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Richard Sennett A corrosao do Traduyao de MARCOS SANTARRITA _.1- EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO SA-O PAULO

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Richard Sennett

A corrosaodo

Traduyao deMARCOS SANTARRITA

_.1-EDITORA RECORD

RIO DE JANEIRO • SA-O PAULO

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CIP-Brasil. Cataloga980-na-fonteSindicato Nacional dos E<litores de Livros, RJ.

Sennett, Richard, 1943-S481c A corrOS80 do carater: as conseqUencias4' ed. pessoais do trabalho no novo capitalismo I Richard

Sennett; tradu980 Marcos Santarrita. - 4' ed. - Riode Janeiro: Record, 2000.

Tradu980 de: The corrosion of characterInclui apendice e bibliografiaISBN 85·01·05461·5

I. Etica do trabalho. 2. Trabalhadores - EstadosUnidos. 3. Trabalho - Estados Unidos. I. Titulo.

Titulo original norte-americanoTHE CORROSION OF CHARACTER

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodu~1io, armazenamentoou transmissao de partes deste livro atraves de quaisquer meios, semprevia autoriza~ao por escrito.Proibida a venda desta edi~ao para Portugal e resto da Europa.

Direitos exclusivos de publica~ao em lfngua portuguesa para 0 Brasiladquiridos pel aDISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIl;OS DE IMPRENSA SARua Argentina 171 - Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 - Tel.: 585-2000que se reserva a propriedade liteniria desta tradu~ao

Impresso no Brasil

PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTALCaixa Postal 23.052Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

Em memorta deIsaiah Berlin

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A expressao 'capitalismo flexlvel" descreve hoje urn sis-tema que e mais que uma varia~ao sobre urn velho tema.Enfatiza-se a flexibilidade, Atacam-se as formas rfgidas deburocracia, e tambem os males da rorina cega. Pede-se aos------------trabalhadores ue se'am ageis estejam abertos a mudan~as a:...---------curto prazo, assumam riscos continuamente, dependam cadavez menos de leis e procedimentos formais.

Essa enfase na flexibilidade ~ando 0 proprio si~. ~------------

nificado do trabalho, e tambem as palavras que empregamospara ele. "Carreira", por exemplo, significava originalmente,na lfngua inglesa, uma estrada para carruagens, e, como aca-bou sendo aplicada ao trabalho, urn canal para as arividadesecon6micas de alguem durante a vida inteira. 0 capitalismoflexlvel bloqueou a estrada reta da carreira, desviando de re-pente os empregados de urn ripo de trabalho para outro. Apalavra "job"[servi~o, emprego], em ingles do seculo quatorze,queria dizer urn bloco ou parte de alguma coisa que se podiatransportar numa carro~a de urn lado para 0 outro, A flexibi-lidade hoje traz de volta esse senrido arcano de job, na medi-da em que as pessoas fazem blocos, partes de trabalho, nocUrso de uma vida.

tbastame natural qu~ a flexibilidade cause ansiedade: aspessoas nao sabem que(~iscos)serao compensados, que cami-iih ~I --'n os seguir. Para rirar a ftraldi~ao da expressao "sistema capi-talista", antes criavam-se circunlocu~6es, como sistema de"livre empresa" ou "empresa privada", Hoje se usa a flexibi-

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lidade como outra maneira de levantar a maldi~ao da opres-I san do capitalismo. Diz-se que, atacando a burocraci~ r~gidae enfatizando 0 risco, a fIexibilidade da as pessoas mms hber-

\dade para moldar suas vidas. Na verdade, a nova ordem im-poe novos controles, em vez de simplesmente abolir as regrasdo passado - mas tambem esses novos controles san dificeisI de entender. 9 novo.-E.apitalismoe urn sistema de poder mui-tas vezes ilegivel.\ Talvez 0 aspecto da fIexibilidade que mais confusao causaseja seu impacto sobre 0 carater pessoal. Os antigos anglo-fonos, e na verdade escri~tam a antigUidade,nao tinham duvida sobre 0 significado de "carater": eo valoretico que atribuimos aos nossos proprios desejos e as nossasrela~oes com os outros. Horacio escreve que 0 carater de al-guem depende de suas liga~oes com 0 mundo. Neste sentido,"carater" e urn termo mais abrangente que seu rebento maismoderno "personalidade", pois este se refere a desejos e sen-timentos que podem apostemar por dentro, sem que ninguemveJa.o termo carater concentra-se sobretudo no aspecto a longoprazo de nossa experiencia emocional. E expresso pela leal-dade e 0 compromisso mutuo, pela busca de metas a longoprazo, ou pela pratica de adiar a satisfa~ao em troca de urnfim futuro. Da confusao de sentimentos em que todos estamoSem algum momenta em particular, procuramos salvar e man-ter alguns; esses sentimentos sustentaveis servirao a nossoS

caracteres. Carater san os tra~os pessoais a que damos valorem nos mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nosvalorizem.

Como decidimos 0 que tern valor duradouro em nos numasociedade impaciente, que se concentra no momenta imedia'to? Como se podem buscar metas de longo prazo numa ecO'nomia dedicada ao curto prazo? Como se podem manter leal'

dades e compromissos mutuos em institui~oes que vivem sedesfazendo ou sendo continuamente reprojetadas? Estas asquestoes sobre 0 carater impostas pelo novo capitalismo fIe-xivel.

Ha urn quarto de seculo, Jonathan Cobb e eu escrevemos urnlivro sobre americanos da dasse operaria, The Hidden Inju-ries of Class [as males ocultos do sistema de dassel. EmA cor-roslio do carater, abordei algumas das mesmas questoes sobretrabalho e carater numa economia que mudou radicalmente.A corroslio do carater pretende ser mais urn longo ensaio queurn breve livro; quer dizer, tentei escrever uma discussaounica, cujas se~oes se dividem em capitulos muito curtos. EmThe Hidden Injuries of Class, Jonathan Cobb e eu nos basea-mos exdusivamente em entrevistas formais. Aqui, como cabea urn ensaio-discussao, recorri mais a fontes diversas e infor-mais, induindo dados economicos, narrativas historicas e teo-rias sociais; examinei a vida diaria a minha volta, em grandeparte como faria urn antropologo.

De saida, devo observar duas coisas sobre este texto. 0leitor muitas vezes encontrara ideias filosoficas aplicadas aexperiencias concretas de individuos, ou por elas testadas.Nao me desculpo por isso; uma ideia precisa suportar 0 pesoda experiencia concreta, senao se torn a mera abstra~ao. Se-gundo, disfarcei de forma urn pouco mais pesada as identida-?es individuais do que se faria ao relatar entrevistas formais'ISSO. 'f' ', Slglll ICOUtrocar lugares e epocas, e de vez em quandoJUntarvar'I'as d' 'd' .d' vozes em uma ou IVI Ir uma em mmtas. Esseslsfarces for~am a confian~a do leitor, mas nao a confian~a

qUe urn rom . b" ,b . ancista uscarla conqmstar com uma narratlvaeem-felta, pois hoje falta essa coerencia as vidas reais. Minhae:~rant;;a_e ter refIetido com exatidao 0 senti do do que ouvi,

ora nao, exatamente, as circunstfulcias.

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Todas as notas do texto do ensaio vem no fim. Tambempus no fim algumas tabelas estatisticas, preparadas ~or.ArturoSanchez e eu, que ajudam a ilustrar algumas tendenclas eco-n6micas recentes.

Aprendi muita coisa sobre trabalho com Jonathan Cobb ha urnquarto de seculo. Voltei a esse tema por insistencia de BennettHarrison, Christopher Jencks e Saskia Sassen; A corrosao docarater tenta sondar algumas dedu~oes pessoais das descober-tas que todos eles fizeram sobre a economia moder~a: Commeu auxiliar diplomado Michael Laskawy, tenho a dlvlda docompanheirismo intelectual e tambem da paciencia ao t~atardas varias questoes praticas que acompanharam a pesqUlsa ecomposi~ao do livro.

Este ensaio come~ou como uma conferencia feita na Uni-versidade de Cambridge em 1996. 0 Centro de Estudo Avan-~ado em Ciencias Comportamentais me proporcionou 0 tem-po para escrever este livro.

Finalmente, eu gostaria de agradecer a Donald Lamm eAlane Mason, da w.w. Norton & Company, e a Arnulf Con-radi e Elizabeth Ruge, da Berlin Verlag, que me ajudaram adar forma ao original.

Deriva

Encontrei ha pouco, num aeroporto, uma pessoa a quemnao via ha quinze anos. Eu tinha entrevistado 0 pai de Rico(como 0 chamarei) urn quarto de seculo atras, quando escre-vi urn livro sobre os trabalhadores nos Estados Unidos, TheHidden Injuries of Class. 0 pai dele, Enrico, trabalhava entaocomo faxineiro, e tinha grandes esperan~as para 0 filho, queapenas entrava na adolescencia, urn garoto inteligente, bornnos esportes. Quando perdi contato com 0 pai, uma decadaatras, 0 filho acabara de conduir a faculdade. No saguao doaeroporto, Rico parecia ter concretizado os sonhos do velho.Trazia urn computador numa maleta de couro elegante, ves-tia um terno que eu nao podia pagar e exibia urn anel de sinetecom brasao.. Quando nos conhecemos, Enrico ja passara vinte anoshmpando banheiros e lavando chaos num predio comercialdo centro. Fazia isso sem se queixar, mas tambem sem ne-nhum entusiasmo com 0 Sonho Americano. Seu trabalho ti-nha um objetivo unico e perene, servir a familia. Levara quin-Zeanos para economizar 0 dinheiro de uma casa, que com-rrara numa area residencial perto de Boston, cortando osa~os Com . b' '1's b' , seu antigo auro Ita lano, porque uma casa noss~ ~~bl?S era melhor para os filhos. Nessa epoca sua espo-

, aVla, fora trabalhar como passadeira numa lavanderia