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Ano II – nº 10 – março/abril de 2007 · Brasil, em preparação ao 1º de maio 27 de abril, das 12 às 14h – Ato contra o mode-lo econômico no Banco Central (Av. Pres. Vargas

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Editorial Este é um bom momento para discutirmos o controle público do Judiciário

Filiado à FENAJUFE e à CUT

SEDE: Avenida Presidente Vargas 50911º andar – Centro – Rio de Janeiro-RJCEP 20071-003

TEL./FAX: (21) 2215-2443PORTAL: http://sisejuferj.org.brENDEREÇO ELETRÔNICO: [email protected]

DIRETORIA: André Gustavo Souza Silveira daSilva, David Batista Cordeiro da Silva, Dulavim deOliveira Lima Júnior, Flávio Braga Prieto da Silva,João Ronaldo Mac-Cormick da Costa, Leonor daSilva Mendonça, Lucilene Lima Araújo de Jesus,Márcio de Souza Marques, Márcio Hungerbühler,Nilton Alves Pinheiro, Otton Cid da Conceição,Renato Gonçalves da Silva, Ricardo de AzevedoSoares, Roberto Ponciano Gomes de Souza Júniore Valter Nogueira Alves.

IDÉIAS EM REVISTAREDAÇÃO

Henri Figueiredo (Mtb 3953/RS)Max Leone (Mtb 18.091)

PROJETO GRÁFICO e DIAGRAMAÇÃOClaudio Camillo (Mtb 20.478)

ILUSTRAÇÃOLatuff

ASSESSORIA POLÍTICAMárcia Bauer

IMPRESSÃOPALAVRAS PINTADAS Editora e Gráfica Ltda.

(6.500 exemplares)

As matérias assinadas são de responsabilidade

exclusiva dos autores.

Colabore com Idéias em Revista. Envie seu texto para [email protected]

Central: quem são os heróis? 16 e 17

Entrevista: Aldir Blanc 18, 19 e 20

Teatro: Diálogos de um louqo 21

Internacional: americanos no Paraguai 22

Internacional: Leste Europeu 15 anos depois 23

Reforma Agrária: juízes dificultam 24 e 25

Nossa história: 43 anos do Golpe 26

Hurricane: desembargadores federais presos 27

Os oficiais de Justiça e a miserabilidade 28

Humor: Fulgêncio também tem mil gols 29

Fausto Wolff: a Cultura doente 30

Caros leitores,

Esta décima edição da Idéias emRevista foi concluída com o furacãoque levou à prisão 25 suspeitos delavagem de dinheiro do jogo ilegal,entre eles, pela primeira vez na his-tória, desembargadores federais. Épreciso lembrar que pela segundavez no Governo Lula a Polícia Fede-ral desmonta ramificações do crimeorganizado no Poder Judiciário – aprimeira foi a Operação Anaconda,em São Paulo. Tal rede criminosaalastrou-se com a cumplicidade deadvogados, delegados e policiais fe-derais, empresários e envolvimentoaté de membros do Ministério Públi-co. O Sisejufe-RJ apóia todas as in-vestigações em curso, como a quechega até um ministro do SuperiorTribunal de Justiça (STJ), e espera vertodos os implicados punidos com origor da lei, independentemente docargo que ocupem.

Este é o momento para ampli-armos a discussão sobre a demo-cratização e o controle público doJudiciário, não apenas no sentidode viabilizar o acesso à Justiça para

um número maior de cidadãos. Nãopode ser considerado democrático,por exemplo, um Judiciário que secoloca como inimigo da ReformaAgrária, devolvendo terras a lati-fundiários inadimplentes e crimina-lizando os movimentos sociais. Aintervenção recorrente do Judiciá-rio a favor de fazendeiros, por ve-zes à revelia de processos de assen-tamento já finalizados, tem sidoum dos principais obstáculos. Jásão 157 ações de desapropriaçãosuspensas pela Justiça, diz o pro-curador do Incra. Democratizar oJudiciário é rediscutir as leis e a jus-tiça de suas decisões, é buscar aJustiça acima do Jurídico, é trans-formá-lo em arma dos oprimidos edespossuídos contra os opressorese exploradores.

Esta edição, conjunta de marçoe abril em função do 6° Congrejufe,traz um debate candente sobre osbiocombustíveis e também um bate-papo exclusivo com Aldir Blanc, umdos maiores autores da Música Po-pular Brasileira. Arte, política, atu-alidades e muitas Idéias em Revis-ta. Boa leitura

Notícias Sindicais/Cartas dos Leitores 4

Notícias Sindicais/Agenda Sisejufe-RJ 5

6º Congrejufe 6 e 7

Desenvolvimento: BNDES em risco 8

Crise aérea 9

Dicas culturais 10

O brilho oxigenado de Antônia 11

Mulheres: o 8 de Março e o 1º de Maio 12

Mídia e feminismo: a revolução pela metade 13

Energia: há risco nos biocombustíveis 14

Frei Betto: do carnaval ao imenso canavial 15

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4 Ano II – nº 10 – março/abril de 2007http://sisejuferj.org.br

Vilania e nepotismo

Quero fazer uma referênciacondenatória ao que chamo de vilanismoem alto nível (de sem-vergonhice) que as-sola o nosso país, atuando nos mais al-tos cargos do Poder Público, e tambémprivado, a exemplo do que acontece coma Varig, a Alcalis e outras grandes empre-sas brasileiras que estão sendosucateadas. Tal vilanismo é filho donepotismo secular cujo o ápice foi du-rante o período da Ditadura Militar, comseus “testas-de-ferro” nos setores admi-nistrativo de pessoal e médico-assistencial e que, de forma subservien-te e covarde, se dispunham a destruircarreiras funcionais e até mesmo a vidade muita gente séria. Alegra-me, entretan-to, saber que estas hostes malignas donepotismo vêm sendo denunciadas e com-batidas, ideologicamente (eles preferemarmas) por colegas conscientes e corajo-sos, através de sindicatos moralmente vi-vos, a exemplo do nosso Sisejufe e outrosque começam a acordar para essa ques-

Sisejufe-RJ, desde o início da atualgestão, busca reunir-se com os ser-vidores portadores de deficiência,de modo a levantar quais são as

suas principais dificuldades em seus res-pectivos locais de trabalho e, a partir detal coleta, viabilizar com as administra-ções melhores condições de trabalho.

O Núcleo das Pessoas Portadorasde Deficiência do sindicato já reali-zou duas reuniões para tratar de taisassuntos com servidores do TRE, Jus-tiça Federal Militar e Justiça Federalao longo de 2006. O comparecimen-to, no entanto, foi baixo, em funçãodeste segmento do Judiciário Federalainda se encontrar desmobilizado.

Sindicais Só com mobilização constante se pode colher conquistas duradouras

Sisejufe-RJ reúne servidores com deficiência em 2 de maioPor isso, a direção do Sisejufe-RJ

tem mapeado em todas as adminis-trações de tribunais quantos, quais eonde estão lotados os servidores por-tadores de deficiência. A exceção ficapor conta da administração do TRTque se recusa a nos fornecer tais in-formações, alegando ser isto umainconstitucionalidade .

O Sisejufe esclarece ao RH do TRTRio de Janeiro que o propósito de talpedido é a busca de melhores condi-ções de trabalho para os servidoresportadores de deficiência, que me-recem boas condições de trabalho eplenitude de acessibilidade no coti-diano laboral. Reiteramos aqui nos-

so apelo à administração do TRT paraque nos informe a respeito dos ser-vidores portadores de deficiência da-quele tribunal. Sugerimos tambémque os próprios servidores nos pro-curem a fim de melhor conversarmossobre tais questões.

O sindicato convoca, todos osservidores portadores de deficiên-cia de todos os tribunais das Justi-ças Federais no Rio de Janeiro paraum novo encontro, no dia 2 de maiode 2007, na sede do Sisejufe-RJ(Presidente Vargas, 509, 11° andar)às 19h. É só com a mobilizaçãoconstante que poderemos colherconquistas duradouras

tão. A minha solidariedade a estes valores éirrestrita e incondicional no que tange a umquerer forte e uma postura ética irredutívele de combate.

Roosevelt ArueiraTécnico Judiciário “C” da Justiça

Federal- Rio - Aposentado(5º lugar no Concurso Público de 1970, por

Niterói- RJ)

Contra a PEC 02

Sou de São Paulo e não souservidora pública; mas sou completa-mente contra as requisições. Se osTREs precisam de gente, se eles nãofuncionam sem os requisitados, por quenão nomeiam os concursados? Por quenão aproveitam as pessoas que passamem concurso? Eu não vejo motivo paraestas requisições se há os concursospara preencher estes cargos. Além dis-so, do ponto de vista jurídico, estas re-quisições ferem o princípio do concur-

so público preconizado pela própriaConstituição Federal no inciso II do art.37 da CF. Esta lei quer passar por cimadeste artigo!

Devemos defender o concurso públi-co que é o meio pelo qual um cidadãopode ingressar no cargo público (com ex-ceção dos cargos em comissão na formada lei). O sistema deve privilegiar o con-curso público. Aqui em São Paulo temosdois concursos já encerrados, que foramfeitos o ano passado, com várias pessoashabilitadas a ingressar no TRE, seja comotécnico seja como analista, e ainda nãoforam chamados! No caso de São Paulo,basta nomeá-los!

Eu gostaria de parabenizar o Rio de Ja-neiro e este sindicato porque estão sendoextremamente engajados nesta campanhaa favor dos concursados. E felicitá-los porserem unanimemente contra este projeto

Luciane M.D. FarberSão Paulo-SP

O

C A R T A SC A R T A S

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Ano II – nº 10 – março/abril de 2007 5http://sisejuferj.org.br

Assembléia Geral – 18 de abril, 19hLocal: Auditório do Sisejufe-RJPauta: Avaliação 6° Congrejufe, Democratização do Judi-ciário e imóvel da Rua Senador Dantas.

Curso de Marxismo – todas as 2°s 19h

Curso Arte Brasileira – todas as 5ªs 19h

Curso Espanhol – 3ªs e 5ªs 9h30 às 11h

25 de abril às 17h – Panfletagem na Central doBrasil, em preparação ao 1º de maio

27 de abril, das 12 às 14h – Ato contra o mode-lo econômico no Banco Central (Av. Pres. Vargas ) - Prepa-ratório ao 1º de maio

27 de abril – 19h – 5º Botequim do Sisejufe. Festaanos 80. Varandas Gourmet, Rua do Lavradio 74 – Lapa.

1º de Maio – Dia Internacional do(a) Trabalhador(a)

– Ato da CUT e da Coordenação dos Movimentos Sociaisna Praça 1° de Maio, em Bangu.

2 de maio – Ato na C&A (Uruguaiana) contra a explo-ração das trabalhadoras – Marcha Mundial de Mulherese Coordenação dos Movimentos Sociais.

2 de maio às 19h – Reunião do Núcleo das PessoasPortadoras de Deficiência (Auditório do Sisejufe-RJ)

22 de maio – Apresentação da peça “Diálogos de umLouqo”, com Marcos Barreto. Local: Auditório Sisejufe-RJ às 19h30 – Entrada franca para associados(as).

29 de maio – Reunião do Núcleo dos Aposentados ePensionistas – Horário: 15h Local: Auditório Sisejufe

29 e 30 de maio – Seminário sobre Plano de CarreiraLocal: Auditório Sisejufe-RJ – Horário: 19h30

Mini-curso sobre Dialética – Quartas-feiras deduas em duas semanas

AGENDA SISEJUFE - abril e maio

Está instituído um concurso interno para cargos e funções chefia na área administrativa do TRT.Fosse o órgão uma instituição privada, tudo estaria bem, mas já que se trata de órgão público, oscritérios de escolha devem ser objetivos, como é o concurso público para ingressar no cargo. Deveriaportanto haver um gabarito oficial e não há. É sabido que FCs e CJs são cargos de confiança, mas, se osadministradores do órgão divulgam uma seleção, espera-se, ao menos, que ela seja transparente. Veri-fica-se também outra questão: se um setor da área administrativa tinha um chefe e agora não tem mais,o mais sensato não é o concurso interno, mas chamar o substituto para ocupar a função. Há o entendi-mento de que é necessário um Mandado de Segurança contra a resolução do órgão especial do TRT quecolocou em processo de extinção a área administrativa do tribunal. É mais rápida a solução. A adminis-tração do TRT não pode mais fazer remoção de servidores sem declarar o motivo

Concurso internopara chefias no TRT

Concurso internopara chefias no TRT

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6 Ano II – nº 10 – março/abril de 2007http://sisejuferj.org.br

Chapa Alternativa Cutista elege

delegação do Rio de Janeiro, le-gitimamente eleita em assem-bléia realizada em dezembro de2006, chegou ao 6° Congrejufecomprometida em pautar o pla-

no de carreira como prioridade da pró-xima gestão da Fenajufe. De 28 demarço a 1° de abril, em Gramado, noRio Grande do Sul, os representantesdo Sisejufe propuseram tornar a lutapela jornada de 6 horas prioridade es-tratégica da federação, sugeriram quea ação sindical se oriente de modo per-manente pela superação das desigual-dades de gênero, raça, orientação se-xual e das pessoas portadoras de defi-ciência. Nossa delegação buscou cons-truir uma proposta unificada que con-temple o pleno direito de greve, orga-nizações sindicais por local de traba-lho, licenças para dirigentes e delega-dos sindicais, além da ampliação daparticipação da categoria nas ativida-des sindicais. Também defende a con-tinuidade da filiação à Central Únicados Trabalhadores (CUT), maior centralsindical da América Latina e principalinstrumento de defesa dos direitos dostrabalhadores no Brasil.

Infelizmente, essas discussões, quesão centrais na vida dos servidores públi-cos do Judiciário, dividiram espaço comuma disputa golpista por poder dentroda estrutura da Fenajufe, levando o con-gresso a ser encerrado com a eleição subjudice. O Sisejufe lamenta e repudia osacontecimentos que, do início ao fim, en-fraqueceram e desvirtuaram o 6° Congres-so da Federação Nacional dos Trabalha-dores do Judiciário Federal e MinistérioPúblico da União (Fenajufe). Na madruga-da de domingo, 1° de abril, depois de jádivulgados os resultados da eleição danova diretoria, o membro da ComissãoEleitoral Marcelo Carlini, ligado à chapa1, propôs uma “questão de ordem” ale-gando uma “distorção entre o resultadooficial e a divisão de cargos” na direção.

Defendendo a manutenção da de-cisão inicial da Comissão Eleitoral e oreconhecimento dos votos obtidos no

Regras são alteradas depois da votação e e

A chapa 3 elegeu odiretor do SisejufeValter Nogueira Alvespara a direção daFenajufe.

processo de votação, a chapa 3, inte-grada pela maioria da delegação doSisejufe, por servidores ligados à CUTSocialista e Democrática e independen-tes, recorreu à Justiça. Ainda na ma-nhã de domingo foi concedida liminarna ação movida pelos representantesda chapa 3, cujo objetivo é que se cum-pra o Regimento Eleitoral da Federa-ção, mantendo-se os cálculos deproporcionalidade qualitativa defini-dos antes da eleição pelo plenário

A

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três diretores para a Federação

eleição do 6° Congrejufe está sub judice

Já no início do Congrejufe, servido-res do Rio de Janeiro ligados à Coorde-nação Nacional de Lutas (Conlutas) e àchapa Luta Fenajufe tentaram impug-nar, por intermédio de um recurso apre-sentado à Comissão de Credenciamen-to, o conjunto da delegação fluminen-se. É preciso lembrar que, na assem-bléia geral em dezembro, esse grupofoi fragorosamente derrotado (83% a17%). A comissão acatou o recurso, ain-da que parcialmente, e com isso feriu oestatuto da Fenajufe. Para enfraqueceras discussões propostas por nossosdelegados, setores do campo majori-tário da Fenajufe se aliaram com esse

grupo da Conlutas para reduzir a nossadelegação, que foi democraticamenteeleita e é comprometida com a constru-ção da federação e com o fortalecimen-to do campo da CUT. Tal fato gerou umaonda de repúdio durante o Congrejufee o Sisejufe obteve apoio e solidarieda-de de delegados de todo o país.

Mais um golpe, porém, acontece-ria no dia 31 de março. A antecipaçãopara sábado da eleição inicialmentemarcada para domingo, dia 1° deabril, já era parte do levante. Insegu-ros se iriam ou não obter a maioriaabsoluta da direção, os integrantesdo campo majoritário da Fenajufe cri-

aram a possibilidade de reverter avontade expressa nas urnas na ple-nária de encerramento, na últimasessão do Congresso. A chapa 1“Unidade para Avançar” entrou comum recurso na comissão eleitoraltentando mudar as regras do pro-cesso. Temos que frisar que dos cin-co integrantes da comissão eleito-ral, três eram ligados à chapa 1. Semunanimidade na comissão, a deci-são foi levada à última sessão ple-nária que violou o regimento elei-toral, aprovado dias antes, quebran-do o princípio básico de qualquereleição: a segurança jurídica

Majoritários da Fenajufe e Conlutas unem-se contra o Rio

Por duas vezes grupos ligados àConlutas tentaram inviabilizar a repre-sentação do Rio de Janeiro no Congres-so da Fenajufe. A primeira delas aconte-ceu logo depois da assembléia que ele-geu a delegação, em 7 de dezembro. Aassembléia foi amplamente divulgada eultrapassou o quórum estabelecido pelaFederação. Foram apresentadas duaschapas, a Ética e transparência, lidera-das pela direção do Sisejufe e a chapadois, encabeçada pela oposição.

Conforme a proporcionalidadeestatutária da Fenajufe, a primeirachapa obteve 83% dos votos e ele-geu, assim, 33 delegados. A oposi-ção obteve 17% dos votos e elegeu 6delegados.

Inconformados com a vitória dadiretoria do sindicato, a oposiçãopassou a questionar, primeiro oSisejufe e depois à Fenajufe, a quan-

Oposição sindical nega fatos e inventa versãoque lhe convém sobre o Congresso

tidade de participantes da assem-bléia no momento da votação. Oquórum, em qualquer assembléia domovimento sindical ou político, é ve-rificado através das assinaturas na lis-ta de presença. Assim rege o estatutoda Fenajufe. Apesar disso, a oposiçãopleiteou a nulidade da assembléia,tentando retirar o direito dos servi-dores eleitos em representar a cate-goria no Congresso. Passado oCongrejufe, os responsáveis por essaatitude anti-democrática e obscuranegam por meio de boletim impres-so que tinham a intenção de impug-nar a delegação fluminense. De pos-se de toda a documentação que com-prova tais acontecimentos e diante darepentina amnésia da oposição, a di-reção do Sisejufe sente-se no deverde restabelecer a verdade. Contra fa-tos não há argumentos

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O jogo é pesado e reflete osconflitos no interior do governoLula entre os chamados desenvol-vimentistas e os neoliberais. Se-gundo revela o jornal Valor Eco-nômico, a manutenção do atualpresidente é defendida pelo mi-nistro Guido Mantega e pelo cor-po técnico da instituição; já a in-dicação do agente do Santanderé uma imposição de Miguel Jor-ge, que condicionou sua entradano governo à retomada do coman-do direto do BNDES. GustavoMurgel teria o perfil exigido pe-los banqueiros para redirecionaro banco estatal. Ele é conhecidono mundo financeiro como o su-per-executivo que ajudou na ope-ração de venda do Banespa, pri-vatizado pelo governo tucano emSão Paulo, para o Santander, em2000. Durante sua permanência namultinacional espanhola, Murgelfoi alvo de dois processos na Co-missão de Valores Imobiliários(CVM).

Caso sua nomeação seja confir-mada, representará duro golpe natrajetória recente do BNDES. Du-rante o triste reinado de FHC, a ins-tituição ficou sob comando de

Desenvolvimento O jogo é pesado e reflete os conflitos do Governo Lula

BNDES na mira dos neoliberaisAvolumam-se as

especulações em Brasília deque a presidência do Banco

Nacional deDesenvolvimento

Econômico (BNDES),estratégica instituição de

fomento ao desenvolvimentonacional, poderá retornar

às mãos dos banqueiros. Onovo ministro do

Desenvolvimento, Indústriae Comércio Exterior, Miguel

Jorge, ex-diretor doconservador jornal O Estadode S.Paulo, ex-presidente da

Autolatina (consórcio daVolks e da Ford), que

patrocinou a demissão demilhares de metalúrgicos

nos anos 80, e, atualmente,homem forte do setorfinanceiro, indicou ao

presidente Lula o nome doex-diretor do banco

espanhol Santander,Gustavo Adolfo Funcia

Murgel, para presidir oBNDES em substituição ao

economista Demian Fiocca.

Altamiro Borges* agentes do capital financeiro –como Francisco Gros, do MorganStanley – e adotou uma linha debanco de investimentos, apoiandoas privatizações das estatais e pri-orizando empréstimos às grandescorporações empresariais. CarlosLessa, indicada por Lula no primei-ro mandato, inverteu essa lógica edeu um caráter mais público aobanco, como instituição de fomen-to ao desenvolvimento nacional.Alvo de violentos ataques dos ne-oliberais, ele foi exonerado, maso seu substituto, o economista De-mian Fiocca, manteve a mesma li-nha desenvolvimentista.

Agora, os poderosos repre-sentantes da ditadura do capitalfinanceiro partem para a revan-che. Diante deste iminente risco,é urgente erguer a voz e aumen-tar a pressão. O patriota CarlosLessa já saiu na frente. Para ele,a indicação de Murgel para a di-reção do BNDES seria um baitaretrocesso. “Tive todo um traba-lho para retomar as origens doBNDES como banco de fomento”,lamenta. Não dá para ficar quietofrente a este perigo. Os movimen-tos sociais e os parlamentaresprogressistas precisam por a bocano trombone. Além do Banco Cen-tral, que hoje está sob controledos banqueiros e que faz questãode empacar o PAC, o setor finan-ceiro quer agora abocanhar os vo-lumosos recursos do BNDES. Édemais da conta!

*Jornalista, autor do livro “As en-cruzilhadas do sindicalismo” (Edito-

ra Anita Garibaldi, 2ª edição).

Não dá para ficarquieto frente a esteperigo. Os movimentossociais e osparlamentaresprogressistas precisampôr a boca notrombone.

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Controladores são os caminhoneiros

de AllendeA reivindicação dos controladores

de vôos não é uma questão sindical oumilitar – é política e tem como alvo aestabilidade das instituições democrá-ticas. O objetivo, aqui, também, édesestabilizar o Ministro da Defesa,Waldir Pires, que já conta com uma re-sistência razoável das Forças Armadas,que não se esquecem que ele serviu aoPresidente João Goulart.

A outra parte da operação consisteem provocar a queda do Presidente daRepública pela mão da imprensa e deuma CPI que, agora, contou com a aju-da providencial de um Ministro do Su-premo Tribunal Federal. No Chile,como aqui, o “paro” dos controladorestem a função de jogar a classe médiacontra o Governo. Quem anda de aviãoé a classe média.

O “paro” dos nossos caminhonei-ros se deu imediatamente depois que

o Presidente da República decoloupara se encontrar com o PresidenteBush. É obvio que a intenção é esvazi-ar e constranger o Presidente da Re-pública. Para isso, de novo, os cami-nhoneiros contarão com o apoio daimprensa, que saberá explorar o“apagão aéreo”, como forma de em-baraçar o Presidente da Repúblicanum momento em que trata de impor-tantes negociações com o Presidenteda nação mais poderosa do mundo.

Em 1981, o presidente RonaldReagan enfrentou uma greve decontroladores de vôo com a demissãode 11 mil de 13 mil controladores gre-vistas. Aqui, o governo trabalhista jáfoi longe demais na tentativa de ne-gociar com os controladores. Oscontroladores demonstraram que têmum poder de chantagem ilimitado. Sóo uso da lei resolverá o problema.

A hora de negociar passou. Os nos-sos caminhoneiros estão na ilegalida-de e no golpe

*Jornalista

Paulo Henrique Amorim*

U

Crise aérea Parte da operação consiste em provocar a queda do Presidente

ma greve nacional da Associaçãodos Donos de Caminhões finan-ciada pela CIA ajudou a derrubaro presidente Salvador Allende, do

Chile, em 1973. O objetivo do “paro”dos caminhoneiros era exatamente odos controladores: desorganizar aprodução. Chave da operação dos ca-minhoneiros chilenos era derrubar osMinistros da Defesa, Carlos Prats eOrlando Leteleier, com o que se aca-bava por desmoralizar o Presidente daRepública.

No Chile de Allende, havia um míni-mo de pluralidade na imprensa – umaparte da imprensa apoiava o presidenteeleito pelo povo. Aqui, os controladoresde vôo já há algum tempo aplicam achantagem de “parar” o país. Aqui, oscontroladores de vôos contam com oapoio de 90% da imprensa escrita euma parte da imprensa de televi-são. E têm o mesmo objetivo doscolegas chilenos: derrubar oPresidente da República.

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10 Ano II – nº 10 – março/abril de 2007http://sisejuferj.org.br

UMA PÁGINAhttp://www.dominiopublico.gov.br

O “Portal Domínio Públi-co” foi lançado em novem-bro de 2004 com uma am-pla biblioteca virtual comum conteúdo que vai deDante Alighieri e WilliamShakespeare a Machado deAssis e Saramago. Obras dePlatão, Kant ou Rosseaupodem ser encontradas naíntegra. O portal tambémdá acesso a sons, imagense vídeos já em domíniopúblico ou que tenham a

sua divulgação devidamente autorizada. Uma das in-tenções do portal é induzir a discussão sobre as legisla-ções relacionadas aos direitos autorais – de modo quea “preservação de certos direitos incentive outros usos”– e haja uma adequação aos novos paradigmas de mu-dança tecnológica, da produção e do uso de conheci-mentos. O Ministério da Educação anunciou recente-mente que, por falta de acessos, pode retirar o portalda rede (veja artigo de Fausto Wolff, na página 30). Acuriosidade e o interesse de quem tem sede de conhe-cimento pode evitar esse retrocesso.

UM FILMEA vida é um soproDocumentário de FabianoMaciel sobre a vida e a obrado maior dos arquitetos mo-dernos brasileiros, OscarNiemeyer. O arquiteto contade maneira descontraídacomo foram concebidos seusprincipais projetos, entre elesBrasília, a sede do Partido Co-munista Francês e da Editora

Mondadori, em Milão. Fala também de política, deamigos, das mulheres e do Brasil. Faz ainda uma apai-xonada defesa da invenção e da criatividade, o que oarquiteto considera vital nesses tempos em que o Bra-sil resolveu copiar Miami. Filmado em seis cidades doBrasil, além da França, Itália, Argélia e Estados Uni-dos, o filme conta também com inéditas e raríssimasimagens de arquivo. Há depoimentos, entre outros,de José Saramago, Eric Hobsbawn, Eduardo Galeano,Nelson Pereira dos Santos, Ferreira Gullar, Mario Soa-res, Carlos Heitor Cony e Chico Buarque. Nos cinemas.

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Á? UM LIVRO

História das lutas dos trabalhadoresno BrasilEm 312 páginas, o autor Vito Giannotti traça um pano-

rama de toda a história daclasse trabalhadora brasilei-ra, desde suas origens, nocomeço da industrializaçãodo país, cerca de 100 anosapós a revolução industrialna Europa, até o ano de2002, com a eleição de Lula.Brasileiro nascido na Itália,Giannotti, 64 anos, trocoua Faculdade de Filosofiapelo ofício de trabalhador

braçal – nos anos 60 fixou-se no Brasil trabalhandocomo metalúrgico, em São Paulo. Numa sociedade emque a grande mídia, com raras exceções, volta-se intei-ramente para a defesa do mercado e do capital, ele en-tende que o trabalhador precisa criar a sua própria co-municação, para disputar hegemonia. “Os trabalhado-res que querem mudar o mundo e a sociedade na qualvivem precisam conhecer sua história” – diz Vito.Mauad Editores (www.mauad.com.br – (21)3479.7422) e Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC)- www.piratininga.org.br(21) 2220.5618

UM DISCOFina Batucada

Fina Batucada é CD deestréia do Galocantô,safra de músicos sur-gidos na Lapa ao finalda década de 90. Das18 composições dotrabalho, 11 são deautoria de integrantesdo grupo. Edson Cor-

tes, Léo Costinha, Lula Matos, Pedro Arêas e RodrigoCarvalho (todos estes voz e percussão), Marcelo Correia(violão de 7) e Pablo Amaral (cavaco e voz). O CD temparticipações de Beth Carvalho (na faixa “Elo da corren-te”), Arlindo Cruz (banjo e voz em “Pra lá de legal”/ “Paravocê voltar”), Rildo Hora (gaita em “Sempre marcou”),Velha Guarda do Império Serrano (na faixa “Apesar doTempo”) e Diogo Nogueira, cantando composição iné-dita de Wilson das Neves e Luiz Carlos da Vila. Fazendoparte desta turma seleta, músicos como Nicolas Krassik(violino), Dirceu Leite (sopros) e Roberto Marques (trom-bone) também dão brilho especial a esta Fina Batucada.

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ntônia brilha... e lá vêm quatrojovens mulheres da periferiapaulista, num filme de TataAmaral, buscando fama através

da música e da imagem. Embora se-jam meninas da periferia urbana deSão Paulo, algumas vindas de outrasregiões ainda mais pobres, elas ten-tam imitar cantoras americanas, can-tando Killing me softly com todos os tre-jeitos e meneios das que se auto-intitulam as “divas” da música popu-lar mundial.

Não deixa de ter apelo emocionalver quatro adolescentes da periferia deum país já periférico, tentando a vidaatravés da arte. Não deixa de ser legal

Opinião O que deixa a gente cabreiro é o culto de uma identidade que não é a nossa

O brilho oxigenado de Antônia

você ver alguém assumir uma opçãode vida pela arte, ou mesmo como algoparalelo, como um passatempo criati-vo. O que ofusca o “brilho” de Antônia(que, no mais, embora use gente daperiferia no elenco, é uma história deficção), o que deixa a gente cabreiro éo culto a uma identidade que não é anossa, a identidade das “divas” perifé-ricas de lá (mas que são vendidas comomodelo para o mundo inteiro). É colo-car como pura, natural e verdadeira aopção por uma culturahegemonizada. É trocar a sua cultura,a sua identidade, pela do país que lheimpõe a sua hegemonia via rádio, te-levisão, revistas e mercadofonográfico, entre outras mídias. Im-põe, na base da grana, da coação eco-

nômica: só toca o que eles querem, sóse distribuem os produtos que eleslançam (caso gritante do cinema, porexemplo, no qual 90% de todos os fil-mes em exibição, a qualquer momen-to, são de fora). Tente fazer sua arteser divulgada na grande mídia brasi-leira e verá que é impossível, sem mui-ta grana. É um negócio.

E aí, lá vem Antônia, com seu bri-lho esmaecido, uma imitação da artejá fosca da potência hegemônica quenos impõe seus conceitos culturaiscomo rap, soul, hip-hop, tornando-nosconsumidores e imitadores da identi-dade deles. E aceitamos?

*Diretor do Sisejufe-RJ

Flávio Prieto*

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Mulheres Três ativistas sociais relacionam o 8 de Março e o 1° de Maio

Dias de luta paravencer preconceitos

O 8 de Março tem um significado de luta, não de festa. Éum momento em que a gente consegue ser ouvida, se mos-trar. As mulheres dos movimentos sociais tentam fazer issodurante o ano inteiro, mas é esse o dia em que as açõesconvergem. É mais do que uma lembrança, é um dia deluta, de resistência, em que as mulheres incorporam a lutadentro delas. Temos que olhar pra frente, levantar a espe-rança feminina a partir de um objetivo. O que passou, pas-sou e temos que ter esperança de melhorar a vida daqui emdiante. Talvez a mulher do campo viva um ambiente umpouco mais complexo para se sobressair, por ser mais mas-culino. Mas é forte a luta, junto ao Incra, para que os títulosda terra saiam cada vez mais no nome de mulheres. No 1°de Maio devemos lembrar que a mulher do campo estábuscando com heroísmo conciliar o trabalho na roça e asobrevivência no acampamento e no assentamento com aluta histórica para vencer os preconceitos. As mulheresagricultoras têm o pé no chão, desejo de se fixar e melhoraro ambiente onde vivem.

Célia de JesusCoordenadora do Setor de Gênero

Direção Estadual do MST

Ainda há um longo caminhona busca de igualdade

No dia 8 de Março procuramos dar mais visibilidade àslutas do movimento das mulheres, contra o machismo,contra todos os tipos de discriminação e opressão. Mostrarpara a sociedade o quanto as mulheres são excluídas. Daí,podemos traçar um paralelo com o 1° de Maio, pelo fato deas mulheres trabalhadoras exercerem funções semelhan-tes às dos homens, mas com remunerações mais baixas.Precisamos questionar por que as mulheres têm de ganharmenos do que os homens. E lembrar que até hoje o traba-lho doméstico não é considerado produtivo. Ainda temosum longo caminho a percorrer para conseguirmos ocuparo mesmo espaço de importância na sociedade.

Amanda MendonçaCoordenadora do DCE da UFRJ

Datas para reforçara crítica ao machismo eao capitalismo

O 8 de março – Dia Internacional das Mulheres – é adata principal da luta feminista. Nos últimos anos, graçasàs mobilizações crescentes das mulheres esse dia vem setornando referência para o conjunto dos movimentos soci-ais. Vamos às ruas questionar a combinação do machismoe do capitalismo, que mantém a exploração das mulheres apartir do nosso trabalho e do controle de nossos corpos enossas vidas. Nossa posição é de crítica à sociedade que seorganiza a partir do mercado, transformando parte impor-tante de nossas vidas em mercadorias. Somos mulheres enão mercadoria. Este ano, Bush veio ao Brasil justamenteno 8 de março. Não podíamos nos calar. No Rio, nossa tra-dicional passeata foi até a frente do Consulado norte-ame-ricano, fizemos um minuto de silêncio e cantamos o Cantodas Três Raças, simbolizando todo o nosso repúdio ao im-perialismo, a guerra e a militarização. A discussão de gêne-ro não pode ser deixada de lado no 1° de Maio. As mulheresainda têm os piores salários no mercado de trabalho. Te-mos de resgatar o 1° de Maio para aprofundarmos essadiscussão.

Marisa S. MelloMilitante da Marcha Mundial das

Mulheres do Rio de Janeiro

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uem acredita que o feminismofoi um movimento vitorioso doséculo passado, que ajudou asmulheres a conquistar seu lugar

no mundo, que virou história e nãotem mais razão de ser, deveria dar umaolhada nos jornais da semana.

Duas notícias fazem pensar no as-sunto e concluir que, se do ponto devista institucional – pelo menos emboa parte do mundo – as mulheres játêm seus direitos assegurados, quan-do se trata de mídia e religião a situa-ção continua ruim.

A primeira comprovação vem como relato da homilia da Sexta-Feira San-ta feita em Roma pelo padre RanieroCantalamessa, que falou em nome dopapa. Os jornais reproduziram a falaoficial:

“O Vaticano quer a era das mulhe-res: uma era de coração, de compai-xão. A experiência cotidiana demons-tra que as mulheres podem contribuirpara salvar nossa sociedade de algunsmales inveterados que a ameaçam,como a violência, o desejo de poder, aaridez espiritual e o desapreço pelavida.”

Conivência ou preguiça

A pegadinha – que os editores dejornais não se preocuparam em discu-tir – é como as mulheres poderão de-sempenhar esse papel tão importan-te, na opinião da Igreja Católica:

“As mulheres não podem se preci-pitar e devem parar de agir como ho-mens para conquistar espaço na soci-

Revolução vencidapela metade

edade e se abster de tentar apagar asdiferenças entre os sexos.”

Segundo o padre Cantalamessa,“as discípulas seguiram Jesus não por-que buscavam poder ou tinham expec-tativa de fazer carreira, mas por acre-ditarem nele”. Então os seguidoreshomens estariam somente em buscade poder ou carreira, e não por fé?

Na opinião do Vaticano, basta terpaciência, deixar as coisas como estãoe se limitar ao papel que a igreja con-sidera adequado para que as mulhe-res eventualmente herdem o reino doscéus. Aquelas que precisam trabalhamou que sonham em fazer uma carreiratalvez até tenham permissão para isso,desde que continuem agindo comomulheres, isto é, que aceitem as regrasdo jogo e não fiquem disputando olugar que – pela ordem natural e divi-na das coisas – pertence aos homens.

A igreja católica continua tentan-do manter as mulheres em segundoplano. Até aí nada de novo. O surpre-endente é a mídia ser conivente – ou

preguiçosa – e deixar passar a oportu-nidade de discutir o assunto, questio-nando a mensagem contida no discur-so oficial da Sexta-Feira Santa.

A visão da imprensa

O preconceito da mídia é tratadopela própria mídia no artigo “O ata-que dos machistas radicais”, da jorna-lista inglesa Polly Toynbee, publicadopelo Estado de S. Paulo no domingo(8/4). No artigo, a jornalista mostra acobertura dos jornais ingleses na liber-tação dos marinheiros britânicos pre-sos no Irã, mostrando o tratamentodado à única mulher do grupo: “Elaestava predestinada a concentrar to-dos os preconceitos contraditórios emrelação às mulheres que trabalham,mulheres na guerra e religiões opres-sivas que são contra as mulheres.”

O pior de tudo, diz Polly Toynbee,é que os jornais usam mulheres parafazer esse trabalho. Ela cita comoexemplo o texto do London Daily Mail(feito por uma mulher) que critica amarinheira britânica por deixar a filhaem casa e ir para a guerra “em nomedo que chamamos igualdade, mas que,na verdade, é uma crença equivocadade que os homens e mulheres sãoiguais”.

A conclusão do artigo – “a revolu-ção feminina, até agora, só foi vencidapela metade” – mostra que o feminis-mo não é coisa do século passado.Entre outras coisas, falta mudar a vi-são que a imprensa tem – ou pelo me-nos divulga – das mulheres

O feminismo não écoisa do séculopassado. Entre outrascoisas, falta mudar avisão que a imprensatem – ou pelo menosdivulga – dasmulheres.

Ligia Martins de Almeida*

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*Observatório da Imprensa

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Energia Brasil pode cumprir missão de legitimar a política externa dos EUA no setor

discussão em torno da produ-ção de energia “limpa” erenovável não é nova. Ganhoucaráter de urgência, principal-

mente após a divulgação, no início defevereiro, do relatório sobre o aque-cimento global. A mundo parece quepercebeu que precisa mudar a matrizenergética, adotando alternativas deprodução de energia. Segundo estu-dos, a temperatura na Terra poderásubir em até quatro graus neste sécu-lo, devido ao aumento da concentra-ção de dióxido de carbono (CO2) naatmosfera, provocado por combustí-veis fósseis. A matriz energética mun-dial tem participação hoje total de80% de fontes de carbono fóssil, sen-do 36% de petróleo, 23% de carvão e21% de gás natural.

Assim, um nome tem ganhadodestaque: biocombustível. A produ-ção de energia para o uso no trans-porte, a partir de cana-de-açúcar oude sementes oleaginosas, como asoja, aparece como a salvação da la-voura. E o herói da vez é o Brasil, comcerca de 200 milhões de hectares deárea agricultável.

O principal argumento é que elessão fontes renováveis de energia. É umdebate para o qual, no entanto, hápouco espaço e poucas vozes.

– Mas a lógica de fundo não é aban-donar o petróleo nem mudar os pa-drões de consumo que produzem oaquecimento global, mas aproveitara conjuntura para criar novas fontesde negócios, promovendo e subsidi-

ando a produção industrial de cultivospara estes fins – afirma Silvia Ribeiro,pesquisadora do Grupo ETC, lembran-do que todas as empresas que produ-zem sementes transgênicas, comoSyngenta, Monsanto, Dupont, Dow,Bayer e Basf, possuem investimentosna produção de biocombustíveis,como o etanol e o biodiesel.

O interesse de países ricos e de gran-des multinacionais em torno do temaleva analistas e movimentos sociaiscamponeses a enxergarem com relu-tância a entrada de países em desen-volvimento na produção debiocombustíveis. Os impactosambientais gerados com o aumentodas monoculturas, a exploração sobrecamponeses e trabalhadores rurais e aameaça à produção de alimentos es-tão no rol de preocupações. No Brasil,a aposta do agronegócio é na cana-de-açúcar e na soja – transgênicas, é cla-ro. Mas um estudo do Gabinete Belgade Assuntos Científicos mostra que obiodiesel, por exemplo, provoca maisproblemas de saúde e no meio ambi-ente por ter uma contaminação pulve-rizada, destruindo a camada de ozô-nio.

– O programa do biodiesel estásendo entregue para um grupo deempresas privadas que querem com-prar grão do agricultor, sem nenhu-ma agregação de valor nas comuni-dades rurais. E estão estimulando asmonoculturas de novo - critica FreiSérgio Görgen, dirigente da ViaCampesina no Brasil, entidade queagrega movimentos sociais de todo

o mundo, como o MST e o Movimen-to dos Pequenos Agricultores (MPA).

As vedetes do governo brasileirosão a soja, vista como mais uma tábuade salvação para os grandes produto-res de sementes transgênicas, e amamona, que teoricamente benefici-aria a agricultura familiar. Em relaçãoao etanol, o Brasil vai priorizar maisuma vez a produção de cana-de-açú-car. A estimativa é que a produção au-mente em 50% em relação às atuais460 toneladas de cana, de acordo coma União da Agroindústria Canavieira deSão Paulo (Unica).

Especialistas afirmam que a Ama-zônia brasileira tem o maior potencialdo mundo para plantação de azeite depalma, com uma área de 70 milhõesde hectares. Sem embargo, esse pro-duto e conhecido como o diesel dodesmatamento, que causou a devas-tação de grandes extensões em bos-ques na Colômbia, Equador, Indonésiae Malásia, o maior produtor mundiale com 87% da vegetação devastada.

O Brasil pode estar cumprindo amissão de legitimar a política externado governo norte-americano para osetor. Na visita ao país, em fevereirodeste ano, o subsecretario de Estado,Nicholas Burns, afirmou que “as pes-quisas e o desenvolvimento dosbiocombustiveis podem ser um atosimbólico de uma associação nova emais forte entre Brasil e EUA”. Os doispaises controlam 70% da produção deetanol de todo o mundo

Biocombustíveis não sãoa salvação do mundoBiocombustíveis não sãoa salvação do mundo

Da Redação

A

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Nacional O etanol de nossa cana custa a metade do produzido pelo milho made in USA

Frei Betto*

Brasil é o país do carnaval. Aquinão se vive sem os cinco efes:fé, festa, feijão, farinha e fute-bol. Toda essa alegria estáameaçada de se transformar

numa grande tristeza nacional casoo governo federal não tome, o quan-to antes, severas medidas para im-pedir que o país se torne um imensocanavial em mãos estrangeiras.

Estamos de volta aos ciclos de mo-nocultura que, nos livros didáticos deminha infância, marcavam os períodosda história nacional: pau-brasil; cana-de-açúcar; ouro; borracha; café etc. Esta arazão da recente visita de Bush ao Brasil,temos a matéria-prima e a tecnologiaalternativas ao petróleo, energia fóssilprestes a se esgotar. Hoje, 80% das re-servas petrolíferas se encontram no con-flitivo Oriente Médio. Construir usinasnucleares é dispendioso e arriscado, al-vos potenciais de terroristas. A soluçãomais segura, barata e ecologicamentecorreta é a cana-de-açúcar e os óleos ve-getais. Petróleo era um bom negócioquando o barril custava US$ 2. Hoje nãocusta menos de US$ 50. E não dá duassafras. Cana e mandioca, além de abas-tecer veículos e indústrias, dão quantassafras se plantar. Basta dispor da terraadequada e disto que, ao contrário dosEUA, há nos trópicos em abundância:água e sol.

De olho nessa fonte alternativa deenergia, Bush veio ver para crer. O eta-nol extraído de nossa cana tem a meta-de do custo do produzido pelo milhomade in USA; 1/3 do preço do etanol eu-ropeu obtido da beterraba; e é, hoje, 30%inferior ao preço da gasolina, além denão poluir a atmosfera nem se esgotar.

Então o Brasil se tornará um país rico?Sim, se o governo agir com firmeza edetiver a ganância das multinacionais.Bill Gates e sua Ethanol Pacific já estãode olho nas terras de Goiás e do MatoGrosso. Japoneses, franceses, holande-ses e ingleses querem investir em usinasde álcool. Se o Planalto não tomar a de-fesa da soberania nacional, o imensocanavial Brasil estará produzindo com-

Do carnaval ao imenso canavial

bustível para os países industrializadosque, na defesa de seus interesses, cuida-rão da segurança de seus negócios aqui,ou seja, regressaremos ao estágio colo-nialista de República, não das Bananas,mas da Cana. E as próximas geraçõescorrerão o risco de experimentar na car-ne o que hoje sofrem os iraquianos.

Assim como Monteiro Lobato, nadécada de 1940, clamou pela defesado petróleo brasileiro, dando origemà Petrobras, é hora de se exigir a cria-ção da Biocombrás, a Companhia Bra-sileira de Biocombustíveis. Caso con-trário, teremos nosso território agri-cultável retalhado pelo latifúndio as-sociado às empresas multinacionais;a cana imperando no Sudeste; a soja eas pastagens desmatando ainda maisa Amazônia e provocando graves de-sequilíbrios ambientais. E é ilusãoimaginar que a tecnologia de explora-ção da biomassa vegetal absorverámão-de-obra. O desemprego e o su-bemprego (bóias-frias) serão propor-cionais ao número de pés de cana plan-tados.

Bush não veio aqui preocupadocom a miséria em que vivem milhõesde brasileiros, sobretudo os migran-tes expulsos do campo e amontoadosnas favelas em torno das grandes cida-des. Nem interessado na pequena pro-priedade rural e na agricultura famili-ar. Veio soprar nos ouvidos do presi-

dente Lula para o Brasil dar as costas àVenezuela petrolífera de Chávez e er-guer seu copo de garapa orgulhoso desua energia vegetal, feliz porque vãochover álcooldólares na lavoura naci-onal. O Brasil entra com a terra, a águae o sol, e um pouco de mão-de-obrabarata, eles colhem, exportam e ven-dem o produto via Monsanto, Cargille congêneres, aplicando os lucros láfora. Ficam com o verde da cana e dosdólares e, nós, com o amarelo da fome,como descrevia Carolina Maria de Je-sus em Quarto de despejo.

O mínimo que se espera do presi-dente Lula é que siga o exemplo deChávez e defenda os interesses nacio-nais. A empresa venezuelana equiva-lente à nossa Petrobras era a sócia mi-noritária na exploração do petróleo dopaís vizinho. Agora Chávez reverteu aequação: a partir de 1º de maio a Ve-nezuela fica com 60% das cotas e asempresas estrangeiras com 40%.

Foi o clamor popular que, no pas-sado, obrigou o governo a ouvir que“o petróleo é nosso”. É hora de clamarpelo etanol e impedir que o imensocanavial Brasil multiplique o trabalhoescravo, aumente o número de bóias-frias e devaste o que nos resta de flo-restas e reservas indígenas

*Escritor, autor de “Típicos Tipos”(A Girafa), entre outros livros.

O

foto: SEBASTIÃO SALGADO

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IDÉIAS EM REVISTA – No século pas-sado, Rosa Luxemburgo bradava - So-cialismo ou Barbárie. Com os BigBrother Brasil, a música de péssimaqualidade, a “cultura de massa” e apobreza desenfreada e a violência des-regrada, será que já chegamos àbarbárie?ALDIR BLANC – Quanto à barbárie soci-al, é claro que sim. Aí estão os sem-terra,sem-teto, sem-nada, morando debaixodos viadutos. A desigualdade social geracrianças em pedaços, vítimas incinera-das, empreiteiras incompetentes abremcrateras em metrô, inundaçõesprovocadas por firmas que já deveriamter cerrado as portas provocam milharesde desabrigados. Tudo isso acontece por-que a Justiça só funciona para os ricos.

IDÉIAS EM REVISTA – Como você vêeste culto do sucesso pelo sucesso?Esta geração de celebridade em quese cria uma efemeridade a cada ins-tante?ALDIR BLANC – Vejo como a idiotice queé. Ainda por cima esse estímulo à pura esimples vadiagem induz os jovens a acharque a vida artística é moleza, etc. Cito meupróprio exemplo: com mais de 400 músi-

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Aldir Blanc: ”Mesmo sofrend

Compositor, letrista, poeta,cronista, Aldir Blanc é a pura

verve da alma carioca.Sarcástico, irônico, sutil, umescritor como poucos, com-

prometido com as transforma-ções sociais e a defesa da cultu-

ra popular. Idéias em Revistatraz uma entrevista exclusiva

com este gênio que está no timedos maiores compositores daMPB de todos os tempos. Ele

não poupa críticas ao lixoapresentado diariamente pelas

rádios e TVs e ao jabá quecome solto no meio musical.

Fala do reencontro com oamigo e parceiro João Bosco,da retomada do carnaval derua do Rio e da desigualdade

social no país.

cas gravadas, e vários sucessos, vivo detrabalhos para jornais, livros, etc., ounão completaria o orçamento mensal.

IDÉIAS EM REVISTA – É duro ver tan-ta porcaria fazendo sucesso e tantagente boa de fora do grande circui-to? É a banalização da imbecilidade?ALDIR BLANC – Muito. O Trio Calafriodeveria vender milhões de cópias, assimcomo Ratinho, um compositor maravi-lhoso. Walter Alfaiate é um cantor úni-co. No entanto, seus CDs praticamentenão têm venda nem execução pública.É vergonhoso.

IDÉIAS EM REVISTA – Como se faz parase manter a coerência e a dignidadequando a mídia atua como uma espé-cie de Mephistóteles, premiandoaqueles que dizem sim ao sistema?ALDIR BLANC - Bom, eu sempre tive,desde menino, tendência a ser do con-tra e julgo, sim, que devo, através dasletras, crônicas, livros, etc, falar pelosque não têm voz.

IDÉIAS EM REVISTA – Há uma crisede criação na MPB ou é a mídia queteima em não ver os novos talen-

“Um sociólogo cha-mou a falecida ClaraNunes de ‘branca’em tom pejorativo.Deviam ter metido aLei Afonso Arinosem cima dele”.

Roberto Ponciano

Diretor do SISEJUFE-RJ

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do, nossa cultura sobreviverá”

tos? Por exemplo, a nova geração de músi-cos da Lapa, o samba do trabalhador, entreoutros...ALDIR BLANC – Não há crise alguma. Há umapreguiça e produtores fracos que foram músicosroqueiros frustrados. Há também a lei que obri-ga a tocar música brasileira e que não é cumpri-da. Tudo isso gera um círculo vicioso.

IDÉIAS EM REVISTA – Você já fez música di-zendo que se o peão não chiar, o boi-bumbávai virar vaca. Como você vê a “pasteuriza-ção” e a midiatização da cultura popular.Isto pode acabar com as manifestações au-tênticas da cultura brasileira?ALDIR BLANC – Creio que, mesmo com mui-to sofrimento, nossa cultura sobreviverá.Ela é riquíssima, abrange várias geografi-as. Recentemente, ouvi uma pajé da Ilhade Marajó, Dona Zeneida Lima, cantarsuas próprias composições e fiquei tontocom a beleza de tudo aquilo. Volto a para-frasear o grande Nelson Sargento na ques-tão cultural: “Agoniza, mas, não mor-re...”.

IDÉIAS EM REVISTA – E o carnaval dehoje? O que você acha quando as esco-las, cada vez mais parecendo aDisneylândia, e menos com samba?Cada vez mais celebridade e menos res-peito à raiz. Veja, por exemplo, a coisaficou tão louca que a Mangueira celebraPreta Gil e agride Beth Carvalho...ALDIR BLANC – Bom, para criar caso logode saída, bem ao meu feitio, Beth Carva-lho foi vítima do que chamo de “senzalabranca”. O outro lado da moeda racista.Uma vez, numa respeitada revista políti-ca, um sociólogo chamou a falecida ClaraNunes de “branca” em tom pejorativo. De-viam ter metido a Lei Afonso Arinos emcima dele.

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IDÉIAS EM REVISTA – Seu último CDteve muito pouca divulgação. Está di-fícil divulgar trabalhos de qualidade?ALDIR BLANC – As rádios não tocam e ojabá come solto. As lojas não aceitam oproduto porque as rádios não tocam e as-sim gira o carrossel da morte, um prejuí-zo trazendo outro num ciclo sem fim.

IDÉIAS EM REVISTA – Gostaríamosque você falasse de três grandes par-ceiros seus e da amizade com eles:Guinga, Moacyr Luz e Paulo César Pi-nheiro...ALDIR BLANC – O Guinga é um violonis-ta e compositor genial, já comparado porcríticos internacionais aos melhores domundo e um dos sujeitos mais divertidosque conheço. Moacyr, a meu ver tambémvítima da “senzala branca”, é umbatalhador incansável, cria rodas comoo Samba do Trabalhador, às segundas noRenascença e sextas no Clube Santa Lu-zia. Paulinho Pinheiro é simplesmente oletrista que me fez abandonar medicinae entrar de cabeça em música. Já está aci-ma do Bem e do Mal.

IDÉIAS EM REVISTA – O abada, dostrios elétricos, é uma forma deapartheid no carnaval?ALDIR BLANC – Acho que não. Carnavalé bagunça e vale tudo. Mas a recente re-portagem, em uma revista dominical so-bre o Rio-Gay, sugere que discriminaçãoé uma ampla avenida de mão dupla.

IDÉIAS EM REVISTA – O que você achada Bunda Music (Axé, sambolamauricinho, breganejo)?ALDIR BLANC - A coisa é mais complica-

da do que parece à primeira vista. Háexcelentes músicos metidos, por neces-sidade de sobrevivência, nessasmutretas. Há também grandes cantorasno axé, como Daniela Mercury. Quem aouve cantar outros gêneros fica assom-brado. Agora, reconheço que, de manei-ra geral, o que nos é apresentado nasrádios e tevê está muito perto do lixo.

IDÉIAS EM REVISTA – O carnaval de ruado Rio está renascendo, junto com aretomada do samba de raiz?ALDIR BLANC – Com toda força. O blocoaqui da rua saiu onde moro, pela primeiravez, com umas 200 pessoas, hoje tem maisde mil. Há blocos como o Simpatia é Qua-se Amor e o Monobloco arrastando quasecem mil pessoas e a cada ano surgem no-vas delícias como o “A Perereca da Vizi-nha”, “Que Merda é Essa” e outros.

IDÉIAS EM REVISTA – E como foi estaretomada da parceria e da amizadecom o João Bosco?ALDIR BLANC – Aconteceu naturalmen-te. Nos encontramos num show dos ir-mãos Caruso e, comovidos pela mortede um amigo – irmão comum, o MarcoAurélio, nos abraçamos espontaneamen-te e fomos tomar um chope. Hoje, já te-mos várias músicas inéditas, planos parao futuro, e etc. O João tem a maior capa-cidade de concentração no trabalho que

eu vi em toda a minha vida profissional.É capaz de sentar numa cadeira com oviolão às 9 da noite e ir até às 6 da ma-nhã, só parando para um cafezinho.

IDÉIAS EM REVISTA – É verdade que aElis, quando cantava, refazia a músi-ca? Muita saudade da pimentinha?ALDIR BLANC – Saudade é muito poucopra definir o que sinto por Elis Regina.Não, ela não “refazia” a música, ela en-tendia, corretamente, que era preciso unirtrês elementos: a interpretação da músi-ca, a interpretação da letra e a união dasduas, pela coerência do arranjo no climada música e da letra, coisa que CésarCamargo Mariano fazia magistralmente.Observem, por exemplo, “Dois pra lá, doispra cá”, “O Mestre – Sala dos Mares”, asubestimada “O Caçador de Esmeralda”,minhas e do João Bosco, etc.

IDÉIAS EM REVISTA – Por último,você tem esperança de mudança?Considera que este momento daAmérica Latina pode apontar para umcaminho de contra-hegemonia con-tra o Império Ianque?ALDIR BLANC – Não sei. Tenho 60 anos.Já estudei e testemunhei traições sufici-entes do Império e olha que em épocasanteriores, eles não tinham um psicopa-ta oligóide no poder, como Bush

“As rádios nãotocam e o jabácome solto. Aslojas nãoaceitam o CDporque as rádiosnão tocam. Assimgira o carrosselda morte”

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Teatro Qorpo-Santo é apontado como o precursor do Teatro do Absurdo e do Surrealismo

Os diálogos de um louqoJozé Joaqim QamposLeão Qorpo-Santo,ou, simplesmente,QORPO-SANTO, nagrafia que ele mesmoadotou, de acordo

com sua proposta de revisão orto-gráfica da língua portuguesa, nasceuna Vila do Triunfo, no Rio Grande doSul, tendo escrito toda a sua obra –Teatro, Poesia, Crônicas e Ensaiossobre os mais variados temas, desdesimples questões do cotidiano aosaspectos mais variados do Direito,do Jornalismo, da Teologia – numperíodo de seis meses, no ano de1864, escritos que reuniu no quechamou de Ensiqlopedia, ou SeisMeses de Uma Enfermidade. Os es-tudiosos apontam-no como o precur-sor do Teatro do Absurdo, do Movi-mento Futurista, do Dadaísmo e doSurrealismo. Seus contemporâneoso internaram como louco, interdita-ram-lhe os bens, e o enviaram ao Riode Janeiro para internação e trata-mento psiquiátrico.

Esse espetáculo – Diálogos de umlouqo – busca trazer à tona a pessoado visionário, seus personagens, seustemas, seus delírios. Pois aqui o quemenos importa é saber se a obra deQorpo-Santo merece ou não mereceos galardões literários que muitos lheconcedem, outros ignoram. O queimporta é mergulhar na alma de umhomem que largou a fortuna para de-dicar-se integralmente às suas inspi-rações, ou revelações, como ele mes-mo classificava, e que – somente porisso – pagou alto preço, material, psi-cológico e espiritual. E que jamaisarredou pé das suas criações e con-vicções, tanto que dizia, ao final dasua obra para o Teatro, que só seriacompreendido dali a cem anos. Escri-ta em 1864, a primeira encenação deuma peça teatral sua deu-se em 1964,

exatamente cem anosdepois. Pois Qorpo-Santo foi um pre-cursor na abor-dagem de temasque ainda hojegeram polêmicas:da defesa do direitode divórcio ao fim docelibato dos padres, dapossibilidade genéticade duas mulheres procri-arem ao casamento ho-mossexual. E até onde sesabe, Qorpo-Santo é o au-tor da primeira peça teatral(A Separação de Dois Espo-sos), na dramaturgia brasilei-ra, com temática explicita-mente homossexual. Ou-tro de seus absurdos,mais uma de suaslouquras. NumaPorto Alegre de cer-ca de 13.000 habi-tantes, com umaelite econômica,política e intelec-tual – à qual Qor-po-Santo perten-cia – obviamente reduzidíssima.

Afinado com a pós-modernidade,Qorpo-Santo não defendia ideologi-as, e é espantoso como em toda a suaobra não se registra nem o ranço re-gionalista, nem o partidarismo polí-tico, especialmente tendo em vistaque a produziu entre duas revolu-ções de grande importância: a Far-roupilha e a Federalista. É que asguerras eram em si mais absurdasque o mais absurdo dos seus escri-tos. E fruto de poderes e hipocrisiasque ele tanto combatia

Ecce homo! Eis o homem, respeitá-vel público! Um qorpo-santo!

*Poeta, escritor e autor da peç[email protected]

Paulo Bauler*

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A peça “Diálogos de umLouqo” estréia em 4 demaio, às 20h, no EspaçoSesc Copacabana (Domin-gos Ferreira, 160). O mo-nólogo, encenado peloator e diretor MarcosBarreto (foto), terá umasessão especial no auditó-rio do Sisejufe (PresidenteVargas, 509, 11° andar) nodia 22 de maio, às 19h30,com entrada franca parasindicalizados.

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exército dos EUA realiza ope-rações secretas no Paraguai econstrói uma nova base ali. Gru-pos de Direitos Humanos e ana-

listas militares na região acreditamque vai dar confusão. A embaixadados EUA no Paraguai nega que a baseexista. De acordo com um artigo nojornal boliviano El Deber, uma basenorte-americana seria implantada emMariscal Estigarribia, no Paraguai, a200 quilômetros da fronteira com aBolívia. A base permitirá a aterrissa-gem de aviões de grande porte e écapaz de alojar até 16 mil soldados.

Com as recentes rebeliões na Bo-lívia, suas enormes reservas de gás, euma eleição presidencial a caminho,essa atividade questionável podeabrir caminho para uma intervençãoamericana. Em 26 de maio de 2005, oSenado paraguaio aprovou a entra-da das tropas, conferindo-lhes imu-nidade. Aos EUA têm pressionadopaíses como o Peru, o Equador, aVenezuela e o Paraguai para que assi-nem um acordo que garantiria imuni-dade também nesses territórios aosmilitares americanos. Bush ameaçounegar ajuda econômica e militar. OParaguai foi o único a aceitar a ofer-ta. O Pentágono usou essa mesma re-tórica quando descrevia suas açõesem Manta, no Equador, agora sedede uma base militar americana.

Se a história serve de lição, osparaguaios estão certos em se preo-cupar. Servicio Paz y Justicia, um gru-

Internacional Senado paraguaio aprovou imunidade às tropas norte-americanas

EUA plantam basemilitar no Paraguai

po de direitos humanos do país, ad-vertiram que os termos do tratadofirmado entre os EUA e o Paraguaisão “muito perigosos para nós, prin-cipalmente, se levarmos em consi-deração que foram soldados dosEUA que ensinaram tortura e outrasformas de violações dos direitos hu-manos em cursos na Escola das Amé-ricas através da Doutrina de Segu-rança Nacional”.

Se a nova base dos EUA existir de

Benjamin Dangl*

O

fato, sua localização faz sentido. Irádeixar as tropas americanas a umatranqüila distância de ataque das pro-víncias bolivianas de Santa Cruz eTarija, que abrigam a segunda maiorreserva de gás da América do Sul.

O interesse dos EUA no Paraguaitambém faz sentido por outras ra-zões; há muito tempo correm rumo-res de que a fronteira entre oParaguai, Argentina e Brasil é um“campo de treinamento terroristaislâmico”. De acordo com JeffreyGoldberg, da revista New Yorker, oHamas e a al Qaida estariam associa-dos aos terroristas da região

*Trabalhou como jornalista na Bolí-via e no Paraguai. É editor dewww.upsidedownworld.org

A base norte-americanapode centralizar aperseguição àspopulações árabes daTríplice Fronteira.

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A instauração do capita-lismo significou um re-trocesso para os paísesda Europa Oriental, tan-

to no plano econômico quanto no so-cial. Um relatório das ONU declara: “Amudança de uma economia planifica-da para uma economia de mercado foiacompanhada de grandes mudançasna divisão da riqueza nacional e nobem-estar social. As estatísticas mos-tram que são as modificações mais rá-pidas jamais registradas”.

Entre 1990 e 2002, o Produto Inter-no Bruto (PIB) por habitante dos paísesda Europa Oriental diminuiu em 10%,enquanto em países de nível compará-vel o aumento, no mesmo período, foide 27%. Isso representa uma perda efeti-va de quase 40%. Essa regressão vale

Internacional O Leste Europeu parece cada vez mais formado por países do “Terceiro Mundo”

Europa Oriental: 15 anosdepois, a dura realidade

para todos os países, salvo Polônia eEslovênia.

Hoje, o PIB per capita dos antigospaíses comunistas da Europa Central eda Oriental é 25% menor que o da Amé-rica Latina. Para as repúblicas da ex-UniãoSoviética a situação é mais dramática.Nos anos 1990 o PIB caiu em 33%.

A grande potência industrial queera a Rússia se converteu em um paísdo Terceiro Mundo. O seu PIB (para 144milhões de habitantes) é mais baixoque o dos Países Baixos (com 16 mi-lhões de habitantes). A União Soviéti-ca retrocedeu economicamente emuns 100 anos. Na Revolução Socialis-ta, em 1917, o PIB per capita era de10% em relação ao dos americanos. Em1989, alcançava 43% do índice dosamericanos. Hoje, o PIB per capita rus-so é menor de 7%.

Cerca de 150 milhões de habitan-

tes da ex-União Soviética desaparece-ram dentro da pobreza no começo dosanos 1990. Hoje vivem com menos deUS$ 4 por dia. Segundo a Unicef, umem cada três crianças dos antigos paí-ses do Leste Europeu vive hoje na mi-séria. Um milhão e meio vivem em or-fanatos. Mulheres que procuraramdesesperadamente por trabalho e poruma vida melhor foram empurradaspara a prostituição.

Desde a instauração do capitalis-mo, a Europa Oriental parece cada vezmais formada por países do TerceiroMundo. Na Rússia, uma criança emcada sete sofre de desnutrição crôni-ca. Pela primeira vez em 50 anos, oanalfabetismo reapareceu

*Escrito autor de livros em holandêssobre Cuba, Iraque e a

antiglobalização.

Marc Vandepitte*

Europa Oriental: 15 anosdepois, a dura realidade

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Desde a divulga-ção, no final dejaneiro, dos nú-meros da refor-ma agrária dos

últimos quatro anos – 381,4 mil famíli-as assentadas, segundo o Ministério doDesenvolvimento Agrário (MDA) -, volta-ram a zunir farpas entre governo e movi-mentos sociais, como MST e Contag, porconta de desacordos sobre os critériosutilizados para mensurar o resultado. En-quanto um lado comemorou publica-mente a aproximação da meta do PlanoNacional de Reforma Agrária, fixada em400 mil famílias assentadas entre 2003e 2006, o outro desconsidera, nesta con-ta, operações como reassentamentos ouregularização fundiária.

À espera da divulgação dodetalhamento da contabilidade do MDApara rebater os números oficiais, para osmovimentos sociais fato é que a reformaagrária tem caminhado num ritmo lentodemais para fazer jus às perspectivas demudança deste processo, prometidaspelo governo em 2003.

Muitos analistas da reforma agráriadebitam na conta do ritmo lento dificul-dades operacionais do Incra e o clarofavorecimento do governo ao grandeagronegócio (leia matéria Programa pre-cisa mais de pacote político que de di-nheiro), mas no cerne da questão – e estaé uma avaliação compartilhada pelosmovimentos, Incra, procuradores e até

Juízes retardam prograpromotores do Ministério Público, en-tre outros – está também – ou principal-mente – a atuação predominantementedesfavorável à reforma agrária por partedo Judiciário.

Do alto de sua atribuição de assegu-rar o Estado Democrático de Direito, osdireitos fundamentais do homem e asgarantias constitucionais do país, o Po-der Judiciário tem optado, nas ações quetangem a questão agrária, pelo viés doDireito enquanto instrumento de con-servação e manutenção das estruturassociais existentes, em detrimento doconceito de Direito enquanto instru-mento de promoção das transformaçõessociais que visem a construção de umasociedade livre, justa, fraterna e solidá-ria, avalia Valdez Farias, procurador-ge-ral do Incra.

Neste sentido, aponta Farias, umdado paradigmático é a suspensão pelaJustiça, nos últimos anos, de 157 açõesde desapropriação encaminhadas peloIncra. Se tivesse podido finalizar estesprocessos, explica Farias, o órgão teriaassentado cerca de 15 mil famílias.

Ainda de acordo com o procurador,em ações de retomada de áreas públicasgriladas, que no Norte do país chegam asete milhões de hectares, o Incra tevegrande parte dos 349 pedidos deliminares negados, com vários casos deretirada, por ordem do Tribunal Regio-nal Federal, de trabalhadores rurais deterras da União em benefício de grandesempresas e fazendeiros.

Lado – Um dos casos maisemblemáticos de parcialidade explícitada Justiça, segundo o MST, é o processoque envolve os engenhos da UsinaEstreliana, no município de Gameleira,Zona da Mata de Pernambuco. Com afalência decretada em 1998 por contade uma dívida de cerca de R$ 707 mi-lhões, meses depois os donos daEsteliana foram reempossados pelo Tri-bunal de Justiça de Pernambuco. Nosanos seguintes, explica Jaime Amorim,membro da coordenação nacional doMST, a usina repetiu o procedimento defalência e retomada da propriedade pordiversas vezes, acumulando dívidas nun-ca pagas com trabalhadores e fornece-dores, e utilizando-se, com aval legal,do artifício de mudança da razão socialpara acessar as políticas públicas de cré-dito agrícola.

Composta, segundo Amorim, demais de 25 engenhos (fazendas indepen-dentes ligadas à empresa), desde mea-dos da década de 1990 a Estreliana pas-sou a ter várias áreas reivindicadas parafins de reforma agrária, e hoje abriga seisassentamentos.

Desde a última semana, porém, odestino de 106 famílias assentadas em1996 por decreto presidencial nos en-genhos São Gregório, Alegrinho I eAlegrinho II está nas mãos do SupremoTribunal Federal (STF). Nas próximassemanas, o órgão deve decidir um pro-cesso no qual o Tribunal Regional Fede-ral da 5ª Região deferiu, por maioria,

Verena Glass*

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Ano II – nº 10 – março/abril de 2007 25http://sisejuferj.org.br

uma apelação dos usineiros pela anula-ção do assentamento.

Apesar do recurso do Incra, paraquem “o ato expropriatório já foi con-sumado, não havendo mais possibili-dade de se devolver o respectivo imó-vel à Usina”, sendo que a expulsão dosassentados significaria grave “lesão àordem, à segurança e à economia pú-blica, consubstanciado no fato de que106 famílias vivem no local há maisde 10 anos”, os advogados do MSTestão apreensivos. Principalmenteporque, em uma apelação recente dausina contra outro assentamento –Pereira Grande, criado por decreto pre-sidencial em março de 2006 –, o STF,contrariando sua própria decisão an-terior, deu ganho de causa aos anti-gos proprietários. Em abril do anopassado, cerca de 40 dias após rece-berem do oficial de justiça a posse de-finitiva da área, 50 famílias foram des-pejadas pela Polícia Militar e tiveramsuas roças destruídas. Hoje, aguardamjulgamento da apelação do Incra emum acampamento nas proximidades,sobrevivendo de cestas básicas do go-verno.

“Quero dizer que não acreditomais na Justiça quando o STF garanteuma emissão de posse, eu coloco os

ma de Reforma Agráriatrabalhadores na área, e poucos diasdepois esta decisão é revogada e te-nho que tirar as famílias de suas terrasdebaixo de chicote”, desabafa a supe-rintendente do incra em Pernambuco,Maria de Oliveira.

Desde o início do ano, vários de-cretos presidências de desapropriaçãojá foram suspensos pelo STF. Acatan-do ações impetradas pelos antigosproprietários, os ministros JoaquimBarbosa e Ellen Gracie invalidaram oprocesso de reforma agrária nas fazen-das Marobá, Singapura e Tabatinga,em Almenara (MG), e na Fazenda Antas,em Sapé, na Paraíba.

Conservadorismo – Para o juizde Direito do Rio de Janeiro RubensCasara, participante de um semináriosobre obstáculos e desafios aos ope-radores do direito no tema reformaagrária e direitos territoriais, promo-vido em Recife no final da semana pas-sada pela ONG Terra de Direitos, o MSTe a Comissão Pastoral da Terra (CPT), oconservadorismo do Poder Judiciárioe a “origem aristocrática” da amplamaioria dos magistrados ainda é, noBrasil, o principal instrumento da ma-nutenção da estrutura social, econô-

mica e política estabelecida.“O valor preponderante do Judiciá-

rio é a autoridade, e é ele que assegu-ra o poder vertical da propriedade. As-sim, a decisão judicial se impõe nãoporque é justa, mas pelo instrumentocoercitivo do Estado”, explica Casaroa relação mais ampla doposicionamento conservador da Justi-ça sobre a questão fundiária com a re-pressão aos movimentos sociais docampo.

Neste sentido, avalia Edson Guer-ra, promotor do Ministério Público Es-tadual de Pernambuco, acabam am-plamente desconsiderados não apenasos aspectos sociais dos processos deluta pela terra, como também elemen-tos legais essenciais, como aobrigatoriedade de investigação documprimento da função social da ter-ra, prevista na Constituição.

“O Direito que temos resolve a ques-tão agrária, é só aplicar o Estatuto daTerra e a Constituição. O problema éque os magistrados não têmcapacitação na área dos direitos huma-nos. Sem capacitação, não há sensibi-lidade”, conclui Guerra

*Agência Carta Maior

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26 Ano II – nº 10 – março/abril de 2007http://sisejuferj.org.br

Nossa História 43 anos depois do golpe, Goulart continua taxado de incompetente

ango, que governou o país du-rante um ano, dois meses e 15dias (janeiro de 63 a 1 de abril de64) sob regime presidencialista

e outros 15 meses (de outubro de 61 ajaneiro de 63) sob parlamentarismo, éaté hoje execrado pela elite, a mesmaelite que ocupou o poder durante 21anos de ditadura e posteriormente semanteve no poder sob outra forma.

Agora, mais de 30 anos depois desua morte, o Presidente deposto em64 está sendo analisado em um traba-lho intitulado “João Goulart – Entre amemória e a história”, coordenadopela professora-doutora Marieta deMoraes Ferreira, pesquisadora do Cen-tro de Pesquisa e Documentação deHistória do Brasil da Fundação Getú-

lio Vargas. O livro consiste em umasérie de oito artigos analíticos sobre afigura de Jango, que vai desde a épocaem que ele foi nomeado Ministro doTrabalho de Getúlio Vargas, até a Fren-te Ampla, que reuniu expoentes domundo político como

Juscelino Kubitschek, CarlosLacerda, o próprio Jango, RenatoArcher, Doutel de Andrade e EdmundoMoniz, entre outros, que tentaram aca-bar com a ditadura em 1968.

Em um recente seminário promo-vido pelo Centro Internacional CelsoFurtado de Políticas para o Desenvol-vimento, Almino Afonso, Ministro doTrabalho no governo Jango, recordoufatos relevantes, como, por exemplo,que nos anos 50 o então golpista-mór,

Carlos Lacerda, também conhecidocomo o “corvo da rua do Lavradio”,havia preparado um decálogo dosgolpistas, editado na Tribuna da Im-prensa. O primeiro ponto do manifes-to era o da supressão da Petrobrás, poisa direita, também conhecida comoentreguista, nunca perdoou o fato dea empresa estatal petrolífera existir.Na ocasião, os entreguistas não con-seguiram lavrar o intento, pois não ti-veram força política. Somente anosmais tarde, sob a gestão de FernandoHenrique Cardoso, a direita conseguiualgumas conquistas, chegando até aparticipação de acionistas de WallStreet nas ações da empresa (hoje 49%e mais cerca de 17% de acionistas tes-tas-de-ferro).

Pois bem, no referido seminário,alguns dos analistas da era Jango ten-taram demonstrar a seguinte tese oupelo menos induziram os que partici-pavam da atividade a pensar que omaior culpado da derrubada do presi-dente foi a “radicalização da esquer-da”, sendo o principal artífice dessaradicalização o então deputado Leo-nel Brizola. Ou seja, repetiram a tesesustentada pela direita que interrom-peu o processo democrático no Brasila partir de 64.

De que adianta “reabilitar” Jangocomo democrata e responsabilizar aesquerda por sua derrubada? Isso nãoé fazer exatamente o jogo da direita?Com a palavra a academia e os pesqui-sadores para explicar a oportunidadehistórica perdida depois da renúnciade Jânio Quadros

* Jornalista

Jango, o presidenteexecrado pela elite

De que adianta“reabilitar” Jango comodemocrata eresponsabilizar aesquerda por suaderrubada? Isso não éfazer exatamente o jogoda direita?

Mário Augusto Jakobskind*

O presidente João Goulart,também conhecido comoJango, foi derrubado por

um golpe civil-militar quelevou o Brasil a uma

ditadura de 21 anos. Até hoje, a mídia

conservadora e os políticosgolpistas ainda em cena

tentam de todas as formascolocar Jango no rol dos

presidentesincompetentes.

J

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Ano II – nº 10 – março/abril de 2007 27http://sisejuferj.org.br

Operação Furacão Pela primeira vez, dois desembargadores federais são presos

Polícia Federal prende ex-vice-presidentedo TRF do Rio e mira em ministro do STJ

Polícia Federal (PF), com um con-tingente de 300 homens, reali-zou na manhã de sexta-feira, 13de abril, a”Operação Hurricane”

(Furacão, em inglês), para deter envol-vidos na lavagem de dinheiro por meiode controladores de jogos comobingos e caça-níqueis. Entre os presos,o desembargador José Eduardo Carrei-ra Alvim, que até o dia 12 foi vice-pre-sidente do Tribunal Regional Federalda 2ª Região (RJ e ES). Também foi de-tido o desembargador Ricardo Reguei-ra, do TRF do Rio, e o juiz Ernesto daLuz Pinto Dória, do Tribunal Regionaldo Trabalho de Campinas (SP). Alémdos magistrados, acusados deenvolvimento e conexões com o es-quema criminoso, foram presos o ad-vogado Virgílio de Oliveira Medina, ir-mão do ministro do Superior Tribunalde Justiça (STJ) Paulo Medina – “cita-do” em inquérito que corre em segre-do de justiça no STF.

Também foram detidos os conhe-cidos contraventores Anísio AbraãoDavid, presidente de honra da Escolade Samba Beija-Flor de Nilópolis, Ca-pitão Guimarães, presidente da LigaIndependente das Escolas de Sambado Rio de Janeiro, e Antônio PetrusKalil, o Turcão, apontado pela políciacomo um dos mais influentes bichei-ros do Rio. Abraão David e CapitãoGuimarães são formalmente chama-dos de “ex-contraventores”. Além doRio de Janeiro, a operação se estendepor São Paulo, Bahia e Distrito Fede-ral. Entre os detidos, estão o chefe daPF em Niterói Carlos Pereira da Silva, eos delegados federais Luiz Paulo Diasde Mattos e Susie Pinheiro de Matos.No total foram 25 presos na ação, in-cluindo empresários, advogados, po-liciais federais e civis e um integrantedo Ministério Público Federal.

Depois de levados para a PF, os pre-sos foram encaminhados para Brasília.Das três centenas de policiais que par-ticipam da Operação Hurricane, boaparte deles foi trazida do Rio Grandedo Sul, de Santa Catarina e do Paraná.Além dos 25 mandados de prisão, fo-ram expedidos 70 mandados de bus-ca e apreensão. A PF apreendeu gran-de quantidade de dinheiro e uma fro-ta de carros de luxo.

DESEMBARGADOR – JoséEduardo Carreira Alvim já atuou comoprofessor em diversas instituições deensino do Direito e como diretor-ge-

ral da Escola de Magistratura Federal– Emarf. Ele é bacharel em Direitopela Universidade Federal de MinasGerais (UFMG). Como jurista, Alvim in-tegrou a Comissão de Reforma doCódigo de Processo Civil. Ele é coor-denador do Curso de Mestrado emDireito da Universidade Iguaçu - UNIGe Professor da Universidade Federaldo Rio de Janeiro, sendo também ocoordenador acadêmico do Institutode Pesquisa e Estudos Jurídicos - IPEJ-RJ. O desembargador é membro per-manente do Instituto Brasileiro deDireito Processual – IBDP. É autor dediversos livros, como “Comentário àLei dos Juizados Especiais Federais”,lançado em parceria com sua filhaLuciana Gontijo Carreira Alvim.

Durante o processo eleitoral novosdirigentes do Tribunal Federal Regio-nal da 2.ª região, do qual foi vice-pre-sidente até o dia 12 de abril, Alvim -com 14 anos de tribunal - bateu bocacom concorrentes na eleição. Ele dis-se ter sido vítima de escuta ambientale grampos telefônicos. Em junho de2006, o desembargador determinoua liberação de 900 máquinas caça-ní-queis recolhidas de casas de bingosem Niterói. Um pedido de liminar parao mesmo caso já tinha sido negadopelo relator, desembargador SérgioFeltrin. Mas a decisão de Alvim aca-bou suspensa pelo presidente do Tri-bunal, Frederico Gueiros. Esta é a pri-meira vez na História do Brasil emque, não por crimes comuns, mas simpor acusação de envolvimento com ocrime organizado, são presosdesembargadores federais

Da redação, com informações de BobFernandes, Terra Magazine, O Globo

e Jornal do Brasil.

A

Pela segunda vez no GovernoLula a Polícia Federaldesmonta ramificações docrime organizado dentro doJudiciário. A primeiraoperação foi a Anaconda, emSão Paulo. Dessa vez, um dospresos foi o desembargadorCarreira Alvim (foto)

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28 Ano II – nº 10 – março/abril de 2007http://sisejuferj.org.br

João Bosco Camelo*

art. 203 da CF assegura AssistênciaSocial, independentemente de con-tribuição, a quem dela necessitar.Em seu inciso V garante ao idoso ou

ao portador de deficiência um salário mí-nimo, desde que comprove não possuirmeios de prover sua própria subsistênciaou de tê-la provida por sua família.

A Lei 8742/93 previu em seu art. 20 osrequisitos para a concessão do benefíciode prestação continuada previsto no dis-positivo constitucional. Garante um salá-rio-mínimo mensal ao idoso e às pessoasportadoras de deficiência que, em ambosos casos, comprovem não possuir meiosde prover seu próprio sustento e nem detê-lo provido pela família. Pelo § 3º desseartigo a renda mensal per capita deveráser inferior a ¼ de salário mínimo. Talrequisito foi declarado constitucionalpelo STF na ADI nº 1232/DF.

Ocorre que a jurisprudência vem ad-mitindo, inclusive decisões monocráti-cas do STF, que é possível ao magistra-do reconhecer outros meios de provaidôneos e moralmente legítimos de-monstradores da hipossuficiência do

Oficiais de Justiça Não raro, o oficial se depara com a mais cruel realidade

A importância de verificar in locoas condições de miserabilidade

requerente do benefício, ou seja, pode-se conjugar o critério de ¼ do saláriomínimo com outros elementos que in-diquem a condição de miserabilidade,sem violar o art. 203 da CF. Afinal, umainterpretação sistemática da legislaçãosuperveniente (a qual não foi objeto daADI 1232), permite inferir a flexibiliza-ção do critério de aferição de miserabili-dade em outros benefícios assistenciaiscomo o Bolsa Família e o Programa Na-cional de Acesso à Alimentação.

Os juízes entendendo que o critériodo art. 20, § 3º, da Lei 8742/93 não éexaustivo e visando levantar provas doestado de miserabilidade do requeren-te do benefício têm como opção deter-minar que, por meio de mandado de ve-rificação, o Oficial de Justiça circunstan-cie as condições de vida do requerente.

O Oficial de Justiça trará resposta avários quesitos previamente determina-dos pelo magistrado, a fim de formar suaconvicção quanto à miserabilidade dorequerente. Os mandados costumamdeterminar a averiguação das condiçõesda residência do requerente, número deindivíduos de sua família, a renda famili-ar, se faz uso contínuo de medicamen-tos, o estado dos móveis de sua residên-cia, dentre outros.

Neste momento é que o Oficial de Jus-tiça, não raramente, se depara com a maiscruel das realidades. Pessoas vivendo semdignidade, sem saneamento básico, do-entes, que, por prescrição médica, deve-riam fazer uso de medicamentos que nãosão fornecidos pela rede pública, vivendodo assistencialismo de amigos, parentese de entidades religiosas.

Apesar de o indivíduo requerente vi-ver nas condições acima relatadas, fre-qüentemente, tem o seu pedido de bene-fício negado pelo INSS, que é o responsá-vel pela gerência e operacionalização dobenefício assistencial de prestação conti-nuada, não lhe restando outro caminhoque não a busca da tutela jurisdicional.

Diante desse quadro o trabalho doOficial de Justiça torna-se importantís-simo, enquanto verificador in loco dascondições de vida daquele que, ao ter oseu pedido negado pelo INSS, busca doEstado a prestação de uma assistênciamínima, por meio do Poder Judiciário.Trabalho este que servirá como elemen-to de convicção do juízo quanto à con-dição de miserabilidade do autor, per-mitindo o afastamento do critério ob-jetivo de miserabilidade do §3º, do art.20, da Lei 8742/93, e que, por meio dodeferimento da tutela jurisdicional, es-tará dando efetividade ao Princípio dadignidade da pessoa humana e aos in-cisos do art. 3º da CF

*Oficial de Justiça da SJRJ.

Apesar de o requerenteviver em condiçõesprecárias, muitas vezestem o benefício negadopelo INSS.

O

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epois que vi toda a turba ignara acontestar, por pura inveja, a imi-nência do gol 1000 do sexagená-rio jogador Romário, decidi entrar

de sola a favor do genial baixinho e dizerque também estarei apto a comemorar omilésimo. Isto de contestar é coisa dejornalista invejoso. Qual o problema deRomário ter contado em seus gols os fei-tos pelo infantil, os das seleções amado-ras, os de jogos que não existiram, os deamistosos contra rodoviários, ambulan-tes e associações de mães solteiras? Alémde ter incluído umas peladinhas nos fins-de-semana com os amigos?

Problema nenhum! Vamos deixardestes rigorismos que só impedem quemais pessoas, assim como o baixinho,possam comemorar seus milésimosgols. Vamos socializar os milésimosgols e pedir a mesma cobertura que aGlobo está dando aos fatos.

Eu também fiz minhas contas e voucomemorar quase na mesma data queo baixinho. Atualmente estou, pelasminhas contas (se a velhice não estiverme atrapalhando), com 983 gols, faltan-

Fulgêncio Pena Branca Fiz minhas contas e chego ao milésimo junto ao baixinho

Eu também vou comemorar o Gol Mil

do apenas 17 para completar os 1000.Vamos às contas:Em desafios de gol a gol, eu fiz 125 gols.Em peladinhas de rua, foram mais

253 (com três unhas do pé perdidas),isto já soma 378.

Em jogos na época da Copa do Mun-do, de meninos contra meninas, fiz uns52 gols (já chegamos a 428).

Em campeonatos do colégio, mais5 (bem, estamos em 433).

Na pelada de fim-de-ano, casados con-tra solteiros, todo mundo chapado, be-bim, bebim, mais 70 (já chegamos a 503).

Num campeonato contra o time decegos do Benjamim Constant eu mar-quei 57 gols. Já chegamos a 560 gols.

Jogando partidas duríssimas contrao time do asilo, Há vida depois dos 80 anos,foram mais 88 gols. Estamos em 643.

Também fiz muitos gols em confra-ternização do jardim-de-infância e doprimário, das escolas dos meus sobri-nhos e primos (lógico que não vou per-der uma oportunidade destas), cercade 200... o que dá 843 gols...

Cerca de 40 gols eu fiz em campeo-

nato de totó e jogo de botão, o quetambém é futebol, ainda que de mesa...

Bem, no total, como se pode averi-guar, usando as mesmas prerrogativase critérios rigorosos de Romário, o se-xagenário, dá 983 gols...

Faltam 17 gols... Já estou marcandovários amistosos para comemorar o gol1000. O time das freiras será o próximogrande desafio, depois o time dos doentesterminais, o time dos anões dublês e, seainda assim, eu não conseguir igualar obaixinho, já mandei um ofício confirman-do o jogo do meu grande escrete contra otime do jardim escola Pequeno Príncipe(quando subornarei o goleiro para comple-tar os 1000 gols nesta data festiva).

Por isto, só posso agradecer ao bai-xinho. Obrigado, Romário, se vocêpode chegar, com critérios tão rigoro-sos, ao gol 1000, qualquer um pode.Chegar de invejar Pelé!

Gol 1000 para todos!

*Fulgêncio é alcoólotra, hipocondríacoe escreve de graça para esta página por

falta de coisa mais útil para fazer.

D

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Fausto Wolff Os últimos bons artistas estão ficando velhos. Logo deixarão de perturbar

asicamente a cultura pode ser de-finida como a passagem de valo-res de uma geração para a outra.A cultura é aquilo que é aprendi-do, apreendido, sentido e poste-

riormente vivido. Esses valores – arte,ritual, educação, religião, política, com-portamento, comunicação – de ummodo geral são positivos. Quando, po-rém, elementos puramente pecuniári-os interferem nessa harmonia temosuma arte medíocre a serviço do dinhei-ro e do poder e artistas que se transfor-mam em bufões para servir a classe do-minante. Há, é claro, aqueles que se jul-gam dominadores como canastrão Crui-se, sua jovem mulher e seu ridículo ca-samento trilionário numa aldeia próxi-ma de Roma. O fato de serem ricos nãomuda o fato de serem palhaços do es-quema. A essência de uma coisa é aqui-lo que faz desta coisa ela mesma e nãooutra.. Com raras exceções, portanto,não podemos chamar de arte – música,pintura, literatura, poesia, dança. cine-ma, teatro, TV – algo que não é criaçãono sentindo de humanizar mas obedi-ência a uma política que vê no lucromaterial a razão de ser da vida. Fora eureligioso, já teria me dado conta de queDeus não fez o mundo para ser humi-lhado por suas criaturas.

Desde que o neoliberalismo agarrou-se como sanguessuga no cérebro dasnovas gerações temos apenas genéricosde arte com raras exceções. E essas exis-tiram até mesmo na Idade Negra, casocontrário não teríamos Dante, pelo me-nos. A impressão que tenho, portanto, éque nossos jovens “artistas” em vez deaperfeiçoarem a tradição que receberamdecidiram destruí-la para obedecer aocomércio que quer artes e artistas des-cartáveis como papel higiênico. Os últi-mos bons artistas em todos os setores,fiéis ao humanismo político e à sua arteestão ficando velhos. Logo deixarão deperturbar. Quando isso ocorrer poucosse lembrarão dos Anos de Ouro da arte ecultura brasileiras. Já terão aceitado como

Cultura é o nome da mocinha doente!

axioma os Anos de M...Há salvação? Alguns visionários

usam as armas da modernidade paraaprimorar o ser humano. O Ministériode Educação tem site –www.dominiopublico.gov.br – onde sepode ler todos os clássicos ocidentais eas melhores histórias em quadrinhos domundo. Só de literatura brasileira sãoquase 800 obras. Pois bem, hoje fui in-formado de que o site será desativadopor falta de público. Concordo: há os quenão tem tempo, os milhões que não temcomputador. Mas os outros. Eu respon-do: as cuquinhas estão programadaspara só aceitar besteiras. Daí o infernode piadas, pornografia e comerciais do-minando os computadores.

Um exemplo pessoal: há alguns anosa Editora Civilização Brasileira que des-tacou-se na luta contra a ditadura, eradirigida por meus amigos Enio Silveira,o último príncipe comunista e por JoséSalomão. Com a morte de Enio Salomãocontinuou editando os livros progra-mados. Um deles foi a explêndida bio-

grafia de Edmond Wilson escrita por umgrande repórter e intelectual, JeffreyMeyers. Salomão encarregou-me de tra-duzi-la o que me deu grande alegria,pois Wilson foi certamente o maior inte-lectual norte-americano do século pas-sado. Poucas vezes dediquei-me comtanto afinco a uma tarefa Achava queseria importante para os brasileiros umcontato maior com a vida de Wilson queos levasse aos seus livros e aos livros porele discutidos. Passei quase um ano tra-duzindo e discutindo, pelo telefone, asdúvidas, por menores, que fossem, comJeffries. Pouco depois, porém, a Civiliza-ção foi vendida e há alguns anos, o escri-tor e jornalista gaúcho Jean Scharlau,redator chefe do meu site na Internet,enviou-me três cópias do livro. Não quisaceitar, pois sabia que o preço de capaera cerca de 60 reais. Ele, porém, me dis-se quer havia comprado quinze exem-plares a 5 reais a cópia num grande su-per-mercado de Porto Alegre.

Chorei interiormente e logo um ami-go me disse: “O que querias? Não existemais público para isso e nem as editorasestão interessadas. O que vende são li-vros sobre metafísica, auto-ajuda, bio-grafias de atletas e artistas, rituais, gno-mos, misticismo e como vencer na vidade qualquer maneira que não dê muitotrabalho.”

Para Gore Vidal que está vivo, foi con-temporâneo de Wilson e nao me deixamentir, ele foi o maior pensador do sé-culo XX. E olhem que Vidal tem a si mes-mo em altíssima estima e não distribuielogios como quem dá tapinhas nas cos-tas. Um livro que certamente venderiavárias edições nos anos 50, 60, 70. Apartir daí a arte passou a ser tratada comouma meretriz e como não é uma mere-triz também não é arte. Não fiquem tris-tes, pois logo lhes falarei sobre esse DomQuixote baixinho, gordinho, beberrãoe genial que foi Edmond Wilson. Se gos-tarem dele, quem sabe o encontrarão naprateleira entre um sabonete e uma pas-ta de dentes

B

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