Upload
phunghanh
View
221
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
1
Andréia Zulato Marçola-Moreira1
CANUDOS EM FOCO
1 – O CONTEXTO HISTÓRICO: OS VELHOS E NOVOS EXCLUÍDOS
As terras brasileiras, há quinhentos anos, vêm sendo disputadas, cobiçadas e usadas como
esteio do poder e da dominação. A história da ocupação da terra é a própria história do Brasil, onde
lutas, conquistas e derrotas somam-se à covardia, coragem e ideais. De tempos em tempos, nos
momentos marcantes de mudanças, explode-se a violência contra os excluídos. Para os
trabalhadores rurais, a vida se confunde com a luta. Quanto aos donos das terras e donos do poder,
estes usam do capital e do prestígio político para assimilarem à vida o contexto da dominação.
A luta pela terra é antiga no Brasil. Durante séculos os trabalhadores vêm enfrentando as
armas da polícia, do exército e dos grandes proprietários, pelo direito de viver e trabalhar na terra.
Índios, negros, camponeses enfrentam os poderosos, tentando defender ao menos sua dignidade.
Como evidências temos a guerra de Canudos de 1896 a 1897 no interior da Bahia, envolvendo 30
mil homens sem terra; e a guerra do Contestado de 1912 a 1916, na fronteira do Paraná com Santa
Catarina, onde lutaram 20 mil homens. (FERNANDES, 1997).
Nesta terra de impunidade as histórias de índios, negros, sertanejos, sem-terra e sem-teto,
juntam-se às histórias dos sem-sem2 do Brasil, a massa de excluídos deste país.
2 – MEMÓRIAS DE INJUSTIÇA, DOR E SANGUE
A história de Canudos é marcada por muita contradições e mistérios. A Guerra de Canudos é
considerada uma das maiores lutas do povo brasileiro. Foi uma verdadeira guerra civil, envolvendo
brasileiros contra brasileiros, que poderia ter sido evitada se as paixões políticas e os interesses
sociais das partes envolvidas não fossem tão conflitantes.
2.1 – O messias do sertão
1 Jornalista/ Mestranda em Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, [email protected] “Trata-se de um grande conjunto de pessoas formado por ex-trabalhadores rurais expulsos do campo pelo processo de modernização conservadora;de ex-operários urbanos-industriais que perderam seus empregos e não têm qualificação para assumir outros; e de ex-prestadores de serviços.Atualmente tem-se utilizado o termo sem-sem para caracterizar esta população, formada por sem-teto, sem-qualificação, sem-formação, sem-terra edesorganizados, isto é, sequer tem a sorte de estar organizada em um movimento social como o Movimento Nacional dos Sem-Terra -MST.”(ALVES e PAULILO, 1996).
2
Depois de mais de 20 anos de peregrinações pelo Nordeste brasileiro, construindo igrejas,
cemitérios, Antônio Vicente Mendes Maciel, chamado Antônio Conselheiro, chega ao sítio de
Canudos, acompanhado de mais de duzentos homens, para implantar, numa das regiões mais secas
do Nordeste, o Raso da Catarina, cortada pelo rio Vaza-Barris, uma comunidade que vai crescendo
e aos poucos se transforma numa das maiores cidades do Nordeste brasileiro, com
aproximadamente vinte e cinco mil habitantes, uma das maiores construções do homem sertanejo: o
arraial de Canudos, a comunidade de Belo Monte.
Conselheiro, o "peregrino", como gostava de ser chamado, também devoto de Santo
Antônio, era visto pela população sertaneja como Sant’Antônio Aparecido. Em suas peregrinações,
fazia adeptos e arregimentava seguidores, reformando igrejas e construindo cemitérios. Os
sertanejos, carentes das necessidades básicas para o sustento da vida, acuados pelo Estado, pelos
senhores de terra, sentem-se também desamparados pela Igreja e encontram em Antônio
Conselheiro um líder capaz de os estimular a reagirem e conduzirem sua transformação, na
esperança de superar suas necessidades.
Em outras palavras, Antônio Conselheiro dava um sentido à vida dos sertanejos,
demonstrando no dia-a-dia os limites do poder autocrático do Estado, da Igreja e dos latifundiários
e, mais ainda, a possibilidade de superação dessa ordem social, “(...) é a pratica cotidiana que coloca
a religião como elemento aglutinador da comunidade"3 .
2.2 - A Igreja e o poder do governo
Cresce a popularidade e credibilidade de Conselheiro entre os sertanejos, inconcebível pela
Igreja, que não permite suas pregações nem a fé revolucionária autônoma e passa a persegui-lo,
alegando não ser o seu trabalho autorizado pelo Arcebispo da Bahia.
“Circular do arcebispo D. Luís Antônio dos Santos ao clero baiano em fevereiro
de 1882
Chegando ao nosso conhecimento que, pelas freguesias do centro deste
arcebispado, anda um indivíduo denominado Antônio Conselheiro, pregando ao
povo, que se reúne para ouvi-lo, doutrinas supersticiosas e uma moral
excessivamente régida com que está perturbando as consciências e
enfraquecendo, não pouco, a autoridade dos párocos destes lugares, ordenamos a
V. Revma. que não consinta em sua freguesia semelhante abuso, fazendo saber
aos paroquianos que Ihes proibimos absolutamente de se reunirem para ouvir tal
pregação, visto como, competindo na Igreja Católica somente aos ministros da
3
religião a missão santa de doutrinar os Povos, um secular, quem quer que ele
seja, ainda quando muito instruído e virtuoso, não tem autoridade para exercê-
la.”4
À igreja parece caber aqui um papel "vanguardista". Já em 1887, o arcebispo subscreve ao
que será a preocupação maior do Estado e dos coronéis. As "doutrinas subversivas", se classificadas
de "subversivas", o foram com relação à ordem política, marcada pelo domínio coronelista, já que
as doutrinas religiosas pregadas pelo Conselheiro nunca saíram do âmbito da teologia tradicional
católica; tanto é que os acusadores clericais de Antônio Conselheiro não citam nenhuma prova a
respeito5.
Uma discussão na Câmara dos Deputados da Bahia em maio de 1894 gerou uma disputa
entre deputados acerca da percepção do movimento e das medidas adequadas que deveriam ser
tomadas. De acordo com BARTELT(1997), é interessante observar naquela discussão anotada nos
anais da câmara, que os dois deputados questionando o interdiscurso básico, também hegemônico
na Câmara, provém aparentemente do sertão. Igualmente, as outras poucas vozes que contradizem a
opinião hegemônica, têm um conhecimento íntimo do sertão, como por exemplo Durval Vieira de
Aguiar6.
2.3 – “Os quatro fogos”
Em novembro de 1896, começa a guerra de Canudos. O pretexto para o seu início foi
irrelevante. Antônio Conselheiro precisava de madeira para a Igreja Nova em construção e a
encomendou em Juazeiro (BA). O pagamento foi antecipado, mas, no prazo estabelecido, a madeira
não foi entregue. Espalhou-se o boato de que a cidade seria invadida pelos conselheiristas. O juiz
local, Arlindo Leone, tinha antigas divergências com Conselheiro e resolveu estimular o pânico na
cidade. Grande parte dos moradores resolveu atravessar o Rio São Francisco, refugiando-se em
Petrolina (PE). Criado o clima propício, o juiz solicitou tropas policiais e foi atendido pelo
Governador Luís Viana.
3 VILLA,1995.4 Euclides da Cunha, Os Sertões, 1989 (30 ed.).
5 “Notemos também que o arcebispo não somente deixou de fazer uma proposta de dialogar com o Conselheiro como ainda fez entender ao Presidenteda província que não tinha obsessões à uma solução repressiva”. (BARTELT, 1997).
6 "Descrições praticas da província da Bahia", que escreveu em carta ao Jornal de Notícias em 1893: "Sou obrigado a vir a imprensa declarar que esseindivíduo, longe de ser um faccinora perigoso, é apenas um inofensivo ente devotado a uma mania religiosa.”(AGUIAR, 1898, cit. In: BARTELT,1997)
4
A Guerra de Canudos durou um ano, mobilizando mais de 10 mil soldados vindos de 17
estados brasileiros, distribuídos em 4 expedições militares. Estima-se que morreram mais de 25 mil
pessoas, culminando com a destruição total da cidade.
Em 2 de outubro de 1897, em meio a guerra, surge por entre as ruínas um homem com uma
bandeira branca. Era Antônio Beatinho, que queria falar com o general comandante e disse que lá
dentro ninguém agüentava mais, a fome e a sede estavam acabando com todos. Assim ele pedia
para que pudessem sair em paz. Artur Oscar, comandante da quarta expedição, disse-lhe que
voltasse lá e trouxesse os homens para se entregarem que ele lhes garantia a vida. Beatinho volta ao
Arraial e pouco depois reaparece com um grupo de 300 pessoas: eram mulheres, crianças, e
inválidos de guerra, maltrapilhos e doentes. Afirma que todos os homens restantes haviam
rechaçado sua proposta de rendição e iriam lutar ate o fim.
Em 3 de outubro, Antônio Beatinho é degolado junto com seus companheiros que se
entregaram confiando na palavra do General Artur Oscar em lhes garantir a vida. A degola dos
prisioneiros era a consumação final do massacre.
Termina a resistência sertaneja, em 05 de Outubro de 1897. Canudos estava destruída. Num
cenário de fim de mundo, por entre becos e ruelas, uma legião de corpos carbonizados se misturam
com as ruínas e as cinzas das 5.200 casas. A elite política, acadêmica e militar do pais estava em
êxtase. Os deputados federais da Bahia congratulam-se com o governo pela "completa destruição de
Canudos, baluarte de bandidos e fanáticos" e o próprio Presidente da República, Prudente de
Moraes, declara: "em Canudos não ficará pedra sobre pedra". Enfim os generais cumpriram o
prometido, pois queriam que ali se plantasse a solidão e a morte.
Numa preciosidade do pensamento dominante, o Barão de Studart escreve: "Para esse fim
houve recurso aos meio mais desumanos, que não convêm registrar a bem dos nossos foros de
nação civilizada e cristã".7
Diversos historiadores e estudiosos, na busca de explicações pela opção militar repressiva e
aniquiladora, têm apontado o "trauma", pelo qual a "jovem República" teria passado nestes anos da
década de 1890. As forças de poder político, econômico, militar, eclesiástico e de hegemonia da
opinião pública optavam, na sua grande maioria, desde o início do surgimento do Conselheiro pela
repressão militar; a guerra de um exército nacional foi, portanto, muito menos da exaltação geral e
do "trauma" de uma jovem república insegura que a execução de uma solução avisada há muito
tempo e levado a cabo num momento oportuno. O tamanho do exército da quarta expedição e as
repercussões políticas nacionais se devem à dinâmica que a guerra assume através da resistência
inesperada dos sertanejos. Porém, a decisão de acabar com Canudos e sua população de forma
definitiva fora tomada antes. E não podia ser diferente. Todas as elites foram formadas na sociedade
5
escravocrata; as relações senhoriais não conheceram um relacionamento com grupos do "povo" que
partiria na mentalidade dos senhores, de atitudes como entendimento, negociação, compromisso,
atitudes que pressupõem a percepção do outro como equivalente, social ou politicamente.
Desviações do comportamento "normal" dos escravos, mas também do "povo", isto é, do povo
livre, foram sempre considerados "rebeliões" e tratados com repressão. As impressões do fim da
guerra revelam o horror, a maldade, e a escravidão de um povo8.
“Os que ficaram, resistindo numa defesa casa a casa, famintos, feridos, serviram
à saciedade ao ódio civilizador, poucos sobrevivendo para nunca esquecerem a
gravata vermelha, mulheres jogadas em fogueiras com os filhos nos braços e, por
fim, o uivo dos cães devorando cadáveres insepultos, enquanto o exército
dinamitava e incendiava cada choupana. Só as mulheres que sobreviveram,
estupradas muitas, resistiram à longa marcha sob o açoite das tropas, das
doenças, da fome, sede e sol causticante, podendo contar na Canudos
reconstruída, à beira do fogo na boca da noite, as histórias da travessia até a
capital, quando cerca de 60% das prisioneiras sucumbiram. Depois, a diáspora
dos filhos, crianças levadas pelos soldados para os prostíbulos ou para a
servidão nas casas de família. Muitos militares, voltando aos distantes locais de
origem, levaram "jaguncinhos" como troféus de guerra.”
2.4 – Canudos hoje: as águas e a reconstrução
O Belo Monte de Antônio Conselheiro, não bastasse ter sido queimada, hoje, não pode ser
avistada. O local onde existiu Canudos está coberto pelo Açude de Cocorobó, que represou 20
quilômetros das águas do Rio Vaza-Barris, em 1969. Após o fogo, as ruínas de Canudos foram
cobertas de água para apagar a memória da guerra.
Às margens do açude, há 10 kilômetros, existe hoje um lugarejo chamado Nova Canudos,
onde predomina a mesma miséria, o atraso, a exploração e a ignorância que existiu antes de Antônio
Conselheiro fixar-se por lá e fundar Belo Monte-Canudos. Um dos habitantes de Nova Canudos,
Roberto Gama, declarou em agosto de 1989: "Os sertões mudaram muito pouco desde a Guerra de
Canudos". 9
Apagaram Canudos do mapa e tentaram também apagá-lo da memória do povo. Impossível.
Canudos é um pedaço vivo da nossa história.
7 Texto cit. Internet: http://www.portfolium.com.br8 BARROS, 1999.9 COSTA, 1990, p.52.
6
3 – CANUDOS NA PERSPECTIVA DAS SETE ARTES
A história de Canudos é focalizadas sob diversas formas. Seja através de livros, poesias,
pinturas, esculturas, desenhos, músicas, fotografias e audiovisuais, a guerra do sertão e a figura de
Antônio Conselheiro se eternizaram. Isso , sem citar os diversos trabalhos acadêmicos e artigos
desenvolvidos sobre o tema. Para PAES (1999), Canudos e Conselheiro são aspectos culturais
importantíssimos na história do Brasil10.
3.1 – Livros
No total já foram publicados 194 livros sobre a Guerra de Canudos, Antônio Conselheiro e
temas afins. Foram selecionados para descrição apenas 20 livros: título, ano, autor.11
1 - Descrição Prática da Província da Bahia (1898) - Durval Vieira Aguiar.
2 - Tragédia Épica(1900) - Francisco Mangabeira.
3 - Os Sertões - Campanha de Canudos(1902) - Euclides da Cunha.
4 - A Campanha do Conselheiro(1934) - J. da Costa Palmeira.
5 - As Coletividades Anormais(1939) - Nina Rodrigues.
6 - História de Antônio Conselheiro – Campanha de Canudos(1940) - Arinos de
Belém.
7 - Canudos - Cinqüenta Anos Depois(1947) - Odorico Tavares.
8 - Antônio Conselheiro(1954) - Abelardo F. Montenegro.
9 - Cangaceiros e Fanáticos - gênese e lutas(1964) - Rui Facó.
10 - Aspectos Econômicos do Episódio de Canudos(1977) - Angelina Nobre
Rolim Garcez.
11 - No Calor da Hora - A Guerra de Canudos nos Jornais, 4ª Expedição(1977) -
Walnice Nogueira Galvão.
12 - 80 anos de Os Sertões de Euclides da Cunha (1902-1982) - Célio Pinheiro.
13 - Canudos na Literatura de Cordel(1984) - José Calasans.
14 - A Terra da Mãe de Deus(1988) - Luitgarde Oliveira Cavalcante.
15 - Canudos: O Assassinato da Liberdade(1992) - Ruy Bruno Bacelar de
Oliveira.
10 “Paralelo à missa popular, artistas que desenvolvem trabalhos inspirados na temática da Guerra de Canudos apresentam seus trabalhos musicais,teatrais, recitais de poesia etc., evento realizado no sítio histórico de Canudos, às margens do açude de Cocorobó, onde se encontra submersa a cidadede Canudos velha.O sangue virou água/e se fez Cocorobó/A morte virou Corisco/e cortou o coração/A Justiça virou fogo /e corre atrás dos coronéis/(Carlos Pita)Estamos nos aproximando do ano 2000, poetas, repentistas e cantadores fazem homenagem à figura do Conselheiro e aos sertanejos conselheiristas.Canudos, experiência que brotou das veredas do sertão, não foi derrotada pelo fogo da guerra nem pelas águas do açude de Cocorobó, lá foi plantadaa semente de uma vida solidária; é o que falam as fontes do cancioneiro popular”. (PAES, 1999) – internet.
7
16 - As Meninas de Belo Monte(1993) - Júlio José Chiavenato.
17 - O Treme-Terra. Moreira César - A República e Canudos(1995) - Oleone
Coelho Fontes.
18 - Incompreensível e Bárbaro Inimigo - A Guerra Simbólica Contra
Canudos(1995) - José Augusto Cabral Barretto Bastos
19 - A Guerra de Canudos: O Filme(1997) - Nilza Rezende..
20 - O Enigma de Os Sertões(1998) - Regina Abreu.
3.2 – Poesias
Existem 26 referências de poesias sobre Canudos, escritas por cordelistas nordestinos e
autores urbanos. Foram selecionadas duas12:
Poema: À Saga do Conselheiro/ Livro: Hinos e Poesias/Autor: Dom Pedro
Casaldáliga.
No rumo do Belo Monte/Um povo livre e romeiro
Descobre seu horizonte/No açude Cocorobó
Nem afogado nem só/Canudos, sangue fecundo!
Nós passaremos teu nome/Da "Guerra do fim do mundo"/Pra guerra do fim da
fome
Autora do Poema: Petinha (Uauá) (sem título)
Levanta tu que não morreu/Que a batalha não findou em 1897
Ela ainda sangra nos tabuleiros nordestinos/Com a mesma pujança de 99 anos
atrás
Levanta Antônios, Marias Ritas e Pajeú/O Bacamarte fervilha nas suas mãos
Esperando os Moreira Cesáres da vida/Que estão soltos por ai
A grilar, a matar e a impor a lei do latifúndio
LEVANTA CANUDOS
3.3 – Pinturas. Desenhos. Esculturas
11 Página da Internet sobre a história de Canudos e diversas informações: http://www.portfolium.com.br12 Ibidem.
8
Será apresentado nomes dos 22 artistas plástico que desenvolveram trabalhos sobre a
temática de Canudos (pintores, escultores, desenhistas, etc.)13:
Carybé(1947) - Osvaldo Storni(1953)
Calazans Neto/ Funchal Garcia/ Mario Cravo Júnior(1965) - Sante
Scaldaferri(1969)
Luís Salgueiro(1973) - Alves Dias(1981) - Adir Botelho(1985)
Gabriel Arcanjo/ Audifax Rios/ (1987) – Liberati(1989)
Juracy Dórea/ Washington Falcão (1990)
Madalena Calazans/ Edmilson Carvalho/ Trípoli Gaudenzi/ Ângelo Roberto(1991)
Parlim/ Gildemar Sena (1993) - Otoniel Fernandes/ Pe. José de Souza Pinto(1997
3.4 – Teatros
Ao todo somam-se 8 representações teatrais14:
1-O Capataz de Salema. Antônio Conselheiro, Marechal, Boi de Carro(1975)-
Texto: Joaquim Cardozo.
2-CANUDOS(1975)-Texto: José Bezerra.
3-Quando o Sol se Reparte em Crimes(1975)-Texto: Racine Santos.
4- Epopéia de Canudos(1993)-Texto: Marielson de Carvalho.
5- Canudos – A Guerra do Sem Fim(1993)-Texto: Aninha Franco e Cleise
Mendes.
6- Canudos: Terra em Chamas(1998)-Produção: Cia. Teatral Matéria Vertente.
7- O Evangelho de Couro(1998)-Texto: Paulo Gil Soares.
8- A Guerra de Canudos(1998)-Texto: Nelson Costa da Mata.
3.5 – Músicas
Existem 94 versões de músicas. Foram selecionadas duas como exemplos.15
Título da composição: Lamento por Canudos(1997)/Disco: Canudos / Gereba
Música e Letra: Gereba - Nêumanne Pinto - Intérprete: Gereba
Na estrada de Monte Santo/Me perdi da cega fé/O pó que enxuga meu pranto
Faz feridas no meu pé/As bandeiras do Beato/Da cor de lama rachada
Chupam como carrapato/Almas de gente alquebrada/O chão de Jeremoabo
Se transforma em matador/Aqui faço ali acabo/E lá se fabrica a dorAs estrelas de
Corisco
13 Ibidem.14 Ibidem.15 Ibidem.
9
Anunciam Satanás/Na guerra se encontra risco/Mas há quem busque cartaz
Os aboios do vaqueiro/São lamentos de marfim/Neles acho o verdadeiro
Pressentimento do fim/Mas se a terra é do homem/E o sertão vai se acabar
Quais dos frutos todos comem /Quantos vão chegar ao mar
Título da composição: Ladainha pra Canudos(1993) Disco: Pingo de Fortaleza ao
Vivo
Música e Letra: João Bá / Gereba/Intérprete: Pingo de Fortaleza
Usaram as águas do rio/Que nem arma do medonho
Pra destruir, a morada Terra Santa/Do Beato Santo Antônio Penitentes e
contritos
Na sagrada procissão/Pra Bandeira de Canudos
Nunciar Ressurreição
3.6 – Fotografias
Canudos é um acontecimento tão rico nos textos como nas imagens, como pode ser visto
pelo registro dos 39 fotógrafos e fotógrafas, listados abaixo16.
Flávio de Barros – 1897 / Euclides da Cunha – 1897 / Juan Gutierrez - 1897
Pierre Verger – 1948 / Luciano Carneiro – 1953 / Darwin Brandão - 1953
Alfredo Vila-Flor – 1964 / Audálio Dantas – 1958 / David Vestal - 1964
Jair Dantas – 1968 / Artur Ikishima – 1972 / Oldemar Vitor - 1972
Marcos Santilli – 1979 / Antonio Olavo – 1983 / Rita Barreto - 1985
Antenor Júnior – 1985 / Lúcia Correia Lima –1987 / Xando Pereira -1985
Rubens Mano – 1988 / Claude Santos – 1989 / Josué Ribeiro - 1990
Juracy Dórea – 1990 / Evandro Teixeira – 1990 / Juca Rodrigues - 1993
Luciano Andrade- 1993 / Walter Firmo – 1993 / Manoel Novaes - 1993
Sergio de Souza – 1993 / Ed Viggiani – 1995 / Agnaldo Novais - 1992
Eugênio Novaes – 1992 / Fernando Amorim – 1997 / Orlando Brito - 1997
Débora 70 – 1997 / Victor Agostinho / Antônio Queirós - 1997
Edson Luís – 1997 / Paulo Emílio Martins – 1995 / Geraldo Ataíde – 1997
Francisco Ferreira – 1999.
10
3.7 – Audiovisuais
Foram produzidos no Brasil e no exterior, nos últimos 37 anos, cerca de 26 audivisuais,
entre filmes e vídeos, que abordam o tema Canudos, de forma direta ou indireta. A seguir eles serão
identificados na seqüência cronológica das produções: título, ano, formato, país, direção.17
1 - Um Sino dobra em Canudos(1962) – Documentário/Brasil/Carlos Gaspar.
2 - Deus e o Diabo na Terra do Sol(1964) – Ficção-
Longamentagem/Brasil/Gláuber Rocha.
3 - Canudos(1978) – Documentário/Brasil/Ipojuca Pontes.
4 – Memória de Deus e o Diabo em Monte Santo e Cocoró(1984) -
Doc./Brasil/Agnaldo Siri Azevedo.
5 – UNEB – A Universidade do Sertão(1986) – Documentário/Brasil/Pola
Ribeiro.
6 – Reconstrução(1987) – Documentário/Brasil/Jorge Alfredo.
7 – Os Caminhos de Antônio Conselheiro(1987) – Documentário/Brasil/Ana
Roland.
8 – Memórias de Sangue(1987/88) – Documentário/Brasil/Conceição Sena.
9 – República de Canudos(1989) – Documentário/Brasil/Pola Ribeiro e Jorge
Felippi.
10 – Canudos Revisited(Canudos, de Novo) (1990) – Documentário/Estados
Unidos/Robert M. Levine.
11 – Caderneta de Campo(1991) - Documentário/Brasil/Pola Ribeiro.
12 – O Crime da Imagem(1992) – Ficção-Curta/Brasil/Lírio Ferreira.
13 – Utopia(1992) - Documentário/Brasil/Pola Ribeiro.
14 – Paixão e Guerra no Sertão de Canudos(1993) - Documentário/Brasil/Antônio
Olavo.
15 – Canudos Não Morreu - A Confirmação(1994/95) -
Documentário/Brasil/Jorge Alfredo.
16 – A Matadeira(1994) – Ficção-Curta/Brasil/Jorge Furtado.
17 – Os Sertões(1995) - Documentário/Brasil/Cristina Fonseca.
18 – Antônio Conselheiro(1996) - Documentário/Brasil/Marcelo Rabelo.
19 – Canudos, Uma História Sem Fim(1996) - Documentário/Brasil/Paulo Lafene.
20 – Monte Santo: o Caminho da Santa Cruz(1997) - Documentário/Brasil/José
Umberto.
16 Ibidem.17 Ibidem.
11
21 - CANUDOS – Histórias de uma Romaria(1997) -
Documentário/Brasil/Esmon primo.
22 – Canudos a Guerra no Sertão(1997) - Documentário/Brasil/Trípoli Gaudenzi.
23 – Guerra de Canudos(1997) – Ficção-Longa/Brasil/Sérgio Rezende.
24 – O Arraial(1997) – Ficção-Animação/Brasil/Otto Guerra e Adalgisa Luz.
25 – A Penitência(1997) - Documentário/Brasil/Joel Almeida.
26 – Tempo Bravo – Guerra de Canudos Relembrada(1997) –
Doc./Brasil/Alejandro Gabriel Miguelez.
4 – O FILME DA GUERRA: O FILME DO LIVRO
O filme Guerra de Canudos é uma ficção, 35 mm, produzido em cor, com aproximadamente 186
minutos de duração, Brasil, 1997.
4.1 - Ficha Técnica
Direção: Sérgio Rezende/Roteiro: Sérgio Rezende/Direção de Fotografia: Antônio
Luís Mendes
Câmera: Giselle Chamma/Direção de arte: Claudio Amaral Peixoto/Figurino:
Beth Filipecki
Direção de Produção: César Cavalcanti
Elenco: Cláudia Abreu, José Wilker, Paulo Betti, Marieta Severo, Selton Mello,
Roberto Bomtempo, Tonico Pereira./Locações: Junco do Salitre (Juazeiro - BA)
Som: Mark Willigen/Música: Edu Lobo/Produção Executiva: Marisa Figueiredo
Produção: Morena Filmes/Mariza Leão
4.2 - Sinopse
"Guerra de Canudos (1896/97): conflito entre as tropas federais e os sertanejos,
seguidores do líder religioso Antônio Conselheiro. É nesse contexto, que aparece
a história de uma família, seguidora de Conselheiro. Pais e irmãos seguem sua
perigrinação, mas Luiza, a filha mais velha, se recusa a continuar. A família
segue seu destino até Belo Monte, região de Canudos, onde junto com os demais
fiéis de Conselheiro, tentam resistir aos vários ataques dos soldados que desejam
12
acabar com Canudos, que não se rende. O grupo de fiéis encontra força no ideal
que defende." 18
4.3 – Impressões literárias e visuais
O filme Guerra de Canudos aborda o maior conflito já ocorrido no Brasil, sob o ponto de
vista de Os Sertões, de Euclides da Cunha, um clássico seminal da literatura canudense, que
influenciou várias gerações de estudiosos, denominado pelo próprio autor de "livro vingador".
Durante mais de 50 anos foi texto hegemônico do tema Canudos, e atualmente está traduzido para
mais de 10 idiomas e com número superior a 40 edições brasileiras.
A história contada gira em torno de uma família que decide seguir Antônio Conselheiro. O
filme mistura ficção e realidade. Alguns nomes como os dos generais e conselheiristas, como de
Antônio Beatinho, são verídicos, outros acompanham a trama. O filme apresenta recortes de jornais
da época do conflito, e às vezes mostra-se quase como um documentário, mesclando a literatura de
Euclides da Cunha, com impressões da época. O uso de atores da Rede Globo, falando um baianês
novelístico, ajuda a construir a imagem do filme como ficção. O contraponto seriam os figurantes
nordestinos utilizados nas filmagens. A realidade da seca nos apresenta na tela como um pequeno
exemplo da miséria daquele povo. A realidade, desta forma, ensaia-se na ficção.
O audiovisual Os Sertões, citado neste estudo, assemelhe-se mais à abordagem de Euclides
da Cunha. Entretanto tem um caráter explícito de documentário, fazendo uma reconstituição
histórica da Campanha de Canudos. O escritor foi cobri a guerra com o intuito de fazer uma
reportagem para o jornal "O Estado de S. Paulo". Seguindo um esquema determinista, Euclides da
Cunha estrutura o livro Os Sertões em três partes: "A Terra", "O Homem" e "A Luta". Ele só fala do
conflito propriamente dito depois de levantar dados geográficos e culturais da região e do Brasil,
numa proposta de causalidade.
Canudos é o resultado do confronto entre dois Brasis, contudo, distintos entre si não só no
espaço como no tempo, pelo atraso dos séculos em que vive mergulhada a sociedade rural. O
documentário Os Sertões segue a mesma estrutura do livro, dividindo-se em três blocos que
respeitam a divisão do autor: "A Terra", "O Homem" e "A Luta". De acordo com as considerações
de Euclides, tem como base "A Terra" (o meio que influencia o homem e a luta). Traduzido em
imagens, são cenas do solo, da caatinga, das formações rochosas, veredas, flora e fauna da região.
Com essa textura de fundo, faz surgir constantemente, em sobreposições, "O Homem" e "A Luta".
Respeitando a complexidade da obra, ao abordar a discussão de cultura, raça e sociologia,
18 "O filme é uma das grandes produções, de todos os tempos, do cinema brasileiro. A força de suas imagens - o impacto visual - é um espetáculo aparte; Rezende, encontrou inspiração para suas cenas, na força das palavras de Euclides da Cunha, em "Os Sertões", clássico da literatura brasileiraque registra a "Guerra de Canudos", ficou orçado em 6 milhões de dólares."(http://www.porfolium.com.br)
13
levantadas pelo autor, o documentário mostra, através de cenas fortes, feitas na própria região de
Canudos, somadas aos depoimentos de descendentes dos revoltosos, o sertão e o sertanejo hoje."
Outro audiovisual de grande destaque é Paixão e Guerra no sertão de Canudos. Esta
produção, que não teve o intuito de retratar Os Sertões de Euclides da Cunha, emociona pela
realidade nua e crua que nos é mostrada. Paixão e Guerra no Sertão de Canudos é um documentário
que conta a epopéia sertaneja de Canudos de forma ampla e aprofundada, construído ao longo de 3
anos. As filmagens foram realizadas nos meses de abril e maio de 1993, por 180 cidades e povoados
do Ceará, Pernambuco, Sergipe e Bahia, num percurso de 7.000 km, refazendo assim a trajetória de
Antônio Conselheiro em suas andanças pelo sertão.
O vídeo reúne raros e emocionantes depoimentos de parentes de Conselheiro,
contemporâneos da guerra, filhos de líderes guerrilheiros, historiadores, religiosos e militares, que
expressam diferentes pontos de vistas sobre os acontecimentos históricos, e são associados a um
expressivo conjunto de imagens da flora e fauna sertaneja que compõem um interessante jogo de
situações subjetivas que ilustram a narração. Desde o seu lançamento em première mundial no Latin
American Festival da Carolina do Norte (USA), como convidado especial em novembro de 1993, o
documentário vem desenvolvendo uma carreira inusitada de extraordinário sucesso de público e
crítica, se espalhando em exibições, geralmente seguidas de debate, em universidades, colégios,
associações de bairro, igrejas, sindicatos, mostras de filmes e vídeos dentro e fora do Brasil. Neste
circuito alternativo já vendeu mais de 4.000 fitas VHS (é best seller nacional) e foi assistido por
mais de um milhão de pessoas19.
4.4 – Os personagens
No filme Guerra de Canudos, os personagens que representam direta ou indiretamente os
autênticos personagens da guerra, falam trechos do livro Os Sertões. As falas de Antônio
Conselheiro são as mais usadas:
“O sertão vai vira praia. A praia vai virar sertão”.(...)
“Minha vida a Deus pertence”.(...)
“Esta noite, o Arcanjo Gabriel me apareceu em sonho. Falô do quarto fogo e
avisô: quem caí pelo ferro frio não entra no reino do céu, mas quem morre pelo
fogo merece o descanso eterno”.(...)
19 Fonte: http://wwwportifolium.com.br
14
“Durante 40 dia e 40 noite, o nosso senhor viveu no deserto sem tomá alimento
algum. E nem tanto, por mais ásperas que fossem as privações, elas elas se
faziam necessárias. Fome. Sede. Injustiça. Dor e morte. Cristo sabe o valor do
sofrimento, porque ele, mais do que todos sofreu. Abre o peito ao perigo que te
ameaça. Não tema as privações que se aproximam. Em nome se nosso senhor
Jesus Cristo, defenda o nosso Belo Monte”.(...)
“Meu povo de Belo Monte... É chegado o momento para me despedir de vós; que
pena, que sentimento tão vivo ocasiona esta despedida em minha alma, à vista do
modo benévolo, generoso e caridoso com que me tendes tratado, penhorando-me
assim bastantemente! São estes os testemunhos que fazem compreender quanto
domina em vossos corações tão belo sentimento! Adeus, povo, adeus aves, adeus
árvores, adeus campos, aceitai a minha despedida, que bem demonstra as gratas
recordações que levo de vós, que jamais se apagarão da lembrança deste
peregrino, que aspira ansiosamente a vossa salvação e o bem da Igreja. Praza
aos céus que tão ardente desejo seja correspondido com aquela conversão
sincera que tanto deve cativar o vosso afeto”.20
A figura de Antônio Conselheiro, interpretado no filme por José Wilker, tem uma extrema
conotação de fanatismo religioso, expresso através dos olhos arregalados, do tom de voz e do uso
excessivo de contre-plongê.21 O Beato Salú, criado por Dias Gomes na novela Global Roque
Santeiro, poderia ser comparado ao Conselheiro de José Wilker.
Na trama, a personagem Luiza (Cláudia Abreu), rebela-se contra a família por não aceitar
obedecer Conselheiro. Em vários momentos do filme, ela expressa seu ódio pelo messias: “A culpa
é daquele veio”. O único momento em que se quebra a tensão desses dois personagens é quando
Conselheiro salva Luíza de ser morta pelo próprio pai. Como contraponto, têm-se os personagens de
Lucena e sua mulher, pais de Luiza, que querem a todo custo defender suas terras, a ponto de não se
intregarem nem por um momento.
No livro Os Sertões, há uma passagem em que um conselheirista é preso e executado, tendo
sua garganta cortada. No filme, a mãe de Luiza representa este papel:
“Numa das refregas subseqüentes ao assalto, fora preso um curiboca ainda moço
que a todas as perguntas respondia, automaticamente, com indiferença altiva:
"Sei não!"
20 Esse trecho foi tirado do diário de Conselheiro, o qual escreveu estas palavras antes de morrer, em 22 de setembro de 1897. A morte deConselheiro: “Para uns, a causa foi um ferimento provocado por estilhaços de uma granada; para outros, foi "caminheira" (disenteria), e ainda há osque acreditam que ele não morreu em Canudos” (internet).21 Câmera posicionada abaixo do personagem, indicando uma conotação de poder e autoridade.
15
Perguntaram-Ihe por fim como queria morrer. De tiro!"
"Pois há de ser a facão!" Contraveio terrivelmente o soldado.
Assim foi. E quando o ferro embotado Ihes rangia nas cartilagens da glote, a
primeira onda de sangue borbulhou, escumando, à passagem do último grito
gargarejado na boca ensangüentada:
"Viva o Bom Jesus!”22
O irmão de Luiza, “Tohinho”, também representa um personagem da história de Canudos,
retratada em Os Sertões:
“No dia 1º de julho, o filho mais velho de Joaquim Macambira, rapaz de dezoito
anos, abeirou-se do ardiloso cabecilha:
"Pai! quero escangalhar a matadeira!
O astuto guerrilheiro, espécie grosseira de lmanus, acobreado e bronco, encarou-
o impassível:
"Consulta o Conselheiro - e vai".
O valente abalou, seguido de onze companheiros dispostos. Transpuseram o
Vasa-Barris, cortado em cacimbas. Investiram com a larga encosta ondulante da
Favela. Embrenharam-se, num deslizar flexuoso de cobras, pelas caatingas ralas.
do em meio o dia. O sol irradiava a pino sobre a terra, jorrando, sem fazer
sombras, até ao fundo dos grotões mais fundos, os raios verticais e ardentes...
Naquelas paragens o meio dia é mais silencioso e lúgubre que a meia noite.
Transverberando nas rochas expostas, refletindo nas chapadas nuas, repelido
pelo solo recrestado e duro, todo o calor emitido para a terra reflui, tresdobrado,
para o espaço, nas colunas ascensionais dos ares irrespiráveis e candentes. A
natureza queda-se, enervada em quietude absoluta. Não sopra a viração mais
leve. Não bate uma asa nos ares, cuja transparência junto ao chão se perturba em
ondulações rápidas e ferventes. Repousa, estivando, a fauna insolada das
caatingas. Pendem, murchos, os ramos das árvores estonadas..
O exército descansava no alto da montanha, abatido pela canícula. Deitados a
esmo pelas encostas, bonés caindo sobre os rostos para os reguardar, dormitando
ou pensando nos lares distantes, os soldados aproveitavam alguns momentos de
tréguas, refazendo forças para a afanosa lide. Em frente, derramado sobre
colinas - minúsculas casinhas em desordem, sem ruas e sem praças, acervo
22 Euclides da Cunha, (Textos extraídos de Os Sertões, por Luís Viana Filho, 1978).
16
incoerente de casebres - aparecia Canudos, deserto e mudo, como uma tapera
antiga.
Todo o exército repousava...”23
O filme também retrata a cena onde os últimos quatro sobreviventes de Canudos, que não se
renderam, estavam entre os mortos, agradecendo por terem tido forças para enfrentarem “o
anticristo”, a República. Euclides da Cunha escreveu:
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até ao
esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral, do
termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando cairam os seus últimos defensores,
que todos morreram. Eram quat.ro apenas: um velho, dois homens feitos e uma
criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldado.s.”24
A personalidade dos generais que chefiaram as expedições também foi representada no
filme, como retratada em Os Sertões. O coronel Moreira Cézar e o coronel Artur Oscar, foram os
mais representativos. Suas falas no filme, seguem todo o discurso militar da época. Mas há quem
criticou este aspecto do filme, assim como algumas narrativas focalizadas sob a ótica de Euclides da
Cunha:
“O filme falha na sua dramaturgia e não emociona. Por ser um fato histórico
conhecido, não é necessário que o roteiro tenha que ser linear e previsível,
mesmo com a inclusão da família que se divide por conta do seu envolvimento nos
acontecimentos. E mais: por quê lutam aqueles homens e mulheres ao lado de:
Antônimo Conselheiro? Qual prática do discurso das Sagradas Escrituras?
Apenas as promessas do um céu aqui na terra? A injustiça do novo gênero
republicano, confundida com o poder regional no confisco dos bois, é pouco para
explicar toda a situação de Canudos. 0 filme acaba por naufragar entre alguns
trechos transcritos por Antônio Conselheiro e o formalismo das frases militares
recompostas e extraídas do jornalismo euclideano. Mas, ao contrário do
jornalismo literário, o cinema é feito de: emoções e a narrativa deve caminhar de
acordo com a ação dos personagens, seja ela de viés psicológico ou não”. 25
Entretanto, para outros críticos26, o filme atingiu o seu objetivo:
23 Ibidem.24 Ibidem, p.52.25 Izaías Almada, Revista Sem Terra, out/nov/dez, 1999, p.44 e 45.26 Trechos publicados na contra-capa do filme Guerra de Canudos, em vídeo.
17
“A melhor demonstração de que um superespetáculo nacional pode Ter drama,
emoção, ritmo, beleza - numa palavra, pode Ter eficiência. Não é todo dia que o
cinema brasileiro ousa tanto.”27
“Literalmente espetacular.”28 “Magistral recriação”29
“Um filme grandioso”30 “O maior filme brasileiro de todos os tempos.”31
4.5 – Os fantasmas da imprensa
Os textos publicados na imprensa que noticiou os acontecimentos em torno da Guerra de
Canudos foram imprescindíveis que nortear as ações do governo e manobrar a opinião pública
contra Conselheiro e seus seguidores. A desculpa da guerra atribuída a uma revolta contra a
monarquia, foi como um escudo que tentava esconder o problema da miséria na seca no Nordeste,
da terra dos excluídos, de gente que apenas defendia idéias, seu povo e queria trabalhar
honestamente para ganhar o seu sustento.
Mesmo bem antes do começo da guerra de Canudos, a imprensa já buscava construir uma
imagem de Antônio Conselheiro, que a princípio, aparentava ser apenas um homem diferente, de
extrema religiosidade, um possível fanático, mas sem representar uma aparente ameaça à sociedade:
“Antônio Conselheiro segundo a Folhinha Laemmert de 1877 publicada no Rio
de Janeiro
Apareceu no sertão do norte um indivíduo, que se diz chamar Antônio
ConseIheiro e que exerce grande influência no espírito das classes populares,
servindo-se de seu exterior misterioso e costumes ascéticos, com que impõe à
ignorância e à simplicidade. Deixou crescer a barba e cabelos, veste uma túnica
de algodão e alimenta-se tenuemente, sendo quase uma múmia. Acompanhado de
duas professas, vive a rezar terços e ladainhas e a pregar e a dar conselhos às
multidões, que reúne, onde Ihe permitem os párocos; e, movendo sentimentos
religiosos, vai arrebanhando o povo e guiando-o a seu gosto. Revela ser homem
inteligente, mas sem cultura..”32
Entretanto, com o passar dos anos Conselheiro foi se transformando em ameaça. Imagem
esta construída pela Igreja, imprensa e governo. A derrota da terceira expedição, enviada pelo
27 Geraldo Mayrink, Revista Veja.28 Arthur Xexéo, Jornal do Brasil.29 Jornal O Globo.30 Zélia Gattai, Escritora.31 Ariano Suassuna, Escritor
32 Euclides da Cunha, 1981(30 ed.).
18
governo federal, e a morte do coronel Moreira César abalaram o país. Era preciso encontrar uma
justificativa para explicar tamanho desastre. Era impossível que aqueles "fanáticos" guiados por um
"louco" e sem receber ajuda de ninguém tivessem derrotado as tropas do exército comandadas por
um famoso oficial como Moreira César. Os florianistas, por exemplo, acusavam os monarquistas e
os falsos republicanos de estarem apoiando e ajudando Antônio Conselheiro e seus adeptos.
Os principais jornais das grandes cidades do país passaram a denunciar Canudos como o
"centro de convergência da ação restauradora”; o "poderosíssimo reduto central do tresloucado e
caduco monarquísmo", o "antro dos famigerados", o "covil dos miseráveis inimigos da pátria", o
“antro do banditismo”, a “cidade maldita”, onde “o banditismo, a ignorância e o fanatismo estúpido
e perverso acastelaram-se para eterna vergonha de nossa pátria”.
Os jornais classificavam Antônio Conselheiro como “célebre bandido”; e os canudenses
como “bandidos”; “bestas-feras”; “monarquistas encobertos”, “malvados inimigos”, “desagregados
da sociedade”, “inimigos da pátria”, “celerados”, “hordas selvagens”, “inimigos da República”, etc.
Os soldados do governo recebiam tratamento diferente, sendo considerados como “heróicos
defensores da pátria”; “bravos defensores da República”; “intrépidos cruzados da República”;
“valentes soldados”; “obreiros da boa causa da pátria”,33 etc.
O sensacionalismo dos jornais agitando a fantasia da restauração monárquica, através de
Canudos, contribuiu para exaltar o ânimo dos florianistas. Dois dias após a morte do coronel
Moreira César, Prudente de Moraes reassumiu inesperadamente o cargo presidencial sem ter
avisado o vice-presidente Manoel Vitorino, que foi surpreendido e não pôde reagir. Alguns dias
depois, os florianistas destruíram as redações dos jornais monarquistas A Gazeta da Tarde, O
Apóstolo e Liberdade, e assassinaram o diretor de um desses jornais, o coronel Gentil de Castro,
numa estação ferroviária do Rio de Janeiro. Em São Paulo foi destruída a redação do jornal O
Comércio de São Paulo, também monarquista.34
Como expressou COSTA(1990), a derrota da terceira expedição contra Canudos repercutiu
intensamente nos principais jornais e na opinião pública do país. A imprensa era unânime em
denunciar um complô restaurador em marcha para destruir a República.
No filme Guerra de Canudos estes fatos também foram retratados, através recortes de jornais
apresentados, após o ocorrido da morte do “corta cabeças”, o general Moreira Cézar:
“JORNAL O PAIS
Rio e Janeiro, Segunda-feira 8 de março de 1897
Agora e só agora o governo federal soube a força do inimigo que tem no sertão
da Bahia . Agora e só agora elle pode calendar com precisào quaes os elementos
33 As expressões entre aspas foram extraídas de GALVÃO, 1977.34 COSTA, 1990.
19
de guerra que precisa oppor a esse miserável instrumento de conspiração
monarquista.”35
“JORNAL DO COMÉRCIO
Expedição de Canudos
De Queimados, em 14 do corrente, escrevemos o nosso correspondente especial o
Sr. Capital Manoel Benício”.
“O ESTADO DE SÃO PAULO
O Monstro de Canudos
Uma folha da Bahia, de 11 do corrente, dá as seguintes notícias sobre Antônio
Conselheiro”.
No filme, a figura do fotógrafo, denominado Pedro Martins, correspondente de guerra, é
muito importante, sugestionando ser este o próprio Euclides da Cunha. “Retratista em tempo de
paz. Jornalista em tempo de guerra”. Através do diálogo do jornalista com seu assistente, o filme
mostra as impressões tiradas da época do fatos ocorridos:
12 de junho de 1897
“-O Rio de Janeiro virou um pandemônio. O povo quebrou vidraças, espancou
jornalistas e incendiou os jornais monarquistas. Des militares lincharam o dono
da Gazeta DA Tarde entre vivas a República e Moreira Cézar. Nunca pensei que
ele fosse tão querido.
-Quer dizer que no Rio ele estão convencidos de que Canudos é um reduto
monarquista?
-E não é?
-Não sei. Estou aqui há mais de três anos e não sei. Como é que vocês podem
saber lá no Rio. O que vejo nesses jornais são os republicanos radicais
manobrando a opinião pública”.
Na literatura de SILVA (1983), são apresentados três exemplos de notícias também
publicadas na época, revelando o poder do discurso jornalístico, aliado à forças políticas, fato este já
evidenciado naquela época e que se prolonga nos dias atuais:
O "perigo" monarquista segundo jornais da época
A Gazeta de Notícias (RJ): "Não há quem, a esta hora, não compreenda que o
monarquismo revolucionário quer destruir com a República a unidade do Brasil".
35 Os erros ortográficos são próprios da época.
20
O País (RJ): "A tragédia de 3 de março, em que, juntamente com Moreira César,
perderam a vida o ilustre coronel Tamarindo e tantos outros oficiais briosíssimos
do nosso exército, foi a confirmação de quanto o Partido Monarquista, à sombra
da tolerância do poder público e, graças até aos seus involuntários alentos, tem
crescido em audácia e força”.
O Estado de S. Paulo: "Trata-se da restauração; conspira-se: forma-se o exército
imperialista. O mal é grande; que o remédio corra parelhas com o mal. A
Monarquia arma-se? Que o presidente chame às armas os republicanos".
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
No filme, em um momento de questionamento sobre a causa de toda aquela guerra covarde,
a personagem vivida por Marieta Severo indaga: “Qual é o pecado da gente, pro Presidente dessa
tal República, tratar a gente que nem bandido”?
A verdadeira resposta ainda está sendo procurada. A suposta resposta, hoje, mascara-se em
novas formas de violência contra milhares de brasileiros inocentes: homens, mulheres, crianças.
Não pretendo concluir minha análise, questionando se o filme Guerra de Canudos e o Livro
Os Sertões, refletem uma ideologia dominante, mesmo disfarçados como arte. Esta, poderia ser até
uma hipótese provável. No entanto, prefiro ver o saldo positivo das duas obras. A repercussão sobre
a batalha de Canudos, através de Os Sertões, foi imprescindível para o questionamento do que
realmente ocorreu, sendo objeto de estudo e análise em quase um século após a primeira edição. O
filme, Guerra de Canudos, mostrou a um público de massa, as atrocidades da guerra. O filme,
inclusive, foi exibido pela Rede Globo, como mini-série. Sem mencionar, com mais profundidade, a
mini-série global Desejo, que apresenta os bastidores da vida de Euclides da Cunha: uma tragédia
sobre o ponte de vista da tragédia de Canudos. Neste sentido, não há como negar a força do
audiovisual.
MOMENTO DE REFLEXÃO
Durante toda a história deste enorme latifúndio chamado Brasil, contra os movimentos por
democratização da terra e das relações sociais no campo, as elites dominantes não têm pensado duas
vezes em lançar mão até das mais absurdas formas de coerção física e moral, contribuindo para a
perenização de uma cultura do autoritarismo e da violência. Da batalha de Canudos e do
Contestado, aos recentes massacres contra os sem-terras do Movimento dos Trabalhadores Rurais
21
Sem Terra (MST), tem sido a história da cidadania rural negada pela força, à custa de matanças,
como ocorreu em Corumbiara (RO)36 e Eldorado dos Carajás.(PA)37.
A brutalidade que massacrou quase trinta mil sertanejos, destruindo casas e plantações
precisa “queimar” a consciência da sociedade, mesmo porque, governo, Igreja e imprensa daquela
época, foram os responsáveis pelos acontecimentos. A degola do passado, que tanto assombrou os
conselheiristas, hoje se “maquia” em novas formas de violência, sejam elas refinadas ou até mais
cruéis. Para ALMADA (1997), a “matadeira” de hoje tem outro nome e “atira para todos os lados
durante vinte e quatro horas por dia. É conhecida por mídia”38.
Ao contrário do massacre de Canudos, no Brasil de hoje, nos massacres atuais, há mais
sobreviventes. Com o apoio de grupos políticos, da Igreja e de Organizações não Governamentais,
apesar da imagem negativa pela qual os movimentos sociais acabam sendo rotulados pela imprensa,
o MST, constituída pelos novos excluídos brasileiros, também está conseguindo influenciar a
opinião pública, mostrando o lado humano das famílias acampadas e incluindo a luta pela terra na
pauta política do Governo.
Entretanto, sem as medidas concretas os conflitos vão continuar. E o que é pior, os
massacres que ocorreram em Canudos, Contestado, Rondônia, Pará, e tanto outros, que resultaram
em mortes e muitos feridos, vão se tornar banais, comuns na terra da impunidade, onde fazendeiros,
supostamente, “compram” policiais para silenciar o grito pela terra, para esconder a oprimida busca
de um povo que quer ter o direito de plantar sua sobrevivência, educar seus filhos e viver em paz.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, F. J. C. & PAULILLO, L. F. Reforma Agrária e Capitalismo no Brasil Neste Fim de
Século: Os Sem-Terra e os Sem-Sem. In: Reforma da Política Agrícola e Abertura
Econômica. Viçosa, MG: UFV, 1996.
ALMADA, I. O que é isso Conselheiro? In: Revista Sem Terra, São Paulo, Ano1, nº. 2,
out/nov/dez, 1997.
BARROS, L.O.C. Canudos na Perspectiva Científica. UFRJ (texto publicado na Internet site
Canudos)
36 “Na madrugada do dia 9 de agosto de 1995, a Polícia Militar de Rondônia invadiu um acampamento dos sem-terra no Município de Corumbiara(RO). Ao arrepio da lei - que só permitiu ações de reintegração de posse à luz do dia- , o confronto resultou em 11 mortos e numerosos feridos edesaparecidos. Nove trabalhadores rurais foram assassinados, alguns a queima roupa, outros pelas costas, barracos incendiados, corposcarbonizados.”(SILVA, 1996)
37 “No dia 17 de abril de 1996, por volta das 16 hs. , aproximadamente 200 policiais militares, sob o comando do coronel Mário Colares Pantoja, emcumprimento de ordem emanada do Governo do Estado Sr. Almir Gabriel, deram início à mais grave violação aos direitos humanos da AméricaLatina nos últimos anos. Sob o pretexto de desobstruírem a Rodovia PA-150, mataram friamente 19 (dezenove) trabalhadores rurais sem-terra eferiram outros 69 (sessenta e nove). Os trabalhadores rurais haviam paralisado a rodovia objetivando que o Governo do Estado cumprisse a promessade ônibus e alimentos para que pudessem seguir até a Capital, a fim de negociar com o INCRA o assentamento de 2.000 (duas mil) famílias detrabalhadores rurais sem terra na fazenda Macaxeira”. (INTERNET, MST)
38 ALMADA, 1997.
22
BARTELT, D. D. O cerco discursivo de Canudos. In: Revista Cadernos do CEAS, 1997.
COSTA, N. S. Canudos. Ordem e progresso no sertão. São Paulo: Moderna, 1990.
EUCLIDES DA CUNHA. Os Sertões. 30ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.
FERNANDES, O . A questão agrária no Brasil. Simpro – MG, 1997. p.72
GALVÃO, W. N. No calor da hora. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1977.
PAES, F. O resgate da história de Canudos através da músisa e poesia populares. In: Revista
Contraponto, UCSAL, n.1, nov/1998.
SILVA, J. G. A Reforma Agrária Brasileira na virada do milênio. Campinas, SP: ABRA, 1996.
SILVA, H. Coleção Os Presidentes. São Paulo: Três, 1983.
VIANA FILHO, L. O Epsódio de Canudos, Rio de Janeiro, Salamandra, 1978.
VILLA, M. A . Canudos o povo da terra. São Paulo: Ática, 1995.
INTERNET:
CANUDOS - http://wwwportifolium.com.br MST – http://www.sanet.com.br/~semterra/
VÍDEO: – Guerra de Canudos.