “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

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e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, constituindo-se no verdadeiro caminho para a inclusão social.

A fim de que tal objetivo seja concretizado, o legislador originário dispôs, no art. 212, que a aplicação de recursos da manutenção e desenvolvimento do ensino — no caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios — não pode ser inferior a 25% da receita líquida de impostos e transferências.

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Já o direito à saúde está assegurado no art. 196 da Constituição Federal, a qual estabelece se tratar de direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

De forma análoga ao disposto anteriormente no que tange à educação, o art. 77 do ADCT estabelece o seguinte:

Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:

III — no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I,

alínea b e §3°. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 29, de 2000).

No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, como já mencionado, segundo a Ordem de Serviço n. 09/2012, o cumprimento dos índices constitucionais supracitados compõe o escopo para análise técnica e reexame realizados pela Casa, com fins de emissão de parecer prévio quando da prestação de contas anuais apresentadas pelos chefes dos poderes executivos municipais.

Adiantando a matéria a ser analisada no tópico seguinte, no que tange à questão do repasse de recursos ao Poder Legislativo, o Tribunal, no julgamento das prestações de contas municipais, por diversas vezes aplica o princípio da insignificância. Entretanto, em relação à questão dos índices constitucionais da educação e saúde, percebe-se um entendimento diferente.

Este posicionamento da Casa foi muito bem defendido pelo Conselheiro José Alves Viana, em Prestação de Contas Municipal apreciada pela Primeira Câmara em 30/10/2012:

Nem sempre violar a lei significa violar o direito, o que deve ser aferido em razão da natureza do bem tutelado e da especificidade do caso concreto. Dessa forma, em meu juízo, e aqui, acorde com Aristóteles, devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida das suas diferenças.

Faço esse breve relato no sentido de sustentar que o Repasse de Recursos ao Poder Legislativo não pode ser tratado da mesma forma que as Ações de Saúde e Ensino. A uma, porque as repercussões do não atendimento do comando constitucional a estas últimas, traz sérias e nefastas consequências ao nosso já combalido Sistema de saúde e menoscaba o necessário investimento em Educação como forma mais efetiva e barata de elevar o Brasil a um outro patamar econômico e principalmente social; a duas, porque aqui tratamos de um valor máximo, de um teto e lá, de um mínimo, de um patamar inferior abaixo do qual entendeu o constituinte estarem violados os preceitos mais básicos de regência da matéria. Como já me pronunciei em outra assentada, mínimo é mínimo. Não sou contra a aplicação do Princípio

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da Bagatela ou da Insignificância, pelo contrário, apenas entendo que nessas áreas específicas, Educação e Saúde, todo pouco é muito.26 (grifos no original)

O Conselheiro Sebastião Helvecio, em julgamento de prestação de contas, se posicionou da seguinte forma:

[...] em razão da consistente explicação que o Conselheiro Mauri Torres traz em seu voto, entendo que o princípio da insignificância, em muitos momentos, pode realmente ser aplicado. Mas nessa questão do índice constitucional, entendo que não. Por isso, mantenho meu voto anterior, pela rejeição das contas, pelo não atingimento do índice constitucional. Em outras situações, entendo que possa ser aplicado.27

Votando no mesmo processo, o Conselheiro Eduardo Carone Costa também já se manifestou sobre o tema:

Com fundamento no art. 212 da Constituição Federal, na letra expressa do constituinte, o ente público municipal aplicará nunca menos de 25% na manutenção e desenvolvimento do ensino, no mínimo. Então, são duas assertivas limitadoras, nunca a menos e no mínimo. É usual, quando examinamos abertura de créditos orçamentários, que há extrapolação de pequena monta ou de pouca relevância, mas foi aplicada dentro da finalidade. Então, entendo que o princípio da insignificância poderia ser aplicado. Mas nesse caso de percentual de programa institucional, com o rigor extremo do texto legal constitucional, de nunca a menos e no mínimo, tudo que é abaixo de 25% já infringe o mínimo. Então, nessa hipótese, eu não considero aplicáveis esses princípios.28

Existe atualmente um entendimento predominante na Casa de que a Constituição já exige um valor mínimo de aplicação, sendo vedada qualquer manobra visando à aplicação a menor de recursos. Entende-se que, nas questões dos índices constitucionais, o legislador foi bastante claro, trazendo assertivas limitadoras, com rigor extremo. A posição predominante entre os conselheiros desta Corte de Contas é pela rejeição das contas na hipótese do não atendimento do índice constitucional. Neste sentido, destacam-se julgados recentes exarados pelo Tribunal:

EMENTA: PRESTAÇÃO DE CONTAS — EXECUTIVO MUNICIPAL — EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA, FINANCEIRA, CONTÁBIL E PATRIMONIAL — NÃO APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE RECURSOS NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO — DESCUMPRIMENTO DO ART. 212 DA CR/88 — PARECER PRÉVIO PELA REJEIÇÃO DAS CONTAS.

1) Emite-se parecer prévio pela rejeição das contas prestadas, com fulcro no art. 45, III, da LCE n. 102/2008, visto que o índice constitucional de aplicação no Ensino apresentado em 26,59%, após glosa de despesas oriundas de convênio, sofreu redução para 24,94%, sujeitando-se o agente político às sanções da Lei n. 8429/92, razão pela qual, observadas as disposições do art. 350 da Resolução TCEMG 12/2008, os autos deverão ser encaminhados ao Ministério Público de Contas. 2) O responsável pelo Controle Interno deverá acompanhar a execução dos atos de gestão, dando-se ciência ao Tribunal de Contas de qualquer irregularidade e ilegalidade de que tome conhecimento, sob pena de responsabilidade solidária. 3) Os autos deverão ser arquivados, observadas as disposições do art. 239 do RITCEMG e a manifestação do Ministério Público de Contas acerca do julgamento das contas pelo Legislativo Municipal. 4) Decisão por maioria de votos.29

26 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 680.263. Relator: Cons. José Alves Viana. Acórdão de: 30 out. 2012.

27 __________. __________. Segunda Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 710.460. Relator: Cons. Sebastião Helvecio. Acórdão de: 16 fev. 2012, notas taquigráficas.

28 __________. __________. Segunda Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 710.460, Relator: Cons. Sebastião Helvecio. Acórdão de: 16 fev. 2012, notas taquigráficas.

29 __________. __________. Segunda Câmara. Prestação de Contas Municipais n. 710460. Relator: Cons. Sebastião Helvecio. Acórdão de: 16 fev. 2012.

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Quanto à aplicação de recursos nas ações e serviços de saúde, cabe salientar que, segundo o § 1º do art. 77 do ADCT, os percentuais aplicados serão elevados gradualmente, à razão de um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000 a aplicação será de pelo menos 7%, e até o exercício de 2004, os recursos mínimos aplicados serão equivalentes a 15% da base de cálculo.

É importante ressaltar que, apesar de a meta de 15% ter sido estabelecida para ser cumprida até 2004, uma vez atingido o limite constitucional antes deste exercício, o município deveria, nos exercícios subsequentes, aplicar o percentual mínimo de 15% ou percentual superior, nos termos art.77, III, do ADCT.

Desta forma, não encontra respaldo a justificativa do defendente, uma vez que, de acordo com o Demonstrativo da Aplicação nas Ações e Serviços Públicos de Saúde (fls. 27/28) o município aplicou 18,55% da Receita Corrente Líquida no exercício de 2002, o que demonstra a capacidade deste ente político em atender ao mandamento constitucional de aplicação mínima de recursos na saúde.

Assim, haja vista que o município aplicou 11,69% dos recursos nas ações e serviços públicos de saúde, não obedecendo ao mínimo exigido no art. 77, III, do ADCT, considero irregular essa aplicação, descumprido o comando constitucional acerca da matéria. 30

__________

Considerando o índice de 24,83% da receita base de cálculo de R$4.956.413,85, aplicado no ensino, e a imaterialidade do percentual de 0,17% não aplicado, o que correspondeu a um valor anual de R$8.899,69, que representaria o valor diário de R$24,38;

Com fulcro nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, no caso concreto, adoto o entendimento pela EMISSÃO DE PARECER PRÉVIO PELA APROVAÇÃO DAS CONTAS, com fulcro no art. 45, I, da LC 102/08, tendo em vista a regularidade na abertura dos créditos orçamentários, suplementares e especiais, e na execução orçamentária (arts. 42, 43 e 59, da Lei 4.320/64), bem como no atendimento aos limites constitucionais e legais referentes à saúde, aos gastos com pessoal e ao repasse de recursos financeiros à Câmara Municipal, com as recomendações constantes na fundamentação desta proposta, quanto à adoção das melhores práticas na gestão orçamentária e ao pleno atendimento dos dispositivos constitucionais relativos ao ensino, de modo a prevenir reincidências.

CONSELHEIRO JOSÉ ALVES VIANA:

Não acolho a proposta de voto do Dr. Licurgo, tendo em vista que, no meu entendimento, já externado nesta Câmara em outras oportunidades, não se deve aceitar que os municípios apliquem menos do que o mínimo exigido constitucionalmente, pois o constituinte fixou parâmetros de referência para que o gestor pudesse dar efetividade às ações de uma área tão sensível como a Educação.

Ademais, mínimo é mínimo.

Assim, constatada a inobservância ao disposto no art. 212 da Constituição da República de 1988, com fulcro no art. 240, inciso III do Regimento Interno deste Tribunal de Contas, voto pela emissão de parecer prévio pela rejeição das contas da Prefeitura Municipal de Nova União relativas ao exercício de 2007.

CONSELHEIRO SUBSTITUTO GILBERTO DINIZ:

Sra. Presidente, também vou pedir vênia ao Relator para, coerente com votos que tenho proferido nos processos de minha relatoria, acompanhar a divergência aberta pelo Conselheiro José Alves Viana e o seu voto.

30 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. TCEMG. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipais n. 686125. Relator: Cons. Cláudio Terrão. Acórdão de: 25 out. 2011.

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CONSELHEIRA PRESIDENTE ADRIENE ANDRADE:

Da mesma forma, peço vênia e acompanho o voto do Conselheiro José Alves Viana.

REJEITADA A PROPOSTA DE VOTO DO AUDITOR RELATOR. APROVADO, POR UNANIMIDADE, O VOTO DO CONSELHEIRO JOSÉ ALVES VIANA PELA REJEIÇÃO DAS CONTAS. 31

__________[...]

Dessa forma, considerando que o trabalho da equipe de inspeção foi realizado com base nos balancetes mensais e nos comprovantes de despesa, e o defendente não apresentou novos documentos que pudessem comprovar a aplicação informada no SIACE/PCA, concluo que o Município aplicou 23,46% e 9,77% da receita base de cálculo na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e nas Ações e Serviços Públicos de Saúde, respectivamente, inferiores aos percentuais mínimos de 25% e 15% estabelecidos nos artigos 212 e 77, inciso III do ADCT, ambos da Constituição da República.

[...]

Constatada a inobservância ao disposto nos artigos 212 e 77, inciso III do ADCT, ambos da Constituição da República, nos termos da fundamentação, com fulcro no art. 45, inciso III, da Lei Complementar n. 102/2008 c/c art. 240, inciso III do Regimento Interno deste Tribunal de Contas, voto pela emissão de parecer prévio pela rejeição das contas relativas ao exercício de 2004, prestadas pelo Sr. Orivaldo Alves Oliveira, gestor e ordenador de despesas da Prefeitura Municipal de Ibiracatu.32

Ressalte-se a existência de posição contrária, ou seja, favorável à aplicação do princípio da insignificância mesmo no caso de descumprimento dos percentuais constitucionalmente exigidos nas áreas de ensino e saúde, defendida pelo Conselheiro Mauri Torres:

No entanto, apesar da violação à norma constitucional, tendo em vista a irrelevância da diferença apurada — 0,06% — entendo concebível a aplicação do Princípio da Bagatela ou Insignificância, segundo o qual a análise da periculosidade de cada caso concreto irá determinar um balanceamento entre o grau de lesão jurídica causada pela conduta ilícita do agente e a necessidade de intervenção do poder do Estado.

[..3.]

Assim, em virtude dos Princípios da Insignificância e da Razoabilidade, entendo que, sendo a aplicação apurada inferior minimamente ao percentual estabelecido constitucionalmente, não se vislumbrando lesão ou dano significativo aos bens jurídicos relevantes à sociedade, considero apenas que houve falha no procedimento, não sendo, por si só, fato ensejador de rejeição das contas.33

4.2 Repasse de recursos ao Poder Legislativo

O constituinte originário de 1988 determinou, como princípio fundamental do Estado Federal Brasileiro, o modelo tripartite de separação dos poderes34. Com isso, embora prevaleça a unidade e a indivisibilidade, dividem-se as principais funções estatais de soberania entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Tal disposição encontra amparo jurídico em todas as Cartas Republicanas brasileiras, sendo elevada a cláusula pétrea no ordenamento vigente, conforme disposto no art. 60, § 4º, III35, da Constituição da República.

31 MINAS GERAIS. Tribunal do Estado. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 749.282. Relator: Auditor Licurgo Mourão. Acórdão de: 25/09/2012.

32 __________. __________. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 697.634. Relator: Cons. José Alves Viana. Acórdão de: 20 nov. 2012.33 __________. __________. Segunda Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 710.460. Relator: Cons. Sebastião Helvecio. Acórdão de: 16 fev. 2012.34 Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.35 Art. 60, § 4º, III: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] a separação de poderes.

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Com o intuito de instrumentalizar a independência dos poderes, o legislador originário dispôs inúmeras regras, que podem ser percebidas ao longo de todo o texto constitucional. Embora vigore o princípio da unidade orçamentária, determinado pelo art. 2º da Lei n. 4.320/6436, as Casas Legislativas federais, estaduais e municipais têm direito ao recebimento de recursos próprios, os quais são regulamentados no próprio texto constitucional. O art. 168, modificado pela EC n. 45/04, determina que:

Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.

Não há dúvidas quanto ao direito líquido e certo do recebimento, pelas casas legislativas, do duodécimo e das dotações orçamentárias que lhe são destinadas por lei. Não se pode falar em independência político-jurídica dos poderes se houver ingerência nos valores constitucionalmente devidos. Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

A norma inscrita no art. 168 da Constituição reveste-se de caráter tutelar, concebida que foi para impedir o Executivo de causar, em desfavor do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público, um estado de subordinação financeira que comprometesse, pela gestão arbitrária do orçamento — ou, até mesmo, pela injusta recusa de liberar os recursos nele consignados —, a própria independência político-jurídica daquelas instituições (RTJ 159/455).

Repasse duodecimal. Garantia de independência, que não está sujeita à programação financeira e ao fluxo da arrecadação. Trata-se de uma ordem de distribuição prioritária de satisfação das dotações consignadas ao Poder Judiciário (RDA 189/307)37.

A omissão do repasse ou o repasse em valores menores aos estabelecidos por lei constituem abuso de poder e violação a direito líquido e certo das Casas Legislativas municipais. Também, o Judiciário vem decidindo pela caracterização de crime de responsabilidade o não cumprimento imediato de ordem judicial proferida em mandado de segurança determinando ao prefeito municipal o repasse, incontinente, à câmara municipal da quota orçamentária a ela destinada38.

Atualmente, o art. 29-A da Constituição da República de 1988, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 25/2000, estabeleceu regras específicas para a apuração do limite de gastos do Poder Legislativo municipal. A nova sistemática introduzida leva em consideração a faixa populacional do município e o montante da receita tributária e transferências constitucionais efetivamente arrecadadas pela municipalidade no exercício imediatamente anterior, vejamos:

Art. 29-A O total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5° do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior:

I — 7% (sete por cento) para Municípios com população de até 100.000 (cem mil) habitantes; 

II — 6% (seis por cento) para Municípios com população entre 100.000 (cem mil) e 300.000 (trezentos mil) habitantes;

36 Art. 2° A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e anualidade.

37 Disponíveis em: BARROSO, Luis Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil Anotada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 314.38 RT 577/416. Disponível em: NETTO, André L. Borges. A obrigação constitucional do Executivo de repassar o valor integral do duodécimo ao

Legislativo. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=21>. Acesso em: 15 jan. 2013.

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III — 5% (cinco por cento) para Municípios com população entre 300.001 (trezentos mil e um) e 500.000 (quinhentos mil) habitantes;

IV — 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento) para Municípios com população entre 500.001 (quinhentos mil e um) e 3.000.000 (três milhões) de habitantes;

V — 4% (quatro por cento) para Municípios com população entre 3.000.001 (três milhões e um) e 8.000.000 (oito milhões) de habitantes;

VI — 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) para Municípios com população acima de 8.000.001 (oito milhões e um) habitantes.

No que tange ao tratamento da questão nesta Corte de Contas, conforme demonstrado alhures, consoante a Ordem de Serviço n. 09/2012, que determina os procedimentos a serem adotados no exame das prestações de contas anuais apresentadas pelos chefes dos poderes executivos municipais, o cumprimento do limite definido no citado art. 29-A é objeto de análise para fins de emissão de parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. A inclusão de tal item no escopo demonstra a importância do repasse se dar de maneira efetiva. Para que seja aplicado o princípio constitucional da separação dos poderes, o Legislativo municipal deve gozar de prestígio, cumprindo devidamente suas atribuições.

Tendo em vista os julgamentos das prestações de contas municipais proferidos pela Corte de Contas mineira, percebe-se que, em relação ao repasse de recursos ao Poder Legislativo, diversas vezes, quando do não atendimento ao comando constitucional, tem-se aplicado o princípio da insignificância, dependendo do valor da diferença apurada. Em resumo, a tese adotada pelos julgadores é a de que, tendo o repasse excedido minimamente o percentual estabelecido na norma constitucional, não se configura lesão ou dano significativo aos bens jurídicos relevantes para a sociedade, considerando ter havido apenas falha procedimental. Saliente-se que o conceito de valor insignificante é de extrema subjetividade, variando de acordo com o julgador e com as circunstâncias do caso concreto.

Nesse sentido é o voto da Conselheira Adriene Andrade em processo de prestação de contas municipais:

Destaco, inicialmente, que a análise da presente prestação de contas fundamentou-se nas diretrizes e procedimentos decorrentes da Resolução n. 04/2009 deste Tribunal e nos relatórios técnicos de fls.  19 a 37 e 56 a 61, que apontam repasse efetuado à Câmara Municipal em desacordo com o art. 29-A, inciso I, da Constituição da República de 1988, com a redação dada pelo art. 2º da Emenda Constitucional 25/2000.

O repasse em desacordo com o índice legalmente determinado me levaria a rejeitar tais contas. Contudo, o valor excedente, no montante de R$28.798,90 (vinte e oito mil setecentos e noventa e oito reais e noventa centavos), ultrapassa somente 0,56% (zero vírgula cinquenta e cinco por cento) o limite constitucional. Assim, a razoabilidade me leva a evocar o princípio da insignificância, defendido em vários julgados desta Corte, como, por exemplo, pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada, nos autos de n. 748.160, Prestação de Contas do Prefeito do Município de Brumadinho no exercício de 2007, apreciada na Sessão da Primeira Câmara do dia 04/5/2010, na qual entendeu, in verbis:

No entanto, apesar da violação à norma constitucional, tendo em vista a irrelevância da diferença apurada — 0,02% — entendo concebível a aplicação do Princípio da Bagatela ou Insignificância, segundo o qual a análise da periculosidade de cada caso concreto irá determinar um balanceamento entre o grau de lesão jurídica causada pela conduta ilícita do agente e a necessidade de intervenção do poder do Estado. Por meio desse princípio, defende-se que o direito deve atuar apenas nas situações nas quais é necessário proteger bens considerados importantes para a sociedade e muitas vezes, ainda que esteja configurado um fato ilícito, não havendo significativa lesão ou dano aos interesses sociais, não estará violado nenhum bem jurídico. Ao lado do Princípio da Insignificância, tem-se o Princípio da Razoabilidade, que permite à Administração Pública ponderar a aplicação da

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norma jurídica no caso concreto e, por conseguinte, avaliar qual será à medida que irá atender da melhor forma, o interesse público.

No mesmo sentido, assim se manifestou o Conselheiro Eduardo Carone Costa, na Sessão do Pleno de 24/03/2010, por ocasião do julgamento do Pedido de Reexame n. 768754, conforme as respectivas notas taquigráficas:

“O percentual de 1% lá de Goianá deve ser quase que insignificante. Aliás, quando é pouco expressivo o valor, o Tribunal não tem considerado; na Segunda Câmara, temos votado assim. Eu já tinha convicção, nessa época, de que não se poderia computar, mas era uma época de transição...

Vou acolher essa argumentação excepcional, porque também poderia acolher a outra, de pouca repercussão financeira, que é o extravasamento de 1% do repasse, porque o repasse a maior é que é a causa de se dar o parecer negativo. Essa é a razão. E se se apurar em reais o significado de 1% a mais do que era devido, talvez o Tribunal se depare com a insignificância financeira.

Esse posicionamento também foi adotado pelo Conselheiro Relator em exercício Gilberto Diniz, nos autos de n. 782.197, Prestação de Contas do Prefeito do Município de São João do Pacuí no exercício de 2008, apreciada na sessão da Primeira Câmara do dia 28/9/2010, in verbis:

Registro, também, que, embora constitua afronta aos dispositivos constitucionais citados, desconsiderei o excedente de repasse de recursos ao Poder Legislativo, em homenagem aos princípios da razoabilidade e da insignificância, bem assim às decisões precedentes desta Corte em casos análogos, tendo em vista o diminuto valor excedido, R$4.061,00, equivalente a 0,11% da Base de Cálculo. Recomendo, contudo, a atual Administração que aprimore seus mecanismos de controle, de forma a cumprir com rigor o limite constitucional.

Portanto, considerando os princípios da insignificância e da razoabilidade e, ainda, a pequena expressividade, em termos percentuais, do valor excedente repassado à Câmara Municipal, entendo que a impropriedade não enseja a rejeição das contas. Recomendo ao atual gestor que observe o art. 29-A, inciso I, da Constituição da República de 1988, com a redação dada pelo art. 2º da Emenda Constitucional 25/2000 ao efetuar os repasses ao Poder Legislativo. 39 (grifos no original)

Também dessa forma votou o Conselheiro Sebastião Helvecio em processo de natureza semelhante:

Apontou-se, a fls. 10, a irregularidade acerca do repasse efetuado à Câmara Municipal que não obedeceu ao limite fixado no inciso I do art. 29-A da Constituição Federal com redação dada pelo art. 2º da Emenda Constitucional 25/2000.

O responsável não se manifestou nos autos apesar de regularmente citado, a fls. 26.

Examinando o processo, constato que o valor excedente do repasse foi de R$ 3.904,31, correspondendo, apenas, 0,18% acima do percentual permitido de 8%. Assim, considerando os princípios da insignificância e da razoabilidade, desconsidero a irregularidade.40

Ainda nesse sentido é o voto do Conselheiro em exercício Gilberto Diniz:

Examinando os autos, verifico que o repasse efetuado à Câmara Municipal não obedeceu ao limite fixado no inciso I do art. 29-A da CR/88, não atendendo ao § 2º inciso I do dispositivo citado. Constatou-se divergência entre o valor informado para a base de cálculo do repasse e o valor apurado na PC/2002, sendo repassado ao Legislativo o montante de R$324.766,65

39 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Primeira Câmara. Prestação de Contas do Executivo Municipal n. 835.673. Relatora: Cons. Presidente Adriene Andrade. Acórdão de: 29 mar. 2011.

40 __________. __________. Segunda Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 659.811. Relator: Cons. Sebastião Helvecio. Data da sessão: 21/06/2012.

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quando o correto seria o valor de R$322.321,31, correspondendo a diferença a maior a R$2.445,34 e, em percentual, a 0,06%.

Em que pese à extrapolação do limite de repasse à Câmara Municipal constituir afronta ao dispositivo constitucional citado, em razão do diminuto valor apurado (R$2.445,34) entendo não ser a irregularidade capaz de ensejar voto pela rejeição das contas, em homenagem ao princípio da insignificância, em consonância com a orientação desta Corte em casos análogos.

Recomendo, contudo, à atual Administração que aprimore seus mecanismos de controle de forma a cumprir com rigor o limite constitucional.41

Vale ressaltar a tese existente na Casa a respeito do cálculo da insignificância não apenas no que tange aos percentuais, mas também em relação aos valores absolutos, conforme entendimento exarado pelo Auditor Gilberto Diniz em processo de prestação de contas municipal:

A Unidade Técnica apontou, a fls. 8, que o repasse efetuado à Câmara Municipal, R$327.566,61, não observou o limite fixado no inciso I do art. 29-A da Constituição Federal, acrescido ao Texto Magno pelo art. 2º da Emenda Constitucional n. 25, de 2000, R$251.832,53 de 1988, tendo sido constatado repasse a maior no valor de R$75.734,08.

Relativamente à falha em destaque, nos termos definidos na Decisão Normativa n. 006, de 2012, e considerando o cancelamento do enunciado da Súmula TCE n. 102 e o teor dos pareceres emitidos pelo Tribunal nas Consultas n. 837.614 e 862.565, o valor correspondente à contribuição do Município ao FUNDEF ou ao FUNDEB, isso conforme o exercício financeiro analisado, não deve ser deduzido da base de cálculo de que trata o art. 29 da Constituição da República, para efeito de repasse de recursos à Câmara Municipal.

Dessa forma, verifico no demonstrativo elaborado pela Unidade Técnica, no exame inicial, às fls. 22 a 24, que, considerada a receita base de cálculo sem dedução da parcela retida para formação do Fundef, no valor de R$3.684.840,27, o repasse à Câmara Municipal no valor de R$327.566,61, correspondeu a 8,89%, não se observando, ainda, o limite fixado no inciso I do art. 29-A da Constituição da República de 1988, com redação dada pelo art. 2º da Emenda Constitucional n. 25, de 2000, que foi de R$294.787,22.

Saliento que, no presente caso, entendo não ser plausível aplicar o princípio da insignificância, uma vez que a importância excedente, de R$32.779,39, além de configurar cifra representativa em valores absolutos, corresponde a 11,12% do total devido à edilidade no exercício e de 0,89% da receita base de cálculo.

A propósito, embora o percentual possa parecer de pequena monta, o valor repassado é significativo frente ao orçamento gerenciado pela Administração municipal, cujas receitas próprias arrecadadas no período alcançaram o montante de apenas R$135.301,69. Nessa perspectiva, tem-se que o valor excedente equivale ao percentual de 24,22% da receita própria arrecadada. Importa também assinalar que, in casu, trata-se de Município que sobrevive, especificamente, das transferências intergovernamentais decorrentes do FPM, ICMS e recursos vinculados como convênios e Fundef, os quais representaram, no exercício financeiro em análise, o valor de R$ 5.573.515,95, ou, dito de outra forma, 97,63% da receita total do Município.

Nesses termos, entendo que o procedimento adotado é irregular e ilegal, constituindo-se crime de responsabilidade do Prefeito Municipal, nos termos do inciso I do § 2º do mencionado preceptivo constitucional.42 (grifo no original)

41 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 686.720. Relator: Cons. em exercício Gilberto Diniz. Acórdão de: 9 mar. 2010.

42 __________. __________. Segunda Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 726.863. Relator: Aud. Gilberto Diniz. Acórdão de: 22 nov. 2012.

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No mesmo sentido se manifestou o Conselheiro José Alves Viana:

A Unidade Técnica acatou a justificativa relativa ao repasse efetuado em cumprimento da determinação judicial, contudo concluiu que não possui amparo legal o repasse a título de Restos a Pagar. Assim, refazendo os cálculos constatou que foi repassado à Câmara Municipal o valor de R$9.096,50 (nove mil noventa e seis reais e cinquenta centavos) além do valor permitido legalmente, o que representa 0,26% (zero vírgula vinte e seis por cento), excedente ao percentual estabelecido constitucionalmente.

O repasse de recursos financeiros ao Poder Legislativo Municipal além do limite permitido contraria o disposto no art. 29-A da Constituição da República de 1988, com a redação dada pelo art. 2º da Emenda Constitucional n. 25/2000, o que me levaria a rejeitar as contas. Contudo, considerando a pequena expressividade do percentual excedente no repasse de recursos financeiros à Câmara Municipal e considerando o princípio da razoabilidade e insignificância, deixo de considerar a impropriedade.

[...]

CONSELHEIRO JOSÉ ALVES VIANA:

Em sua fundamentação, a Conselheira Relatora informa que foi repassada à Câmara Municipal o valor de R$9.096,50 além do valor permitido legalmente, o que representa 0,26% excedente ao percentual estabelecido constitucionalmente. Nesse sentido, chamo a atenção para os seguintes fatos levantados pelo Conselheiro Cláudio Terrão em colóquio informal, para que possamos refletir: o percentual de 0,26 foi calculado em relação ao total da receita base de cálculo do repasse, o que indubitavelmente pode ser considerado irrelevante. No entanto, seria interessante calcularmos seu impacto no montante do percentual limite de 8% estabelecido constitucionalmente, para que possamos avaliar a possibilidade de aplicarmos com propriedade o princípio da insignificância.

Em resumo, o que se visa colocar à reflexão de V.Exas. é que esse juízo comparativo seja procedido caso a caso, tendo em vista que aquilo que se afigure insignificante em relação à receita total pode tomar outra dimensão, ou seja, ser relevante e significativo quando se tem como referência o percentual máximo a ser repassado. Assim, a título só de exemplo, o 0,8% de repasse a maior tendo como base a receita significa 10% a mais no percentual limite estabelecido na Constituição.

Nesse sentido, verifica no caso concreto que 0,26% da receita base de cálculo do repasse representa 3,25% dos 8% o que, no meu entender, ainda é e justifica a aplicação do princípio da insignificância. Razão pela qual acompanho o voto da Conselheira Relatora pela emissão de parecer prévio pela aprovação das contas da Prefeitura Municipal de Montalvânia, relativas ao exercício de 2001, mas deixo aqui essa reflexão.

CONSELHEIRA PRESIDENTE ADRIENE ANDRADE:

Eu me atentei às colocações de V.Exa. e acho importante fazermos uma reunião, pelo menos com os membros desta Câmara, para discutirmos o assunto.

CONSELHEIRO SUBSTITUTO HAMILTON COELHO:

De acordo com o voto de V.Exa. e acolho as observações aqui entabuladas pelo eminente Conselheiro Viana.

CONSELHEIRA PRESIDENTE ADRIENE ANDRADE:

APROVADO, POR UNANIMIDADE, O VOTO DA CONSELHEIRA RELATORA, COM AS OBSERVAÇÕES TRAZIDAS PELO CONSELHEIRO JOSÉ ALVES VIANA. 43

Passada a discussão quanto a aplicar ou não o princípio da insignificância, surge a necessidade de definir o alcance e as consequências de se aplicar o referido princípio, ou seja, se a prestação de contas será aprovada com ou sem ressalva, tema este que ainda não possui um posicionamento consolidado neste Tribunal. 43 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 658988. Relatora: Cons. Presidente Adriene

Andrade. Acórdão de: 18/09/2012.

APLICAÇÃO E LIMITES DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO ÂMBITO DOS JULGAMENTOS PROFERIDOS PELA CORTE DE CONTAS MINEIRA

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Tal questão foi levantada pelo Conselheiro José Alves Viana na Prestação de Contas Municipal n. 710.096, em que defendeu a seguinte tese:

[...]

Com efeito, a intelecção do comando normativo em tela, para efeito de aplicação do princípio da insignificância no âmbito dos Tribunais de Contas, comporta juízo valorativo no sentido de que os incisos do art. 45 da Lei Orgânica do TCEMG, em razão do grau ou da intensidade de violação do bem jurídico tutelado, podem concretizar os desdobramentos da aceitação daquilo que a se afirmou sobre a superação da consideração da tipicidade unicamente sob o aspecto formal (ou legal).

Nesse particular, já sinalizo a conclusão do meu entendimento no sentido de que também nessa situação — aplicação do princípio da insignificância propriamente dito — as ressalvas devem ser apostas quando da emissão do parecer prévio.

Isso porque, sob a perspectiva clássica, no caso de subsunção do fato — por exemplo, repasse a maior ao legislativo — em face da norma que estabelece o limite máximo desse repasse, automaticamente ter-se-ia, como consequência, a rejeição das contas prestadas. Entretanto, a partir da sistemática da tipicidade entendida sob as perspectivas trabalhadas neste voto, é possível sustentar que determinada conduta, não obstante preencher os requisitos da tipicidade formal (o simples fato de o repasse ter ultrapassado o limite), não o faz sob a ótica da relevância ou intensidade, a caracterizar uma tipicidade ofensiva ou antinormativa.

Nesse cenário, pode-se então afirmar que o legislador, ao estabelecer a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas exatamente no caso de impropriedades formais, que se amolda como uma luva para o caso concreto, na verdade materializa a possibilidade de se dar um tratamento diferenciado para aquele que não preenche as hipóteses típicas da norma nem sob o prisma formalista (art. 45, I), e aquele que o faz sob a perspectiva da tipicidade formal (art. 45, II). E ainda mais, aquele que viola de forma significativa a norma, e, portanto terá sua conta rejeitada (art. 45, III).

Em síntese, vale mais uma vez a máxima aristotélica de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Nesse aspecto — observe que a situação seria diferente se o legislador tivesse previsto apenas as hipóteses de aprovação ou rejeição das contas sem estabelecer explicitamente uma terceira via, qual seja, a aprovação com ressalvas — não se pode tratar aquele cuja conduta é atípica porque cumpriu todos os requisitos daquele cuja conduta é atípica porquanto somente preenchida a tipicidade formal. Importante lembrar que ao final, ambos terão as contas aprovadas e, portanto, sob o ponto de vista jurídico, não há sanção, não há prejuízo.

Assim sendo, em minha avaliação, a ressalva deve ser entendida a partir de um prisma pedagógico para quem já praticou o ato, como um leve “puxão de orelhas” e jamais sob um vetusto olhar de natureza sancionatória. Ademais, entendo que a recomendação serve como um alerta ao próprio gestor ou a terceiros (ex: Controle Interno ou Câmara Municipal) para a observância das melhores práticas da gestão, com um viés nitidamente prospectivo. São institutos de naturezas distintas e a meu ver complementares e não mutuamente excludentes.44 (grifos no original)

Da mesma forma foi o posicionamento da Conselheira Adriene Andrade:

Eu gostaria de fazer uma consideração. Quando iniciei nesta Câmara, eu tinha o mesmo entendimento do Conselheiro José Alves Viana, mas, visando à uniformização do entendimento nesta Câmara, aderi à outra corrente.

Vejo que os dois entendimentos são muito bem fundamentados tecnicamente, principiologicamente, mas acho que a aplicação do princípio da insignificância já está sedimentada nesta Câmara, então aplica-se ao caso em tela.

44 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 710.096. Relator: Cons. José Alves Viana. Acórdão de: 6 nov. 2012.

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O cerne da questão é que, em se aplicando o princípio da insignificância, o parecer prévio é pela aprovação das contas com ressalvas ou sem ressalvas. Esse é o cerne da questão. O que entendi à época, e aderi à corrente, é que, diante de uma pequena infração formal em que caberia o princípio da insignificância, isso se desdobraria em desconsideração. Em se desconsiderando o fato, teríamos a aprovação das contas. Mas, de outro modo, considerando essa pequena infração formal, desaguaríamos em aprovação com ressalvas. Então, na época, era isto: desconsiderar ou não. Em outras palavras, seria a tipicidade que o Conselheiro Cláudio Terrão citou, ou não?

Dentro do princípio pedagógico, eu concordo — e eu já tinha esse entendimento —, e, já que há uma divergência nesta Câmara, estou querendo voltar ao meu posicionamento anterior. Por quê? Porque é muito difícil explicar para o jurisdicionado se se desconsiderou ou não, toda essa visão principiológica, técnica, etc.

Temos que pensar na questão didática, razão pela qual acompanho o voto do Conselheiro Relator e, a partir de agora, vou resgatar o meu voto entendimento do início, pela aprovação com ressalvas. Não acho relevante essa pequena infração formal, mas passo a considerá-la, aplicando as ressalvas.45

Conforme dito alhures, tal entendimento encontra divergências na Casa e, votando no mesmo processo, o Conselheiro Cláudio Terrão se posicionou da seguinte forma:

Sra. Presidente, também sem nenhuma paixão à causa, peço vênia ao Conselheiro Relator.

Primeiro por entender que não há nenhuma diferença na aplicação do princípio da insignificância quanto a mínimos e máximos. Embora, pelo menos no aspecto psicológico, devo concordar com o eminente Relator. Causa-me um pouco de perplexidade não aplicar um mínimo na educação e na saúde num país que tem as naturezas sociais como o nosso. Além disso — e aqui vai uma referência elogiosa ao Relator pela brilhante exposição feita no seu voto, especialmente no que diz respeito à doutrina trazida à colação —, parece-me que há uma confusão, pelo menos entendo assim, em relação à tipicidade formal e à legalidade formal.

Entendo que o art. 45, inciso II, da nossa Lei Orgânica, embora de uma forma muito imprópria, acaba nos permitindo a interpretação de que ali se trata de legalidade formal e não de tipicidade formal. E dentro das referências doutrinárias trazidas, exatamente nas quais vou buscar a fonte para as decisões que tenho tomado neste Tribunal, exatamente esta trazida, de Zaffaroni e Roxin, compreendo exatamente ao contrário do Relator, porque, quando Zaffaroni fala em tipicidade conglobante está falando em tipicidade material, e aí ele exclui a tipicidade em si, e não a antijuricidade, porque a conglobante inclui o princípio da insignificância, ou seja, a relevância do bem jurídico.

E respondo mais uma pergunta a V.Exa., que é exatamente uma das últimas. Onde estaria a diferença desses dois casos, ou seja, da aplicação da tipicidade e da aplicação da razoabilidade/proporcionalidade? É exatamente o fato de a razoabilidade/proporcionalidade nos permitir aferir uma ilegalidade formal e enquadrar o caso no art. 45, II, e não no art. 45, I.

Em outras palavras, também de forma simples e rasa, entendo que o princípio da insignificância desconstitui a tipicidade. Significa dizer que o fato é jurídico e não típico. Não vou chegar em antijuricidade porque o fato não se enquadrou como típico. Não vou analisar sequer se esse fato é ilegal. Neste caso, peço vênia ao Relator, para discordar dele, em termos de fundamentação.

Enfim, isso tudo é apenas no plano da fundamentação, porque o fato em si é que, no caso concreto, não acho que deva ser aplicada nem uma coisa nem outra, porque 4,4% parece-me muito. É um juízo que faço, não de tipicidade, ou seja, a aplicação da antijuridicidade ou do princípio da bagatela.

45 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 710.096. Relator: Cons. José Alves Viana. Acórdão de: 6 nov. 2012, notas taquigráficas.

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Acho que não é razoável aprovarmos uma diferença tão grande: 4,4% pode ser um valor expressivo. Isso em termos percentuais, e eu teria que fazer uma comparação com valores absolutos, mas é muito complicado. Então, neste caso, voto pela rejeição das contas.46

5 CONCLUSÃO

O presente estudo procurou demonstrar como vem sendo empregado o princípio da insignificância no ordenamento jurídico brasileiro, com ênfase nos julgados provenientes da Corte de Contas Mineira e nos efeitos decorrentes de sua aplicação. Conforme se pôde perceber, diversas são as doutrinas existentes a respeito do tema, sem que ainda haja um posicionamento uniformizado em cada instância julgadora.

A existência de pontos de vista antagônicos sobre temas juridicamente relevantes é característica indispensável e essencial da ciência do direito. O embate doutrinário, que visa buscar a melhor solução para os problemas percebidos na sociedade, deve ser amplamente incentivado, a fim de dotar os julgadores de subsídios argumentativos para decidirem conforme os preceitos estabelecidos no ordenamento jurídico vigente.

Por outro lado, é indispensável à consecução dos princípios da isonomia47 e da segurança jurídica48 a estabilidade e previsibilidade das decisões tomadas pelos tribunais49. A Constituição da República vigente, ao conceder a tais baluartes o status de direitos fundamentais, explicitou a intenção de desenvolver mecanismos para que situações análogas, quando apreciadas por um órgão julgador, sejam deliberadas no mesmo sentido.

Conforme foi analisado, a discussão, na Corte de Contas Mineira, acerca da aplicação do princípio da insignificância é ainda recente, não havendo um posicionamento unânime sobre questões envolvendo os seus limites. Essa realidade evidencia, em médio prazo, a necessidade de uniformização dos julgados a serem proferidos sobre o assunto, a fim de evitar a propagação de insegurança jurídica e tornar razoavelmente previsível o desfecho do processo.

REFERÊNCIAS

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BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil, anotada e legislação complementar. São Paulo: Saraiva 1998.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos: de acordo com a lei de responsabilidade fiscal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

46 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Primeira Câmara. Prestação de Contas Municipal n. 710.096. Relator: Cons. José Alves Viana. Acórdão de: 6 nov. 2012, notas taquigráficas.

47 A observância a tal princípio deve ser dada de forma dúplice: tanto para garantir que seja conferido tratamento igualitário entre as partes, quanto para assegurar que o julgador apresente decisões equivalentes para casos análogos.

48 Conforme ensina Cármen Lúcia Antunes Rocha, nos termos da Constituição da República, “[...] a segurança jurídica pode ser entendida num sentido amplo e num sentido estrito. No primeiro, ela assume o sentido geral de garantia, proteção e estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependendo do adjetivo que a qualifica. Em sentido estrito, a segurança jurídica consiste na garantia de estabilidade e de certeza nos negócios jurídicos, de sorte que as pessoas saibam de antemão que, uma vez envolvidas em determinada relação jurídica, esta se mantém estável, mesmo se modificar a base legal sob a qual se estabeleceu” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes Coord. Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada: estudos em homenagem a José Paulo Sepulveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 17.)

49 De acordo com Araken de Assis, “[...] a preocupação com julgamentos uniformes para casos similares sempre existiu em todos os ordenamentos e épocas e interessa à ordem jurídica hígida e justa, mais do que alhures, a erradicação da incerteza quanto ao direito aplicável às lides”. (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 829.)

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HARGER, Marcelo. A utilização de conceitos de direito criminal para a interpretação da lei de improbidade. Interesse Público, Belo Horizonte, v. 12, n. 61, maio 2010.

NETTO, André L. Borges. A obrigação constitucional do Executivo de repassar o valor integral do duodécimo ao Legislativo. Boletim Jurídico, Uberaba, v. 1, n. 39, 1994. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=21>. Acesso em: 15 jan. 2013.

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ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada: estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

Abstract: De minimis doctrine issues from the principle of reasonableness, which is a general principal of Law, and is commonly applied in the circuity of Criminal Law. Many argue whether it is possible to employ de mininis doctrine in other branches of Law, even in the Administrative Law. This paper aims to mull over the applicability of de minimis doctrine in the ambit of Brazilian audit courts. Based on decisions of the Audit Court of Minas Gerais, we will discuss the variety of opinions and the need for standardization of jurisprudence on the subject, especially with regards to the range and the deriving effects of applying that doctrine. Hence, it is inevitable to recognize the necessity of defining judgment rules compatible with the isonomy equity principle and legal certainty.

Keywords: De minimis doctrine. Application. Audit courts. Standardization of jurisprudence.