Anne Mather - A Força do Desejo (Leopard in the snow) 1979 (Sabrina 51)

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    A Fora do Desejo (Leopard in the snow) Anne Mather

    A Fora do Desejo(LEOPARD IN THE SNOW)

    Anne Mather

    Helen no conseguia acreditar no que seus olhos viam: sua frente estava um leopardo! Em meio a uma

    terrvel tempestade de neve, com o carro enguiado,sua situao no podia ser pior. Ela estava perdida,numa regio isolada, ao norte da Inglaterra.

    Felizmente, o leopardo era manso, e o dono do animal,Dominic Lyall, surgiu para socorr-la, oferecendo sua

    manso para que ela se hospedasse. Mas a situaotransformou-se num pesadelo, quando Helen descobriuque Dominic pretendia aprision-la ali. Como poderia

    fugir, se no tinha idia do lugar onde estava? Pior

    ainda: como enfrentar seu prprio desejo de ficar ali,com ele?

    Copyright: ANNE MATHER

    Ttulo original: "LEOPARD IN THE SNOW

    Publicado originalmente em 1974 pela

    Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

    Traduo: MARCELO CORO

    Copyright para a lngua portuguesa em 1979Abril S. A. Cultural e Industrial, So Paulo

    Composto e impresso nas oficinas da

    Abril S. A. Cultural e Industrial. So Paulo

    Caixa Postal 2372 So Paulo

    Foto da capa: DUEPIU

    Digitalizado e revisado por: Nlm

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    CAPTULO I

    Na primavera e no vero, os picos imponentes e os lagos escondidos entre as montanhas ecoam

    com a algazarra dos turistas que fogem da agitao e do barulho das cidades grandes. Eles chegamaos milhares, carro aps carro, acampam ou fazem piquenique nos lugares pitorescos, arrastam atrsde si caravanas interminveis pelas estradas de rodagem, como uma imensa invaso de lesmasgigantes. Alpinistas, que nunca usaram botas de pregos, sobem nos picos altos para apreciar a

    paisagem. O trnsito intenso paralisa as estradas estreitas que levam aos lagos mais freqentados. Huma infinidade de lojinhas minsculas que vendem lembranas, cartes-postais e toda a coleo deobjetos do artesanato local. Nos lagos propriamente ditos, as velas estufadas dos veleiros contrastamcom as lanchas possantes que passam a toda velocidade, levantando um mundo de espuma. Em toda

    parte h esportistas de bluses de nilon e salva-vidas, e todos querem dar a impresso de quenasceram beira do lago. Os hotis esto sempre lotados, os bares e os cafs desfrutam de ummovimento inusitado.

    Os moradores do local, no entanto, aguardam com ansiedade o momento em que os turistasregressem as suas casas e deixem a regio dos lagos para aqueles que a possuem por direito.

    Era dessa temporada de vero que Helen se lembrava com saudade. Quando moravam nonorte da Inglaterra, o pai tinha um barco a vela e ensinou a filha a navegar nas frias de vero.Pensando nisso agora, aquele parecia um perodo inesquecvel na sua vida. Naquela poca o pai noera o homem ambicioso que se tornou depois, e no pensava constantemente em ampliar os negciosda companhia de que era o proprietrio. Isso foi antes de se casar com Isabel Thorpe e tornar-se umhomem muito rico e influente, adepto de esportes mais sofisticados do que velejar no lago...

    Agora, entretanto, as montanhas estavam cobertas de neve. O inverno rigoroso comeara halguns dias e at mesmo os lagos tinham uma pelcula de gelo na superfcie. Quando Helen parou noltimo lugarejo para informar-se sobre a estrada que levava a Bowness, descobriu que se afastara doseu destino original, o que no era de admirar, j que a maior parte das setas indicadoras estavamcobertas pela neve. Sentia calor e conforto no interior do carro; no quis sair e limpar a neve queencobria as setas. Fora preguiosa, reconhecia agora, e no se lembrava mais das diversas estradasque se bifurcavam nas grandes e, como todas se pareciam umas com as outras naquelas condies, elatomara certamente vrias estradas erradas.

    Consolou-se, porm, ao olhar o relgio de pulso. Eram apenas duas da tarde e, com um poucode sorte, tinha tempo de sobra para chegar ao hotel antes de escurecer. Qualquer hotel serviria,contanto que a roupa de cama fosse limpa e a comida decente. Continuaria a viagem no dia seguinte.

    No dia seguinte!

    Lembrou-se do pai. No dia seguinte, Philip teria descoberto que a filha fugira de casa. O quefaria? Aceitaria os termos do bilhete que ela deixara, dizendo que precisava passar algum temposozinha, ou organizaria uma busca para descobrir seu paradeiro? A ltima alternativa parecia a mais

    provvel. Philip no era o tipo de homem que gostava de ser contrariado e ficaria certamente furiosocom o comportamento da filha, sua filha nica, que o desafiara publicamente.

    Entretanto, as perspectivas que ele tinha de descobrir seu paradeiro eram remotas. Helen podiacongratular-se de haver partido em direo ao norte. Isso fora realmente uma inspirao providencial.

    Nos ltimos anos, ela freqentara as ilhas do Caribe e o sul da Frana. Seu pai iria procur-lacertamente num local de clima quente, nunca numa regio coberta de neve. Ele sabia que a filhaadorava o sol, que gostava de nadar, esquiar no lago e velejar, todos esportes martimos. Jamaisimaginaria que Helen se lembraria do pequeno hotel onde costumava se hospedar quando era menina,

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    nos anos que se seguiram morte da me, quando o pai e a filha eram inseparveis. Jamais lhepassaria pela cabea que Helen iria aventurar-se a dirigir sob a neve que caa pesadamente nasestradas...

    A neve estava cobrindo o vidro do carro e as varetas de borracha no davam conta do recado.

    Helen tinha a impresso que passara muito tempo desde que cruzara com outro veculo na estrada.Ser que se perdera novamente? Aquela estrada levava aonde? Talvez fosse a entrada particular dealguma fazenda... Como faria agora para manobrar num caminho to estreito?

    Franziu a testa. Se fosse a estradinha de uma fazenda, bateria na porta e perguntaria a alguma direo a seguir. No contava mais chegar a Bowness naquela tarde. Podia hospedar-se em qualquerlugarejo do caminho.

    O pra-brisa estava totalmente embaado. Com uma exclamao de impacincia, brecou ocarro, deixou o motor funcionando em marcha lenta e limpou a neve do vidro. A neve grudava nosdedos. Com um arrepio de frio, entrou novamente no carro, bateu a porta e ajeitou-se no banco.Talvez no devesse ter vindo de carro, pensou. Devia ter tomado o trem, ou o nibus, teria sido mais

    prtico. Tudo porque no queria correr o risco de ser reconhecida por algum na estao...

    Pouco depois, os limpadores de pra-brisa grudaram de novo e ela foi obrigada a sairnovamente para endireit-los. Estava dirigindo descala, sem as botas de cano longo, queatrapalhavam os movimentos dos ps. Na primeira vez, ela se equilibrou na beira da porta para soltaras varetas. Agora, no entanto, achou prefervel colocar as botas nos ps para fazer uma limpeza emregra no vidro. Enquanto estava ocupada com isso, o motor morreu.

    Helen balanou a cabea contrariada, levantou-se do banco e saiu. A neve, mesmo em cima doasfalto, batia na bainha da sua cala. Algumas gotas umedeceram seus ombros enquanto limpavarapidamente o vidro. Aps verificar que as varetas estavam soltas e iriam funcionar normalmente,

    Helen entrou no carro e ajeitou-se no banco.

    Levou alguns minutos para retirar as botas dos ps e dar novamente a partida. O motor dearranque girava velozmente, mas o carro no pegava. Xingando baixinho, Helen tentou diversasvezes. Manteve a chave virada mais tempo e ouviu o motor de arranque zumbir no interior silenciosodo carro, mas nada do motor funcionar. Uma leve sensao de pnico percorreu-lhe o corpo. E agora?O carro ia deix-la na mo, bem ali? Isso nunca acontecera antes. O carro era novinho, sara h poucoda reviso. A verdade que nunca enfrentara uma situao como aquela.

    Vrios minutos depois, desistiu finalmente de dar a partida. Estava escurecendo rapidamente elogo no enxergaria mais nada. No podia correr o risco de ficar mais tempo ali, na esperana de que

    algum passasse e lhe desse ajuda. No havia sinais visveis de que a estradinha fora usada durante odia, embora a neve que caa impedisse qualquer inspeo mais exata. Mesmo assim, a deciso maisrazovel seria deixar o carro ali e partir em busca de socorro. Se permanecesse onde estava e ningumaparecesse, o carro podia ser coberto pela neve. Muitos motoristas haviam perdido a vida dessaforma.

    Afastando esses pensamentos sinistros da cabea, Helen apanhou as botas e comeou a cal-las pela terceira vez. Que amolao! pensou consigo. Quando poderia imaginar, ao sair de Londres demanh, que estaria nessa situao ao entardecer? O pior era que ningum ia pensar em procur-la ali!

    Seu otimismo de antes comeou a esmorecer rapidamente. Balanou a cabea e saiu do carro.O casaco grosso pelo menos era quente. Forrado de plo de carneiro e de camura escura por fora, era

    bem visvel na brancura da neve. Talvez algum a avistasse de longe e viesse em seu auxlio.Levantou o capuz para proteger as orelhas e enfiou para dentro os fios compridos dos cabelos que ovento soprava sobre o rosto. Bem, no h de ser nada! murmurou consigo. Enfiou as luvas para

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    aquecer as mos, enrolou as pernas da cala at a altura dos joelhos e apanhou a bolsa no carro.Estava com tudo o que era essencial para uma situao de emergncia.

    Olhou para um lado e para o outro da estrada deserta. No adiantava voltar para trs. Nohavia nada naquela direo pelo menos nos prximos quilmetros. Para a frente poderia encontrar

    uma fazenda ou um stio.A neve picava a face corada e o vento assobiava sinistramente entre os galhos desfolhados das

    rvores que ladeavam o caminho. Helen pensou em atravessar a cerca e subir no alto do morro, paraver se avistava alguma habitao por perto. Entretanto, ao tentar fazer isso, afundou na neve quase atos joelhos e recuou imediatamente, desistindo de qualquer tentativa nesse sentido. Se caminhassealgum tempo pela estradinha acabaria encontrando uma casa, pensou consigo, procurando se animar. Amenos que o caminho servisse apenas para dar a volta no morro. No havia dvida que estava subindoo morro, como indicava o esforo de suas pernas, mas que outra alternativa havia?

    Parou e olhou para trs. Era impossvel avistar alguma coisa alm de um raio de uma centenade metros. Estava total e completamente perdida. O tom acinzentado que avistava no cu no eraneblina. Era a noite que descia rapidamente e se no encontrasse nenhuma casa at escurecer estavafrita! Iria pagar dessa forma o fato de ter desobedecido ao pai e fugido de casa...

    Algo se moveu na sua frente. Com o canto dos olhos, Helen avistou o movimento produzidopor um vulto escuro sua direita. Piscou os olhos. O que era aquilo? Um animal, provavelmente,procurando comida. Pobres criaturas do mato. O que podiam encontrar para comer embaixo daquelemanto de neve?

    Piscando sob a neve que caa em cima das pestanas e escorria pelos olhos, procurou identificara forma que chamara sua ateno. Era um animal, certamente atrado pelo casaco escuro que vestia.Talvez um cachorro, pensou, mais animada. Se viesse acompanhado do seu dono, ela estaria salva!

    O animal vinha pulando na sua direo. De longe, parecia um cachorro. Tinha o plo castanhoe, quando o bicho chegou mais perto, Helen notou que tinha manchas escuras no corpo. Parecia umco dlmata pintado de marrom, mas no havia nenhum dlmata dessa cor!

    Foi ento que suas pernas amoleceram. Sentiu uma contrao na boca do estmago e o pnicoganhou-a no mesmo instante. No era um cachorro, aquilo! No era um animal domstico. Era umleopardo! Um leopardo na neve!

    No primeiro momento, ficou paralisada de medo. Estava hipnotizada pelo passo silencioso eameaador do animal. Balanou a cabea de um lado para o outro, sem saber o que fazer. No havialeopardos naquela regio! Devia ser alguma alucinao terrvel produzida pela luz ofuscante da neve.A criatura no fazia nenhum rudo. No podia ser verdadeira!

    Entretanto, quando o animal se aproximou mais alguns metros, Helen viu a compleiopoderosa, os msculos que se moviam embaixo do plo sedoso, os dentes fortes e as orelhaslevantadas. Ela tinha a impresso, inclusive, que podia sentir o bafo quente da fera.

    Com uma exclamao de susto, fez exatamente o que no devia: deu meia-volta e comeou acorrer. Quando era menina de colgio, Helen costumava passar os fins de semana no stio de umaamiga. Os pais da menina recomendaram-lhe que no corresse nunca de um animal, porque isso oexcitava ainda mais. Naquele momento, contudo, ela obedeceu unicamente a um reflexo impulsivo deautoconservao.

    Tropeou na neve funda que se levantava ao lado da estrada e tentou passar por baixo dacerca. Os ramos grudaram nos cabelos e arranharam o rosto, mas tudo era prefervel a ser devorada

    pelos dentes impiedosos do leopardo, e o pnico deu vida nova s pernas cansadas. O campo estava

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    coberto de uma camada espessa de neve que dificultava a corrida. De um momento para o outrosentiria o hlito do animal na sua nuca, e as patas pesadas se abateriam impiedosamente sobre ela. Ossoluos afogavam sua garganta, as lgrimas saltavam dos olhos. Ela no devia ter sado de Londres!Era isso que dava comportar-se de forma egosta e irresponsvel!

    0 p afundou num buraco de lebre, ela perdeu o equilbrio e caiu. Soluando, ofegante, tentouarrastar-se mas, ao fazer isso, ouviu o som bem-aventurado de uma voz humana, de uma voz quegritava:

    Sheba! Aqui! Aqui!

    Com a respirao presa, olhou furtivamente na direo da voz. O leopardo tinha parado halguns metros de distncia e a observava com uma intensidade inquietante. Um homem alto e magroatravessava rapidamente a cerca, vestido todo de preto casaco preto, cala preta, botas pretas decano longo. A cabea estava descoberta, porm, e Helen observou que os cabelos eram to louros que

    pareciam prateados em alguns pontos. Apesar disso, a pele era bem morena e no tinha a cor clara queacompanha em geral esse tom de cabelo. Havia algo vagamente familiar nos traos angulosos dohomem, nos olhos fundos sob as plpebras pesadas, no nariz aquilino fortemente esculpido, na bocalarga de lbios finos que, no momento, estava curvada com uma expresso de poucos amigos. Ela viutambm que o homem mancava visivelmente, o que dava a seu andar um movimento caractersticodos quadris.

    O leopardo voltou a cabea na direo do homem, que o afagou com um gesto de carinho.

    Quieta, Sheba! murmurou em voz baixa. No instante seguinte, levantou a cabea nadireo dela. Desculpe o susto disse, sem dar a impresso de que estivesse realmenteincomodado com o incidente. Mas voc no devia ter corrido. Sheba no teria tocado em voc.

    O tom arrogante da voz irritou-a profundamente. Ela no estava habituada a correr paradefender a vida, muito menos a mostrar-se apavorada diante de um homem. Pelo contrrio, a beleza eo encanto dos cabelos negros, do rosto pequeno e bem feito tinham facilitado sempre seurelacionamento com os homens. Embora no fosse convencida, tinha conscincia da atrao queexercia sobre o outro sexo. Entretanto, pela maneira como este homem a observava, sentia-se ridculae assustada como uma criana que foi repreendida por um adulto.

    Como voc pode dizer uma coisa dessas? retrucou por fim, com um leve tremor navoz. Se voc no tivesse chamado esse bicho, eu teria sido devorada!

    Sheba foi treinada para trazer a presa, no para devor-la comentou o homemlentamente.

    Eu no sabia que era presa de caa! exclamou Helen, tirando a neve das mangas.

    Voc correu.

    Ah, entendo. Procurou dar uma inflexo sarcstica voz. Eu vou me lembrardisso no futuro!

    O rosto do homem amoleceu com uma expresso divertida.

    Eu no esperava encontrar nenhuma caa hoje.

    E no encontrou, que eu saiba!

    Como no? Olhou em volta. Voc veio aqui apenas para admirar a paisagem?

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    Helen corou com a pergunta.

    Meu carro enguiou e eu o deixei na estrada. Apontou vagamente para longe. Estava procurando socorro quando... quando seu leopardo...

    Sheba? O homem olhou para o grande felino que estava sentado ao seu lado. Sheba no leopardo. a fmea de um guepardo, mas eu creio que os dois so parentes prximos. Osguepardos so chamados algumas vezes de leopardos caadores.

    Ah, bom eu saber disso disse Helen com um arrepio nervoso. No momentoporm estou mais interessada em encontrar um telefone...

    O homem fez uma festa na cabea do animal.

    Infelizmente no h nunhum telefone pblico por perto.

    Ento numa casa particular... Algum que tenha telefone.

    H poucas casas na redondeza disse o homem com um gesto de indiferena.

    Helen apertou as mos com fora.

    Voc est sendo propositalmente antiptico ou essa sua maneira de tratar os estranhos?

    O homem no se abalou com a rispidez das palavras.

    Estou tentando explicar apenas que voc se encontra numa regio bastante isolada. Mas euposso lhe oferecer minha casa, se voc no se importar em passar mal...

    Helen hesitou um instante.

    Muito obrigada, mas eu no o conheo...

    Eu tambm no a conheo.

    Eu sei, mas... Mordeu o lbio sem jeito. Voc casado?

    No.

    Voc mora sozinho com esse... bicho?

    Tambm no. O homem deu um passo para o lado, como se a perna doesse de ficar

    parada no mesmo lugar. Tenho um criado. Moramos os dois na mesma casa.Helen refletiu rapidamente. Ah, que situao! Estava diante de duas alternativas igualmente

    desagradveis. Continuar andando sozinha, na esperana de encontrar mais cedo ou mais tarde acabana de um pastor ou uma fazenda nas montanhas, o que era certamente uma deciso arriscada. Ouento acompanhar esse homem um perfeito desconhecido! at sua casa, correndo o risco de

    passar a noite na companhia de dois indivduos estranhos. Que dilema!

    Decida-se! disse o homem com uma certa impacincia. Havia linhas de cansao emvolta da boca e dos olhos, e foi esse sinal visvel de vulnerabilidade que levou Helen a tomar umadeciso.

    Vou aceitar seu convite murmurou sem jeito. S que tenho que voltar paraapanhar as malas no carro...

    Pode deixar. Meu criado ir busc-las mais tarde disse o homem, comeando a

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    descer o morrinho em direo estrada de rodagem. Vamos andando antes que escurea.

    No seria melhor nos apresentarmos um ao outro? perguntou Helen, passando alngua nos lbios secos.

    Vamos deixar isso para depois respondeu o homem com o olhar cansado. Ouvoc prefere ficar encharcada at os ossos?

    Helen deu um suspiro. No podia fazer objeo. Seguiu o desconhecido pelo barrancoescorregadio e procurou manter uma distncia razovel do corpo esguio e do rabo comprido doguepardo. Ao descerem para a estradinha, que estava coberta de neve nos dois lados, o guepardotomou a dianteira e Helen caminhou ao lado do homem. Embora ele mancasse visivelmente, tinhacerta elegncia e leveza, como um ex-atleta. Por que seu rosto lhe parecera familiar primeira vista?Conhecia-o de algum lugar? Ou era porque o homem a lembrava de outra pessoa... de algum queconhecia? Helen no sabia dizer.

    Logo depois da primeira curva, havia um caminho mais estreito que rumava para a direita. Por

    ali os dois seguiram, atrs do guepardo. Uma tabuleta, quase coberta de neve, indicava que estavamnuma propriedade particular e Helen sentiu uma certa apreenso ao ver aquilo. Aquele homem podiaser algum mal-intencionado. Podia lev-la para qualquer lugar perdido no mato... Podia, inclusive,ter mentido sobre a existncia de telefone e outras casas nas redondezas.

    Se voc preferir voltar, ainda est na hora comentou o desconhecido, como se lesse seupensamento. Eu no vou mandar Sheba busc-la, se isso que voc tem medo.

    Helen balanou a cabea com vivacidade.

    Por que haveria de voltar?

    No sei disse o homem encarando-a. Ela observou sem querer que o desconhecidotinha as pestanas mais compridas que j vira. Pretas e espessas, quase cobriam os olhos, que eram deum tom castanho-avermelhado, como os olhos do guepardo. E, como os olhos frios de Sheba, os dohomem eram igualmente indecifrveis.

    O caminho estreito subia, em curvas fechadas. Passaram por uma porteira,atravessaram um campo, onde uma picada fora aberta recentemente, e subiram em seguida uma

    pequena lombada, que estava semi-encoberta pela neve. Finalmente, Helen avistou um bosque dervores desfolhadas e, mais adiante, a casa antiga. Tinha uma aparncia bem rstica e as paredes de

    pedras estavam brancas de neve. A fumaa saa da chamin no alto do telhado e havia luzes acesas nasala. O gramado da entrada era visvel sob as pegadas do homem e do animal que caminhavam na sua

    frente. Logo depois, chegaram ao ptio de cascalho em frente da casa.

    O desconhecido esfregou e bateu os ps na grade de ferro e aconselhou-a a fazer o mesmo, afim de retirar a neve das botas. Em seguida, abriu a porta de madeira de lei, com tachas de cobre, econvidou-a a entrar. Helen olhou apreensivamente para Sheba. O animal a observava, sem piscar. Elatomou coragem, encolheu-se junto porta e entrou na sala.

    Ao receber o bafo quente no corpo, percebeu que estava morta de frio. Sua solido na estrada,o encontro assustador com o guepardo e a conversa inquietante com o desconhecido distraram-namomentaneamente do frio. Mas ali, no ambiente gostoso da sala revestida de madeira, comeou atremer visivelmente e a bater os dentes.

    Ao ouvir o rudo da porta da frente, um homem aproximou-se. Embora estivesse trmula enervosa, Helen observou atentamente o recm-chegado. Era da mesma altura que o dono da casa, masduas vezes mais largo de peito; tinha o fsico de um lutador, os ombros e a cabea completamente

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    raspada. Dirigiu-lhe um olhar de cortesia antes de voltar a ateno para o homem que estava em p aoseu lado.

    Estava comeando a ficar preocupado com sua demora disse, abaixando as mangasenroladas da camisa. Aconteceu alguma coisa?

    O dono da casa desabotoou o casaco grosso de l, enquanto examinava pensativamente amoa trmula e assustada que estava a seu lado.

    Ns temos uma visita, Bolt. O carro desta moa enguiou na estrada. Depois do ch,gostaria que voc apanhasse as malas que ficaram l.

    A expresso de Bolt, ao ouvir o pedido do dono da casa, era semelhante de Sheba, pensouHelen com maldade. Os dois se comportavam como se a segurana e o bem-estar do homem fossem acoisa mais importante do mundo.

    Pois no. Bolt deu um sorriso em direo a Helen. Vou arrumar seu quarto.

    Isso mesmo. O homem tirou o casaco de couro, forrado de l, e ficou apenas de camisae colete. O criado apanhou o casaco e voltou-se em seguida para Helen. D seu casaco a ele. Boltvai sec-lo e pendur-lo no cabide do corredor.

    Helen estava tremendo tanto que no conseguia soltar os botes de couro. O dono da casa deuum passo frente, inclinou-se e desabotoou num minuto o casaco. Retirou em seguida o casaco dosombros dela e estendeu-o para o criado.

    Helen comeou a tremer mais ainda. Sentiu-se embaraada diante da familiaridade dodesconhecido. No conhecia esse homem de cara fechada e no fazia a menor questo de conhec-lo.Algo nele a assustava. Talvez fosse o fato de arrastar a perna, o jeito arrogante de falar, ou a maneira

    como o quadril se movia quando andava. Mesmo assim, o leve toque dos dedos morenos provocouuma sensao repentina de calor no seu brao. Imediatamente, sentiu-se ao mesmo tempo fascinada erepelida.

    Bolt abriu uma porta direita. Ao compreender que os dois homens aguardavam que elapassasse na frente, Helen caminhou rapidamente para a sala ao lado, esfregando os braos para fazercessar o frio intenso que sentia. Foi dar numa enorme sala de estar, iluminada por duas lmpadascomuns, e pelo brilho das chamas da lareira de tijolos. A madeira estava cuidadosamente empilhadanum canto e a pea tinha o cheiro forte de pinho silvestre. O assoalho era par cialmente coberto detapetes pequenos; alm das diversas cadeiras e da escrivaninha de madeira escura, havia um sofgrande e antigo, que parecia muito confortvel. As estantes perto da lareira estavam repletas de livros,

    revistas e jornais. Ao lado da cadeira de brao, diante da lareira, havia uma bandeja com uma garrafade usque e um frasco de cristal, provavelmente de conhaque. Havia apenas dois copos na bandeja.

    A porta se fechou quando Helen indagava a si mesma para quem podiam ser os dois copos, elevou um susto quando Sheba roou nas suas pernas e foi deitar-se defronte da lareira. Olhou em voltaapreensivamente, com receio de ficar sozinha na companhia do animal, e viu o homem aproximar-se,

    puxando a perna.

    Sente-se, por favor disse, apontando para o sof confortvel. Aps um momento dehesitao, Helen sentou-se na beira de uma cadeira de brao.

    0 homem foi sentar-se meio contrariado na cadeira em frente, esticou as pernas e deu umsuspiro. Aps um momento, voltou-se de lado e tirou a tampa do frasco de cristal.

    Voc toma um conhaque? perguntou em voz baixa. Seria bom para passar o frio.

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    Helen balanou a cabea e aceitou o copo que ele lhe estendeu. Conhaque no era sua bebidapredileta, mas no queria ser indelicada e bebeu lentamente, sentindo a garganta arder. Pouco a poucoo tremor cessou por completo.

    O dono da casa no bebeu nada. Reclinou-se na cadeira de brao, com os olhos entreabertos e

    fitou-a com uma intensidade penetrante. Pouco depois Bolt voltou com uma bandeja de ch. Expulsouo guepardo de sua posio confortvel junto ao fogo e montou uma mesinha de dobrar naquele ponto,colocando a bandeja ao alcance do dono da casa.

    Agora vou buscar as malas no carro disse Bolt com animao. O porta-malasest fechado?

    Ah, sim! A chave est aqui! exclamou Helen com um sorriso, enfiando a mo nabolsa. Retirou um chaveiro de couro e estendeu-o para o criado. Muito obrigada. O carro est a umquilmetro mais ou menos daqui.

    No se incomode, vou encontr-lo.

    Muito obrigada.

    Helen tornou a sorrir e ajeitou-se melhor na cadeira. O conhaque estava fazendo efeito e ela sesentia bem de novo. No dia seguinte, por essas horas, estaria em Bowness e esse contratempo nocaminho seria apenas uma lembrana divertida para contar a seus amigos em Londres.

    Depois que Bolt saiu da sala, o dono da casa endireitou-se na cadeira e examinou a bandeja.Alm do bule de ch e de biscoitos, havia um pratinho de sanduches e uma torta muito apetitosa dema.

    Com leite e acar, ou limo? perguntou o homem, encarando-a com os olhos castanhos

    penetrantes. Helen, no entanto, no se deixou intimidar dessa vez.

    Com leite, mas sem acar, por favor. Enquanto o dono da casa a servia, perguntou: Voc no acha que est na hora de nos apresentarmos?

    Ele terminou de servir o ch, acrescentou leite e estendeu a xcara para ela.

    Se isso for importante para voc...

    Helen engoliu em seco.

    Quer dizer ento que voc convida uma pessoa estranha para dormir na sua casa e no tem

    a menor curiosidade em saber como ela se chama?

    Talvez eu considere a pessoa mais importante que o nome observou o homem,encarando-a fixamente, sem piscar. Por exemplo, eu no preciso saber seu nome para adivinharque voc uma moa independente que no gosta de seguir os conselhos dos outros.

    Como voc pode saber isso? perguntou Helen, com o rosto vermelho.

    Bem, no muito comum encontrar uma moa andando sozinha por esta regio desolada.Voc pretendia passar alguns dias aqui? Talvez tenha combinado encontrar-se com algum mas, nem

    por isso, parece preocupada em passar a noite fora...

    Helen bebeu um gole de ch.

    As mulheres hoje viajam sozinhas.

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    Mas no em condies como estas, em pleno inverno!

    Eu posso estar a trabalho...

    E perdeu o caminho?

    possvel. Mas no provvel.

    Por que no?

    Porque voc no tem cara de trabalhar.

    Ah, no? exclamou Helen, surpresa com o comentrio.

    Notei isso pela maneira como voc falou com Bolt. Como se voc estivesseacostumada a ter criados em volta fazendo todas as suas vontades.

    Helen deu um suspiro. Tinha a impresso de que sairia sempre perdendo se discutisse com

    esse homem antiptico e arrogante. Mas era sua convidada, afinal. Talvez pudesse ser um pouco maisdelicada e no agredi-lo inutilmente. Havia no entanto alguma coisa no homem que provocava suaagressividade.

    Est bem admitiu por fim. Voc tem toda razo. Eu no trabalho em nenhumacompanhia. Meu nome Helen James e sou a filha nica de Philip James.

    Sinto muito, mas no tive o prazer de conhecer seu pai comentou o homem comuma certa ironia na voz. Helen notou que ele no tinha tomado o ch at agora, mas comera umsanduche. Tenho a impresso de que estou um pouco por fora das colunas sociais...

    Ele deu um sorriso e, durante alguns segundos, pareceu anos mais jovem. Os lbios dela seentreabriram. O rosto dele! Algo na fisionomia dele era familiar. Tinha visto aquele rosto antes emalgum lugar! Mas onde? Quando? Em que circunstncia?

    Enquanto tentava solucionar mentalmente o enigma, procurou ganhar tempo.

    Meu pai Sir Philip James. A campanhia dele recebeu meno honrosa este ano pelaCmara do Comrcio.

    O desconhecido assentiu com a cabea.

    Muito bem.

    E voc? Voc ainda no me disse seu nome insistiu Helen com uma certaindelicadeza que no combinava nada com suas maneiras educadas.

    Diga-me primeiro o que voc estava fazendo aqui... to longe da civilizao.

    Ela mordeu o lbio de despeito.

    Para falar a verdade, eu queria me afastar alguns dias da famlia. Precisava refletirsozinha e pensei que meu pai nunca me procuraria aqui.

    Ento voc fugiu de casa? indagou o homem, levantando as sobrancelhas.

    Mais ou menos. Deixei um bilhete para meu pai. Ele no vai se inquietar com minhaausncia.

    Tem certeza?

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    Bem, espero que no. Helen mexeu-se sem jeito na cadeira. De qualquer maneira,voc no precisava se preocupar com isso. Eu lhe fico muito grata por voc ter aparecido no momentoexato. Mais alguns minutos e eu estaria em maus lenis no meio daquela neve.

    Exatamente. Voc podia ter morrido l A voz dele era baixa, sonora e no primeiro

    instante Helen sentiu um arrepio ao se lembrar do perigo por que passara. Voc fez muito mal deno avisar ningum sobre seu paradeiro. No lhe ocorreu que o carro podia ficar enterrado vrias diasna neve, antes de ser encontrato? Ele fitou-a com ateno. Diga-me uma coisa... O que a levoua fugir repentinamente de casa?

    Helen ouviu indignada a pergunta.

    Desculpe, mas acho que isso no da sua conta!

    Eu sei que no , mas estou curioso para saber. Satisfaa esse capricho de algum que noreside mais no mundo de onde voc veio...

    Helen mirou-o atentamente, perplexa. Que palavras estranhas! Por mais que aquela regiofosse isolada no inverno, no estava distante da civilizao. A menos que fosse essa sua inteno.

    Meu pai quer dirigir minha vida disse lentamente. Mas eu tenho vinte e dois anos esou muito independente, como voc comentou h pouco. Ns dois discordamos sobre umdeterminado assunto.

    Imagino que seja algo importante para faz-la viajar mais de quatrocentos quilmetros empleno inverno! De qualquer maneira, respeito seu segredo...

    Helen encarou-o sem saber o que dizer. Era uma pequena concesso, no fundo. Inclinando-separa repor a xcara vazia na bandeja, acrescentou:

    E voc? No acha muito triste viver sozinho aqui?

    Os clios espessos quase encobriam os olhos castanhos e ela no podia perceber melhor suaexpresso.

    Sou uma pessoa muito desinteressante, que no aprecia o social. Aceita mais ch?

    Helen balanou a cabea negativamente.

    Por que voc est se esquivando a responder minha pergunta? insistiu, comimpacincia.

    Estou mesmo? repetiu o homem com voz delicada, se bem que os olhos castanhostivessem uma expresso curiosamente atenta.

    Voc sabe que sim! exclamou Helen franzindo a testa. Eu conheo seu rosto dealgum lugar. Posso jurar que j o vi antes... em carne e osso ou num filme.

    Muito obrigado por essa quase lisonja disse com ironia. Voc me deixaenvaidecido. Pensei que isso fosse uma prerrogativa feminina.

    Ele podia embara-la facilmente, pensou Helen com irritao. Era uma experincia nova.

    Voc entendeu perfeitamente o que eu quis dizer. Acho que eu j vi seu rosto em algumlugar.

    O homem pareceu entediado com a insistncia. Levantou-se e esfregou a coxa como se uma

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    dor o incomodasse. Caminhou em seguida em direo janela da sala e puxou a cortina cor de vinhosobre as vidraas.

    L fora estava escuro e os flocos de neve caam continuamente. A paisagem do invernoprovocou um sentimento repentino de solido em Helen. Pensou que teria sido prefervel pedir ao

    dono da casa para consertar o carro, em vez de aceitar a hospitalidade que lhe oferecera. Informadapor ele, chegaria facilmente a um lugarejo qualquer, onde passaria a noite. Procurou, no entanto,afastar esses pensamentos. Estava se comportando de maneira ridcula ao imaginar que havia algoestranho no convite do homem. Alm disso, devia estar muito agradecida a ele, que lhe salvara

    praticamente a vida!

    Bolt no vai se demorar com sua bagagem disse o dono da casa afastando-se da janela. Ele vai lhe mostrar seu quarto quando voltar. O jantar aqui costuma ser servido s oito horas.Espero que voc me d o prazer de sua companhia.

    Helen ajeitou-se na cadeira com nervosismo. O homem estava realmente decidido a no lheresponder. O movimento brusco que ela fez assustou o guepardo, que levantou a cabea e olhou emsua direo. Os olhos que a encaravam eram curiosamente semelhantes aos do dono, e ela lembrou-seinvoluntariamente dos contos que ouvira em criana. Algumas bruxas moravam sozinhas nacompanhia de bichos. Quem era esse homem que vivia numa solido suntuosa? Que mancava e criavaum animal selvagem dentro de casa? Quem sabe ela tinha perdido os sentidos na neve e aquilo eraalgum pesadelo fantstico que antecedia a morte?

    Mexeu-se nervosamente com esse pensamento e o guepardo deu um rugido baixo. O dono dacasa aproximou-se da lareira e murmurou palavras carinhosas para o animal, enquanto olhava paraHelen.

    O que foi? indagou com a voz macia.

    Helen balanou a cabea e com a vista percorreu a sala. A pea era acolhedora e no inspiravaabsolutamente nenhuma sensao inquietante. Tinha uma austeridade masculina, uma total ausnciade frivolidades. Havia trofus de caa pendurados nas paredes revestidas de madeira, espadas e armasantigas, diversas peas decorativas que Helen sabia serem antigidades valiosas. A sala dava aimpresso de tranqilidade e conforto. Aquele homem, fosse quem fosse, era um indivduo de gostorequintado, mas no podia entender como algum vivia naquela solido. Era pintor, escultor, artista?Quem mais podia desejar uma existncia desse gnero?

    Foi ento que uma fotografia pendurada na parede, atrs da escrivaninha, chamou sua ateno.No podia distinguir todos os detalhes, de onde estava, sobretudo na meia-luz da sala, mas o que viu

    foi suficiente para concluir que era uma ampliao fotogrfica de um acidente de automvel, umamontoado medonho de seres humanos e de mquinas que bloqueavam a pista, enquanto fragmentosde metal estavam espalhados por toda parte. Era uma foto em branco e preto, to realista, queretratava perfeitamente toda a feira e brutalidade do acidente.

    Helen dirigiu o olhar espantado para o homem que estava de p, numa posio rgida, ao ladodo sof. Os olhos castanhos estavam frios. Ela sabia porque o homem assumira repentinamente um ardistante. Ele adivinhara que as suspeitas anteriores dela, referentes sua identidade, estavamconfirmadas. Era um dos automobilistas envolvidos no desastre. No fora um acidente comum, dosque ocorrem diariamente nas estradas. Aquele acidente acontecera h seis anos numa pista decompetio na Alemanha, em Nurburgring, exatamente.

    Eu sei quem voc disse Helen lentamente, com a fisionomia pensativa, levantando-seda cadeira. Voc Dominic Lyall, piloto de corridas!

    A rigidez desapareceu do corpo magro. O homem apoiou-se no encosto do sof, enquanto95

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    segurava as almofadas bordadas de veludo.

    Voc acertou. Eu sou Dominic Lyall, mas no sou mais piloto de competio.

    Mas foi. Lembro que meu pai falava muito de voc. Ele o admirava tremendamenteantes do... do...

    Antes do desastre?

    Ele pensou... as pessoas pensavam que voc tinha desaparecido. Meu pai disse... muitaspessoas disseram...

    Que eu tinha morrido? Ouvi esse boato. Meus ferimentos foram graves e eu preferino desmentir os rumores. No h nada mais triste do que um dolo esquecido...

    Mas no foi isso... negou Helen com vivacidade. O acidente foi um acaso terrvel.Ningum foi culpado. Os jornais...

    Eu disse que me culpava pelo acidente? perguntou Dominic com a voz fria.

    No, no disse, mas... Helen mordeu o lbio. Meu pai era um grande admiradorseu. Ele ainda tem algumas fotos suas na biblioteca l de casa. E havia milhares de outros como ele.Voc acha que foi correto deixar toda essa gente pensar que voc morreu?

    Dominic endireitou-se e fez massagem na perna dolorida.

    E eu, no conto? Eu no tenho o direito de levar uma vida tranqila s porque numa pocame exibi diante do pblico?

    Helen ficou um momento indecisa, sem saber o que responder.

    No sei. Acho apenas que uma pena no haver outros pilotos talentosos como vocpara servir de exemplo aos mais jovens...

    Tudo isso acabou disse Dominic, passando os dedos entre os cabelos louros. Voc no pode entender o que se passou.

    Quem sabe? disse Helen levantando a cabea.

    Bem, de qualquer maneira... Ele deu um suspiro fundo. De qualquer maneira, umapena que voc tenha a memria to boa. Eu pensei que uma menina de dezesseis anos estivesse maisin teressada nos dolos da msica popular do que nos pilotos de competio.

    Como eu lhe disse antes, meu pai me levava s corridas.

    Ah, sim, seu pai... Dominic fechou os olhos, pensativamente. Uma estranhaocorrncia.

    O que voc quer dizer com isso?

    Dominic Lyall balanou os ombros com um gesto de indiferena.

    Eu pensei que fosse bvio.

    Oqu?

    Fixou-a com seu olhar penetrante, sem piscar os olhos.

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    O fato de voc me reconhecer, evidentemente. Um fato muito... muito lamentvel.Infelizmente, voc no poder partir daqui amanh cedo, como pretendia...

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    CAPITULO II

    Durante vrios minutos no se ouviu um suspiro na sala. Helen no podia acreditar que

    entendera corretamente as palavras de Dominic, mas havia algo na fisionomia severa que confirmavasua suspeita.

    Voc est brincando! exclamou por fim.

    No, no estou!

    Mas por qu? Por qu?

    Isso tambm evidente. Eu no gostaria que ningum soubesse que estou vivo e que moroneste lugar isolado.

    Helen no quis admitir o sentimento de pnico que fermentava dentro de seu peito. Mas eu no vou contar isso a ningum! protestou, repetindo as palavras que j ouvira

    nos filmes, quando a mocinha se via encurralada por algum fugitivo da lei. Dominic, porm, no eraum marginal...a no ser do mundo!

    Sinto muito, mas no posso correr esse risco. A tentao de contar a seu pai que estou vivoe morando na regio dos lagos ser muito forte...

    Juro que no! negou Helen, torcendo as mos com nervosismo. De qualquermaneira, voc no pode me manter presa aqui... isso ilegal!

    Ah, ? indagou Dominic com um sorriso exasperante. uma loucura! Meu pai vai procurar por mim e acabar batendo aqui!

    Voc disse antes que ele jamais iria procur-la aqui. ~

    No comeo, no. Mas se no me encontrar em outra parte..:

    Nesse meio tempo, voc estar livre para voltar.

    Como? No entendo!

    Estou fazendo preparativos para sair do pas. At l, voc vai ficar aqui.

    Mas isso pode levar meses! exclamou Helen com a voz aflita.

    Algumas semanas no mximo concedeu Dominic secamente.

    A porta abriu-se bruscamente atrs dela e Helen voltou-se com nervosismo. Bolt estava em pjunto soleira, os ombros largos cobertos de neve.

    Ah. voc j est de volta! disse Dominic com uma cordialidade que nodemonstrara por Helen. Encontrou o carro?

    Encontrei. As malas esto no corredor. Vou tirar o capote e depois posso levar a moa

    ao quarto de hspedes.

    Perfeito. Por falar nisso, nossa convidada se chama Helen. Ela vai permanecerconosco mais tempo do que contava.

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    Helen no tinha idia da mensagem trocada entre os dois. Mas a nica demonstrao desurpresa de Bolt foi um ligeiro movimento das sobrancelhas. Deixou as chaves do carro em cima damesinha e balanou a cabea.

    Pois no.

    Vou guardar as chaves comentou Dominic. Mais tarde eu explico a situao...

    Pois no.

    Bolt era irritantemente submisso e Helen, que observava em silncio a troca de palavras entreos dois homens, estava a ponto de chorar. Impossvel que aquilo fosse verdade. No podia ser!Dominic no estava falando srio quando disse que pretendia mant-la ali at embarcar para fora do

    pas.

    No quero ver meu quarto! explodiu Helen por fim. Com a voz chorosa. Voc nopode me prender aqui!

    Dominic deu um sorriso cruel.

    Quem vai me impedir?

    Eu vou fugir!

    De novo?

    Vou pedir socorro na casa de algum. Vou telefonar de algum lugar!

    No h telefone por perto.

    Na cidade tem que ter uma cabine telefnica!

    Voc sabe o caminho para chegar l?

    No, mas vou acabar achando.

    Com essa neve encobrindo a estrada?

    Ela deu um soluo de desespero.

    Voc est louco! Louco! Tomou flego. Olhe, eu no quero ficar aqui. Quero ir paraum hotel. Prometo que no vou contar a ningum que estive aqui. Deixe-me ir. Eu prometo!

    Impossvel. Dominic voltou-se para Bolt. Precisamos rebocar o carro dela amanhcedo. Antes que a neve endurea.

    Bolt balanou a cabea.

    Pode deixar. Farei isso logo que acordar.

    Helen sentiu uma frustrao medonha. No havia maneira de sair daquela casa, fugir daquelasituao absurda. Ela havia pronunciado sua prpria condenao. Se no houvesse contado a Dominicque fugira de casa se no o tivesse reconhecido... se, se, se...

    Voc no pode me impedir de fugir! declarou de repente, com os olhos brilhantes. Eu no tentaria se fosse voc disse Dominic, flexionando os msculos das costas.

    Havia um olhar de fadiga na fisionomia magra e Helen notou com uma sensao de alvio que95

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    ele estava exausto de ficar em p. Felizmente, ele no era to ivulnervel como dava a parecer. Poroutro lado, quase sem perceber, ela comeou a sentir compaixo por aquele homem indefeso,defeituoso, que fugira do mundo e procurara refugiar-se num lugar completamente isolado.

    Bolt percebeu tambm o incmodo do patro e, com a familiaridade de anos de servio,

    adiantou-se ao seu desejo. Est na hora da massagem. Vou descer logo que levar a moa ao quarto de hspedes.

    Dominic voltou-se para Helen com uma espcie de resignao irnica no olhar.

    Est vendo? Sou como uma mquina velha que precisa o tempo todo de reparos. No mesmo, Bolt?

    Voc no velho! exclamou Helen sem pensar.

    Como no? Tenho quase o dobro de sua idade disse Dominic com uma careta,provocada por uma pontada forte no msculo. Eu volto num minuto...

    Ele saiu do quarto puxando a perna pesadamente. Bolt observou-o afastar-se com umaexpresso de admirao no rosto e Helen sentiu-se uma intrusa naquela casa. O guepardo, por sua vez,levantou-se silenciosamente e acompanhou o dono.

    Um minutinho s disse Bolt, desabotoando o capote. Vou mostrar seu quarto.

    Helen queria protestar. Devia protestar, repetir uma infinidade de vezes que aquilo era umabsurdo, que os dois no podiam mant-la ali contra sua vontade, que acabaria encontrando umamaneira de fugir. Mas no disse nada. Em vez disso, deixou que Bolt apanhasse as malas no corredore o seguiu em direo escada, coberta com uma passadeira marrom-escuro.

    No fim do primeiro lance, havia uma janela circular que dava para os fundos da casa. Eradifcil enxergar alguma coisa com os flocos de neve que caam lentamente, mas o brilho ofuscantedava uma iluminao artificial paisagem.

    No alto da escada havia um corredor comprido que levava aos quartos. Helen admirou o belolustre de cristal pendurado no teto. Bolt tomou a direita e passou por diversas portas fechadas antes de

    parar diante do quarto de hspedes. Abriu a porta, acendeu a luz e afastou-se para ela entrar.

    O assoalho estava coberto com um carpete verde-claro. A mesma cor, com tonalidadesdiferentes, repetia-se na colcha e nas cortinas pesadas que cobriam as janelas. A cama, o espelho detrs faces na penteadeira, o armrio grande, com diversas gavetas, eram de mogno escuro,ligeiramente mais altos que os mveis tradicionais a que Helen estava acostumada, mas ficavam bemno aposento de p-direito alto. Um aquecedor estava ligado perto da janela e o quarto todo estavadeliciosamente aquecido.

    Bolt apontou para a porta junto do armrio, na outra extremidade do quarto.

    O banheiro fica ali explicou, olhando em volta para ver se estava tudo em ordem. Coloquei garrafas.de gua quente na cama para aquecer o lenol.

    Helen mordeu o lbio.

    Muito obrigada, Bolt. Ela no entendia como podia aceitar a situao com tanta calma! Ah, uma pergunta! exclamou, quando Bolt se preparava para sair do quarto. Voc vai fechara porta a chave?

    Bolt sorriu e apontou para a fechadura. Ento ela percebeu que a chave estava por dentro.95

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    Depois que Bolt saiu, Helen aproximou-se da janela, puxou as cortinas para os lados e espioupara fora. O quarto ficava no fundo da casa, mas tudo que avistou foram algumas rvores cobertas deneve. Soltou a cortina e voltou-se para observar seus domnios.

    Nenhum quarto de hotel era mais luxuoso e confortvel do que aquele. Parecia uma ironia!

    Quanto mais pensava nisso, tanto mais fantstica lhe parecia a situao. Passou as mos midas noslados da cala. Quanto tempo passaria ali? A tal viagem de Dominic seria para breve?

    Andou nervosamente de um lado para o outro do quarto, procurando distrair o sentimento depnico que voltava a persegui-la. Dominic estava falando seriamente ou queria apenas assust-la, paradivertir-se sua custa? Era provvel que sim, embora parecesse um homem educado e de boasmaneiras. Como podia querer mant-la contra sua vontade ali? Que tipo de vida levara nos ltimosanos que destrura completamente seus escrpulos de conscincia?

    Olhou o relgio de pulso. Passava das seis. Dominic dissera que o jantar era servido s oito.No momento, porm, no tinha o menor apetite. O que ele fora fazer? Que tipo de tratamento era esseque Bolt lhe aplicava?

    Helen parou diante do espelho e observou sua aparncia abatida sem o menor prazer. A calaestava amassada nos pontos em que enrolara para descer do carro, os cabelos, desgrenhados, o rostotinha as marcas vermelhas dos galhos que roaram sua cabea quando se enfiou embaixo da cerca

    para fugir do animal que a perseguia. Levantou a mo trmula e segurou um cacho de cabelos pretos.E agora, o que ia fazer?

    Aps certificar-se de que o banheiro fechava por dentro, decidiu-se por um banho de imerso,para relaxar os nervos. A banheira era imensa, de porcelana branca, com ps pretos de ferro fundido.A caixa estava cheia de gua quente e Helen sentiu-se muito mais animada depois do banho gostosocom sais perfumados. Encontrara diversos frascos de sais numa estante de vidro, em cima da pia, e

    salpicara generosamente a gua quente antes de entrar na banheira.

    Depois de deixar a gua suja escorrer pelo ralo e arrumar tudo nos seus devidos lugares, Helenenrolou-se numa toalha azul-escuro que a cobria da cabea aos ps. Voltou para o quarto a fim deretirar as roupas limpas da mala.

    Foi s ento que se lembrou que as malas estavam fechadas a chave e que o chaveiro estavaem poder de Dominic.

    Permaneceu um instante no meio do quarto, descala, embrulhada na toalha, sem saber o quefazer. Pensou em sair no corredor e chamar Bolt, mas o fato de estar naqueles trajes sumrios fez comque desistisse da idia. De m vontade, tornou a vestir as roupas que despira e contentou-se emescovar os cabelos e passar uma pintura leve no rosto. A escova, o pente e os cosmticos, felizmente,estavam na bolsa a tiracolo. Pelo menos no estava mais com a aparncia medonha de antes. O

    pulver branco, de gola rul, que vestia com a cala comprida, era razoavelmente elegante, e talvezDominic no prestasse ateno nessas coisas. De qualquer maneira, teria que reaver as chaves antesde dormir. No tinha a inteno de deitar nua em plo, sem uma camisola pelo menos!

    Uma certa apreenso percorreu-lhe o rosto ao pensar nessa eventualidade. Era pouco provvelno entanto que algum a incomodasse durante a noite. A porta fechava por dentro e era bastante

    pesada para desanimar o intruso mais insistente. Alm disso, Bolt no lhe pareceu ser o tipo de homemque fizesse uma grosseria dessas. Quanto a Dominic...

    Passou a lngua nos lbios secos. No queria pensar em Dominic, mas estava semprepensando. No queria lembrar-se da sensao esquisita que experimentou quando ele desabotoara ocasaco de couro, nem da fascinao inquietante que inspirava nela. Era repulsa, repetiucorajosamente. Sentia nojo e desprezo por ele. No podia interessar-se por um homem como ele, um

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    aleijado, um homem que no hesitava em violentar a vontade dela unicamente para satisfazer seuegosmo.

    Por outro lado, lembrava-se de todos os detalhes de Dominic: a cor dos cabelos, dos olhoscastanho-avermelhados, a pele morena, a musculatura do corpo, a maneira como os msculos das

    pernas estavam visveis por baixo do tecido leve da cala, as botas de cano longo, a careta de dorquando sentira uma pontada no quadril. Helen prendeu a respirao. No devia sentir pena dele,nenhuma! Mas sentia, mesmo assim.

    Aps balanar a cabea para deixar os cabelos assentarem livremente em volta do rosto, abriua porta do quarto e saiu para o corredor. Apagou a luz com um suspiro e caminhou de cabea erguidaem direo escada.

    Ao descer no hall, olhou em volta de si desorientada. Que porta levava sala de estar? No selembrava mais. Aproximou-se de uma delas ao acaso, mas era apenas um armarinho para guardarroupa embaixo da escada. Fechou a porta rapidamente e tentou uma outra, sentindo-se um poucocomo Alice em sua viagem maravilhosa pela toca do coelho. A pea seguinte era a sala de jantar,onde havia uma mesa redonda coberta com uma toalha branca. Era ali que iam jantar?

    Deu um suspiro e, ao ouvir um rudo atrs de si, voltou-se assustada. Uma porta abrira dooutro lado do hall e Dominic estava em p na soleira, acompanhado de Sheba.

    Estava esperando por voc disse ele com a voz sonora que ela aprendera a reconhecerto bem nos poucos minutos que estava na casa.

    Dominic afastou-se para lhe dar passagem e fechou a porta atrs de si. Trocara de roupa eestava com uma camisa encarnada de seda, cala bege de couro, justa no corpo, e um colete marrom.Parecia bem disposto, completamente recuperado da fadiga anterior. Bolt, pelo visto, era um

    excelente massagista.Helen dirigiu-se lareira, sem desviar os olhos de Sheba, que a seguia de perto. O fogo

    consumia os troncos grandes e a mesa onde tinham tomado ch estava coberta agora com uma toalhaxadrez.

    Dominic apontou para a cadeira de braos onde ela sentara antes.

    Sente-se, por favor. Voc toma alguma coisa antes do jantar?

    Ele se comportava como se ela fosse uma convidada habitual da casa, pensou Helen furiosa.Esperava, porventura, que ela aceitaria de boa vontade seu papel? Como ele podia ter a audcia de

    supor que ela no ia se pronunciar sobre o assunto? Escute comeou Helen, dizendo a primeira coisa que lhe passou pela cabea. Eu no

    desci do quarto para lhe fazer companhia... Eu quero as chaves, as chaves das minhas malas. Vocno tem o direito de guard-las. Eu no pude nem trocar de roupa!

    Dominic franziu a testa, enfiou a mo no bolso e retirou o chaveiro. Examino u detidamente aschaves e falou em voz baixa:

    Desculpe, no tinha pensado nisso. Quais so as chaves das malas?

    Helen encarou-o em silncio durante um instante, com a fisionomia tensa. Em seguida, sem

    pensar nas conseqncias, deu um passo frente e tentou arrancar o chaveiro da mo dele. Ela nosabia exatamente o que pretendia fazer quando o tivesse consigo. Talvez sasse no meio da noite,desse partida no carro que estava afundado na neve, fugisse dali e nunca mais voltasse... fantasias

    bastante remotas e irrealizveis no momento. Mas ela tinha que fazer alguma coisa, qualquer coisa,95

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    para mostrar ao homem arrogante e autoritrio que no era to indefesa quanto parecia primeiravista.

    Seu esforo contudo no teve xito. Os dedos dele apertaram o chaveiro com fora quando elaavanou sobre ele e a tentativa frentica para abrir os dedos contrados foi inteiramente intil. Apesar

    do defeito na perna, Dominic tinha uma fora descomunal nas mos, como Helen percebeuimediatamente. Quando saltou sobre ele, pensou que ia faz-lo perder o equilbrio, mas ele noperdeu, e ela encontrou apenas a resistncia rija do corpo musculoso. Ela no percebeu que o guepardoacompanhava a cena com as orelhas em p, os olhos atentos, e que s no a atacou graas a umaordem do dono pronunciada em voz baixa. Enquanto lutava para arrancar o chaveiro dos dedosfechados, Helen tomou conscincia do seu adversrio, pela primeira vez, de uma forma ntima. Sentiuo calor do corpo moreno e seu perfume penetrante. Entretanto, quando levantou a cabea e encontrouo sorriso irnico nos lbios finos, recuou um passo com uma exclamao de dio.

    Seu bruto! Essas chaves so minhas. Eu as quero de volta!

    Voc est se comportando como uma criana disse Dominic levantando assobrancelhas. Eu me ofereci para lhe dar as chaves das malas.

    Helen balanou a cabea de um lado para o outro com um gesto de desnimo.

    Por que voc est fazendo isso? Por que no me deixa ir embora?

    Agora?

    No. Amanh cedo. Encarou-o com os olhos suplicantes. Por favor.

    No insista! exclamou Dominic com impacincia. Eu no gosto de fraqueza.

    Helen teve a sensao exata de receber um tapa no rosto. Com a mo na garganta, afastou-sedele e apoiou-se no encosto do sof, procurando recompor-se da humilhao. As lgrimas ardiam nofundo dos olhos e estava prestes a explodir no choro. Sentia-se tremendamente sozinha e perdidanaquela casa, incapaz de qualquer pensamento coerente. Nem mesmo o olhar maldoso de Sheba foicapaz de despertar um sentimento de agressividade no seu ntimo.

    Tome. Beba isso!

    Dominic colocou um copo na mo dela. Helen olhou para a bebida com os olhos arregalados,sem saber o que era.

    O que isso?

    Conhaque. bom para os nervos.

    Ela se sentiu tentada a atirar o copo no cho, mas precisava urgentemente de um gole delcool. Levou o copo aos lbios trmulos e provou a bebida com hesitao, depois virou o resto comum movimento repentino da cabea. O conhaque ardeu na garganta e ela tossiu, enquanto as lgrimasumedeciam os olhos, mas podia sentir o calor gostoso que comeava a circular pelas veias.

    Dominic deu a volta no sof e, sem esperar por ela, sentou-se na cadeira de brao defronte dalareira. Serviu-se do usque que estava na bandeja eapanhou uma cigarrilha preta na caixa de metal.Tirou uma brasa da lareira e fumou a cigarrilha com verdadeiro prazer. Helen observou-o em silncio,

    atrs do sof. Era incrvel como ele se punha a vontade sabendo que ela estava um trapo!Depois de puxar duas ou trs tragadas, Dominic deixou a cigarrilha presa entre os dentes e

    enfiou novamente a mo no bolso, para pegar o chaveiro. Examinou-o cuidadosamente, retirou duas

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    A Fora do Desejo (Leopard in the snow) Anne Mather

    chaves do anel e atirou as outras na direo dela. Helen, porm, no foi suficientemente rpida paraapanh-las no ar e elas caram a seus ps. Com um sentimento de humilhao, abaixou-se para peg-las e notou que ele havia retirado a chave do carro e a chave menor que abria o porta-malas.

    Est satisfeita agora? perguntou, esticando as pernas. Vai sentar-se aqui?

    Helen apertou os lbios com despeito.

    No. Eu vou para o quarto. Espero que voc mude de idia amanh.

    No conte muito com isso disse Dominic com um sorriso de zombaria.

    Voc odioso!

    Suas palavras no me ferem. Observou-a afastar-se em direo porta. Voc noouviu dizer que a guerra travada no estmago das tropas? Se voc no jantar hoje, estar morta defome amanh cedo.

    Helen levantou o queixo como se aceitasse o desafio. Nesse ponto pelo menos ela era livre.Ningum podia for-la a comer.

    Eu no conseguiria engolir sua comida! disse com raiva. Voc me enjoa.

    Antes que sasse dignamente, aps pronunciar essas palavras teatrais, Bolt entrou com abandeja na mo. Ela no podia .ver o que havia, mas o cheiro do franguinho assado era inconfundvel.Com gua na boca, viu tambm o pote de creme de leite que acompanhava a torta de ma. Bolt fitou-a com surpresa.

    Achei melhor servir o jantar na sala, que est mais quente.

    Boa idia disse Dominic alegremente. Voc me faz companhia, Bolt?

    Bolt olhou boquiaberto para Helen. Ela estava parada perto da porta, hipnotizada pelo cheiroda comida. No fazia idia, at aquele minuto, que estava morta de fome, e arrependeu-seamargamente das palavras speras de antes.

    No vai jantar conosco? perguntou Bolt por fim.

    Ela no est com fome disse Dominic. Est meio enjoada, pelo visto.

    Dominic voltou-se para Helen, que estava na dvida se ia ou no voltar atrs, mas a crueldadedo comentrio levou-a a tomar uma deciso imediata.

    Muito enjoada, por sinal disse com um ligeiro tremor na voz. No costumo comercom qualquer um!

    Saiu da sala e bateu a porta com toda a fora atrs de si. Parou um momento no corredor, como corao batendo. Esperava que Dominic sasse ao seu encalo e a punisse pelas palavras rudes quedissera. Tudo que ouviu, porm, foi a gargalhada sonora, inconfundvel, e ela sabia que o segundocopo na bandeja seria usado por Bolt...

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    CAPTULO III

    A cama era muito confortvel e as garrafas de gua quente lembravam sua infncia, quando a me sesentava na beira da cama e lhe contava uma histria antes de dormir. S que agora ningum lhe fazia companhia...

    Ela achou que ia passar a noite em claro, mas acabou sucumbindo ao cansao e. ao abrir novamente os olhos, oquarto estava inundado pelo brilho intenso do sol refletido na neve. Durante alguns segundos, no soube onde estava. Logodepois, no entanto, as recordaes da vspera acudiram atropeladamente na sua cabea. Estava na regio dos laos, ao norteda Inglaterra, hospedada na casa de um homem que mancava e que tinha um guepardo de estimao.

    Passou o brao para fora do cobertor e olhou para o relgio de pulso. Quase nove e meia. No era possvel! Dormiraquase doze horas!

    Jogou para o lado as cobertas, pulou da cama e correu at a janela. Com a luz do dia podia enxergar onde estava, teruma idia melhor da casa.

    A vista da janela, contudo, era bastante limitada. Avistava apenas o gramado coberto de neve e o fundo do

    quintal. Bem embaixo da janela uma rea fora limpa recentemente, talvez por Bolt, e havia passos visveis sugerindo quealgum sara de casa.

    Helen soltou a cortina e examinou o quarto com ateno. Era to gostoso durante o dia quanto noite, embora asroupas que saam para fora da mala aberta dessem uma impresso desagradvel de baguna. Estava to cansada navspera, e to preocupada com os acontecimentos recentes, que s tivera nimo para procurar a roupa de dormir e cair nacama.

    Helen achou prefervel ignorar a desordem no momento e foi diretamente ao banheiro. Gostaria de tomar umbanho de chuveiro, mas no havia boxe no banheiro e levaria muito tempo para encher a banheira com gua quente.Contentou-se em escovar os dentes e lavar o rosto na gua fria. Voltou em seguida para o quarto, procura de uma roupa

    para vestir.Tinha acabado de puxar o zper da cala quando ouviu uma batida na porta. Imediatamente seu corao

    disparou. Permaneceu um momento em silncio, com a respirao presa, pensando quem podia

    ser.

    Voc est acordada? perguntou Bolt do outro lado.

    Sim, estou. O que voc quer?

    Trouxe seu caf. Achei que voc devia estar com fome.

    Helen hesitou um segundo. Sentiu a tentao de agradecer ao criado e recusar o caf, como se estivesse numagreve de fome at receber a liberdade definitiva. No ltimo instante, porm, achou que a ttica no ia dar certo com umhomem indiferente como Dominic Lyall. Ele a deixaria morrer de fome sem mexer um dedo.

    Num minuto! exclamou, vestindo um pulver e ajeitando os cabelos enquanto abria a porta.

    Bolt estava do lado de fora, alto, forte, simptico. Com a camisa xadrez de algodo, cujas mangas estavamenroladas na altura dos cotovelos mostrando os msculos desenvolvidos dos braos, e a cala folgada de flanela, Bolt notinha absolutamente a aparncia de copeiro, mas a bandeja que trazia no podia estar mais bem arrumada e apetitosa.

    Cereais, ovos fritos com bacon, torradas, gelia e caf enumerou ele em voz alta, como se recitasse uma

    lio. Voc quermais alguma coisa?

    Helen arregalou os olhos para a bandeja, como se fosse um sonho.95

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    Voltou-se em seguida para Bolt, com o rosto levemente corado.

    Que maravilha! Eu estava faminta.

    Foi o que o patro disse.

    Ah. ?

    Bolt deu um suspiro.

    Voc no vai querer comer por causa disso?

    Helen hesitou um instante.

    Bem que gostaria disse com rebeldia.

    Que adianta voc passar fome por causa dele?

    Helen levantou os ombros. Pois . Eu sei que no adianta nada.

    Ento, seja compreensiva. Tome seu caf com calma. Venho buscar a bandeja depois.

    Helen fitou o criado na dvida.

    Escute, Bolt. Quanto tempo eu vou ficar presa aqui?

    Bolt caminhou para a porta.

    Tome seu caf primeiro. Depois a gente conversa sobre isso.

    Ele fechou a porta atrs de si e Helen olhou com frustrao para as almofadas na sua frente. Por que Bolt sentirapena de sua situao? Ele era um criado submisso que jamais desobedeceria s ordens do patro!

    No momento, porm, o cheiro do bacon torrado fez Helen esquecer sua resoluo anterior. Levantou a tampada bandeja e comeu tudo o que havia com enorme apetite. Em geral, torradas com gelia eram suficientes para ela, masaquela manh estava morta de fome. Raspou o prato e terminou com trs fatias grossas de po com manteiga. O caf estavaexcelente e, depois da segunda xcara, sentiu-se gente de novo.

    Limpou os dedos e a boca no guardanapo de papel, levantou-se e foi mais uma vez janela. O que faria agora?Bolt dissera que voltaria para apanhar a bandeja. Isso queria dizer que devia ficar trancada no quarto?

    Sua natureza rebelde revoltou-se contra essa idia. A despeito dos aspectos desagradveis de sua situao, a manhestava linda e adoraria dar um passeio l fora. Pensou no pequeno hotel onde pretendia hospedar-se. Tinha planejado fazer

    passeios a p e de carro, desfrutar ao mximo a liberdade absoluta, longe das exigncias paternas, mas agora estava numasituao ainda mais delicada e tinha menos liberdade do que na sua prpria casa...

    Ao pensar no pai, ficou curiosa em saber se recebera o bilhete que escrevera. Ela o pusera no correio em Londres, navspera de viajar para o Norte. No queria dar uma pista carimbando a carta numa cidadezinha do interior. Agora, porm,

    preferia que no tivesse ocultado to bem seu paradeiro. Ningum iria procur-la nessa regio e, mesmo que a procurassem,como a encontrariam naquela casa isolada? Se Dominic morara ali durante anos numa solido completa, era pouco

    provvel que algum fosse encontr-la to cedo. Sobretudo porque, para todos os efeitos, ele era dado como morto.

    Helen franziu a testa. Mas algum devia saber que ele estava vivo. Algum fornecia mantimentos para a casa, leite,ovos, sem falar no correio. Ela se animou com essa idia. Se Dominic tinha a inteno de prend-la ali, teria que aumentar as

    provises da casa e talvez o fornecedor desconfiasse de alguma coisa ao notar o aumento nos pedidos.

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    Deu um suspiro. Bolt podia contar na cidade que eles tinham uma hspede em casa. Quem iria duvidar oususpeitar de alguma coisa? Sua nica chance era algum passar pela casa. O carteiro, por exemplo.

    Mais animada com essa idia, Helen pensou numa maneira de chamar a ateno do possvel visitante.Dominic, naturalmente, faria todo o possvel para ela no ser vista na casa, por isso tinha que usar de algum artifcio para

    chamar algum em seu socorro. Quem sabe jogar um bilhete da janela? No, isso no! O bilhete podia afundar na neveou ser levado pelo vento. Mas quem sabe essa no era uma boa idia? Se tivesse seu nome e endereo... Um sentimentode desespero apoderou-se dela. Como podia pr o endereo se no fazia idia de onde estava? Onde ficava a casa? Nosabia. No se lembrava nem mesmo do nome da cidadezinha onde pedira informaes sobre o caminho a seguir.

    Uma outra onda de esperana inundou-a. Os moradores da cidadezinha. O chefe do correio! Ele selembrava certamente da moa que tomara informaes. Afinal, no havia muitos turistas passando por ali naquela poca doano. Sim, se fosse interrogado, ele certamente se recordaria da moa de cabelos pretos e botas de cano longo que descera docarro, defronte, do correio, e pedira informaes para chegar em Bowness. E ele indicaria a direo que ela tomara.

    Helen apertou as mos com fora. Quanto trabalho para encontrar esperana numa situao desesperada!Quem ela estava querendo iludir? A si mesma? No fundo, tudo dependia do pai procur-la, mas ele podia, em vez disso,esperar calmamente ela voltar para casa. Mas se procurasse por ela, se vasculhasse todos os lugares onde ela podia estar, selembrasse das frias que os dois passaram na regio dos lagos, se viajasse para o Norte e encontrasse a cidadezinha onde ela

    pedira informaes...

    Ah, tudo dependia de tantos ses! Era impossvel. E medida que os dias as semanas! passassem, o chefedo correio, naquela minscula cidade perdida no mapa, iria certamente esquec-la. E, mesmo que lembrasse, ela dera tantasvoltas ao sair dali que podia estar em dezenas de outros lugares.

    Restava finalmente a notcia nos jornais. O pai podia perder a cabea e divulgar o caso. Se o retrato dela sasse naprimeira pgina dos jornais, era possvel que algum...

    Uma batida na porta interrompeu seu devaneio. Pode entrar!

    Bolt abriu a porta e passou a cabea pelo vo.

    J terminou o caf?

    J, muito obrigado, Bolt. Estava uma delcia. Acho inclusive que comi demais.

    Bolt deu um sorriso de satisfao.

    Ainda bem! Tudo se torna mais fcil com a barriga cheia.

    Voc acha?

    Tenho certeza. Voc vai descer?

    Eu posso?

    Voc pode fazer o que tiver vontade.

    Ah, ? Onde est o patro?

    Helen se recusava a chamar Dominic pelo nome.

    Est no escritrio disse Bolt, apanhando a bandeja na mesinha de cabeceira.

    Ele est ocupado?

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    Bolt balanou os ombros como se no quisesse se pronunciar a respeito. Avistou ento as malas abertas no cho.

    Vou arrumar sua roupa quando voltar para fazer a cama.

    Helen ficou horrorizada com a idia.

    Pode deixar! No precisa se incomodar.

    Isso no me d trabalho nenhum. Num instante eu arrumo tudo no armrio.

    Prefiro arrumar pessoalmente insistiu Helen.

    Bolt no respondeu. Caminhou diretamente para a porta.

    A manh est linda. Voc no gostaria de dar uma volta l fora?

    L fora? exclamou Helen excitada. O que ele vai dizer?

    Eu posso fugir. Olha, acho bom voc no arriscar disse Bolt com um sorriso. Sheba foi treinada para caar veados. Ela

    poderia correr atrs

    de voc.

    Ah, voc no sabe o que aconteceu ontem! exclamou Helen com um calafrio, ao se lembrar de suaaventura no dia anterior.

    Me contaram disse Bolt. saindo do quarto com um leve movimento da cabea.

    Helen lanou um olhar rpido para a cama desarrumada e acompanhou Bolt pelo corredor sombrio.Desceram para o andar trreo, atravessaram uma porta e foram dar numa cozinha enorme. O cho de azulejos estavaimaculadamente limpo e brilhante. Embora a cozinha tivesse sido modernizada recentemente, com pias de ao inoxidvel eescorredores de metal, havia ainda o fogo enorme que tinha sido no passado a pea principal da cozinha e uma lareira deferro fundido, onde a lenha seca crepitava alegremente. Uma porta estreita comunicava com a despensa, mas no havia

    pernil pendurado no gancho, nem fieiras de cebolas, somente um congelador enorme que parecia um caixo dedefunto. Mesmo assim, a cozinha era muito jeitosa e Helen examinou-a com interesse.

    Bolt colocou a bandeja em cima da pia e comeou a lavar os pratos sujos embaixo da torneira. Lanou um breveolhar para Helen.

    Voc acha que o servio de copeiro combina comigo?

    Helen balanou os ombros e aproximou-se da mesa que ocupava o centro da pea. Correu a ponta do dedoentre os gros que estavam espalhados em cima da tbua.

    No sei... Talvez no combine muito com seu tipo fsico. Voc parece mais um atleta...

    Bolt deu uma risada.

    Eu tambm acho.

    Mas voc tem outras ocupaes alm dessa, no mesmo?

    Eu fao um pouco de tudo disse Bolt esfregando as mos na gua morna com detergente. Servio Exrcito quando era moo, depois lutei boxe durante algum tempo, mas desisti. No leva a nada, pode crer. Depoistrabalhei uns tempos como mecnico. Fez uma pausa. Agora sou copeiro e arrumadeira...

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    Voc deve gostar muito do seu patro...

    No posso me queixar. Ele um camarada muito legal.

    Acredito. Faz muito tempo que voc o conhece?

    Uns vinte anos, mais ou menos.

    Mas voc trabalha para ele todo esse tempo?

    Para ele... com ele... que diferena faz? Seu pai foi meu comandante quando estava no Exrcito.

    Ah, ?

    Helen aproximou-se da pia onde estava o escorredor. Janelas grandes davam para o ptio nos fundos da casa, ondehavia rvores desfolhadas e as demais dependncias.

    Diga uma coisa, Bolt. Onde vocs fazem as compras para a casa? Os mantimentos frescos, como leite, ovos,

    verduras... Sem falar no correio, naturalmente. Bem, nosso correio mandado para a caixa postal respondeu Bolt desfazendo as esperanas que Helen

    podia ter nesse sentido. Fora isso, temos algumas vacas e galinhas. No vero, plantamos frutas e legumes quecongelamos para o resto do ano. Somos bastante auto-suficientes, para falar a verdade. Eu asso inclusive o po aqui.

    Ela est querendo passar a perna na gente disse uma voz irnica atrs deles.

    Helen voltou-se bruscamente e viu Dominic encostado no batente da porta. Estava novamente todo de preto e,apesar do tom claro dos cabelos, tinha uma aparncia terrivelmente satnica! Inclinou a cabea com um leve movimentoem direo a Helen.

    Bom dia. Dormiu bem? No estranhou a cama? Bolt me contou que voc j tomou caf. Gostou denossa cozinha?

    Helen preferia dizer que no tinha tocado na comida, mas era impossvel. Em vez disso, assumiu uma posio dedefesa.

    O que voc acha que meu pai vai fazer quando souber que voc me prendeu aqui contra minha vontade?

    Eu acho que isso s criaria dificuldades para voc.

    Para mim? exclamou Helen, apanhada de surpresa. Para voc, isso sim!

    Por que haveria de criar problemas para mim? Eu no estareimais no pas. Voc sim, estar.

    Voc acha mesmo que ele vai deixar as coisas ficarem nesse

    p? Ele vai encontr-lo, nem que seja no fim do mundo!

    No diga! zombou Dominic. Se os jornalistas no descobriram meu paradeiro durante anos, nopreciso me preocupar muito com os esforos do seu pai.

    Ele pode divulgar a histria nos jornais! Pode pagar investigadores particulares!

    Ah, ? Dominic balanou a cabea pensativamente. Isso interessante. E dizer que ainda ontemvoc jurou que no ia revelar nada a ningum .

    Ontem era diferente disse Helen sem jeito.95

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    Mas agora voc mudou de idia?

    Sim, mudei. Ou melhor, estou lhe prevenindo apenas para no brincar com meu pai. Ele uma fera quandose irrita.

    Isso uma ameaa, porventura?

    , isso mesmo! exclamou Helen, perdendo a pacincia. Se voc me deixar ir embora, vouesquecer que estive aqui. Se no me deixar... bem, eu no me responsabilizo pelas conseqncias.

    Entendo. bom voc avisar. Voltou-se para Bolt: Voc me faz um caf? Vou descansar umpouco na sala.

    Pois no disse Bolt com um sorriso.

    Helen sentiu-se absolutamente ridcula e sobrando no meio dos dois homens. Dominic observou seu rostotristonho com condescendncia.

    Voc toma um cafezinho comigo?

    No, muito obrigada!

    Bem, como voc preferir.

    Ele balanou os ombros e saiu da cozinha, deixando a porta fechar sozinha nas suas costas. Logo depois Helenarrependeu-se de sua indelicadeza. Sua nica chance de fugir era persuadi-lo a mudar de idia e no iria conseguir issoenquanto se comportasse como uma criana mimada.

    Sentou-se na beira do banquinho diante da mesa comprida, onde estavam espalhados os gros de feijo eobservou Bolt passar o caf no coador, depois encher um pote com creme de leite fresco. Arrumou tudo numa bandeja de

    prata.

    Voc quer levar para mim? perguntou.

    Helen levantou a cabea.

    Levar o qu?

    Levar a bandeja sala.

    Como voc quiser disse Helen com o rosto abatido.

    Posso dar uma sugesto?- Qual ?

    No fique triste. Leve a coisa na esportiva. Meu patro no gosta de ser contrariado.

    Essa boa! exclamou Helen, sem conter por mais tempo sua irritao. E o que voc quer que eufaa? Que fique de braos cruzados at ele me mandar embora?

    Talvez.

    Voc est sonhando!

    Por qu? Dominic no menos homem por causa de seu defeito na perna. Ele continua saudvel e fortecomo antes...

    Onde voc quer chegar? disse Helen, levantando-se da cadeira.95

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    Seja compreensiva disse Bolt, despejando o caf no bule escaldado previamente. O fato dele viversem mulher no significa que ele no tenha as necessidades normais de um homem viril.

    Helen apertou as unhas na palma da mo.

    Ah, ? Pois eu pensava que voc satisfizesse as necessidades

    dele! exclamou com raiva.

    No, no bem assim disse Bolt sem se abalar. Dominic

    no desse tipo.

    Helen no sabia onde se enfiar. Ela nunca se comportara to mal na vida e o fato de despejar em cima de Bolt araiva que sentia por Dominic encheu-a de vergonha e de desprezo por seu comportamento injusto.

    Ah, desculpe o que eu disse, Bolt! - exclamou, levando as mos ao rosto vermelho. Foi sem querer!

    Bolt colocou a tampa no bule e empurrou a bandeja na direo dela. No foi nada. Voc est um pouco nervosa. Procure relaxar. Nada to mau quanto a gente imagina.

    Agora leve o caf para Dominic. Ele est na sala. Eu pus duas xcaras no caso de voc querer lhe fazer companhia.

    Helen deixou as mos carem ao lado do corpo e torceu a boca.

    Voc no volta atrs, no mesmo?

    Sou otimista por natureza comentou Bolt, fazendo massagem nos msculos dos ombros. Sabequal a porta da sala?

    Acho que sim. Helen apanhou a bandeja e caminhou em direo porta da cozinha. Voltou-se del. Muito obrigada pela sugesto, Bolt.

    Isso faz parte do servio disse Bolt balanando a cabea.

    Quando Helen abriu a porta da sala. Dominic estava deitado no sof, com os olhos fechados. Ao ouvir seuspassos, abriu os olhos e tentou levantar-se. Um espasmo de dor atravessou o rosto e ele deixou-se cair em cima dasalmofadas, com a mo na cabea.

    Helen colocou a bandeja em cima da mesa e aproximou-se dele.

    O que foi? Est sentindo alguma coisa?

    Dominic retirou a mo da testa e fitou-a um instante com a fisionomia deformada pela dor.

    No, no nada. J passou. Muito obrigado.

    Helen ficou parada no meio da sala, esfregando as mos com nervosismo. Dominic estava to plido e sem forasque sentiu vontade de fazer alguma coisa por ele. Embora fossem inimigos, no sentia prazer no mal que o abatia.Experimentava antes uma sensao perturbadora de compaixo, e a conscincia mais aguda da atrao que ele exercia sobreela.

    Pelo amor de Deus! exclamou Dominic com impacincia. No olhe para mim com essacara! Eu sofro de enxaqueca... entre outras coisas.

    Helen aproximou-se sem jeito e notou que ele suava pelo esforo de levantar-se do sof.

    Posso fazer alguma coisa por voc? indagou, hesitante.

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    O qu, por exemplo? Um tiro na cabea ou uma facada no peito? O que voc sugere?

    Nenhum dos dois respondeu Helen, enquanto olhava em volta procura de alguma coisa. Voc no tem nenhum comprimido? Um analgsico? Ou prefere que chame o Bolt?

    Eu tenho comprimidos disse Dominic, fechando os olhos.

    Onde esto?

    Voc no precisa se incomodar. Bolt pode apanh-los para mim.

    Eu vou! exclamou Helen. Basta me dizer onde esto.

    Ele entreabriu os olhos e apoiou a cabea nas almofadas de veludo. Durante um instante, observou-a emsilncio, por baixo dos clios compridos. Helen sentiu as pernas moles diante do olhar insistente e seu corao disparou dentrodo peito. Dominic tornou a fechar os olhos.

    Esto num vidrinho em cima da mesa ou numa gaveta.

    Helen deu um passo em frente e parou, na dvida. Que mesa? Seria a escrivaninha no canto da sala, em cima daqual estava a fotografia do acidente? No momento em que atravessou a sala nessa direo, Dominic disse com a vozcansada:

    Minha mesa no escritrio.

    No escritrio!

    Helen ficou na dvida. Onde era o escritrio? Abriu a boca para perguntar e tornou a fech-la. Devia dar no halle no havia muitas outras portas ali. Lembrava-se de qual era a porta da cozinha, do quartinho embaixo da escada, ondeBolt pendurava os casacos, e da saia de jantar.

    Dirigiu-se rapidamente ao halle olhou em volta. Felizmente Sheba no estava por perto. Havia apenas uma outraporta que no conhecia. Helen sorriu de satisfao, virou a maaneta e entrou. Era ali o escritrio. S podia ser. Uma mesacomprida de mogno dominava a rea central. Estava literalmente empilhada de livros e papis, sem falar na mquina deescrever, empurrada para o lado.

    Mas no foi a mesa que chamou sua ateno. Ao lado da janela, no canto da sala, escondido atrs de umacortina pesada de veludo, estava o telefone!

    Seu primeiro impulso foi disc-lo e pedir socorro. Os acontecimentos recentes, porm, tornaram-na maisprecavida. Se demorasse muito tempo ali, Dominic podia desconfiar de alguma coisa... Sem falar que Bolt podia passar

    na sala para apanhar a bandeja do caf. Se descobrissem que ela sabia da existncia do telefone, no teria outra oportunidadede us-lo. Mas se fingisse no ter visto nada...

    Aps afastar os olhos do vnculo tentador com o mundo l fora, Helen aproximou-se da mesa e sentou-se napoltrona de couro. A lembrana do rosto moreno, contorcido pela dor, levou-a a abrir rapidamente a primeira gaveta da direita.No podia ignorar os sofrimentos dele, por mais revoltada que estivesse com sua situao na casa.

    Percorreu com a vista a gaveta aberta e certificou-se de que no havia nenhum vidrinho de analgsico ali. Tornou afech-la e abriu a gaveta da direita. Estava cheia de papis mas, l no fundo, encontrou o que estava procurando: o pequenovidro de comprimidos.

    Lanou um olhar rpido para a massa de papis que estava em cima da mesa, fechou a segunda gaveta e

    levantou-se. Tinha chegado porta quando Bolt saiu da cozinha. Helen sentiu as pernas bambas ao pensar que, se tivesseusado o telefone, teria sido apanhada em flagrante.

    Bolt franziu a testa ao v-la sair do escritrio.

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    Est procurando alguma coisa?

    Helen corou repentinamente. Sentia-se culpada de sua inteno. Sem jeito, como se fosse apanhada fazendouma coisa proibida, mostrou o vidrinho que levava na mo.

    Seu patro est com enxaqueca explicou caminhando em direo sala. Fui apanhar oanalgsico no escritrio.

    Ah, bom disse Bolt, muito preocupado. Vou buscar um copo d'gua.

    Seria timo.

    Bolt voltou cozinha e ela entrou na sala. Dominic continuava deitado no sof, com os olhos fechados e elaforou-se a lembrar que aquele homem era o inimigo que a prendia ali contra sua vontade.

    Aproximou-se do sof e estendeu o vidrinho.

    Olha, eu trouxe os comprimidos disse em voz baixa. Bolt foi apanhar um copo d'gua na cozinha.

    Dominic abriu os olhos, marcados por olheiras fundas.

    Muito obrigado disse, erguendo-se e segurando o vidrinho. A culpa minha. Passei muitas horastrabalhando.

    Tirou a tampa do vidro e apanhou dois comprimidos.

    Trabalhando? perguntou surpresa, sem poder esconder a curiosidade.

    Pois . Voc pensa que eu passo os dias sem fazer nada?

    Ela afastou-se do sof, ligeiramente ferida com suas palavras. No tinha pensado nisso.

    No instante seguinte, Bolt entrou na sala com um copo e uma garrafa nas mos. Foi diretamente ao sof eolhou para Dominic com uma certa reprovao.

    Pronto, aqui est a gua. Seria bom voc descansar um pouco no quarto.

    Dominic engoliu os dois comprimidos com um pouco d'gua.

    Estou bem aqui disse, secando a boca com as costas da mo.

    Por que no deita um pouco? insistiu Bolt.

    Dominic lanou um olhar em direo a Helen.

    E vou deixar minha hspede tomar caf sozinha?

    Depois do caf, ento disse Bolt.

    No entanto, Dominic limitou-se a fechar novamente os olhos, como se o esforo de mant-los abertos o esgotasse.

    Eu chamo voc, se for preciso.

    Bolt deu um suspiro e olhou para Helen com um gesto de resignao. Ela se sentiu ridiculamente cmplice napreocupao do criado pelo bem-estar do homem que estava deitado no sof.

    Pelo amor de Deus! exclamou Dominic de repente, como se tivesse surpreendido o que se passava

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    voc quer? Que eu me sinta grato a voc?

    No sei o que voc quer dizer.

    Claro que sabe. Sua ateno h pouco foi proposital, naturalmente.

    Helen, que evitara encontrar seus olhos, encarou-o fixamente.

    Voc acha que eu faria uma coisa dessa?

    Por que no? Voc quase me convenceu com sua falsa ateno. Mas achei que devia avis-la que no meiludo com essa facilidade. Eu no gostaria que voc chegasse a um ponto em que tivesse dificuldade de voltar atrs.

    O que voc quer dizer com isso?

    Simplesmente isso: no atire seu charme feminino em cima de mim para conquistar minha simpatia.

    Helen levantou-se bruscamente.

    Como voc pode ser to convencido?

    Eu no sou. por isso exatamente que estou deixando as coisas bem claras. Por uma questo de decncia...depois do que voc fez por mim.

    A ironia estava evidente na voz dele e ela fechou os pulsos com raiva. Estava disposta a berrar que tinha visto otelefone no escritrio, para mostrar que no era uma mentirosa como ele. Em vez disso, achou mais prudente guardar osilncio. O que a feria profundamente era Dominic ter percebido o interesse que despertava nela, embora o interpretasse daforma mais errada possvel. Ele imaginava, pelo visto, que Helen pretendia persuadi-lo com sua juventude e beleza, enquantonada era mais falso. No queria sentir-se seduzida por ele. No queria sofrer a atrao de sua personalidade inquietante. E,acima de tudo, no desejava imaginar que essa atrao podia concretizar-se fisicamente um dia.

    Voc odioso com suas suspeitas! exclamou por fim, com os lbios trmulos. Voc umdeformado mental. Voc deixou que seu defeito fsico influenciasse seus pensamentos!

    Ele arregalou os olhos amarelados, como duas pedras de topzio.

    Voc tem toda a razo. E bom no se esquecer nunca disso!

    Helen lanou um olhar rpido na direo dele e caminhou para a porta. Sentiu enjo ao subir a escada e astmporas latejavam horrivelmente. Durante um instante, Dominic parecera ser uma pessoa humana e generosa, e elacometera o erro de responder a essa falsa impresso.

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    CAPTULO IV

    Helen passou o resto da manh no quarto. Pendurou os vestidos nos cabides e arrumou as roupas nas gavetas.Embora repetisse que no adian