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Giovanni Alves - UNESP 1 “Segunda-Feira Ao Sol", de Fernando Léon de Aranoa (2000) Análise do Filme Versão 2.0 (76 Slides) Projeto “Cinema Como Experiência Crítica” www.telacritica.org

“Segunda-Feira Ao Sol, de Fernando Léon de Aranoa · 2020. 7. 3. · Giovanni Alves - UNESP 5 Desemprego e exclusão social “Segunda-Feira ao Sol”, de Fernando Aranoa, é um

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Giovanni Alves - UNESP 1

“Segunda-Feira Ao Sol", de Fernando Léon de Aranoa

(2000)

Análise do FilmeVersão 2.0

(76 Slides)

Projeto “Cinema Como Experiência Crítica”www.telacritica.org

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Giovanni Alves - UNESP 2

Estrutura Narrativa

Numa pequena cidade industrial ao norte da Espanha, na região

da Galicia, um grupo de amigos, ex-operários metalúrgicos da

indústria naval (Santa, José, Lino e Amador), se reúne no Bar

Naval, pequeno bar de outro ex-operário (Rico), onde

conversam e compartilham frustrações com seus dramas

cotidianos.

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Estrutura Narrativa

Lino busca emprego fixo através de entrevistas; Santa é obrigado pela justiça a pagar uma luminária quebrada durante a greve;

José acompanha o drama cotidiano da mulher, operária precária da indústria de conservas de atum, que parece insatisfeita com a

relação conjugal; Amador, abandonado pela mulher, afoga o vazio existencial bebendo com os companheiros no Bar Naval.

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Eixo Temático

Globalização e Reestruturação Produtiva

Luta de Classe e Resistência Operária

Precarização do Trabalho e Desemprego

Desemprego Estrutural

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Desemprego e exclusão social

“Segunda-Feira ao Sol”, de Fernando Aranoa, é um drama de personagens vitimas do desemprego em

massa no setor naval, atingidos pela globalização e reestruturação produtiva na Espanha na última

metade da década de 1990. O Estaleiro Aurora na região da Galicia, norte da Espanha, foi comprado por investidores coreanos que decidem construir

em seu lugar um hotel de luxo. Lino, José, Santa e Amador são vítimas do desemprego por

reestruturação, perdendo seus postos de trabalho em virtude do fechamento da empresa. Estão

desempregados há mais de 12 meses, configurando portanto, desemprego de longa duração. Na

verdade, Santa, José e Amador estão desalentados e não procuram mais emprego, contentando-se com o seguro social ou com as parcas economias pessoais

(ao buscar empréstimo num banco José parece querer abrir um pequeno negócio). Lino é o único

que ainda busca uma vaga de emprego fixo.

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A sociedade do trabalho abstrato

A sociedade burguesa é sociedade do trabalho,

que reproduz, em escala ampliada, o não-

trabalho. Isto ocorre porque o eixo estruturante

da sociedade burguesa, não é o trabalho vivo

como trabalho concreto, mas sim, o trabalho

abstrato (o trabalho vivo é um pressuposto

ineliminável tendencialmente negado). Deste

modo, a sociedade burguesa é a sociedade do

trabalho abstrato e não a sociedade do trabalho

propriamente dito. O que significa que, em sua

etapa de crise estrutural, é candente o

movimento de negação do trabalho vivo pelo

trabalho abstrato, o tipo de trabalho que produz

valor, telos estranhado da processualidade

sistêmica do capital.

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A sociedade do trabalho abstrato

O desemprego como expressão social da

sociedade do trabalho abstrato (isto é, do

trabalho estranhado que produz valor), é, em

si, mera abstração, que oculta, por trás de

indicadores estatísticos (números-fetiches que

começam a dançar por sua própria iniciativa,

como diria Marx), dramas de homens e

mulheres concretos, tragédias pessoais

singulares, isto é , a própria negação em

processo do ser humano-genérico.

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A individualidade de classe

Os personagens de “Segunda-Feira ao Sol” são expressões supremas da individualidade de classe.

É importante salientar que um dos aspectos da alienação/estranhamento dos indivíduos sociais nas condições do sócio-metabolismo do capital é

que eles estão subsumidos à classe social. Diz Marx e Engels: “A classe autonomiza-se em face

dos indivíduos, de sorte que estes últimos encontram suas condições de vida preestabelecidas

e têm, assim, sua posição na vida e seu desenvolvimento pessoal determinados pela classe;

tornam-se subsumidos a ela.”(“A Ideologia Alemã”, K. Marx e F. Engels).

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A individualidade de classe

A sociedade burguesa provoca o surgimento do individuo de classe em contraposição ao individuo

pessoal. O individuo de classe encontra-se submetido às contingências das condições de vida no capitalismo, caracterizadas pela concorrência e

pela luta dos indivíduos entre si. Diz Marx e Engels: “Assim, na imaginação, os indivíduos parecem ser mais livres sob a dominação da

burguesia do que antes, porque suas condições de vida parecem acidentais; mas na realidade, não são

livres, pois estão mais submetidos ao poder das coisas.” (“A Ideologia Alemã”, K. Marx e F. Engels)

Enquanto Lino descansa, sonhando conseguir o emprego, José preenche o bilhete de loteria,

apostando na contingência da sorte.

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Homens à deriva

Na primeira cena de “Segunda-Feira Ao Sol”, no ferryboat Lady Espana, da estação de Ria,

que os conduz ao outro lado da cidade, sob o sol de segunda-feira, Santa, José e Lino começam a

semana buscando dar um sentido à vida. Na sociedade burguesa, o “sentido à vida” é dado

pela busca de emprego. Estamos diante de homens à deriva, desefetivados em suas

determinações humano-genéricas. O ferryboatLady Espana é a metáfora do mundo capitalista. Só os que têm capacidade aquisitiva têm acesso aos serviços do ferryboat. Santa resiste, a seu modo, à ditadura do valor de troca. Não é o barco que está à deriva, mas alguns de seus

ocupantes desempregados.

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Homens à deriva

O trabalho estranhado é o eixo estruturante da sociabilidade moderna que é caracterizada pela

imersão dos indivíduos de classe na contingência da sorte ou do azar; além disso, ela é caracterizada pela exclusão de acesso dos indivíduos de classe a bens e serviços privatizados (que exigem deles, portanto, capacidade aquisitiva) e exclusão deles do acesso à produção social através do emprego. Por exemplo, nesta cena, enquanto José preenche um bilhete de

loteria e Santa entra no ferryboat sem pagar, discutindo com o bilheteiro, Lino lê no jornal, um

aviso de emprego e se defronta com os requisitos de contratação que tendem a excluir do mercado de

trabalho homens como ele, desempregados de meia-idade. Diz ele: “O único problema é o limite de idade. Até 35” (no anúncio de jornal exige-se, por exemplo,

boa aparência, limite de idade, carro próprio e conhecimentos de informática).

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O mito da empregabilidade

Na abertura do filme “Segunda-Feira ao Sol”, Lino se prepara, com ansiedade, para

uma entrevista, buscando acreditar que ainda existe uma esperança de emprego

digno. Enquanto José e Santa desistiram de buscar emprego, Lino ainda tenta uma

colocação no mercado de trabalho. Próximo da conclusão do filme, Lino se

prepara para outra entrevista. Ele coloca tintura no cabelo para parecer mais jovem.

Inclusive tenta aprender noções de informática com o filho adolescente. Na

verdade, Lino sabe que o mercado de trabalho possui regras perversas: exige novas qualificações e exclui homens (e

mulheres) mais velhos.

A empregabilidade

representa a

facilidade de

colocação ou

recolocação

no mercado de

trabalho.

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A crise da família fordista

O personagem Paulino Ribas parece possuir uma

família estruturada. Sua mulher é do lar e parece não

estar no mercado de trabalho. O filme não sugere

nenhuma crise conjugal entre Lino e sua esposa. A

única sombra de angústia é a falta de emprego, fonte

de identidade social e de renda monetária. O filho

adolescente de Lino, quase adulto, parece ser um

jovem desempregado, imerso em empregos precários

ou “bicos” ocasionais. Os pais não sabem por onde ele

anda. É interessante que em “Segunda-Feira Ao Sol”,

duas gerações, pai e filho, se encontrem na mesma

encruzilhada do desemprego. A estrutura da família

Ribas tende a refletir o ideal fordista clássico: o

homem trabalhando na fábrica e a mulher cuidando

do lar e dos filhos. Mas, com o desemprego de Lino,

homem- provedor, a família parece viver às custas do

seguro-desemprego.

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A Parábola da Austrália

Outra parábola de “Segunda-Feira ao Sol” é a parábola da Austrália como um lugar

distante e sonho de felicidade. No imaginário de Santa, em seu diálogo com Lino, sob o sol de segunda-feira, a Austrália é um lugar do

sonho. Diz ele: “Aqui ganhamos uma ninharia. Lá, você recebe a sua parte.” Ou ainda: “As pessoas também são mais bem

humoradas.” Talvez a Austrália imaginária de Santa seja o Eldorado, utopia sonhadora

dos velhos navegadores espanhóis, desbravadores do Novo Mundo nos

primórdios da modernidade do capital. Não podemos esquecer que a Espanha, em tempos idos, no século XV e XVI, foi

potência imperial, onde a indústria naval construiu caravelas grandiosas que

desbravaram o Novo Mundo, abrindo a aurora da modernidade do capital.

Clique para Assistir

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A Parábola da Austrália Como Utopia Socialista

Ao divagar, sob o sol da Galicia, Santa

constrói fantasias sobre um “lugar” distante, a

utopia da Austrália. A Austrália de Santa é um

“não-lugar”. É uma parábola do socialismo,

antípoda do mundo capitalista. Na sociedade

do capital operários e empregados “ganham

uma ninharia”. Na “Austrália” você recebe a

sua parte, as pessoas são mais bem humoradas

e o clima é formidável. Santa transpõe para o

plano da fantasia, o ideal socialista, de “cada

um segundo sua capacidade, a cada um

segundo sua necessidade”.

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A Parábola da Austrália e a Sociedade de Classe

Na parábola da Austrália, Santa utiliza a

palavra antípoda para expressar as

diferenças entre os dois mundos sociais.

Segundo ele, “Antípoda” quer dizer “o

contrário”. A degradação da sociabilidade

no mundo burguês atinge as duas

dimensões crucias da pessoa humana,

trabalho e afetividade. Ao tratar do

contraste, diz ele: “Lá tem trabalho, aqui

não; lá você transa, aqui não”. No mundo

do desemprego, que é o mundo da

desefetivação humano-genérica, o homem

é castrado de sua atividade vital: ele não

trabalha e ele não transa – no sentido

pleno da palavra.

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A sociedade do fetichismo

Em “Segunda-Feira ao Sol” as metáforas com elementos da natureza se destacam, a começar pelo

próprio título. Tal recurso estilístico do diretor Fernando Aranoa sugere que a sociedade burguesa

tardia sob o capitalismo global, ao fechar os horizontes de modernização, tendeu a se naturalizar,

ou melhor, a impor a homens e mulheres uma “segunda natureza” estranhada e fetichizada. E outra coisa: numa situação de crise estrutural do capital e

de derrota social e política da classe proletária, o fetichismo da mercadoria tende a se agudizar. Por isso,

tendemos a obnubilar ou perder a consciência histórica e a ficarmos inertes na presentificação

crônica. Ao ficarmos imersos em valores-fetiches e objetos-fetiches, tendemos a considerar tudo natural(eis o ponto de vista da economia política, criticado

por Karl Marx)

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A sociedade do fetichismo

A percepção da sociedade burguesa como “segunda natureza”

é, ao mesmo tempo, falsa e verdadeira. É falsa na medida em

que os fatos sociais são fatos históricos, que tiveram uma

gênese historicamente determinada, produto de atos

históricos, da luta de classes e, portanto, passiveis de

superação através da luta política e social dos sujeitos

coletivos. Por outro lado, é uma percepção verdadeira tendo

em vista que, enquanto constituída por fatos sociais, a

sociedade burguesa possui uma legalidade sociológica, isto é,

uma objetividade (e exterioridade) social que exerce, quase

como uma “segunda natureza”, determinada coercitividade

sobre homens e mulheres. Os fatos sociológicos do mundo do

capital funcionam, deste modo, como “circunstâncias legadas

e transmitidas do passado”, como diria Marx.

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Fetichismo e linguagem

O fetichismo da mercadoria, germe de toda forma de fetichismo

social no mundo burguês, é um tipo de naturalização perversa,

tendo em vista que aparece com maior intensidade e amplitude no

mais alto estágio de desenvolvimento civilizatório do mundo

burguês (como diria Lukács, a sociedade capitalista é a “sociedade

mais social”). O fetichismo social torna-se elemento da consciência

e da ontologia do ser social capitalista, permeando inclusive as

formas de linguagem. Em “Segunda-Feira ao Sol”, o uso constante

da linguagem parabólica, analógica ou metafórica é sintoma de um

fato histórico-sociológico: a derrota política e social da classe

proletária na época do capitalismo global, que propicia agudo

processo de desefetivação proletária que se manifesta através da

precarização da capacidade de expressão linguistico-comunicativa.

Além disso, expõe a suprema contradição sócio-histórica entre o

agudo fetichismo da mercadoria disseminado nas condições de alto

grau de desenvolvimento das possibilidades civilizatório humano-

genéricas.

Parábola = narrativa alegórica

que transmite uma mensagem indireta,

por meio de comparação ou analogia.”

Analogia = relação ou semelhança

entre coisas ou fatos.

Metáfora = designação de um objeto

ou qualidade mediante uma palavra

que designa outro objeto ou qualidade

que tem com o primeiro uma relação

de semelhança.

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José e Ana

José Suarez, ex-metalúrgico naval do

Estaleiro Aurora, é casado com Ana,

operária da indústria de conservas de

atum, com estatuto salarial precário,

que trabalha no turno da noite, em

condições degradantes. Ana reclama do

baixo salário, da empresa e da chefia

asquerosas. Ela sofre com dores nas

pernas, pois é obrigada a ficar quase

oito horas em pé na linha de produção.

As vezes, ao chegar em casa, não sente

mais as pernas. Ana é uma proletária

que vive em processo de desefetivação

fisico-corporal. É através de José que

conhecemos Ana.

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José e a sereia

Em sua primeira cena no filme, Ana aparece

tirando o odor de peixe do corpo. É uma situação

degradante para uma mulher. Em certo

momento, logo ao chegar do trabalho, José

abraça a esposa, com carinho. Ana diz: “Me

largue. Estou com cheiro de peixe”. José retruca:

“Não está com cheiro de peixe. Está com cheiro de

sereia”. É mais um elemento metafórico do filme:

sereias não têm pernas. Talvez seja esta sua

rotina cotidiana, ao chegar em casa, no alvorecer,

após a jornada de trabalho noturno.

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Trabalho e afetividade

José é um homem deslocado do mercado de trabalho e do mercado de afetos. José exclama: “O

que sou? Para que droga eu sirvo?” Ele parece estar inseguro a respeito dos sentimentos da

mulher. O desemprego contribui para a perda de auto-estima e contribui para a insegurança

afetivo-sexual. Ana trabalha e ele, não; o que tende a romper com o padrão familiar tradicional. A

crise de emprego atinge os laços sociais e afetivos de homens e mulheres. Ao dar um par de sapatos

de luxo de presente, “expropriados” de uma mansão de classe média, José busca reconquistar o

carinho e a atenção da mulher.

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O sonho de José

Em “Segunda-Feira ao Sol”, José é uma pessoa inerte: apenas divaga, ao lado de Santa e dos companheiros de bar. “A vida é sonho”, diria Calderón de La Barca. Por exemplo, logo na

abertura do filme, José preenche um bilhete de loteria. Talvez sua utopia pessoal seja ganhar na loteria. José não se ilude mais com os anúncios de emprego ou a ideologia da empregabilidade.

Enfim, ele apenas sonha com a sorte, afinal, vive-se no mundo da aguda contingência.

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A sociedade da simulação e do engodo

É perceptível em José certa indignação contra a

ordem das coisas e seus constrangimentos sistêmicos.

É o que poderia explicar sua rebeldia inusitada

diante do gerente do banco, quando, certa manhã,

ao lado de Ana, foi tentar contrair um empréstimo

de US$ 8.000 (talvez buscando, sob pressão da

mulher, montar um pequeno negócio). José se

indigna não apenas contra a documentação exigida,

que expõe seu deslocamento no papel de macho

provedor (Ana é a pessoa na ativa), mas ele se rebela

contra a sociedade da simulação e do engodo: o

banco simula que analisa as solicitações de

empréstimos, não deixando de ser isto mais um

engodo (e preconceito) contra homens e mulheres

sem capacidade aquisitiva. O anuncia dizia ser fácil

a obtenção de empréstimos. “Sabe como é que são os

anúncios...”, diz o gerente do banco.

Clique para Assistir

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A sociedade da simulação e do engodo

Tal como a sociedade do trabalho abstrato, que simula

oferecer empregos (e nos ilude com a ideologia da

empregabilidade), quando, ao mesmo tempo, elimina postos

de trabalho à exaustão, através, da reestruturação produtiva,

José exclama, depois para Ana: “Acha que somos retardados

porque não temos dinheiro...”. E Ana pondera com realismo:

“Em que mundo vives? É assim que funciona...”. Subjacente à

critica indignada contra os procedimentos sistêmicos da

ordem burguesa, que discrimina homens sem capacidade

aquisitiva, está o ressentimento moral de José diante da perda

de sua identidade social (e afetiva).

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O engodo burocrático

Na agência de empregos, Lino observa o

drama de um desempregado com

dificuldades para obter o seguro-

desemprego. Ele está imerso na malha

burocrática estatal, tão impessoal e

insensível quanto a lógica do capital e do

trabalho abstrato.

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O engodo da concertação social

Ao lado da expressão de espanto

de Lino, observando o drama

trágico do desempregado diante

do Estado burocrático, cartazes

da agencia de emprego destacam

a lógica da concertação social que

expõe o acerto entre capital e

trabalho. Esta candente imagem

do filme “Segunda-Feira ao Sol”

expõe o contraste entre o mundo

do capital e do trabalho abstrato

e a ideologia da “colaboração de

classe”. É o contraste reiterativo

entre o discurso da ideologia e as

aflições do mundo real.

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Homens desefetivados

O conflito entre José e Ana expõe sua crise

de identidade pessoal e seu

desacomodamento diante do novo papel da

mulher. Ë uma diferença social de gênero

que oculta uma relação de poder. Ao dizer

para Ana, “se é tão esperta não sei porque

fica enchendo latas com atum”, José busca

atingir a auto-estima da mulher. Na

verdade, o problema não é de gênero, mas

de classe social.

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“Caia na real!”

O diálogo de José e Ana sugere um contraste de

atitudes pessoais diante do mundo do capital. José

é um homem deslocado da lógica sistêmica. Está

imerso numa crise de auto-estima e ressentido com

sua condição de pária social. É um homem

desefetivado, que perdeu o sentido de realidade.

Não admite ser julgado e se indigna com as

simulações do mundo sistêmico. Ana parece

apenas se adaptar ao mundo existente. Ela adota

uma atitude pragmática.

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“Caia na real!”

Pouco antes, num diálogo entre Santa e Nata, filha de Rico,

a jovem de 15 anos tenha dito para o ex-metalúrgico

desempregado (após cobrar uma comissão por um “bico”

que conseguira para Santa): “O mundo é assim, Santa. Caia

na real!”. Ora, simulação e interesse são elementos

estruturais da sociabilidade estranhada que permeia as

relações de negócios e as relações afetivas no mundo

burguês. Podemos nos interrogar: existiria uma questão de

gênero no contraste de atitudes pessoais que salientamos

acima? Em “Segunda-Feira ao Sol”as mulheres parecem

ser mais pragmáticas diante do mundo ilusório do capital.

Estão sempre alertando os homens “É assim que

funciona..” Ou então: “Caia na real..”. Enquanto Santa e

José são homens desefetivados pelo trabalho estranhado.

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Trabalho socializado e Apropriação privada

É interessante que os personagens desefetivados de

“Segunda-Feira ao Sol” estão imersos no sócio-

metabolismo do capital, com suas candentes

contradições sociais, exprimindo através de seus atos

cotidianos, atitudes sistêmicas marcadas pelo

individualismo possessivo. Uma situação curiosa é a

cena em que Nata “subcontrata” Santa para servir de

baby-sitter. Por outro lado, Santa incorpora seus

amigos desempregados em sua atividade de serviço e

não quer “socializar” o produto do trabalho. O que a

cena sugere é que o mundo do capital é, objetivamente,

um mundo da contradição viva entre a intensa

socialização da produção da vida e a apropriação

privada do produto do trabalho social. Os

personagens de “Segunda-Feira ao Sol” não têm

consciência desta aguda contradição sistêmica.

Clique para Assistir

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As divagações de Santa

Santa, como José, também divaga e sonha. Ele é a figuração típica de um proletário industrial, ex-soldador

metalúrgico, que trabalhou no Estaleiro Aurora por quatro anos e conseguiu ser líder operário. Santa não apenas divaga, mas blefa e goza. Por exemplo, para cortejar

Ângela, a moça vendedora de queijo suíço no supermercado, diz ser especialista em queijo. Inclusive,

blefa dizendo saber falar suíço. Diz saber pilotar um barco, apesar de só ter ocupado o posto de cozinheiro num barco.

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As palavras e as coisas

Santa brinca com os significados das palavras, dizendo conhecer sua etimologia. É o que faz, por

exemplo, com a palavra “critério” e “antípodas”. Mas ele apenas blefa, ao dizer que “critério” vem do latim “criterium” e significa...”critério”. (com “antípodas”, diz significar “anti-podas”, “o contrário”). Ora, Santa elabora sua própria simulação (para ele, a linguagem é o meio). Ao blefar, ele simula. Mas, parafraseando

Marx (ao tratar do economista burguês David Ricardo), diríamos que a simulação está nas coisas e não nas palavras que exprimem as coisas. Talvez seja

a forma de resistência íntima de Santa à lógica da simulação estrutural do mundo social do capital.

Santa é quase um Dom Quixote de la Mancha, um Quixote do capitalismo global, embora consiga

discernir com clareza, diferentemente do personagem de Cervantes, o que é real e o que é imaginário. Ele

possui sonhos e cria fantasias para si e para os outros. Talvez não acredite nelas, mas elas expressam a sábia

ironia de uma desilusão.

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A subversão do valor de troca

Santa transgride, sempre que pode, o valor de troca(Santa é quase um Carlitos pós-moderno). Talvez seja expressão de sua condição irremediável de

homem despossuido de capacidade aquisitiva. Por exemplo, logo no inicio do filme, entra no ferryboatsem apresentar o bilhete. Bebe sem pagar no Bar

Naval, utilizando-se inclusive do caça-níquel e come batatinhas fritas no supermercado. Como

salientamos, Santa, para sobreviver, simula e engoda: engana a dona da pensão, dizendo que a

amante que freqüenta seu quarto, é sua irmã. Entretanto, é importante salientar que sua

simulação e engodo não significam exploração do próximo. Pelo contrário, o que Santa busca é

socializar territórios (inclusive, no final do filme, “seqüestram” o ferryboat Lady Espanha) e

compartilhar interesses comuns.

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A função heuristica de Santa

O personagem de Javier Barden nos cativa com sua humanidade obliterada. Santa possui uma função

heurística em “Segunda-Feira Ao Sol” (como o Carlitos de Charles Chaplin): ele desvela, sem o saber, através de sua tragédia pessoal e sua forma de ser, as agudas

contradições sociais da civilização burguesa. Por exemplo, ao ser obrigado a pagar, a título de

indenização, uma luminária destruída, Santa e sua tragédia expõe, de certo modo, a justiça burguesa como a justiça abstrata; ou ainda, ao expor, com ácida ironia e

humor corrosivo, a sociedade burguesa como a sociedade da simulação e do engodo (por exemplo,

numa cena, no Bar Naval, após chegar de uma entrevista, Lino diz que “talvez liguem” para ele, confirmando a contratação. Santa exclama: “...

brindemos a ‘talvez liguem’”).

Heuristica: arte de inventar, de fazer descobertas;

ciência que têm por objeto a descoberta dos fatos

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Fantasia e humor corrosivo

Santa cria fantasias. Por exemplo, constrói para Lino uma Austrália imaginária; para Lazarito, o vigia, inventa

a estória de que o Estaleiro Aurora foi socializado; e contesta a burocracia estatal com humor corrosivo (num

certo momento, na agência estatal de emprego, ele nos diz: “Já que não nos dão trabalho, podiam nos dar uma chupada”). Aliás, “Segunda-Feira ao Sol” sugere uma

incisiva critica da ordem burocrática do Estado-Providência. Por exemplo, é candente a cena em que um trabalhador desempregado, quase em lágrimas, não tem

acesso ao beneficio porque ainda não possui a documentação necessária.

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A tragédia jurídica de Santa

Um drama trágico (e quase cômico) persegue Santa em “Segunda-Feira ao Sol”. Ele é obrigado, por

ordem judicial, a ressarcir uma luminária destruída num ato de protesto contra o fechamento do

Estaleiro Aurora. O valor da indenização é de US$ 40.00. O valor irrisório significa que a pena possui tão-somente caráter disciplinar. Ele é obrigado a pagar apenas para cumprir pena por ter atentado

contra a propriedade privada. A tibieza do advogado de Santa, incapaz de contra-argumentar e defender o cliente, e a lógica obtusa do juiz, expõe,

em poucos minutos, a engrenagem da justiça burguesa. Estamos diante de uma situação absurda,

quase non-sense, que oculta uma lógica férrea (e abstrata) de dominação e de manipulação (a lógica

abstrata da justiça burguesa é flagrante, por exemplo, quando o juiz se recusa a considerar o contexto concreto em que ocorreu o incidente, ou

seja, Santa quebrou a luminária durante uma manifestação grevista).

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A ilusão da justiça burguesa

“Segunda-Feira ao Sol” desvela a ilusão da justiça burguesa. Após pagar a indenização em juízo, Santa

volta a quebrar outra luminária “Urban Light”, localizada nas imediações da empresa. Na verdade, é um desagravo íntimo contra as engrenagens férreas do sistema do capital e a lógica abstrata da justiça burguesa. O que vale é o ato moral. É claro que o

gesto solitário de Santa não possui, em si, dimensão política. É quase um gesto pré-político, um ato de

vandalismo, solitário e anônimo. Mas possui para ele, um significado concreto, de valor íntimo profundo. É

quase um ato de vingança íntima e modo de afirmação moral da sua individualidade pessoal que

resiste à lógica sistêmica do capital.

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Luta de classe e derrota operária

Como sujeito pessoal que resiste, Santa condensa em si, a experiência concreta da luta de classes e da derrota

política e sindical dos metalúrgicos do Estaleiro Aurora. Não nos esqueçamos que, logo na abertura do

filme, Fernando Aranoa, diretor do filme, nos apresenta, numa cena quase-documental, ao som do

acordeão lírico de Lucio Godoy, elementos da resistência de classe dos metalúrgicos navais contra o fechamento do Estaleiro Aurora. Primeiro, a cena da

passeata de operários e o levantamento da barricada e, logo depois, sua dissolução pela repressão policial, que utiliza gás lacrimogêneo. Uma névoa branca ocupa a

tela, sugerindo uma névoa de terror que nos transporta para outra temporalidade histórica: o

espaço-tempo da globalização neoliberal. A cena de abertura de Los Lunes Ao Sol é a cena de conclusão

trágica de uma forma histórica de luta de classe.

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O Partido do Proletariado

No detalhe, cartazes do Partido

Comunista Espanhol. Talvez o Estaleiro

Aurora tivesse uma base operária

comunista organizada, dando a direção

política que conduziu a luta contra o

fechamento do estaleiro naval.

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Marcas urbanas

As marcas do tempo passado, da luta de classe e da luta sindical (e política) dos operários

metalúrgicos, estão presentes no decorrer do filme, não apenas por meio da presença (e do drama trágico) dos ex-operários metalúrgicos

(Santa, José, Lino e Amador), mas das pichaçõesnos muros (as inscrições Naval em Lucha, por

exemplo), que se contrasta com o abandono (e a demolição) do estaleiro desativado. O espaço

urbano preserva marcas visíveis de um passado vivo, que ainda se desenrola, diante de nós,

através do tempo presente trágico dos metalúrgicos desempregados.

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Sociedade Midiática

A sociedade burguesa é uma sociedade midiática.A imagem na tela possui um poder de

reflexividade que nos fascina. Aparecer na TV é símbolo de sucesso e poder, poder de ilusionismo social, de manipulação e simulação. Numa das cenas no Bar Naval, diante de um Programa de Televisão, o desempregado José observa: “Deve

ser demais aparecer na TV. Imaginem o que é apresentar um Programa. Vai lá, fala umas

bobagens e vive como um rei. Sabem quanto ele ganha para isso?”. A seguir, Lino diz: “Eu já apareci na televisão. Fiz um comercial quando

era menino. Eu era uma criança bonita.”

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Sociedade Midiática

O personagem Lino parece enredado na trama do tempo. Como desempregado, tem dificuldade de conseguir emprego devido a idade. De repente,

rememora o comercial de refrigerante que fizera quando criança. O refrigerante, segundo Lino,

chamava-se “Borbulhas”. Ninguém no Bar Naval conseguiu lembrar-se da marca deste refrigerante.

Lino observou: “Não durou muito. Faliram”. Ora, o sucesso midiático parece ser tão fugaz quanto

qualquer “borbujas”. Em seguida, Santa, sempre irônico, observa: “Também já apareci na TV. Quando

fecharam o estaleiro.”

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Sociedade Midiática

Mais tarde, noutra cena, Santa brinca, na madrugada, com seus parceiros de

bar, simulando, diante de uma vitrine de loja com aparelhos de TV em exposição,

um programa de auditório: “É um concurso de cretinos espanhóis”. Mais

uma vez, através de sua ironia corrosiva e humor caustico, expõe a função da mídia manipuladora na sociedade do capital: a cretinização das massas. O

Escola de Frankfurt (Adorno e Horkeimer) salientaram a técnica

midiática como ideologia e instrumento de imbecilização das massas.

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Sociedade do Estranhamento

Noutra cena magistral de “Segunda-Feira ao Sol”, ao assistirem o futebol,

com a visão pela metade, Aranoa sugere a desefetivação parcial do

trabalhador desempregado, que só tem acesso à metade da realidade.

Apesar disso, eles simulam assistir a cena completa, da jogada e do gol. Exclamam: “Que golaço!”, mesmo

não tendo acompanhado sua conclusão derradeira.

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O Mito de Yashin

Nesta cena, Serguei, imigrante soviético desempregado, imerso em reminiscências do passado glorioso da ex-URSS, nos fala

do goleiro Yashin, o “Aranha Negra”. Diz ele: “O melhor goleiro do mundo. Sempre vestido de preto. Todos tinham medo

dele. Quando os jogadores adversários faziam gol pediam desculpas a ele. Até a bola tinha medo de Yashin. Ele desviava a bola com o olhar.” O mito de Yashin é um mito de um passado glorioso onde o homem, e não a máquina abstrata do mercado

se impunha pela presença. Na verdade, os ex-operários metalúrgicos perderam não apenas a perspectiva de emprego, mas a dimensão política de utopia social, contida na promessa

frustrada do socialismo real.

Lev Yashin (Лев Яшин) (22 de outubro de 1929, Moscou, atual Rússia - 20 de março de 1990, Moscou, Rússia) foi goleiro soviético, considerado por

muitos como o melhor que já existiu na história do futebol. Conhecido também pelo apelido de Aranha Negra (na América do Sul) ou Pantera Negra

(na Europa), devido ao seu uniforme todo preto. Yashin defendeu o Dínamo de Moscou por toda a sua carreira de 22 anos, onde ingressou em 1949.

Conquistou cinco campeonatos soviéticos (1954, 1955, 1957, 1959 e 1963) e três copas da URSS (1953, 1967 e 1970).Pela seleção soviética jogou as

Copas de 1958, 1962 e 1966. Na última, ajudou a levar sua equipe à quarta colocação. Conquistou também a medalha olímpica em Melbourne (1956) e

a Eurocopa em 1960. Segundo a lenda Yashin defendeu 150 pênaltis em sua carreira. Ele se aposentou com 42 anos, em 1971, passando a treinar

equipes juvenis e trabalhar como professor de educação física, além de ter sido técnico do Dínamo e da seleção. Em 1986 perdeu uma perna por causa

de uma lesão no joelho. Morreu quatro anos depois por causa de um câncer de estômago.Em uma eleição realizada em 1998 pela Fifa, o goleiro

soviético foi escolhido o goleiro do século 20.

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A Fábula da “Cigarra e da Formiga”

Algumas parábolas e fábulas se destacam no filme “Segunda-Feira ao Sol”, tais como a fábula “A Cigarra e a Formiga”, lida por Santa ao acalentar uma criança. Nesta

cena, Santa recusa a ideologia das fábulas infantis (e da ideologia em geral), que tende a inverter a situação de

classe e ocultar os mecanismos da exploração e acumulação do capital. Diz o livro de estórias: “Era uma vez um lugar onde viviam uma cigarra e uma formiga. A formiga era

trabalhadora e a cigarra, não. Só queria cantar e dormir, enquanto a formiga trabalhava. O tempo passou. A

formiga trabalhou o verão inteiro, armazenou tudo que pôde e quando chegou o inverno, a cigarra ficou morrendo

de fome e frio, enquanto que a formiga tinha de tudo.” Nesse momento, Santa retruca: “Que formiga filha da

mãe!” e prossegue a leitura: “A cigarra bateu na porta da formiga, que lhe disse: ‘cigarrinha, cigarrinha! Se tivesse trabalhado como eu não estaria com fome e com frio’. E não abriu a porta para ela.” Finalmente, Santa exclama: “Quem escreveu isso? Não é bem assim! A formiga é uma

filha da mãe especuladora! Aqui não diz porque uns nascem cigarras e outros formigas. E quem nasce cigarra, está

ferrado. Isso eles não falam aqui.”

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A Fábula da “Cigarra e da Formiga”

A fábula “A Cigarra e a Formiga”, elabora um elo ideológico entre trabalho e riqueza, ocultando as mediações

sócio-metabólicas de segunda ordem, isto é, as relações sociais de produção baseadas na propriedade privada e na divisão hierárquica do trabalho que impedem que a classe

trabalhadora possa “armazenar tudo que pôde”. Na verdade, sob o capitalismo, a riqueza não é apropriada

pelo trabalho, mas sim pelo capital. É por isso que Santa exclama: “Não é bem assim!”. A sociedade burguesa não é a sociedade do trabalho, mas sim a sociedade do dinheiro,

do trabalho abstrato como fonte de valor. A força de trabalho é explorada e os que estão subsumidos à classe

proletária, como diz Santa, “estão ferrados”. A ideologia oculta, portanto, a estrutura de classes sociais e os

mecanismos da exploração capitalista. “Isso eles não falam aqui”, diz ele.

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Deus e Nós

Certa vez, no Bar Naval, Amador, embriagado,

dissera: “A questão não é se nós acreditamos em Deus.

A questão é se Deus acredita em nós. Porque se Deus

não acredita em nós, estamos ferrados.” É o problema

da práxis social, da ação coletiva capaz de fazer

historia e mudar o mundo. Deus é a projeção alienada

da capacidade humana, como nos dissera Ludwig

Feuerbach. É a essência humana estranhada. Ao

divagar sobre Deus, Amador reflete, de certo modo,

sobre o homem e a ação coletiva.

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A parábola dos Irmãos Siameses

A parábola dos “Irmãos Siameses”, contada pelo

desempregado Amador, sugere uma reflexão sobre o

fracasso histórico das experiências de luta operária no

século XX. Na madrugada, quase em delírio etílico,

Amador, levado por Santa, sentado no chão em frente do

seu prédio de apartamentos, busca elementos para

explicar sua tragédia pessoal (e de classe). Amador não

consegue se expressar de modo direto. “Era difícil

entende-lo”, como observou, certa vez, Santa. Amador

utilizava parábolas para traduzir sua “filosofia da

historia”. Disse ele: “Como os siameses. Não sabe quem

são? Siameses de Sião. Com duas cabeças. Se abraçam para

nascer porque têm medo de nascer. Mas depois não

conseguem se soltar, separar-se. E um deles ganha.

Empurra o outro, que cai. E ri. Só que ele também está

caído, entende? Porque estão grudados. Os dois caem,

entende? Claro, é como se ele dissesse: ‘Vá se ferrar!’”.

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A parábola dos Irmãos Siameses

Os “irmãos siameses” são a metáfora da classe dos trabalhadores assalariados, a classe dos produtores,

cujo poder social provém de sua solidariedade e união de classe. É um principio ontológico destacado

nos escritos políticos de Karl Marx e Friedrich Engels sobre o sindicalismo. Aliás, sob o modo de

produção capitalista, a organização de classe, a união e solidariedade de classe, expressa através de

movimentos sindicais e políticos, é condição do próprio desenvolvimento da individualidade

proletária, que entregue, por si só, à contingência do mercado, tende a degradar-se física e moralmente.

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A parábola dos Irmãos Siameses

É o que observou Karl Marx numa mensagem da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a I

Internacional, em 1867: “Frente à força do capital, a força humana individual desapareceu e o operário nada

mais é do que uma engrenagem da máquina nas fábricas. Para reconquistar sua individualidade, os operários

devem se unir e constituir sindicatos para defender seu salário e sua vida”. Antes, numa Resolução da I

Internacional, Marx salientara, mais uma vez, o valor fundamental (e fundante) da união e solidariedade de

classe: “A única potência social que os operários possuem é seu número. Mas a quantidade é anulada pela

desunião. Esta desunião dos operários se engendra e perpetua por uma concorrência inevitável.” Mais tarde, Santa irá expressar a sabedoria de Amador: “Como os gêmeos siameses que são grudados. Nós somos iguais. Estamos grudados. Se um cai. Todos caem. E se um se ferra...pronto...todo mundo se ferra. Pois somos iguais.

Como os siameses.”

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Tempo de homens partidos

O filme “Segunda-feira ao Sol” é um relato de homens partidos onde podemos apreender, de modo sinuoso e elíptico, o significado sombrio dos novos tempos da

globalização neoliberal. Num certo momento, no Bar Naval, numa discussão entre Santa e Reina, ex-

metalúrgico do Estaleiro Aurora, que se encontra empregado como vigilante (ou seja, tornou-se “técnico de segurança”) e que incorporou a ideologia da globalização neoliberal, conseguimos conhecer a trama complexa de

luta de classe que conduziu a derrota dos operários navais. É irônico como, diante da precarização candente da força de trabalho, surgem novos (e pomposos) nomes para ocupações precárias. Por exemplo, “vigia” torna-se

“técnico de segurança”.

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A Ideologia da Globalização

O diálogo entre Reina e Santa no Bar Naval

esclarece, com vigor, o significado da abertura do

filme e contém interessantes elementos de

ideologia, no discurso de Reina, e de

desvelamento da causalidade imediata e do

significado da derrota de classe dos metalúrgicos

do Estaleiro Aurora, no discurso de Santa.

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Demissão Voluntária e Ideologia do trabalho

Santa faz uma réplica a Reina, desmontando a lógica

abstrata (e ideológica) da argumentação dele. Sugere

uma critica aos Programas de Demissão Voluntária que

joga os trabalhadores no mundo da contingência e do

acaso, iludindo-os com um montante dinheiro como

gratificação. Por isso, José está imerso num mundo de

sorte e azar. É o mundo da individualidade de classe. Por

outro lado, Reina está imerso no mundo da ideologia

neoliberal que culpabiliza os indivíduos pela sua

desgraça. Para Reina, “quem trabalha tem sempre

sorte”. Reina é o ex-operário que incorporou a ideologia

da empregabilidade e o culto ao trabalho estranhado.

“Trabalho é liberdade” (Arbeit ist Freiheit). Mas Santa

desvela o verdadeiro problema do mundo do capital: a

resistência do trabalho e a luta de classes que conseguiu

expor a situação.

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Memória social e luta de classe

Ao dizer “Conseguimos expor a situação”, Santa explicita a função

social (e o valor) da luta de classes. De imediato, Reina contesta:

“Mas todos já se esqueceram”. Coloca-se, neste momento, o

problema da memória social que tende a ser dilapidada pela

dinâmica sócio-metabólica do capital. A luta de classe “expõe a

situação”, mas a sociedade do capital possui uma dinâmica social que

repõe a situação de ocultação dos antagonismos de classe social que

compõe o mundo burguês. A busca de preservar a memória social da

luta de classe é um elemento fundamental. Eric Hobsbawn observou:

“A destruição do passado, ou melhor, dos mecanismos sociais que

vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas, é um

dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX.

Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente

contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da

época em que vivem.”

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A luta contra o esquecimento

Na verdade, o breve século XX extendeu a

temporalidade reiterativa do capital. A

destruição do passado de luta de classe busca

ocultar que, houve uma vez, uma unidade de

classe em luta contra a exploração do capital.

Mais do que nunca, a luta contra o capital é uma

luta contra o esquecimento. Reina diz: “Mas

todos já se esqueceram”. Adorno e Horhkeimer

observou na “Dialética do Esclarecimento” que

“não se trata de conservar o passado, mas de

recuperar as esperanças pretéritas.”

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A cisão de classe

Ora, “Segunda-Feira ao Sol” é uma reflexão sobre a derrota histórica de classe, elemento causal significativo

para explicar o sentimento de angústia e deriva do desempregados de longa duração. O que o filme nos transmite é que houve uma cisão de classe, ou seja, o

capital conseguiu dividir a categoria metalúrgica, contribuindo para sua derrota sindical. Como observara Marx, “a quantidade é anulada pela

desunião. Esta desunião dos operários se engendra e perpetua por uma concorrência inevitável.” A

concorrência leva as individualidades de classe a ficarem imersos na contingência.

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Laços geracionais e solidariedade de classe

Reina e Rico assinaram a rescissão contratual,

compartilhando a idéia de que não havia

alternativas. Sucumbiram à lógica do

capitalismo flexível, isto é, do capitalismo de

curto prazo. Santa desvela a conseqüência das

escolhas pessoais de Rico e Reina. Diz ele:

“Vocês assinaram a demissão dos seus filhos.

Eram os empregos deles que estavam em jogo e

nós os perdemos.” Na verdade, Santa busca,

com seu discurso de classe, expor o que o capital

tende a fraturar, isto é, os vínculos não apenas

entre tempo presente e tempo passado, mas

entre tempo presente e tempo futuro.

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A “selva” do mercado

Reina diz: “Hoje eu venho aqui, mas amanhã posso ir

lá”. O que determina é o mercado e a lógica da

concorrência. Nesse caso, não há, nem poderia haver

mais, entre eles, solidariedade de classe, ou seja, lealdade

e compromisso, qualidade morais que são de longo

prazo por natureza. Na lógica do capitalismo neoliberal,

as qualidades morais, as relações sociais duráveis que

caracterizavam a solidariedade de classe e ligavam os

homens no local de trabalho, tendem a perder sentido.

Por isso, se o bar Naval não conseguir oferecer melhores

preços, perderá clientes. Como observou Reina, “eu

venho aqui mas se o bar da frente for mais barato, passo

a ir lá” . Enfim, não há – nem pode haver – lealdade e

compromisso mútuo na “selva” do mercado. É

interessante que, nesse momento, Santa retruca, com

vigor, discordando peremptoriamente de Reina. Não

quer se resignar à deriva do desemprego e sua corrosão

do caráter.

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A ilusão do propositivismo

Santa desmitifica a idéia de competividade e expõe a

irracionalidade do mercado cuja única finalidade é o lucro.

Observa que os operários fizeram concessões e adotaram

atitudes propositivas para garantir o emprego. Mas nada

adiantou contra a voracidade do capital global e o interesse

do lucro especulativo. Diz ele: “O estaleiro é competitivo!

Trabalhamos rápidos. Nos oferecemos para fazer hora extra

sem cobrar. Que mais podíamos fazer? Só que o estaleiro está

onde está. O terreno vale uma fortuna. E por quê? Porque

fica à beira-mar. Não viram as escavadeiras? Vão construir

hotéis e apartamentos de luxo e depois vender aos cretinos

dos coreanos que gozam da nossa cara.”

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Perspectiva ético-moral e solidariedade de classe

Santa, ex-operário metalúrgico qualificado, ao contrário

de Reina, adota uma perspectiva de solidariedade de

classe, traduzida num gesto de lealdade e compromisso

mútuo contra a lógica mercantil. Diz ele: “Não vou ao

bar da frente, nem que sirvam bebida de graça! Há três

anos venho aqui e continuarei vindo! Mesmo que Rico

tenha assinado a rescisão.” Enfim, Santa demonstra

possuir uma alma imensa: não culpa seus ex-

companheiros metalúrgicos, mesmo que a ação

contingente deles tenha significado a fragmentação do

coletivo de classe e inclusive a degradação do trabalho de

seus filhos. Há uma profunda perspectiva ético-moral na

ação de Santa.

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A centralidade do trabalho

No discurso de Santa explicita-se um compromisso

ético-moral de solidariedade de classe baseado na

centralidade do trabalho. Ele não pode aceitar que o

estaleiro seja fechado porque representa o trabalho

operário e como ele diz, “com o nosso trabalho não

se brinca”. É uma atitude moral que é base da luta

de classes e da resistência contra a voracidade do

capital que busca em seu movimento, negar o

trabalho vivo em prol do trabalho morto.

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A Lógica da Globalização e Crise do sindicalismo

Diante da lógica do capital global especulativo, o que podem fazer

os sindicatos? Nesse momento, Santa expõe um dos principais

elementos de crise do sindicalismo com a mundialização do capital

e a predominância do capital financeiro. Num primeiro momento

Santa diz que o estaleiro não podia fechar porque era “nosso

trabalho”. Entretanto, a seguir, ele observa que o estaleiro “está

onde está”, isto é, num terreno que é mercadoria. A deslocalização

da atividade industrial para regiões de baixos salários e o

crescimento de atividades de serviços que exploram recursos da

natureza através da indústria do turismo teve um crescimento

significativo na época da globalização

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A natureza do capital

Santa está intrigado, de certo modo, com a lógica

irracional do capital. Ele não consegue entende-la a

partir de sua ótica humanista. Aliás, na perspectiva do

homem é impossível entender a lógica do capital, que é

intrinsecamente irracional e anti-humanista. Diz Santa:

“Posso trabalhar num bar, mas se demitirem todo

mundo, quem vai beber? É isso que mais me intriga.”

Enfim, é a suprema contradição do capital que produz,

a partir de seu desenvolvimento sistêmico, crises de

superprodução. A crise do capital possui, cada vez mais,

um lastro de superprodução que se interverte em

buscas desvairadas de formas de desvalorização de

capital e de força de trabalho, buscando a partir deste

movimento contraditório, repor sua taxa de exploração.

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A Ideologia Propositivista

Na época da crise estrutural do capital

cresce o poder da ideologia que busca

obliterar a perspectiva para além do capital,

incentivando, por um lado, atitudes de

concertação social, que ocultam o caráter

estrutural da luta de classes e do

antagonismo capital e trabalho; e por outro

lado, atitudes pró-ativas e propositivistas que

sugerem existir alternativa sustentável para

a crise estrutural do capital no interior da

ordem burguesa. Por isso, Reina contesta o

espírito critico de Santa exclamando: “Ele

só sabe criticar”. A personalidade de Reina

é antípoda à personalidade de Santa.

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Amador e a desefetivação proletária

Amador é um personagem interessante. Ele é a

própria expressão da desefetivação proletária.

A desefetivação proletária que se expressa, por

exemplo, através de parábolas. O processo de

desefetivação se expressa na capacidade

cognitivo-linguistica (Entwirklichung significa

“privar de realidade e/ou de efetividade”).

Amador expõe a situação-limite dos

companheiros desempregados do Bar Naval.

Amador é a síntese do Nada, da completa perda

de sentido de realidade; por isso ele divaga de

modo elíptico e parabólico, sobre a essência da

forma de ser do mundo burguês. Apesar disso,

busca manter a dignidade humana. Ele diz:

“Não caí. Eu me joguei”

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Diz Marx, que sob o modo de produção

capitalista, “a realização efetiva do trabalho

aparece como desefetivação [Entwirklichung]

do trabalhador, a objetivação como perda e

servidão do objeto, a apropriação como

estranhamento [Entfremdung],

como exteriorização [Entäusserung].”

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Amador e a desefetivação proletária

Santa e Amador são a expressão em si da suprema

desefetivação proletária na ordem burguesa. São

homens sem capacidade aquisitiva, imersos no

mundo das mercadorias, que exige ingresso (ou

dinheiro) para o acesso aos bens vitais. O homem

desempregado não possui lar. É preciso ingresso

para entrar no próprio lar. É um homem

desacomodado no mundo do capital, que o obriga a

permanecer preso no território, incapaz de deslocar-

se, pois falta-lhe capacidade aquisitiva.Clique para Assistir

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Amador e a desefetivação proletária

Amador é o personagem que expõe a aguda

desefetivação proletária. Ao deixa-lo em casa, após

uma noite no bar Naval, Santa vislumbra a tragédia

de Amador expressa no abandono de seu próprio lar.

Sem o fornecimento da água e sem mulher, que o

abandonou após ele ter sido desempregado, Amador

vive em condições precárias. É um homem solitário

que perdeu a gana de viver. As condições de seu lar

expressam sua subjetividade desefetivada,

desumanizada, inclusive no sentido da perda das

relações afetivos-humanas. A tragédia de Amador é o

espectro da desefetivação que ronda Santa, pois ele

está ameaçado de ir para a prisão. Reina observa:

“Na cadeia não tem mulher. Quem vai levar comida?”

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Amador e a desefetivação proletária

O suicídio enigmático de Amador (suicídio ou

queda repentina?) traduz o ponto final de uma vida

sem sentido; vale dizer, sem sentido, mas, como

salientamos, com plena consciência dos impasses da

condição pós-moderna (mesmo que a consciência

critica de Amador assumisse a forma parabólica).

Amador talvez tenha sido como Santa, um grande

agitador sindical no local de trabalho. No decorrer

do filme, ele oculta de seus companheiros que foi

abandonado pela mulher. Sentado num cantinho no

balcão do bar Naval, é um tipo calado e solitário.

Enfim, não possui mais gana de viver.

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Desefetivação proletária e tempo de vida

Amador tem um tique neurótico-obsessivo. Ele sempre

implica com a luminária do banheiro do bar, que

possui um temporizador. A luz não se apaga ao sair,

mas depois de certo tempo. Ora, Amador não entende

a lógica do temporizador. Supõe que ela gasta mais

energia elétrica. Eis mais uma metáfora do diretor

Fernando Aranoa: o que é o homem desempregado?

Por que ele não se “apaga” mesmo após ser

“desligado” de sua fonte de vida, o trabalho? Talvez

Amador tenha decidido apagar sua própria luz. É

interessante que, no velório de Amador, o último a sair

foi Santa que esquece (e volta logo a seguir) para

apagar a luz. Outro fato curioso: os companheiros de

amador perdem sua urna funerária. Perdido na vida.

Perdido na morte.

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Homens sem dinheiro

Na sociedade burguesa, a capacidade aquisitiva

torna-se um elemento fundamental para o

usufruto das riquezas da civilização humana. Na

medida em que o mundo burguês é uma

sociedade do trabalho, a aquisição de renda

monetária, ter dinheiro, depende, em geral, do

acesso ao mercado de trabalho. Os proletários

precários e desempregados são homens com

pouca (ou nenhuma) capacidade aquisitiva que

impede que eles possuam cultivar o bom gosto e

as benesses do processo civilizatório. A

civilização é o processo de redução das barreiras

naturais. Ao não terem acesso às riquezas da

civilização, os proletários desefetivados, estão

imersos no mundo da barbárie social e da

segunda natureza que se impõe a eles.

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“Que dia é hoje?”

Ao perderem a noção de tempo, os trabalhadores desempregados expressam uma forma de desefetivação. Homens e mulheres desempregados são indivíduos humano-pessoais afetados de negação. No filme, por exemplo, é Santa quem

sempre se interroga: “Que dia é hoje?”. E, aliás, para eles, todo dia é segunda-

feira ao sol.

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O sonho de voar

O filme “Segunda-Feira ao Sol, expõe os impasses de vida dos personagens, proletários desempregados, imersos em

trabalhos precários. Eles não conseguem ir além de si próprios. São homens e mulheres com “pés-de-chumbo”,

demasiadamente territorializados, inclusive em seus afetos, que se contrastam, por exemplo, com a

modernidade do capital, tão fugaz quanto liquida (ou gasosa). Em tempos de globalização e de “modernidade liquida” (na acepção de Zygmut Baumann), só resta aos desempregados, imersos numa territorialização precária,

“volare” (ou seja, voar) como diz a canção dos Gipsy King, cantada no bar-karaokê por Lino, Nata, Santa,

Rico e José. Diz a música: “Y volando, volando feliz/Yo me encuentro mas alto /Mas alto que el sol/Y mientras que el mundo/Se aleja despacio de mi/Una musica dulce. Se ha

tocada solo para mi.”

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Socialismo Real

Serguei explica o débâcle da União Soviética

através da linguagem de mercado. O socialismo

real “quebrou”como uma empresa. Ao não

conseguir romper com o círculo férreo do

mercado mundial, a União Soviética sucumbiu

à lógica do capital. Para os indivíduos de classe,

como Serguei, está-se diante de um fato

contingente. Como ele diz: “É a vida”.

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Humor e Tragédia

O humor do personagem Serguei, o

desempregado russo de “Segunda-Feira Ao

Sol” nos cativa, primeiro, pela ingenuidade

lancinante, quase expressão da idéia de um

socialismo num só país; e depois pela

tragédia que sugere o desmonte de uma

fantasia: “socialismo real”. Ele ‘o

personagem que conta piadas em “Segunda-

Feira Ao Sol”, preservando o bom humor

diante da tragédia histórica. Apesar do

fracasso da experiência soviética, Serguei

não acredita, como Reina, que o capitalismo

é melhor que o socialismo.

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Versão 2.0

Ultima atualização: março de 2007

1ª. Edição: 2006

ATENÇÃO:

Por favor, ao reproduzir, preservar os créditos do autor.

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