Antonio Gramsci Na Perspectiva de Joséa Aricó

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  • 7/26/2019 Antonio Gramsci Na Perspectiva de Josa Aric

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    A CAUDA DO DIABO: ANTONIO GRAMSCI NA PERSPECTIVA DEJOS ARIC1

    Rodrigo Juruc Mattos Gonalves2

    [email protected]

    UEG

    ResumoEste trabalho tem o objetivo de problematizar a contribuio de Jos Aric (1931-1991)para uma leitura latino-americana da obra de Antonio Gramsci. O intelectual argentinofoi um dos principais divulgadores da obra do autor dos Cadernos do crcere. Segundo

    Aric, Gramsci encontrou na Amrica Latina uma difuso sem igual de seu pensamento,a ponto de formar parte de nossa cultura americana, como patrimnio comum decorrentes de pensamento democrticas, reformadoras e revolucionrias. Essa vigorosairradiao latino-americana do gramscismo no teve paralelo nem mesmo na terra nataldo comunista italiano, da sua importncia para a esquerda. Fazemos o seguintequestionamento: o pensamento gramsciano pode ser considerado um fator de unidadepara a esquerda dos diferentes pases latino-americanos?Palavras-chave:Amrica Latina Antonio Gramsci Jos Aric Cadernos do Crcere -pensamento gramsciano

    AbstractThis paper aims to problematize the contribution of Jos Aric (1931-1991) for a latinamerican reading work of Antonio Gramsci. The argentine intellectual was one of themain promoters of the author's work of the Prison Notebooks. According Aric, Gramscifound in Latin America diffusion unique your thinking as to form part of our LatinAmerican culture, as the common heritage of streams of democratic, reformers andrevolucionaries thoughts. This vigorous Latin American irradiation of gramscism had no

    parallel even in the birthplace of the italian communist, hence its importance to the left.We make the following question: Gramscian thinking can be considered a factor of unityto the left of the different Latin American countries?Keywords: Latin America Antonio Gramsci Jos Aric Prisons Notebooks -Gramsci's thought

    1Artigo recebido: 17.01.2015. Artigo aprovado: 20.06.2015.2Professor da Universidade Estadual de Gois (UEG). Doutorando pelo Programa de Ps-Graduao emHistria da Universidade Federal de Gois (PPGH/UFG).

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    Por que Gramsci?Jos Aric:Porque em Gramsci encontrvamos, mais do que

    posies claras sobre distintos problemas, uma maneira de ver as

    coisas e de analis-las. Ns pensvamos que esse teria que ser omodo em que os comunistas devamos organizar a mirada da

    realidade.

    Horcio Crespo (Ed.).Jos Aric: Entrevistas: 1974-1991.

    Jos Aric: um intelectual orgnico de fora da academia3

    Jos Maria Aric (1931-1991), ou simplesmente Pancho Aric, nasceu em Vila

    Maria, na provncia de Crdoba, na Argentina. Faleceu em Buenos Aires. Ainda na

    adolescncia, em 1947, ingressou no Partido Comunista Argentino (PCA), cujo

    semanrio Orientacin lhe trouxe as primeiras noes de marxismo e, em 1950, ocontato com Antonio Gramsci, quando apareceu nas pginas do peridico comunista o

    prefcio de Gregorio Berman s Cartas do crcere, publicadas pela casa editorial italiana

    Einaudi em 1947. Aric diz que ficou impressionado com Gramsci, pois ele reunia em si

    duas caractersticas que o singularizaram: o intelectual independente e o militante

    poltico. Isso era muito significativo para Aric, pois suas principais preocupaes eram

    a reflexo terica, a leitura dos livros e a militncia poltica. Gramsci era considerado um

    autor secundrio no PCA, que indicava aos seus militantes o marxismo oficial daAcademia de Cincias Sociais da Unio Sovitica. Adquiriu as obras de Gramsci numa

    livraria da cidade de Crdoba, entre 1950 e 1953.

    Nos anos 50, Aric faria parte do comit provincial do PCA, do qual escondia que

    lia Gramsci. Mas isso no era segredo, j que seus conhecidos sabiam que era um leitor

    do marxista italiano, inclusive tendo traduzido, em 1952, Note sul Machiavelli para o

    espanhol quando cumpria o servio militar (INFRANCA, 2004, p. 31). O que ningum

    imaginava que ele tinha Trotski em sua biblioteca pessoal (CRESPO, 1999, p. 84). Nessapoca, Aric e Juan Carlos Portantiero, com quem teve grande amizade, passam a

    escrever na revista comunista Cuadernos de Cultura, dirigida por Hctor Pablo Agosti,

    primeiro editor latino-americano dos Cadernos do crcere, que surgiram pioneiramente

    3Agradeo ao meu amigo Pedro Leo da Costa Neto que h alguns anos me regalou com dois livros deAric, sem os quais as linhas desse artigo no teriam sido escritas. Indicamos aos leitores a obraMaritegui y los orgenes del marxismo latinoamericano (Ed. Jos Aric. Segunda edio. Mxico:

    Cuadernos de Pasado y Presente, 1980), que no pudemos analisar neste artigo bem como o site daBoblioteca Aric: .

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    na Argentina entre 1958 e 1962, antes mesmo de algumas das principais capitais do

    mundo. A partir de critrios prprios, Agosti publica a obra capital de Gramsci em vrios

    tomos divididos por temas afins (POLA, 2005, p. 19).

    Nos anos 1960, Aric intensificou sua atividade intelectual, o que contribuiria

    para a desprovincializao do marxismo na Argentina em um sentido de distanciamento

    do marxismo sovitico. Em 1961, publica Letteratura e vita nazionalee, em 1963, funda

    com Portantiero a clebre revista com ttulo gramsciano Pasado y Presente Revista

    Trimestral de Ideologia e Cultura, abrindo atravs de Gramsci concepes diferenciadas

    do PCA. O projeto poltico de Pasado y Presente, fundamentado em um marxismo ps-

    1956 (POLA, 2005, p. 12), leva o grupo expulso do partido 4. Aquele foi um perodo

    de radicalizao de toda uma intelectualidade argentina, passando da moderao do

    partido experincia da luta armada. (KOHAN, 2005 e INFRANCA, 2004, p. 31)

    O primeiro nmero do peridico trouxe artigos de Aric, Portantiero, Hector

    Schmucler, Enrique L. Revol, Jose Carlos Chiaramonte, Oscar del Barco, Gregorio

    Bermann, Mauricio Hesse; bem como a polmica do historicismo marxista debatida

    por Cesare Luporini, Lucio Colletti, Nicola Badaloni, Enzo Paci, Della Volpe, Alessandro

    Natta; na sesso Documentos publicou O mtodo da economia poltica de Marx. No

    artigo de estria, Aric incorpora e possivelmente dirige ao PCA uma advertncia do

    partigiano Giancarlo Pajetta:

    Nada teremos aprendido de nossa experincia e de nossa doutrina si cremos quepossumos uma verdade bela e terminada e exigimos aos demais homens que aaprendam, como um fcil catecismo. Ento nosso partido no estaria vivo, no veria osjovens afluir com entusiasmo e herosmo, seria um museu ou uma galeria de solenespinturas a leo ou simplesmente um partido conservador em vez de revolucionrio.(ARIC, 1963, s/p.)

    4Interessante notar o relato de Aric sobre a organizao da revista e a expulso do PCA, que explica essemomento de sua tragetria: Em 1963, da confluncia de gente de Buenos Aires e de Crdoba surgePasado y Presente. [...] No havia um diretor mas sim um Comit de Redao. Ns nos propusemos umreexame de uma srie de questes. [...] Pretendamos fazer isso desde o interior do PC. Nosso primeironmero estava todavia instalado no campo do PC mesmo quando o redigiram comunistas e nocomunistas. Nos propomos provocar uma mudana ou, pelo menos, uma abertura desde o interior doPartido que permitisse um debate sem limites de todos esses problemas. [...] esse primeiro nmero adireo do PC em Crdoba nos rene todos os redatores para brindar e nos felicita pelo nascimento darevista. O questionamento proveio logo da direo nacional do Partido. [...] A isto segue um fulminante

    ditame da direo nacional ordenando a dissoluo do grupo, a suspenso imediata da publicao darevista. (CRESPO, 1999, p. 70)

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    1963 um ano marcante, pois a recm nascida Pasado y Presente estabeleceria

    um vnculo orgnico com o Ejrcito Guerrillero del Pueblo(EGP) este um captulo um

    tanto quanto esquecido da trajetria de Aric. A guerrilha foi dirigida pelo jornalista

    Jorge Ricardo Massetti (El Comandante Segundo) erespondia direo poltica de Che

    Guevara, que desejava retornar terra natal. O foco guerrilheiro estabelecido na

    provncia nortenha de Salta teve vida breve, em 1964 Masetti foi morto e o EGP acabou

    derrotado. Isso levaria a uma viragem terica da revista gramsciana: a ttica da guerra

    revolucionria abandonada ao passo que retoma o conselhismo, enfatizando a

    autonomia operria. Era a clara adoo de uma linha obreirista clssica. No entanto, a

    mudana de norte terico foi realizada sem a necessria autocrtica isso, a ausncia da

    autocrtica entre os intelectuais de Pasado y Presente, diz Nstor Kohan, foi uma

    caracterstica constante (KOHAN, 2005, s/p.). Neste sentido, a observao de Pajetta

    citada, apenas o esboo de uma autocrtica, j que breve demais e insuficiente. J para

    Horcio Crespo, Aric foi obrigadamente assistemtico (POLA,2005, p. 13), por causa

    do contexto dos anos 60 e 70, perodo repleto de urgncias e, acrescentamos, marcado

    pela expectativa de uma revoluo que ilusoriamente despontava no horizonte.

    Aric teve ainda estreitos vnculos com outra publicao gramsciana clebre dos

    anos 60: a revista La Rosa Blindada. Dirigida por Jos Luis Mangieri, editou livros e

    textos de Gramsci. Alm dessas revistas, havia ainda o Centro de Investigaciones en

    Ciencias Sociales(CICSO), que fazia uma leitura diferenciada de Gramsci, partindo de um

    vis sociolgico distinto. (KOHAN, 2005, s/p.)

    Pasado y Presente fechada, o ltimo de nove nmeros sai no ms de setembro de

    1965. Aric funda selos editoriais: Editorial Universitaria de Crdoba (EUDECOR) e

    GARFIO, sugestivo nome desse editorial dedicado edies piratas e ilegais. Pouco

    tempo depois, surgem os Cuadernos de Pasado y Presente, que se pautou pela publicao

    de ttulos marxistas heterodoxos e radicais que se tornariam leitura essencial para

    geraes de militantes da Amrica hispanfona e da Espanha onde se difundiam

    ilegalmente. Em relao aos Cuadernos de Pasado y Presente diz seu idealizador:

    Nos propomos encarar a tarefa de exumar textos e recompor tradies e faz-lo atravsde uma frmula editorial que pudesse ser compreendida por um pblico de esquerdaaferrado em mdulos tericos, polticos e organizativos que considervamos anacrnicos.Queramos mostrar que o marxismo e que e o movimento social que encontrou nele suafonte de inspirao era infinitamente mais diversificado que a viso tradicional

    sustentada pela esquerda, que no havia uma linha reta de continuidade entre Marx e o

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    movimento socialista atual, que o marxismo era um povo de modelos, escolas, tendncias,muito diferenciadas. (CRESPO, 1999, 32)

    Com uma linha plural e heterodoxa, Aric fundaria ainda o editorial Signose, logoem seguida, a Siglo XXI Argentina, responsvel por uma prestigiada edio de O Capital e

    pela publicao da Biblioteca del Pensamiento Socialista, na qual saiu os Grundrisse de

    Marx. Aric assinalava-se assim como um dos mais importantes editores da esquerda

    latino-americana.

    Aric e Portantiero voltariam a se vincular, nos anos 70, com a luta armada.

    Estreitam vnculos com as Fuerzas Armadas Revolucionarias (FAR) e os Montoneros

    neste caso, uma ligao acrtica com o peronismo de esquerda (POLA, 2005, 13). Ao

    mesmo tempo, em 1973, Pasado y Presente regressa de forma fugaz com a linha terica

    do obreirismo de conselhos operrios (inspirada no jovem Gramsci) e na centralidade

    social da fbrica (KOHAN, 2005). Com o golpe de 1976, que instaurou na Argentina uma

    das ditaduras mais sangrentas da histria da Amrica latina, o grupo de Aric se exila no

    Mxico e se incorpora na Siglo XXI Mxico e na Universidad Nacional Autnoma de

    Mxico(UNAM).

    No exlio, Aric escreveu obras fundamentais: uma extensa introduo

    Maritegui y los orgenes del marxismo latinoamericano (1978), na qual traa um

    paralelo do peruano com Gramsci, e Marx y Amrica Latina (1980)5. Em relao a esta,

    problematiza a interpretao de Marx sobre Simn Bolvar e a Amrica Latina, a qual

    teria emitido concluses absurdase injustas, o que seria a demonstrao da relao

    laica estabelecida por Aric com o marxismo(POLA, 2005, p. 15 e 18). Ademais, em

    1977, Aric reafirma a adeso Che Guevara em um texto esquecido pelo Club de

    Cultura Socialista6.

    5A obra foi traduzida no Brasil: ARIC, Jos. Marx e a Amrica Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.Traduo de Maria Celeste Marcondes.6 O que explica essa adeso o seguinte fragmento: Queremos reivindicar la figura de un dirigenterevolucionario, poseedor de una experiencia no por breve menos rica, de un conocimiento de la teora no por

    heterodoxa menos profunda, de una tica no por utpica menos realizable. Queremos mostrar que en su

    etapa de revolucionario constructivo de la nueva sociedad, Guevara supo partir de una concepcin clara de

    lo que se deba y poda lograr y de un conocimiento adecuado de los medios a los que era preciso apelar para

    conquistarlo. Es posible que sea an prematuro pensar en la reconstruccin cientfica y no apologtica del

    pensamiento de Guevara, y que resulte inevitable la etapa presente de exaltacin de su ejemplo, de su

    intransigencia revolucionaria, de sus esperanzas en un hombre nuevo. Es demasiado profundo elsacudimiento que provoc su presencia en la conciencia de los latinoamericanos y de todos los oprimidos del

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    no Mxico que o grupo de Aric vai passar por uma profunda inflexo

    influenciada pela esquerda moderada europeia, principalmente pelo eurocomunismo.

    Qualquer opo radical passa a ser rechaada e Cuba, a outrora admirada, passa a ser a

    ilha distante do projeto do grupo. Interessante notar o que diz Aric:

    O que que se produziu no Mxico? Em essncia, uma mudana do ponto de observao,do lugar desde o qual [eu] pensava. E isso tem relevncia porque nunca quando se pensase incorporam nesse pensar as coordenadas do lugar em que, e desde o qual, se pensa.Mas o que no habitualmente um fato de conscincia, se converte, podemos dizer, emum fato de existncia quando a mudana se produz. (POLA, 2005, p. 13-14)

    Desta maneira, a viragem ideolgica aparece para Aric muito mais como uma mudana

    subjetiva ocasionada pelo exlio, algo existencial, do que uma questo poltica, o que

    mais fundamental para seus crticos. O giro moderao foi alvo da crtica de

    intelectuais como Pablo Gonzlez, Atilio Born, James Petras, Agustn Cueva, entre

    outros. Paradoxalmente, o Mxico foi o locus da concretizao de obras de uma alta

    reflexo terica original no plano analtico , mas tambm da aproximao social-

    democracia e, o que hoje soa absurdo, do apoio Guerra das Malvinas (o derradeiro

    flego da ditadura argentina). O grupo de Aric passa a ter na democracia e na

    governabilidade seu eixo poltico fundamental sob o qual ficar submetido o socialismo

    e soterrada a luta de classes:

    A pretenso de manter unidos democracia e socialismo supe na prtica poltica a lutapara construir uma ordem social e poltica na qual o conflito permanente da sociedadeencontre formas de resoluo que favoream sua democratizao sem gerar suaingovernabilidade. [...] uma esquerda moderna que rechace o uso acrtico da ideia e daproposta de participao como um talism de cura de todos os males no pode deixar deconsiderar o problema que segue sendo a democratizao desde abaixo uma forma eficazde atividade popular, ou pode seruma ameaa presente ou potencial para a estabilidade

    mundo como para que pueda abrirse paso con facilidad el juicio ponderado y justo de la validez de su accin

    y de su pensamiento. Pero debemos reconocer que sta sigue siendo una deuda que todos tenemos con l y

    con la revolucin latinoamericana. Porque no se trata simplemente de ajustar cuentas con un pasado, dearribar a un juicio histrico que nos permita explicar, sin mentirnos a nosotros mismos, el sentido de todo lo

    que ocurri. El Che muri defendiendo la causa de los explotados y de los oprimidos de este continente y del

    mundo entero, sacrific su vida en la realizacin de un proyecto de nueva sociedad que an debe ser

    conquistado. Comprender su pensamiento y accin es tambin analizar los problemas que hace aflorar la

    revolucin aqu y en el mundo, reconocer las dificultades que debe sortear el socialismo para ser real y no

    formal. En un momento de crisis y de perplejidades, el rescate del Che representa una toma de partido que

    divide tajantemente las aguas, que define claramente los campos. Adoptar el partido del Che significa

    reafirmarse en la conviccin de que el socialismo y el hombre nuevo siguen siendo objetivos realizables, por

    los que vale la pena la lucha y el sacrificio. Cuando se quiere identificar al socialismo con la barbarie y se

    descree de la capacidad de los hombres de liberarse de las lacras del capitalismo para alcanzar una sociedad

    sin clases, igualitaria y libre, el pensamiento del Che se revela como el antdoto de la decepcin, como esa

    sabia conjuncin de pesimismo de la conciencia y de optimismo de la voluntad que reivindicaba Gramscicomo lema de todo revolucionario cabal. (Citado por KOHAN, 2005, s/p. no espanhol original)

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    das instituies democrticas se no se inclui alguma forma de vontade coletiva. (ARIC,2005, p. 151-2 grifos no original).

    Assim, nessa concepo, a luta de classes substituda por um deforme conflitopermanente da sociedade e a ameaa governabilidade e s supostas instituies

    democrticas passa a vir de baixo, do povo pobre e oprimido, da classe trabalhadora

    explorada. uma assombrosa guinada direita.

    Com o fim da ditadura (1976-1983), o grupo funda o Club de Cultura Socialista,

    que, segundo um de seus membros, Emilio de pola, afirmou-se na reivindicao terica

    e prtica da democracia (POLA, 2005, p. 14). Isso ocorreu com o custo do grupo

    abandonar uma de suas caractersticas fundamentais: a reivindicao da revoluo, que

    alimentara sua ao e organizao desde pelo menos os anos 60. Apesar dessa dramtica

    inflexo, Aric seguiu reafirmando o socialismo: [...] movo-me dentro do horizonte do

    socialismo e pouco me interessa que muitos outros que lutam por aspiraes

    equivalentes consideram que a teoria e a prtica do socialismo j cumpriu seu papel.

    (CRESPO, 1999, p. 37) Mesmo tendo aderido social-democracia, interessante notar

    que Aric, em 1989, a menos de dois anos de seu falecimento, criticou os social-

    democratas leitores de Gramsci como um gramscismo de salo (CRESPO, 1999 , p.

    327).

    Questionamos em que medida o exlio no Mxico causou ao grupo de Pasado y

    Presente o que o seu lder j advertira em 1974: Se uma organizao poltica colocada

    pela fora dos fatos em uma relao de exterioridade com a classe, ao fim inevitavelmente

    resultaria sua degenerao em uma seita doutrinarista e politicamente ineficaz [...]

    (ARIC, 1974, p. 115). Cremos que essa pode ser uma das chaves interpretativas da

    dramtica viragem ideolgica de um dos grupos fundamentais da esquerda latino-

    americana. Uma possvel inorganicidade teria levado ao transformismo7.

    Aric foi um brilhante intelectual orgnico de esquerda fora da academia, sem

    ttulos e sem torre de marfim. Sua principal contribuio foi na edio de obras

    7Gramsci define o transformismocomo a ao hegemnica intelectual, moral e polticapela qual a classedominante obtm [...] a absoro gradual mas contnua, e obtida com mtodos de variada eficcia, doselementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversrios e que pareciamirreconciliavelmente inimigos. Neste sentido, a direo poltica se tornou um aspecto da funo dedomnio, uma vez que a absoro das elites dos grupos inimigos leva decapitao destes e a sua

    aniquilao por um perodo frequentemente muito longo. (GRAMSCI, 2007, p. 2011 traduo da ediobrasileira)

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    fundamentais que contriburam para a formao da esquerda latino-americana e at

    mesmo da Espanha. Sua heterodoxia contribuiu para esclarecer geraes de militantes,

    livrando-as de catecismos, principalmente o estalinista. Corroboramos Kohan: Os

    brilhantes gramscianos argentinos dos anos 60 deixaram o exemplo de estudar e

    publicar no para enriquecer, mas para mudar o mundo. Essa trajetria inspira o

    intelectual orgnico que ganha a vida na academia; uma alternativa ao ambiente

    universitrio tomado pela vaidade e pela arrogncia que costumeiramente caracterizam

    parte da intelligentsiaacadmica.

    Apesar do dramtico giro direita de Aric e dos intelectuais que o

    acompanharam, vale a pena conhecer e refletir sobre a trajetria desse homem que foi

    um dos maiores intelectuais orgnicos da classe trabalhadora latino-americana.

    O Gramsci de Jos Aric

    Jos Aric um dos protagonistas da divulgao da obra de Gramsci na Amrica

    Latina, assim como Carlos Nelson Coutinho no Brasil. Iniciada nos anos 50 na

    Argentina, a difuso do gramscismo irrompeu a cultura poltica da esquerda do

    subcontinente. verdade que a direita tentou apropriar-se de Gramsci8, no entanto os

    Cadernos foram eligidos no sentido da revoluo. bastante interessante o lugar que

    ocupa Gramsci para Aric:

    Enquanto o leninismo foi a resposta terica e prtica crise do marxismo da SegundaInternacional, em um momento de ofensiva revolucionria das massas, Gramsci teve queresignar-se a ser o terico da derrota revolucionria, do momento da defensiva em umasociedade cada vez mais complexa e encouraada contra os intentos revolucionrios. No

    8Explicamos essa tentativa de apropriao pela direita no Brasil, a partir de algumas leituras esprias deGramsci. Caso sabido o de Oliveiros S. Ferreira, intelectual orgnico da ditadura (1964-1985), procurouapropriar-se do referencial de Gramsci fazendo uma leitura direita dos Cadernos do crcere. Oliveiros faz

    uma confuso da hegemonia com o conceito harendtiano de totalitarismo (FERREIRA, 1986). SegundoCarlos Nelson Coutinho, ele procede uma bizarra identificao da ao hegemnica com a teoria daguerra de Clausewitz (COUTINHO, 2007, p. 302-303). Francisco Weffort, nos anos 1970, fez algumastentativas de discutir Gramsci na USP, no entanto, segundo Marco Aurlio Nogueira, No se trazia oGramsci marxista, ou marxista-leninista, ou o Gramsci fiel ao pensamento de Marx. Era o Gramsci a meiocaminho entre o marxismo e o liberalismo (COUTINHO, 2007, p. 290). Um caso que ficou famoso foi o deFernando Henrique Cardoso. O ento Presidente da Repblica, poca j o principal corifeu doneoliberalismo do Brasil e da Amrica Latina? em entrevista concedida reacionria revista Veja (10de setembro de 1997), na qual se afirmou gramsciano, FHC disse que Gramsci defenderia um Estadoliberal (COUTINHO, 2007, p. 298). Esses so casos no apenas do uso instrumental de Gramsci no Brasil,mas, alm disso, trata-se de tentativas de apropriao para deturpar aquilo que era fulcral para ocomunista sardo e que guiou seu pensamento e sua ao: a constituio de uma sociedade revolucionria

    de forma superior e total de civilizao moderna, na qual inexistiro classes sociais e a consequentediviso entre governantes e governados, construda a partir da destruio do capital.

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    casual para ele que, se beneficiando das contribuies de Lenin para elaborar suaanlise do papel da superestrutura, Gramsci retorne a Marx e teoria marxista clssica,por sua vez produto da reflexo de outra derrota: a da revoluo europeia de 1848.(ARIC, 1974, p. 115)

    Gramsci aparece para Aric com o estatuto de um clssico do marxismo e no

    como um mero desviante da ortodoxia como fora visto pelo estalinismo. Sua

    interpretao original herdeira da mais rica tradio revolucionria.

    Para o nosso autor, Gramsci tinha uma concepo de partido totalmente

    diferenciada da Terceira Internacional. Nesse sentido faz uma definio da concepo

    gramsciana bastante influenciada pela teoria dos conselhos do jovem Gramsci: as

    massas devem se organizar de maneira autnoma e o partido mantm com elas uma

    relao dialtica; o novo homem constri de baixo para cima a organizao proletria

    por meio do controle crescente do processo produtivo; a revoluo o legtimo produto

    de um processo social protagonizado pelas massas e no de uma pequena vanguarda

    que conduz a ao inorgnica das massas at o assalto do poder (ARIC, 1974, p. 117);

    por fim o poder exercido pelos rgos construdos pelas massas, fundamentalmente

    pelos conselhos, e no pelo partido. O partido passava a ter para Aric a mera funo de

    apndice, a revoluo seria um fato infraestrutural.

    A difuso da obra de Gramsci na Amrica Latina la geografia del gramscismo

    em Amrica Latina (ARIC, 2005, p. 33) para Aric um fato primordial e

    incomparvel. Isso porque o conhecimento de sua obra, a traduo e a disseminao que

    adquiriu no subcontinente s encontra comparao na rea idiomtica de origem, ou

    seja, na Itlia. Essa geografia latino-americana do gramscismo encontra seu primeiro

    centro difusor em Buenos Aires entre os anos 1958 e 1962, onde e quando se

    publicaram parcialmente os Quaderni del carcere pela primeira vez em espanhol. A

    verso portuguesa apareceu no Brasil entre 1966 e 1968. Antes desse perodo j haviam

    aparecido em terras brasileiras algumas obras respeito de Gramsci9. Alm da

    Argentina e do Brasil, Gramsci teve ainda outro grande centro difusor: o Mxico. Nestes

    9 Por exemplo: ROSINI, Gofredo. Enquanto se prepara o Raid de Balbo Como se assassina AntnioGramsci, O Homem Livre, n 4, So Paulo, 17 de junho de 1933.ROLLAND, Romain. Os que morrem nas prises de Mussolini: Antonio Gramsci. So Paulo: Udar, 1935.

    GORENDER, Jacob. A nova democracia italiana (O Partido Comunista de Gramsci e Togliatti), TribunaPopular, 13 de outubro de 1945.

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    trs pases as edies foram numerosas, repetidas e de grande circulao (ARIC,

    2005, p. 35).

    Por conta dessa disseminao ampla e sistemtica, O pensador comunista

    italiano se introduziu na cultura latino-americana (ARIC, 2005, p. 35). Nesse sentido,

    suas categorias analticas integram o discurso terico de historiadores, de cientistas

    sociais e de intelectuais; compem a linguagem habitual de organizaes polticas da

    esquerda. difcil pensar a realidade latino-americana sem recorrer aos conceitos de

    Gramsci, como hegemonia, bloco histrico, intelectuais orgnicos, crise orgnica,

    revoluo passiva, guerra de posies ou de movimento, sociedade civil e

    poltica, Estado ampliado, transformismo. Aric faz a ressalva de que, no entanto,

    isso nem sempre significou uma apropriao profunda e crtica, ou que se tenha aceitado

    as hipteses fundamentais do pensamento de Gramsci. Mais: acrescentamos que os usos

    de Gramsci so em grande medida meramente instrumentais, o que no deve ser

    exclusividade do Brasil10. Mas, de qualquer forma, Aric avalia que a difuso

    generalizada do vocabulrio de Gramsci indica um fenmeno de apropriao cultural

    (ARIC, 2005, p. 36). Houve tambm a banalizao do uso de algumas categorias, o caso

    emblemtico o da hegemonia, que se tornou irreconhecvel nas suas significaes

    especficas. Gramsci seria uma figura mais evocada que conhecida (ARIC, 2005 , p.

    37).

    A difuso de Gramsci na Amrica Latina, ainda que realizada de maneira tortuosa

    e problemtica, serviu de fermento para uma renovao poltica e moral (ARIC,

    10 Cremos que no Brasil a instrumentalizao inorgnica de Gramsci deve ser um processo deverasamplificado, principalmente por causa de dois fatores. (i) No mbito da universidade, aps um perodo deimportante difuso de suas obras nos anos 60 e 70 e o seu boomuniversitrio em meados da dcada de

    1970, torna-se hegemnica uma intelectualidade culturalista, liberal, ancorada na lgica cultural docapitalismo tardio(ps-modernismo) (JAMESON, 2002), incapaz e desinteressada de ler Gramsci a partirde relaes orgnicas com a classe trabalhadora ao passo que, paradoxalmente, a carreira universitriasofreu um processo de proletarizao. (ii) Ao mesmo tempo, parte considervel da esquerda seincorporaria o Partido dos Trabalhadores (PT), e a leitura que a se fez foi deturpada por um pragmatismointensificado. Gramsci acabou apropriado para servir a usos e abusos (SECCO, 2002, p. 75). O que teracontecido com a leitura de Gramsci no PT com a transformao desse partido em um dos baluartes docapitalismo no Brasil? (MUSSE, 2006, p. 13) Antes do surgimento do PT, o PCB fizera uma leitura na qualapostou na guerra de posies para lutar contra a ditadura; no entanto isso ocorreu sem qualquer crticaou rompimento com o marxismo oficial dos manuais soviticos. Inclusive, quem levou a influnciagramsciana ao PT foi o grupo de Carlos Nelson Coutinho, aps a sada do PCB no incio dos anos 1980(SECCO, 2002, p. 60-61). Mais recentemente, na universidade surgiram ncleos, pequenos mas

    importantes, que fazem uma leitura orgnica de Gramsci e interpretam a histria em uma perspectivacontra-corrente.

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    2005, p. 37), o que certamente ainda no se realizou de forma plena. Cremos que a

    plenitude de um tal acontecimento teria uma relao dialtica e concomitante com uma

    revoluo latino-americana ou pelo menos em alguns dos pases do subcontinente. Em

    poca de contra-revoluo neoliberal, uma profunda reforma poltica e moral uma

    possibilidade ainda no concreta; quando o fermento ainda no fez crescer

    consideravelmente a massa crtica.

    Interessante notar as tentativas de apropriao de Gramsci. Aric diz que o

    rechao de Gramsci qualquer tipo de interpretao determinista do marxismo e ao

    valor que dava ao sujeito e iniciativa revolucionria, tornou possvel a aproximao de

    Gramsci com o castrismo. A concepo da transformao social como um processo que

    ocorrer de baixo para cima, diz Aric, permitiu a converso de Gramsci em um maosta

    avant la lettre. A mais inusitada e absurda foi a tentativa de fazer do pensador

    comunista italiano um parente ilustre do populismo latino-americano por conta das

    relaes entre os intelectuais e as massas. (ARIC, 2005, p. 38)

    No Brasil, h uma disputa pela tradio de Gramsci, como se pudesse pertencer

    esta ou quela tendncia ou organizao. Segundo Lincoln Secco, os eurocomunistas,

    particularmente Carlos Nelson Coutinho e Marco Aurlio Nogueira, reivindicaram a

    insero ao PCB em uma operao Gramsci, na qual o partido teria adotado a linha de

    guerra de posio contra a ditadura. No entanto a adeso era eminentemente

    terminolgica, j que a linha mestra continuava sendo a Internacional Comunista

    (SECCO, 2002, p. 60-69).

    Recentemente, Alvaro Bianchi (2008) tentou aproximar Gramsci de Trotski. O

    autor estabelece um interessante dilogo entre os autores sobre a questo da revoluo

    permanente, o que bastante importante no sentido de levar s correntes trotskistas um

    referencial que talvez possa matizar a sua fragmentao extrema (DEUTSCHER, 2001 ,

    p. 394). Por outro lado, Bianchi exagera quando d a entender que a hegemoniaj estava

    em Trotski desde quando publicou o texto Balano e perspectivas, em 190611.

    11 Escreveu Trotski: a participao do proletariado em um governo s pode resultar objetivamenteprovvel e admissvel em princpio quando se trate de uma participao dirigente e dominante.Naturalmente, tal governo pode se chamar de ditadura do proletariado e dos camponeses, doscamponeses e da intelligentsia ou, finalmente, governo de coalizo entre a classe operria e a pequena

    burguesia. Mas a pergunta continua a mesma: Quem predomina no governo e, portanto, sobre a naointeira? E se nos referimos a um governo propriamente operrio, ento a resposta : a hegemonia ser da

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    Gramsci retoma questes fundamentais da Revoluo Russa, mas faz uma

    necessria mediao para a revoluo no Ocidente, onde uma revoluo vitoriosa seria

    mais difcil de se concretizar que no Oriente12. certo que na sua obra h o resgate de

    Lenin, Trotski e Rosa Luxemburgo (MACCIOCCHI, 1976, p. 75-99). Mas Gramsci

    proceder uma assimilao/superao dialtica que marcante em relao Lenin,

    sobre quem fez diversas referncias desde 191713. A questo da revoluo no Ocidente,

    fundamental para Gramsci, esteve no cerne das preocupaes de Lenin, quando se torna

    evidente a derrota, principalmente dos revolucionrios alemes. A partir da, no mbito

    da Internacional Comunista, haver a tentativa de traar uma estratgia para a

    revoluo no Oriente, visando romper o cerco da revoluo ocidental (cf. MAZZEO,

    2008). Essa problemtica primordial e guiar o pensamento de Gramsci na formulao

    estratgica nos Cadernos do crcere. No entanto, isso dizia respeito revoluo como um

    todo em relao ao n grdio das estratgias e tticas diferenciadas a serem adotadas

    classe operria. (BIANCHI, 2008, p. 239 citando: Trotski, Leon. 1905. Resultados y perspectivas. Paris:Ruedo Ibrico, 1971, v. 2, p. 178.)

    Outro intelectual identificado com o trotskismo, Michel Lwy (1962), foi o primeiro brasileiro apublicar um estudo poltico da obra de Gramsci, em artigo publicado na Revista Brasiliense, dirigida por

    intelectuais do PCB. No entanto, em recente antologia do marxismo na Amrica Latina (LWY, 2006), doscinquenta e quatro autores compendiados, apenas um gramsciano (Carlos Nelson Coutinho) e h aausncia da importante vertente argentina. Lwy talvez tenha adotado uma posio diametralmenteoposta de Bianchi que, assim como Edmundo Dias, se aproximou do gramscismo.

    Procedimento parecido com o de Bianchi adotara anteriormente Luciano Gruppi, fazendo deGramsci um mero leninista, j que Lenin estabelecera (antes de Trotski) o momento da direo na obraQue fazer?,escrita em 1902 (GRUPPI, 1991, p. 33). Gruppi seguira Palmiro Togliatti, que definiu Gramscicomo um leninista em linha direta da tradio marxista-leninista (SPRIANO, 1987, p. 263). Essa parece sera tradicional leitura pstuma da esquerda italiana.12 Segundo Carlos Nelson Coutinho, as formaes sociais do Oriente, inclusive a Rssia czarista, eramcaracterizadas pela debilidade da sociedade civil e pelo domnio quase absoluto do Estado-coero;contrrio do Ocidente, caracterizado por uma relao mais equilibrada entre o Estado e a sociedade civil.Isso levou Gramsci a desenvolver a problemtica da estratgia da revoluo socialista: no Oriente, a

    revoluo se d pelo ataque frontal voltada para a conquista do Estado (guerra de movimento). NoOcidente, de outra maneira, as batalhas se do mais no mbito da sociedade civil visando a direo(hegemonia) dos setores majoritrios da sociedade, por meio da conquista de posies e espaos (guerrade posio).(COUTINHO, 2007, p. 147) Essa caracterstica confere s classes dominantes ocidentais umasobra de poder e uma consequente maior resistncia contra-revolucionria.

    Em 1926, Gramsci afirmou que: Nos pases capitalistas avanados, a classe dominante possuirecursos polticos e organizacionais que ela no possua, por exemplo, na Rssia. Isso significa que mesmocrises econmicas bastante graves no tm repercusso imediata na esfera poltica. A poltica est sempreatrasada, e seriamente atrasada, em relao economia. O aparelho de Estado muito mais resistente doque se poderia crere ele consegue, nos perodos de crise, organizar muito mais foras fiis ao regime doque a crise permitiria supor. (MACCIOCCHI, 1976, p. 82 citando: Relatrio de Gramsci ao CC do PCI, 2 deagosto de 1926,Arquivos do PCI 1926, 393-43-48 grifos no original).13

    Em 28 de julho de 1917, Gramsci publicar Os Maximalistas Russosno jornal Il Grido del Popolo, no qualaparece a figura de Lenin.

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    nas diversas regies do globo. Seria evidente exagero da extrair uma mera filiao. A

    superao dialtica realizada em relao ao pensamento leniniano tal que Gramsci

    termina por fundar uma cincia poltica eminentemente marxista.

    As referncias de Bianchi podem at contribuir no sentido de aproximar os

    trotskistas de um importante referencial como dito anteriormente, mas no parecem

    mudar o peso e o carter da contribuio do comunista sardo, alm de trazer a viso

    distorcida da suposta filiao de Gramsci Trotski. Pretensioso. Gramsci traz conceitos

    novos (ALTHUSSER, 1979, p. 100), caracterizados pelo ineditismo.

    A coincidncia de termos apontada pelo autor so expresso dos problemas que

    as revolues necessariamente colocam diante dos revolucionrios. Parece exagerada a

    ntima ligao estabelecida entre os pensamentos trotskista e gramsciano. Neste sentido,

    a superao dialtica, que implica continuidade e ruptura, conferiu autonomia ao

    pensamento de Gramsci que, para Jos Aric, inteiramente original. Nesse sentido, o

    conceito de hegemonia o transforma em um ponto de ruptura de toda elaborao

    marxista que o precedeu, o fato que postulado como uma superao da noo

    leninista de aliana de classe [...]. A irredutibilidade de Gramsci matriz leninista no

    pode deduzir uma filiao genrica que mutilaria os elementos de novidade de seu

    pensamento (ARIC, 2005, p. 112-113).

    Para Aric, Gramsci foi o primeiro marxista que parecia falar para os intelectuais.

    Neste sentido, o partido aparece como intelectual coletivo em cujo interior esto os

    intelectuais orgnicos; Gramsci deu um sentido aos intelectuais revolucionrios, vistos

    pelo obreirismo de planto como pequenos burgueses ou burgueses decadentes. Nas

    palavras de Aric: Gramsci nos permitia vislumbrar um lugar na luta poltica desde o

    qual podamos ser algo mais do que instveis e suspeitos companheiros no caminho do

    proletariado (ARIC, 2005, p. 39). Tudo isso podia parecer uma iluso, mas questiona

    o autor O que foi a experincia da violncia armada na Amrica Latina seno uma

    tentativa de assumir plenamente a poltica por parte dos intelectuais radicais de

    esquerda? A atrao dos intelectuais por Gramsci, conta, ocorreu tambm porque ele

    fazia uma fina conjugao da tica com a poltica da qual sua histria de vida se

    desprendia ele era o sol del mundo moral, como dizem de Mart os cubanos (ARIC,

    2005, p. 39-40). Para Aric, as Cartas do crcere, premiadas em 1947 como obra prima,

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    mostravam um homem de convices profundas disposto a sustent-las mesmo com o

    sacrifcio de sua pessoa e o seu sofrimento [...](ARIC, 2005, p. 40).

    Para Aric, o mesmo radicalismo que levaria os intelectuais luta armada nos

    anos 60, influenciados pela experincia cubana, carregaria aqueles movimentos

    armados de esperana e de cegueira. Isso os conduziria derrota. O reconhecimento

    desta os levaria a buscar outras formas de ao capazes de conjugar tica e poltica,

    realismo e firmeza moral, modificaes no presente e antecipaes futuras, isso

    conduziu muitos a descobrir em Gramsci mais do que o homem de cultura e o cidado

    virtuoso. E quem mais do que Gramsci se dedicou a pensar as causas da derrota?

    [...] porque deixamos de estar soberbamente seguros do que defendamos

    reencontramos Gramsci. Foram esses anos impiedosos, de morte e de exlio, osanos em que com heroico furor os intelectuais latino-americanos frequentaramseus escritos, difundiram suas interrogaes desde a universidade e de centrosde ensino, se apropriaram de suas reflexes para avali-las criticamente comuma realidade que se aceitava, finalmente!, mutante e diferenciada. (ARIC,2005, p. 41)

    Aric diz que a partir dos anos 70, partem da academia meditaes gramscianas e

    uma velha querela latino-americana reaparece: os efeitos da dependncia em relao

    produo das ideias. Essa pendncia, diz, no se referia tanto em relao ao pensamento

    de Gramsci, mas s ideias em geral. Mas, nesse sentido, como poderia ser feita uma

    leitura latino-americana do pensamento do autor dos Quaderni? Quais decomposies e

    recomposies devemos provocar no corpus analtico gramsciano para que esteja em

    condies de iluminar nossa realidade ou partes desta [...]?(ARIC, 2005, p. 42) Aric vai

    alm: quando falamos de Amrica Latina evocamos um problema aberto, uma

    construo inacabada, ou como disse Maritegui para sua nao: um projeto realizar. O

    sub-continente abriga diversidades profundas e experincias distintas. E, nesse sentido,

    como um projeto da classe trabalhadora pode, dialeticamente, ser tambm o projeto de

    uma nao de naes a Amrica Latina? Qual seria a contribuio dos gramscianos dos

    diferentes pases da regio?

    Para Aric, constituir uma geografia latino-americana do gramscismo dar de

    encontro com uma diversidade e pluralidade de caminhos. Portanto, essa geografia s

    pode ser constituda, diz, sem ignorar seus recortes nacionais. A operao complexa.

    Talvez uma das chaves esteja na oportuna aproximao de Gramsci com Jos Carlos

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    Maritegui, o precursor de um pensamento latino-americano. As obras dos autores,

    sublinha, seguem deslumbrando pelo carter inacabado, aberto e problematizador

    (ARIC, 2005, p. 45-6).

    bem verdade que entre a biografia de Gramsci e de Maritegui possvel

    encontrar uma srie de paralelos, impressionantes at, que vai da fragilidade corprea

    grande capacidade intelectual, tendo por primordial a adeso ao marxismo. Ambos

    desaparecem quando haviam atingido o ponto mais alto de sua produo intelectual. No

    incio dos anos 20, Maritegui esteve na Itlia, onde teve ntimo contato com a obra

    pr-carcerria de Gramsci (BELLOTTO e CORRA, 1982, p. 15). Mas isso no implicou

    em qualquer tipo de filiao. Segundo Aric:

    [...] ambos evidenciam ser produtores de certo tipo de marxismo no redutvel aoleninismo cuja vocao se fixar em realidades nacionais que se admitem comoespecficas, e se expressam em uma prtica terica e poltica diferenciada. [...] Um evocairresistivelmente o outro, de um modo tal que se no Per o reavivamento do debate emtorno de Maritegui fez irromper a figura de Gramsci, no resto da Amrica Latina, emtroca, possvel que tenha sido a difuso do pensamento do autor dos Cadernos docrcere que contribuiu decisivamente a redescobrir Gramsci. (ARIC, 2005, p. 160-1).

    Para Aric, os dois marxistas apresentam paralelismos e coincidncias

    deslumbrantes que merecem um estudo aprofundado. No Brasil, j foi apontada a

    aproximao de Caio Prado Jnior com Gramsci por Carlos Nelson Coutinho14, e com

    Maritegui por Andr Kaisel Velasco Cruz15.

    14Afirma Coutinho: As analogias entre o Risorgimento italiano e os eventos que constituem o processo deIndependncia e da consolidao do Estado imperial no Brasil so significativas. Assim, no casual queCaio Prado Jr., escrevendo sobre esses eventos em 1933 no mesmo perodo, portanto, em que Gramscielaborava seu conceito de revoluo passiva , tivesse chegado a resultados muito semelhantes dopensador italiano. Antes de mais nada, tanto para ele como para Gramsci, os processos em questo embora conduzidos pelo alto - levaram a mudanas efetivas [...] Essa explicao da Independncia como

    transformao pelo alto que implica mudana, mas tambm conservao no esgota os pontos deaproximao entre a anlise de Caio Prado e a de Gramsci. (COUTINHO, 1989, p. 123-4)15Afirma Velasco Cruz: Em primeiro lugar a questo nacional entendida como formao inconclusa danao ocupa um lugar central na obra dos dois autores [Caio Prado e Maritegui], tanto como problema-chave para o entendimento de suas realidade locais, quanto na proposio de um programa polticorevolucionrio. Em segundo lugar, tanto um quanto o outro teriam utilizado o marxismo enquanto mtodopara atingir uma interpretao crtica de realidades sociais muito distantes daquelas para as quais omarxismo fora inicialmente pensado, ou seja, procuraram adequar o materialismo histrico aoentendimento das particularidades do Brasil e do Peru, ao invs de aplicar mecanicamente suas categorias realidade social.

    Ambos veem, como principal obstculo formao da nao, a persistncia de estruturaseconmicas, sociais e polticas legadas pelo passado colonial que, longe de apresentarem meros

    resqucios, seriam parte viva do presente. Da a relao colnia/nao ocupar um lugar central na formacom que ambos leem suas realidades nacionais. Por fim, Caio Prado e Maritegui ocuparam uma posio

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    A difuso e a ascendncia do pensamento de Gramsci na Amrica Latina ocorreu

    ao mesmo tempo que na Itlia ocorria um inegvel refluxo. De meados dos anos 70 em

    diante, quando a vaga expansiva do Outubro Cubano j havia se esgotado e um golpe

    aps o outro arrasou o continente como em um jogo de domins, o conhecimento de sua

    obra cresceu de maneira constante e significativa entre intelectuais dos pases cujo

    idioma o espanhol e o portugus, formando um patrimnio comum (ARIC, 2005, p.

    110) da esquerda reformista e revolucionria do continente. Uma srie de conceitos da

    elaborao gramsciana, dos mais especficos aos mais complexos, como os de bloco

    histrico, de revoluo passiva, guerra de posio e de movimento, reforma intelectual e

    moral, entre outros se generalizaram de tal forma que se transformaram em um senso

    comum do discurso intelectual e poltico da esquerda e no somente dela. Segundo

    Aric, nos trs grandes centros latino-americanos difusores (Argentina, Brasil e Mxico),

    ocorreu uma difundida utilizao dos instrumentos conceituais de Gramsci (ARIC,

    2005, p. 110) para analisar novas e velhas dimenses da realidade de pases e para

    possibilitar a abertura sociedades mais justas.

    As anlises de Gramsci de uma sociedade tpica do capitalismo tardio, a Itlia,

    contriburam para interpretaes das sociedades latino-americanas, tpicas do

    capitalismo hper-tardio, como Argentina, Brasil, Colmbia, Chile, Mxico e Uruguai a

    partir de processos de revoluo passiva nas quais o Estado historicamente ocupa um

    papel preponderante. Aric diz que Gramsci j havia assinalado a situao particular, em

    relao aos pases europeus de capitalismo avanado, de uma srie de pases que

    chamou de estados perifricos: Itlia, Polnia, Espanha e Portugal (ARIC, 2005 , p.

    116-120). Gramsci escreveu no Caderno 4 (1930-1932) interessantes trechos sobre a

    Amrica Latina, fazendo uma leitura que busca a totalidade da Amrica Latina16.

    anloga, de heterodoxia, no interior do movimento comunista, ao qual os dois intelectuais pertenceram.(CRUZ, 2011, p. 149-151)16 Caderno 4 (1930-1932): Na Amrica meridional e central me parece que a questo dos intelectuaisdeve ser examinada tendo em conta estas condies fundamentais: tanto na Amrica meridional e centralno existe a categoria dos intelectuais tradicionais, mas a coisa no se apresenta nos mesmos termos quenos Estados Unidos. De fato encontramos na base do desenvolvimento desses pases a civilizaoespanhola e portuguesa dos sculos XVI ou XVII caracterizada pela Contrarreforma e pelo militarismo. Ascristalizaes mais resistentes at hoje nesta parte da Amrica so o clero e o exrcito, duas categoriasintelectuais que em parte continuam a tradio da ptria me europeia. Alem disso, a base industrial muito restrita e no desenvolveu superestrutura complicada: a maior quantidade de intelectuais do tipo

    rural uma vez que o latifndio dominante, o mesmo com a propriedade eclesistica, esses intelectuaisso vinculados ao clero e aos grandes proprietrios. O problema se complica para a massa notvel de

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    A interveno de Gramsci em diferentes realidades demonstra a aplicao de seu

    mtodo, no qual estabelece uma relao entre paradigma interpretativo e

    exemplificaes histricas:

    As passagens internas ao raciocnio seguido por Gramsci, a cautela expositiva queprivilegia hipteses interpretativas a respeito de esquemas generalizantes, induzem aindividualizar um procedimento circular: de um fenmeno definido [face] a umparadigma interpretativo mais geral, que por sua vez deve ser verificado concretamente luz de especficas exemplificaes histricas. Este mtodo de trabalho comporta umaprogressiva articulao da mesma hiptese inicial. (ARIC, 2005, p. 129).

    interessante notar que Gramsci aplica um mtodo circular no qual a hiptese

    terica inicial constantemente confrontada com a histria. Nos Cadernos do crcere,

    Gramsci retoma nos chamados cadernos C o que havia escrito nos cadernos A,reescrevendo e revendo suas anlises e formulao.

    Terminado o breve parntese sobre o mtodo empregado pelo nosso autor, que

    cremos ser de grande relevncia, Gramsci chegou alguns pases pelo intermdio

    paradoxal para Aric de outro autor: Louis Althusser. Na Frana, ele foi o primeiro

    divulgador. Segundo Aric, ele preparou um publico leitor de Gramsci no Mxico, na

    Argentina e no Chile. Mais: A consumao do althusserianismo deixou o espao livre

    para a difuso de Gramsci; no Mxico, Gramsci adquiriu fora na medida em todomundo ia se esquecendo de Althusser (ARIC, 2005, p. 132)17. Na sua obra de grande

    difuso originalmente intituladaPour Marx18 (ALTHUSSER, p. 1979), algumas notas de

    peles-vermelhas que em alguns pases so a maioria da populao. Pode-se dizer que em geral que na

    Amrica meridional e central existe agora uma situao da Kulturkampf e do processo Dreyfus, isto umasituao na qual o elemento laico e civil no superou a subordinao da poltica laica do clero e da castamilitar. Assim advm em contraponto influncia dos jesutas tinha muita importncia a maonaria e otipo de organizao cultural como da Igreja Positivista. Os acontecimentos destes ltimos tempo(novembro de 1930), da Kulturkampf mexicano de Calles ao movimento militar-popular na Argentina, noBrasil, no Peru, na Bolvia, demonstram precisamente a exatido dessas afirmaes. (GRAMSCI, 2007 , p.481-82) A questo seria retomada no Caderno 12, escrito em 1932 (GRAMSCI, 2007, p. 1528-29). Gramsciaborda ainda a Amrica do Sul em outras notas.

    17Apud. CRDOVA, Arnaldo. Gramsci y la isquierda mexicana, La ciudad futura, n 6, agosto de 1987,suplemento/4, Gramscien Amrica Latina, p. 14.18 No Brasil saiu uma primeira edio em 1967, intitulada Anlise Crtica da Teoria Marxista.

    Posteriormente, em 1979, foi publicada com seguinte o ttulo: A favor de Marx. Em espanhol a obraapareceu como Para leer El capital.

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    rodap19 faziam referncia direta Gramsci, que aparece na introduo ao lado de

    importantes marxistas, como Kautsky, Plekhanov, Labriola, Rosa Luxemburgo e Lenin.

    Para Aric, a obra de Gramsci permite apreender algumas caractersticas

    fundamentais dos pases latino-americanos: a ocidentalizao, iniciada com as

    independncias, geralmente conquistadas pelas armas, processo histrico completando

    j dois sculos, levou a uma organizao institucional, ideolgica e poltica de vrias

    burguesias, alm de do desenvolvimento capitalista20. Aric aponta tambm a revoluo

    passiva, indicando a ausncia de uma participao autnoma das massas populares nos

    processos latino-americanos como um todo, cujas excees foram poucas, apesar de

    expressivas21. Nesse sentido, Aric indica que:

    [...] a adoo de Gramsci pelo pensamento social latino-americano est vinculado ao fatode que as peculiaridades nacionais dos pases de nossa regio encontram em suasproposies tericas, em seus conceitos fundamentais e em seu mtodo de indagao, apossibilidade de ser universalizados em um critrio de interpretao mais geral queinclua a singularidade latino-americana em uma tipologia mais de acordo com a realidadedas formaes estatais. (ARIC, 2005, p. 139)

    guisa de concluso: cremos que a chave-interpretativa latino-americana

    possvel e necessria. Da mesma maneira que Gramsci dizia ser peremptria uma

    revoluo nacional na Itlia, cujo espalhamento pelo territrio italiano evitaria que asilhas se transformassem em bases insulares da contra-revoluo, uma revoluo latino-

    americana integraria os povos do continente para alm da lgica mercadolgica do

    capital. A integrao revolucionria da Amrica Latina faria com que alguns pases

    19 Em uma das notas, por exemplo, diz Althusser: As tentativas de Lukcs, limitadas histria daliteratura e da filosofia, me parecem contaminadas por um hegelianismo vergonhoso: como se Lukcsquisesse fazer-se absolver por Hegel por ter sido discpulo de Simmel e Dilthey. Gramsci de outraestatura. Os desenvolvimentos e as notas dos seus Cadernos do crcere tocam em todos os problemas

    fundamentais da histria italiana e europia: econmico, social, poltico, cultural. Encontra-se nele pontosde vista absolutamente originais e s vezes geniais sobre esse problema, hoje fundamental, dassuperestruturas. Neles encontra-se tambm, como deve ser quando se trata de verdadeiras descobertas,de conceitos novos, por exemplo, o conceito de hegemonia, notvel exemplo de um esboo de soluoterica aos problemas de interpretao do econmico e do poltico. [...] (ALTHUSSER, 1979 , p. 100 grifos originais).20No Brasil a situao histrico apresenta-se mais complexa, pois apesar dos conflitos, a Independnciano foi resultado de um levante nacional, como o foi no Mxico, por exemplo. Alm disso, os partidospolticos existentes durante o Imprio funcionavam mais como apndices do poder monrquico, do que asmodernas agremiaes partidrias. Sem falar da continuidade e do fortalecimento do regime escravistaaps a Independncia.21 A Revoluo Haitiana (1804), talvez alguns momentos das Revoluo Mexicana (1910), a Revoluo

    Cubana (1959), em alguns momentos a Revoluo Chilena (1970-1973), a Revoluo Nicaraguense(1979).

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    deixassem de ser ponta-de-lana do imperialismo, como a Colmbia, o pretenso Israel

    latino-americano, ou Honduras, que foi base de treinamento dos Contra. Impediria uma

    integrao da reao continental e reedies da Operao Condor. No entanto, a questo

    nacional no deve desaparecer na nossa nao de naes, os revolucionrios devem

    encontrar a justa medida da relao do nacional como o regional e com o internacional.

    Gramsci abordou rapidamente essa questo, apontando para uma oportuna chave

    dialtica22.

    Concordamos com Jos Aric que o pensamento de Gramsci um fermento, alis

    formidvel, para uma reforma intelectual e moral. No entanto, essa fermentao nula

    se distanciada das lutas da classe trabalhadora: a inorganicidade transforma intelectuais

    em doutrinadores dogmticos. Cremos que mesmo ainda no tendo feito a massa crescer

    ao ponto dela se tornar crtica, isto , de contribuir para a concretizao da revoluo

    latino-americana, a obra do comunista italiano vem impulsionando, particularmente na

    realidade brasileira, a renovao ao nvel do saber e da teoria na universidade (em pelo

    menos alguns ncleos universitrios) e a reformulao de organizaes da esquerda. As

    prximas revolues tero em Gramsci uma de suas fontes inspiradoras.

    22Na nota a seguir que relaciona a personalidade individual com a questo nacional e a personalidadenacionalGramsci afirma que: [...] A personalidade nacional (como a personalidade individual) umamera abstrao se considerada fora do nexo internacional (ou social). A personalidade nacional (comopersonalidade individual ) uma mera abstrao se considerada fora do nexo internacional (ou social). A

    personalidade exprime uma distino do complexo internacional, portanto est s relaesinternacionais. [...] (GRAMSCI, 2007, p. 1962).

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